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Licenciado
24 para - João Carlos Oliveira Santos Júnior - Protegido
Physicæ 9,por Eduzz.com
2010
Sobre o acoplamento corda-corpo em guitarras elétricas e sua relação com o timbre do instrumento
II. MATERIAIS E MÉTODOS de 96mm da extremidade de onde a corda está presa, sendo
comprimento da corda L=647mm. O som obtido foi captu-
Para a análise dos sons das guitarras elétricas com corpos de rado diretamente do captador da guitarra elétrica usando uma
diferentes madeiras, ver Tab. I e Fig. 1, foram realizados al- placa de som externa do tipo M-audio Fast Track USB ligada
guns procedimentos para garantir a reprodutibilidade dos da- a um notebook para a gravação e também ligada a uma caixa
dos, sendo: o braço, o captador, a ponte e as tarraxas utilizados de som para monitoramento. Também foi gravado para cada
foram os mesmos para os diferentes corpos, também foi utili- guitarra elétrica montada com cada corpo da Tab. I um tre-
zado um conjunto novo de cordas GEEGST 10 Série Guitarra cho musical de aproximadamente 30s composto e executado
da marca Giannini para cada corpo. pelo autor RMP. Os arquivos de som foram analisados com
o software Audacity [12], versão 1.3. Para cada corpo foram
obtidos e gravados cinco sons, de cada um deles foi obtido
Tabela I: Madeiras utilizadas na construção dos corpos das o espectro de harmônicos, com estes cinco espectros foi feita
guitarras elétricas, de A até I. São apresentados o nome uma média. Este espectro médio é o espectro utilizado para
vulgar, o nome científico, a massa do corpo e a velocidade de fins de comparação dos timbres resultantes das guitarras elé-
propagação do som no corpo. tricas construídas com corpos de diferentes madeiras. Na Tab.
I são apresentados os valores das massas de cada corpo e a
velocidade de propagação do som em cada corpo, resultado
Corpo Nome m (×103 g) v (m/s) obtido utilizando o Lucchimeter [13], com medida realizada
Nome científico
no sentido das fibras da madeira e a temperatura ambiente.
Araucária
A Araucaria angustifolia 2,73 6780
Cedro-rosa III. RESULTADOS E DISCUSSÃO
B Cedrela fissilis 1,83 5252
Freijó Para garantir a reprodutibilidade dos resultados é fundamen-
C Cordia goeldiana 2,67 5931 tal que as excitações mecânicas realizadas nas cordas sejam
Imbuia idênticas. Esta prerrogativa é verdadeira, pois pode ser ve-
D Ocotea porosa 3,18 1792 rificada nos espectros obtidos via excitação mecânica para a
Jequitibá
corda mi ( f0mi =82,4Hz) da guitarra elétrica montada no corpo
E Cariniana sp. 3,36 5428
Marupá
A mostrados na Fig. 3. Como os espectros são idênticos, o
F Simarouba amara 1,93 5562 número de cinco medidas para a obtenção do espectro médio
Mogno foi considerado suficiente.
G Swietenia macrophylla 2,86 4496 O primeiro conjunto de medidas realizado consistiu em ob-
Pinus ter o espectro para a nota mi ( f0mi =82,4Hz), a qual corres-
H Pinus tæda 2,20 4055 ponde a corda com a nota de menor freqüência da guitarra elé-
Tauari trica. Seguindo o procedimento experimental descrito anteri-
I Couratari sp. 4,03 5887 ormente e o processo descrito para o tratamento dos dados, fo-
ram obtidos os espectros médios para cada corpo, os quais são
M1
M2
Figura 4: Espectros médios de harmônicos obtidos para os
corpos descritos na Tab. I para a corda mi ( f0mi =82,4Hz).
M3
M4
toria, com aproximadamente 30s de duração em cada uma das
guitarras elétricas montadas com cada um dos corpos da Tab.
I. Estes trechos musicais foram gravados com a mesma mon-
M5
tagem utilizada para as gravações das excitações mecânicas
e procedeu-se obtendo o espectro sonoro [? ], os quais são
100 200 300 400 500 600 700 800 900 mostrados na Fig. 6 e são idênticos entre sí. Como neste
freqüência (Hz) trecho musical não foram utilizadas as notas extremamente
agudas, optou-se por mostrar a faixa de freqüências que vai
desde 82,4Hz (nota mais grave emitida pela guitarra elétrica)
Figura 3: Espectros de harmônicos obtidos para a corda mi até 1600 Hz. A complexidade deste espectro sonoro está asso-
( f0mi =82,4Hz) da guitarra elétrica com o corpo A (ver Tab. I) ciada ao fato de que para cada nota tocada, existe um conjunto
em cinco medidas via excitação mecânica (M1 a M5). As de harmônicos associado e, como foram tocadas inúmeras no-
formas e as intensidades dos diversos picos são idênticas, tas de diferentes freqüências, todos estes conjuntos de harmô-
fato que garante a reprodutibilidade das medidas segundo a nicos de cada nota possuem contribuições neste espectro. Este
metodologia adotada e justifica o uso de cinco medidas para conjunto de espectros é o resultado mais importante aqui apre-
a obtenção do espectro médio de uma determinada nota sentado, pois ao contrário da excitação mecânica controlada
obtida com a guitarra elétrica montada em um certo corpo. que pouco tem relação com a execução musical, foi realizado
com um trecho musical tocado por uma pessoa. Como inúme-
ras notas musicais de diferentes freqüências foram tocadas, o
espectro obtido tem uma forma bem mais complexa que os
O segundo conjunto de medidas realizado consistiu em ob-
espectros obtidos para uma única corda excitada mecânica-
ter o espectro para a nota ré ( f0ré =146,8Hz), a qual corres- mente.
ponde terceira corda da guitarra elétrica indo do grave para o O fato de espectros complexos como os mostrados na Fig. 6
agudo. Procedeu-se como para a nota mi. O conjunto de es- serem semelhantes em uma gama considerável de freqüência
pectros médios obtidos para cada um dos corpos é mostrado evidencia que os resultados obtidos para as cordas mi e ré po-
na Fig. 5, sendo mostradas as 10 componentes mais intensas, dem ser extendidos para outras cordas e outras notas musicais
possuindo as freqüências n f0ré , com n inteiro de 1 até 10. Es- de diferentes freqüências, pois os espectros não começam a di-
tes espectros também não apresentam ruídos e são idênticos fererir a partir de um determinado valor de freqüência. Pode-
entre sí quando comparados, fato que reforça a idéia de que a se argumentar a partir destes resultados que de forma geral
interação entre o corpo da guitarra elétrica e a corda deve ser as cordas não possuem um acoplamento significativo com o
desprezível. corpo da guitarra elétrica.
No intuito de realizar um experimento mais próximo da re-
alidade, o autor RMP executou um trecho musical de sua au-
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Sobre o acoplamento corda-corpo em guitarras elétricas e sua relação com o timbre do instrumento
A
A
intensidade (unidades arbitrárias)
C
C
D
D
E
E
F
G
G
H
H
I
200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600
freqüência (Hz) freqüência (Hz)
Figura 5: Espectros médios de harmônicos obtidos para os Figura 6: Espectros de harmônicos obtidos para um trecho
corpos descritos na Tab. I para a corda ré ( f0ré =146,8Hz). musical de aproximadamente 30s executado pelo autor RMP.
Verifica-se que em todos os espectros as estruturas que
aparecem são idênticas na forma, freqüência e intensidades
relativas.
IV. MODELAGEM DOS RESULTADOS
Uma forma simples de modelar o resultado obtido ex-
perimentalmente consiste na obtenção das impedâncias ca- sendo L o comprimento da corda.
racterísticas dos seguintes componentes: a corda (Z1 ), a base Considerando v1 constante
da ponte (Z2 ) e o corpo da guitarra elétrica (Z3 ). Uma vez Z L
obtidas, estas quantidades podem ser usadas para se obter a Z˜1 = v1 ρL dl (3)
quantidade de energia da corda que chega até o corpo da gui- 0
tarra elétrica por ciclo de oscilação da corda [15].
A impedância característica de uma corda cuja densidade li-
Z˜1 = m1 v1 , (4)
near seja ρL , e cuja onda se propague com velocidade v1 =
λ1 f , sendo o comprimento de onda λ1 e f a freqüência, é sendo m1 a massa da corda. Procedendo da mesma forma para
dada por Z2 , integrando sobre o volume da base da ponte V2 , obtém-se
Z1 = v1 ρL . (1) Z Z
Z˜2 = Z2 dV = v2 ρ2 dV = m2 v2 . (5)
V2 V2
Da mesma forma para a base da ponte Z2 = v2 ρ2 , onde agora
entram a densidade do metal, ρ2 , do qual é feito a base da Para Z3 , integrando-se sobre o volume do corpo V3 , obtém-se
ponte (captador) e a velocidade de propagação do som neste Z Z
material, v2 . Finalmente para o corpo da guitarra elétrica
Z˜3 = Z3 dV = v3 ρ3 dV = m3 v3 . (6)
Z3 = v3 ρ3 , onde entram a densidade da madeira, ρ3 e a velo- V3 V3
cidade de propagação do som nesta madeira, v3 . Como estas
impedâncias tem unidades diferentes: Agora as quantidades Z˜1 , Z˜2 e Z˜3 possuem a mesma unidade
para a eq. (8) foi adotada a aproximação da velocidade do Tabela II: Coeficientes C13 e C131 calculados para a corda mi
som na madeira como sendo constante e cujo valor adotado ( f0mi =82,4Hz) para os corpos citados na Tab. I.
foi o valor medido na direção das fibras da madeira.
Propõe-se escrever o coeficiente de transmissão de energia Corpo C13 (×10−4 %) C131 (×10−5 %)
[2] do meio 1 para o meio 2 escrito agora em termos de Z˜1 e A 4,623 2,137
Z˜2 é dado por B 8,217 6,753
C 5,324 2,834
4Z̃1 Z̃2 D 12,42 15,43
C12 = 2 . (7) E 4,686 2,196
Z̃1 + Z̃2 F 7,485 5,602
G 6,404 4,101
Da mesma forma do meio 2 para o meio 3, agora em termos H 8,742 7,643
de Z˜2 e Z˜3 I 3,678 1,353
4Z̃2 Z̃3
C23 = 2 . (8)
Z̃2 + Z̃3 Tabela III: Coeficientes C13 e C131 calculados para a corda ré
( f0ré =146,8Hz) para os corpos citados na Tab. I.
E o coeficiente de transmissão do meio 1 para o meio 3 é o
produto de C12 com C13 :
Corpo C13 (×10−4 %) C131 (×10−5 %)
16Z̃1 Z̃22 Z̃3
C13 = 2 2 (9) A 8,227 6,769
Z̃1 + Z̃2 Z̃2 + Z̃3 B 14,62 21,38
C 9,474 8,977
A relação (9) permite estimar a quantidade de energia da corda D 22,11 48,89
(correspondente a 100%) que chega até o corpo do instru- E 8,339 6,954
mento. Aqui é importante notar que formalmente este resul- F 13,32 17,74
tado deve ser obtido resolvendo-se a equação de onda para G 11,39 12,987
H 15,55 24,20
o sistema corda-base ponte-corpo, algo que só pode ser rea-
I 6,545 4,284
lizado numéricamente através, por exemplo, do método dos
elementos finitos. Pode-se definir também um coeficiente que
estima qual a porcentagem da energia da corda, passa pela
base da ponte, chega ao corpo e realiza o caminho inverso da corda (∼ 10−4 de forma geral), e o coeficiente C131 aponta
voltando até a corda como sendo que uma quantidade ainda menor retorna do corpo até a corda
2 (∼ 10−5 % de forma geral). Para ambas as cordas, a maior
C131 = C13C31 = C13C13 = C13 . (10) transmissão ocorreu para o corpo D (imbuia), e se deve ao
fato desta madeira possuir a menor velocidade de propagação
As cordas da guitarra elétrica são: mi ( f0mi =329,6Hz) do som, fazendo com que a quantidade Z˜3 fosse menor (apesar
com massa 0,51g; si ( f0sí =246,9Hz) com massa 0,76g; da massa deste corpo não ser a menor) e, consequentemente
sol ( f0sol =195,9Hz) com massa 1,16g; ré ( f0ré =146,8Hz) mais próxima de Z˜2 , o que segundo a eq. (8) aumenta a trans-
com massa 2,00g; lá ( f0lá =110,0Hz) com massa 3,45g; mi missão de energia da base da ponte para o corpo da guitarra
elétrica. Também para ambas as cordas a menor transmissão
( f0mi =82,4Hz) com massa 5,50g. Para se obter a massa acontece para o corpo I (tauari), o qual devido a sua massa (a
das cordas foi usada uma balança de precisão, com erro de maior dentre todos os corpos) e a sua elevada velocidade de
±0,01g. As freqüências das notas musicais das produzidas propagação do som (a terceira maior dentre as madeiras estu-
pelas cordas soltas da guitarra elétrica correspondem ao sis- dadas) leva Z˜3 a um valor elevado, diminuindo, segundo a eq.
tema temperado [4], com referência a nota lá ( f = 440 Hz). (8), a quantidade de energia transmitida da base da ponte para
A massa da base da ponte, onde as cordas ficam presas é de o corpo da guitarra elétrica. Uma discussão semelhante a esta
245,3g. Essa é parte do instrumento que liga as cordas com é apresentada para o caso do violino na Ref. [2].
o corpo, sendo constituída de latão, cuja velocidade de propa- Estes valores negligenciáveis aqui calculados explicam por-
gação do som é 3490 m/s [15] em temperatuta ambiente. O que não foi possível perceber diferenças entre as guitarras elé-
braço da guitarra elétrica não foi incluído em nossos cálculos tricas com corpos de diferentes madeiras, pouquíssima ener-
como sendo parte do corpo da guitarra elétrica, sua massa é gia sai da corda vai até o corpo e retorna até a corda [8, 9],
de 974,1g. a influência desta quantidade não foi detectada na montagem
Nas Tabs. II e III são mostrados os valores calculados para detalhada neste trabalho.
os coeficientes C13 e C131 para as cordas mi ( f0mi =82,4Hz) e
ré ( f0ré =146,8Hz) para cada corpo da Tab I. O coeficiente C13
mostra que a quantidade de energia que chega da corda até o
corpo já é uma porcentagem bastante reduzida da energia total
Licenciado
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Physicæ 9,por Eduzz.com
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