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O CAPITALISMO NA AMAZÔNIA

A EXPANSÃO DO CAPITALISMO NA AMAZÔNIA

A economia da região amazônica em geral e do Pará em particular, tem como principal carac-
terística de sua base produtiva o peso do extrativismo mineral e vegetal. Desde os séculos XV
e XVI, quando teve suas terras disputadas por aventureiros de diversas nacionalidade, o Pará
na calha do gigantesco rio Amazonas e, em seguida pelas outras trilhas e localidades coloniza-
das ao longo da teia de rios da região, ofereceu recursos naturais fartos, que pouco exigiam
além do esforço da coleta para a acumulação de bens a serem comercializados para as mais
diversas nações da época.

Assim foi com a castanha, que de


tão abundante e característica aca-
bou batizada em todo o país com o
sobrenome de sua origem, Casta-
nha-do-Pará, e com a borracha, que
de tão pródiga e valiosa deu aos
amazônidas a impressão de que se
tratava do verdadeiro e eterno ouro
do Eldorado. Os ciclos extrativistas
acabaram de forma melancólica,
quase tão rápido quanto começa-
ram, provando aos amazônidas que
a riqueza da região não será alcan-
çada com a simples sangria da flo-
resta, sem que haja o esforço da
transformação por parte do ho-
mem, incorporando valor aos bens
matérias.
O desafio da região amazônica é o
da transformação de sua base produtiva, em que o extrativismo vegetal cede lugar ao extrati-
vismo mineral, realizado não por estruturas empresariais primitivas que escravizam o caboclo
da região, mas através de grandes empresas de capital nacional e internacional, que criam
ilhas de riqueza, porém, com pouca ou nenhuma relação interativa com a economia global,
praticamente sem industrializar aqui o produto mineral, sem induzir a formação de cadeias
produtivas geradoras de renda e ocupação, lucrando com o produto de suas escavações e pouco
deixando em pagamento de tributos, graças a uma generosa política de incentivos fiscais.
Dos quatro principais polos de modernidade da Amazônia, dois estão no Pará: o Triângulo de
Carajás e o Polo Agropecuário do Sudeste Amazônico. Os outros dois são a Zona Franca de
Manaus e o Polo Agrícola de Rondônia. Estas ilhas são o que restou de maciços investimentos
do governo federal na infraestrutura da região durante as décadas de 1960 e 1970, o que

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gerou uma dinâmica econômica fortemente dependente dos incentivos oficiais, e que ficou órfã
deste apoio com a crise econômica dos anos 80, quando o país viveu junto com a região, um
período de estagnação.
Com a estabilização econômica, a partir da implantação do plano real, o governo federal voltou
a investir em infraestrutura, privilegiando eixos nacionais de integração e desenvolvimento,
que tem na Amazônia as hidrovias como espinha dorsal. A energia elétrica e diversificação da
mineração colocaram a região em posição vantajosa, em termos de oportunidade de investi-
mentos, em relação às outras regiões do país. Com a aproximação da frente agrícola do Cer-
rado, a Amazônia receberá cada vez mais agricultores do Centro-Oeste em busca de novas
terras para plantar, novos mercados consumidores e canais para escoamento da produção, di-
namizando eixos como a Belém-Brasília, Santarém-Cuiabá, Cuiabá-Porto Velho, Porto Velho-
Manaus, Manaus-Boa Vista e Transamazônica.

Refinaria Alunorte controlada pela Norsk Hydro

O próprio eixo nacional da produção mineral estará cada vez mais deslocado para a Amazônia,
onde está previsto a conclusão de projetos de extração de caulim, cobre, ferro e manganês em
Carajás e os polos metalúrgicos da Albrás-Alunorte, além de mais mineração de alumínio no
rio Trombetas e a expansão do gás e do petróleo em Urucu, no Amazonas. Para tal, será indis-
pensável criar uma base científica e tecnológica e qualificar os recursos humanos, o que de-
pende em grande parte de um poder público consciente e com visão de futuro, capaz de com-
preender a importância da biotecnologia para uso sustentável dos recursos naturais. Assim, o
que ocorre no espaço amazônico está em relação direta com movimento da economia brasileira
e, por via desta, com as transformações na ordem capitalista mundial. A Amazônia se torna

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cada vez mais um símbolo da responsabilidade global em manter intocados alguns ecossiste-
mas, com reservas futuras de qualidade de vida para a humanidade, e que deverão permanecer
preservados como santuários.
No entanto, será inevitável que a Amazônia continue a abrigar migrantes de todas as regiões
do país, pelo próprio esgotamento dos espaços e das reservas nessas regiões, constituindo-se
em nova fronteira agrícola, mineral e industrial, recebendo investimentos tanto nacionais
quanto estrangeiros, com a obrigação de gerar empregos e renda, com qualidade de vida.

NOÇÕES DE CAPITALISMO

Quase todos os dias se ouve falar que o Brasil é um país capitalista, que o sistema que predo-
mina no Brasil e no mundo é o capitalismo. Vamos tentar explicar o que isso significa.
O capitalismo é um sistema econômico que se desenvolveu entre o século XV e XVIII e foi se
consolidando. Ele é caracterizado pela aquisição de capital proveniente do comércio e apropri-
ação do trabalho humano (escravo ou assalariado). O capitalismo está voltado para a fabricação
de produtos comercializáveis, denominados mercadorias, com o objetivo de obter o lucro. Esse
sistema está baseado na propriedade privada dos meios de produção, ou seja, todos os utensí-
lios, ferramentas, matérias-primas e edificações utilizados na produção pertencem a alguns
indivíduos (os capitalistas).

Nas sociedades capitalistas, o elemento central da economia é o capital, que pode ser entendido
como o dinheiro que é investido no processo produtivo, com o objetivo de gerar lucro. Diferen-
cia-se do dinheiro que se destina à satisfação das necessidades pessoais dos indivíduos. O

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capital é aplicado em instalações, máquinas, mão-de-obra, entre outros elementos ou agentes
de produção.
Como no capitalismo a produção se destina ao mercado, ou seja, à comercialização, dizemos
que os países capitalistas adotam a economia de mercado. É em função das necessidades do
mercado que se desenvolvem a produção, a circulação (ou sistema de distribuição para o mer-
cado consumidor) e o consumidor dos produtos. Essas etapas caracterizam o chamado ciclo de
reprodução do capital.
Para produzir e comercializar suas mercadorias, os proprietários contratam empregados, os
não-proprietários, que nessa relação também estão vendendo uma mercadoria: sua força de
trabalho.
Até o início do século XX, podia-se analisar o sistema capitalista pela oposição de duas classes
sociais: a burguesia detentora do capital, e o proletariado, formado pelos trabalhadores. Cada
vez mais, porém, as transformações econômicas, sociais, tecnológicas e o aprofundamento da
divisão social, tecnológicas e o aprofundamento da divisão social do trabalho têm inserido ele-
mentos novos na sociedade capitalista, de modo que hoje é preciso considerar fatores como o
surgimento de novas atividades e novas práticas profissionais necessárias para atender às
exigências de um mercado cada vez mais diversificado.
Aspectos como o poder da mídia sobre a opinião pública, a manipulação exercida pela indústria
da propaganda, o acesso à cultura e à tecnologia a especialização do trabalho, a terceirização
da mão-de-obra e a redução da oferta de empregos ganham cada vez mais destaque.

A AMAZÔNIA NA DIVISÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DO TRABALHO

A colonização europeia do século XV e, mais recentemente, o imperialismo do século XX, im-


puseram as diferentes nações do mundo a economia capitalista. Definiu-se assim, o que cada
território deveria produzir, orientando-se a política econômica desses países. A partir de então,
cada nação passou a ter um papel específico na produção econômica internacional. Esse pro-
cesso é chamado de Divisão Internacional do Trabalho, que passou a ocorrer em nível mundial
e que, neste caso, é chamada de Divisão Internacional do Trabalho (D.I.T.). A produção econô-
mica dos países passou a ser diferente, intensificando ainda mais a circulação de mercadorias,
ou seja, o comércio. Isto ocorre porque nenhum país é capaz de suprir sozinho suas necessida-
des internas, precisando, portanto, comprar no exterior o que não produz.
A D.I.T. proporciona o enriquecimento dos países centrais e o empobrecimento dos países pe-
riféricos. A razão é que o tipo de relacionamento estabelecido entre os países aumenta a de-
pendência e a desigualdade entre os mesmos, como também divide os países em exploradores
e explorados, ou seja, países centrais, também chamados de primeiro mundo ou desenvolvidos,
que lideram a economia mundial, como os Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra e países
periféricos, também chamados de terceiro mundo ou subdesenvolvidos, como é o caso de Bra-
sil, México e Filipinas, que voltam a sua produção para atender o mercado externo, a saber, os
países centrais, sendo explorados por estes.

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O PAPEL DA AMAZÔNIA NA D.T.T.

Neste contexto, qual o relacionamento da Amazônia com as outras regiões do Brasil e do resto
do mundo?
A Amazônia no contexto internacional, exerce o papel de fornecedora de matérias-primas, des-
tinadas à venda ao mercado externo. Os principais produtos importados pela região amazônica
(produtos eletrônicos, caldeiras, produtos musicais e produtos químicos) ultrapassam os valo-
res dos produtos exportados (madeira, caulim, hematita, castanha-do-Pará, mesmo que as ex-
portações aconteçam em maior volume, o que demonstra a desvalorização dos produtos expor-
tados pela Amazônia.

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Vejamos agora para onde fo-
ram esses produtos. Países
como Alemanha, Estados
Unidos e Reino Unido são os
campeões de exportações.
Quanto as importações, paí-
ses como Japão, Estados Uni-
dos e Venezuela são os que
mais se destacam. A Amazô-
nia, a cada ano, tem que au-
mentar a exploração de pro-
dutos naturais, pois o país
precisa arrecadar recursos fi-
nanceiros que se destinam,
por exemplo, ao pagamento
de sua dívida externa.
Devemos lembrar que, desde
a época colonial, a Amazônia já tinha ligação comercial direta com o exterior. Exportava drogas
do sertão para atender à produção farmacêutica e servir de condimento à alimentação europeia
e, em troca, recebia produtos manufaturados. Esse processo se intensificou ainda mais com a
exploração da borracha. Não é de hoje que a Amazônia se especializou em exportar determina-
dos produtos naturais para o mercado internacional. Portanto, o seu papel na Divisão Interna-
cional do Trabalho já foi estabelecido desde a época da colonização europeia.
A partir de 1960, a Amazônia se integrou, efetivamente, ao mercado nacional e melhor definiu
seu papel no contexto brasileiro, através de um volume maior de exportação também de pro-
dutos naturais (borracha, madeira, peles, etc.) para o centro-sul do país. Outro papel que a
Amazônia que tem assumido com o restante do país é o de receber grande quantidade de imi-
grantes de outras regiões que estão densamente povoadas e com sérios problemas sociais,
desse modo, aumentando os já existentes na região.
Também não podemos deixar de citar o papel que a Amazônia tem para os investidores do
Centro-Sul, que compram terras tentando ampliar seu capital. Porém, por outro lado, a aquisi-
ção de terras representa também uma garantia de empréstimos bancários e, ainda seve como
fonte de extração de recursos naturais. Esses relacionamentos da Amazônia com as outras
regiões do Brasil e do mundo tem demonstrado a exploração contínua de seus recursos natu-
rais. Isso assegura o enriquecimento de alguns grupos econômicos nacionais e internacionais
e não permite que a população local seja beneficiada, causando, assim, insatisfação que gera
graves conflitos sociais.

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INTERFERÊNCIA DO ESTADO NA ECONOMIA DO PARÁ

1964: A POLÍTICA NO PARÁ E A INTEGRAÇÃO NACIONAL

O Movimento militar de 1964, deflagrado na noite de 31 de março de 1964, em Minas Gerais,


sob o comando do general Olímpio Mourão Filho, contra o governo instituído do presidente
João Goulart, marcou profundamente a vida política e social do Brasil. Apoiado por empresá-
rios, proprietários rurais e setores da classe média, o movimento reagiu principalmente às
“reformas de base” propostas pelo governo com o apoio de partidos de esquerda, acusando o
presidente de pretender estabelecer uma “república sindicalista”. O período caracteriza-se pelo
autoritarismo, supressão de direitos constitucionais, perseguição policial e militar, e utilização
da tortura para obter a confissão dos presos e sequestrados que se opunham ao regime. A li-
berdade de expressão nos meios de comunicação foi suprimida mediante a adoção da censura
prévia. Foi de extrema importância para os governos militares o papel desempenhado pelo
Serviço Nacional de Informação (SNI), criado pelo general Golbery do Couto e Silva.
Chegando ao poder, os militares realizaram profunda alteração constitucional, promulgaram o
Ato Institucional nº 1 — que cassou mandatos, suspendeu a imunidade parlamentar e direitos
políticos — e promoveram a eleição, pelo Congresso Nacional, de um novo presidente, o mare-
chal Humberto de Alencar Castelo Branco, que governou até 1967. Os partidos políticos foram
abolidos e instalado o bipartidarismo.

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No campo econômico foi definido um modelo baseado no binômio desenvolvimento/segurança.
O planejamento centralizado contribuiu para a estatização da economia, desempenhando o Es-
tado atividades de gerenciamento da produção. Como ocorreu em outros países, a crise mundial
da década de 1970 agravou o problema econômico brasileiro, acentuando a concentração de
renda e os problemas das populações mais pobres.

A POLÍTICA DURANTE A DITADURA NO PARÁ

Em março de 1964 os acontecimentos apanharam de surpresa os governantes estaduais e


territoriais e os próprios militares no Pará. A noite de 31 de março de 1964, com o levante
liderado pelo general Mourão Filho, provocou grande surpresa entre os paraenses; durante a
noite, a hesitação; no dia 1º de abril, a adesão.
No Pará, tanto Aurélio do Carmo quanto Moura Carvalho estavam ausentes, pois juntamente
com outros líderes pessedistas, tinham ido ao Rio de Janeiro, participar da convenção nacional
do PSD – Partido Social Democrático. Os comandantes militares eram: general Orlando Rama-
gem (que fora chefe da Casa Militar do governo de Juscelino Kubitschek), comandante militar
da Amazônia (na época o comando era em Belém); brigadeiro-do-ar Armando Serra de Mene-
zes, da 1ª Zona Aérea; e capitão-de-mar-e-guerra Boris Markenson, no 4º Distrito Naval (in-
terinamente).
Em 1º de abril, o governador em exercício, Newton Burlamaqui de Miranda, e os comandantes
militares assinaram e publicaram uma nota oficial que apoiava o movimento militar. A fideli-
dade da tropa, porém, ao golpe, estava assegurada, com destaque ao 26º BC, sob o comando
do então coronel Oscar Jansen Barroso, à 5ª Companhia de Guardas, comandada pelo capitão

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Douglas Farias de Souza, à Companhia de Fuzileiros Navais, comandada pelo capitão-tenente
Cunha, e à Flotilha do Amazonas, que obedecia ao comando do capitão-de-fragata Eugênio
Frazão.
No dia 21 de maio era o general Ernesto Bandeira Coelho designado para a presidência da Co-
missão de Investigação Sumária e nomeava escrivão dessa comissão o tenente-coronel José
Lopes de Oliveira. Com o início dos trabalhos da comissão, vários secretários de Estado foram
detidos e levados para os quartéis. O jornalista Hélio Gueiros, diretor-geral do jornal O Liberal,
e que era deputado estadual e líder da bancada do PSD na Assembleia Legislativa, protestou e
também foi preso, sendo recolhido à 5ª Companhia de Guardas.
Concretizada as cassações, o deputado Dionísio Bentes de Carvalho assumiu o governo do Es-
tado, enquanto a Assembleia Legislativa não elegia os novos governador e vice. Os deputados
que apoiavam a revolução tinham o seu candidato a governador: o coronel Jarbas Passarinho;
o comando revolucionário também indicou o seu nome. Moura Carvalho conseguiu que Hélio
Gueiros fosse solto. No dia 9 de junho, enquanto procuravam compor tudo para a eleição de
Jarbas, a escolha dos candidatos a prefeito e vice de Belém já estava sacramentada. O prefeito
seria o major Alacid da Silva Nunes, por indicação do próprio Jarbas; e o vice seria o vereador
Irawaldir Rocha, indicação de Alacid.
Foi pacífica a eleição de Jarbas e Agostinho Monteiro pela Assembleia Legislativa. A posse de
ambos aconteceu na manhã de 15 de junho. Desta forma, Jarbas Passarinho fora eleito indi-
retamente pela Assembleia Legislativa para governador do Estado do Pará.
Com a extinção dos antigos partidos que apoiavam o movimento se concentraram na Aliança
Renovadora Nacional, Arena; e a oposição ficou com o pequeno Movimento Democrático Bra-
sileiro, MDB, que abrigava todas as correntes que se opunham ao poder dos militares.

A POLÍTICA DE SOBERANIA NACIONAL: COLONIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO PARÁ

A partir da década de 1960, o Estado do Pará entrou em um período de mudanças significati-


vas que eram resultado da política de soberania nacional do governo militar. Na verdade, tudo
já havia começado com a construção da rodovia Belém-Brasília, inaugurada em 1961, que
unira o Pará e Brasília, a nova capital do País, inaugurada no ano anterior.
A BR-010, conhecida como Rodovia Belém-Brasília, é uma rodovia federal radial do Brasil.
Seu ponto inicial fica na cidade de Brasília (DF), e o final, em Belém (PA). Passa pelo Distrito
Federal e pelos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará.
Contudo, a região cruzada pela Belém-Brasília tinha uma densidade populacional muito baixa,
construída basicamente por aldeias indígenas distantes uma das outras. Pouco tempo depois
da construção, novas formas de presença humana surgiram nos entroncamentos da região.

TEXTO E CONTEXTO

Marcado pelo “subpovoamento regional” (...) a região norte se constitui, assim, no maior es-
paço do país a povoar (...) O fator principal deste subpovoamento deve ser procurado na mar-
ginalização da ocupação e valorização da Amazônia quanto à economia do Brasil.

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(SUDAM. Subsídios ao Plano Regional de Desenvolvimento (1972-1974). O potencial humano. Belém-Pará,
1971. pp. 30-31.)

O objetivo de ligação do Pará com as regiões mais dinâmicas do país era ocupar a região, tra-
zendo pessoas para desenvolver em atividades diversas, como ocupação da terra, exploração
da floresta, garimpagem e poderosos projetos industriais. Neste contexto, milhares de pessoas
chegaram para conseguir terras no Pará. O grande deslocamento de migrantes nordesti-
nos para a região na época é um exemplo. As ocupações ocorreram através de pequenos colo-
nos, no qual o Governo havia instalado pequenas propriedades de agricultores; a ocupação com
capital de empresas, no qual uma grande parte das terras haviam sido ocupadas por pessoas
que dispunham de capital; a ocupação por fazendeiros, em sua maioria pecuaristas provenien-
tes da região de outros estados; e as ocupações espontâneas por parte dos posseiros, que to-
mavam posse das terras, mas não possuíam o título de propriedade da mesma.

TEXTO E CONTEXTO

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As conquistas essenciais, quanto à Amazônia, proposta pelo Governo Federal, referem-se à
utilização de uma “estratégia que promova o progresso de novas áreas e a ocupação de espaços
vazios”, e a “integração do desenvolvimento do Nordeste com a estratégia da ocupação econô-
mica da Amazônia”.

(SUDAM. Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1972-1974). Capítulo 1. Objetivos e Estratégias. Belém-


Pará, 1971. p. 13.)

A Rodovia Transamazônica (BR-


230) foi projetada durante o go-
verno do presidente Emílio Garras-
tazu Médici (1969 a 1974) sendo
uma das chamadas "obras faraôni-
cas" devido às suas proporções gi-
gantescas, realizadas pelo regime
militar, é a terceira maior rodovia do
Brasil, com 2.300 km de compri-
mento, cortando os estados brasilei-
ros do Piauí, Maranhão, Pará e Ama-
zonas. Nasce na cidade de Cabedelo
na Paraíba. É classificada como ro-
dovia transversal. Em grande parte,
a rodovia não é pavimentada.
Planejada para integrar melhor o
Norte brasileiro com o resto do país,
foi inaugurada em 30 de agosto de
1972. Inicialmente projetada para
ser uma rodovia pavimentada com 8 Obras na Transamazônica, 1973.
mil quilômetros de comprimento,
conectando as regiões Norte e Região Nordeste do Brasil com o Peru e o Equador, não sofreu
maiores modificações desde sua inauguração.
Com a inauguração da Transamazônica (BR-230) a colonização da região continuou. Contudo
a vida das pessoas instaladas na região não foi fácil. O Governo Federal não resgatou o com-
promisso social assumido com os colonos assentados, pois as áreas não dispunham dos servi-
ços públicos essenciais, tais como luz elétrica, água encanada, telefone, etc. O atendimento
educacional e a assistência médica eram extremamente deficientes e, no inverno, a estrada
ficava intransitável.

TEXTO E CONTEXTO

Para a Amazônia, especificamente, o programa de Integração Nacional apresentava, como pro-


jetos prioritários, a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, com vasto

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plano de colonização das terras marginais dessas estradas, visando a desafogar áreas super-
povoadas, notadamente do Nordeste.

(SUDAM. Amazônia: política e estratégia de ocupação e desenvolvimento. Capítulo II, Desenvolvimento. Be-
lém-Pará: Sudam/Divisão de Documentação, 1973. p. 8.)

Houve também a construção da Cuiabá-Santarém (BR-163) que liga a capital do Mato Grosso,
Cuiabá, a Santarém, no Pará. A estrada atravessa uma das regiões mais ricas do País em
recursos naturais e potencial econômico, sendo marcada pela presença de importantes biomas
brasileiros, como a Floresta Amazônica e o Cerrado e áreas de transição entre eles, além de
bacias hidrográficas importantes, como a do Amazonas, do Xingu e Teles Pires-Tapajós.
A abertura da BR 163, a rodovia Cuiabá-Santarém, ou Santarém-Cuiabá como preferem os
paraenses, no ano de 1973, representou uma oportunidade de integração nacional e expansão
das atividades econômicas para uma região até então praticamente desabitada.

Durante mais de 25 anos, a co-


lonização da região paraense
foi marcada profundamente
pela concentração fundiária.
Os estabelecimentos pequenos
receberam pouca, ou quase ne-
nhuma, ajuda governamental,
ocupavam uma pequena pro-
porção das terras (20%). No
entanto, as políticas públicas
facilitavam a concentração de
terras por grandes proprietá-
rios.
Esta onda de colonização e in-
tegração do Pará estava inti-
mamente ligada à política de
Estradas no Pará, saída de Altamira para leste. soberania nacional do governo
militar que possuía todo um in-
teresse em proteger a sobera-
nia brasileira sobre a Amazônia contra interesses estrangeiros, em um momento em que havia
todo um interesse da comunidade internacional (ONU, FAO) pela Amazônia, seja no sentido de
proteger a floresta e os índios nativos, seja pela luta por terras livres por países que não dis-
punham mais de terras livres para a sua agricultura. Assim, havia o medo de um controle
internacional da Amazônia, segundo os militares que governavam o país com poderes absolu-
tos, a partir de 1964. O assunto se tornou matéria de segurança nacional. A palavra oficial
foi: ‘Integrar (a Amazônia ao resto do país) para não entregar (a Amazônia a potências estran-
geiras) ’.

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TEXTO E CONTEXTO

Como já referi, a Amazônia não apresenta efetivo humano proporcional à vastidão de seu ter-
ritório. Todavia, embora seja comum e generalizado o conceito de Amazônia como um vazio
demográfico, a verdade é que sua população se distribui de modo muito irregular, apresentando
núcleos populacionais por vezes bastantes densos, separados entre si por grandes espaços pra-
ticamente desabitados.
A distância e o isolamento têm sido os principais óbices à difusão do progresso e dos benefícios
da civilização entre as populações interioranas da Amazônia.

(SUDAM. A Amazônia e seus problemas. Elemento Humano. Belém-Pará: Sudam/Divisão de Documentação,


1972. pp. 13-14.)

A ideia do Presidente era ocupar


os espaços considerados como
vazios para manter a Amazônia
brasileira, não considerando a
própria existência de índios e ca-
boclos da região. Em 1970,
a Política de ufanismo pós
1964, estratégia de propaganda
política elaborada pela Assesso-
ria Especial de Relações Públicas
(Aerp) do governo do presi-
dente Emílio Garrastazu Médici,
tinha como grandes objetivos os
grandes projetos econômicos e a
integração do país. O Presidente
Médici declarou a região sob es-
tado de calamidade pública;
criou, assim, o Programa de Inte-
gração Nacional (PIN), cujo lema
era o de oferecer as: “Terras sem
homens (na Amazônia) para ho-
mens sem-terra (do Nordeste). ”
Médici buscou também integrar a
Amazônia ao Nordeste e ao Cen-
tro e Sul do Brasil, através de ro-
dovias.
Desta forma, o governo federal,
tanto na esfera civil quanto na
Abertura da rodovia Belém-Brasília

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esfera militar, desejava que a região fosse ocupada e integrada, para não ser mais um “vazio
humano” e, assim, alvo da cobiça internacional. Contudo, tanto no Brasil como fora do país,
houve fatos que fizeram a ocupação possível. No Brasil, a população crescia muito: ela passou
de 52 milhões em 1950 a 120 milhões em 1980. Esta nova geração precisava de espaço e
empregos urbanos.

O ESPAÇO AMAZÔNICO DE HOJE

Depois da crise da borracha, somente na década de 1950 é que os grandes empresários bra-
sileiros e estrangeiros começaram a se organizar para, mais uma vez, tentar ocupar a nossa
região. Não pense você que eles estavam preocupados com os nossos problemas, com a nossa
realidade. Muito pelo contrário, o que eles queriam e ainda querem, sobretudo, hoje, é apenas
explorar nossas riquezas e mão-de-obra. A ocupação recente da Amazônia tem sido caracteri-
zada pela implantação de grandes projetos públicos ou particulares, resultado da união do go-
verno com grandes empresas de capital nacional e internacional. O primeiro passo dado neste
sentido foi a criação da SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia – em
1953. A partir dessa iniciativa, outras foram tomadas, sempre objetivando facilitar a apropri-
ação de nossas riquezas pelos grandes empresários. Evidentemente, profundas transforma-
ções vão ocorrer no espaço geográfico amazônico.

Sede da SUDAM em Belém

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SUDAM E SUFRAMA: OCUPAÇÃO COM O AUXÍLIO DOS INCENTIVOS FISCAIS

Os governos militares que chegaram ao poder, após o golpe de 1964, tiveram papel funda-
mental nas transformações verificadas no espaço geográfico amazônico, pois tornaram priori-
dade máxima a ocupação da região através da denominada “Operação Amazônia”. Vejamos
como isso aconteceu.
Vários mecanismos foram criados para atrair investimentos. A SUDAM e a SUFRAMA, por
exemplo, foram órgãos criados pelo governo federal com o objetivo de facilitar e agilizar a
exploração de nossa região.
Criada em 1966 em substituição a SPVEA, a SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia –, tem como objetivos coordenar e supervisionar os programas e planos destina-
dos a Amazônia Legal, assim como decidir a respeito da distribuição de incentivos fiscais e
creditícios.
Com a criação da SUDAM, inúmeras empresas se instalaram na região, atraídas por seus in-
centivos. Essas empresas foram beneficiadas com o não pagamento de vários impostos (incen-
tivos fiscais), além de terem recebido recursos públicos (incentivos creditícios) para viabilizar
suas plantações. O dinheiro que poderia ter sido investido em saúde, educação, saneamento
básico, segurança pública, alimentação, entre outras coisas, foi desviado pelo governo para
auxiliar essas empresas. Em contrapartida, contando com o apoio dos governantes, a maioria
delas jamais investiu na região, promovendo o chamado golpe dos incentivos.
Outro órgão criado foi a SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus –, voltada
para atuar na Amazônia Ocidental, sobretudo em Manaus, através do incentivo as atividades
agropecuárias, comerciais e industriais. Esses dois órgãos só têm beneficiado alguns grupos,
que são exatamente os que receberam e ainda recebem os seus incentivos, em prejuízo da
sociedade como um todo.

Sede da SUFRAMA em Manaus

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POLAMAZÔNIA: UM NOVO ESTILO DE EXPLORAÇÃO

Com o total apoio do governo, vários projetos agropecuários e minerais foram sendo instalados
na região. O POLAMAZÔNA – Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
– foi um programa que estabeleceu 15 polos de crescimento para a região. Ao tentar promover
o aproveitamento da potencialidade agrícola, pecuária, mineral, industrial e florestal, em algu-
mas áreas da Amazônia, facilitou-se a entrada do médio e grande empresário na região, ge-
rando, em consequência disto, inúmeros e violentos conflitos.
Você já ouviu falar da riqueza mineral existente em nossa região? Foi exatamente essa riqueza
que mais atraiu os interesses dos grandes e gananciosos empresários para a Amazônia. Várias
empresas e projetos ligados à extração e à industrialização de minérios se instalaram, desen-
cadeando profundas transformações na geografia da região. O símbolo maior desta nova fase
de produção do espaço amazônico foi o PGC – Programa Grande Carajás.
PGC: a exploração integrada das riquezas naturais amazônicas e a interferência do capital na-
cional e internacional privado
Para que o PGC foi criado? Este programa, como os demais, tem como objetivo facilitar o
processo de exploração dos recursos naturais existentes na Amazônia, sobretudo, na Amazônia
Oriental, a fim de que essa exploração ocorra de forma integrada e em grande escala. Para o
funcionamento deste programa, outros projetos foram postos em prática, a saber:

USINA HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ


PROJETO FERRO CARAJÁS
PROJETO ALBRÁS-ALUNORTE
MINERAÇÃO RIO DO NORTE

Na sua área de atuação – que corresponde a 895.265 km² e abrange terras pertencentes aos
estados do Pará, Maranhão e Tocantins – incentivaram-se além dos grandes projetos minerais,
outras atividades ligadas a exploração vegetal e à agropecuária.

GRANDES PROJETOS: "DESENVOLVIMENTO E PROGRESSO” – A AMAZÔNIA TORNA-SE


UMA REGIÃO-PROGRAMA

A partir da década de 1950 houve, no Brasil, a consciência de que o Pará e a Amazônia não
deviam mais ficar isolados do resto do país. A Amazônia, por sua enorme riqueza natural,
começou a ser cobiçada por alguns países, que defendiam a tese de que a Amazônia era um
patrimônio extraordinário, não explorado, e que devia ser internacionalizada: desta forma, um
conjunto de países poderia supostamente gerenciar os recursos naturais da Amazônia. Foi as-
sim que o Governo Federal teve a ideia de implantar um desenvolvimento planejado para a
região.
A criação da SUDAM, neste sentido, serve para desenvolver a Amazônia, marcar a presença
do governo federal na região e protegê-la da cobiça internacional. Foi a primeira experiência
no país de um plano governamental visando a valorização de uma região. Com o Primeiro Plano

16
Quinquenal (1955-59), o governo federal queria constituir uma economia rentável e estável
na região e converter a população extrativista numa sociedade assentada em uma economia de
base agrícola. O governo não cogitou, de fato, de explorar a riqueza da floresta e dos rios da
Amazônia, embora este propósito estivesse no Primeiro Plano Quinquenal:

1 – Produção de alimentos, em uma proporção pelo menos equivalente as suas necessidades


de consumo;

2 – Produção de matérias-primas e produtos alimentares necessários à economia nacional e


que o país precisa importar;

3 – Exploração das riquezas extrativistas e minerais;

4 – Conversão da economia extrativista e comercial numa economia agrícola, industrial e pe-


cuária;

5 – Aperfeiçoamento dos transportes;

6 – Elevação do nível de vida e da cultura política e técnica de sua população.

O plano do governo federal possuía de fato diversos equívocos. A maior riqueza da região co-
nhecida na época eram a floresta e os rios. Mas o plano visava dominar o meio de forma agres-
siva, isto é, derrubar a floresta a fim de produzir a agricultura e a pecuária, após a derrubada
ou a queimada da mesma. Nesse período verifica-se o desenvolvimento do setor madeireiro
que teve como consequência a derrubada de grandes extensões de mata, sem qualquer preo-
cupação com o reflorestamento. A produção de matérias-primas estava voltada para serem
exportadas, ou seja, gerando lucros no exterior. De fato, o governo federal não aprendera a
lidar com a Amazônia.
Nesse período criaram-se as universidades e centros de pesquisa científica como a Universi-
dade Federal do Pará - UFPA, a Faculdade de Ciências Agrárias do Pará - FCAP (atual-
mente UFRA – Universidade Federal Rural da Amazônia) e a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária do Estado do Pará – EMBRAPA, em Belém. Em Manaus foi criado o Instituto
Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA.

OS GRANDES PROJETOS

O Estado do Pará, pelo seu potencial energético e mineral, passou a ser foco de atenção. No
Pará houve instalação de Grandes Projetos econômicos voltados para o mercado internacional
ou destinados à produção de insumos para indústrias localizadas em outras regiões do país.
A década de 1970 no Brasil irá marcar um momento em que emerge no âmbito político e
econômico brasileiro um novo padrão de desenvolvimento baseado na ocupação territorial, co-
mandado pelo Estado e pelos Grandes Projetos, postos em ação no âmbito dos Planos Nacionais

17
de Desenvolvimento (PNDs). Isto surge inicialmente no governo do general Emilio Garrastazu
Médici (1970-1974).
A estratégia de desenvolvimento do governo Médici, que buscava a recuperação econômica e
a superação do subdesenvolvimento do Brasil, pretendia realizar isto através de uma política
nacional que visava transformar o país em “nação desenvolvida” dentro de uma geração.

TEXTO E CONTEXTO

“O objetivo síntese da política nacional é o ingresso do Brasil, até o fim do século, no mundo
desenvolvido. Para isso, construir-se-á, no País, uma sociedade efetivamente desenvolvida,
democrática e soberana, assegurando-se, assim, a viabilidade econômica, social e política do
Brasil como grande potência. ”

(SUDAM. Amazônia: política e estratégia de ocupação e desenvolvimento. Política Nacional. Belém-Pará: Su-
dam/Divisão de Documentação, 1973. p. 5.)

Médici foi sucedido, em 1974, pelo general Ernesto Geisel (1908-1996). O presidente Geisel,
o quarto presidente da República (1974-1979) do ciclo militar, governou com dificuldades
econômicas devido à crise mundial do petróleo.
Porém, Geisel optou por ampliar os programas de modernização econômica para consolidar
a base industrial, energética e tecnológica do país.
Neste contexto, um conjunto de medidas começou a transformar a economia regional a fim de
fomentar o tão pretendido desenvolvimento regional na Amazônia, tendo com um de seus mar-
cos iniciais a criação do Banco da Amazônia (BASA), em substituição ao antigo Banco de Cré-
dito da Amazônia e da já citada SUDAM. Estruturas estas subordinadas diretamente à tecno-
cracia dos Ministérios e à ação do poder central. Com isto pretendia-se afastar a influência do
poder local no tocante à tomada de decisões; isto mais um dos exemplos do autoritarismo do
regime militar imposto à região.

A ação de desenvolvimento econômico para a região amazônica adotada pelo governo Geisel e
consolidada no II Plano Nacional de Desenvolvimento e no II Plano de Desenvolvimento da
Amazônia destacou ênfases ao processo de desenvolvimento e modernização da economia re-
gional, através da estrutura industrial juntamente com a preocupação da exploração dos recur-
sos naturais. A finalidade desses planos era intensificar a integração da Amazônia na economia
do país e promover a ocupação territorial e a elevação do nível de segurança na área por meio
do alargamento da fronteira econômica e, com isto, realizar a manutenção de altas taxas
de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
De fato, a Amazônia era vista como uma região marcada negativamente pelo “rudimentarismo”
de suas forças produtivas que a deixavam “à margem da evolução econômica” do país.

18
Sede do Baco da Amazônia S/A – Basa, em Belém

TEXTO E CONTEXTO

Durante três séculos e meio, o eixo econômico da Amazônia se desenvolve em torno do rio, em
cujas margens se instalaram as cidades e as comunidades rurais. Durante três séculos e meio,
com a mentalidade dominante voltada quase exclusivamente para o extrativismo vegetal, de-
pendendo tradicionalmente da coleta da borracha, da castanha, das madeiras, das peles de
animais silvestres, a região se manteve à margem da evolução econômica brasileira.

(SUDAM. A Amazônia e seus problemas. Economia. Belém-Pará: Sudam/Divisão de Documentação, 1972. p.


16.)

Os Planos de Desenvolvimento para a região amazônica faziam parte da ideologia da ditadura


militar no Brasil; uma “ideologia do desenvolvimento”. Traçaram e sustentaram as estratégias
e os planos de crescimento nacional e regional marcado por uma euforia desenvolvimentista
para preservar e legitimar a própria ditadura. Desempenharam um papel essencial na cantata

19
“Brasil Grande”, “Brasil Potência”, e pela busca da manutenção do “Milagre Econômico Brasi-
leiro”.
Em termos de realização de Grandes Projetos, os principais empreendimentos produtivos que
se instalaram na região amazônica foram estes: a Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT), sobre
o rio Tocantins; o da Mineração Rio do Norte (MRN), de exploração de bauxita metalúrgica, a
noroeste do Estado, no município de Oriximiná; o da Albrás e Alunorte de produção de alumínio
e alumina, respectivamente, localizados nas proximidades de Belém, no município de Barca-
rena; o Projeto de Ferro Carajás (PFC), no sudeste do Estado, no município de Parauapebas.

ALGUMAS INFORMAÇÕES:

1 – Bauxita: esta rocha é a matéria-prima para a produção de alumínio (ela é o minério que dá
origem ao alumínio);

2 – Celulose: matéria-prima retirada da madeira e usada na produção de papel;

3 – Caulim: argila necessária para a fabricação de papel;

4 – Bauxita refratária: utilizada para tijolos de altos-fornos que funcionam com temperatura
superior a 1 500 graus, onde o tijolo comum não resistiria;

5 – Alumina: obtida da bauxita; é a base da fabricação do alumínio;

6 – Alumínio: metal utilizado na fabricação de panelas, aviões, estruturas metálicas, janelas,


etc.;

7 – Silício metálico: amplamente utilizado em eletrônica (chips de computadores, etc.);

8 – Minério de ferro: rocha que contém uma grande proporção de ferro;

9 – Ferro-Gusa: ferro simples;

10 – Ferro-Liga: ferro aliado ao manganês; fica mais resistente que o ferro;

11 – Cobre: metal muito utilizado em material elétrico;

12 – Manganês: metal utilizado em ligas metálicas;

A Amazônia brasileira se insere no contexto da ideologia de desenvolvimento regional e segu-


rança nacional do regime militar. Era um período marcado pelo autoritarismo, repressão, per-
seguição policial e militar, supressão de direitos constitucionais e da liberdade de expressão

20
nos meios de comunicação mediante a adoção da censura prévia. Porém, contraditoriamente,
foi um momento também marcado por uma euforia desenvolvimentista.
A construção da rodovia Transamazônica e a implantação de Grandes Projetos industriais e
infraestruturais, como a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, tinham de certa forma um estreito re-
lacionamento; faziam parte da estratégia geopolítica militar para a região. Isto representou um
processo expansionista profundamente idealizado que buscava atingir o objetivo de ocupar os
“espaços vazios” da região amazônica. As consequências sobre o meio ambiente, a rica biodi-
versidade regional e seus recursos naturais, e sobre o homem, em uma região de povos e cul-
turas diversificadas, eram vistas como parte de um projeto maior.

PROJETO ALBRAS-ALUNORTE

O Projeto Albrás/Alunorte localiza-se no município de Barcarena e está voltado para a produ-


ção industrial de alumínio a partir das jazidas de bauxita do rio Trombetas (município de Ori-
ximiná, Estado do Pará).
A origem dos projetos está na descoberta da jazida de bauxita no rio Trombetas, entre as me-
lhores do mundo. O minério encontrava-se quase na superfície. Era retirada do estéril (as ro-
chas sem valor) com uma “drag-line”, máquina que retira 8 milhões de toneladas por ano. O
início da implantação da ALBRÁS/ALUNORTE foi dirigido pela Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD) que comunicou ao governo do Pará sobre o projeto destinado à produção de alu-
mina e alumínio tendo como sócios empresários japoneses que investiram no projeto.

Bauxita Alumina

21
O projeto Albrás/Alunorte, criado durante o
período do regime militar, inserido em um
contexto de busca pelo desejado desenvolvi-
mento regional, crescimento econômico e se-
gurança nacional, gerou (e gera) graves da-
nos ao meio ambiente e a população exis-
tente nas proximidades deste grande empre-
endimento industrial.
Na região de influência do Projeto Albrás-
Alunorte, nas redondezas do município de
Barcarena, ocorre com frequência danos ao
meio ambiente, como os casos de poluição do
rio Murucupi, situado no município de Bar-
carena, que geraram envenenamento em
suas águas, em decorrência de poluição pro-
vocada pela Alunorte, o que atingiu direta-
mente o meio ambiente e pescadores e ribei-
rinhos e suas relações de trabalho, a pesca,
Lingotes de Alumínio na Albrás. já que provocou a morte de várias espécies de
peixes no rio.

Área de recomposição de rejeito da bauxita da Alunorte Na época de chuvas intensas no Pará, é comum
está área transbordar e provocar poluição em sua área de influência (ver em Texto Complementar).

22
PROJETO FERRO-CARAJÁS.

A Serra dos Carajás, serra do estado do Pará, ficou logo famosa pela imensa riqueza mineral,
principalmente ferro, cujo volume foi cubado em 5.000.000 de toneladas. Formada de rochas
cristalinas, corresponde a um planalto residual que tem expressão no setor meridional dos es-
tados do Amazonas e Pará. Os planaltos residuais da Amazônia correspondem a um agrupa-
mento de relevos interpenetrados pela superfície pediplanada da depressão amazônica. Em
1967, ricas jazidas de ferro foram descobertas na serra dos Carajás pela Companhia Meridi-
onal de Mineração, subsidiária da United States Steel Corporation. A importância da desco-
berta originou o interesse da participação da Companhia Vale do Rio Doce, tendo sido criada,
em 1970, a Amazônia Mineração S/A para desenvolver o Projeto Carajás. Outras reservas
foram descobertas: cobre, manganês, bauxita, níquel, estanho e ouro. Na região, logo se deu
muitos conflitos pela posse de terras.
O Projeto Ferro-Carajás corresponde
a exploração da região, localizada no
Brasil, muito significativa em termos
de riquezas minerais; uma das mais
importante do mundo. Abrange o su-
doeste do Pará, o norte de Tocantins
e o oeste do Maranhão. A área tem
potencial hidrelétrico, amplas flores-
tas e condições que permitem o reflo-
restamento para produção de celulose
e carvão vegetal. É cortada pelos rios
Tocantins, Araguaia e Xingu. Foi em
1967, ano em que foram descober-
tas suas riquezas minerais, que a re-
gião se tornou extremamente valiosa.
Essas riquezas, estimadas em apro-
ximadamente 20 bilhões de tonela-
das, consistem em jazidas de cobre,
estanho, ouro, bauxita, manganês e
níquel, e são passíveis de exploração
Jornal O Globo, 07/07/1974. por meio de tecnologia simples, o que
significa baratear o custo.
O minério de ferro, extraído na mina da Serra de Carajás, era então transportado para o Ma-
ranhão. Lá fazia-se os lingotes de ferro, que são exportados pelo porto de Itaqui. O ferro ocu-
pava, na época do início da implantação do projeto, o terceiro lugar na pauta dos produtos de
exportação do Brasil. Daí vem a importância de Carajás e da sua Estrada de Ferro Carajás; esta
última construída na década de 80, uma obra de 900 km, através da floresta.

23
Projeto Ferro Carajás na Serra dos Carajás.

A USINA HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ (UHT)

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT) foi construída pela Eletronorte no rio Tocantins, na me-
sorregião do Sudeste Paraense, a treze quilômetros de Tucuruí e a cerca de 350 quilômetros
de Belém.

TEXTO E CONTEXTO

O Governo Federal procurando evitar e superar todos os pontos de estrangulamento que retar-
dam o desenvolvimento harmônico da área amazônica envidará, no triênio 1972/74, todos
os esforços no sentido de dotar o setor Energia de um complexo compatível com as reais ne-
cessidades.

(SUDAM. Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1972-1974). Capítulo 4, Serviços Básicos. Belém-Pará,


1971. p. 65.)

O objetivo de construir a Usina de Tucuruí foi para gerar energia elétrica para atender os pro-
jetos de extração mineral e a industrialização, principalmente, ao Distrito Industrial de Alumí-
nio em Barcarena e ao Projeto de Ferro em Carajás.

24
Rio Tocantins antes da formação do lago (16/06/1984) em imagem do Satélite Landsat, acima e Rio
Tocantins após a formação do lago (22/06/1992), em Imagem do Satélite Landsat, abaixo.

25
TEXTO E CONTEXTO

A construção dessa usina permitirá a criação de um polo industrial com base na metalurgia do
alumínio a partir da bauxita do rio Trombetas. Marginalmente, contribuirá para a exploração
do minério de ferro da Serra dos Carajás, não somente nos aspectos relacionados à lavra, ter-
minais e siderurgia, como, especialmente, no tocante ao transporte ferroviário, com a eletrifi-
cação da ferrovia ligando a mina a Itaqui, no Maranhão.

(SUDAM. II Plano Nacional de Desenvolvimento; programa de ação do governo para a Amazônia (1975-
1979). Capítulo 7, Ação programada do Governo Federal para a Amazônia. Belém, 1976. p. 75.)

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí, Tucuruí, Pará. A Barragem da UHE de Tucuruí no Rio Tocantins.
Imagem de satélite do Google Earth.

A construção de grandes empreendimentos hidrelétricos provoca muitos impactos sociais e


ambientais negativos. Pode gerar a desaparição de espécies devido ao alagamento de florestas.
Movimentos migratórios de peixes podem ser interrompidos, gerando o desaparecimento de
algumas espécies, o que pode atingir a relação de trabalho da população local.
Um dos impactos sociais mais negativos diz respeito ao remanejamento das populações atin-
gidas pelo alagamento causado pelos reservatórios de barragens, pois pode implicar em perda
de qualidade de vida e em ameaças à existência de vários grupos sociais.
As sociedades indígenas Parakanã, Asurini (ambos grupos Tupi) e os chamados “Gaviões da
Montanha” (um grupo local dos Parkatêjê, Jê-Timbira) foram diretamente afetados com a
construção e operação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
Esses grupos indígenas perderam parte de suas terras devido o alagamento das mesmas pelas
águas do reservatório da Usina de Tucuruí. As terras desses grupos indígenas passaram a ser
invadidas com frequência, principalmente por madeireiros que realizam a retirada ilegal de
madeira e provocam queimadas nas florestas.

26
A população da região de Tucuruí também foi afetada devido ao enchimento do reservatório da
Usina de Tucuruí, sendo que muitas foram remanejadas de suas casas, aproximada-
mente 1.500 famílias foram desabrigadas.
Além disso, esses empreendimentos têm ignorado os cenários de mudanças climáticas, que
preveem a diminuição da oferta de água e, consequentemente, da geração de energia hidroe-
létrica.
Enquanto os países mais desenvolvidos têm diminuído nas últimas décadas a construção de
grandes hidrelétricas, nações em desenvolvimento começaram a construir no mesmo período
barragens ainda maiores. É o caso do Brasil.

ASPECTOS ADMINISTRATIVOS E ECONÔMICOS DOS GRANDES PROJETOS

Todos os grandes projetos foram deci-


didos fora do Pará, a nível nacional
(governo federal) e internacional (em-
presas transnacionais de mineração).
A sociedade local pouco pôde interferir
nas negociações.
Todos tratam de produção extrativa de
minerais e de produção de energia elé-
trica e, no caso da bauxita, da primeira
transformação do minério. Esses pro-
jetos todos visavam à exportação. Não
há indústria de transformação dos mi-
nérios em produtos manufaturados (de
consumo). Não há, no caso dos mine-
rais, empreendimento que não seja do
interesse de outros países: o Pará con-
tinua a importar produtos manufatura-
dos de ferro e alumínio. Foi o mesmo
no caso da borracha e da madeira.
Arca - boletim do movimento dos desapropriados pela Ele- Todos utilizam tecnologia que faz uso
tronorte, 1983 intensivo de capital e poupa mão-de-
obra. Assim, geram poucos empregos.
Os países estrangeiros dominam o mercado da produção, de compra e venda dos minérios,
através de empresas multinacionais que operam na região no mercado internacional, contro-
lando os preços e a própria produção.
Finalmente, parecem poucas vantagens para o Estado do Pará e os municípios da região.

27
ASPECTOS HUMANOS DOS GRANDES PROJETOS

Praticamente todos os projetos provocaram uma grande mobilização de mão-de-obra durante


a sua implantação. Contudo, economizaram trabalhadores na fase de funcionamento. Na fase
de negociação, foram previstos 100.000 empregos na mineração e na metalurgia, mas, após
a implantação foram gerados somente 2.000 pela Alunorte e Albrás e 8.000 pelo Projeto
Ferro-Carajás.
Alguns projetos tiveram efeitos piores para as famílias que antes viviam em Barcarena, onde
foram construídas as fábricas dos projetos metalúrgicos e na região que foi inundada pelo lago
da represa de Tucuruí, provocando a desapropriação de cerca de 10.000 famílias de pequenos
agricultores e o deslocamento de povos indígenas, como os Pacuruí e os Parakanã.

O SURTO DA GARIMPAGEM

Até os anos 60, menos de 10.000 homens garimpavam no Pará. O número subiu até 150.000
nos anos 80 (a metade do país), e cerca de 400.000 no começo da década de 90. Foi a corrida
de garimpeiros vindos de muitos Estados pelas rodovias.
Desde o século XVI, os portugueses tiveram grande interesse em encontrar ouro no Brasil, para
isso organizando-se as entradas e bandeiras. A produção aurífera expandiu-se até 1760,
quando a diminuição dos veios, a baixa tecnologia e o contrabando provocaram uma contínua
decadência.
No século XIX novas tecnologias permitiram a retomada, mais modesta, da produção e no sé-
culo XX descobriram-se novas reservas auríferas em outros estados, como a de Serra Pelada,
no Pará.
Foi início dos anos 80 correu a notícia de ouro em Serra Pelada. Caminhões de paus-de-arara
chegavam à região, principalmente do sudoeste do Maranhão, uma das regiões mais miserá-
veis do país. O Pará chegou a possuir mais de 800 garimpos em atividade. Em termos numé-
ricos o Vale do Tapajós detinha a maior parte. Lá os garimpos eram flutuantes, isto é, feitos
sobre balsas.
A extração de ouro é feita através de balsas ancoradas no meio dos rios e que servem de base
para as máquinas de sucção. Estas extraem o cascalho do fundo dos rios. O trabalhador prin-
cipal aí é o mergulhador. Surdez, morte por afogamento são fatos corriqueiros. Mas isto é
inexpressivo se comparado com a contaminação por mercúrio.
De fato, o grande surto da garimpagem trouxe grandes consequências negativas para a região.
O uso de mercúrio no tratamento do ouro criou uma situação nunca vivida pela região em ter-
mos de poluição química. O mercúrio causa danos renais e sobretudo neurológicos. A maioria
das pessoas lesionadas por mercúrio ficavam definitivamente inválidas. A lesão neurológica é
irreversível. Os peões “brabos” eram comumente usados no serviço de tratamento do ouro e,
quando adoecem, são despedidos e quase sempre retornam a seu lugar de origem. As espécies
animais expostas ao mercúrio produzem crias com deformidades congênitas. Os peixes de re-
giões contaminadas não podem ser consumidos.

28
O formigueiro humano de Serra Pelada

TEXTO E CONTEXTO

COMO FOI O GARIMPO EM SERRA PELADA?

O maior garimpo a céu aberto do mundo chegou a reunir mais de 100 mil pessoas atrás de pepitas
de ouro no interior do Pará
Foi um fenômeno da mineração que ocorreu no Pará entre 1980 e 1992. Tudo começou
quando uma pepita de ouro foi encontrada na fazenda de Três Barras no final de 1979 (há
controvérsias sobre a data), atraindo, nos meses seguintes, mais de 30 mil pessoas. A fazenda
foi invadida pelos garimpeiros e passou a ser controlada pela ditadura militar – o líder era
Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, que tinha feito “fama” perseguindo guerrilhei-
ros no Araguaia (em 1982, o major se tornou deputado federal e, em 1988, deu nome a Cu-
rionópolis, onde oficialmente está Serra Pelada). Munidos de pás e picaretas, os garimpeiros
desterraram o morro de 150 m de altura, deixando no lugar uma cratera de 24 mil m que se
2

29
transformou num lago de 200 m de profundidade com a ação das chuvas. Serra Pelada foi o
maior garimpo a céu aberto do mundo, de onde foram extraídas toneladas de ouro.

1. Após a descoberta inicial, mais de 30 mil pessoas foram atrás do ouro. A Vale do Rio Doce,
que tinha direitos sobre a lavra, recebeu uma indenização do governo pela perda da área, que
foi invadida. Todo mundo devia vender o ouro para os cofres federais, mas, na prática, o con-
trabando existia. A Vale interditou a cava diversas vezes para mecanizar a exploração, mas os
garimpeiros voltavam para lá.

2. No garimpo, não era cada um por si. O terreno era dividido em “barrancos” (pedaços de terra
de 2 por 3 m), que foram conquistados à força no começo e, depois, sorteados, contando in-
clusive com escritura. Os donos dos barrancos eram os “capitalistas”, que tinham subordinados
e ficavam com quase todo o lucro. No auge, Serra Pelada tinha 300 barrancos.

3. Logo abaixo do capitalista estava o meia-praça, basicamente o cara que dizia quem iria es-
cavar onde. Por dar ordens, o meia-praça era a “classe média” do garimpo – e, diferentemente

30
dos outros, que eram assalariados, ganhava por comissão. Ele recebia uma pequena porcenta-
gem sobre o ouro encontrado (de 2 a 5%).

4. Os outros empregados eram o cavador, o apontador, o apurador e o formiga. O trabalho co-


meçava com este último: ele cavava o solo até encontrar rocha. Depois, juntava até 35 kg dessa
terra num saco, punha nas costas e o carregava para fora da cava, subindo escadas improvisa-
das chamadas de “adeus-mamãe”. Seu pagamento era proporcional ao peso levado.

5. O cavador era o empregado mais importante: orientado pelo meia-praça, ele marretava a
rocha com picaretas atrás de pepitas. Dependia-se muito da sorte, pois não dava para saber se
o barranco estava premiado ou não antes de explorá-lo. Era frequente encontrar pepitas de
ouro do tamanho de uma bola de golfe.

6. Em seguida, ocorria a lavagem. Nessa parte, o apurador escorria a terra por uma calha co-
berta de mercúrio líquido. A substância se unia ao ouro, formando uma liga. A bateia (uma
espécie de bandeja côncava de metal) era usada para separar a liga da terra. Depois, esse mix
era esquentado para evaporar o mercúrio e sobrar só o ouro.

31
7. Próximo ao barranco existia um guichê da Caixa Econômica Federal. Pela lei, era o único
lugar onde os garimpeiros poderiam vender o minério extraído. Havia uma balança para pesar
o ouro e o pagamento era feito em dinheiro vivo. No entanto, a Caixa estabelecia os preços, que
eram até 60% abaixo do valor real das pedras.

8. Na mina eram proibidos álcool, armas e mulheres – havia policiais federais (os “fedecas”)
monitorando tudo. Diante das proibições na jazida, nasceu a Vila Trinta, um vilarejo a 30 km
de Serra Pelada, na rodovia PA-175, com bares e muitos bordéis. Além da farra, a aldeia era
lugar para aliviar as armas de fogo. Entre brigas e acertos de contas, os assassinatos eram
rotineiros.

32
9. A fase áurea foi entre 1982 e 1986, quando 100 mil pessoas se acotovelavam em Curio-
nópolis (hoje com 18 mil habitantes). O garimpo em Serra Pelada durou até 1992, quando o
governo fechou a mina. Até o encerramento, 56 toneladas do valioso metal foram arrancadas
(incluindo aí a extração clandestina). Em 2002, o garimpo voltou, mas de modo mecanizado.

NOVOS CAMINHOS PARA OCUPAR A AMAZÔNIA

Além dos rios, que sempre tiveram importância na circulação dos produtos e mercadorias ama-
zônicos, o espaço da circulação sofre transformações, a partir da construção de rodovias como
a Belém-Brasília (BR-010) e a Cuiabá-Porto Velho (BR-364). Com a criação do PIN – Pro-
grama de Integração Nacional – novas rodovias são construídas atravessando a região em todas
as direções, fato marcante dessa nova política de ocupação regional. A entrada de mercadorias

33
produzidas no Centro-Sul do Brasil estava facilitada, assim como a saída de matérias-primas
e a apropriação de terras pelos grupos econômicos.
O transporte fluvial, tradicional meio de circulação, não perde sua importância. Além dos tra-
piches abundantes em quase todas as localidades existentes na região, são construídos novos
portos com a finalidade de escoar nossas riquezas. A rede ferroviária ressurgiu através dos
grandes projetos instalados. A ferrovia Carajás-Itaqui é a mais expressiva, sendo responsável
pelo escoamento da produção de ferro da Serra dos Carajás (PA) até o porto de Itaqui (MA). As
ferrovias existentes em porto Trombetas (PA) e a extração de manganês pela ICOMI – Indústria
e Comércio de Minérios S. A.
A nova ocupação exigiu também a interligação da região com o resto do país e do mundo,
através das telecomunicações. Os sistemas de telefonia e televisão foram modernizados com
a implantação das comunicações via satélite, o que permitiu a penetração de novos valores e
ideias que provocaram profundas mudanças em diferentes setores, como por exemplo, na cul-
tura, economia e política. Como você pode ver, a Amazônia está totalmente aberta para a ex-
ploração nacional e internacional.
Diferente do que se esperava, o modelo de ocupação baseado em grandes projetos causou im-
pactos no modo de vida das populações tradicionais da floresta, gerando vários conflitos soci-
ais. Por consequência, os resultados na melhoria da economia regional foram limitados.

34
INTEGRANDO E ENTREGANDO

Você percebeu quantas transformações ocorreram e estão ocorrendo na Amazônia? Todas es-
sas mudanças refletiram e refletem as ideias criadas e divulgadas sobre a nossa região. Mas
quais são essas ideias? Como elas surgiram? A Amazônia, no final da década de 50, era a
porção do território que apresentava o mais baixo índice demográfico e era quase totalmente
isolada das demais regiões do país. Essas duas características vão ser utilizadas pelo governo
e pelos empresários para justificar a nova fase de ocupação regional. Para esconde o real inte-
resse de exploração, cria-se o discurso de promover o povoamento e a integração da Amazônia.
Assim sendo, em nome da “segurança e do desenvolvimento social”, governo e empresários
promoveram o mais completo processo de ocupação e exploração verificado durante toda a
história regional. Era a política do “integrar para não entregar. ”
O governo militar também se apropriou de territórios pertencentes a diferentes estados e mu-
nicípios da região, sob o pretexto de promover a distribuição das terras para camponeses nos
programas de colonização. A frase que marcou e justificou esta medida foi “Amazônia: Terra
sem homens para homens sem terra”.
Através também do discurso de segurança e desenvolvimento nacional, tão cultivado pelos mi-
litares brasileiros, foi criado o projeto Calha Norte – consiste em uma política governamental
de ocupação da Amazônia Setentrional. Nesse sentido, visa a criação de bases militares, postos
de fiscalização de fronteiras e aeroportos na área. O governo justificou a implantação do pro-
jeto alegando a necessidade de proteger as fronteiras, os minérios existentes, as comunidades
indígenas e a floresta, no entanto, o que se percebe é um processo desordenado de ocupação e
exploração das fronteiras, o que provocou conflitos entre Brasil e Venezuela, entre garimpeiros
e povos indígenas, além da devastação da mata para a implantação de garimpos, campos de
pousos para aeronaves ilegais, bem como a extração de madeira por serrarias clandestinas.
Foram identificados três espaços distintos na área: faixa de fronteira, faixa ribeirinha à calha
do rio Solimões/Amazonas e faixa interior, denominada hinterlândia – situada entre as duas
primeiras. Foi dada prioridade à faixa de fronteira, a qual apresentava as seguintes caracterís-
ticas:

- Extremamente carente de infraestrutura básica (saúde, educação, transporte, saneamento,


comunicações, etc.);
- Baixíssima densidade populacional permeada por imensos vazios demográficos;
- Problemas com narcotráfico e contrabando;
- Problemas com garimpos ilegais;
- Fronteira com cinco países: Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa;
- Grande parte da região com inexpressiva, ou até mesmo ausência, da presença governamen-
tal.

35
AS METAS

Para facilitar e conseguir realizar o trabalho numa região imensa, o Exército criou metas e
objetivos a serem atingidos pelo Calha Norte;

- Aumentar a presença brasileira na área, com o fortalecimento das estruturas governamentais


de oferta de serviços, de modo a criar estímulos para o desenvolvimento sustentável da região;

- Ampliar as relações entre os países limítrofes, particularmente com o apoio de rede consular,
visando ao fortalecimento dos mecanismos de cooperação, dos fatores de produção e das trocas
comerciais;

- Fortalecer a infraestrutura de energia e telecomunicações, insumos básicos para o desenvol-


vimento da região;

- Expandir a infraestrutura viária, no sentido de complementar a vocação natural na Amazônia,


que tem no transporte fluvial o mais importante fator de integração regional;

- Fortalecer a ação dos órgãos governamentais de Justiça, Polícia Federal, Receita Federal e
Previdência Social na região, como fatores de inibição da prática de ilícitos, decorrentes da
insuficiente presença do Estado

- Intensificar as atividades visando à perfeita demarcação da fronteira, comportando inspeção,


restauração de marcos danificados e assentamento de novos outros;

- Promover a assistência e proteção às populações indígenas, delimitando e demarcando suas


terras e estimulando o seu desenvolvimento.

36
Mas recentemente o governo federal deu início à implantação do SIVAM – Sistema de Vigilân-
cia da Amazônia – cujo objetivo seria propiciar um maior e melhor controle do tráfego aéreo
dos 5,2 milhões de km² da Amazônia. O projeto contaria com 17 radares fixos, 6 moveis e 8
aviões equipados com sensores. Os dados produzidos serão reunidos em 300 plataformas de
coleta de dados e enviados a Manaus, Belém e Porto Velho, escolhidos como centros regionais
de controle de informações. Com uma estimativa de custo aproximada de 1,4 bilhões de dóla-
res, o projeto SIVAM tem sido questionado pela sociedade brasileira devido às denúncias sobre
irregularidades no processo de licitação para sua instalação. Além do mais, questiona-se a não
utilização de tecnologias nacionais e de menor custo, a sua não discussão pela sociedade bra-
sileira e o destino das informações que serão coletadas.
Como você pode perceber, as transformações ocorridas no espaço amazônico estão ligadas a
interesses diversos, que não incluem as necessidades da população local e muito menos a sua
participação. Em função disso, vários discursos e ideias são construídos para justificar a ex-
ploração dos recursos naturais da região que vem ocorrendo desde os primeiros momentos da
colonização.

37
PROJETO JARI

Projeto Jari é o nome de uma fábrica existente às margens do Rio Jari, para a produção de
celulose e outros produtos, que teve início em 1967.
O projeto foi idealizado pelo bilionário norte-americano Daniel Keith Ludwig e seu sócio Joa-
quim Nunes Almeida. Ele mandou construir uma fábrica de celulose no Japão, na cidade de
Kobe, usando tecnologia finlandesa da cidade de Tampere, foram construídas duas platafor-
mas flutuantes com uma unidade para a produção de celulose e outra para a produção de ener-
gia. A unidade de energia produzia 55 megawatts e era alimentada por óleo BPF a base de
petróleo com opção para consumo de cavacos de madeira.

HISTÓRICO

Ludwig adquiriu em
1967, na fronteira
entre os estados do
Pará e Amapá (então
Território Federal)
uma área de terra de
tamanho pouco menor
que a do estado de
Sergipe, ou equiva-
lente ao estado norte-
americano do Connec-
ticut, para a instalação
do seu projeto agrope-
cuário. Ao longo do
programa de instala-
ção, enfrentou as des-
confianças do governo
e de algumas parcelas
da sociedade que te-
miam pela soberania
brasileira sobre a área
inabitada de florestas
onde o Jari seria ins- Foto aérea da fábrica de celulose.
talado. A "ameaça"
rendeu, em 1979, a criação de uma CPI para "apurar a devastação da floresta amazônica e
suas implicações" Entretanto, o relatório da Comissão não faz qualquer alusão direta a este
projeto.

38
A área adquirida por Ludwig fez com que fosse provavelmente o maior proprietário individual
de terras no Ocidente. A grandiosidade do Jari acentuava-se por ser a região totalmente des-
provida de qualquer infraestrutura; foi necessária a construção de portos, ferrovia e nove mil
quilômetros de estradas. Ali Ludwig planejava instalar um projeto de reflorestamento com ár-
vores de crescimento rápido (gmelina), antevendo o aumento da necessidade mundial por ce-
lulose. Além disto, pretendia estender as atividades para a mineração, pecuária e agricultura,
atraindo críticas de ambientalistas.
Uma usina termelétrica e a própria fábrica de celulose foram rebocadas do Japão, num percurso
de 25 mil quilômetros, que durou 53 dias a ser concluído. Além das instalações, todo o projeto
ocupava uma área de 16 mil km², a construção de uma cidade para a moradia dos trabalhado-
res, além de hospital e escolas na sede, chamada Monte Dourado. A fábrica e implementos
custaram em torno de 200 milhões de dólares. Em 1982, ano de sua venda, a população do
Jari alcançou a marca de trinta mil habitantes.
Neste ano, sem
apresentar resulta-
dos, Ludwig abando-
nou o projeto. As ne-
gociações envolve-
ram o homem forte
do regime militar,
general Golbery do
Couto e Silva, e co-
gitou-se na venda
para o Banco do
Brasil, para um pool
de empresas e para
o empresário Au-
gusto de Azevedo
Antunes. Até o co-
meço dos anos
1980 Ludwig decla-
rava haver gasto no
Jari 863 milhões de
dólares, atualizados
em 1981 para 1,15
bilhão.
No ano 2000 pas-
sou a ser controlado
pelo Grupo Orsa, de modo que a Jari Celulose não somente tornou-se economicamente viável,
como também mostrou-se sustentável, recebendo certificação em 2004 pelo Forest Ste-
wardship Council.

39
ENTENDA O QUE FOI O PROJETO JARI

A fábrica, que hoje ocupa 42 propriedades de terra, plantou eucaliptos na área, uma árvore
que possui crescimento rápido, mas não é nativa da região. E, de acordo com o diretor técnico
de ordenamento territorial do Instituto do Meio Ambiente do Amapá, Pedro Paulo Bosque,
também danosa para o meio ambiente.
O denominado Projeto Jari está edificado em zona de floresta de várzea e densa de terra firme.
No estado do Pará fica a fábrica de celulose e, no Amapá, a floresta de eucalipto. Nesse sentido,
Bosque ressalta as consequências ambientais para a região, onde o meio ambiente foi preju-
dicado pela monocultura. “Existem espécies de insetos e pássaros que não gostam de eucalipto,
perdem seu habitat de floresta nativa”, diz. Segundo ele, essa floresta homogênea espanta a
fauna silvestre.
O diretor conta que dois vilarejos começaram a crescer por conta do desenvolvimento do projeto
e, no final da década de 80 e 90 foram reconhecidos como municípios. O antigo Beiradão se
tornou, em 1987, Laranjal do Jari e, a antiga Vila Beiradinho foi transformada, em 1994, no
município Vitória do Jari. “Ambos surgiram em função do projeto e, concentram hoje a mão
de obra trabalhadora da empresa”, explica Bosque.
A administração americana durou 13 anos e ficou até a entrada dos anos 80, quando o pro-
jeto foi entregue ao Brasil. Segundo Bosque, a administração ficou sob comando de um pool
de empresas até 2000, quando o Grupo Orsa assumiu o controle da gestão do projeto. O
grupo assumiu suas dívidas e conseguiu transformar a experiência falida.

Eucalipto é a base na fabricação da celulose

40
De acordo com Bosque, a empresa possui 18 mil empregos diretos na gestão atual, dos quais
13 mil são terceirizados e 5 mil fixos. O diretor ressalta que a mão de obra vem de trabalha-
dores menos qualificados, que são os moradores da região. “Os dois municípios dependem do
Projeto Jari por causa do trabalho”, afirma.
Numa das plataformas estava instalada a fábrica de celulose, com capacidade nominal de
220.000 toneladas de celulose branqueada de fibra curta por ano; na outra uma usina de força
a vapor para gerar 55 megawatts de energia elétrica e o vapor necessário ao processo indus-
trial.
Para os efluentes gasosos e líquidos da operação foi projetado um sofisticado sistema de tra-
tamento e controle, incluindo uma lagoa de estabilização de 184 hectares, por onde os líquidos
industriais percorrem 12 km, antes de desaguarem outra vez no rio, portanto sem causarem
nenhuma poluição.
Paralelo a este empreendimento foi
construída também uma planta de be-
neficiamento de caulim de alta quali-
dade, cujas jazidas foram encontra-
das a poucos quilômetros da fábrica,
rio acima, na margem oposta, caulim
este que serviria para branqueamento
do papel, cuja fábrica seria construída
numa segunda fase.
Como atividades agrícolas Ludwig de-
senvolveu o plantio de arroz nas áreas
alagadas de várzea a jusante da fá-
brica, no rio Jari próximo à sua foz no
Amazonas, complexo este totalmente
mecanizado, aproveitando o sistema
de marés que atingem o Amazonas e
o rio Jari para encher e esvaziar as
áreas plantadas.
Vale do Jari Também desenvolveu uma pecuária
de alta qualidade, com experimentos
de inúmeros cruzamentos genéticos industriais, inclusive uma grande criação de búfalos, que
geraram uma tecnologia totalmente desconhecida no mundo, e que hoje é modelo para várias
áreas tropicais e até temperadas, tendo aumentado a sua capacidade reprodutiva de cerca de
60 a 70%, como era conhecida, para até 98%, através do conhecimento do estro das búfalas.

41
AMAZÔNIA – VIOLÊNCIA E DEVASTAÇÃO

CONTEXTUALIZANDO

O debate acerca da Amazônia vem sofrendo uma inflexão, sobretudo, a partir dos anos setenta.
Desde então a problemática ecológica entra na agenda complexificando ainda mais o debate
acerca dos destinos da região. A internacionalização que, desde sempre, marca a formação
geográfica da Amazônia se vê, agora, acrescida desta nova problemática. Se, por um lado, esse
novo agendamento vem sendo imposto a partir de uma escala supranacional, ela ganha con-
sistência interna quando se observa a mudança radical no padrão sócio-político de organização
do espaço geográfico da Amazônia a partir dos anos 1960, com o projeto geopolítico que en-
volveu a mudança da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. A partir de então, a geo-
grafia da Amazônia deixa de se organizar exclusivamente em torno dos rios, o que a caracte-
rizava desde o período colonial, e, cada vez mais, passa a ser conformada a partir das estradas
e toda logística associada aos grandes projetos de exploração mineral, sobretudo na sua porção
meridional – de Rondônia à Amazônia Oriental (o leste paraense e o oeste do Maranhão) pas-
sando por todo o norte de Mato Grosso e Tocantins.
Todo esse processo não pode ser compreendido sem que se leve em conta o caráter ditatorial
que comandou todo esse processo de ocupação, sobretudo pós 1964, que, geopoliticamente,
procurava interligar a capital de cada unidade da federação a Brasília, assim como, sobretudo
pós-1970, com a interligação rodoviária entre o nordeste do país à Amazônia, com a Transa-
mazônica, quando se procurava ligar uma região de homens sem-terra, o nordeste brasileiro,
a outra região de terra sem homens, a Amazônia, conforme a frase famosa atribuída ao ditador
de então Emílio Garrastazu Médici. Todo esse processo, diga-se de passagem, foi embalado
pelo “mito do desenvolvimento” em que a mídia cumpriu um papel protagônico quando revistas
e cadernos especiais não cansaram de louvar a epopeia da ocupação da Amazônia. Enfim, se a
Amazônia era o futuro do Brasil pelos imensos recursos que abrigava, o futuro parecia ter
chegado. (O que não é qualquer coisa quando se sabe que o Brasil é o país do futuro). A censura
oficial, em parte, impediu que a sociedade brasileira tivesse o necessário contraponto crítico,
muito embora houvesse uma adesão voluntária dos grandes meios de comunicação em grande
parte financiado pelos interessados e implicados diretamente no novo processo de ocupação.
O mito do desenvolvimento e do progresso, invocado num contexto de guerra fria por um re-
gime ditatorial civil-militar conformado por uma forte ideologia anticomunista, aparecia como
salvação e redenção do país e, ainda, como resposta à miséria e ao subdesenvolvimento que,
como se dizia à época, “era o solo fértil para o desenvolvimento de ideologias espúrias”. A
guerrilha do Araguaia serviu de pretexto para reforçar todo o mito salvacionista do progresso
e do desenvolvimento com o que os maiores beneficiários desse processo procuravam justificar
a repressão e, assim, trazendo enormes dificuldades para qualquer forma de organização dos
setores subalternos na região, o que não os impediu de lutar pela terra. Uma observação feita
à época pelo sociólogo José de Souza Martins é sintomática da nova dinâmica do processo de
ocupação quando afirmava que o primeiro contato com a modernidade de muitos camponeses

42
da região foi o choque elétrico da tortura. Como se vê, a violência institucionalizada deixou
raízes profundas grafando a região (geografando-a).
Não esqueçamos, ainda, que todo esse processo contou com apoio de instituições multilaterais,
como o Banco Mundial, que financiaram grandes projetos logísticos (rodovias, portos, hidrelé-
tricas), assim como grandes investidores internacionais souberam tirar proveito de toda a vio-
lência institucionalizada com uma ditadura que, como tal, não contava com o aval democrático
da sociedade brasileira. O Estado além de garantir as condições gerais para esse novo padrão
de acumulação de capital para e pelos setores privados, ainda agiu por meio de suas próprias
grandes empresas, com destaque para a Companhia Vale do Rio Doce no Projeto Grande Cara-
jás. Um setor da burguesia nacional que mais se beneficiou, em particular, da “ajuda interna-
cional” e do regime ditatorial foi o da construção civil, onde grandes empreiteiras se arrogaram
o papel de “novos bandeirantes” com a construção de grandes projetos de engenharia (estradas
e hidrelétricas). Até hoje são enormes as implicações sociais, políticas e ambientais engendra-
das pelo bloco de poder que conformou todo esse padrão de organização do espaço geográfico.

A DINÂMICA SOCIOGEOGRÁFICA NACIONAL-REGIONAL PÓS-ANOS 60/70

A interligação logística da Amazônia ao resto


do país por meio do desenvolvimentismo de
caráter mítico, pró-empresarial e antipopu-
lar do “milagre brasileiro” substituiu a re-
forma agrária pela colonização e, por meio
de subsídios aos grandes fazendeiros e a li-
beralidade do estado com seu patrimonia-
lismo para com a apropriação das terras pú-
blicas por meio da grilagem de terras, favo-
receu a chegada de grandes fazendeiros do
centro-sul do país, assim como toda uma
vaga de sem-terra expropriados pelo modelo
concentrador de terras e de capital da moder-
nização conservadora do campo brasileiro.
Assim, a região sudeste do Pará viria se ca-
racterizar pela tensão de territorialidades
distintas, a saber: (1) camponeses expropri-
ados de todo o país; (2) fazendeiros também
de todo o país, sobretudo do centro-sul, mas
também de fazendeiros da própria região
que deixaram as atividades tradicionais de
extrativismo e se associaram aos recém-che-
gados nas ações de apropriação ilegal das
Cartaz impresso e distribuído pelo Serviço Social da terras públicas para exploração de madeira,
Indústria (SESI) para a Semana da Pátria, em setem-
bro de 1974, durante o governo Médici. derrubada da mata e criação de gado e; (3) os

43
povos da floresta e ribeirinhos cujas terras e demais recursos passam a ser disputados. Enfim,
a partir da década de 1970 uma dinâmica sociogeográfica nacional-regional se instaura no
sudeste do Pará conformada por essa tensão de territorialidades acima esboçada onde a ex-
propriação/grilagem, exploração madeireira, queimadas e estabelecimento de grandes fazen-
das de gado onde a violência foi fator estruturante de todo o processo, sobretudo contra a
resistência dos povos tradicionais da região e dos camponeses nacionalmente expropriados e
que buscavam se re-territorializar num contexto que era, para eles, completamente adverso.

A DINÂMICA SOCIOGEOGRÁFICA GLOBAL-REGIONAL PÓS-ANOS 80

Um dos impactos imediatos do segundo pico da crise do petróleo dos anos 1970 foi a reconfi-
guração da divisão internacional do trabalho, sobretudo das indústrias eletro-intensivas. O Ja-
pão, por exemplo, fechou todas as suas 145 fábricas de alumínio. O seu capital deslocou-se
para Barcarena, a mais de 20 mil quilômetros do Japão nas cercanias de Belém. “Hoje a fábrica
da Albrás, garantindo 15% do consumo japonês de alumínio, é a 8ª do mundo e a maior con-
sumidora individual de energia do Brasil, respondendo por 1,5% de toda a demanda nacional”.

Estação elétrica do complexo Albrás-Alunorte

A partir dos anos oitenta, com a implantação do Projeto Grande Carajás, – outro enclave ex-
plorando o maior complexo minerometalúrgicos do mundo – se instaura e, com ele, uma nova
dinâmica sociogeográfica na região que viria agravar, ainda mais, o padrão socialmente injusto
e ambientalmente devastador que já estava em curso na região. Trata-se de uma dinâmica que
se sobrepõe a acima descrita – nacional-regional – e que bem pode ser caracterizada como

44
sendo uma dinâmica sociogeográfica global-regional. Esclareça-se que essa nova dinâmica
complexifica a dinâmica sociogeográfica já em curso, posto que agrega novos processos aos já
existentes tendo muito de continuidade nessa descontinuidade do novo padrão sociogeográfico
que se instaura a partir dos anos 80. Apesar do alerta de várias entidades nacionais como a
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil -, a ABI – Associação Brasileira de Imprensa – e a AGB
– Associação dos Geógrafos Brasileiros – e de várias entidades e movimentos sociais da região
que apoiadas em análises científicas sobre os danos que esse grande projeto traria para a re-
gião, sobretudo com o agravamento da derrubada da floresta para fazer carvão vegetal para
purificar o ferro a ser exportado, não foi suficiente para evitar a dilapidação daquele enorme
patrimônio de recursos naturais.
O desmatamento na região em apreço atingiu níveis alarmantes e até mesmo uma significativa
mudança climática regional se faz notar com períodos secos mais prolongados apontando para
um clima cada vez mais tropical em lugar do clima subequatorial que a caracterizava. As mu-
danças no regime hídrico da região podem ser observadas nos córregos, igarapés e rios que,
simplesmente, deixaram de existir. O nível de umidade relativa do ar vem caindo a níveis se-
melhantes a regiões desérticas facilitando a auto propagação do fogo como, recentemente, em
setembro de 2007, pudemos apreciar em Colina – MA, o triste espetáculo de famílias fugindo
do fogo desesperadas lembrando as cenas de vietnamitas fugindo do bombardeio de napalm.
Sem sombra de dúvida a transformação dessa fantástica biomassa em carvão, o consumo ele-
vadíssimo de água na transformação do minério de ferro, assim como a barragem do rio To-
cantins para fazer a hidrelétrica de Tucuruí, alimentaram a purificação do ferro para exporta-
ção, agora sob o tacape da “crise da dívida externa”, dívida essa que, diga-se de passagem, foi
contraída, em grande parte, para construir a logística desse mesmo processo de ocupação feito
à revelia da sociedade brasileira, sobretudo dos seus setores subalternos.

O desmatamento da floresta amazônica só aumenta e, infelizmente, está longe de parar...

45
Ainda hoje, “todos os dias o trem, o maior trem de minérios do planeta, recebe 700 mil tone-
ladas, que são transportadas, por quase 900 quilômetros até o porto da Ponta da Madeira, na
ilha de São Luís, no litoral do Maranhão. Daí o mais puro minério de ferro do mercado segue
para o mundo; 60% dele rumo à China e ao Japão, os maiores compradores, a 20 mil quilô-
metros de distância”. Segundo o mesmo autor, a mina N4, “projetada para operar com até 25
milhões de toneladas anuais de minério de ferro (…), vai atingir 100 milhões de toneladas
neste ano (2007) e chegará a 130 milhões em 2008, quase metade da produção recorde que
a CVRD está planejando para todo país, de 300 milhões de toneladas”, conforme o jornalista
Lucio Flavio Pinto.

É interessante observar como a dinâmica nacional-regional, mais antiga, e a global-regional,


mais recente, se sobrepõe pela complementaridade dos novos interesses com os antigos. A
grilagem de terras é o fenômeno-chave para entender a violência estrutural que se configura
na região conformando um padrão de organização do espaço geográfico que se reproduz por
meio de atividades como a exploração ilegal de madeira, a produção de carvão com a queima
da floresta para purificar o ferro e a formação de pastos para pecuária. Um estudo realizado
em 2004 pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM – e pelo Museu Emílio
Goeldi, assinala que só no Estado do Pará ainda há 30 milhões de hectares de terras grilados
e 67% das terras não têm registro ou têm registro fraudulento. Trata-se de um modo de pro-
dução/reprodução de uma estrutura de classes sociais profundamente desigual, a começar pela
estrutura fundiária extremamente concentrada, conformando um Complexo de Violência e De-

46
vastação cuja dinâmica regional de reprodução é funcional à sua integração à divisão interna-
cional do trabalho enquanto “uma geografia desigual dos rejeitos e dos proveitos”. A violência,
vê-se, é estruturante das relações sociais e de poder.
Nesse contexto, até mesmo as heroicas conquistas de terra sob a forma de assentamentos têm
pouca opção no contexto desse Complexo de Violência e Devastação, haja vista (1) o desconhe-
cimento da dinâmica daquele ecossistema pela maior parte desses camponeses que ali procu-
ram se re-territorializar e (2) o pífio desempenho dos órgãos de pesquisa agropecuária que,
apesar da enorme contribuição que vêm dando na tropicalização de espécies de regiões tem-
peradas para exportação, como a contribuição da Embrapa na aclimatação da soja, não conse-
gue dialogar com as demandas de uma população que só em assentamentos soma mais de
80.000 famílias assentadas na região. Muitas dessas famílias, por absoluta falta de opção,
acabam por derrubar a floresta para fazer carvão e passam a criar gado e, assim, alimentam
todo o complexo de devastação e violência que vimos analisando. Enfim, o projeto de explora-
ção mineral do Grande Carajás se ajustou como uma luva aos interesses dos grandes grileiros-
madeireiros-Gueiros-pecuaristas do complexo de violência e devastação ao se configurar como
um novo atrator. Hoje, em São Paulo e Rio de Janeiro, se consome carne bovina proveniente
de mais de 4.000 quilômetros de distância, vindos do Pará com caminhões frigoríficos com
custos energéticos e ambientais que só fazem aumentar a própria demanda de energia.

A REPRODUÇÃO AMPLIADA DO COMPLEXO DE VIOLÊNCIA E DEVASTAÇÃO PELA NOVA DI-


NÂMICA NACIONAL-GLOBALIZADA NA REGIÃO SUDESTE DO PARÁ

Uma nova articulação de interesses está em curso nesse momento cujos efeitos tendem a ali-
mentar, e agravar ainda mais, esse perverso Complexo de Devastação e Violência na região
conformando uma nova dinâmica nacional/globalizada protagonizada pelos mesmos podero-
sos interesses que vêm operando na região. Tal como nos anos 1970, é a questão energética
que vai reconfigurar a divisão internacional do trabalho, seja pela redistribuição espacial das
atividades de mineração, seja pelas implicações geográficas da expansão do plantio da cana e
da soja e o remanejamento espacial do rebanho bovino.

CONFIRA O HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO E DEVASTAÇÃO DO MAIOR BIOMA DO BRASIL.

1494 – Portugal e Espanha assinam o Tratado de Tordesilhas, conforme esse documento os


portugueses ficam com a porção leste do território brasileiro e os espanhóis com a poção oeste,
o qual coloca a floresta Amazônica para os espanhóis.

1540 – Os portugueses descobrem a Amazônia, desbravadores lusitanos chegam à região para


impedir a invasão de ingleses, franceses e holandeses, que cobiçavam a floresta.

1637 – Portugal encomenda a primeira grande expedição à região, com cerca de 2 mil pes-
soas. A exploração de frutos como o cacau e a castanha ganham uma forte conotação comercial.

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1750 – Os reis de Portugal e Espanha assinam o Tratado de Madri - por meio deste, quem
usava e ocupava a terra teria direito a ela. Com isso, os portugueses conseguem direito sobre
a Amazônia. Deu-se início ao estabelecimento da fronteira do território brasileiro na região
Amazônica.

Fim do século XIX – Inicia-se o ciclo da exploração da borracha brasileira na Amazônia, moti-
vado pela Revolução Industrial, as fábricas inglesas importam a matéria prima em grandes
quantidades. Entre 1870 e 1900, aproximadamente 300 mil nordestinos migraram para a
região para trabalharem nos seringais.

1940 – O então presidente Getúlio Vargas, inicia uma política para a ocupação do oeste brasi-
leiro, a chamada Marcha para o Oeste.

1960 – Com o intuito de integrar a Amazônia com o resto do País, os militares pregam a
unificação do País e a proteção da floresta contra a “internacionalização”. Utilizando um dis-
curso nacionalista, os militares realizam várias obras em infraestrutura para a ocupação da
região, a principal é a Transamazônica. É a política "Integrar para não Entregar".

1970 – A população da Amazônia Legal atinge a quantia de 7 milhões de habitantes, reflexo


das políticas públicas para a ocupação do território, no entanto, os problemas ambientais ge-
rados são desastrosos, a área desmatada da Amazônia chega a 14 milhões de hectares.

1980 – Os problemas ambientais na Amazônia, rotulada como “pulmão do mundo”, geram


repercussões internacionais. O assassinato do líder sindical Chico Mendes, em 1988, agrava
ainda mais as pressões internacionais em relação às políticas desenvolvidas no Brasil para a
preservação da Amazônia.

1990 – Se intensifica o desmatamento na região para a produção de soja, estima-se que a


extensão territorial desmatada atinja 41 milhões de hectares.

48
2000 – Conforme dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), a população da Ama-
zônia é de 21 milhões de pessoas. A pecuária passa a ser a grande vilã e principal responsável
pelo desmatamento. O rebanho bovino é de cerca de 64 milhões de cabeças.

2005 – 2009 - O assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang agrava ainda mais
os problemas ambientais na região. A área desmatada chega à incrível marca de 70 milhões
de hectares.

2009 – Dias atuais – Permanece o cenário de desmatamento desenfreado, aumentaram os


conflitos pela posse da terra e, como se não fosse bastante, agora existe um debate cada vez
mais acirrado sobre a presença estrangeira em solo amazônico, seja através de ONG’s, empre-
sas privadas ou governos estrangeiros.

Sabe-se que, atualmente, a fronteira agrícola no Brasil encontra-se na região amazônica, mais
especificamente nos estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Maranhão. Nesses locais, ob-
serva-se uma intensa destruição da floresta amazônica, processo realizado, na maioria das
vezes, de forma ilegal e clandestina.
Pode-se dizer que a ocupação da Amazônia ocorre desde os tempos coloniais, mas foi ao longo
do século XX que ela se intensificou, principalmente nas décadas de 1970 e 80. Nos anos
1990 houve um pequeno recuo da ocupação e do desmatamento, que voltaram a se intensificar
nos anos 2000.
Por se tratar de uma área extremamente vasta, fiscalizar toda a área é muito difícil, fato que
se agrava em virtude do baixo número de fiscais e da ausência de equipamentos adequados de
trabalho. Atualmente, estima-se que, a cada ano, o desmatamento destrói entre 11 mil e 25
mil km² de florestas, áreas maiores que alguns estados e até mesmo alguns países.
O saldo disso é uma vasta área desmatada. Não existem definições precisas sobre o tamanho
da floresta que já foi destruído. As estimativas mais otimistas colocam que 15% da floresta
original foi perdida, as mais pessimistas elevam esse quantitativo para 30%.
Os motivos da ocupação do território da Floresta Amazônica são, sobretudo, econômicos. Mi-
lhares de hectares vão ao chão para a produção de monoculturas exportadoras, como a soja, e
para a prática pecuarista. Outro fator bastante frequente é a especulação, em que pessoas ou
empresas ocupam determinadas áreas da floresta aguardando uma valorização futura para a
venda.
Outra questão é a instalação de usinas hidrelétricas. Em razão do potencial hidráulico dos aflu-
entes do Rio Amazonas e do fato de se tratar de uma região plana, o governo já estuda a
instalação de algumas usinas de produção de energia.
Um dos projetos é a usina de Tapajós, que seria composta por sete grandes hidrelétricas. Outro
é o da Usina de Belo Monte, que está sendo construída no Rio Xingu, no Pará, e que deve ser
concluída em 2015. Essa usina vem sendo alvo de muitos protestos e críticas de ambientalis-
tas e das populações tradicionais da região.

49
AS CONSEQUÊNCIAS DA DESTRUIÇÃO – MESMO QUE PARCIAL – DA AMAZÔNIA SÃO GRA-
VES. DENTRE ELAS, PODEMOS ENUMERAR:

a) redução da biodiversidade e extinções;

b) empobrecimento dos solos;

c) interferências climáticas;

d) aumento da produção de gás carbônico (CO2) em virtude das queimadas;

e) expulsão de comunidades tradicionais e destruição de reservas indígenas;

f) aumento do número de homicídios em razão das disputas territoriais nas zonas da fronteira
agrícola.

As atuais formas de ocupação da Amazônia revelam-se muitas vezes agressivas em razão dos
interesses privados se sobreporem às necessidades da sociedade e da natureza como um todo.

TEXTO E CONTEXTO

AMAZÔNIA AMEAÇADA. PLANO DE OCUPAÇÃO DOS ESTRANGEIROS.

Este documento faz parte de uma entrevista retirada do Jornal Diário da Manhã – Goiânia -
Go– Caderno Especial – Edição e texto de Javier Godinho

Em outubro de 2004 o comandante e general-de-brigada Marco Aurélio Costa Vieira recebeu


o jornalista Javier Godinho para uma discussão:

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA AMAZÔNIA.

O General Marco Aurélio demonstrou através de documentos, imagens, e informações do exér-


cito brasileiro que confirmam plenamente que o Brasil corre o risco de perder 56% de seu
território, e justamente a maior riqueza intacta mineral, petrolífera, fauna e flora e principal-
mente água potável que será o grande problema mundial daqui alguns anos.
Da água potável ainda existente no planeta, 11% corre nos 23 mil quilômetros de rios nave-
gáveis da maior bacia hidrográfica do mundo, responsável por dois terços do potencial hidre-
létrico do Brasil.

50
COMO SERIA O BRASIL SEM A AMAZÔNIA? VEJA OS NÚMEROS…

O general Marco Aurélio demonstrou um


mapa mostrando como seria o Brasil sem a
Amazônia. Já pensarem nisso algum dia?

Então veja: de um lado 5,2 milhões de quilô-


metros quadrados perdidos, o mais promissor
do presente e o mais rico do futuro desse país,
atualmente semiabandonados pelos governos
e pela população, com apenas 4 habitantes
por quilômetro quadrado, 12% da representa-
ção política e US$ 2.059,00 de renda per ca-
pita. Do outro, horrível no formato, os 3,4 mi-
lhões de quilômetros quadrados que nos so-
brariam, com 40 habitantes por quilômetro
quadrado, 88% da representação política e
US$ 4.955,00 de renda per capita.
Dentro da Amazônia brasileira cabem nada
mais nada menos de 17 países europeus den-
tre eles – Bélgica, Alemanha, Eslováquia,
Áustria, Albânia, Portugal, Itália, Bósnia, In-
glaterra, França, Espanha, República Tcheca
Holanda e a Suíça.
Com certeza, grupos suspeitos, cada vez mai-
ores, de várias dessas nações já se estabele-
cera, se movimentando e realizando ações es-
cusas no território amazônico.

“ELES LEVAM NOSSAS RIQUEZAS”

O general Marco Aurélio, que viveu 5 anos no Comando Militar da Amazônia, não acredita
ainda que exista mesmo um movimento organizado para tomar a Amazônia. Mas destaca que
há grandes interesses de potências econômicas, pois já atuam individualmente. Há grande nú-
mero de estrangeiros dentro de nossa Amazônia. São mais de 600, entre ONGs, instituições
religiosas, cientificas e culturais.
Este levantamento foi feito pelo exército brasileiro. Tais instituições atuam entre a população
branca pobre e os índios. E o mais grave: estão levando nossa riqueza de todo o tipo.
É inacreditável que estão nos cercando 20 bases militares dos Estados Unidos, a título de com-
bater o narcotráfico e a guerrilha.
Depois desta reportagem você acredita que estão combatendo mesmo o narcotráfico ou estão
de olho nesta região?

51
Na operação Timbó, realizada pelas forças armadas, foi detectado um contrabando de mogno
realizado por representantes de empresas estrangeiras, que para tanto, usam caboclos e índios
brasileiros para marcar as melhores árvores, e a seguir arrancadas por tratores as arrastavam
para o território peruano.
Um dado importante mostra sem dúvida a presença marcante de estrangeiros no nosso terri-
tório: O governo da Guiana Francesa paga um salário por criança nascido no Brasil, que ali seja
registrada, para retornar ao nosso país, mas com cidadania daquele departamento ultramarino
da França.
O general destaca o trabalho dos pelotões de fronteira, praticamente única presença brasileira
na área.
Essas unidades militares são procuradas para por índios e caboclos em busca de assistência de
todo tipo, inclusive médica.

O BRASIL INTEIRO CONTRA O MUNDO?

O general Marco Aurélio busca com muita apreensão despertar a consciência nacional para a
necessidade de ocupação racional, de fato, pelos brasileiros, da Amazônia, onde a cobiça es-
trangeira cada vez mais estende seus tentáculos.
Dos seus documentos, imagens e de sua experiência como Comandante Militar da Amazônia
por 5 anos, contam opiniões manifestadas por vários “donos do mundo” que passaram pelas
nações mais ricas da Terra sobre a posse da Amazônia pelo Brasil.

52
VEJAMOS TAIS DECLARAÇÕES DOS “DONOS DO MUNDO”:

Margareth Thatcher, primeira ministra do Reino Unido (Inglaterra) em 1983:

“Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas
riquezas, seus territórios e suas fábricas. ”

John Major, Primeiro ministro sucessor de Thatcher, líder do Partido Conservador inglês, em
1992:

“ As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei ao que é comum de todos no mundo.
As campanhas ecológicas sobre a região amazônica estão deixando a fase propagandista para
dar início a uma fase operativa, que pode definitivamente engajar intervenções militares sobre
a região. ”

François Mitterrand, primeiro socialista presidente da França em 1989:

“O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”.

Mikhail Gorbachev, estadista que liderou o fim do regime comunista e a volta do mundo soci-
alista à economia de mercado:

“O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais
competentes. ”

Patrice Hughes, chefe do órgão central de informações das Forças Armadas Americanas:

“Caso o Brasil resolva fazer um uso da Amazônia que ponha risco o meio ambiente nos
Estados Unidos, temos de estar prontos para interromper esse processo imediatamente”.

Al Gore, vice-presidente Americano:

“A Amazônia não é dos brasileiros”.

A CIA – Agência de Investigação Criminal Americana – Está na Região desde 1996


A opinião dos Estados Unidos pode ser encontrada nesta fala de Henry Kissinger, diplomata
que foi assessor da Casa Branca e secretário de Estado, prêmio Nobel da Paz em 1973:

“Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tive-
rem à sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Terão que montar um
sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus direitos”.

53
Em 1996, Madaleine Albright, secretária de Estado dos Estados Unidos, revelou:

“Atualmente, avançamos em uma ampla gama de políticas, negociações, e tratados, em cola-


boração com programas da ONU, diplomacia bilateral e regional, distribuição de ajuda huma-
nitária aos países necessitados e crescente participação da CIA em atividades de inteligência
ambiental”

Ao bom entendedor já está claro que a CIA está na Amazônia, onde as ONGs e tantas outras
instituições com rótulos de cientificas e culturais e defensoras do meio ambiente atuam de mil
e uma maneiras.

A HISTÓRIA NÃO DEIXA MENTIR

No começo do século 20 a então poderosa Alemanha comunicou ao Barão de Rio Branco:

“Seria conveniente que o Brasil não privasse o mundo das riquezas naturais da Amazônia”

A competência desse diplomata brasileiro extraordinário e patriota maior ainda abortou as ten-
tativas de invasões estrangeiras, disfarçadas sob o argumento de que o Brasil não teria condi-
ções de explora-la e a humanidade não poderia se privar de desfrutar da Amazônia.
O Brasil já repeliu a tentativa do Hudson Institute de junta as águas dos maiores rios do mundo
para formar o Grande Lago Amazônico.
O Racista notório americano general James Watson Webb, ministro de Washington, elaborou
um plano para que a Amazônia fosse destinada aos negros norte-americanos, evitando que se
repetissem as condições socioeconômicas que levaram o pais à Guerra de Secessão.
A companhia Amazon River Corporation tinha a finalidade de colonizar a Amazônia.
No princípio do século 20, o Presidente Epitácio Pessoa ouviu, estarrecido, em Genebra a pro-
posição do presidente americano Wilson um plano de Internacionalização da Amazônia.
No Japão vicejou a tese de que filhos de soldados americanos com japonesas durante a 2ª
guerra mundial deveriam ser mandados para a Amazônia.
O presidente Eurico Gaspar Dutra rechaçou as propostas norte americanas de enviar para a
Amazônia excedentes populacionais de Porto Rico e 200 mil refugiados árabe da palestina.
O general Juarez Távora denunciou as escandalosas concessões pretendidas pela Amazon Cor-
poration of Delaware e a The Canadian Amazon Corporation de extrair as riquezas nacionais
amazônicas.
Em 1993 o ex-presidente José Sarney denunciava a concentração de tropas norte americanas
na Guiana, no Suriname e na Venezuela. Hoje, é público e notória a presença de militares dos
EUA no Equador, Peru, Paraguai e na Colômbia, a título de combater o narcotráfico e a guerri-
lha.
É um cinturão de 20 bases que se encomprida e se alarga, fechando o cerco.

54
E quem pensa que essa ambição internacional é típica do governo, da qual estão isentas as
instituições que afirmam agir na Terra em nome dos Céus, oferecemos mais um quadro, o
Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, que em 1981, manifestou o seguinte em Genebra:

“A Amazônia é um patrimônio da humanidade. A posse dessa área pelo Brasil, Venezuela,


Equador e Colômbia, é meramente circunstancial”.

Pior do isso só o cartão muitas vezes encontrado até em forma de guardanapo de papel em
restaurantes em Londres, cuja tradução do inglês é esta:
“Lute pela floresta. Torre um brasileiro. ”

A AMAZÔNIA É DE TODOS?

O texto abaixo, falará sobre a internacionalização da Amazônia, que é um fato que vem sendo
discutido a partir dos meados da década de 80, quando alguns políticos de países de primeiro
mundo, discutindo sobre o pagamento da dívida externa do Brasil, pensaram no pagamento
com reservas naturais, indústrias, etc. Foi mais fortemente discutida no final dos anos 90,
inclusive pelo ex-presidente do EUA George W. Bush, que falou sobre a Internacionalização da
Amazônia em alguns de seus discursos para presidência. Estamos passando por um caso que
muitos acham incorreto, como brasileiros, mas outros têm uma opinião contrária, de que a
Amazônia seja um patrimônio de todo mundo, que todos deveriam comandá-la.
Na medida em que a Amazônia ia sendo revelada ao Brasil através dos inúmeros inventários e
levantamentos de seus recursos naturais, minerais e energéticos, a década de 80 e 90 assistia
à entrada em operação de inúmeros projetos de impacto, no setor de mineração e eletricidade.
O projeto Trombetas, pela Companhia Vale do Rio Doce, para exploração da bauxita; da Grande
Carajás, para exploração do minério de ferro; da Albrás-Alunorte, em Vila do Conde, para pro-
dução de alumina e alumínio metálico; de Tucuruí, no rio Tocantins, para produção de cerca de
4 milhões de quilowatts; e o das hidrelétricas de Balbina, no rio Uatumã, e de Samuel, no rio
Jamari.
Esse panorama que contribuiu para a expansão demográfica e da fronteira agrícola, pecuária,
mineral e industrial, deu origem, também, às tensões sociais, conflitos de terras, disputas de
posse e invasões de áreas indígenas.
A situação engendrou também, pelo atraso de uma política nacional de preservação, o quadro
atual caracterizado pela atuação de madeireiras predatórias, poluição fluvial, garimpeiros clan-
destinos, falsos missionários, contrabando das riquezas da biodiversidade florestal e pelo nar-
cotráfico, favorecido pelos 1600 km de fronteira de uma linha imaginária, com insignificante
presença civil ou militar – a fronteira aberta à guerrilha, ao narcotráfico, ao contrabando de
armas e à biopirataria.
Esse último tema foi assunto da Conferência Ministerial de Defesa das Américas que se en-
cerrou com uma declaração de apoio ao combate às drogas ilícitas e atividades criminosas

55
transfronteiriças. Apesar de não ter sido incluído na pauta do encontro, o polêmico Plano Co-
lômbia de combate ao narcotráfico, com o apoio dos Estados Unidos, foi discutido quando abor-
dados questões de ameaças internacionais à segurança dos países participantes.
A segurança da Amazônia brasileira se encontra na pauta de prioridades do governo brasileiro.
Com o agravamento da crise entre o governo e a internacionalização da guerra civil na Colôm-
bia, associada ao narcotráfico, o Brasil intenciona investir até US$ 10 bilhões de dólares na
modernização das Forças Armadas, buscando garantir a integridade da Amazônia.
Os efetivos militares no Rio de Janeiro são superiores a 44 mil homens; na continental região
amazônica, que se espalha por dois terços do nosso território, apenas 22 mil. A proporção está
invertida. De Manaus a Tabatinga são três horas e meia em voo direto em Boeing. Sete estados
do Sul e do Nordeste cabem no Amazonas.
Há alguns anos, uma rede eletrônica de mensagens compartilhadas por um grupo da Internet
retratou-se, no meio virtual, por ter veiculado o que depois seria comprovado como boato com-
pletamente sem fundamento. O boato versava sobre a existência de mapas escolares norte
americanos nos quais a Amazônia brasileira seria mostrada como “área de preservação inter-
nacional” e destacada do território brasileiro.
No entanto, o governo federal construiu uma possibilidade de internacionalização indireta, sob
concessão de gerência ambiental de áreas do território nacional, quando promulgou a Lei
9.985. Por tal lei seriam constituídas Unidades de Conservação Ambiental, de Proteção Inte-
gral ou de Uso Sustentado – por decreto lei.
Nas Unidades de Uso Sustentável são fixadas categorias de dimensões continentais: são as
chamadas “Áreas de Proteção Ambiental”, que de acordo com a própria lei, em seu artigo 15,
“área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos,
bióticos, estéticos ou culturais, especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-
estar das populações humanas”, com o objetivo de “proteger a diversidade biológica, disciplinar
o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”.
Mas a lei, em seu artigo 30, estabelecendo que “as Unidades de Conservação podem vir a ser
geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da
unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão”, abre,
segundo Dr. Luiz Augusto Germani, diretor-jurídico da Sociedade Rural Brasileira, uma condi-
ção inconstitucional que possibilita a materialização da até então fantasiosa internacionaliza-
ção: a de que o poder público possa transferir a uma organização não-governamental, nacional
ou internacional, funções exclusivas suas que são sustentáculos da própria soberania sobre tal
área.

HISTÓRICO – O PLANALTO SE RENDE E ENTREGA A AMAZÔNIA?

Feito jiboia em bezerro novo, a sanha privatizante começou sobre Furnas, prenunciando o que
acontecerá ao que restou do sistema hidrelétrico nacional. Já se foram os monopólios do pe-
tróleo, do gás canalizado, das telecomunicações e da navegação de cabotagem, como se priva-
tizou o subsolo, a telefonia, os satélites, a petroquímica, a siderurgia, o sistema financeiro.

56
Tudo para abater a dívida externa, que se multiplicou, e para melhorar os serviços, que piora-
ram. Faltam a Petrobras, já retalhada em unidades estanques, deglutidas feito mingau quente,
pelas bordas; o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, que segundo empresas estrangeiras de
assessoria dá prejuízo desde 2003. Depois, será a vez da Amazônia. Depois? Cobiçam a região
como mulher alheia.
Há comerciais institucionais transmitidos pela televisão do primeiro mundo, inclusive a CNN,
onde a repórter Marina Mirabella mostra as maravilhas da fauna e da flora amazônicas para,
em seguida, apresentar cenas de devastação, sujeira e imundície, e concluir: “São os brasileiros
que estão fazendo isso! Até quando? A Amazônia pertence à humanidade e o Brasil não tem
competência para preservá-la! ” O pior é quando essas investidas partem de nós. As deputadas
Vanessa Grazziotin e Socorro Gomes, solicitaram do general-chefe da Secretaria de Segurança
Institucional informações sobre o Programa Nacional de Florestas, obra do ironicamente ama-
zônico Ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney.
Para quê? Para transformá-las em propriedades privadas, “de modo a disponibilizar matéria-
prima para as indústrias (as madeireiras internacionais) de forma permanente, contínua, re-
gular e balanceada, em função das exigências do mercado”. Mas não era para manter a Ama-
zônia intocada?

TEXTO E CONTEXTO 2

INTERNACIONALIZAÇÃO DA AMAZÔNIA

Durante debate ocorrido no mês de novembro/2000, em uma Universidade, nos Estados Uni-
dos, o ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, foi questionado sobre o que pen-
sava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que espe-
rava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Segundo Cristovam, foi a primeira
vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para a sua res-
posta:
"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia.
Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso ima-
ginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a
Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, interna-
cionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante
para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os
donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir
ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser interna-
cionalizado
Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela
vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego
provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as
reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes

57
mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do
mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das
mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural,
como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprie-
tário ou de um país.
Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mes-
tre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as
Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram
dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que
Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan
deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de
Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, de-
veriam pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco
de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA.
Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma des-
truição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Bra-
sil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de
internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida.
Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibili-
dade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o
país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do
que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um
patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar;
que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização
do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja
nossa. Só nossa."

CONCLUSÃO

Vimos, que esse fato de que a Amazônia é de todos têm muitas opiniões, no entanto, é fato
que não seria correto distribuir um patrimônio florestal internacional situado no Brasil. Ao
início, falam de um salvamento da Amazônia e da economia brasileira. Porém, sabemos que
mão é esse o caso. No caso de a Amazônia ser internacionalizada, poderá ocorrer uma imensa
destruição ambiental, pois muitos desses países procuram apenas a exploração da Amazônia,
como os Portugueses fizeram com toda a riqueza ambiental brasileira na época da colonização.
Esse ainda é um fato a muito ser discutido, mas certamente, praticamente todos os brasileiros
devem ter uma opinião negativa a esse caso.

58
O ESPAÇO AGRÁRIO NA AMAZÔNIA

“ (...) Nos anos 1970, talvez a principal causa de generalização dos conflitos esteve ligada a
política de incentivos fiscais a projetos agropecuários. As facilidades, vantagens e apoio go-
vernamentais para a compra de terras por empresários levaram as consequências extrema-
mente danosas e absurdas – a compra e legitimação de terras com documentos fraudulentos
(...). “

(LOUREIRO, Violeta Refkalefsky, Amazônia: estado, homem, natureza. Belém: CEJUP, 1992, p. 188.)

O texto acima, de Violeta Loureiro, se materializa na sequência de imagens sobre a realidade


do espaço agrário na Amazônia, marcado por conflitos, inúmeros assassinatos, como o do líder
dos seringueiros no Acre e um dos maiores ícones da história de luta pelos povos da floresta,
Chico Mendes, como também da missionária norte-americana, naturalizada brasileira, Dorothy
Stang, ou do massacre em massa no Pará de 19 trabalhadores rurais sem-terra, no fatídico
17 de abril de 1996, além do desmatamento, expropriação do homem do campo, concentração
de terra, dentre outras consequências danosas, incentivadas pelo governo federal, através de
um conjunto de políticas públicas territoriais desarticuladas de realidade local, a partir dos anos
1960 e, muitas vezes voltadas para os interesses de fora da região, dentro de uma perspectiva
exógena.

Porém, nem sempre foi assim na Amazônia. Antes da chegada dos portugueses, os índios
viviam em um espaço amplo, onde a questão de terra não tinha a mesma importância que tem
hoje. Gradativamente, com a colonização da região e as doações de terras para à igreja e do-
natários, mais tarde com imigração de nordestinos e sulistas, essa questão começa a ganhar
força.
O espaço agrário compreende o espaço do campo, estando este relacionado às atividades pri-
márias, como a agricultura, pecuária, extrativismo e pesca. Atividades que são primordiais à
existência e manutenção da vida humana, mas a tentativa de sobrevivência de muitos povos e

59
pessoas do campo vem sendo ameaçada, principalmente a partir das décadas de 1960, na
lógica de gestão do território pelo governo federal, através da construção de rodovias e de

grandes projetos agropecuários e agromine-


rais.

O ESPAÇO AGRÁRIO DE ONTEM

Os versos da música “Saga da Amazônia”, de Vital Farias, tratam de um dos problemas mais
sérios da Amazônia: a luta pela terra.
Você sabe qual a origem desse problema? Sua origem está relacionada com a estrutura fundi-
ária da região, ou seja, com a forma através da qual o espaço rural está organizado no que diz
respeito ao número e tamanho das propriedades e sua distribuição pelas classes sociais.
Na Amazônia, é muito comum a concentração da terra por parte de algumas pessoas ou grupos
(grandes proprietários, empresas capitalistas, etc.) por outro lado, caboclos, índios, migrantes,
pequenos produtores, etc. ficam muitas vezes, sem ter um pedaço de terra para sua sobrevi-
vência.
Será que a concentração de terras e os conflitos fundiários sempre existiram na Amazônia?
Antes da colonização portuguesa, a Amazônia não apresentava os problemas de terras que,
hoje, apresenta. Os numerosos grupos indígenas que habitavam a região utilizavam a terra
como um bem comum a todos.
Já nos primeiros séculos da colonização. Foram doadas grandes extensões de terras pela coroa
portuguesa para que fossem cultivadas, vale dizer que muitas delas não foram, sequer, visita-
das pelas pessoas beneficiadas, os DONATÁRIOS.
A agricultura e a pecuária eram algumas das destinações dadas as terras que compunham a
estrutura fundiária no período colonial. Marcava, também a estrutura agrária amazônica até o
século XIX, um sistema de ALDEAMENTO jesuítico, distribuídos pelos vales dos rios. Praticava-
se, nessas áreas, além da POLICULTURA o EXTRATIVISMO, principalmente dos produtos
vegetais.

60
A partir da proclamação da república, os governos estaduais passam a controlar de maneira
mais direta as terras existentes no domínio dos estados brasileiros. Nesse sentido, várias di-
mensões de terras foram estão doadas por esses governos a particulares para prática de ativi-
dades extrativistas (borracha, castanha etc.)
Lentamente, vai ocorrendo um processo de concentração de terras nas mãos de poucos propri-
etários. Entretanto, não se verificavam conflitos de forma tão intensa. Nessa época, as terras
não eram disputadas como hoje.
Em algumas áreas, também, se formaram propriedades produtivas, com lotes familiares. Essas
famílias utilizavam a terra como um meio de garantira sobrevivência própria. O mesmo podem
dizer das nações indígenas. Nos espaços dessas nações, a terra é um bem coletivo e não uma
mercadoria a ser comercializada.

AMAZÔNIA: “TERRA SEM HOMENS PARA HOMENS SEM TERRA”

A política de integração da Amazônia ao Centro-Sul brasileiro, a partir de década de 60, não


levou em consideração essa estrutura agrária existente. Em consequência, surgiu uma série de
problemas, envolvendo diferentes personagens.
O 1º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento – 1972/74) do governo federal, cujo instru-
mento básico foi o PIN (Programa de Integração Nacional), baseado na construção de infraes-
trutura, destacando as rodovias, redes de comunicação e energia, o que estimulou a migração
para a região, onde o Estado queria mais uma vez tentar povoar, controlar e explorar a Ama-
zônia, com o intuito de solidificar sua soberania e escoar pessoas de outras regiões potencial-
mente conflituosas. Vieram pessoas do Sul, Sudeste, Centro-Oeste, e mais uma leva de nor-
destinos, criando assim, um contingente de mão-de-obra excedente e barata para os grandes
projetos que viriam.
Ethos, palavra de procedência grega, e Do ponto de vista antropológico-sociológico, foi inte-
possui como definição com relação aos ressante observar o ethos de cada um desses grupos e
hábitos adquiridos por uma comunidade, sua adaptação ao novo ambiente. Por exemplo, da re-
é o que distingue um grupo social e cul- gião sul vieram pessoas com ascendência alemã, itali-
tural dos outros, sendo assim uma iden-
ana e eslávica. Curiosamente, ao assentar estes colo-
tidade social. Para apreendermos de
forma mais ampla, devemos entender a nos, o governo, através do INCRA, caracterizaria os
definição da palavra de origem latina mesmos como migrantes ilustres e exemplares, pois
“mören”, que tem o mesmo significado eram considerados "trabalhadores" e encerrariam uma
de “ethos” e que deu origem à palavra demonstração para os demais em termos de rendi-
“moral”. mento, produção e ritmo de trabalho. Por outro lado, os
caboclos regionais, tidos como preguiçosos, ensinaram
muitos migrantes como manejar os recursos naturais
que, em consequência disto, incorreram menos dívidas Clientelismo é a troca de bens e serviços
no crédito rural. Por sua vez, os nordestinos procura- por apoio político, sendo a troca algo im-
vam relações clientelistas, enquanto os migrantes do plícito ou não
centro-oeste teriam uma propensão em estabelecer re-
des comerciais.

61
O 2º PND (1975/79) privilegiou o modelo de ocupação da fronteira através dos projetos agro-
pecuários e minerais financiados direto pelo Estado, através de incentivos fiscais, creditícios
e fundiários a empresas particulares. Uma opção bastante contraditória com o movimento di-
nâmico de expansão da pequena produção agrícola alicerçada na ocupação produtiva da terra,
pelos migrantes que a política de colonização disciplinava e controlava por meio do INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A partir do 2º PND, o Estado cortou a
ajuda aos pequenos camponeses, pois considerou a ocupação da colonização planejada lenta e
de poucos resultados positivos. O programa de colonização dirigida sofreu o esvaziamento,
embora a migração continuasse intensa para as áreas das estradas e rodovias.
A política de integração nacional e de colonização, ao contrário do que se propunha, não me-
lhorou o nível de vida da população, não fixou o homem ao campo e não promoveu o verdadeiro
desenvolvimento da Amazônia. Isso tudo porque não foram dadas as condições necessárias ao
assentamento: infraestrutura viária adequada, assistência técnica, educação, saúde, etc.
O governo não priorizou a colonização baseada em pequenos e médios proprietários, dando
relevância aos investimentos e a organização empresarial, considerada ais eficiente a ocupação
rápida de uma área tão arrasada economicamente, como a Amazônia.

Assim, a implantação de projetos agropecuários na região deve ser entendida como uma estra-
tégia dos governos militares de patrocinarem o acesso à terra na região pelos grandes grupos
econômicos nacionais e estrangeiros. O acesso à terra, deste modo, passou a ser dominado pela
grilagem.

62
A grilagem ainda é uma prática muito comum na região, pois os órgãos que cuidam da regula-
rização da terra não têm capacidade técnica para cumprir sua função. Ainda que a pressão pela
reforma agrária seja uma bandeira defendia pelos movimentos sociais, como é o caso do MST
(Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), não é difícil fazer negócio com terras documenta-
das através de grileiros. Nesse grande negócio chamado Amazônia, o mercado é muito mais
selvagem.
Tudo isso reforçou a estrutura fundiária concentrada na região, com o predomínio do latifún-
dio, ou seja, da grande propriedade, os pequenos produtores foram aos poucos, expulsos de
suas terras e se refugiando nas cidades, nas favelas e, em alguns casos, nas palafitas.

A IMPLANTAÇÃO DOS POLOS DE DESENVOLVIMENTO

O Polamazônia, conjunto de polos agropecuários e agrominerais, como o Polonoroeste, polos


de desenvolvimento agropecuário de Rondônia, somado ao PIC (Programa Integrado de Colo-
nização) incentivaram a migração para a Amazônia, gerando vários impactos socioambientais,
como o aumento dos conflitos agrários.

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A concentração fundiária se transformou em uma das maiores razões de conflitos na região.
Os privilégios concedidos às grandes empresas na alocação de terras criaram um verdadeiro
barril de pólvora. A partir de 1970, eclodiram conflitos fundiários em várias regiões da Ama-
zônia, em especial, no sudeste do Pará.
Pode-se constatar que os polos de desenvolvimento contribuíram para os conflitos fundiários,
mas na verdade, essa situação de violência que envolve o aceso à terra na região resulta do
modelo de apropriação não só da terra, como também das riquezas como um todo da região. A
ganância e a lógica capitalista agiram livremente, de forma avassaladora numa área de fron-
teira onde os mais fracos são esmagados pelos que detêm a força do capital e a proteção do
Estado.

ATORES SOCIAIS DO CAMPO NA AMAZÔNIA

• Posseiros são agricultores que cultivam pequenos lotes, geralmente há muitos anos, mas
não possuem o título de propriedade da terra. Eles têm a posse da terra, mas não os documentos
legais registrados em cartórios, que garantem a sua propriedade. São vítimas de fazendeiros
e empresas.

•Colonos são pequenos agricultores, trabalhadores dos projetos agropecuários, ou que sim-
plesmente migraram para a região.

• Indígenas são os povos nativos que formam a comunidade que vivia na Amazônia antes da
chegada dos colonizadores.

• Grileiros são agentes de grandes proprietários de terras que se apropriam ilegalmente de


extensas porções de terras, mediante a falsificação de títulos de propriedade. Com a ajuda de

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capangas e jagunços, expulsam posseiros e índios das terras. As terras “griladas” passam ao
controle dos novos “proprietários”.
• Empresários representam o colonizador moderno, atuando em áreas como agropecuária, mi-
neração e exploração madeireira, geralmente financiados com recursos dos bancos oficiais.

• Jagunços são homens armados, contratados por grileiros, empresários ou empreiteiros para
patrulhar suas terras e expulsar posseiros ou indígenas.

• Empreiteiros são pessoas que contratam os trabalhadores para as grandes fazendas. São
também chamados de “gatos” ou intermediários.

• Peões são trabalhadores rurais, recrutados pelos “gatos”. Ganham baixos salários e, muitas
vezes, trabalham sem carteira assinada, não se beneficiando dos direitos trabalhistas. Eles se
iludem com promessas de um enriquecimento que nunca acontece e ficam sempre devendo ao
patrão, não podendo deixar o emprego.

•Latifundiários são pessoas ou empresas que adquirem enormes extensões de terra na Ama-
zônia, algumas vezes com títulos de propriedade duvidosos.

•Povos da floresta são castanheiros, seringueiros, mulheres quebradeiras de coco de babaçu


e demais trabalhadores que se ocupam das atividades extrativistas relacionadas ao setor pri-
mário. Em geral, não possuem a propriedade da terra.

• Pistoleiros são capangas contratados para amedrontar ou matar pessoas que ameacem os
interesses dos grandes proprietários de terras.

Concentração de terras e assassinatos no campo: práticas comuns na Amazônia

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Várias razões explicam a presença de alguns desses personagens no espaço amazônico, veja-
mos algumas delas:

 Tensões sociais em outras regiões, principalmente no Nordeste, que possui grave pro-
blema devido à sua estrutura fundiária, marcada por latifúndios. Em decorrência dessas
tensões, a ideia do Governo Federal era a de estimular a migração dos “sem terras”
nordestinos para a Amazônia, como de fato veio a ocorrer.
 Descoberta de jazidas minerais no subsolo amazônico, que provocou um processo de
grilagem para garantir a apropriação da terra e a implantação de empresas exploradora
de minérios.
 Necessidade de expandir a produção agrícola para atender ao mercado interno e, princi-
palmente, aos centro-sul brasileiro que passava por um processo de industrialização.
 Necessidade de o governo brasileiro garantir a soberania do espaço nacional, através da
ocupação da região e de sua integração, defendendo, com isso, o interesse de grupos
econômicos que objetivam beneficiar-se com as terras e as riquezas da região.

CONFLITOS PELA TERRA NA AMAZÔNIA

A Amazônia brasileira é reconhecida não apenas como a maior reserva de recursos naturais do
planeta, mas também como uma região em constante disputa política, econômica, ambiental e
social. O Pará, em particular, tem chamado sistematicamente a atenção pelo rápido avanço na
demarcação de unidades de conservação por um lado, mas por outro, pelos conflitos violentos
decorrentes do processo de ocupação e exploração da terra.
Projetos voltados para o Pará,
tais como a construção da hidre-
létrica de Belo Monte (Rio Xingu),
abertura de novas estradas, pavi-
mentação da BR-163 (Cuiabá-
Santarém), crescimento da cria-
ção de gado, entre outros fatores,
têm acelerado o processo de ocu-
pação e movimentado novas
fronteiras econômicas. Em decor-
rência desse processo de reativa-
ção da fronteira, há aceleração da
expropriação e exploração do ter-
ritório, resultando em desmata-
mento e muita violência (assassi-
natos, escravidão, ameaças de
morte, expulsões do campo) en-
UHT de Belo Monte
volvendo populações indígenas,
agricultores e residentes em Unidades de Conservação (UCs).

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Por causa dessa situação, o Pará, sobretudo a região sudeste do estado, ficou conhecido como
"terra sem lei". A violência é reflexo dos conflitos decorrentes da disputa de interesses, da
sobreposição de territórios destinados a diferentes usos dos recursos, da concentração fundi-
ária e da precariedade no ordenamento territorial. Além desses fatores, as tensões sociais ten-
dem a ter um desfecho violento também pela presença insatisfatória do poder público, princi-
palmente, aquele poder legítimo e não corrompido pelos grandes interesses econômicos.
De acordo com o Atlas da Questão Agrária Brasileira, os municípios com maior índice de vio-
lência contra a pessoa do campo no período 1996-2006 estão localizados no sudeste do Pará.
Dentro dessa região, destacam-se os municípios de São Félix do Xingu e Santana do Araguaia,
com os mais altos índices, seguidos por Cumaru do Norte e Marabá, numa categoria inferior.

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Um pouco mais abaixo, no ranking, estão os municípios de Altamira e Anapu, onde foi assas-
sinada a irmã Dorothy em 2005.
Para tratar desse tema da violência é fundamental mencionar a grilagem de terras, que se
caracteriza pela apropriação irregular ou ilegal de terras públicas. A privatização ilegal ou ir-
regular de terras públicas, geralmente a partir de documentos fraudados, está presente desde
a formação da estrutura rural e fundiária brasileira. Ela é identificada como a origem dos prin-
cipais conflitos por terra no país. A privatização irregular da terra ocasiona a privatização dos
recursos naturais dentro da área e possibilita que o "proprietário" (grileiro) tenha acesso a
financiamentos públicos orientados para a exploração da terra (seja pela plantação, criação de
gado ou especulação). O ciclo econômico da grilagem, caracterizado pelo desrespeito às leis e
aos direitos humanos, tende a se consolidar à medida que o grileiro conquista poder político e
se alia a outros interesses econômicos, além dos agropecuários, tais como exploração mineral
e energética.
Não é por mero acaso que o estado campeão em grilagem na Amazônia seja também um dos
principais focos de criação de novos estados e municípios no Brasil. Os processos de criação
de novos municípios e de novos estados muitas vezes são motivados por agentes envolvidos
diretamente no ciclo econômico da grilagem. Se, por um lado, a criação de um novo município
ou estado significa descentralização administrativa visando cumprir metas de políticas públi-
cas; por outro lado, pode favorecer as atividades econômicas de uma minoria que continuará a
utilizar as instituições públicas em função de seus interesses privados.
A lógica da grilagem envolve uma rede de corrupção atuante no interior de órgãos fundiários
(desde a esfera federal, como o INCRA, até os órgãos estaduais, como o ITERPA, na região),
que fraudam documentos em cartórios de imóveis com total conivência de políticos do legisla-
tivo e do executivo, muitas vezes, atendendo aos seus próprios interesses (lembrando que mui-
tos políticos são também grandes proprietários ou mesmo grileiros de terras). A grilagem está
associada à exploração madeireira e a agropecuária que faz uso, não raramente, de práticas de
trabalho escravo ou de expulsão de moradores.
Para se ter uma ideia da dimensão da grilagem no Brasil, um relatório elaborado a pedido do
Ipam e do Ministério do Meio Ambiente, indicava em 2006 que os grileiros detinham, até
aquele momento, aproximadamente 100 milhões de hectares (ou 12% do território nacional),
sendo que desses, 30 milhões estavam localizados no estado do Pará.
Segundo a CPI federal sobre ocupação de terras públicas na região amazônica, dentre as fina-
lidades da grilagem, estão: (a) parcelar para depois vender as terras para terceiros; (b) obter
financiamentos bancários para projetos agropecuários, oferecendo a terra grilada como garan-
tia; (c) exploração madeireira ou atividade agropastoril; (d) dar a terra grilada como pagamento
de dívidas previdenciárias e fiscais; (e) conseguir indenização nas ações desapropriatórias,
para fins de reforma agrária ou de criação de áreas protegidas.
Para proteger o sudeste do Pará do avanço dos grileiros foram criadas na última década diver-
sas áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação ambiental). Dentre elas des-
taca-se um grupo de Unidades de Conservação (UCs) que formam o mosaico da Terra do Meio
(nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu), que foi criado com o propósito de restringir
o avanço da grilagem e dos criadores de gado e do desmatamento nas áreas de floresta.

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A criação de UCs pressupõe presença estatal, em decorrência da "federalização" de um territó-
rio que antes era administrado pelo estado ou município, e serve de espaço para atuação de
ONGs, auxiliando a formação de uma rede de suporte e apoio às populações residentes das UCs,
o que também contribui para proteger e organizar a população local. Na medida em que há

aumento no raio de alcance das denúncias de ameaças, isso confere maior visibilidade à situ-
ação das populações locais, tirando-as do anonimato nacional e internacional, o que faz com
que o Estado seja pressionado a atuar na região protegendo os moradores ameaçados.

Entretanto, após uma relativa trégua nos casos de violência e assassinatos de lideranças sociais
na região, o ano de 2011 voltou a registrar diversos casos, sendo o mais recente o ocorrido
em fins de outubro, com João Chupel Primo. Liderança da Reserva Extrativista (Resex) Riozi-
nho do Anfrísio, localizada em Altamira (Pará), ele denunciava a grilagem de terras na região
e a extração ilegal de madeira, e foi assassinado em seu local de trabalho, no município de

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Itaituba, próximo de Altamira. João Chupel Primo era também um dos líderes que, ao lado de
outro morador da Resex, Raimundo Belmiro, vinha sendo perseguido por denunciar grupos que
utilizam as vias de acesso pela BR 163 (Cuiabá-Santarém) e BR 230 (Transamazônica) para
extrair madeira ilegalmente de dentro do Mosaico de Unidades de Conservação da Terra do
Meio, principalmente a Resex Riozinho do Anfrísio e Floresta Nacional (Flona) Trairão. Rai-
mundo, que já obteve proteção policial em outros momentos, passou a ser protegido novamente
após a morte de seu companheiro de luta.
O assassinato ganhou repercussão internacional e a Fundação Internacional de proteção aos
defensores dos direitos humanos - Front Line Defenders, sediada em Bruxelas, escreveu docu-
mento solicitando às autoridades brasileiras que: (1) assegure uma investigação completa para
que os responsáveis sejam julgados de acordo com os padrões internacionais; (2) tome medidas
para garantir a integridade física e psicológica da família da vítima; (3) garanta que os defen-
sores dos direitos humanos no Brasil sejam capazes de executar suas atividades, sem medo de
represálias e livre de qualquer restrição.

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Além de cobrar posturas do governo brasileiro com relação a esse assassinato, o Front Line
Defenders aponta que as recentes mudanças propostas no Código Florestal poderão acirrar os
conflitos pela terra na medida em que os responsáveis por desmatar no passado podem receber
anistia e ficarem, assim, isentos de procedimentos penais. Nesse sentido, a revisão do Código
Florestal pode aumentar o clima de impunidade para crimes cometidos contra defensores dos
direitos humanos trabalhando em causas ambientais.

Para que os defensores dos direitos humanos e defensores da floresta como Raimundo e outros
sobreviventes dos conflitos agrários na Amazônia possam atuar sem sofrer violência é neces-
sário que o poder público ofereça proteção mais eficiente e que combata não só os agressores,
mas também a situação de instabilidade social na região. Nesse sentido, a fiscalização do des-
matamento dentro de uma Unidade de Conservação não pode ser responsabilidade dos mora-
dores (embora se espere isso deles). Como afirma o pesquisador e morador da região Paulo
Amorim, o papel de fiscalização de forma direta deve estar a cargo dos órgãos federais (ICMBio
e IBAMA), porém pouco é feito por esses órgãos de controle. De acordo com ele, o melhor seria
capacitar as lideranças, conselhos de gestão das UCs e abrir canais de comunicação direta entre
as comunidades afetadas e os órgãos de justiça, imprensa e sociedade civil, pois quanto mais
organizados, menos temerosos e vulneráveis eles ficam.
Finalmente, considera-se que as políticas para alcançar a estabilidade social e o fim da violên-
cia no campo devem ser orientadas pela melhoria nas condições de vida das populações locais.

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ALGUNS CASOS FAMOSOS DE EXECUÇÃO POR CAUSA DA POSSE DE TERRAS

CHICO MENDES:

Se Chico Mendes já incomodava os ricos e poderosos com suas manifestações contra o desma-
tamento, ele passara a incomodar muito mais quando começa a ganhar destaque na imprensa
internacional e a receber prêmios pelo mundo. Por toda parte, ele ouvira ameaças de morte.
Até que ela veio, conforme anunciada.
A luta de Chico pela proteção da floresta e dos povos que a habitam faz com que os bancos
estrangeiros suspendam financiamentos prometidos para empreendimentos que viriam a pre-
judicar a floresta, como asfaltamento de estradas e construção de prédios. Isso é bater de
frente com os interesses de empresários e fazendeiros. Chico acreditava que o trabalho sujo
de o matar ficaria a cargo dos irmãos Darly e Alvarino Alves da Silva, fazendeiros.
O fato é que Chico os incomoda mais e mais. Ele impede que os fazendeiros desmatem as
terras que compraram. Depois, por causa da pressão estrangeira, o governo desapropria um
seringal para transformá-lo em reserva extrativista, reivindicação de Chico. Na tentativa de
deter Darly, Chico aciona alguns conhecidos para investigarem se o fazendeiro tem crimes nas
costas. E tem. Com isso, um juiz decreta a prisão de Darly. Só que o tempo passa e ninguém
prende o criminoso, talvez porque o escrivão da polícia local seja irmão dele. Chico acaba fi-
cando numa situação ainda mais difícil.
Chico escreve cartas para toda a imprensa anunciando seu assassinato para breve, mas nin-
guém dá atenção. Até que um dia, ao abrir a porta de casa na intenção de sair para tomar
banho, Chico é baleado e morre, bem diante de sua esposa e filhos.

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73
DOROTHY STANG:
A Irmã Dorothy Stang foi assassinada, com seis tiros, um na cabeça e cinco ao redor do corpo,
aos 73 anos de idade, no dia 12 de fevereiro de 2005, às sete horas e trinta minutos da
manhã, em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 quilômetros da sede do município de
Anapu, no Estado do Pará, Brasil.
Segundo uma testemunha, antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ao ser inda-
gada se estava armada, Ir. Dorothy afirmou ”eis a minha arma! “ E mostrou a Bíblia. Leu ainda
alguns trechos deste livro para aquele que logo em seguida lhe balearia.
No cenário dos conflitos agrários no Brasil, seu nome associa-se aos de tantos outros homens,
mulheres e crianças que morreram e ainda morrem sem ter seus direitos respeitados.
O corpo da missionária está enterrado em Anapu, Pará, Brasil, onde recebeu e recebe as ho-
menagens de tantos que nela reconhecem as virtudes heroicas da matrona cristã.

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JOSÉ CLÁUDIO & MARIA DO ESPÍRITO SANTO:

O casal de líderes extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva
foi executado em maio de 2011 na cidade de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, cidade a 390
quilômetros de Belém.
A suspeita de Organizações Não Governamentais (ONG’s) e da família de Ribeiro é que ele
tenha sido executado por madeireiros da região. Silva era considerado sucessor de Chico Men-
des, em referência ao líder dos seringueiros do Acre que foi morto em 1988 por sua defesa da
Amazônia.
O casal saiu do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a
cerca de 50 quilômetros da sede do município de Nova Ipixuna, quando foi cercado em uma
ponte por pistoleiros. Ali, eles foram executados a tiros.
José Claudio da Silva vinha recebendo ameaças de madeireiros da região desde 2008. Se-
gundo informações do CNS, desconhecidos costumavam rondar a residência do casal dispa-
rando vários tiros para tentar intimidá-los. José Cláudio da Silva era um dos principais defen-
sores da preservação da floresta amazônica após a morte de Chico Mendes e constantemente
fazia denúncias sobre o avanço ilegal na área de preservação onde trabalhava por madeireiros
para extração de espécies como castanheira, angelim e jatobá.

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PRINCIPAIS ÁREAS DE CONFLITO

BICO DO PAPAGAIO

Zona de confluência dos rios Araguaia-Tocantins e região de fronteira entre os estados do Pará,
Maranhão e Tocantins, o Bico do Papagaio nas décadas de 1960-70 do século passado, foi
porta de entrada para a toda a Amazônia Legal constituindo-se numa região de intensos con-
flitos envolvendo posseiros, grileiros e fazendeiros durante todo o regime militar.
Houve, naquele contexto um casamento de interesse nos planos político, econômico e social
que fez da questão fundiária um problema de segurança nacional. Daí o temor de uma possível
politização do trabalhador rural. Essa preocupação com a região acabou sendo ainda mais in-
tensa com o episódio da Guerrilha do Araguaia (1972-1974), organizada pelo PC do B (Par-
tido Comunista do Brasil).
Ficou claro que a política de colonização em áreas estratégicas da Amazônia foi um instrumento
de controle dos conflitos pela terra. Além disso, esta política serviu também, como barreira que
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impedia uma ocupação espontânea da terra, pois inviabilizava em grande parte a pressão dos
trabalhadores rurais a favor de uma reforma agrária.
Com a construção das rodovias e dos grandes projetos, a região recebeu grande quantidade e
imigrantes, que estimulou os conflitos na região.
Esses conflitos agrários surgiram devido à distribuição de terras nos estados. Iniciaram no ano
de 1964 e vem resultando em mortes desde então.

EXTENSÃO DA BELÉM-BRASÍLIA

Um dos eixos que ocasionaram uma das maiores transformações espaciais, sociais e econômi-
cas foi a construção da rodovia Belém-Brasília com mais de 2 mil quilômetros, a qual possui
um conjunto de rodovias com várias nomenclaturas: BR-060, BR080, BR-153, BR-242, BR-
226, BR- 230, BR-316 etc. Essa via de circulação provocou alterações profundas no uso e
cobertura do solo, pois institui-se um processo de colonização e de ocupação das margens da
rodovia com atividades agrícolas. Houve ainda a criação de cidades e o estabelecimento de
novas interações espaciais com fluxos de veículos. Esse eixo teve uma gradual inserção de
novos sistemas de engenharia, como a ferrovia Norte Sul.
Principalmente no trecho de Paragominas, devido a muitos adotarem a rodovia como meio de
acesso e a valorização das terras no seu entorno.

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Manifestantes sem-terra bloqueiam rodovia Belém - Brasília

AO LONGO DA PA – 150

A abertura da PA-150, entre Marabá e Belém, estimulou a migração e o estabelecimento de


milhares de trabalhadores às margens dessa rodovia. Levas de migrantes pegaram a estrada,
cruzaram a fronteira e estabeleceram as suas posses às margens da estrada demarcando lotes
de 50 e de 100 hectares, ou seja, à medida que empresários, comerciantes e fazendeiros,
especialmente do Centro-Sul, chegavam, trabalhadores rurais empobrecidos lutavam, às ve-
zes, pela mesma área de terras. Ao longo da rodovia e em suas cercanias, ocorria a exploração
de mogno e plantava-se capim para criação do gado bovino.
É preciso ressaltar que aqueles que disputavam áreas de terras devolutas, especialmente aque-
las que se localizavam ao longo da rodovia PA-150, com os trabalhadores rurais poderiam ser
empresários, comerciantes ou fazendeiros nas outras regiões do Brasil, que chegavam ao
mesmo tempo em que estes procuravam constituir as suas posses. Ou poderiam ser proprietá-
rios rurais já estabelecidos nessa parte do território amazônico, que possuíam terras com títu-
los definitivos ou de aforamentos. Esses proprietários, às vezes, procuravam ampliar os seus
domínios ao lado de seus imóveis ou mesmo distante, disputando terras devolutas com os tra-
balhadores rurais, em especial no trecho de Redenção a Marabá, área de forte ocupação hu-
mana, por causa das descobertas de minérios. Foi nessa rodovia, próximo ao município de
Eldorado dos Carajás que ocorreu o famoso massacre de 19 trabalhadores sem-terra, na cha-
mada curva do “S”.

78
Ato em Eldorado dos Carajás relembra massacre de trabalhadores sem-terra

TERRA DO MEIO

Localizada no centro do Pará, a Terra do Meio é uma das regiões mais importantes para con-
servação da sociobiodiversidade da Amazônia, mas também o palco de um dos maiores confli-
tos fundiários do Brasil. Seu destino pode servir para avaliar a real capacidade do Poder Público
para desenvolver e proteger a floresta amazônica.
A Terra do Meio é assim denominada por situar-se entre o rio Xingu e seu afluente Iriri, abran-
gendo ainda trechos dos municípios de Altamira e São Félix do Xingu.
A região é reconhecida por pesquisadores, organizações da sociedade civil e, ao menos no dis-
curso, pelo governo como uma das mais importantes para a conservação da sociobiodiversidade
da floresta amazônica, com uma riqueza biológica e genética ainda pouco conhecida. Lá habi-
tam mais de 200 famílias de ribeirinhos abandonadas pelo Poder Público, mas fundamentais
para a manutenção dos ecossistemas locais e detentoras de um conjunto de conhecimentos
tradicionais de valor igualmente inestimável.
A Terra do Meio tem mais de 90% de seu território ainda bem conservados, mas sofre com o
avanço da fronteira agrícola e um intenso conflito fundiário que envolve desde as comunidades
locais e fazendeiros até poderosos grupos econômicos nacionais. A área é alvo de grileiros,

79
pistoleiros, garimpos e madeireiras ilegais por causa de seus imensos estoques de madeiras-
de-lei, minérios, terras públicas e devolutas.

Serrarias ficam a menos de um quilômetro da área protegida. Segundo Ibama, elas exploram reserva indígena,
pois não há mais madeira em outros locais da região

CASTELO DOS SONHOS

O roteiro de quem cruza pela BR-163 a partir do Pará não está restrito aos perigos próprios
da rodovia. Grilagem de terras, garimpos clandestinos e extração ilegal de madeira ainda con-
tam a história de boa parte dos municípios do sul do Estado, uma região que, 40 anos atrás,
foi promessa de fortuna e vida boa para quem se dispusesse a desbravá-la e, claro, derrubar
suas árvores. As fortunas vieram, mas para poucos.
Do eldorado prometido pelo governo militar, sobraram vilarejos abandonados à própria sorte,
como o de Castelo dos Sonhos, distrito que pertence ao município de Altamira (PA). Castelo,
que ostenta uma paisagem de faroeste em sua única avenida, é o distrito brasileiro mais dis-
tante de sua sede. Está a 950 km de Altamira. Cercado de beleza natural, o vilarejo transfor-
mou-se em terra de pistoleiros, onde fazendeiros são constantemente acusados de encomendar
a morte de pessoas por mixarias como R$ 100, R$ 200.
Com 15 mil habitantes, Castelo dos Sonhos ainda não conseguiu sua emancipação. Dada a sua
distância de Altamira, está muito mais ligado a Novo Progresso (PA) e Guarantã do Norte (MT).
A expansão do agronegócio na região de Altamira vem gerando o aumento dos conflitos nessa
região.

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Castelo dos Sonhos ainda não escapou da realidade de conflitos fundiários da Amazônia

TRANSAMAZÔNICA

Marabá, Altamira, Anapu, etc. Área destinada ao assentamento de colonos que foi e ainda é
grilada por fazendeiros. Nessa região ocorreram os assassinatos de Dorothy Stang e vários
trabalhadores rurais.
No final de 1978, devido a conflitos com famílias tradicionais paraenses pela regularização
de terras, os Programas Integrados de Colonização (PIC) foram desativados. Com a conse-
quente suspensão das políticas federais de colonização, o número de famílias assentadas nos
três polos de povoamento no Pará – Marabá, Altamira e Itaituba – não passou de oito mil.
Apesar dos esforços para redução dos conflitos na região, o município é cada vez mais associ-
ado a violações de direitos no campo. Segundo os moradores, essa tendência se deve à migra-
ção recente de madeireiros de Marabá, que mudaram de ares após a quebra do polo siderúrgico
e passaram a comercializar madeira ilegal em Anapu.
A migração forçada contribuiu para o aumento dos conflitos entre indígenas, ribeirinhos e pes-
cadores que viviam em áreas alagadas. Estes últimos nem sempre aceitam mudar de profissão,
e passam a buscar áreas de pesca em terras indígenas e unidades de conservação ambiental.
É muita gente para pouco espaço e pouco peixe.

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Índios fecham Transamazônica em protesto por demarcação de terras

AO LONGO DA BR – 364 (CUIABÁ – PORTO VELHO)


Essa rodovia construída inicialmente em 1961, teve a conclusão da pavimentação entre Cuiabá
e Porto Velho em 1984 dentro do Polonoroeste que viabilizou, naquele momento, um processo
de indução a migração com a formação de vários assentamentos, inserção de projetos agrope-
cuários e de mineração, acirramento e conflitos entre seringueiros e indígenas com os novos
migrantes. Essa rodovia foi o primeiro corredor de exportação de grãos que direcionou a pro-
dução para os portos Amazônicos, por meio da rodovia BR-364 numa intermodalidade que
incluiu a construção de portos graneleiros na capital de Porto Velho e a transformação do rio
Madeira numa hidrovia.
Com a ausência do poder público na tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia, a força
econômica de grandes madeireiros e fazendeiros é o que prevalece na região. Nos distritos de
Nova Califórnia e Extrema, ambos em Rondônia, as pessoas têm medo de se expor para falar.
“Aqui é uma terra de ninguém, uma terra sem lei. O que prevalece é só a lei do silêncio. ”,
dizem os moradores da região.
Sem um aparato institucional do Estado brasileiro para controlar e fiscalizar os conflitos, a
expansão da devastação ambiental se consolida cada vez mais na região, ultrapassando as
divisas territoriais.

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ZONA BRAGANTINA

Expansão da agropecuária, somada à facilidade de acesso pelas rodovias Belém – Brasília e


BR – 316, valorizou a terra e a tornou alvo de disputa entre diversos atores sócias.

O SIGNIFICADO DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A cada ano, milhares de camponeses (posseiros e pequenos proprietários) são expulsos de suas
terras. Eles tentam se organizar e resistir, mas são mortos durante conflitos armados. Os in-
dígenas também são obrigados a sair das áreas que ocupam na Amazônia.
Por trás dessa situação de conflito, existem duas formas de se entender como se deve ser feita
a ocupação da Amazônia.

PRIMEIRA FORMA:

Desenvolver a Amazônia significa derrubar a floresta, exterminar a fauna, acabar com os in-
dígenas, expulsar os posseiros para organizar grandes fazendas e empresas de mineração ou
de extração de madeira.

83
SEGUNDA FORMA:

Preservação da Amazônia com a implantação de formas de crescimento econômico na região,


sem comprometer o equilíbrio ecológico. Algumas propostas de desenvolvimento sustentável
já vêm sendo praticadas com sucesso e, embora beneficiem uma pequena parcela da população,
têm por mérito elevar o padrão de vida das pessoas envolvidas, sem provocar agressões ambi-
entais ou destruição da cultura local.
Os seringueiros vivem em meio à floresta, onde as seringueiras nascem naturalmente, princi-
palmente no Acre. O trabalho deles depende da conservação da mata e, quando ela é agredida,
eles denunciam o fato às autoridades. As áreas de conservação ambiental não comprometem,
em longa escala, o equilíbrio ecológico.
Outros produtos, como a castanha-do-pará, o guaraná e o cacau, podem ser explorados econo-
micamente, sem destruição da floresta.
Viveiros de tartarugas permitem a comercialização e a produção do animal, sem risco de ex-
tinção e desequilíbrio ecológico (1988).
O turismo é uma atividade que cresce na Amazônia. A floresta é a principal atração e precisa
ser preservada.
Recentemente, a pressão de organizações civis brasileiras e estrangeiras e a possibilidade de
maior interferência no Governo Federal têm permitido ações mais efetivas no sentido de se ter
uma gestão e fiscalização com preocupação quanto ao sistema natural amazônico, bem quanto
aos povos tradicionais que aí vivem.
Desde a década de 1970, têm ocorrido vários conflitos entre os seringueiros e os fazendeiros
que desmataram a floresta para vender a madeira e implantar projetos agropecuários.
Existe também diferença sobre a ideia de propriedade: propriedade capitalista e especulativa,
voltada para a obtenção de lucros a curto prazo, tendo a terra como mercadoria, e a comunal e
familiar, em que a terra é fonte de vida, um meio de trabalho para o sustento da família ou da
comunidade e, assim, procura-se conservar o meio ambiente para garantir a sobrevivência das
pessoas.
Portanto, o processo histórico de construção do espaço geográfico brasileiro, o amazônico, até
algumas décadas atrás sofreu menos interferência do trabalho do homem.
Com a expansão econômica, o alargamento das fronteiras agrícolas e os grandes projetos de
exploração mineral, o meio ambiente começou a sofrer grandes consequências. Além de de-
vastar a natureza, o crescimento econômico afetou a maioria da população que vive em con-
dições precárias, sem ter acesso às riquezas exploradas.

84
TRABALHO ESCRAVO NA AMAZÔNIA

A escravidão,
mesmo depois
de sua abolição,
em 13 de maio
de 1888 atra-
vés da Lei Áu-
rea assinada
pela Princesa
Isabel, ainda
hoje é um dos
males que afli-
gem muitos
brasileiros
neste início de terceiro milênio. A fiscalização contra o trabalho escravo é precária e as penas
pouco eficientes ou pouco aplicadas.
Trezentos anos de escravidão marcaram profundamente a história do Brasil: nossa gente, nos-
sos hábitos, nossos costumes, nosso comportamento e o preconceito racial que persiste até os
dias de hoje.
Apesar de tudo, existem em diversas regiões do Brasil denúncias da ocorrência de trabalho
escravo. Hoje, não há dúvida de que a escravidão é um dos maiores crimes contra a humani-
dade.

ANÁLISE HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NA AMAZÔNIA

Primeiramente, tem-se aqui a necessidade de compreender a evolução da escravidão, ainda


que de maneira superficial, uma vez que foram utilizadas diversas formas de trabalho escravo
ao longo dos tempos e em diferentes regiões do mundo, não sendo viável adentrarmos profun-
damente na discussão, para que não haja desbordamento do cerne da questão.
Além disso, visa-se facilitar compreensão da real situação brasileira e, em especial, da região
amazônica acerca do tema, bem como clarear quais forças devem ser despendidas a um com-
bate certo e eficaz das situações em que trabalhadores são obrigados a desenvolver a sua ati-
vidade em condições análogas à de escravo.
No Brasil, a escravidão decorre da colonização do país pelos portugueses, que inicialmente
exploraram o trabalho do índio. A mão de obra indígena foi um fator de contribuição decisivo
no desenvolvimento econômico da colônia e o escravismo praticado levou a um efetivo genocí-
dio do indígena de proporções incomparáveis.
Ato contínuo, passou-se a explorar a mão de obra escrava negra, e estes, assim que desembar-
cavam em um dos portos de destino no Nordeste, Norte ou no Rio de Janeiro, regiões conside-
radas como áreas de grande demanda de escravos nos séculos XVI e XVII, eram vendidos. Essa
venda poderia ser realizada no próprio porto, através de negociações diretas, ou, ainda, pela

85
realização de leilões. “A presença de intermediários - os chamados tratantes - só iria se afirmar
com o desenvolvimento da atividade aurífera em Minas Gerais. Esses comerciantes fariam o
papel de ponte entre o traficante que chega até o litoral e o futuro proprietário dos escravos”.

Vale frisar que, nos dias atuais, existem práticas semelhantes, pois os grandes proprietários
de terras que pretendem utilizar a mão de obra forçada contratam os gatos, que são os recru-
tadores de trabalhadores. Esses aliciadores percorrem regiões distantes, em que os ciclos agrí-
colas são diferentes dos do local onde irão trabalhar, com falsas promessas de bom pagamento
e boas condições para trabalhar.
No Pará, a defesa da liberdade dos nativos pelos missionários criou as condições para a impor-
tação de escravos africanos para cá. Como a área a ser explorada na região amazônica é de
grande extensão, através da agricultura ou pelo extrativismo florestal das drogas do sertão,
necessitava-se de um maior contingente de força de trabalho para a região. Como a Metrópole
fazia uso de mão de obra escrava africana há séculos, esta foi a solução para resolver o pro-
blema.
Na Amazônia, o número de escravos negros não chegou a ser tão elevado quanto em outras
regiões do Brasil. Isto se devia ao fato de que a atividade básica da região, o extrativismo
florestal, exigir o conhecimento da floresta amazônica, que os negros desconheciam.
Entretanto, existiram outras atividades na Amazônia, ao longo dos séculos XVII ao XIX, sendo
que desta forma a mão de obra africana desempenhou diversas atividades na região do Grão-
Pará e Maranhão, como: no Marajó com o trabalho na criação de gado; no Baixo Amazonas,
onde a coleta do cacau representava a principal atividade econômica no século XIX; na Ilha das
Onças no trabalho de artesanato de cerâmica, e em engenhos como o Engenho do Murucutu em

86
Belém e o Engenho do Cafezal em Barcarena. A situação de vida desses escravos não era me-
lhor que o restante da massa escravizada no resto do país.
Mas foi somente com a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778),
visando o estabelecimento da política pombalina de fomentar as atividades comerciais na Ama-
zônia, que o número dos escravos trazidos da África até a Amazônia aumentou quantitativa-
mente.
Por outro lado, já no século XIX, surgiram organizações abolicionistas em todo Brasil. Em Be-
lém, foram exemplos como o Clube Felipe Patroni, o Clube Batista Campos, e a Liga dos Cativos
da Província do Pará.

Ainda vale lembrar que,


mesmo após abolição
formal da escravidão no
Brasil em 1.888, no fi-
nal do século XIX, a
Amazônia manteve um
regime análogo ao da es-
cravidão durante o perí-
odo de produção mundial
da borracha. Durante
esse período, foi utili-
zado para o trabalho da
exploração da borracha a
mão de obra indígena.
Contudo, foram os traba-
lhadores nordestinos,
trabalhando em péssi-
mas condições, que sus-
tentaram a força de tra-
balho da borracha entre
1934 e 1945.
Negros na Amazônia Na Amazônia, o ápice, ou
seja, a intensificação da
proliferação do trabalho escravo, da forma como comumente a vemos, está intimamente ligada
ao processo de colonização da região durante os idos dos anos 60 e 70, no auge do governo
militar no Brasil.
Movidos por uma política econômica e ideológica de expansão e proteção das fronteiras brasi-
leiras, o governo incentivou o processo migratório de diversas populações desafortunadas, ori-
undas da região nordeste do país, para nossa região, valendo-se do famoso slogan “a Amazônia
é terra sem homens para homens sem-terra”.
Assim, ao passo em que o Estado dava fomento ao processo migratório, vários indivíduos co-
meçaram a explorar e a acumular terras na região, contribuindo para a proliferação de grandes

87
latifúndios na Amazônia, bem como para um lastro de desmatamento de mata nativa e da
biodiversidade locais, tudo sob a chancela e incentivo do governo.
Logicamente, tal política ignorava a existência de comunidades tradicionais na Amazônia, as
quais já eram detentoras de terras da região, explorando-as e colonizando-as antes dos imi-
grantes. Entre as ditas comunidades inserem-se ribeirinhos, indígenas, quilombolas, possei-
ros, entre muitos outros.
O resultado não poderia ser outro. Iniciaram-se diversos conflitos de terras na região, os quais
perduram até os dias atuais. Várias famílias tradicionais foram enxotadas de suas terras pro-
dutivas, enquanto os latifúndios só cresciam em extensão e sem qualquer controle por parte
do Estado.

Nordestinos na Amazônia

A ditadura militar, instaurada em 1964, pôs em prática um amplo programa de ocupação eco-
nômica da Amazônia brasileira, em bases supostamente modernas. O objetivo era integrar a
Amazônia ao Brasil, ocupando os espaços vazios. Com a ditadura, a correlação de forças alte-
rou-se em favor das classes dominantes. As leis perderam força como instrumento de pressão
dos trabalhadores, e, com a repressão que se instalou, as medidas desfavoráveis aos grandes
grupos econômicos foram-se acentuando, às vezes respaldadas por decretos, às vezes a des-
peito da legislação existente. Isso atingiu, fundamentalmente, o acesso à terra. O favoreci-
mento pelo Estado das empresas e dos grupos econômicos em detrimento da sociedade como
um todo, ao mostrar que, do total de 1.418 projetos incentivados em toda Amazônia Legal,
864 ou 60,93%, eram agropecuários, 439 ou 30,96%, industriais, e 115 ou 8,11%, estavam
noutros ramos de atividades. Apenas 166 (11,70%) foram considerados como implantados
até 1984.

88
Paralelamente à falência de grande parte dos empreendimentos econômicos implantados,
avançou a grande concentração fundiária provocada pela política social e manteve-se a baixa
capacidade na oferta de crédito agrícola para pequenos produtores. A falta de políticas firmes
que garantissem assistência técnica e infraestrutura para os núcleos urbanos que se expandi-
ram, aliada à baixa capacidade dos grandes projetos para gerar empregos permanentes, pro-
vocou uma elevada concentração de trabalhadores nas cidades e o "inchamento" dos velhos e
novos núcleos urbanos, onde prolifera conflito de toda ordem.
É neste cenário que se inicia o aliciamento destas comunidades e de vários outros indivíduos
oriundos do inchaço urbano e da região nordeste do país, em especial, do sertão nordestino,
que vieram para a Amazônia em busca de emprego e trabalhos dignos, iludidos pelas promes-
sas de grandes oportunidades e melhores condições de vida.

Trabalhadores em situação análoga a de escravidão

Com a organização econômica predatória vigente em nossa região, iniciam, por volta da década
de 70, as primeiras denúncias sobre submissão de trabalhadores, em especial no campo, a
condições paupérrimas de tratamento e vida análogas a de escravos.
Estima-se que existem hoje no Brasil cerca de 30 mil trabalhadores submetidos a condições
de trabalho escravo. Destes, 70% estariam concentrados no Estado do Pará, o que confere ao
nosso estado o triste título de campeão nacional de trabalho escravo. A maioria das ocorrências
de trabalho escravo no Pará foram localizadas, particularmente, em São Félix do Xingu e San-
tana do Araguaia, mas também em outros municípios do sul e sudeste do Estado.
Segundo estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego, no ano de 2000 foram registrados
no Brasil 465 casos de trabalhadores escravos libertados após denúncias, em 2001 foram
2.416 casos e em 2002, 4.143 casos. No ano passado, foram 5.659 trabalhadores rurais,
sendo 2.546 somente no Estado do Pará.

89
Pode-se apontar que é na forma histórica de ocupação e de exploração do campo e, particular-
mente, da Amazônia que se encontram as principais causas do trabalho escravo contemporâ-
neo.

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Engana-se aquele que afirma não haver mais escravidão nos tempos modernos. A escravidão
ainda continua presente no mundo contemporâneo. Não em sua forma tradicional, colonial,
legalizada e permitida pelo Estado, mas em decorrência das condições a que são submetidos
os trabalhadores.
A escravidão vem sendo remodelada ao mundo atual. Ela persiste, ainda que tenha perdido o
antigo conceito de propriedade do homem sobre homem e aquela imagem do escravo acorren-
tado a uma bola de ferro e morando em senzala. Ela assume feição mais versátil, pois o trabalho
escravo constitui uma mão de obra disponível em abundância e que acabou se adaptando ao
mundo global.
A escravidão contemporânea caracte-
riza-se por situações que levam à vio-
lação da dignidade do trabalhador. No
conjunto de violações que a caracteri-
zam, é comum encontrar trabalhado-
res em condições degradantes, sendo
submetidos a torturas, maus tratos,
jornadas exaustivas e restrição de li-
berdade.
Assim, na manifestação atual do pro-
blema, não há mais a ideia de propri-
edade de uma pessoa sob a outra (tra-
balho escravo antigo), mas, sim, o
aproveitamento da situação de vulne-
rabilidade de sujeitos que, sem acesso
à educação, moradia e empregos for- Homens em regime escravo, em plantação de cacau no inte-
mais, aceitam as piores formas de rior do Pará, libertados pela polícia, em pleno século XXI.
condições de trabalho, que lhe retiram
sua dignidade.
O governo federal brasileiro assumiu a existência do trabalho escravo contemporâneo perante
o país e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. De 1995 até 2014, mais de
47 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas a de escravidão em todo o país.
Tradicionalmente, essa mão de obra é empregada em atividades econômicas, desenvolvidas
na zona rural, como a pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana-de-açúcar, soja e
algodão. Nos últimos anos, porém, essa situação também tem sido verificada em centros ur-
banos, especialmente na indústria têxtil, construção civil e mercado do sexo. Infelizmente, há
registros de trabalho escravo em todos os estados brasileiros.

90
Portanto, embora não mais tão visível, a utilização de trabalho escravo nos dias atuais continua
existindo. Para melhor distinção e criação de um novo conceito, o sociólogo americano Kevin
Bales, especialista no tema, traça paralelos entre a escravidão histórica e a escravidão con-
temporânea, os quais valem a pena serem esquematizados no quadro abaixo:

CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO ESCRAVIDÃO HISTÓRICA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

Propriedade legal Permitida Proibida

Alto. A quantidade de es- Muito baixo. Não há compra e


Custo de aquisição de mão-de-obra cravos era medida de ri- muitas vezes gasta-se apenas o
queza transporte

Descartável. Devido a um grande


Escassa. Dependia do trá-
Mão-de-obra contingente de trabalhadores de-
fico negreiro
sempregados

Longo período. A vida in- Curto período. Terminado o ser-


Relacionamento teira do escravo e de seus viço, não é mais necessário pro-
descendentes ver o sustento

Pouco relevantes. Qualquer pes-


Relevantes para a escravi- soa pobre e miserável são os que
Diferenças étnicas
dão se tornam escravos, independen-
temente da cor de pele

Ameaças, violência psico-


Ameaças, violência psicológica,
lógica, coerção física, pu-
Manutenção da ordem coerção física, punições exempla-
nições exemplares e até
res e até assassinatos
assassinatos

A ESCRAVIDÃO QUE PERSISTE

Como já foi dito, o Brasil está entre os países em que ainda existe a peonagem ou escravidão
por dívida. Aqui, trata-se basicamente de escravidão sazonal. O trabalhador é recrutado em
regiões pobres, em especial entre filhos jovens de pequenos agricultores do Nordeste, sobre-
tudo no Piauí e Maranhão, para ir trabalhar na Amazônia. Para disfarçar a escravização, a
família recebe um pequeno adiantamento em dinheiro, o chamado “abono”.
É na Amazônia Legal que ocorre 75% dos casos, em particular em Mato Grosso, no Pará e em
Rondônia. Os trabalhadores são empregados sobretudo na derrubada da mata para formação
de novas fazendas de gado. Ao chegar ao lugar de trabalho, o peão descobre que está endivi-
dado pelo adiantamento recebido e pelas despesas de transporte e alimentação durante a via-
gem, dívida que crescerá em função das despesas com alimentos e ferramentas durante o pe-
ríodo de trabalho, cobrados a preços arbitrários. Descobrirá que o que ganha é insuficiente para

91
pagar a dívida sempre maior. Nem pode se demitir nem fugir, vigiado dia e noite por pistolei-
ros, para que não deixe de pagar a dívida. É uma retenção forçada do trabalhador. A vigilância é
acrescida de variadas formas de “aterrorização”, através da violenta punição dos que tentam
escapar. Em 13% das fazendas em que houve trabalho escravo nos últimos 30 anos, houve
assassinato de trabalhadores que tentaram fugir.

Os que sobrevivem
são submetidos
a torturas e humi-
lhações, para exem-
plo dos demais: em
1986, numa fa-
zenda de Rondônia,
trabalhadores eram
surrados com ver-
galhões de boi, pe-
dras amarradas nos
testículos, amarra-
dos a troncos de ár-
vores, mãos san-
grando mergulha-
das em rios que ti-
nha piranhas; em Trabalhador que fugiu de fazenda em Paragominas (PA) exibe cicatrizes de tor-
tura. Ele foi queimado com ferro de marcar bois
1987, um jovem
trabalhador foi queimado vivo num canavial em Mato Grosso do Sul; em 1988, no Pará, tra-
balhadores eram forçados a abraçar casa de marimbondos; em 1994, no Maranhão, o próprio
fazendeiro decepou com facão a mão de um de seus escravos; em 1990, numa fazenda do
Pará, a polícia encontrou o corpo carbonizado de um trabalhador, servido como ração aos por-
cos. Mais do que delitos trabalhistas, são violações graves dos direitos humanos.
O problema é que fazendeiros voltam a ter escravos. Em 2001, nove fazendas voltaram a
escravizar trabalhadores mesmo depois da atuação do grupo móvel de fiscalização do GER-
TRAF (Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado) e, neste ano, dez fazendas.

AMAZÔNIA CONCENTRA MAIOR PARTE DE CASOS DE TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

Eles não vivem presos a correntes, não são transportados em navios fétidos e nem são vendidos
em mercados, mas são considerados escravos. Muitos trabalhadores brasileiros ainda são cha-
mados assim porque bebem água suja, dormem em alojamentos superlotados, são obrigados a
comprar equipamentos de trabalho e muitas vezes não podem deixar o emprego porque têm
dívidas com patrão. E a maior parte desses casos acontece na Amazônia. Segundo o último
cadastro de empregadores que utilizaram mão-de-obra escrava divulgado pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), 66% dos flagrantes do crime ocorreram em estados pertencentes

92
à Amazônia Legal, região que abrange Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. O cadastro, divulgado semestralmente pelo governo
desde 2003, é conhecido popularmente como "lista suja" e reúne 201 nomes de fazendeiros
e de empresas. De acordo com dados levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), 51%
dos casos de trabalho escravo ocorridos nos últimos anos estavam ligados à pecuária. "Os tra-
balhadores [encontrados nessa situação] fazem limpeza e manutenção dos pastos, além de
instalarem cercas", explica o frei Xavier Plassat, coordenador da campanha contra o trabalho
escravo da CPT. A segunda atividade que mais concentrou casos de trabalho análogo à escra-
vidão foi a produção de carvão, que respondeu a 17% do total. Esses casos são comuns nos
arredores do polo siderúrgico de Marabá, no Pará, onde o carvão é utilizado para a produção
de ferro.

DESMATAMENTO E TRABALHO ESCRAVO

Além da coincidência geográfica e das atividades econômicas – a produção de carvão e a pecu-


ária são apontadas como umas das principais atividades causadoras do desmatamento -, as
causas do trabalho escravo também são próximas às do desmatamento. "São regiões inóspitas,
onde não há infraestrutura material quanto institucional. Não há presença do estado fiscaliza-
dor. O campo é aberto para práticas incontroláveis. Temos muita dificuldade para levar a fis-
calização para a Terra do Meio [região do sudeste paraense], por exemplo, onde há muitas
denúncias", relata Plassat. Os produtos resultantes da utilização desse tipo de crime também
revelam proximidade com atividades que causam impacto à floresta. De acordo com o cientista
político Leonardo Sakamoto, coordenador Repórter Brasil, ONG que atua no combate ao traba-
lho escravo, mercadorias com essa origem são consumidas dentro e fora do Brasil. "Carne
bovina, soja, madeira, carvão vegetal – usado na siderurgia -, produção de frutas, como o ca-
cau, e cana-de-açúcar", enumera Sakamoto, que pesquisa as cadeias produtivas em que é re-
corrente esse tipo de crime.

GRUPO MÓVEL

Quase a totalidade dos flagrantes de trabalho


escravo são realizados em operações do grupo
móvel de fiscalização do MTE. Além de fiscais
do trabalho, participam dessas ações mem-
bros do Ministério Público do Trabalho e da
Polícia Federal. Em 2008, o grupo fiscalizou
255 fazendas, libertando 4.634 pessoas. Se-
gundo nota divulgada pelo MTE, o trabalho es-
cravo ocorre em "situações de trabalho for-
çado, jornada exaustiva, servidão por dívida e
trabalho degradante, que significa ausência
Escravidão no Pará: trabalhadores em regime de
escravidão libertados pela polícia, 2008.

93
dos direitos relacionados à saúde e segurança." Segundo Sakamoto, poucas pessoas vão para
a cadeia por cometerem esse tipo de crime, pois praticamente não existem condenações crimi-
nais. Há, contudo, algumas sansões econômicas. Além da fiscalização gerar multas, a empresa
ou fazendeiro pode entrar para a ‘lista suja’, deixando de receber financiamento de bancos e
agências públicas. Quem entra para a lista também pode perder os clientes que assinaram o
Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, documento em que empresas se compro-
metem a não comprar de quem cometeu o crime. "Há também ações civis públicas do Ministério
Púbico do Trabalho", relata o pesquisador.
Para sair da lista do governo, os fazendeiros precisam esperar dois anos e pagar todas as
dívidas trabalhistas e multas geradas no momento da fiscalização.

TEXTO COMPLEMENTAR 1

Em época onde as relações predo-


minantes são as de lucro, de re-
torno imediato, é comum nos de-
pararmos com as mais diversas
situações e distorções sociais. No
chamado modelo de compra e
venda (capitalismo de mercado),
essa variante se abrange a níveis
muito mais amplos, colocando o
próprio homem na condição de ser
ele mesmo comprado e vendido,
numa espécie de negociação sem
fim. Na Amazônia atual esse tipo
de relação ganha formas e nature-
zas especificas. Um grande con-
tingente de homens e mulheres
lavradores, de todas as faixas etá-
rias de idade, são submetidos as mais diversas circunstancias de trabalho forçado.
O processo de trabalho escravo na Amazônia obedece uma cadeia de interesses viciosa. Sua
dimensão se estende a fatores inimagináveis, ou seja, todo mundo ganha com isso, desde os
gatos (tipo de interceptador, do grande latifundiário, encarregado de trazer, aproveitando-se
da má situação financeira, os trabalhadores até o local de trabalho) às instituições legalistas
do estado, gerando uma complicada teia de beneficiados dispostos a tudo para manter tal ce-
nário, onde quem, nisso tudo, perde é o trabalhador, renegado no seu direito a dignidade, atre-
lados, até o pescoço, pelo difícil acesso, comuns no ambiente das fazendas, em que o trabalha-
dor se ver atolado em dívidas, oriundas, principalmente, das suspeitíssimas contabilidades
feitas pelo gato.

94
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra CPT, só no estado do Pará foram libertados
1223 trabalhadores (dos quais 70% são maranhenses), 482 no Espírito Santo e 413 no Ma-
ranhão, sendo que os três maiores focos de trabalho estão concentrados, respectivamente, no
Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão; que, por sua vez, é campeoníssimo em exportação
de mão de obra escrava para os estados do Pará e Mato Grosso. Para entender tal fenômeno é
necessário compreender as realidades sócio-políticas existentes nos locais de origem do traba-
lhador; em que as políticas públicas voltadas a geração de renda e emprego são as mais péssi-
mas possíveis, forçando o trabalhador rural a sair de seu local natural para aventurar-se por
estados outros afora, muitas vezes sobe mentirosas promessas de uma fantasiosa remunera-
ção salarial.

Outro tipo, dentre outros, de


trabalho escravo é o encon-
trado no município de Açai-
lândia, no sudoeste mara-
nhense, em que, novamente,
homens, mulheres e crianças
são submetidas ao trabalho
nas carvoarias, sobe tempera-
turas, grotescas, acima dos
1400 graus centígrados.
Dentre os pontos que se notou
foi que, ao contrário do que se
pensava antes, o Maranhão,
além de exportar mão de obra
escrava, também passou a ge-
rar trabalho escravo. Sobre-
tudo se considerarmos o
grande número de de-
núncias junto aos orga-
nismos de combate ao
trabalho escravo no Ma-
ranhão, apontando o
quadro de precariedade
com o qual o trabalhador
maranhense é levado a
submeter-se, em sua
maioria de vezes ambi-
entes insalubres, como é
o caso da fumaça produ-
zida pelos quentíssimos

95
fornos de carvão vegetal, expondo, os que lá se encontram, a inalação de dióxido de carbono,
substancia, comprovadamente, cancerígena.
Apesar das denúncias e das penas de multa, por parte da Policia Federal, o trabalho escravo na
região amazônica vem, de forma assustadora, crescendo. Aliadas a ponderada legislação bra-
sileira de crimes contra os direitos trabalhistas com toda uma rede de pessoas que se alimen-
tam deste tipo de prática, o fluxo desencadeador de trabalho escravo vai ganhando amparo no
descaso com a problemática. É claro que trabalho escravo no atual modelo econômico, baseado
na maximização do lucro e diminuição dos custos, é uma constante em nosso dia – dia e pre-
sente nos quatro cantos do mundo. Porém, o trabalho escravo na Amazônia obedece a um
conjunto de fatores peculiares, capazes dá-lo uma subdivisão de conceitos específicos por conta
de sua natureza própria.
A luta para que a sociedade se atenha a essa questão se constitui num dos principais desafios.
Ao mesmo tempo em que as questões relativas ao combate deste tipo de prática estão direcio-
nadas às entidades vinculadas a defesa dos direitos humanos, a sociedade teima em permane-
cer-se indiferente, esquecendo que sua participação nesta luta e de extrema necessidade,
tendo-se em conta que seu papel de sujeito integrativo é indispensável para o fortalecimento
da causa, dando um basta nesse tipo de prática arcaica.

96
TEXTO COMPLEMENTAR 2

TRABALHO ESCRAVO NA AMAZÔNIA: HOMENS CORTAM ÁRVORES SOB RISCO E AMEAÇA

Entre acidentes fatais e ameaças dos donos de serrarias, homens cortam árvores de modo
ilegal no Pará. Crime afeta os trabalhadores, os indígenas e a floresta.
Novato no ofício de derrubar árvores em regiões que deveriam ser preservadas, João se per-
guntava porque aceitara aquele ganha-pão “errado demais”. Estavam em meio à floresta ama-
zônica nativa, a 90 quilômetros da rodovia Transamazônica, oeste do Pará. Ele e seus colegas
haviam acabado de derrubar a primeira das dez maçarandubas que cortariam no dia, quando
ouviram o ronco de carros. Espiando entre as árvores, viram a chegada de homens armados,
vestidos com coletes da “federal”.
“Meu Deus, me tira dessa, não me deixa morrer”, ele pedia, em voz baixa, enquanto corria
mata adentro. Há apenas 11 dias no ramo, João já ouvira alertas dos colegas mais experientes
sobre como equipes do estado tratam trabalhadores como eles: repressão, prisão e, segundo
corre pela rádio peão, até violência física.
João fugia porque não passou pela sua cabeça a possibilidade de os funcionários do estado
estarem ali para lhe proteger. Mas era esse o objetivo da equipe liderada pelo auditor fiscal do
Ministério do Trabalho José Marcelino, e integrada por representantes do Ministério Público
do Trabalho, Defensoria Pública de União e com Proteção da Polícia Rodoviária Federal. A
operação ocorreu em outubro de 2016 no município de Uruará.
A ação testava uma nova estratégia para aplicar a lei na fronteira da destruição da floresta. Ao
invés de tratar o trabalhador na ponta como inimigo, a ideia era reconhecê-lo como vítima e
até um possível aliado no combate aos crimes da indústria da madeira.
Quando finalmente foram encontrados, João e seus colegas deram longos depoimentos que
revelaram crimes muito além dos ambientais. O primeiro deles foi a exploração de trabalho
escravo, crime atribuído à pequena serraria M. A. de Sousa Madeireira, na sede da cidade de
Uruará.
João trabalhava das 6 da manhã às 6 da noite, sem carteira assinada e sem equipamento de
proteção. Embora cortar árvores seja uma atividade de grande risco, com um dos mais altos
índices de morte e amputação do país, não havia medidas mínimas de segurança. Acidentes
fatais eram descritos como ocorrências banais. “Teve um cara lá que fazia a mesma coisa que
eu, morreu. Estava distraído, passou bolando um cigarro. A tora caiu por cima dele, de cima do
caminhão. Acabou, foi pro cemitério”, conta João.
No barraco, nada de primeiros-socorros ou qualquer remédio. Apenas uma espingarda para
proteção e caça. Além de uma moto velha para emergências, como ataque de bicho ou acidente.
Mas os trabalhadores nem contavam com a possibilidade de socorro. “Lá não tem acidente, lá
tem morte. Se tu fizer errado, tu já se foi”, diz outro trabalhador. A equipe era composta por
quatro homens, responsáveis por derrubar e empilhar as árvores no caminhão, e uma cozi-
nheira.

97
Mesmo para João, que tem estrada nas armadilhas que se apresentam para migrantes em
busca de emprego pelo Brasil, o ofício de derrubar árvores estava além de qualquer outra ex-
periência. Pior do que as empreitadas pela construção civil no Sudeste. Pior até do que a pas-
sagem por carvoarias no Maranhão, quando seu pulmão doía de tanto tossir.
No barraco onde dormiam, sem paredes e com piso de terra batida, nada barrava o vento frio
da madrugada, nem a visita de insetos peçonhentos e outros animais. “Teve uma noite que o
cara acendeu a lanterna, tava lá a cobrazona. Mais de dois metros, grossa. Ele pegou uma
madeira e deu em cima. Matou na paulada”, lembra João. Não é raro o relato de visitas de
onças na região, a reportagem testemunhou as marcas de suas patas pelo chão.
As refeições, feitas em dois fogareiros de argila improvisados em latas de 18 litros, eram de
arroz, feijão e macarrão. Com eventuais pedaços de carne de sol, que ficavam pendurados em
um varal bastante visitado por moscas. A água vinha em tonéis, com um “farelinho” no fundo.
O banho de balde era amparado por um biombo de folhas de palmeira e lona. Para as demais
necessidades, a floresta era o banheiro.
O trabalho escravo foi caracterizado devido ao risco que corriam ao exercer as atividades e às
condições degradantes em que viviam na mata.
931 trabalhadores foram resgatados enquanto desmatavam ou extraiam árvores de 2003 a
2016 no Pará.

Trabalhador conversa com fiscais do Ministério do Trabalho

98
A serraria M. A. de Sousa Madeireira foi obrigada a contratar e demitir os cinco funcionários
e a pagar verbas rescisórias no total de 31 mil reais. Na hora do pagamento, o auditor explicou
que é protocolar conferir o dinheiro na frente do trabalhador. Que surpresa quando, no acerto
para a cozinheira do grupo, faltavam mil, dos 3.900 reais que ela teria a receber. A advogada
da serraria se desculpou, “foi um engano”, e o ritual de contar cédula por cédula continuou até
o último trabalhador receber.

CRIME CONTRA TRABALHADORES, INDÍGENAS E A FLORESTA

Acampamento madeireiro dentro da Terra Indígena Cachoeira Seca

Em seu escritório empoeirado, Manoel Araújo de Sousa, dono da serraria, argumentou que não
era responsável pelos trabalhadores. A frente de extração seria uma iniciativa autônoma de um
de seus ex-empregados. Depois, admitiu que ficaria com parte da madeira e que era “dono” da
terra onde eles trabalhavam, assumindo a responsabilidade.
Para provar que a atividade seria legal, apresentou um mero contrato de compra e venda. Sem
registro da escritura ou autorização ambiental. O caso ilustra bem o cipoal de crimes do setor,
que combina ilegalidades ambientais, trabalhistas, fundiárias, contra o meio ambiente e contra
comunidades locais.

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Não seria possível ter qualquer autorização ali, já que a floresta de onde Manuel tirava madeira
é terra da união embargada pela justiça. Ainda em 2007, quando já havia evidências do avanço
madeireiro na região, o Ministério Público Federal contestou um projeto de assentamento pro-
posto no local. Os procuradores suspeitavam que seria apenas uma justificativa para a abertura
de estradas e retirada de madeira.
“Tais projetos não atendem a uma autêntica demanda de potenciais clientes da reforma agrá-
ria. São, antes, resultado da pressão do setor madeireiro junto às esferas governamentais, que
vislumbram nos assentamentos um estoque de matéria-prima”, lê-se na Ação Civil Pública
movida contra a Superintendência do Incra em Santarém, Pará.
A ação segue seu trâmite na Justiça Federal, e o saque da madeira avança.
Mas a serraria de Manoel é peixe pequeno no mar de ilegalidades operado pela indústria ma-
deireira na região. A cidade de Uruará integra um dos maiores polos em expansão da indústria
madeireira na Amazônia brasileira. A ilegalidade, porém, é crescente e explícita. Qualquer um
pode ver os caminhões sem placa, carregados de toras de árvores nativas, andando em comboio
pela Transamazônica. Muitos saem de dentro de terras indígenas, fartas no entorno da rodovia
federal, que corta a bacia do Xingu.
Estima-se que 62% da madeira retirada do Pará seja ilegal. Os cálculos são de estudo do Ima-
zon (Instituto do Homem e Meio Ambiente), que cruzou a quantidade de madeira produzida em
2009 com o volume autorizado pelos órgãos ambientais.
Além do prejuízo à floresta, a ilegalidade do setor também pressiona povos indígenas, assen-
tados e comunidades ribeirinhas, que têm seus territórios invadidos para o roubo da madeira.
Dias antes do flagrante, a equipe do Ministério de Trabalho fizera incursões na Terra Indígena
Cachoeira Seca. Lá, vivem os Arara, índios de recente contato. Pressionados pela invasão dos
madeireiros, estão ficando ilhados dentro de sua terra. Evitam caçar em certas áreas e escutam
o barulho das motosserras de diversos pontos. O caso é acompanhado de perto pelo Instituto
Socioambiental (ISA), que há anos divulga estudos e alertas sobre a gravidade do caso.
A equipe de Marcelino passou dias pelas pequenas estradas dentro da terra indígena, viram
barracos iguais ao de João, pilhas de toras, além de queimadas. Porém, ao cruzar com um
homem de moto, foram informados que poderiam desistir, a notícia sobre a presença “da fe-
deral” já circulava pelo sistema clandestino de rádios.

ESCONDIDOS SOB A FLORESTA

Embora centenas de toras já tivessem saído dali, o local onde João foi resgatado não aparece
nos mapas de desmatamento. Isso porque sua tarefa era buscar apenas as árvores mais valio-
sas, fazendo o que se convencionou chamar de “extração seletiva de madeira”: a árvore é es-
colhida com cuidado e cortada individualmente, sem abrir as clareiras detectadas por satélite.
A prática está crescendo justamente porque dribla a fiscalização. Depois que as árvores valio-
sas são retiradas e levadas para a serraria, a origem ilegal é “lavada” com notas de planos de
manejo (locais autorizados a fazer a extração seletiva de alguns tipos de árvores nativas). Em-
bora o funcionamento do esquema seja bem conhecido por especialistas e autoridades brasi-
leiras, ainda não há uma estratégia para furar o cerco.

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Entre todos os crimes que a ilegalidade do setor esconde do radar do estado, o trabalho escravo
é um dos mais graves. Apenas no Pará, 931 trabalhadores foram resgatados enquanto des-
matavam ou extraiam árvores de 2003 a 2016, segundo cruzamento de dados oficiais feito
pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A relação “indissociável” entre o trabalho escravo e a retirada ilegal de árvores foi uma das
conclusões de pesquisa inédita feita pela Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão.
O estudo aponta que os riscos e condições degradantes enfrentados por João são comuns aos
milhares de trabalhadores do setor. Realidade que permanece invisível aos órgãos públicos.
“Não tem como ir e vir, o patrão não deixa”, diz um trabalhador
São tantos os casos que, enquanto aguardavam a regularização de João e seus colegas, os
fiscais seguiram outras pistas e resgataram mais sete trabalhadores cortando madeira em si-
tuação de trabalho escravo. Dessa vez o empregador era Eudemberto Sampaio de Souza, dono
da serraria Betel, também responsabilizado pelo crime.
Quando se alastrou pela cidade a notícia sobre os fiscais, trabalhadores começaram a bater na
porta do hotel onde a equipe estava hospedada. Dessa vez, os relatos eram ainda mais pesados.
Falavam de ameaças físicas, da contratação de pistoleiros e homicídios que seriam encomen-
dados pelos donos das serrarias.

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FUNCIONÁRIOS OU REFÉNS?

“Nós viemos aí, mas estamos com medo. Muito medo mesmo”, disse um dos homens que bus-
cou a ajuda dos fiscais. Ele contrai o rosto ao contar que seu patrão contratara um matador
profissional para vigiar seus passos, e de outros colegas, desde que eles se atreveram a cobrar
um pagamento atrasado.
Os nomes dos empregadores denunciados por ameaças de morte estão sendo investigados,
mas não serão identificados para não colocar ainda mais em risco a vida dos trabalhadores.
São muitos os relatos sobre calotes seguidos de violência para fugir da dívida. “Ele [dono da
serraria] fala: ‘melhor pagar 3 mil para um pistoleiro, do que pagar 5 ou 6 mil pra um funcio-
nário’”. Realidade corroborada por outros entrevistados: “chega no final do mês, se tiver muito
pra receber, eles mandam matar. Eu já vi isso acontecer. Foi dentro da cidade mesmo, execu-
taram ele”.
Homens de baixa renda, muitos analfabetos e migrantes, os trabalhadores não têm a quem
recorrer, pois não confiam nas autoridades locais. “A polícia militar aqui é um perigo. Vai na
serraria dele pegar dinheiro, pegar madeira, tanto a militar como a civil. Se algum de nós
denunciar um cara desse para a polícia daqui, isso é suicídio”, disse outro trabalhador.

Auditor do trabalho, Marcelino (à esquerda) e equipe da ação conversam com trabalhador

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Se a violência já parece desproporcional para quem cobra seus direitos na cidade, é ainda pior
na mata. O total isolamento, na maior parte das vezes, faz com que os trabalhadores tenham
medo de fazer qualquer tipo de reclamação.
Isso quando não são abandonados, sem meio de locomoção. “No dia da votação [eleições mu-
nicipais 2016], a gente passou cinco dias no mato sem chegar rancho [comida]. Nem vir pra
votar ninguém veio”, lembra um tratorista.
“Não tem como ir e vir, o patrão não deixa. Se não ficar no mato, perde o emprego. Só o patrão
vai na casa da gente dar algum recado. A gente só recebe notícia”, diz outro trabalhador, que
tem filhos pequenos na cidade.
Diante do alto número de denúncias sobre violências que vão além do direito trabalhista, o
procurador do Ministério Público do Trabalho Allan Bruno, que também integrava a operação,
recolheu as denúncias e repassou ao Ministério Público Federal, que deve investigar os casos
dentro de possíveis ações penais sobre retenção de salários e ameaças à vida, além de crimes
de natureza ambiental, fundiária e fiscal.

A ação dos fiscais do MPT

UM LONGO CAMINHO PARA A MUDANÇA

No segundo flagrante de trabalho escravo feito pela equipe, a resposta do empresário respon-
sabilizado pelo crime revela o modo como os madeireiros enxergam os trabalhadores.
“A gente pede os documentos para o suposto funcionário, eles falam que perderam. Você pede
o nome, eles dão apelido. Muitos são drogados, pé inchado [alcoólatras]. São pessoas que sur-
gem do Mato Grosso, do Maranhão, da Bahia, do Pernambuco. Ninguém sabe sua história,

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ninguém sabe o seu passado. Então isso não se vê, que muitas vezes a gente leva um cara
desses para trabalhar e estamos salvando a vida dele”, diz Eudemberto Sampaio, dono da ser-
raria Betel.
O depoimento é um termômetro da baixa disposição do setor para se legalizar. Ao mirar na
erradicação do trabalho escravo, o Ministério do Trabalho mexe em um dos pilares da ilegali-
dade, mas há muitos outros.
O tamanho do problema foi exposto pela Operação Madeira Limpa, deflagrada pelo Ministério
Público Federal e Polícia Federal. A operação prendeu 21 pessoas na região oeste do Pará em
2015, entre eles três funcionários públicos de diferentes esferas do governo. A quadrilha fazia
desmatamento e extração seletiva ilegal de madeira, grilagem e coagia os assentados a auto-
rizar a retirada de árvores de suas terras.

Trator em acampamento madeireiro ilegal dentro de terra indígena

Alguns dos casos denunciados na operação já estavam na “Lista Suja do Trabalho Escravo”,
que reúne os flagrantes do Ministério do Trabalho. Entre eles estava a madeireira Iller, res-
ponsabilizada por trabalho escravo e crime ambiental. A madeireira faz parte da segunda parte
da investigação da Repórter Brasil. Ao rastrear degraus acima da cadeia de fornecedores dessa
e de outras serrarias, a reportagem descobriu relações comerciais com fornecedores de grandes
marcas nacionais e internacionais.
O auditor do trabalho José Marcelino lembra que essa operação foi apenas o começo de uma
investigação de fôlego que busca descobrir o funcionamento da indústria ilegal de extração

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seletiva de madeira em parceria com o MPF e MPT e em uma tentativa de diálogo com órgãos
ambientais e fundiários.
“Temos que aprender como entrar nesse setor, estudar as estratégias”, afirma. Marcelino já
aprendeu que, na ponta, trata-se de um setor desorganizado e que convive com altos riscos
econômicos. “A derrubada das árvores não quer dizer que está garantida a venda da madeira.
E, como o empresário não tem um capital de giro adequado, ele não arca com os custos para
tratar os trabalhadores de forma adequada”, avalia.

Caminhão sem placa leva toras de árvores para serrarias em Uruará

Apesar do aparente improviso, Marcelino sabe que a escolha em fazer a extração ilegal é uma
decisão bastante racional, baseada em um ambiente de baixo investimento empresarial legali-
zado, grande potencial de exploração de trabalhadores vulneráveis e baixo risco de serem pegos
pela fiscalização.
Após receber o dinheiro da rescisão, João saiu dizendo que voltaria para o mato, mesmo que
fosse nas mesmas condições, se não conseguisse outro emprego nos próximos meses.
“Eu não queria serviço de destruir a natureza. Mas tô longe da minha terra, precisando traba-
lhar. Eu não vou roubar, nem virar mendigo. Se é isso que tem, eu vou encarar”.

Reportagem parte do especial Profissão Madeireiro

*O nome dos trabalhadores foi alterado. Ainda assim, todos correm risco de vida. A Repórter
Brasil permanece acompanhando o caso de perto.

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