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A historia da Homossexualidade no Mundo

O Oriente

Do berço da civilização no Oriente Médio, tem-se como primeira manifestação escrita sobre a
homossexualidade no seio social o Épico de Gilgamesh. Trata-se de poema babilônico datado do segundo
período do Império Assírio, por volta de 2000 a.C., cujo principal personagem, Gilgamesh, é um rei que,
guiado pela interpretação de um sonho de um homem muito forte caindo sobre si, acaba por unir-se a um
companheiro para governar como soberano seu país com mais força e destreza. Vez que a interpretação
do sonho fora feita por sua mãe, tal passagem consistiria em um argumento para os posteriores
observadores da homossexualidade na primeira metade do século XX, que exemplificaria ser o Épico um
caso de ligação entre a homossexualidade e o apego à figura da mãe. Conta o texto que os dois homens
unidos passaram a vencer batalhas, monstros e obstáculos impossíveis, se sozinhos. Argumento que
Napoleão usaria, referindo-se à tolerância de pederastia entre seus soldados do século XIX.
Nos tempos egípcios há relatos de envolvimento entre faraós e jovens rapazes, contudo, de peças literárias
à altura do Épico de Gilgamesh celebrando a homossexualidade, não se tem notícia. Acredita-se que na
maioria das antigas civilizações da Ásia Menor existia casamento legal entre homens e meninos. A
contrário senso, o povo hebreu (que viria influenciar profundamente o posterior cristianismo) passou a
proceder de maneira a reiterar segregação e rejeitar costumes estrangeiros sob pretexto de proteger seu
povo. Na verdade, objetivando destruir similaridades com os estrangeiros como forma de enfatizar o
nacionalismo emergente. Ainda que nos textos mais antigos (Segundo Livro dos Reis, XXIII, 7) a
presença de prostitutos masculinos fosse tolerada, com Levíticos (XX,13) (que passou a condenar
severamente também a nudez e o adultério) surge o claro edito de que um homem não deve se deitar com
outro homem como se deitaria com uma mulher, sob pena de ambos terem cometido uma abominação e,
assim, serem submetidos à morte. Eis a primeira informação que faria as vezes da ditadura homofóbica
posterior. Interessante é constatar que, apenas muito tempo depois, também a homossexualidade feminina
seria condenada.
 
O Mundo Muçulmano Antigo
 
O documento por excelência a referir-se a relações homossexuais no mundo islâmico é a reunião de
contos anônimos que formam a obra das Mil e uma Noites. A história retrata o convívio social do oriente
médio, enfatizando descrições da beleza de rapazes, além de relações homossexuais entre mulheres. As
práticas homossexuais também ali, como outrora na Grécia, vagavam entre nobres e puros sentimentos
até práticas libertinas. No futuro, o mundo muçulmano reverteria radicalmente sua posição.
 
 
Índia e Japão 
Na Índia a expressão mais conhecida da sexualidade em livro é, sem dúvida, o livro religioso Kama Sutra
escrito por Vatsayana, que descreve as variadas maneiras de se obter prazer através do sexo, vez assim
que seriam conseguidos benefícios morais. Análises contemporâneas da obra garantem sua referência
também a práticas homossexuais, enfatizando o sexo oral. No oriente antigo é  impossível encontrar
alguma condenação da homossexualidade nas religiões que se enraizaram lá (é obvia) a atitude tolerante
do budismo referente a isso e as práticas homossexuais que ocorriam em muitos mosteiros budistas e
mesmo entre os lamas do Tibete. Confucionismo, Taoismo, ou no Japão, Shinto, não mostraram mais
severidade em relação a isso.
No século XVII Saikakou Ebara (1641-1693), famoso escritor japonês, escreveu "Esplêndidas Histórias
da Homossexualidade", descrevendo hábitos dos samurais. Trata-se de obra semelhante à Mil e Uma
Noites do mundo árabe, contudo, voltada à rotina do extremo oriente. Entre os samurais a
homossexualidade era estimulada como sendo abençoada, preconceituando o amor heterossexual como
forma de efeminação e enfraquecimento do homem. Os jovens amantes dos samurais não podiam ter
relações sexuais com outras pessoas que não seus mestres, até tornarem-se homens, quando cortava-se o
cabelo, mudava-se de roupas e mesmo de nome, por vezes.
 
 
A Grécia Antiga
 
O helenista inglês Kenneth J. Dover, autor do estudo "Homossexualidade Grega", baseou sua análise  das 
contradições  do  homossexualismo  masculino  nas  representações de ânforas, vasos ilustrados que os
gregos eram mestres em produzir.  Dover mostrou que a sociedade grega era francamente favorável ao 
relacionamento entre dois  homens,  embora  aquele que penetrasse  fosse  considerado  mais  viril. 
Segundo o autor, o homem adulto perseguia os mais jovens, mas sexo entre homens da mesma idade era
algo escandaloso. A homossexualidade grega lícita era sempre entre um adulto e uma criança ou jovem
adolescente.
Nos exércitos, o rapaz mais jovem, de aspecto mais feminino, era automaticamente escolhido como o
parceiro passivo, e o maior,  o mais  masculino e peludo,  como o ativo. Era habitual que o homem mais 
velho que se  apaixona e persegue o  menino receba todo o encorajamento, enquanto espera-se que o
menino resista.   Há uma relação com os costumes atuais nas relações heterossexuais, onde o rapaz
persegue a moça e sempre espera-se que ela diga "não", mas que o rapaz continue a tentar fazê-la dizer
"sim". Um pai fica furioso quando sua filha é seduzida pelo filho do vizinho, e  ao mesmo tempo
orgulhoso quando seu filho seduz a filha do vizinho.
Era comum a aceitação moral e até o incentivo social do homossexual masculino ativo e a condenação
dos meninos que tinham prazer, ou que permaneciam como passivos "após o crescimento da barba"
(puberdade). Heródoto, falando da adaptabilidade dos persas e sua disposição a adotar costumes de outros
povos, diz que eles aprenderam dos gregos a pederastia, e a classifica como "uma das boas coisas da
vida."   Homero diz que Ganímedes era o mais belo jovem do mundo, e ele é dado a  Zeus como
encarregado dos vinhos.  Entretanto,  a beleza  não é de  fato uma  boa  qualificação para servir vinho, a
melhor qualificação é ter mão firme.
Em Esparta, quando o menino entrava em apuros, as autoridades procuravam o seu "erastes" (amante) e
não o pai como responsável.  Era uma característica de  muitas  sociedades guerreiras.  Havia entre eles o
costume do guerreiro, entre 18 e 25 anos, manter em sua companhia um menino (não uma mulher ou
moça porque não eram permitidas no acampamento) com o qual copulava entre as coxas. Quando seu
período de serviço militar terminava, o jovem presenteava o menino com armas, um escudo e lança, e
depois partia e se  casava. Em outras palavras, com os gregos, ele passava por uma fase homossexual, que
a um ponto socialmente determinado era interrompida, e depois tornava-se heterossexual.
O caráter institucional da homossexualidade na Grécia não permitia a formação de uma sub-cultura, pois
ela ocupava uma posição central na sociedade. A pederastia militar também existiu na Grécia desde
tempos antigos. Ainda que as várias fases da antiga civilização grega apresentassem posicionamentos por
vezes diversos quanto à questão homossexual, variando de intensidade, a permissividade social sempre
existiu. Em Esparta a pederastia fazia parte da educação, sendo recomendado aos jovens da aristocracia
que tivessem amantes do mesmo sexo.
O hábito mais usual referente à homossexualidade era o de senhores terem jovens rapazes, aos quais
deviam ensinar os métodos do sexo. Tais jovens eram muitas vezes indicados pela própria família para tal
função. Sem dúvida o que mais se impressionava ao analisar a homossexualidade na antiguidade é o fato
de, salvo raríssimas exceções, todos os grandes nomes daquela época, sejam filósofos, políticos, soldados
ou poetas (entre outros, a saber: Platão, Aristóteles, Sócrates, Aristófanes e Alexandre o Grande) terem
mantido relações homossexuais ou tratado destas em suas obras de maneira receptiva.
Ainda que muitos pensadores do início do século tentassem fundamentar a origem da decadência da
Grécia, em especial Nietsche acusando Sócrates, Raymond de Becker atenta que a degradação desta
forma de amor, juntamente com a degradação geral e a intoxicação pelo poder absoluto, a despeito da
homossexualidade em si, podem ser taxadas como responsáveis pela decadência.
 
 
O Império Romano
 
Separada rigidamente entre escravos e cidadãos, a sociedade romana tolerava relações entre escravos e
seus senhores, podendo estes terem seus rapazes preferidos. Atenção, contudo, era exigida de que os
senhores podiam tomar o papel apenas ativo do coito, como forma de preconceituar a passividade, o papel
feminino. Em Roma, pouco se fez para salvaguardar a nobreza dos sentimentos relacionados à
sexualidade, também caindo puramente aos aspectos materiais no período final do Império.
Personalidades como Nero (que casou-se com Pitágoras) e Calígula, tão conhecidos pelas suas façanhas
estranhas ao bem comum dos cidadãos, são exemplos da degradação do poder absoluto e da
homossexualidade, outrora enobrecida pelos gregos e mesmo pelos romanos, como
 
 Júlio César.
A partir do quarto século da era cristã (342 d.C.), o mundo ocidental passou a assistir proibições sob pena
de morte, de práticas homossexuais através do Imperador Constantino. Em 536 a 544 Justiniano aderiu à
homofobia conferindo tortura a tal ato de luxúria, abominado e odiado por Deus. Iniciava-se a Idade-
Média.
 
Adriano
Outra grande paixão uniu o  imperador romano Adriano  (76-138)  e o seu escravo  Antínuo durante 6
anos. Ao morrer num acidente de barco,  Antínuo entrou na constelação dos deuses do Império. 
Saudoso,  o imperador mandou  construir uma cidade "Antinuópolis" para eternizar o ex-escravo. Adriano
também mandou erguer por todos os lugares estátuas com a imagem do seu amado, de modo que, com o
tempo, os crentes romanos julgavam que o escravo  fosse  um  deus. Sua  história  é  narrada em 
"Memórias de Adriano",  romance da escritora francesa Marguerite Yourcenar.
 
Nero
Tão antigo quanto a própria humanidade, o homossexualismo parece contar, com a sua história, uma
outra, subterrânea,  clandestina, muitas vezes torturada, do próprio gênero humano. Como se fosse uma
versão não-autorizada da história oficial do homem. Suetônio, historiador romano, autor de  "Os Doze
Césares",  relata que Nero se casou com um menino, e vestido de noiva.  Na noite de núpcias, emitia
gritinhos de virgem deflorada. À boca pequena,  César era chamado de "omnium virorum mulier" 
(mulher de todos os homens). Mas isso, na Roma Antiga, não era privilégio  da  chamada "classe
dirigente". Em Pompéia, cidade tragada pelo Vesúvio, foram encontradas  as  seguintes inscrições nos
falos de um prostíbulo masculino: "Hic habitat felicitas" (aqui reina a felicidade).
 
 
 
 
Lesbianismo na Grécia e Roma Antigas
 
Na Grécia surgiria a maior expressão da homossexualidade da civilização antiga, não apenas por ter a
pederastia emergido lá ao status de uma instituição e levado à reflexão filosófica de uma forma saliente,
mas também porque foi o local para um tipo de homossexualidade feminina que era menos falada mas
sem dúvida complementar a pederastia (Becker:1969). Tal contexto surgiu com a preocupação grega a
respeito do fenômeno das Amazonas, suposta tribo feminina de guerreiras que teriam habitado às margens
de um rio na Ásia Menor, cujas normas permitiriam relações heterossexuais com varões de outras tribos
apenas para procriação e uma vez por ano. As meninas eram mantidas na tribo, enquanto que os meninos
eram assassinados ou enviados às tribos de seus pais. Entre si, as Amazonas tinham a prática
homossexual, de origem religiosa, fundamentada na necessidade de desenvolver nas mulheres guerreiras
qualidades masculinas.
Em 612 a.C., na ilha Lesbos, nasceu a poetisa Safos (nomes que originariam os termos lesbianismo e
safismo) cujos versos glorificavam a homossexualidade. Embora reconhecida e elogiada por sua beleza
por renomados como Platão e Sócrates, grande parte de sua obra foi destruída pelos posteriores cristãos,
acreditando tratar-se de grave ameaça à moralidade da qual se autodeterminaram guardiões. (Becker:
1969)
 
 
Idade Média
 
Os gays eram cruelmente perseguidos no período marcado pela soberania da fé cristã. Fogueiras, prisões e
castigos duríssimos eram a norma para quem saía da regra heterossexual. As temíveis sombras da
Inquisição rondavam cada alcova. O poeta florentino Dante Alighieri delatou, em sua Divina Comédia,
um certo professor seu que era "sodomita". Mas havia resistências. O francês Michel de Montaigne
(1533-1592), autor de Ensaios, relata uma cerimônia de casamento entre homens presenciada por ele na
igreja de São João, em Roma. Se a antiguidade fora marcada pela tolerância e ritualização das relações
entre pessoas do mesmo sexo, é correto afirmar que a Idade Média, guiada pelo cristianismo, este sob
pilares do judaísmo, foi período de ignorância, da obscuridade da civilização e do direito (e não apenas
para os homossexuais). Os ideais de salvação que fundamentaram os métodos do regime, por séculos
provaram-se explorados em seu sentido de forma extremamente avessa, produzindo desigualdades e
desequilíbrio nas mais variadas áreas da civilização.
A Europa, do século IV até o Renascimento, assistiu implacável perseguição não apenas aos
homossexuais, tidos como graves pecadores, contrários aos desígnios divinos e co-responsáveis pelos
males do mundo, produtos da ira de Deus, como a todos sodomitas em geral. Isto é, mesmo marido e
esposa que praticassem sexo anal eram perseguidos. Assim, como exemplo entre os demais reinos da
época, em 654 d.C. por edito do rei Alarich II da Noruega, restava aos homossexuais três alternativas de
pena a escolher: auto-castração, ser enterrado vivo, ou ser queimado vivo. No século XIII foi publicado
por Gregório IX o código penal válido para todo império cristão, sob a influência de Tomás de Aquino,
entre outros, com forte apelo ao direito natural (sob a ótica conveniente à época do que se imaginava
natural, ao menos ao que se referia aos homossexuais). Tal código embora bastante inovador em
princípios, maquiou muitos valores da época, que passaram a ser justificados por novos argumentos.
Posteriormente, no século XIV e XV recrudesceu o combate à sodomia na Europa, sendo fundadas, na
Itália, associações como o Collegium Sodomitarum e o Ufficiali della Notte, encarregadas de perseguir,
investigar e, inclusive, aplicar penas preventivamente.
 
Renascimento
 
Embora na Alemanha as mudanças trazidas pela reforma protestante trouxessem forte impacto social, não
se traduziu em mudança da não aceitação dos homossexuais. Todavia na Itália, que passava a roubar a
atenção nas artes e ciências, o caráter latente da expressão homossexual começava a tomar lugar mais
claro, iniciando a derrocada das trevas anteriores. Personalidades reconhecidas já em seu tempo passaram
a reverter o quadro de intolerância, aderindo aos seus impulsos homossexuais: Leonardo da Vinci com
Jacopo Saltarelli em 1476; Michelangelo (falecido em 1564) com Tomasso del Cavalieri; e o pintor
Giovanantonio Bazzi (1477-1549), por exemplo.
Definitivamente o Renascimento permitiria nova emergência da homossexualidade na sociedade. Escritos
didáticos de Antonio Rocco (1586-1652) com o título de "Alcibiade Fanciullo a Scola" esclarecem o
autoconhecimento e a liberdade de amar, tratavam de convencer os alunos à prática do sexo livre
retomando a questão do pressuposto natural, contrapondo-se ao argumento de que a homossexualidade
contraria a natureza, com colocações, entre outras, dizendo que uma ação é natural, se a natureza a
estimula, se ela se executa e termina conforme desejado. Se então a satisfação ao olhar um belo rapaz é
um sentimento natural, como pode tal amor ferir a natureza?
Na Inglaterra da mesma época, Shakespeare defendia, para alguns, a homossexualidade em verso,
enquanto, Christopher Marlowe (1564-1593), fundador do teatro elizabetano inglês, questionava os
valores morais pré-determinados com a tragédia Edward II, rei apaixonado pelo seu Gaveston, sendo
aquele considerado o primeiro homossexual personagem principal de um drama europeu.
A França do Rei Sol, já com tradição de Henrique III que pouco evitou reinar acompanhado de belos
rapazes, mostrou-se relativamente liberal. A despeito da corte alemã, na francesa os homossexuais eram
tolerados, sendo o próprio irmão de Luís XVI. Felipe de Orléans, conhecidamente homossexual. Na
mesma época, generais famosos como Vendôme e Huxelles eram adeptos de orgias homossexuais.
Não obstante tais expressões de aceitação social ou, ao menos, da tendência de grandes personalidades
desafiarem os dispositivos legais, estes continuavam inflexivelmente condenando os sodomitas. Neste
sentido, Foucault defenderia em nosso século, que a partir do final do século XIV os códigos de decência
e de grosseria mudaram radicalmente, sofrendo um processo depurativo e classificatório que ainda nos
atormenta, nas palavras de Arnaldo Rodrigues, que continua: implantar-se-ia uma sociedade burguesa,
heterossexista, monogâmica e reprodutora, que confinaria o prazer sexual ao quarto dos pais, e quanto
mais sem graça, mais puro (1995).
 
Terceiro Reich
 
O século XX assistiu a um dos maiores genocídios gays da história. Tanto quanto judeus e ciganos, a
minoria homossexual dos territórios ocupados pela Alemanha nazista foi massacrada em nome da pureza
ariana. Tudo começou em 8 de março de 1933 quando foram instituídos os primeiros campos de
concentração. Berlim, considerada a capital dos movimentos humanistas e da liberdade homossexual,
tornou-se palco de uma guerra homofóbica e particular.  Os pontos de encontro e os cabarés foram
invadidos pelos soldados da Gestapo com suas armas e licenciados pelo recém-instituído Parágrafo 175
da lei. Homossexuais e lésbicas foram arrastados aos campos de concentração onde nem ao menos eram
julgados pela justiça, mas sim pelo órgão administrativo da seção.
Os que tinham alguma influência ou "sobrenome" eram designados para a detenção ou deportação, mas
os outros eram liquidados nos campos. Às lésbicas eram feitas algumas concessões em virtude de sua
natureza como genitoras.  Em 1943, Henrich Himmler autorizou a prática da castração dos deportados
homossexuais, quando um grande número de pessoas morreu durante a intervenção cirúrgica. Os
homossexuais sobreviventes eram designados para as tarefas mais duras em campos de trabalho forçado.
Em 1944, os primeiros campos são dominados pelos aliados, e os homossexuais que sobreviveram ainda
tinham medo de declarar o motivo de sua deportação por conta dos empecilhos sociais, familiares e de
trabalho que viriam em seguida a um testemunho desta natureza. Para muitos deles, o retorno à liberdade
significava uma auto-censura diante de uma legislação hostil ainda, período em que a grande maioria se
exilou no anonimato.
Tudo por culpa da ausência de uma lei que reconhecesse a perseguição por orientação sexual, pela
fragilidade dos movimentos ativistas gays nos anos 70, e pela própria sociedade, inclusive intelectuais,
que escamoteavam uma realidade à qual preferiam fechar os olhos.  Porém uma realidade que estava
estampada na memória coletiva. Em 1982, na França, Pierre Seell, diante de uma nova coação
homofóbica, decide romper o silêncio e revela todo o tipo de sofrimento que passou nos campos.
Um austríaco, Heiz Heger, depõe em seu livro toda a verdade chocante que se passava por trás dos muros
de concentração. Meses depois, Martin Shermann, judeu e gay, apresenta uma peça onde aborda pela
primeira vez o holocausto gay no teatro. De Londres, a peça foi para Paris e para a Broadway, onde o
mundo conheceria a verdade atrás da iconografia oficial dos nazistas.  Infelizmente, graças a esta abertura
dos primeiros deportados gays, a coragem e a atitude das próximas gerações do holocausto nazista, hoje
sabemos que foram 90 a 100 mil gays e lésbicas presos entre 1933 e 1945, de 10 a 15 mil somente no
apogeu do nazismo. Sem falar dos outros esquecidos como os maçons, dos doentes, dos miseráveis, dos
fiéis das Testemunhas de Jeová...
De acordo com o historiador alemão Lothar Machtan, autor do livro "O Segredo de Hitler", o ditador
nazista era gay. Quando jovem, morava em albergues notórios pela concentração de homossexuais. Seu
anti-semitismo teve origem numa denúncia raivosa de um caso homossexual pela imprensa judaica de
Viena. O soldado Hans Mend, companheiro de Hitler no exército alemão durante a I Guerra Mundial
relata: "Observávamos que ele nunca olhava para as mulheres. Desde o início suspeitamos que ele fosse
homossexual, pois tinha fama de anormal. Era extremamente excêntrico, revelando traços afeminados." O
livro também registra diversas passagens onde o "führer" teria se relacionado  com homens. E afirma que,
se Hitler concordou com o holocausto  gay em 1934, foi por instinto de autopreservação. Quanto ao
namoro com Eva Braun, não teria sido mais do que uma farsa conveniente. Nesse ponto os biógrafos são
unânimes: nunca houve sexo entre eles.
 
 
Do Século XVIII Ao XX
 
Embora a repressão social aos homossexuais expressava sinais de relaxamento com o advento do
Iluminismo, o Direito Penal, então reformado de maneira a afastar penas fundadas em determinações
divinas, o que tornou mais liberal, continuava a contrapor-se às relações homossexuais. Primeiro pela
preferência à opinião de que não se tratava de direito natural e, segundo, por acreditar-se ser ameaça ao
Estado, vez que poderia induzir homens sem culpa a práticas condenáveis e, a longo prazo, comprometer
a força do indivíduo e, inclusive, a reprodução do povo, nas palavras dos juristas alemães Hans Ernst von
Globig e Johann Georg Huster, na obra Abhandlung von der Criminal-Gesetzgebung (Tratado da
Legislação Criminal) de 1783.
 
Ponto de vista que se contrapunha ao jurista italiano Cesare Beccaria, na obra Dei delitti e delle pene (Dos
delitos e das penas), de 1764, que não via relação entre a prática homossexual e danos a terceiros,
preocupação basilar, segundo ele, do Direito Penal. A literatura oitocentista trouxe, também, identidade à
ambigüidade homossexual, como por exemplo o personagem Vautrim, de Honoré de Balzac, que, com
práticas sexuais anticonvencionais e rebelde aos valores morais, criou imagem romântica do homossexual
exteriorizado.
 
Neste sentido, Voltaire, na França de 1763, argumenta que a homossexualidade traria consigo o fim da
humanidade, apenas se alargada a fenômeno geral, o que contudo não acontece. Destarte, a Assembléia
Constituinte francesa de 1791 não condenou os homossexuais penalmente, posição reiterada pelo Code
Pénal Napoleônico de1810, passando a homossexualidade a ser considerada, na sociedade francesa, como
mero vício, sexualidade desordenada.
 
 
Segunda Guerra Mundial e Pós-Guerra
 
A virada do século assistiu a uma enxurrada de especulações científicas a respeito das origens da
homossexualidade ou uranismo, como alguns cientistas preferiam denominá-la no século XIX, oriunda da
lenda de que o deus Cronos (o tempo) castrara o deus Urano (céu). Não obstante proibições legais em
alguns países, a realidade apontava bons horizontes para um movimento homossexual embrionário, que
ainda viria a provocar muito ruído. Na Europa já eram vistas revistas especializadas ao público
homossexual e locais públicos eram abertamente freqüentados pelos mais vanguardistas.
 
Na Alemanha, contudo, com a emergência do Partido Nacional-Socialista de Adolph Hitler, para algum
homossexual enrustido, não tardaram a surgir proibições contra os homossexuais, a contrário senso da
tendência internacional. Em 1933 publicações referentes ao tema foram proibidas e recolhidas; em
seguida, a privacidade das moradias pôde ser violada indiscriminadamente como forma de controle e
vigilância, locais públicos para trânsito de homossexuais foram limitados, sob o argumento de se tratar de
impureza da raça, além de crime contra esta por impedir sua perpetuação, sendo freqüentemente
comparada, a prática homossexual, com o aborto. O número de prisões que se sucederam crescia
geometricamente à medida que a década finalizava, tendo sido sua contagem interrompida durante os
Jogos Olímpicos de 1936, como forma de cautela do regime perante a comunidade internacional que
visitaria o país.
 
Em 1941 Hitler ressuscitaria a pena de morte para homossexuais (principalmente os descobertos entre as
fileiras militares), que agora considerava contaminados pela peste da homossexualidade, risco potencial
aos jovens de sexualidade saudável, cujos futuros filhos seriam essenciais aos planos de guerra do Führer.
Os campos de concentração começavam sua tarefa de arrecadar - e posteriormente exterminar - as
perigosas ameaças sociais, para lá levadas juntamente com judeus, ciganos, antifascistas e demais
criminosos ordinários. Da França invadida eram enviados homossexuais para os campos de concentração
alemães, sob o amparo legal do governo de Vichy e reiterado pelo do De Gaulle, através da Lei n.744, de
6.8.1942 que desenterrou a condenação (de seis meses a três anos de prisão, ocorrendo esta, por vezes,
nos campos de concentração alemães, donde prisioneiro algum era libertado) a homossexuais franceses. A
lei, cujo conteúdo fora sepultado há 150 anos, só seria revogada em 1982 por Miterrand.
 
Identificados pelos famosos triângulos cor-de-rosa, os testemunhos de tais prisioneiros revelam ter sido
tratados ainda com mais desprezo, humilhação e agressividade que os demais presos. Lembrando a idéia
de Bertold Brecht, de que um povo que desconhece sua história está condenado a revivê-la (leia-se povo
por humanidade), cabe compartilharmos do seguinte depoimento de um prisioneiro sobrevivente que
preferiu não ser identificado: "Eu não pude do meu cérebro exilar o pavor das torturas do campo de
concentração, as terríveis e bestiais brutalidades dos guardas da SS... Mesmo em horas calmas surgem-me
as cenas cinzas do campo de concentração no pensamento, as quais nunca mais passarão completamente.
Na verdade hoje o mundo posterior (pós-45) há tempo não fala mais das torturas e dos assassinatos nos
campos de concentração nazistas, a população não quer mais ser lembrada daquilo, mas nós, os antigos
prisioneiros dos campos de concentração, nunca mais poderemos esquecer o que nos foi feito."
 
A situação se agravava para aqueles que cumulavam ao título de homossexual o de judeu ou outro crime.
Não raro, porém, os homossexuais menos abatidos pelo rígido regime eram constrangidos a prestarem
serviços sexuais aos guardas dos campos de concentração que se co-protegiam como cúmplices -, o que
por vezes passava a ser privilégio para o escolhido, pois, ao menos pelo período que estivesse nas graças
de seu protetor, suas refeições e, principalmente, sobrevivência, estariam garantidas. O terror nazista
contra os homossexuais durante o período da guerra iniciava com torturas como ficar de pé, por vezes nu,
durante horas na rua, exposto a temperaturas negativas, e contava com cirurgias pseudo-científicas, nas
quais a castração dos testículos, e por vezes do próprio pênis, era corriqueira, com a pretensão de reverter
os desejos homossexuais dos pacientes. Injeções com superdosagens de hormônio, tanto em homens
quanto em mulheres homossexuais eram também usuais, sendo que estas eram submetidas à prostituição
junto aos soldados, sob a expectativa de estimular seu desejo heterossexual mais apavorante e
desconcertante.
 
De toda barbárie está no fato de estar juridicamente fundamentada através de despachos do governo
nazista, em mais uma histórica expressão de fragilidade das consideradas garantias legais. Demonstração
tática das advertências marxistas de um século atrás, de que os artifícios jurídicos acabam facilmente
manipulados para legitimar o interesse da classe dominante. Passada a guerra, dados estatísticos sobre o
número de prisioneiros homossexuais, assassinados e torturados, são extremamente escassos, não apenas
pela destruição de arquivos provocada pelos próprios alemães à iminência da derrota, mas pela vergonha
dos próprios prisioneiros de identificarem-se, temendo novas represálias. A história mostrou que, na
verdade, de todo errado não estavam, pois, a despeito do tratamento deferido a judeus e prisioneiros
políticos através de asilos, reassentamentos ou mesmo pela sua citação na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, muito pleito em busca do reconhecimento dos direitos civis aguardava os
homossexuais nas várias décadas que viriam.
 
Nos anos 50 a discrição e o enrustimento (ou inside the closet, expressão usual) eram a norma, havendo
cassação de políticos gays nos EUA sob a alegação (que em muito lembrava a propaganda nazista) de que
um homossexual pode poluir um escritório do governo, vez que se tratava de pervertido sexual. A
despeito desta posição, o governo atual de Tony Blair, na Inglaterra, seria surpreendido por revelações do
considerável número de ministros homossexuais, que nem por isso depõem a posição de destaque da ilha
no cenário internacional.
 
Em 1956 surgiram teses como a do psicólogo Evelyn Hooker, segundo a qual não há conexão
homossexualidade e psicopatologia. Tamanho era o convencimento de que a homossexualidade tratava-se
de deficiência, que isto pode ser visualizado nos primeiros pleitos em busca de aceitação social e direitos
civis no meio do século, mesmo militantes gays com envolvimento político como Harry Hay de Los
Angeles discursava em nome de sua organização: "Nós, os andrógenos do mundo, formamos este corpo
corporativo responsável para demonstrar por nossos esforços que nossas deficiências fisiológica e
psicológica não precisam ser impedimento na integração de 10% da população mundial na direção do
progresso social construtivo da humanidade."
 
Da citação percebe-se também a tentativa de quantificar os homossexuais no mundo, atribuindo-lhes a
décima parte da população global, embora estudos posteriores, nos anos 80, defenderiam percentuais de 2
a 5 %, daí o termo minoria sexual, e nos anos 90, retornariam à casa da dezena. Em 1948 o estudo
revelador de Alfred Kinsey, publicado sob o título Sexual Behavior in the Human Male (Comportamento
Sexual no Masculino Humano), permaneceu seis meses na lista de best-seller do The New York Times,
defendendo a tese de que o sexo homossexual permaneceria de grande interesse para muitos americanos,
talvez porque eles, privadamente, gostassem dele, mas publicamente tivessem que odiá-lo.
 
Mais tarde Silvério Trevisan desenvolveria o tema sob a abordagem da crise do masculino em sua obra de
1998, intitulada Seis Balas Num Buraco Só, na qual defende que a infiltração homossexual no âmago
masculino cumpre uma importante tarefa no cenário dessa crise, porque acirra as contradições, ao tirar a
máscara da virilidade construída, apontando para um homem menos duro e mais nuançado, incluindo
aquela tão execrada passividade que também compõe o macho simplesmente porque faz parte do humano.
E, continua Trevisan, o rechaço infantil socialmente manifestado em adultos homofóbicos não se atualiza
apenas na agressividade radical dos assassinos de bichas (prováveis homossexuais enrustidos), mas
encontra-se internalizado nesses inumeráveis homossexuais que, sofrendo de culpabilidade, consomem-se
em sistemática auto-punição.
 
Destarte, a revolução sexual dos anos 60 trouxe consigo uma reedição mais democrática do Renascimento
experimentado 400 anos antes. Hordas de homossexuais saíram em busca de determinação de modelos de
comportamento, vez que tratava-se de completamente nova modalidade de vida social emergente. Sem
tradições hierárquicas e culturas desejáveis, este novo nicho social em cidades como São Francisco e
Nova Iorque e, resguardada em escala brasileira, Rio de Janeiro e São Paulo, que na condição de grandes
metrópoles, foram vistas como acolhedoras de jovens do interior cuja coragem permitia-lhes partir em
busca de seus desejos naturais, desde que sem a necessidade, ao menos imediata, de montar fontes de
batalha em casa. Tais homossexuais logo passaram a vincular sua distância social baseando-se nela, isto
é, expressando-se por meio de extrema libertinagem sexual.
 
Diversas variações de estilos despertaram com o boom da revolução sexual, determinando-se pelas
propostas da fantasia de cada indivíduo (leather, army, navy, bodybuilder, dragqueen, yuppi, etc.). Bares,
sauna, e praças específicas fixavam-se como redutos gays aos quais alguns, posteriormente, contrapor-se-
iam sob o argumento de que se formava, destarte, reedição dos guetos nazistas. Nos EUA da década de
70, começava surgir o movimento sexual organizado, com instrumentos de mídia e defensores políticos.
Em poucas palavras pode ser dito o que se daria na segunda metade do século XX: Em uma mera metade
do século, uma inteira civilização nasceu e cresceu quase até a plena maturidade.
 
Nos anos 70, um culto ao sexo cresceu nos centros urbanos que não concorreu com outro da história da
humanidade em termos de sofisticação e acessibilidade. Aquele período de emancipação física e
espiritual, embora limitado ou frutífero isto pareça em retrospecto, teve vida curta. Nos anos 80, a
contínua ascensão inverteu-se: a deflação que resultou da AIDS e da correspondente confusão moral que
corrompeu a sexualidade gay masculina. Nos anos 90, uma nova avaliação parece estar emergindo do
sobe e desce da gangorra do sexo homossexual. Isto deve ser uma descoberta como nenhuma outra que a
revolução sexual tenha visto tão longe.
Em 28 de junho de 1969, nove policiais de Manhattan invadiram agressivamente o bar Stonewall com a
desculpa de que vendia bebida sem licença. O que pretendiam fosse mais uma manifestação homofóbica
acabou traduzindo-se num marco para o movimento gay internacional dada a repercussão gerada. O
número de organizações homossexuais aumentou e o reconhecimento e respeito desta parcela da
população aumentaria estrondosamente. Os anos 70, contudo, reiteraram a separação entre intimidade e
sexo. Supervalorizado o último pela comunidade homossexual, logo vincular-se-ia a esta a imagem de
sexomaníacos, superficiais e incapazes de manter relações estáveis.
 
Concomitante à revolução sexual, os homossexuais começaram a se aperceber de que a aceitação do sexo
homossexual livre não implicaria no fim da solidão dos indivíduos da referida minoria, sem que, junto
com as liberdades, códigos de comportamento ético também surgissem, mas a contraposição ao sexo,
livre e sem limites viria após a epidemia dos anos 80. Ainda que dando continuidade à tendência do
outing (da expressão out of the closet, assumir-se homossexual) no seu final, a década de 80 foi refratária
ao boom gay da sua precedente devido ao surgimento da Aids. As primeiras vítimas homossexuais não
tardaram a aparecer, multiplicando-se em alta velocidade devido ao hábito de alta rotatividade de
parceiros e à falta de costume do uso dos até então pouco difundidos preservativos.
 
Se no Renascimento inquestionável produção cultural para a humanidade proviera de homossexuais, na
virada do século a humanidade seria presenteada com movimentos de apoio e prevenção ao HIV nunca
antes tão ágil e prontamente vistos (de início as ações governamentais foram lentas, claramente por crer-
se doença de gays, logo, não merecedores de ajuda imediata) em outras epidemias. Os homens gays
construíram organizações de Aids e ajudaram a enterrar grupos inteiros de amigos com um valor e
trabalho ético que chocou todos menos eles (...). Tivesse o governo respondido tão rapidamente à AIDS
quanto o fizera a doenças "Legionárias", a transmissão do vírus poderia ter sido facilmente contida. Seja
pela necessidade de apoio às vítimas da doença cuja causa lhes era ignorantemente atribuída, seja pelos
problemas familiares freqüentes, a comunidade gay foi forçada a estabelecer-se, como o fez, ainda que
apenas de fato, pois juridicamente outra batalha ainda estaria por acontecer nos anos 90 pelo
reconhecimento de direito.
 
O cinema gay hollywoodiano (bem como várias outras áreas comerciais que não puderam negar a fonte
de divisas) descobriu o público homossexual, e nos últimos anos uma enxurrada de filmes garantem na
programação das grandes cidades filmes que abordam a temática homossexual. Em paráfrase à expressão
de Oscar Wilde, a revista Veja (3.2.99) transcreve a expressão do seminário norte-americano The New
Yorker: o amor que não ousava dizer o nome agora o repete à exaustão.

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