Você está na página 1de 22

SEXUALIDADE NA HISTÓRIA

HISTÓRIA ANTIGA – GRECIA, ROMA, EGITO1

Célio César de Aguiar Lima2

Segundo os escritos de Marcial3, escritor espanhol do século I d.C.,


havia uma liberalidade sexual pública onde o sexo anal, masturbação,
pederastia, lesbianismo, adultério, incesto, zoofilia, sexo grupal, sexo oral e
muitas outras práticas eram comuns na vida romana. As termas e banhos
públicos onde homens e mulheres se banhavam nus em grupo publicamente,
era cenário de prazeres de diversas formas, sem que isso maculasse a índole,
a masculinidade e a seriedade diante da comunidade romana.
Na Antiguidade, a prostituição era regulamentada, o divórcio começou
a existir e havia até deuses do sexo. Os documentos da Idade Antiga, que vai de
4000 a.C. ao século 5 d.C. de acordo com a datação convencional, mostram
curiosidades sobre a vida sexual de povos como gregos, romanos e egípcios.
Os romanos, por exemplo, prezavam tanto o sexo que havia uma lei para
desestimular o celibato: os solteiros e sem filhos sofriam punições, e as pessoas
cheias de herdeiros tinham privilégios. Foi também na Idade Antiga que os
conhecimentos científicos sobre o sexo começaram a se aprimorar com
Hipócrates, considerado o pai da medicina.

1 https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-o-sexo-na-antiguidade/
2 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciência das Religiões da Universidade Federal
de Juiz de Fora.
3 CUATRECASAS, Alfonso. Erotismo no Império Romano - Alfonso Cuatrecasas Targa;

tradução de Graziela Rodriguez. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos. 1997.

1
Os romanos também estudavam o corpo humano e já conheciam
algumas doenças venéreas, como a gonorreia, termo cunhado por Galeno no
século II. Mesmo assim, algumas crendices sexuais bizarras permaneciam. Na
Grécia, por exemplo, acreditava-se que o contato com uma mulher menstruada
faria o vinho novo ficar azedo e faria as árvores não darem mais frutos.
Os gregos e romanos eram monogâmicos – no império de
Diocleciano, em Roma, a bigamia foi declarada ofensa civil e foi nessa época
que surgiu o divórcio. Na Roma arcaica, as mulheres adúlteras podiam ser
condenadas à morte – isso só mudou após uma lei do imperador Augusto, que
trocou a pena para o exílio.
Em Roma, as posições sexuais apareciam em pinturas, mosaicos e
objetos de uso cotidiano, como lamparinas, taças e até moedas. Em uma face,
ficava a posição sexual, e, na outra, um número. Para alguns historiadores, as
moedas eram fichas de bordel, e as posições com penetração tinham números
maiores, indicando que poderiam ser mais valorizadas.
Nada de condenar o sexo solitário: na Grécia e na Roma antigas, a
masturbação era vista como natural. No Egito, a masturbação fazia parte do mito
da criação. Um dos mitos piramidais afirma que Aton, o deus do Sol, teria criado
o deus Shu e a deusa Tefnut através do sêmen de sua masturbação.
Casais de homem com homem e mulher com mulher eram comuns
na Grécia. Havia até mitos para explicar a origem da pederastia4, a relação entre
homens maduros e jovens: o primeiro dizia que Orfeu, um dos seres da mitologia
grega, acabou se apaixonando por adolescentes depois que sua mulher,
Eurídice, morreu. Outra lenda afirma que a pederastia começou com o músico
Tamíris, que foi seduzido pelo belo Jacinto.

4
A PEDERASTIA CONSISTE NO RELACIONAMENTO SEXUAL ENTRE UM HOMEM
MADURO E UM JOVEM. Em algumas situações, era inserida na educação dos adolescentes do
sexo masculino, rapazes de famílias de boa posição social, por parte dos pedagogos - varões
maduros. Geralmente estes pedagogos tinham o papel de mestres para estes rapazes,
ensinando-lhes algum ofício. Em outros casos, era conveniente para uma família que seu filho
homem pudesse conseguir um mestre de prestígio, e desta forma ascender socialmente. Com
frequência, o relacionamento entre ambos ultrapassava a mera amizade, ganhando contornos
de relacionamento amoroso e, por vezes, também sexual e de poder do mestre sobre o
adolescente. Esses relacionamentos eram tão difundidos na Grécia Antiga que Platão os
considerava como um elemento de distinção entre a civilização helênica e as
culturas bárbaras (de βάρβαρος, "não grego"). APUD: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pederastia

2
Os galanteios dos romanos seguiam um manual: o livro A Arte de
Amar, do poeta Ovídio, escrito entre 1 a.C. e 1 d.C. Entre as dicas dadas pelo
escritor, estava o uso de bebidas alcoólicas: “O vinho prepara os corações e os
torna aptos aos ardores amorosos”. Ovídio também incentivava a melhorar o
visual: “Esconda os defeitos e, o quanto possível, dissimule suas imperfeições
físicas”. A legislação sexual da Roma antiga determinava punições com a morte:
adultério cometido pela esposa, incesto e relação sexual entre uma mulher e um
escravo. No estupro, a punição sobrava até para a vítima – se não gritasse por
socorro, a virgem poderia ser queimada viva. Entre as penas leves, estava a
apreensão de propriedades de quem fizesse sexo anal. No Egito, o adultério era
mau negócio: os homens eram castrados e as mulheres ficavam sem o nariz. As
regras para sexo pago eram diferentes na Grécia e em Roma.

GRÉCIA
As moças da vida não eram todas iguais – elas seguiam uma
hierarquia. A maioria delas era escrava, mas havia também mulheres vendidas
aos bordéis pelos pais ou irmãos.

CLASSE ALTA - Prostitutas de primeira classe, com treinamento intelectual e


cultural.
CLASSE MÉDIA - Tocadoras de flauta e dançarinas, especialistas em ginástica
e sexo oral. Eram imigrantes.
CLASSE BAIXA - Vendidas pela família, ganhavam mal e tinham poucos direitos.

ROMA
Eram registradas, pagavam impostos, as prostitutas se vestiam com
tecidos floridos ou transparentes, e, por lei, não podiam usar a estola, veste das
mulheres livres, nem a cor violeta. Os cabelos deviam ser amarelos ou
vermelhos. O lugar mais comum de trabalho delas era sob arcos arquitetônicos:
a palavra fornicação vem do latim fornice, que significa arco.
No décimo ao oitavo milênio a.C. que se consolida o modelo
patriarcal, especialmente no Oriente Médio. Este é bem descrito pela Bíblia, no
livro do Gênesis, quando diz que não foi o homem que veio da mulher, mas o
contrário: a mulher foi retirada da costela de Adão (Gênesis, 2,23). Segundo a
cultura hebraica, o homem é o senhor e considerado superior, enquanto a mulher

3
é inferior, considerada impura, não podendo ser sacerdotisa, pois essa se tornou
uma função unicamente masculina. Nesse modelo, a mulher foi compreendida
como a auxiliar do homem (Gênesis 2,18), devendo servi-lo e sendo dominada,
como explicita o livro do Gênesis 3, 18 “Teu marido te dominará”
O casamento era um contrato familiar entre senhores, sendo a mulher
substituída pelo dote. Existiam sociedades, inclusive, nas quais o alto preço do
dote fazia com que os irmãos poupassem a quantia necessária para terem uma
única esposa comum, fato este conhecido como poliandria (GREGERSEN,
1983). Aos poucos, a mulher tornou-se posse do marido, um bem entre outros,
como diz no livro do Êxodo:
“Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua
mulher, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o
seu jumento, nem coisa algum que pertença a teu próximo”. 5

A religião de Israel recebeu influência da sociedade persa, marcada


pelo dualismo que concebia o mundo sendo governado por dois princípios: o
bem e o mal, o Deus altíssimo e o Belial. O judaísmo pós-exílio, recebendo
influência deste pensamento incorporou características como o ascetismo, a vida
celibatária, a concepção hostil e negativa do corpo, do sexo, do casamento e,
consequentemente, da mulher. No modelo patriarcal, a mulher era educada para
ser submissa, ter postura recatada, ser cautelosa e delicada. Ao mesmo tempo,
valorizavam-se as atitudes masculinas de força, virilidade, rigidez, ousadia e
liberdade sexual. A poligamia era uma prática comum entre os hebreus antigos
e em muitas outras sociedades, porém os gregos e romanos formaram uma
tradição monogâmica fortemente marcada pela estrutura de poder
socioeconômico.
A proibição do incesto foi outra prática que recebeu diferentes
configurações ao longo da história. Enquanto em algumas sociedades existia a
sua proibição, em outras ela era permitida e socialmente aceita. No Egito e entre
os Incas, os imperadores eram obrigados a se casarem com suas irmãs para
manterem o poder na família. Embora se constate durante este período o
domínio masculino sobre o feminino, deve-se ressaltar que estes padrões de
comportamento não podem ser simplesmente generalizados. Por exemplo, entre
os gregos de Creta, as mulheres tinham a mesma igualdade que os homens.

5 Êxodo 20, 17

4
Nesta ilha, foram encontradas indicações de culto religioso à deusa mãe,
explicitando uma forma de politeísmo matriarcal, marcado por ritos de
agradecimento à fecundidade da agricultura. As mulheres eram sacerdotisas e
participavam da vida social por meio das festas, jogos e danças.
É importante destacar que foi a sociedade grega aristocrática que se
aproximou de alguns elementos da cultura hebraica, na qual o casamento era
determinado por dois senhores, envolvia o nome da família e não existia a
fidelidade conjugal. A mulher era um bem do marido e estava proibida de ter
relações sexuais extraconjugais. Ao mesmo tempo, o homem era livre e senhor
dos seus atos, podendo relacionar-se sexualmente fora do casamento.
Enquanto o homem encontra saúde no movimento, a mulher leva uma
vida sedentária. Ao mesmo tempo em que a mulher vela e educa os filhos, o
homem traz os bens e a alimentação para casa. À mulher cabe o papel de ser
subalterna e subordinada ao homem, ser gentil, dócil, abnegada e devota,
especialmente ao marido.
Em sua obra Política, Aristóteles afirma que:
“[...] o macho é por natureza superior e a fêmea inferior; aquele
domina e esta é dominada; o mesmo princípio se aplica
necessariamente a todo o gênero humano [...]” 6

Esse filósofo também compreendia que a procriação dependia do


macho e que a fêmea nada mais era do que um princípio passivo no ato da
procriação. O esperma continha o descendente em potência, como se fosse um
pequeno homem (homunculus) ou uma espécie de adulto em miniatura.
Segundo essa concepção, cada relação sexual era um ato de procriação e a
perda de esperma equivalia à morte de um indivíduo, para não dizer um
assassinato. As influências hebraicas, romanas e helênicas construíram um
modelo patriarcal que serviu de base para toda a sexualidade medieval. Foi
neste modelo que a mulher se tornou posse do homem, que as relações sexuais
tinham por finalidade apenas a procriação, existindo um duplo padrão de
moralidade: enquanto o homem possuía total liberdade sexual, a mulher deveria
conter-se, estando à disposição do seu marido.
O cristianismo exerceu grande influência sobre as significações e a
forma como a sexualidade foi vivida ao logo dos séculos, especialmente durante

6
POLÍTICA - ARISTÓTELES, 1997, p.19

5
a Idade Média. A moral cristã teve como um dos seus fundamentos a tradição
bíblica hebraica, que ao se expandir pelo mundo, recebeu influências também
do pensamento grego e romano. De religião perseguida passou para religião
oficial do império romano no século IV d.C., fornecendo a base para grande parte
da cultura sexual ocidental durante todo o período medieval. O cristianismo
sintetizou o patriarcalismo hebraico e o falocratismo grego, conservando a
submissão e a desvalorização feminina juntamente com a repressão sexual por
meio do sistema de culpa e controle sexual.
O Antigo Testamento admite a poligamia como regra básica,
aceitando o divórcio como privilégio dos homens, como pode ser observado em
Deuteronômio capítulo 24 versículo 1. Entretanto, as mulheres não podiam pedir
o divórcio e se tivessem alguma relação sexual com outro homem fora do
casamento, eram apedrejadas (Deuteronômio 22,21). A homossexualidade foi
reprimida, conforme pode ser observado no livro do Levítico 18,22, assim como
a prostituição (Deuteronômio 22,20) e a relação sexual com animais (Levítico 18,
23). A menstruação era compreendida como impureza (Levítico 15, 19-23),
sendo proibida a relação sexual durante o fluxo menstrual (Levítico 20, 18). A
proibição do incesto foi estabelecida em Levítico 18.
No Novo Testamento, São Paulo foi um dos grandes nomes seguido
pela tradição patrística. Para ele, a homossexualidade, o adultério, a fornicação
e a prostituição eram consideradas pecaminosas. Paulo defendeu a
indissolubilidade do matrimônio e continuou afirmando que a mulher ideal devia
ser obediente e submissa ao marido (1 Coríntios 7, v1). Uma das distinções entre
cristãos e pagãos naquele tempo era justamente a prática celibatária. O ideal de
virgindade e de pureza (1 Coríntios 7, 25) tornou-se parte da identidade moral
cristã deste período, sendo condenado o adultério e o divórcio, características
comuns das sociedades pagãs.
Santo Agostinho, um dos maiores representantes do pensamento
cristão, influenciado pelo maniqueísmo, compreendeu o sexo de forma negativa,
considerando o mesmo como fruto do pecado. Para ele, a relação sexual era
aceita apenas dentro do matrimônio para fins de procriação. São Jerônimo,
grande tradutor da Bíblia da língua hebraica e grega para o latim, foi outro grande
defensor do celibato e da virgindade. Em sua opinião, a mulher era “instrumento
do demônio” e podia corromper o homem puro. Defendia que a primeira opção

6
de vida era a virgindade, assim como Adão e Eva antes da expulsão do paraíso,
sendo o casamento uma segunda opção. Sua recomendação era que o casal
permanecesse casto e que educasse os filhos para ele.
Santo Agostinho, que viveu no Império Romano entre os séculos 4 e
5 – era preferível que o homem cometesse o pecado do sexo que não fosse para
a procriação (ou seja, oral e anal) com prostitutas, porque a salvação delas já
seria mesmo “duvidosa”, do que “macular” a própria esposa. Santo Agostinho foi
um dos mais influentes pensadores do cristianismo e ajudou a consolidar a
crença de que sexo oral e anal eram “crimes piores” do que o adultério. 7
Tertuliano, grande defensor da fé cristã contra as heresias,
condenava todo adorno corporal e a maquiagem para as mulheres, com objetivo
de que elas não fossem motivo de tentação para si mesmas e para os outros.
Dizia que pintar o cabelo de vermelho era antecipar o fogo do inferno. Durante
este período, especialmente entre os séculos IV e VII, Maria tornou-se para os
cristãos o protótipo e modelo de mãe, virgem, servindo de exemplo para o
matrimônio vivido em continência. Ela é considerada a dama por excelência e a
grande protetora das tentações impuras.
Eva, por outro lado, tornou-se o protótipo da mulher tentadora, na qual
o sexo está associado ao prazer. Essa é tentadora como a serpente, sendo o
protótipo da maldade feminina. Maria foi o protótipo da bondade feminina,
considerando o sexo apenas com fins procriativos. Se Maria é a porta do céu,
Eva é a porta do inferno. Enquanto a virgindade foi um importante valor para o
cristianismo o mesmo princípio foi considerado inadequado em outras culturas.
Por exemplo, os homens do Tibet não escolhiam as mulheres virgens para se
casar. Segundo essa cultura, as mulheres tinham valor apenas quando
possuíssem experiências sexuais.
A virgindade foi utilizada durante muito tempo como estratégia de
dominação masculina, sendo uma forma explícita de machismo. Os pais
mantinham as filhas virgens como moeda de troca na tentativa de uma aliança
comercial ou econômica, ao mesmo tempo, a exigência da virgindade não era
necessária nas classes menos favorecidas economicamente. É importante frisar
que a religião não exercia total controle sobre a sexualidade durante este

7 https://super.abril.com.br/sociedade/pecado-original-por-que-as-religioes-condenam-o-sexo/

7
período. Entre as classes mais baixas, as relações eram primárias e
comunitárias. As casas ainda não tinham quartos separados e a linguagem sobre
o sexo era abundante em músicas e piadas.

Na IDADE MÉDIA8,9 a vida entre quatro paredes ficou mais recatada


por causa da influência da Igreja Católica. No mundo ocidental, tudo que era
relacionado ao sexo – exceto a procriação – passou a ser pecado. Até pensar
em sexo era proibido sendo considerado pecado. O único que se dava bem era
o senhor feudal: além de colocar cinto de castidade em sua esposa, ele tinha o
direito de manter relações sexuais com qualquer noiva em seu feudo na primeira
noite do casamento dela. Já no Oriente, em países asiáticos, a liberdade sexual
era maior. Os homens orientais podiam, por exemplo, ter quantas mulheres
quisessem, desde que conseguissem sustentar todas. “Mas o segundo
casamento tem de ter autorização da primeira esposa. Isso foi feito para a mulher
não ficar sozinha e desamparada”10. Sexo era pecado e deveria ser evitado a
todo custo.
Ser moderado nos desejos sexuais mesmo dentro do casamento era
regra de todo bom cristão. Santo Agostinho alertava “é também adultério, o
homem que ama com demasiado ardor sua mulher”. Acreditava-se que o sexo
demasiado encurtava a vida, secava o corpo, reduzia o cérebro e destruía a
visão. Para não pecar e extrapolar os desejos e ainda, fazer “sexo com respeito”
era recomendado se relacionar à noite, sem nudez completa, no máximo duas
vezes por semana e em silêncio sendo que a única posição permitida era a do
“missionário”, o homem por cima da mulher.
Era considerado pecado outras formas de sexo (oral, anal,
masturbação, toques íntimos) ou em outras posições. Se fosse descoberto um
casal praticando sexo anal (na época chamado de “felação”) ou sexo oral
(chamado de “conilingue”) poderiam ser condenados à prisão. Daí o quarto
trancado, dentro da casa trancada, à noite, com tudo apagado.

8 https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-o-sexo-na-idade-media/
9 https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-o-sexo-na-idade-media/
10 Claudio Umpierre Carlan, professor da Universidade Federal de Alfenas (MG) e pesquisador

da Unicamp

8
O TRATADO MÉDICO-FILOSÓFICO11 de SECRETIS MULIERUM,
escrito no final do século XIII e atribuído a Alberto Magno, alertava sobre os
perigos de desobedecer às normas sexuais: “Os atos sexuais reprodutivos
indevidos são causa de deficiências de nascimento; a monstruosidade é
causada por uma forma irregular do coito”. 12 Por volta do século 12, surgiu o
chamado amor cortês. Na corte, o cavaleiro levava o lenço da mulher amada,
mas era um amor platônico e infeliz – como os casamentos eram arranjados por
interesses econômicos, o cavalheiro e a dama quase nunca ficavam juntos. Os
noivos arranjados muitas vezes só se conheciam por meio de retratos pintados
a óleo.
A prática do celibato para o clero era incentivada pela Igreja Católica,
mas foi oficializada apenas em 1139, no II Concílio de Latrão, pois até este
momento, os clérigos possuíam vida sexual ativa tendo esposas e filhos. Foi
somente a partir do Concílio de Trento (1545 a 1563) que o sexo começou a ser
normatizado com maior força pela religião, constituindo-se como objeto de
condenação. O inferno tornou-se o lugar dos pecadores, fornicadores, prostitutas
e homossexuais. Os padres e religiosas tomados em pecado eram queimados e
enforcados, assim como homens e mulheres considerados pecadores tinham
seus órgãos sexuais queimados. Os adúlteros eram açoitados, as mulheres
tinham seu sexo penetrado por tições acesos.
O prazer era representado como um passo para o inferno, afinal, o
prazer sempre foi visto com desconfiança pela religião. Após esse concílio, os
teólogos instruíram os confessores a vigiarem as práticas sexuais dos fiéis.
Orientava-se, inclusive, que os homens deveriam se relacionar sexualmente
estando sobre as mulheres, sendo esta a ordem natural da sociedade, pois
quando o homem permanece por baixo, ele se submete pela própria posição,
enquanto a mulher que está em cima está em atitude superior.
Martinho Lutero por meio da Reforma Protestante ocorrida no século
XVI promoveu um movimento de questionamento das práticas defendidas pela
Igreja Católica durante a Idade Média. O pai da reforma protestante fundamentou

11
TRADADO MÉDICO FILOSOFICO – APUD: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v7n3/1415-4714-rlpf-7-3-
0117.pdf
12 https://ensinarhistoriajoelza.com.br/pecados-da-carne-sexo-sexualidade-idade-media/ - Blog:

Ensinar História – Joelza Ester Domingues

9
suas ideias num retorno ao pensamento de Santo Agostinho, opondo-se ao
relaxamento moral vivido pelos padres e bispos da Igreja Católica. A Reforma
Protestante propiciou princípios morais importantes para o desenvolvimento do
capitalismo, como o individualismo, o trabalho como expiação, a honra, a
consciência do pecado, a submissão às escrituras bíblicas, assim como o
princípio do acúmulo sem gastos e exagero, e especialmente sem a influência
na Igreja; além da sublimação do prazer e o seu deslocamento para a força do
trabalho, reprimindo a energia sexual.
Durante este período, várias manifestações livres do sexo foram
reprimidas. A nudez, que durante a Idade Média era considerada natural, foi
coberta por panos; a linguagem sobre o sexo foi controlada, o corpo foi visto
como elemento negativo, sendo o sexo o inimigo do trabalho. Neste sentido,
tanto a moral luterana quanto a reforma tridentina promovida pela Igreja Católica
seguiram os mesmos princípios. O sexo foi considerado pecado e deveria ser
confessado. O Concílio de Trento ordenou que os pecados mortais fossem
confessados, mesmos os mais secretos e vergonhosos. Para o imaginário dos
pregadores, o inferno estava cheio de pecados contra a castidade, mesmo que
fossem apenas em pensamento. O medo do inferno foi um dos mecanismos
utilizados pela Igreja Católica para controlar a vida sexual dos seus fiéis, sendo
a confissão o principal instrumento para investigar sua prática. A confissão
colocou o sexo em discurso, passando-o pelo crivo da palavra. A confissão é,
poderíamos dizer, uma técnica da fala.
Na confissão, era preciso dizer tudo, não somente os atos
consumados, mas os toques sensuais, os olhares impuros, as palavras
obscenas, bem como todos os pensamentos. Cabia ao confessor perguntar ao
penitente se houve algum ato pecaminoso. Caso esse tivesse ocorrido, deveria
perguntar também se houve prazer, pois o deleite tornava o pecado ainda maior.
Perguntava também sobre os órgãos que haviam se deleitado, quanto tempo
durou e onde aconteceu. A necessidade de falar tudo, atos e pensamentos, criou
uma compulsão à confissão, chegando a nós, ainda hoje, quando nos sentimos
culpados frente ao sexo, necessitando confessar ao padre, pastor, ao
psicanalista ou ao médico as faltas sexuais. A confissão foi concebida como um
tribunal ou local de medo, no qual o fiel deveria prestar contas de seus
comportamentos. Os famosos sermões e as pinturas nas catedrais exerciam

10
poder sobre as consciências por meio de um rigor moralista, de uma imposição
doutrinal, fixa, rígida e inquestionável. As contínuas ameaças dos castigos
eternos eram assuntos presentes nas pregações religiosas. Um dos movimentos
que contribuiu para o desenvolvimento da visão negativa do sexo foi o
puritanismo, surgido na Inglaterra, no século XVII, a partir do calvinismo.
Só uma posição era consentida pela Igreja: a missionária (atual papai-
e-mamãe). Ela tem esse nome porque os missionários cristãos queriam difundir
seu uso em sociedades onde predominavam outras práticas. Para os cristãos,
ela é a única posição apropriada, porque segundo são Paulo, a mulher deve
sujeitar-se ao marido. O recato entre quatro paredes era tamanho que, em
alguns lares mais tradicionais, o casal transava com um lençol com um furo no
meio. Para desestimular a MASTURBAÇÃO - o prazer sexual solitário, surgiram
nessa época os mitos de que os meninos ficavam com espinhas ou calos nas
mãos caso se masturbassem. Se uma menina se tocasse, ou estava tendo um
encontro com Satã ou havia sido enfeitiçada por bruxas. A paranoia era tão
grande que muitos tomavam banho vestidos – até o banho era considerado um
ato libidinoso.
Já no CASAMENTO, a família da noiva, que podia se casar logo após
a segunda menstruação, pagava um dote (dinheiro ou bens) ao noivo, que tinha
geralmente entre 16 e 18 anos. Mas havia proibições, claro: o papa Gregório I
proibiu o casório entre primos de terceiro grau, e Gregório III proibiu a união de
parentes de até sexto grau. A anatomia não evoluiu muito na era medieval, mas
os conhecimentos técnicos para evitar o sexo, sim. Não há consenso entre os
historiadores sobre a invenção do cinto de castidade, mas acredita-se que o
modelo mais antigo seja o de Bellifortis, de 1405. Feito de metal, ele tinha
aberturas farpadas que permitiam urinar, mas não copular. Também foi
inventada a infibulação, técnica de costura da vagina para garantir a fidelidade
da mulher ao senhor feudal quando ele viajava.
O HOMOSSEXUALISMO era chamada sodomia e era crime com
pena de morte, além de ser considerada heresia pela Igreja – os homossexuais
poderiam até ser queimados em fogueiras. No Oriente, era aceito – mas na
surdina. Por exemplo, em exércitos em guerra, era preferível a relação entre
soldados do que recorrer a prostitutas, isso porque o relacionamento entre
homens não gerava filhos, era apenas uma forma de “alívio”. Como os homens

11
não podiam ter prazer com as esposas, com quem só transavam para
procriação, a procura por prostituas era grande. Ao mesmo tempo em que eram
mal vistas pela sociedade e pela Igreja, as profissionais do sexo tinham que doar
metade de seus lucros ao clero – foi o que instituiu o papa Clemente II (1046-
1047).
Na IDADE MÉDIA quase tudo era PECADO. Segundo a suma
teológica de são Tomás de Aquino, documento escrito de 1265 a 1273, havia
dois tipos de pecado pela luxúria:
– Pecado contra a razão: Fornicação e adultério, por exemplo
– Pecado contra a natureza: São os pecados que contrariam a ordem
natural do ato sexual. Aí se incluem masturbação, sexo com animais,
homossexualidade e a prática antinatural do coito. Leia-se: não podia ser feito
sexo em orifícios não naturais (boca e ânus), mesmo que fosse entre marido e
mulher.
Os costumes medievais sobre o sexo continuaram na IDADE
MODERNA13,14 mas a Reforma Protestante ajudou a tornar alguns deles menos
rígidos. O divórcio, por exemplo, que era proibido pelo catolicismo, passou a ser
aceito na Igreja Anglicana. Nesse período, a Europa viu o monopólio da Igreja
Católica cair, mas as igrejas protestantes que surgiram na Alemanha, Inglaterra
e Holanda continuaram bem rigorosas no que se refere às práticas sexuais. O
que mudou foram os padrões de beleza – mulheres com cinturas fina e seios15

13
https://super.abril.com.br/historia/como-era-o-sexo-na-idade-moderna/
14
Idade Moderna vai de 1453 a 1789, data da Revolução Francesa
15
ADMIRAÇÃO PELOS SEIOS E NADEGAS – POSSIVEIS EXPLICAÇÕES:
1 – A explicação biológica
A OXITOCINA - Essa substância é um hormônio produzido pelo hipotálamo e tem como
função estimular as contrações uterinas, ativar a produção de leite materno, controlar o
sangramento no momento do parto e promover a formação de laços e o desenvolvimento da
empatia entre mãe e filho. A OXITOCINA é conhecida como o “hormônio do amor”.
A OXITOCINA além de ser liberada durante a gravidez e quando a mãe amamenta o bebê,
também é liberada quando as mamas são estimuladas durante o sexo — fazendo com que a
mulher sinta uma maior ligação com seu parceiro. Efeitos também relacionados com a
amamentação são a sonolência e o relaxamento profundo que ela produz, semelhantes às
sensações causadas após o orgasmo. Bebês que foram amamentados por suas mães
normalmente associam as mamas com os sentimentos de amor, cuidado e aconchego. E, como
os bebês humanos demoram um longo período de tempo até conseguirem se alimentar de forma
independente, muitos acabam levando essa associação até a vida adulta.
2 – A explicação evolutiva
O responsável pelas formas típicas das mulheres é o estrogênio, o hormônio relacionado
com o controle da ovulação e a presença de uma série de características femininas. Esse
hormônio estimula o armazenamento de gordura em determinadas partes do corpo, como nos
quadris, nas coxas e no traseiro. Pesquisas sugerem que as mulheres evoluíram traseiros mais

12
fartos passaram a ser as mais desejadas. No século 16, surgiu o espartilho, peça
de roupa que projetava o peito das mulheres para cima e afinava suas cinturas.

A Liberdade sexual aumentou, mas leis para punir traição ficaram absurdas.

A intenção de namoro das moças solteiras tinha até data para


acontecer. Nas noites de 30 de abril, árvores parecidas com pinheiros, chamada
maio, eram plantadas diante das casas das moças interessadas em se casar.
Começaram a ser mais comuns os casamentos por amor, e não apenas por
interesse. O hábito de trocar cartas entre os apaixonados tornou-se comum.
De 1545 a 1563, o Concilio de Trento tornou a Igreja a responsável
pelo casamento. Antes, os casamentos eram só civis, e aconteciam em casa
mesmo. A partir daí, passaram a acontecer diante de um membro da igreja. Com
a Reforma Protestante, houve novidades nesse segmento: o rei Henrique VIII,
da Inglaterra, rompeu com a igreja Católica e fundou a Anglicana em 1534
apenas para poder se divorciar e se casar com outra mulher. E os anabastistas16,
outra denominação protestante surgida na época, defendiam a poligamia. No
século 16, o pintor italiano Giulio Romano pintou uma série de 16 desenhos para
um livro de sonetos obscenos de Pietro Arentino, retratando várias posições
sexuais. Em um dos quadros, um homem de joelhos segura uma mulher, que
está na diagonal e com uma das pernas sobre seu pescoço! A série acabou
confiscada pela igreja em 1524.

arredondados como forma de apresentar aos possíveis “interessados” indícios claros de sua
juventude e fertilidade — na forma de reservas de gordura nos locais certos. Indício de juventude
e fertilidade. As mulheres possivelmente evoluíram traseiros mais redondinhos no contexto de
se destacar entre as demais integrantes do grupo e chamar a atenção dos homens. Acredita-se
que a atração pelas mamas é resultado de sua semelhança com os bumbuns — e ela
possivelmente surgiu quando os seres humanos começaram a fazer sexo de frente um para o
outro. APUD: https://www.megacurioso.com.br/comportamento/100228-descubra-porque-
homens-e-mulheres-sao-fascinados-por-seios.htm
16
Anabaptistas ou anabatistas ("rebatizadores",do grego ανα (novamente) + βαπτιζω (batizar);
em alemão: Wiedertäufer) é um movimento cristão do anabatismo, a chamada "ala radical"
da Reforma Protestante. Os anabatistas não formavam um único grupo ou igreja, pois havia
diversos grupos chamados genericamente de "anabatistas" com crenças e práticas diferentes e
divergentes. Eles foram assim chamados porque os convertidos eram batizados apenas na idade
adulta, por isso, eles rebatizavam todos os seus prosélitos que já tivessem sido batizados quando
crianças, pois creem que o verdadeiro batismo só tem valor quando as pessoas se convertem
conscientemente a Cristo. Desta forma os anabatistas desconsideravam tanto o batismo católico
quanto o batismo dos protestantes luteranos, reformados e anglicanos. APUD:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Anabatista

13
KAMA SUTRA17 - As pinturas de Giulio Romano são fichinha
comparadas ao Kama Sutra, que foi escrito provavelmente entre os séculos III e
IV, mas só foi popularizado no Ocidente a partir de 1883, quando ganhou uma
tradução em inglês. O livro contém a descrição de 529 posições sexuais. Há
desde posições complexas, como o Ato das Cabras, em que vários homens
transam com uma mulher, a situações “simples”, como abraços e esfrega-
esfrega. O Kama Sutra visa atingir um estado espiritual superior – o “Nirvana”
através do sexo, logo ele é um texto que acredita no sexo como culto, meio de
elevação espiritual.
Mesmo com a pena de morte por enforcamento, os homossexuais não
deixavam de se assumir publicamente. No século 18, começaram a surgir vários
bordéis masculinos na Inglaterra, as “molly houses” (“molly” era a palavra em
inglês para “efeminado”). Mas eles funcionavam escondidos, pois se
descobertos os donos poderiam ser presos. As prostitutas eram chamadas de
cortesãs e seus quartos eram cheios de pentes, caixas de pó e frascos de
perfume. Havia dois tipos de cortesãs. Algumas atendiam em casa (geralmente,
depois da morte do chefe de família, quando ficavam sem dinheiro para o
sustento) e tinham uma agente, a alcoviteira, que buscava clientes nas ruas.
Havia ainda as que trabalhavam em bordéis, tabelados pelo estado

Na era moderna, tornaram-se comuns livros de contos eróticos.


Voltaire (o filósofo que também escrevia pornografia) escreveu o livro Candide,
que tem alguns textos eróticos, Diderot (outro filósofo que também escrevia
pornografia) fala de sexo em Les bijoux indiscrets, e Montesquieu (outro filósofo
que também escrevia pornografia) resvala no assunto em Le temple de Cnide.
As leis da IDADE MODERNA mais humilhavam, que puniam. O
adultério, por exemplo, era “punido” na França com um desfile dos maridos
traídos e das mulheres traidoras. Os homens eram obrigados a montar um asno

17
O Kama Sutra tem origem em manuscritos datados do século IV a.C., que foram compilados
pelo sábio hindu Vatsyayana, 800 anos depois. Depois de ser traduzido para o inglês em 1883,
pelo lingüista inglês Richard Burton, multiplicaram suas versões em outros idiomas.
Kama significa amor, prazer, satisfação e Sutra são os aforismos (máximas) sobre o amor.
Apesar do cunho erótico, faz parte da literatura religiosa da Índia, por ser uma extensão do
hinduísmo (religião com maior número de adeptos no país). É que, de acordo com os Vedas
(textos em sânscrito que formam a base do sistema de escrituras sagradas do hinduísmo), quem
quer viver corretamente precisa perseguir três objetivos, sendo um deles o kama. APUD:
https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/mulher/kama-sutra-vai-alem-das-posicoes-
sexuais,44186ee9f9e27310VgnCLD100000bbcceb0aRCRD.html

14
e passear pela cidade usando chifres, e as mulheres adúlteras também tinham
que montar em um asno, besuntadas de mel e cobertas de penas, com um cesto
na cabeça.
SEXO NO BRASIL COLONIAL18 - Os portugueses descobriram o
Brasil em 1500 e quando resolveram colonizá-lo para valer, já em meados do
século XVI, assustaram-se com o que viram. Os poucos brancos, negros e índios
que aqui estavam haviam aprendido a viver longe da civilização, numa sociedade
que parecia confusa aos olhos dos portugueses. Casamento não havia, pelo
menos na forma como se entendia na Europa. Homens e mulheres viviam em
concubinato, amaziados, ou sob diversas outras variantes da vida em comum.
Ainda no século XVIII, o índice de concubinatos era altíssimo: alcançava 80%
dos casais na Bahia, mais de 70% no Rio de Janeiro e em torno de 50% em São
Paulo. Apenas entre as classes mais abastadas havia casamento convencional,
que mantinha intacto o patrimônio da família e assegurava proteção às filhas
após deixarem a casa paterna. Fora dessa minoria absoluta, ninguém se casava
mesmo.

Nessa questão, as mulheres não tinham o aval da Igreja e do Estado,


como não seguiam regras convencionais: trocavam de homem quando lhes
aprazia e tinham filhos com quem achavam melhor. Elas certamente escolhiam
um companheiro único, muitas vezes; mas ele frequentemente partia atrás de
trabalho, pouco tempo depois, deixando mulher e filhos que não eram criados
apenas pela mãe biológica. Ajudavam nessa tarefa comadres, tias, avós e
vizinhas, numa espécie de maternidade informal e coletiva: todo mundo tomava
conta de todo mundo. As mulheres acostumaram-se, sem problema algum, a
criar os próprios filhos e os de seu marido com outras mulheres, tanto quanto os
filhos de outros homens com outras mulheres. “O que importava era a rede de
solidariedade estabelecida entre a mulher e a sua prole”19.

18
https://super.abril.com.br/historia/o-lado-feminino-do-brasil-colonial-a-vida-das-mulheres-no-seculo-
xvi/
19 Explica a historiadora Mary Del Priore, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,

da Universidade de São Paulo. Estudiosa dos assuntos femininos do presente, Mary Del Priore
mostrou que a mulher brasileira tem nada menos de 300 anos — ou seja, os seus hábitos atuais
e maneira de ser foram moldados, na verdade, a partir do século XVI. é professora e
pesquisadora da USP, dá aulas regulares como convidada na Universidade de Sorbonne, em
Paris, e seu trabalho, hoje, tornou-se referência importante para o movimento feminino no Brasil.

15
Isso aconteceu justamente durante o conflito entre os colonizadores
portugueses e a sociedade inicial do Brasil. Antes de mais nada, é preciso dizer
que os primeiros brasileiros certamente tinham regras sociais, com deveres e
direitos muito claros, ditados pela própria comunidade. E eram boas regras: ser
boa mãe e mulher, por exemplo, incluía a obrigação de tomar conta das crianças
de toda a comunidade. O problema é que os portugueses eram ignorantes, por
assim dizer, do ponto de vista da antropologia. Não estavam acostumados e não
compreendiam aquelas normas — e pretendiam impor os seus próprios padrões
de conduta, em lugar dos que existiam no país. Queriam “colocar a casa em
ordem” e logo perceberam que uma forma de fazer isso era instituir o casamento
“à europeia”. A partir daí, a Igreja e o Estado passaram a remodelar o papel da
mulher naquela sociedade, tentando convencer a população das vantagens do
casamento, mas começaram instituindo proibições de todos os tipos,
determinando o que era “certo” e o que era “errado” para uma “mulher direita”.
Um recurso bem prático usado então eram as altas multas que o Estado cobrava
pelos concubinatos, em contraposição ao baixo preço dos casamentos
celebrados pela Igreja.20
A campanha do “certo” e do “errado”, porém, era mais profunda. Basta
ver que no Brasil de 1650 não existiam tabus como o da virgindade obrigatória
até o casamento. Quebrado em tempos modernos, esse tabu ainda estava por
nascer em 1600, e até o século XVIII era difícil achar alguém que se casasse
sem antes ter tido relações sexuais, mas o motivo era bem diferente do atual, já
que naquela época, ter filhos era muito importante. A mulher precisava provar ao
homem que era fértil, engravidando antes do compromisso, uma regra
consentida por toda a comunidade — inclusive pela Igreja, desde que tudo
terminasse em casamento.
Vem daí, na verdade, a conhecida expressão “vá se queixar ao bispo”,
porque quando o noivo fugia, deixando a donzela grávida, ou já com filhos, esta
ia reclamar ao bispo, que então mandava alguém atrás do fujão. O casamento
era obrigatório mesmo se a mulher não desse filhos ao homem, na tentativa pré-
nupcial, no entanto vivia em separação de “cama e mesa”. Significava que o
marido podia repudiar a mulher, com a qual já não teria relações sexuais, se não

20
Historiadora Mary Del Priore é professora e pesquisadora da USP, dá aulas regulares como
convidada na Universidade de Sorbonne, em Paris, e seu trabalho, hoje, tornou-se referência
importante para o movimento feminino no Brasil.

16
quisesse, ficando autorizado, pelo menos em princípio, a ter filhos com outra.
Sua própria mulher, porém, estava obrigada a continuar fiel.
Esse tratamento desigual devia-se às ideias da época, segundo as
quais a falta de filhos era problema exclusivo da mulher; a infecundidade jamais
decorria do homem. Hoje, é claro, sabe-se que não é assim, mas no passado a
ciência médica avalizava cabalmente a opinião errada, disseminada por toda a
sociedade. E, com isso, a medicina ajudou a Igreja a incutir na mentalidade da
mulher tabus como o da virgindade e outros. A literatura contribuiu para essa
mudança radical de costumes, uma vez que a Igreja popularizou seus conceitos
de certo e errado por meio de folhetins, por exemplo — os quais, mais tarde,
dariam origem à literatura de cordel.
Além disso, surgiram os “manuais de confessionário”, onde até os
beijos eram qualificados. Havia beijos aceitáveis, intermediários e inaceitáveis
pela mulher direita. O beijo “com sensação de seda”, que se dava no nariz, não
era tão sério: purgava-se com cinco pais-nossos e cinco ave-marias, segundo os
manuais da Igreja. Muito mais grave era o beijo com “sensação de veludo”,
associado ao genital feminino, purgável de joelhos, após um rol muito maior de
orações. Em resumo: foi preciso modificar milhares de regras. E, o que é pior,
numa era de grande liberdade, em que os afetos e o namoro eram públicos,
aconteciam nos quintais, nas redes, nas festas religiosas.21
Então veio a Igreja dizendo que tudo isso era pecado. “Ela perseguiu
o cantar, o dançar, tudo o que era vida, qualquer exercício da libido” 22 As
relações sexuais, na visão dos teólogos, excluíam o prazer por ter uma função
escatológica: isto é, serviam para a salvação da alma por trazer crianças ao
mundo. Afirmavam que a única posição permitida era com o homem por cima, a
mulher por baixo. Afinal, imaginavam, as mulheres “enlouqueciam” em cima dos
homens. Alardeava-se também que a posição em que a mulher fica de quatro
dava origem a crianças aleijadas.
A própria paixão era combatida porque, supostamente, “botava o
casamento de ponta-cabeça”. Amor era um sentimento que se devotava
exclusivamente a Deus; ao marido, a mulher devia mera obediência, reverência

21
Historiadora Mary Del Priore é professora e pesquisadora da USP, dá aulas regulares como
convidada na Universidade de Sorbonne, em Paris, e seu trabalho, hoje, tornou-se referência
importante para o movimento feminino no Brasil.
22
IDEM

17
e temor. O marido, por sua vez, deveria sentir apenas piedade da esposa. Um
casamento nesses moldes, sem excitação ou afeto, era considerado ideal.
Indiretamente, então, reforçou-se o papel da prostituta na sociedade colonial. Ela
já existia, é verdade, quando os portugueses voltaram para a colonização. No
período posterior, porém, não havia situação intermediária: ou a mulher era “da
casa” ou era “da rua”. Ou era a “santa mãezinha” ou a “prostituta”, para quem
essa duplicidade ainda existe. “O arquétipo dessas duas mulheres ainda é muito
forte, na sociedade moderna” De qualquer forma, já não é tão difícil fugir à pecha
de mulher da rua, pois no passado nem ser casada resolvia: era preciso parecer
casada, ou seja, vestir-se, falar e portar-se como tal. Nada de decotes ou panos
diáfanos sobre os seios. Nada de mostrar os dedos do pé, muito eróticos. Nada
de perfume ou maquilagem. Era vaidade condenável tanto sorrir demais e
mostrar dentes bonitos, como sorrir de menos para não mostrar dentes ruins.
Ficar à janela era coisa de “mulher melancólica”.23
As prostitutas, por sua vez, foram afastadas do convívio com a
comunidade. Antes viviam como as outras mulheres, trabalhando em casa,
cuidando dos filhos e dos pais desvalidos. Depois, sofreram dura perseguição,
mas isso não impediu que fossem procuradas pelos homens em busca do prazer
e do divertimento vivamente desaconselhados dentro do lar. As prostitutas
dançavam, cantavam, vestiam roupas provocantes e, é claro, tinham relações
sexuais com a liberdade de sempre. As celibatárias também não eram aceitas.
Seu maior pecado era não terem filhos, que o Estado e a Igreja incentivavam
devido à necessidade de braços para a lavoura.
Elas se enquadravam em duas categorias: À primeira, pertenciam as
luxuriosas, que faziam tanto sexo que não tinham tempo para gerar filhos. À
segunda, as melancólicas, para as quais “tudo era tormento”, como diz um
documento da época. O texto acrescentava que essas mulheres degeneravam
num furor amoroso, que “as faz entregar-se a toda sorte de indecências, tanto
em seus atos como em suas palavras” Os castigos recomendados iam de
banhos frios à ingestão de ácidos, ou qualquer outra coisa que, no entender da
Igreja, pudesse acalmar o furor. Em casos mais graves, permitia-se até a

23
historiadora Mary Del Priore é professora e pesquisadora da USP, dá aulas regulares como
convidada na Universidade de Sorbonne, em Paris, e seu trabalho, hoje, tornou-se referência
importante para o movimento feminino no Brasil.

18
masturbação para evitar o pior: que a celibatária buscasse sexo fora do
casamento.
No entanto, seria errado concluir que esse novo modo de vida tenha
sido imposto sem que a mulher resistisse como podia. Na verdade, ela
entrincheirou-se no próprio lar — ao qual, em decorrência da nova “ordem”,
estava de certa maneira presa. Neste ambiente, ela foi adquirindo
conhecimentos muito específicos: sobre doenças, ervas curativas, o parto, o
aborto e, enfim, sobre o seu próprio corpo. Não admira que isso lhe tenha valido,
muitas vezes, a qualificação de “feiticeira” ou “bruxa”, pois esses conhecimentos
contrapunham-se aos dos médicos, em particular, e aos dos homens, em geral.
Mesmo porque, algumas das assim chamadas bruxarias eram poções para
conquistar os homens, fossem amantes desejados, ou maridos pouco fiéis. E
tanto mais atemorizantes porque se empregavam os mais terríveis ingredientes,
como pelos púbicos, suores, sangue menstrual, líquidos vaginais e assim por
diante. A disputa com os médicos era menos direta, talvez, mas nem por isso
menos intensa.
A figura da parteira fortaleceu-se, então, conferindo a essas mulheres
respeito e poder num momento em que o parto era fundamental, pois era
importante povoar a nação. Nesse campo, as parteiras concorriam com os
médicos, não raro vencendo as pelejas. Ao longo dos séculos, tudo mudou, e
aquela sociedade do passado, de uma forma ou de outra, não voltaria a existir.
Mas o futuro não foi imposto, apenas foi construído dentro do conflito e, pelo
menos em parte, o tiro saiu pela culatra — de claustro para as “megeras
domadas”, o lar transformou-se em território dominado pela mulher, quartel-
general de onde ela saiu, três séculos depois, para assumir novos espaços na
sociedade. “Analisando toda a história desta mulher colonial, não podemos ver
a brasileira como vítima – nós nunca fomos vítimas”, afirma com entusiasmo a
pesquisadora e historiadora Mary Del Priore.
Conseguiu, assim, levantar dados para provar, entre outras coisas,
que a divisão dos papéis femininos começou naquele período. “Até o final do
século XVII, a mulher exerceu todos os papéis simultaneamente. Hoje ela se
sente dividida, cheia de culpas e medos de ser a mãe, a esposa, a profissional,
a amante.” Entender por que se encontram nessa situação, ajudaria as mulheres
a assumirem novas posturas, voltando a ser inteiras, acredita a historiadora.

19
REFERENCIAS:
ADUREIRA, Ana Flávia do Amaral; BRANCO, Ângela Uchoa. Gênero,
sexualidade e diversidade na escola a partir da perspectiva de professores/as.
Temas psicol., Ribeirão Preto, v. 23, n. 3, p. 577-591, set. 2015.
ALMEIDA, Maria da Graça Blaya, et al. A violência Na Sociedade
Contemporânea. Porto Alegre 2010.
ALMEIDA, MARINA. Freud e a teoria da sexualidade. Instituto Inclusão Brasil.
2018.
AMARAL, Vera Lúcia. Psicologia da Educação. Sexualidade. Natal, RN:
EDUFRN, 2007.
ARAUJO, Maria de Fátima. Gênero e violência contra a mulher: o perigoso jogo
de poder e dominação. Psicol. Am. Lat., México, n. 14, out. 2008.
BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero: a construção de um campo
teórico e de investigação. Soc. estado., Brasília , v. 29, n. 2, p. 449-469, 2014.
BARUFALDI, Laura Augusta, e col. Violência de gênero: comparação da
mortalidade por agressão em mulheres com e sem notificação prévia de
violência. Ciênc. Saúde colet. 22 (9) Set 2017.
BASTOS, Denise; CRUZ, Izaura; DANTAS, Murilo. Gênero e sexualidade e
Educação. Universidade Federal da Bahia instituto de humanidades, artes e
ciências. 2018.
BÍBLIA DE ESTUDO DAKE. Versão Almeida e Corrigida. Comentários Finis
Jennings Dake. 1995.
BÍBLIA ON LINE BÍBLIA SAGRADA. Tradução João Ferreira de Almeida. Revista
e Corrigida. 1995.
BÍBLIA SAGRADA. Tradução Monges Beneditinos de Maredsous. 1960.
BÍBLIA SOFTWARE. VASQUEZ, Luis César C. Tradução João Ferreira de
Almeida. Revisada. 1967.
CANTARES DE SALOMÃO SÓ PARA CASAIS. 1ª Edição. Edição do Autor. São
Paulo. 1993
CARVALHO, Gomes Andréa Regina. Gênero e sexualidade na escola.
Sexualidade do Departamento da Diversidade do Núcleo Regional de Educação
de Francisco Beltrão - PR. 2013
COMPOSIÇÃO DO SÊMEN. Mandal, Dr. Ananya, DM MACIEIRA. Enciclopédia
Livre. Wikipedia.

20
COMPROMISSO. SANTOS, Pr. Fábio dos. CUATRECASAS, Alfonso. Erotismo
no Império Romano - Alfonso Cuatrecasas Targa; tradução de Graziela
Rodriguez. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos. 1997.
COSTA, Elis Regina; OLIVEIRA, Kênia Eliane. A sexualidade segundo a teoria
psicanalítica freudiana e o papel dos pais neste processo. Revista Eletrônica do
curso de pedagogia. Vol. 2 n. 11. 2011.
DALL´AGNOL, Rosângela de Sant´Anna. A sexualidade no contexto
contemporâneo: permitida ou reprimida?. Psic, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 26-31,
dez. 2003.
DARWIN, Charles (2003). A Origem das Espécies, no meio da seleção natural
ou a luta pela existência na natureza, 1 vol., tradução do doutor Mesquita Paul.
DESPRATS, Catharine & PÉQUIGNOT. A Psicologia da vida sexual. Editora
Papirus
FREUD, S. (1905). Trois essais sur la théorie de la sexualité. Paris, Gallimard,
1987. 95
FERRAZ, Maria Isabel Raimondoet. al.Cuidado de enfermagem a vítima de
violência doméstica. CogitareEnferm 2009 Out/Dez
FIAMONCINI, Andreia Aparecida; REIS, Margareth de Mello Ferreira.
Sexualidade e Gestação: Fatores que influenciam na expressão da sexualidade.
Revista Brasileira de Sexualidade Humana. RBSH 2018, 29(1); 91-102.
FIGUEIROA, Maria das Neves et al. A formação relacionada com a sexualidade
humana na perceção de estudantes de enfermagem. Rev. Enf. Ref. Coimbra,
v.serIV, n. 15, p. 21-30, dez. 2017.
FREUD, S. (2004). Pulsões e destinos da pulsão. In L. A. Hanns (Ed. e Trad.)
Obras Psicológicas de Sigmund Freud:Escritos sobre a psicologia do
inconsciente (Vol. 1, pp. 133-173.). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado
em 1915)
FREUD, S. (2006). Além do princípio de prazer. In L. A. Hanns (Ed. e Trad.).
Obras Psicológicas de Sigmund Freud:Escritos sobre a psicologia do
inconsciente (Vol. 2, pp. 123-198). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em
1920).
FREUD, S. A sexualidade na etiologia das neuroses, 1898. Rio de janeiro:
Imago,1898.

21
HANNS, Luiz Alberto. Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro:
Imago, 1996
HOSPITAL ALBERT EINSTEIN INTIMIDADE NO CASAMENTO. Penner,
Clifford e Joyce. 2002.
LAMANNO, Vera Lúcia. Relacionamento Conjugal. Summus Editorial
LARA, Lúcia Alves da Silva. Sexualidade, saúde sexual e Medicina Sexual:
panorama atual. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro, v. 31, n. 12, p. 583-
585, dezembro de 2009.
NUNES, CÉSAR APARECIDO. Desvendando a Sexualidade. Câmera Brasileira
dos Livros. São Paulo 2005.
PEQUENA ENCICLOPÉDIA BÍBLICA. BOYER, Orland Spencer. 1978.
PRAUN, Andrea Gonçalves. Sexualidade, Gênero e Suas Relações de Poder.
Revista Húmus - ISSN: 2236-4358. Abr. 2011.
PRIORE, Mary Del. A Carne e o Sangue. A Imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I
e Domitila, a Marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2012.
PRIORE, Mary Del. Beije-me onde o Sol não alcança, Editora Planeta do Brasil,
2015.
PRIORE, Mary Del. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense,
1994.
PRIORE, Mary Del. História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
PRIORE, Mary Del. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.
PRIORE, Mary Del. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.
PRIORE, Mary Del. Histórias Íntimas. Sexualidade e Erotismo na História do
Brasil. São Paulo: Editora Planeta, 2011.
SÁ, Beatriz Yolanda Pontes de Gusmão. Corpo, gênero, sexualidade e a
construção social dos indivíduos. REIA- Revista de Estudos e Investigações
Antropológicas, ano 3, volume 3(2):10-19, 2016

22

Você também pode gostar