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Janaina Ramos

A HISTÓRIA DA MONOGAMIA

São Paulo
2023
A monogamia não é natural da humanidade. No início, na época
da pré-história, as pessoas eram nômades, se adaptavam ao meio
ambiente, viviam da caça, pesca e do que estava disponível na
natureza. Com o passar do tempo, as pessoas pré-históricas
começaram a dominar e explorar a natureza, logo, a descoberta e o
controle do fogo foi o primeiro passo. Em seguida surgiu a agricultura.

As pessoas da época pré-histórica perceberam que não iriam


sobreviver sozinhas, então, passaram a se unir com outras pessoas e
assim surgiram as primeiras sociedades em que passaram a viver em
grupos para sobreviver, compartilhar experiências e formação dos
ritos religiosos. Tudo era compartilhado com o grupo incluindo
comida, pertences, criação e proteção das crianças.

Enquanto a humanidade foi nômade em que se deslocavam de


um lugar para outro cujas condições variavam entre clima, caça e um
ambiente em que podia ser seguro sobreviver, a sociedade era livre
de rótulos. Percebe-se que nesse período pré-histórico a humanidade
não tinha tempo para pensar em mais nada além da própria
sobrevivência. Logo, não havia rótulos nos relacionamentos porque
as pessoas pré-históricas simplesmente se relacionavam entre si
livremente e cada pessoa era livre para se relacionar com quem
quisesse.

O que quero dizer é que no início da humanidade as pessoas


pré-históricas eram não monogâmicas, mesmo que não rotulassem
relacionamentos e nem sentimentos, portanto, se relacionavam
livremente sem rótulos ou posse. Nenhuma pessoa era dona de
ninguém, dentro do grupo cada pessoa cuidava da outra pessoa e
não havia posse sentimental. Tudo por conta da sobrevivência!

A partir do momento em que as pessoas começaram a praticar


o cultivo da agricultura que assumiram uma vida mais sedentária,
porque não era mais necessário o deslocamento de um lugar para
outro em busca de caça e comida. E como já tinham dominado o
fogo, era mais fácil se proteger do frio. Consequentemente, como
decidiram permanecer em um mesmo lugar, surgiu a posse da terra
e assim começaram a denominar as coisas.
Com o surgimento da agricultura marcou o início da Antiguidade
em que começou a surgir a civilização com os seus costumes e regras.
Foi nesse período em que também surgiu a escrita,
consequentemente, a possibilidade de denominar as coisas e
documentar os fatos. A invenção da escrita no período da
Antiguidade, aproximadamente 4.000 a.C., foi uns dos recursos em
que a humanidade se utilizou (e ainda utiliza até os dias atuais) para
se comunicar com outras pessoas. Por meio da escrita em que são
ditadas as regras da sociedade.

A vida de qualquer sociedade é de acordo com as regras e


costumes do grupo a que pertencem. A partir do momento em que
as pessoas pré-históricas deixaram de ser nômades através do cultivo
da agricultura e assim passaram a criar raízes, se deu o marco dos
primeiros povos civilizatórios na Antiguidade. Foi a oportunidade para
as pessoas no período da Antiguidade construírem as suas casas e
assim surgir as primeiras cidades.

Fato interessante a se observar era que se antes tudo era


compartilhado na Pré-História e não havia posses, já na Antiguidade
era totalmente diferente. Quando a humanidade começou a ter o
domínio da terra, consequentemente, a posse da terra, houve a
preocupação em garantir a posse de seus bens conquistados após a
morte da pessoa. E assim surgiu a monogamia com a formação da
família e os laços afetivos. Consequentemente, se determinava o
relacionamento entre duas pessoas para garantir que os bens
continuassem na mesma família.

Então, na Antiguidade as primeiras sociedades surgem com as


famílias em que cada família tinha a sua casa e posse de terra com o
cultivo da agricultura. As cidades (aldeias) foram se formando quando
diferentes famílias ocupavam o mesmo território, e assim,
posteriormente, cada território era denominado. Pois, com a escrita,
era possível dar nome às coisas, costumes, pessoas, sentimentos,
cidades, comunidades…

A primeira civilização que conhecemos é a Mesopotâmia, e


desenvolveu-se entre os vales dos rios Tigre e Eufrates, que deve ter
ocorrido aproximadamente por volta do ano 5.000 a.C. Atualmente,
o território da Mesopotâmia é onde fica a Síria e o Iraque, no Oriente
Médio. Os povos da Mesopotâmia que mais se destacaram foram os
sumérios, acádios, amoritas, assírios e caldeus. Porém, esses povos
não se identificavam como “mesopotâmicas” ou “mesopotâmicos”,
pois, a palavra “Mesopotâmia” foi criada pelos povos gregos para
identificar a civilização que vivia entre os rios Tigres e Eufrates.

Foi na Mesopotâmia que aconteceram o desenvolvimento da


agricultura e a criação/domesticação de animais. Com o crescimento
das aldeias que foram surgindo as primeiras cidades com as grandes
construções de templos religiosos, casas, prédios públicos, ruas,
pontes e palácios.

Com a formação das famílias, na Mesopotâmia as pessoas com


o mesmo parentesco com parte de sangue viviam sob o mesmo teto,
seja se fosse filha/filho, mãe/pai, tia/tio, prima/primo, avó/avô.
Porém, essa composição familiar mudou por volta de 2.000 a.C. em
que se passou a morar no mesmo teto os familiares mais próximos
como mãe/pai e filha/filho. Destaca-se nesse ponto que a monogamia
já predominava nos costumes da sociedade mesopotâmica, mesmo
que não houvesse o nome “monogamia”.

Junto com a posse da terra surge o egoísmo da humanidade.


Se antigamente na pré-história tudo era compartilhado e dividido,
fato não aconteceu mais desde a Antiguidade. Naturalmente e com o
tempo foi surgindo a desigualdade social e econômica em que
algumas pessoas tinham mais posse e poder que outras pessoas
menos favorecidas.

Um fato que serve como curiosidade é que os povos


mesopotâmicos tinham diversas/diversos deusas/deuses, sendo que
a maioria das/dos deusas/deuses eram relacionados à natureza.
Lembra que eu te disse em relação ao surgimento da
desigualdade econômica e social? Tudo por causa da formação da
família para que os bens materiais continuassem na própria família.
Junto com a desigualdade econômica e social há pessoas que têm
mais poder, e nos tempos da Mesopotâmia quem mais tinha poder
era o rei. Logo, quando um rei morria quem assumia o seu lugar era
o seu filho. Afinal, a desigualdade não era somente econômica e
social, mas também de gênero sexual, pois nos tempos
mesopotâmicos temos conhecimentos de reis governando ao invés de
rainhas.

Diz a lenda que houve uma rainha no período da Mesopotâmia,


tal fato não é comprovado, o nome dela é Ku-Baba, que deve ter
vivido por volta de 2.500 a 2330 a.C. Mas, tiveram mulheres que se
destacaram nesse período, tais como a Enheduana que foi
considerada a primeira escritora conhecida da história e que ocupou
o cargo de uma sacerdotisa. Os seus escritos se referem acerca das
deusas/deuses mesopotâmicas/mesopotâmicos.

No período da Mesopotâmia as mulheres ocupavam as funções


de cantoras, harpistas, dançarinas, camareiras, cozinheiras, escribas
e outras funções que incluíam a agricultura e a tecelagem da lã.
Alguns registros da época mostram que as mulheres também
ocupavam atividades de construção. As mulheres da elite
mesopotâmica podiam ler e escrever. As esposas dos reis possuíam
responsabilidades diplomáticas e políticas, mas eram impedidas de
exercer funções legais referentes ao reinado; elas eram conhecidas
por escrever poesia. Entretanto, as mulheres dos comerciantes
tinham autonomia na parte comercial e suas atividades não se
limitavam somente aos afazeres domésticos, pois possuíam um certo
tipo de liberdade.

A partir do momento em que o sedentarismo entrou, as pessoas


na Antiguidade foram se adaptando com os afazeres domésticos e
outros serviços referentes à época, tais como o cultivo da agricultura.
Entra em cena o patriarcado com o homem assumindo o poder e as
relações monogâmicas para garantir os bens materiais na própria
família. Curioso era que nesse período era obrigatório que as
mulheres fossem monogâmicas, enquanto tal exigência não era
obrigatória aos homens, tanto que era permitido aos homens terem
relações extraconjugais e até mais de uma esposa. Curioso que a
monogamia favorece mais os homens do que as mulheres desde a
Antiguidade!

Porém, a partir de 2.000 a.C. as mulheres mesopotâmicas foram


perdendo mais espaço porque o patriarcado foi pegando mais força.
Verifica-se que as deusas foram perdendo as influências. E cada vez
mais a mulher era mais submissa ao homem, cabendo somente à
maternidade e afazeres domésticos. De acordo com o Código de
Hamurabi se destaca que a mulher deve se submeter ao homem, que
começa primeiro na obediência ao pai e depois ao marido.

Nota-se que junto com a sociedade patriarcal a monogamia foi


controlando a mulher e ditando os seus comportamentos, isso dizia
respeito até mesmo à sexualidade feminina que era restringida.
Enquanto os homens eram livres sexualmente, porém, só eram
proibidos de terem relações sexuais com esposas de outros homens.
Se a mulher tivesse amante fora do seu casamento, corria o risco de
ser penalizada com a própria vida. Vemos então que o feminicídio
existe desde os tempos da Antiguidade!
Vimos a formação da civilização, para garantir que as pessoas
se comportassem na sociedade regras foram criadas e escritas para
serem seguidas. E assim as leis foram criadas com o propósito de
organizar melhor a sociedade de acordo com os costumes das
pessoas da época. Essas leis ditavam o que era certo ou errado, de
acordo com orientações religiosas e culturais.

A escrita mais antiga do mundo é considerada a escrita suméria.


Antes da escrita surgir tinham de recorrer à memória das pessoas e
confiar na boa fé das pessoas para cumprir os combinados
principalmente quando envolvia pagamentos. Por essa razão que
inventaram a escrita para garantir que os acordos fossem cumpridos.
Posteriormente, a partir de 3.000 a.C. a escrita serviu para registrar
leis, doutrinas religiosas e outras funções.

Percebe-se que os povos mesopotâmicos foram os primeiros


povos a usufruir da escrita, usavam a argila e metal em forma de
cunha; tempos depois esse instrumento ficou conhecido como escrita
cuneiforme. Inclusive, na Mesopotâmia em que surgiram as primeiras
leis escritas, cujo código ficou conhecido como Código de Hamurabi,
que foi criado pelo próprio rei da Babilônia, Hamurabi, que comandou
entre 1728 a 1686 a.C. ou 1792 a 1750 a.C.

Você deve já ter ouvido a expressão: “Olho por olho, dente por
dente”. Pois bem, essa famosa frase fazia parte do princípio de Talião
cujas normas estavam no Código de Hamurabi. O termo “princípio”
se deve para que as leis fossem seguidas e cumpridas, senão teriam
penalidades severas para quem as infringissem. O Código de
Hamurabi, considerado como o mais antigo código de leis, foi criado
de acordo com os costumes de vida da sociedade mesopotâmica,
abordava questões referentes a crimes, comerciais, casamento,
herança e outros interesses do povo mesopotâmico. As primeiras leis
tinham o objetivo de punir.

Vê-se que para se viver em sociedade desde os tempos da


Antiguidade devia seguir normas e costumes que eram regidos por
leis. Se na Pré-História a humanidade era mais livre para agir e se
relacionar, e também mais unida, na Antiguidade a liberdade era mais
limitada principalmente para as mulheres. A justificativa era para o
bom convívio na sociedade, já que podiam simplesmente viver ao
invés de lutar pela sobrevivência.

Cada sociedade é formada pelos costumes, hábitos e culturas.


E vemos como foi se formando a sociedade mesopotâmica na
Antiguidade marcado pelo sistema patriarcal e a monogamia, já que
as pessoas se casavam com o propósito de se reproduzirem para
assim garantir os bens materiais na família.

Durante o período da Antiguidade, no Egito Antigo, surge uma


grande figura histórica bíblica, conhecido como Moisés, que foi
intermediário de um código de leis religiosas que ainda é influente até
os dias de hoje: “Os 10 Mandamentos”. Inclusive, a escrita no Egito
Antigo foi caracterizada pelo hieróglifo com símbolos e desenhos.

Citei a civilização mesopotâmica, mas, na Antiguidade outras


civilizações existiram que ocuparam as regiões da Europa, Ásia e
África. A nossa cultura brasileira tem influências dos costumes
advindos da história da Mesopotâmia na Antiguidade através do
sistema patriarcal e a monogamia. Porém, no Egito Antigo, que foi
também uma sociedade patriarcal e monogâmica, as mulheres
tinham um pouco mais de poder em relação às outras sociedades da
Antiguidade, com destaque para a Rainha Cleópatra que é uma
grande figura histórica. E ao longo da Pré-História e Antiguidade
logicamente que houve outras civilizações com as suas histórias,
culturas e tradições, mas, dei destaque para Mesopotâmia onde teve
o surgimento da escrita.
O período da Antiguidade se encerra com a queda do Império
Romano no ano 476 e se dá início a Idade Média. Foi no período da
Idade Média que o Cristianismo pegou força e assumiu o poder
durante séculos. A Idade Média marcada pelo feudalismo junto com
o poder religioso que controlava as vidas das pessoas incluindo as
relações humanas.

A monogamia junto com a heteronormatividade pegou mais


força na Idade Média, sendo que a homossexualidade era condenada.
Se, na Grécia Antiga a homossexualidade era vista como uma prática
pedagógica com o intuito de um homem mais velho passar os seus
ensinamentos para o mais jovem. Diferente na Idade Média em que
práticas homossexuais eram condenadas e consideradas como
“sodomia”.

A Igreja Católica desde os primórdios de sua existência sempre


condenou a homossexualidade, considerando como um pecado. No
tempo da Inquisição na Idade Média a homossexualidade podia ser
penalizada com tortura, prisão e até mesmo com a morte na fogueira.
Aliás, até as mulheres que assumissem um papel de liderança e eram
contrárias às ideias da época eram consideradas como bruxas sendo
queimadas vivas na fogueira.

Fato não se diferenciava em relação aos relacionamentos


amorosos. Diziam as más línguas que havia "cinto de castidade" para
as mulheres usarem no período da Idade Média, imposição ditada
pela Igreja Católica; mas, tal fato pode ter sido uma invenção do
Renascimento. A verdade é que a Igreja Católica controlava as
relações sexuais das pessoas casadas no matrimônio sagrado (relação
homem-mulher) sendo que o ato sexual devia ser com roupas e com
único propósito de procriação. Logo, a Igreja Católica via o sexo junto
com o prazer sexual como pecado fora do propósito de reprodução
humana.

Ainda bem que vivemos em uma época de "liberdade sexual"


em que autoridades religiosas não limitam os nossos atos sexuais.
Imagine ter relações sexuais só para garantir a continuidade da
humanidade. Contudo, mesmo no século XXI em alguns lugares,
principalmente no Oriente Médio, a religião ainda controla a vida das
pessoas com mais restrições de liberdade para as mulheres.

Retornando à Idade Média, a única posição sexual permitida era


o famoso "papai/mamãe" em que o homem fica em cima da mulher.
Diante desse ato sexual, o homem assume o papel de controle e a
mulher figurando um papel de submissão. Olha aí a monogamia mais
uma vez dizendo como a mulher pode se comportar. Detalhe, era
pecado explorar outras posições sexuais e era inadmissível que a
mulher ficasse em cima do homem no ato sexual, afinal, a mulher da
época não podia ter poder muito menos na sua cama. E era
extremamente proibido o sexo por prazer!

Diga-se de passagem, que quando surgiu a monogamia


também surgiu o adultério e as relações extraconjugais. Afinal, como
vimos anteriormente, a humanidade não é monogâmica! Na Idade
Média a mulher pertencia ao seu marido incluindo o próprio corpo e
alma. Se a mulher traísse o marido, o "traído" podia matar a "esposa
adúltera" junto com o seu amante. Outra marca de feminicídio na
história da humanidade e desta vez com a autorização da Igreja
Católica.

Como disse acima, a homossexualidade era condenada, logo,


pessoas do mesmo sexo não podiam ter relações sexuais. Essa
condenação podia até ser fatal pagando com a própria vida. Até
mesmo a masturbação era considerada pecado, mas, a punição era
mais leve podendo ser trinta dias de orações ou prática de jejum.

Percebemos então que a sociedade possui a própria cultura e


história, controlando o comportamento das pessoas e limitando as
suas ações, principalmente quando se diz respeito à sexualidade e ao
prazer sexual. Pois, na Idade Média não era permitido sentir prazer
sexual.

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