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ENTENDENDO A BÍBLIA

texto diverge entre os traduto-

Madalena
res. Alguns entendem que Maria
era o nome da irmã de Maria,
a mãe de Jesus. Outros dizem
que Maria era também o nome
de uma irmã de Jesus, tradição
anotada por Epifânio2. Também
os apócrifos sobre Maria afirmam

e JESUS
que Maria, a mãe de Jesus, teve
outra irmã, de nome Maria, que
se tornou a esposa de Cléofas,
informação também anotada
em João 19,25. Na verdade, três
Marias são importantes na vida
de Jesus: a Sua mãe, Sua irmã

Amor preferencial
e Sua companheira. O último
apelativo refere-se a Maria Mada-
lena. Madalena seria a esposa ou
companheira de Jesus. O termo

e integrador
grego usado koinonos se refere a
coito. Assim, Madalena, além de
esposa, era mãe e irmã de Jesus.
Não estaríamos falando de uma
mesma mulher em três arquéti-
pos? Jean-Yves Leloup (1950-)
afirma: “No cristianismo, não

P
existem verdadeiras mulheres,
ara a relação entre Ma- mas virgens, mães e prostitu-
ria Madalena e Jesus, a tas... Se as mulheres é que fazem
tradição apócrifa gnósti- os homens, poderíamos tirar a
ca conservou conceitos, conclusão de que também não
no mínimo, controvertidos. A existem verdadeiros homens;
comunidade de Filipe assim apenas, meninos, bons papais ou
descreve: “Eram três que acom- tarados sexuais. A reabilitação da
panhavam sempre o Senhor: personagem Miryam de Mágdala
sua mãe Maria, a irmã dela, e ao lado de Ieschua de Nazaré
Madalena, que é chamada de sua poderia contribuir para que,
companheira. Com efeito, era hoje em dia, homens e mulheres
‘Maria’ sua irmã, sua mãe e sua viessem a realizar o anthropos
consorte’1. O entendimento desse em plenitude”.3
No evangelho de Maria Mada-
lena, Pedro reconhece que Jesus
amava Madalena diferentemente
das outras mulheres (MM 10,1-3).
Ele pergunta apavorado: “Será
que Ele verdadeiramente a es-
colheu e a preferiu a nós?” (MM
17,20). Levi, na defesa de Mada-
lena, e reconhecendo que ela era
a amada do Senhor, dá um puxão
de orelha em Pedro, quando lhe
diz: “Pedro, tu sempre um irascível.
Vejo-te agora te encarniçar contra a
Aparição de Cristo à Maria Madalena após mulher, como o fazem nossos ad-
a Ressurreição, 1835, Alexander Ivanov versários. Pois bem! Se o Mestre

O OMMe n
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Junho de
de 2014
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ENTENDENDO A BÍBLIA

tornou-a digna, quem és tu sexualidade, não necessariamente Esse modo de explicar o fato do
para rejeitá-la? Seguramente, genital. Para os gnósticos, a união beijo não tem o objetivo de suavizar
o Mestre a conhece muito entre o masculino e o feminino era nossa visão “puritana” e “negativa”
bem... Ele a amou mais que a vista em uma esfera espiritual de do corpo e dizer que o beijo entre
nós”4. No evangelho de Filipe, superação da divisão corpórea. Jesus eles era simbólico. Outras explicações
outra informação surpreende e Madalena eram vistos como exemplo são possíveis. O que devemos com-
os ouvidos menos avisados: dessa integração. O beijo entre eles é preender é que, nos apócrifos, Jesus
“A companheira de Cristo é a expressão desse desejo espiritual. é visto como um homem que ama
Maria Madalena. O Senhor Por isso se diz que o beijo comunicava uma mulher, como todos os homens
amava Maria Madalena mais o saber. Beijo, em hebraico nashak, de seu tempo. Onde está o erro nis-
que todos os discípulos, e a significa ‘comunicar o mesmo sopro, so? Jamais Jesus teria proibido essa
beijava na boca repetida vezes. o hálito de vida, e respirar junto’. Um relação humana e divina. Poderia até
Os discípulos lhe disseram: ‘Por se transformava no outro. Madalena ter dito que alguns, para se dedicarem
que a amas mais que a nós?’ O podia transmitir os ensinamentos do de forma integral ao Reino, optam pela
Salvador respondeu dizendo: Mestre/Amado. O texto até sugere vida sem relação sexual. Não duvido
‘Como é possível que eu não uma relação amorosa, mas não temos que isso seja possível. Por outro lado,
vos ame tanto quanto a ela?’” como afirmar isso, mesmo que nossa não podemos negar o corpo. A sexuali-
(p. 63,34-64,5)5. O apócrifo imaginação sugira tal evidência. dade está em todos nós. O Eros precisa
Perguntas de Maria6 e outros ser despertado sempre em nossas
escritos da época revelam que relações. Jesus soube fazer isso. Não
certos gnósticos admitiam que necessariamente de forma genital.
Madalena era amante, parceira Assim, acredito no amor entre Jesus
sexual ou esposa carnal de Je- e Madalena. Um amor que integra tudo
sus. Opinião considerada exage- em todos. Um amor puro e gratuito. Um
rada, a qual vem contestada em amor sublime e humano, assim como
Pistis Sophia. Esses textos nos o amor de Francisco (1182-1226) e
colocam, inevitavelmente, na Clara de Assis (1193-1253).7
discussão em torno da relação
matrimonial entre Jesus e Ma- Referências
dalena. A discussão sobre essa 1
GENO, Pampolini. Vangelho de Filippo. La
temática tem-se ampliado nos Fatica della Storia; I vangeli apocrifi, Turim:
últimos decênios. Muitas hipó- Einaudi, 1990. p. 517.
2
Cf. Adv. Haer. 78,8. Citado por: Sebastiani,
teses têm sido levantadas. O que Lilian. Maria Madalena: de personagem do
dizer de tudo isso? Com certeza, evangelho a mito de pecadora redimida.
a dúvida vai permanecer para Petrópolis: Vozes, 1995. p. 57.
3
LELOUP, Jean-Ives. Jesus e Maria Madalena:
sempre. Dos evangelhos canôni- para os puros, tudo é puro. Petrópolis:
cos, decorrem que Jesus estava Vozes, 2007. p. 15.
muito próximo das mulheres,
4
Idem. Evangelho de Maria: Miriam de Mágda-
la. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 39. p. 18, 7-14.
desprezadas pelas correntes 5
Ménard, Jacques E. L’Évangile selon Phili-
machistas da sociedade judai- ppe: introduction, texte, traduction e
ca. Jesus foi humano com elas, commentaire. Strasbourg, 1967, p. 67.
6
PiÑero, Antonio. O outro Jesus segundo os
mostrou paixão para com Marta evangelhos apócrifos. São Paulo: Paulus/
e Maria, libertou Madalena da Mercuryo, 2003. p. 113.
possessão etc. Os evangelhos
7
Cf. o comentário ao Evangelho de Maria
Madalena em nosso livro: As origens apócri-
apócrifos descortinam um Jesus fas do cristianismo: comentário aos evan-
que não só está próximo das gelhos de Maria Madalena e Tomé. 2 ed. São
mulheres, mas as ama com sua Paulo: Paulinas, 2004.
Maria Madalena, 1616, Guido Reni

Frei Jacir de
Freitas Faria, OFM
Arquivo pessoal

Escritor e mestre em
Ciências Bíblicas pelo
Pontifício Instituto
Bíblico de Roma
www.bibliaeapocrifos.com.br

O OMMe n
e ns saagge ei irroo ddee SSaannttoo AAnn tt ôô n i o O Mensageiro de Santo Antônio
56 Junho
Junho de
de 2014
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