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REVISTA DA SOCIEDADE DE

PSICOLOGIA DO RIO
GRANDE DO SUL

S E Ç ÃO 1 | A r t i g o s

O fascismo através da óptica psicológica: uma


revisão bibliográfica da estrutura
Fascism through the psychological perspective: a
bibliographical review of the structure

Eduardo Schmitz de Souza1, Angela Maria Freitas2 e Luciana Maccari Lara3

Resumo: O presente trabalho visa elucidar Abstract: The present work aims to elucidate the
o termo fascismo bem como vincular teorias da term fascism as well as link psychology theories in
psicologia a fim de esclarecer o porquê e como o order to clarify why and how movement influences
movimento influencia o indivíduo. O método utilizado the individual. The method used was a literature
foi uma revisão bibliográfica. A seleção dos artigos foi review. The selection of articles was decided from
decidida a partir do livro Como funciona o fascismo: the book “How fascism works; the policy of “we”
a política do “nós” e “eles”. A partir de cada um dos 10 and “they” ”from each of the 10 pillars provided in
pilares fornecidos no livro foi atribuído um viés teórico the book a theoretical bias within psychology was
dentro da psicologia, e escolhido um ou mais de um chosen by one or more than one theorist to justify
teórico para justificar cada pilar. Foi elaborado um each pillar. A flowchart was elaborated that explains
fluxograma que explica a estruturação do fascismo, a structure and how fascism is established, together
juntamente com uma tabela na qual constam as with a table which contains the theories used to
teorias usadas para sustentar e preparar o presente support and prepare this manuscript. The results
manuscrito. Os resultados encontrados não apenas found are not only relevant, but also helped to
se mostram relevantes, mas também contribuíram better understand why and how fascism manifests
para uma melhor compreensão do porquê e como itself, not only that or why individuals enter the
o fascismo se manifesta. Contribuem também para ideology and how they behave once they are
uma reflexão sobre por que indivíduos adentram a committed to it.
ideologia e como se comportam uma vez que estão
comprometidos nela. Keywords: Ideology; Psychoanalysis; Fascism.

Palavras-chave: Ideologia; Psicanálise; Fascismo.

1 
Acadêmico Curso de Psicologia - Centro Universitário Cenecista de Osório (UNICNEC). E-mail: duduschmitz@gmail.com
2 
Psicóloga, Doutorado em Ciências da Saúde - Ênfase em Neurociências - PUCRS. Docente no Curso de Psicologia (UNICNEC).
E-mail: freit2008@yahoo.com.br
3 
Psicóloga;psicanalista membro pleno da Sigmund Freud Associação Psicanalítica. Mestre em Filosofia pela UNISINOS. Membro
efetivo da Sociedade de Psicologia do RGS. E-mail: lucianamlara@gmail.com

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Introdução conceitos de nação e de uma raça superior, sendo por assim dizer, uma polí-
tica que se baseia nos valores morais, nacionais e individuais e tendo como
O contexto sócio político atual requer uma aproximação às teorias da representante de governo do Estado-nação um líder autocrático, centralizado
psicologia na compreensão do fascismo em sua relação com a psique e o na figura de um déspota e/ou ditador. Já para Konder (2009) fascismo é,
comportamento humano. Por esta razão, é de suma importância que essas primordialmente fruto do capitalismo e tendo como expressão política o
discussões se deem a fim de compreender como o conceito de “fascismo”tem domínio dos povos e a reiteração das opressões sociais que se fundam desde
sido discutido pelo campo psi. o período imperialista.
Este fenômeno ideológico e multifatorial do fascismo pode ser abordado
em diversas formas e áreas da psicologia através da teoria clínica contempo- O sentido concreto da ideologia é, portanto, mais amplo do que o
rânea, que atravessada pela construção teórica da psicanálise, já nos enuncia seu conceito rigoroso. Isso quer dizer simplesmente - de um modo
a necessidade de trazer à tona essa questão para o campo da psicologia.
aparentemente tautológico - que no ser social não pode-se dar
Diante deste contexto, a obra chave para a construção deste artigo será nada cujo nascimento não seja determinado de maneira decisiva
“Como funciona o fascismo”, de Jason Stanley (2019), o qual é autor da teoria
também pelo próprio nascimento (Konder, L. 2002, p.6).
dos 10 pilares.
Nesta obra, identificamos os 10 pilares que compõem as estruturas do E é com esta citação que iniciamos a discussão do fascismo, pois o
governo totalitário chauvinista do fascismo, sendo estas causadoras de mazelas mesmo tem muito a falar do seu nascimento. Konder (2009) em “Introdução
sociais e angústia. O estudo das fantasias inconscientes implicadas na obedi- ao fascismo” disserta acerca da origem do mesmo, e descreve. “... o fascismo
ência a um dado poder arbítrio são fundamentais, na interlocução com os 10 nunca se empenhou seriamente em desenvolver com rigor e coerência uma
pilares de Jason Stanley, como contribuição para a compreensão do fascismo. determinada linha de reflexão filosófica.” (p.11). Entende-se então fascismo
como filosofia e ideologia de diversas ideias, normalmente da ala direita
política, descentralizadas politicamente em prol de um ponto em comum, e
Ideologia, fascismo e neo-fascismo
moldada continuamente através da práxis de seus apoiadores. Não apenas
O presente manuscrito não visa a ampla discussão do termo ideologia, isso: o fascismo tem como base primária o chauvinismo.
mas, solidificar bases para uma discussão. Lukács(1978) propõe definições O neo-fascismo já tem bases mais diversas, as quais vamos trabalhar
que se fazem necessárias a respeito da gênese deste conceito: mais adiante. Por hora, a principal característica do Neo-fascismo é a guerra
cultural que começou a ser instaurada no século 19.
A gênese destas ideologias pressupõe estruturas sociais nas quais
operam grupos diversos e interesses contrapostos, que tendem a Mas a pouca seriedade teórica dos fascistas não significa que não
se impor como interesse geral da sociedade inteira. Em suma: o tenham antepassados no plano intelectual: em diferentes níveis
nascimento e a difusão das ideologias são o contato geral da so- e de diferentes modos eles buscam e encontram armas ideológica
ciedade de classe (Lukács, 1978, citado por Costa, G. M. 2006, p 5). em algumas figuras ilustres da cultura oitocentistas e novecentistas
e seria inútil (e suspeito) tentar negar todo e qualquer comprome-
O autor faz uma alusão ao manifesto comunista e sua luta de classe - não timento no crime por parte de tais figuras (Konder, L. 2002, p.60).
à toa pois os manuscritos e o autor o são. E é sobre a ótica da luta de classes
que as ideologias singulares surgem, difundirem-se e adquirirem autonomia É aqui que começa o neo-fascismo, trespassando a cultura popular atra-
dentro do microcosmo social. vés dessa guerra cultural e trespassando novamente o capitalismo desenfreado.
Quando consumimos um filme ou uma música estamos consumindo parte
Os interesses são, decerto, por força das coisas determinados pela da cultura e aos poucos moldando a cultura ao redor do nosso microcosmo.
estrutura social, mas tais determinações podem se tornar o motor Consolidamos, assim, parte da ideologia impregnada que vem através deste
da práxis somente quando os homens singulares vivam estes produto cultural estrangeiro.
interesses como seus próprios interesses e tendam a afirmá-los Eis que enraiza-se o perigo quando o que é de fora tem mais valor, pois
já é consumido como “uma cultura superior” à de quem consome. Isto ficará
no quadro das relações para eles vitais com os outros homens
mais claro quando falarmos acerca do nono pilar de funcionamento o fascismo.
(Lukács, 1978, citado por Costa, G. M. 2006, p.5).

Porém, para que estas ideologias se solidifiquem, é necessário um Os 10 pilares de Jason Stanley
movimento contínuo e sistemático de integração de seus pressupostos ao
dia a dia do indivíduo, o que pode ocorrer, por exemplo, através do trabalho. No livro “Como funciona o fascismo: A política do “Nós” e “Eles” o autor
Porém, para Lukács isso é necessário apenas para descrever ideologia em um Jason Stanley elenca 10 pilares do fascismo e discorre sobre como funciona e
sentido mais simples, como é o caso de ideologias singulares. o processo por trás de cada um. São eles: passado mítico, propaganda, anti-
-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade
O Fascismo enquanto ideologia política se faz prevalecer a partir dos sexual, sodoma e gomorra e arbeit macht frei.

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O autor cita alguns estudos do campo da Psicologia, a exemplo do artigo nele nada nos importa, que não temos necessidade dele, que nos
de Katie Rotella e Jennifer Richeson, “Motivados a “esquecer”: Os efeitos de é indiferente o que ele pensa de nós. A mentira, antigamente
atos danosos intragrupais na memória e na culpa coletiva”. O artigo esclarece
um meio liberal de comunicação, tornou-se hoje uma técnica de
que os indivíduos de um grupo tendem a ser mais “brandos” quando um
dos seus comete um erro, e mais “energéticos” ao julgar o erro de alguém de descaramento com cujo auxílio cada indivíduo espalha em seu
fora de seu grupo e também a facilidade do grupo que cometeu um erro de redor a frieza sob cuja proteção ele pode prosperar (Adorno, T. W.,
esquecê-lo, quando evocado.
1993 citado por Caniato, A, 2007, p.90).
O propósito deste trabalho, porém, seria explicar com conceitos mais
teóricos, por que a evocação ao passado histórico é necessária como um A mentira desenfreada neste pilar gera não somente um terreno propício
dos pilares. Jung em “Os arquétipos do inconsciente coletivo” explica isso de para o sucesso dos outros pilares, como também se auto sustenta, utilizando-se
maneira clara ao definir como um arquétipo se forma. da hipocrisia e da falta de compromisso com a verdade.
O primeiro pilar é o passado mítico, que consiste em evocar um passado Uma vez que o mentiroso já está entre nós, banalizamos a mentira e
distante e glorioso: remonta o fascismo clássico italiano com Mussolini, onde com isso aliviam o fardo da culpa. Até mesmo o discurso de desculpa do líder
os iguais eram vistos como fortes, formando uma ilusão de uma base de apego move-se no sentido de desviar o máximo de culpa de si.
seguro para se estruturar um todo. Tal ilusão inclui uma ideia pouco elaborada
Este vínculo criado através da mentira não está tão distante do consciente
e nostálgica de que as glórias de um passado helênico formam os indivíduos
do grupo: afinal, a pseudo verdade enunciada pelo discurso somente pode ser
no presente e que os mesmo compartilham destas glória no presente. Essa
aceita se pelo menos parte do discurso fizer sentido aos envolvidos, por mais
distorção óptica permite que o passado tenha profundidade para abrigar a
que esse vínculo seja gerado artificialmente, como uma mentira.
“glória” e apaziguar as consequências de uma guerra cultural.
Pois é nesta mentira que se forma os primeiro elemento divisório de
Outra forma bem conhecida de expressão dos arquétipos é encontrada grupo, como Freud(1923[1920]-2011) já escreveu em Psicologia das Massas:
no mito e no conto de fadas. Aqui também, no entanto, se trata de
Dificilmente os afetos dos homens se elevam, em outras condições,
formas cunhadas de um modo específico e transmitidas através de
à altura que atingem numa massa, e é mesmo uma sensação
longos períodos de tempo. O conceito de “archetypus” só se aplica
prazerosa, para seus membros, entregar-se tão abertamente às
indiretamente às représentations collectives, na medida em que designa
suas paixões e fundir-se na massa, perdendo o sentimento da
apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos
delimitação individual (p.25).
a qualquer elaboração consciente (Jung, C. G., 1976, p.25).
É aqui, nestas mentiras auto sustentadas, que o começo ideológico
Ou seja, se aplicarmos ao pilar do “passado mítico” o conceito de fascista se estrutura e começa a ganhar momentum para a divisão entre
arquétipo como um elemento amplamente difundido e pouco elaborado “nós ” e “eles”. A tendência que falsifica o julgamento nesse respeito é a da
conscientemente, podemos deduzir que ele tem estrutura simbólica sufi- idealização, e a respeito desta, afirma Freud(1921-2015) em “Psicologia de
ciente para ser evocado em massa, solidificando-se como um arquétipo: Grupo e Análise do Ego”:
o arquétipo helíaco de um passado glorioso. O líder evoca esse símbolo de
união através do tradicionalismo, e este pode apresentar características de
Agora, porém, é mais fácil encontrarmos nosso rumo. Vemos que
pureza distintas, como por exemplo teocrático, racista ou mesmo cultural
porém sempre chauvinista. o objeto está sendo tratado da mesma maneira que nosso próprio
Propaganda é o segundo pilar. É usada para mascarar e ocultar erros feitos ego, de modo que, quando estamos amando, uma quantidade
pelos políticos, ocultar os objetivos claramente problemáticos de políticos ou considerável de libido narcisista transborda para o objeto. Em muitas
de movimentos políticos, distorcendo-os com ideias amplamente aceitas, formas de escolha amorosa, é fato evidente que o objeto serve de
como fake news ou cortinas de fumaça. Outra característica marcante deste
sucedâneo para algum inatingido ideal do ego de nós mesmos. Nós o
pilar e da maioria dos governos deste tipo é imputar à oposição suas próprias
características ou falhas, normalmente mentido descaradamente, sem as amamos por causa das perfeições que nos esforçamos por conseguir
provas concretas para sustentar a bravata. Aqui, a tática da propaganda é para nosso próprio ego e que agora gostaríamos de adquirir, dessa
elaborar falas simples e com uma linguagem mais chula possível, para que o maneira indireta, como meio de satisfazer nosso narcisismo (p.70).
mais ignorante dos seguidores possa entender.
Este lugar ideal é o que investe o líder fascista do poder. Tal investimento
Tomado por imbecil e serve de expressão ao desrespeito. Entre os faz com que suas palavras ganhem um efeito de gratificação narcísica para
pérfidos indivíduos práticos de hoje, a mentira há muito perdeu a os participantes do grupo.
sua função de iludir acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, O terceiro pilar é o Anti-Intelectualismo e ele consiste em atacar direta-
todos sabem disso. Só mentimos para dar a entender ao outro que mente as instituições de ensino, visando desmoralizá-las e destruí-las, pois
sem elas o livre pensamento e o pensamento crítico acadêmico fica ameaçado.

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Isso é uma extensão do segundo pilar, pois quando as mentiras foram tão continuar imediatamente após o segundo professor sair e apenas
amplamente difundidas e se tornaram verdade, o anti-intelectualismo vem 10% continuaram até o final do estudo. (Burger, 2009, p.3)
com o intuito de desacreditar toda produção que diverge da bolha social criada.
Tudo o que diverge do discurso extremista abandona até mesmo a Aqui temos um elemento que auxilia a compreender por que este pilar
razão. Então o grupo torna-se massa e não mais questiona o discurso vigente, hierárquico é tão importante em governos fascistas, uma vez que esta é uma
passando a adotá-lo e propagá-lo. O filtro da realidade foi substituído com a estrutura ideológica e extremamente militarizada, que quando ascende ao
única função das instituições de ensino serem propagadores desse discurso. poder tem um poder duplo, o militar e o do estado. Aqui verificamos, no-
Quando o ensino especializado e o livre pensamento são destroçados, restam vamente, o líder como encarnação do ideal de ego dos membros do grupo.
apenas a barbárie e o poder. O sexto pilar é a vitimização, que se evidencia quando o grupo dominante
A maior característica presente em sistemas ou estruturas fascistas é usa esse discurso para conseguir agregar cada vez mais indivíduos para a
o distanciamento da realidade, sendo o quarto pilar composto de teorias “causa”, em formulações – que podem ou não ser verbalizadas claramente
conspiratórias. Se a realidade não condiz com o que o líder quer, ela então pode - como: “Só por você ser branco/homem/etc” já merece ser reconhecido, e
ser abandonada e recriada na forma de algo que dê força aos ideais do grande quando esse reconhecimento não acontece, somos vítimas”.
grupo. Neste pilar observa-se um movimento do discurso de criar histórias de É possível articular que a origem deste pilar é a perda do estado
medo e pânico que não condizem com a realidade, com frequência gigante e majoritário, como descreve Stanley (2019).: “por volta de 2050, os Estados
sem dar muito tempo para que quem as receba consiga pensar sobre elas. As- Unidos se tornarão um país majoritariamente minoritário”(p.80). Essa perda
sim esse discurso se torna familiar, e aqui podemos usar as palavras de Robert é amplamente especulada dentro da ideologia fascista através do ultra na-
Zajonc(1968-2012) em seus estudos sobre familiaridade: “quanto mais se vê, cionalismo. É pela busca constante ao passado mítico que essa vitimização
mais se gosta”(p.230). Tanto o anti-intelectualismo como o repúdio à realidade pode ser elaborada como uma ideia dentro do próprio arquétipo de passado
podem ser compreendidos à luz dos mecanismos da desmentida - mecanismo mítico, pois o mesmo contém a forma do povo ao qual pertence esse passado.
de defesa do ego, que consiste em desmentir a percepção da castração e não
ter de submeter-se à lei simbólica. A desmentida decorre de uma condição Lei e ordem este vem a ser o sétimo pilar e este é provavelmente um
de fragilidade egóica, que não podendo lidar com o limite simbolizado pela dos mais perigosos pois ele se estrutura com o décimo pilar e também e onde
ausência de pênis na mãe – castração – utiliza de um mecanismo decorrente as ideologias do grande grupo se tornam leis e assim marginalizam seus
do processo primário, com alto custo para o psiquismo. O mecanismo é descrito adversários, uma vez que o grupo detém o poder institucional de criminalizar
por Freud (1927) no artigo “Fetichismo”: indivíduos que não condizem com suas ideologias. No texto “A Negativa”,
Freud (1925-2012) explicita o mecanismo pelo qual o conteúdo recalcado
Na situação que estamos considerando, pelo contrário, vemos pode emergir na consciência quando acompanhado da partícula “não”. Este
mecanismo, que está na base da formação do ego, aparece como mecanismo
que a percepção continuou e que uma ação muito enérgica foi de defesa em estruturas psíquicas de funcionamento mais regressivo. Freud
empreendida para manter a rejeição. Não é verdade que, depois descreve da seguinte forma a questão do julgamento, que está implicado
que a criança fez sua observação da mulher, tenha conservado na negativa:
inalterada sua crença de que as mulheres possuem um falo. Reteve
Expresso na linguagem dos mais antigos impulsos instintuais – os
essa crença, mas também a abandonou. No conflito entre o peso da
orais – o julgamento é: ‘Gostaria de comer isso’ ou “gostaria de
percepção desagradável e a força de seu contra desejo, chegou-se
boyar isso para dentro de mim e manter aquilo fora”. Isto equivale
a um compromisso, tal como só é possível sob o domínio das leis
a dizer: “Estará dentro de mim” ou “estará fora de mim”. Como
inconscientes do pensamento - os processos primários (p.95).
demonstrei noutro lugar, o ego-prazer original deseja introjetar
Hierarquia seria o quinto pilar, e neste Stanley disserta sobre os costumes para dentro de si tudo o que é bom, e ejetar de si tudo quando
e ideias do grupo dominante, que são supostamente superiores, tendo as é mau. Aquilo que é mau, que é estranho ao ego, e aquilo que é
minorias que se curvar às maiorias. Este pilar também determina a hierarquia
externo são, para começar, idênticos (Freud, 1925-2012, p. 113).
de poder e quem representa o “Ideal” para o grupo, sendo ressaltadas certas
características eugenistas. “Estando no poder’, estudos de Milgram apontam
O mecanismo da negativa pode ser observado em processos de formação
que, se um indivíduo autoriza que determinada ação seja requisitada, e alguém
de grupos por exclusão, nos quais a identidade de um grupo é negativamente
superior a autorize a fazer mesmo que isso interfira na vida de outra pessoa, o
definida pela exclusão de sujeitos portadores de determinado traço ou posição
indivíduo irá praticar a ação em cerca de 82,5% dos casos, em um teste mais
na cultura.
moderno os números foram de 70%. Os estudos de Milgram sobre obediência
ainda vão mais além e o mesmo descobre que quando o indivíduo tem uma O oitavo pilar é a tensão sexual, que pode torná-los verdadeiros monstros
estrutura hierárquica o mesmo tende a seguir o obediente. (Burger, 2009) estupradores que vão fazer mal aos cônjuges do grupo dominante. Este tipo
de protocolo é visto em diversos governos de extrema direita contra espe-
Milgram descobriu que 7,5% dos participantes se recusaram cificamente a comunidade LGBTQIA+. Neste caso, além do já mencionado
mecanismo da negativa, podemos observar o mecanismo da projeção, descrito
a continuar assim que o Professor 1 saiu, 30% se recusaram a

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por Freud (1922-2015) a respeito do ciúme de projeção, no artigo “Alguns ao mais inconsciente fator social. Não existe certo ou errado, e sim o certo
Mecanismos Neuróticos no Ciúme, na Paranóia e no Homossexualismo”: como vontade da maioria.
Sodoma e Gomorra é o nono pilar, que se estrutura em uma parte do
Qualquer pessoa que negue essas tentações em si própria sentirá, livro “Mein Kampf”, no qual Hitler disserta sobre a nobreza no povo do campo,
não obstante, sua pressão tão fortemente que ficará contente afirmando que o mesmo era nobre pois sustentava e produzia os alimentos
em utilizar um mecanismo inconsciente para mitigar sua situa- das pessoas da cidade, e que as cidades cosmopolitas eram onde os povos
se misturavam e sujaram o sangue puro alemão; sendo estas afirmações de
ção. Pode obter esse alívio - e, na verdade, a absolvição de sua
Hitler uma nítida tentativa de justificar a teoria eugênica. Também é neste pilar
consciência - se projetar seus próprios impulsos à infidelidade no que se apresenta a justificativa de agrupar uma classe ou grupo de pessoas
companheiro a quem deve fidelidade (p.144). de maneira heterogênea, pois uma vez que um grupo se torna massa passa
a dividir uma “alma coletiva”.
Podemos considerar o mecanismo da projeção como uma decorrência
da negativa pela condição fragilizada, e em alguma medida cindida, do ego O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quais-
que recorre primeiro a uma, e depois a outra medida de defesa. Sem poder quer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes
integrar e dar destino a aspectos não aceitos em si, o ego os nega e os projeta
ou não, o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua
para fora de si, frequentemente elegendo para isto um outro como objeto.
inteligência, o simples fato de terem se transformado em massa
Podemos ainda observar, neste pilar, que o protocolo claro de formação
do mesmo é uma tentativa de impingir a este grupo uma espécie de marca, os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva (Le Bon
como se fosse instaurado um tabu acerca dessas pessoas. 1895, citado por Freud 1923, p. 13).

Não sabemos por quê, e também não lhes ocorre fazer a pergunta, Como citado acima, o pilar da lei e ordem se sustenta com esta que é
“arbeit macht frei” o décimo. E eles sustentavam, quando marginalizam seus
eles apenas cumprem como algo óbvio, e estão convencidos de
inimigos, afirmando que estes são vagabundos e tem que ser libertos de sua
que uma transgressão será punida automaticamente, de forma condição: é o que está originalmente escrito nos portões de Auschwitz, o
severa (Freud, 1913, p.16). trabalho vos libertará. Eis a lógica por trás da punição e descrita por Foucault
em “Vigiar e Punir” (1987): os grandes suplícios não tem mais espaço aqui,
Este trecho exemplifica bem a lógica tribal fascista. O poder de controle porem pode-se dizer que o próprio holocausto era um suplício em praça
imposto é tão massificante que os indivíduos envolvidos nesta“tribo”retornam pública, que vai piorando até o ponto em que os indivíduos são levados para
os campos de concentração.

Quadro 1. Correlação das Teorias com os Pilares.
Passado Mítico Arquétipos (Jung)
Propaganda Banalização da mentira (Adorno)
Anti-intelectualismo
Familiaridade (Robert Zajonc)
Irrealidade
Hierarquia Obediencia (Milgram)
Vitimização Arquétipos (Jung)
Lei e Ordem Obediencia (Milgram)
Ansiedade Sexual Freud (Totem e Tabu)
Sodoma e Gomorra Psicologia das massa (Freud)
Arbeit macht frei Foucault (Vigiar e Punir)
Fonte: autoria própria, 2021.

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Método
A seleção dos artigos ocorreram a partir do livro “Como funciona o
A busca bibliográfica será realizada em livros específicos sobre os temas
Fascismo; A política do “Nós” e “Eles”. A partir disto, a cada um dos pilares foi
e nas seguintes bases eletrônicas: Scielo (https://scielo.org/), ResearchGate
atribuído um viés dentro da psicologia. Como regra geral, foi escolhido um
(https://www.researchgate.net/), Apa (https://www.apa.org/), JSTOR
ou mais de um teórico para justificar cada pilar, salvo os pilares que se sobre-
(https://www.jstor.org/), google-acadêmico (https://scholar.google.com.
punham ou necessitavam um do outro, e assim um só teórico foi suficiente.
br) tanto nacional quanto internacionalmente (Inglês e Portugues).
Os descritores selecionados foram: Ideologia, psicanálise, fascismo,
Além disso, artigos relevantes serão utilizados para o embasamento
sociedade, controle, autoridade, medo, violência. A partir destes descritores
crítico dessa proposta de revisão. O projeto também irá buscar referências
principais, 32 artigos e livros foram selecionados e 11 foram excluídos.
em livros publicados acerca do tema proposto.

Quadro 2. Artigos utilizados


PERIÓDICOS
AUTORES ANO TÍTULO PRINCIPAIS ACHADOS
Nº DE ARTIGOS
Stanley, J 2019 Como Funciona O Fascismo; A Política Do “Nós” E Fascismo
“Eles” Poder
Aspectos políticos
Adorno, T. 2015 Ensaios Sobre Psicologia Social E Psicanálise Psicanálise, discurso, psicologia social
Freud, S 1920-1923 Psicologia Das Massas E Análise Do Eu E Outros Psicanálise, Psicologia
Textos
Freud, S 1930-1936 O Mal Estar Da Civilização E Outros Textos Psicanálise, Psicologia
Livros (9) Freud, S 1913 Totem e Tabu Psicanálise, Psicologia
Konder, L 2009 Introdução Ao Fascismo. Fascismo
2002 A Questão da Ideologia. Ideologia, Fascismo
Moraes, C. F. 2019 Diálogos Da Cidade Filosofia, Sociologia;
Focault, M 1979 Microfísica Do Poder Poder
Focault, M 1987 Vigiar E Punir Direito Penal, História, Prisões
Empoli, G 2020 Os Engenheiros Do Caos Comunicação, Mídia Social, Populismo
Lara, R 2013 Notas Lukács Lianas Sobre A Decadência Ideológi- Decadência Ideológica. Crítica Marxista.
ca Da Burguesia Capitalismo. Ideologia.
Santos, A. O. 2011 Demanda por Grupos, Psicologia E Controle. Análise Institucional; Dinâmica De Grupo;
Scielo (3) Sociedade De Controle.
Castro, E. O.
Hur, D. U. 2018 Deleuze E A Constituição Do Diagrama De Poder; Sociedade De Controle; Diagrama;
Controle Deleuze; Foucault
Burger, J. M. 2009 Replicating Milgram: Would People Still Obey Obedience, Authority, Milgram
Today?
APA PsycNet (2) Solomon E. A. 1952 Group Forces In The Modification And Distortion Psicologia social,
Of Judgments.
Distorção de julgamento,
Media Lab UFRJ Peixoto, F. C. 2015 Uma Reflexão Acerca Da Vigilância Contempo- Medo, Vigilância , Bauman, Foucault
rânea Como Um Impacto Social Do Medo: As
Contribuições De Michel Foucault E Zygmunt
Bauman
Griot Correia, F. C, 2017 Algumas Notas Sobre O Agitador Fascista. Psicanálise; Crítica; Fascismo.
Adorno, T.
Unisinos Baldissera, R. 2004 Significação E Comunicação Na Construção Da Imagem-conceito, Comunicação, Signifi-
Imagem-conceito cação.

Diaphora | Porto Alegre, v. 10 (2) | 2021 Especial 71


PERIÓDICOS
AUTORES ANO TÍTULO PRINCIPAIS ACHADOS
Nº DE ARTIGOS
Revista Urutágua Costa, G. M. 2006 Lukács E A Ideologia Como Categoria Ontológica Ideologia, Ontologia, Trabalho.
Da Vida Social
Scielo Caniato, A. 2007 A banalização da mentira como uma das Mentira; indústria cultural; banalização da
perversões da sociedade contemporânea e sua malignidade; normatização social; destrutivi-
internalização como destrutividade psíquica. dade psíquica
Revista Jrg Rosa, F. R. 2020 A Teoria Da Conformidade Social E A Influência Influência Do Perfil De Autoridade. Eleições.
Do Perfil De Autoridade Na Persuasão Do Voto Opinião Pública. Igreja Universal
Eleitoral.
Uniabeu Oliveira, R. M. F. 2019 Violência: Um Ensaio Sobre O Circuito Da Relação Narcisismo; Democracia; Antissemitismo;
Narcisismo E Fascismo Na Sociedade Democrática. Violência.
Fonte: autoria própria, 2021.

Resultados Na ideologia fascista, por ter essa característica descentralizada


filosoficamente, o medo e a sua estrutura militarizada fazem com que os
Por intermédio da revisão de literatura, observamos que por trás das indivíduos adentrem a ideologia sem necessariamente quererem entrar,
razões e dos modos como o fascismo se instaura dentro de uma sociedade, seja pelo caminho filosófico inicial, pelo movimento da massa, pelo medo,
está a influência externa e a ausência de formação. Esta “massa de manobra” ou pela imposição militar. A massa de manobra político-social, ainda que
exerce peso no comportamento dos indivíduos, seja por carisma do líder ou internamente, pode ser modificada, mas para isso é necessário desmantelar
seja por medo. os pilares um por um. Infelizmente isso tende a custar mais tempo do que
foi necessário para erguê-los.
O demagogo fascista, que precisa angariar o apoio de milhões de
Segue fluxograma que visa sintetizar em três núcleos os pilares do
pessoas para objetivos altamente incompatíveis com seu próprio fascismo descritos por Stanley:
autointeresse racional, somente pode fazê-lo ao criar artificial-
mente o vínculo (Freud 1992, citado por Adorno 2015, p.159).
Figura. Pilares de Sustentação
A grande maioria das pessoas que caem nessa armadilha ideológica
não são maus por natureza e sim pessoas mal instruídas propositalmente
para realizarem um “propósito maior” criado através desse vínculo sintético
de pertencimento.
Não somente a diferença entre culturas as torna mais ou menos
suscetíveis ao fascismo: certas estruturas sociais e governamentais que já
pertencem à cultura de determinado povo fazem com que o fascismo se
instaure de maneira mais fácil.
A estrutura fascista independe de “raça” ou cor, esta tem a lógica sócio
cultural, como se fosse uma impressão ou uma foto, congelada no tempo e
não representando o futuro.
O fascismo por si é uma mentira bem contada, que favorece a uma
pequena parte de indivíduos ao longo do seu processo de fixação, e acaba
por colapsar exatamente por causa das suas estruturas.
O desespero e a falta de informação junto da propaganda é a maior Fonte: autoria própria, 2021.
ferramenta da qual o fascismo utiliza para se estruturar e manter. O indivíduo
goza por fazer parte deste grupo, pois o sentimento de pertencimento é maior
que a razão.

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Discussão pública. Na contemporaneidade o linchamento é digital e a consequência é
o cancelamento, o que incita ainda mais o grupo dominante, que amplia o
Estes pilares, se vistos de maneira isolada, não representam o processo seu controle através do medo.
de formação do fascismo. Não obstante, apresentam uma ordem na qual
Quando os pilares ideológicos são erguidos através da propaganda,
são estruturados, o que fica bem claro quando vemos por um quadro maior
esta tem a função de sustentar os pilares da irrealidade, através de mentiras
e mais completo, que os integra uns aos outros.
amplamente divulgadas, vitimização, e criação de óticas distorcidas. Neste
Começando pelos pilares ideológicos: estes contêm a estrutura da qual o momento, os agressores tornam-se vítimas e atacam outros grupos gerando
fascismo irá buscar seus ideais centrais. Apesar de ser desestruturado filosófica uma ansiedade sexual, que consistem primariamente em difundir a ideia de
e ideologicamente, o fascismo baseia-se em pilares ideológicos que contém que os grupos minoritários são monstros e predadores sexuais.
informações estruturais. O passado mítico, por exemplo, contém o norte iden-
Ousamos afirmar que o pilar mais importante na ideologia fascista é o
titário do grupo, pois o fascismo procura buscar o passado onde éramos um.
da propaganda, pois seu uso nunca cessa. Este pilar tem em sua forma a pedra
Exemplos de governos e regimes que utilizaram o modelo fascista não base da qual se sustenta todos os outros pilares.
faltam, basta recorrer dos primórdios da história aos dias de hoje, principal-
O pilar da irrealidade e do anti-intelectualismo só conseguem ter o peso
mente nos dias de hoje e em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento
que tem através de uma ampla propaganda. Em nossos tempos, o fascismo
ou considerados párias internacionais, em diferentes cantos do planeta.
conta com as redes sociais para influenciar e facilitar mais ainda a forma
Estes pilares identitários são vistos ao longo de todo o processo de desse mecanismo.
disseminação do ideal fascista, principalmente em momentos de crise política
Quando analisamos as ferramentas modernas de propagação de infor-
e econômica.
mação fica evidente o funcionamento do pilar de sustentação na forma da
É notável que o ideal fascista recaia sobre um mito, e este é amplamente propaganda: propaga-se uma mentira ao ponto de ela ser tão comum que se
difundido na nossa cultura moderna na forma antropomórfica de Hitler. Este torna parte de uma verdade, como foi descrito por Robert Zajonc (1968-2012).
parece ser o receptáculo do fascismo: quando pensamos nele, é notavelmente
A tática aqui é mentir com uma parte de verdade: sobre o comporta-
um líder que difundiu amplamente este ideal. Hitler encarnou a figura do líder
mento humano de acreditar, Robert Zajonc (1968-2012) e Solomon Asch
que vai levar o seu povo a um lugar melhor, um messias que irá livrar todo o
(1952) falam numa tendência de ajustar-se ao discurso, que tem lugar
mal e retornar seu povo e sua cultura a glória passada.
quando o indivíduo ouve com frequência determinado discurso, e não suas
Durante toda a história da humanidade existe essa ideia de que vamos consequências.
ser salvos pelas mãos de um líder carismático. Esse arquétipo do líder salvador
Ainda sobre os dois teóricos citados anteriormente é sabido que quanto
pode ser transportado para o do passado glorioso e pouco discutido, fazendo
mais se escuta um discurso, mais ele se torna familiar: e quanto mais indiví-
parte do imaginário do cidadão comum. Desta forma, não é difícil cooptar
duos discutem determinado assunto defendendo-o, mais difícil é questionar,
seguidores através da propaganda. Governos fascistas recaem inevitavelmente
mesmo que o indivíduo saiba que se trata de uma mentira.
em um império antigo ou mesmo em um ideal passado, como por exemplo
doutrinas patriarcais ou religiosas; ou seja, um passado originalmente Atualmente as redes sociais conseguem fazer isso de maneira eficiente.
totalitário. Uma vez que um determinado indivíduo está presente dentro de uma bolha
social, os algoritmos das redes fazem com que o indivíduo consuma cada vez
Observamos aqui o pilar de Sodoma e Gomorra, em que se saúda as
mais sobre determinado assunto. A modernidade digital tornou muito mais
pessoas do campo, novamente uma referência e um passado onde as coisa
fácil o processo de alienação.
eram mais simples, e repudiam se os costumes cosmopolitas. Ainda dentro
deste pilar, situa-se a dicotomia entre nós e eles numa tentativa para iniciar Então o grupo torna-se massa não mais questiona o discurso vigente:
o discurso eugênico, não necessariamente presente em todo governo fascista, passa a fazer parte dele e propagá-lo, pois o filtro da realidade foi substituído
mas presente em algum grau na retórica fascista. por uma verdade “maior”, sendo a única função das instituições de ensino
ser propagadoras deste discurso. Quando o ensino especializado e o livre
Ainda dentro dos pilares ideológicos, o anti intelectualismo ganha forma
pensamento são destroçados, resta apenas a barbárie e o poder.
de crítica à modernidade e à alteração dos costumes. Então, toda a forma de
pensamento livre é amplamente atacada com mentiras que não condizem Finalmente quando assumem o poder - ou seja, existe agora um pseudo
com a realidade. Por consequência deste modus operandi, as instituições de poder estruturado por um grupo de pessoas com uma ideologia plena -
ensino são amplamente desmanteladas e atacadas até o ponto em que passam surgem os pilares de ação. Estes iniciam por criar uma estrutura hierárquica
por um processo de reforma de acordo com os ideais do grupo fascista. Este centralizada na figura antropomórfica do líder-o que vem a ser o 5 pilar- e
ataque acontece sobre os pilares de sustentação das instituições. desta maneira as leis passam a ser alteradas sistematicamente, buscando
uma “ordem”totalitária de acordo com a imagem ideológica fascista. Aqueles
O ataque às instituições em que o livre pensamento é propagado deve
que não condizem com a nova estrutura são considerados ameaças, e por fim
ser atacado, pois é através deste projeto que mina o discurso e se propaga um
colocados em campos de concentração para serem ou reformados - isso se
único pensamento. Este comportamento pode ser observado em governos
tiverem padrões biológicos aceitáveis. Caso contrário serão mão de obra: afinal,
totalitários, não sendo exclusivo do fascismo.
para todo cidadão de bem o trabalho liberta, o que consiste no décimo pilar.
A alienação é parte de protocolo de dominação fascista e quem questiona
deve ser erradicado e colocado como inimigo público através de uma punição

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A ascensão do governo totalitário fascista consiste em uma manutenção As pesquisas de Milgram foram refeitas em 2009, e os resultados foram
sistemática através da propaganda. Normalmente, governos fascistas não têm de 70%, o que não pode ser considerado uma grande diferença estatística.
estrutura política para se sustentar por muito tempo, e acabam ruindo dentro
Concluímos, portanto, que o risco do fascismo permanece. E assim o
dos próprios pilares, dada a natureza mutável da psique humana. Divergências
pensamento e o comportamento de milhares de pessoas, são sequestrados
de discurso e interesses sempre vão acontecer e sempre estaremos suscetíveis
e dominados na invisibilidade.
a estes avanços fascistas dentro da política, não necessariamente pelo mesmo
indivíduo.
Ideias que são amplamente divulgadas e de fácil assimilação são con- Referências
sumidas cada vez mais na nossa sociedade pós-moderna, e assim tornadas
Adorno, T.(2015) Antissemitismo e propaganda fascista. Em: Adorno, T. Ensaios
cada vez mais perigosas. Vivemos em um tempo em que qualquer informação sobre Psicologia Social e Psicanálise. São Paulo: Unesp.
está a um clique de distância e para aqueles menos politizados a geopolítica Asch, S. E. (1952). Group forces in the modification and distortion of judg-
tem pouca influência no pensar do cidadão comum. ments.In S. E. Asch, Social psychology. Prentice-Hall.
A escrita deste trabalho tornou-nos claro que o terreno no qual o fascismo Burger, J. M. (2009) Replicating Milgram: Would people still obey today?, The
pode se firmar em uma sociedade democrática é um momento de crise, seja American psychologist, 64 (1): 1-11. Recuperado de: https://www.se-
manticscholar.org/paper/Replicating-Milgram%3A-Would-people-still-
ela qual for. Isso fica bem claro quando discutimos acerca do surgimento do
-obey-today-Burger/b5d343985f72c0d8b45e4013c6e381cc8707793b.
fascismo com Mussolini. Nesta época, a Itália passava por sérios problemas Caniato. A, A banalização da mentira como uma das perversões da sociedade
financeiro e sociais, junto a uma classe social que estava em decadência, e junto contemporânea e sua internalização como destrutividade psíquica. Psicol.
com uma guerra da qual a Itália não recebeu os espólios devidos. Soc. 19(3). Recuperado de : https://www.scielo.br/j/psoc/a/CkBzjRfgB-
Podemos também constatar que, sendo o fascismo uma ideologia VhgGqW3BdDkssb/?lang=pt#.
Costa, G. M.(2006) Lukács e a ideologia como categoria ontológica da vida
descentralizada filosoficamente, existem várias formas pelas quais pode-se
social. Revista Urutágua, (9). Recuperado de http://www.urutagua.uem.
aderir a ele. br/009/09costa.pdf
Cada um dos pilares oferece uma lógica para angariar ao fascismo mais Freud, S, (1913-2012).Totem e Tabu, in Obras completas (v.11). São Paulo:
seguidores. Dentro dos pilares ideológicos depende-se do chauvinismo e da Companhia das Letras.
divisão cultural que existe entre as pessoas do campo e da cidade e da falta Freud, S.(1923-2011). Psicologia das massas e análise do Eu, in Obras com-
pletas (v.15),São Paulo: Companhia das Letras.
de ensino e livre pensamento para cooptar seguidores. Este comportamento
Freud. S. (1921-2015) Psicologia de Grupo e Análise do Ego, in Obras Completas
foi discutido por Solomon Asch (1968-2012): o grupo majoritário vai exercer (v.18) São Paulo: Imago.
influência direta se for um grupo maior em número. Quanto maior for o Freud. S. (1922-2015). Alguns Mecanismos Neuróticos No Ciúme, Na Paranóia
grupo, e mais capaz de cooptar pessoas, mais ele ganha força, ao ponto de os E No Homossexualismo, in Obras Completas (v. 18) São Paulo: Imago.
indivíduos do grupo deixarem de ter dúvidas quanto ao certo e errado. Estes Freud, S.(1925-2012). A Negativa, in Obras Completas (v. 19). São Paulo:
indivíduos tornam-se, assim, peso para mover a balança social. Imago.
Freud. S. (1927-2015) Fetichismo, in Obras Completas (v.21). São Paulo:
Ou seja, dentro do primeiro pilar existem 3 tipos de forma que, no Imago.
início deste movimento, serão usadas e deliberadamente divulgadas através Foucault, M.(1897) Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes.
dos pilares de sustentação. A propaganda criará uma vitimização e irreali- Foucault, M.(1979) Microfísica do Poder. (8ª ed). Rio de Janeiro: Graal.
dade dentro destes grupos, a fim de fazer com que essas pessoas criem um Konder, L.(2002) A Questão da Ideologia. São Paulo, Companhia das Letras.
movimento ultraconservador, que vai se expandir com construções cada Konder, L.(2009) Introdução ao Fascismo. (2ª ed). São Paulo, Expressão Popular.
vez mais elaboradas. Este movimento ganhará cada vez mais pessoas, e por Stanley, J.(2019) Como funciona o fascismo: a política do “Nós” e “Eles” - Porto
consequência cada vez mais peso, até o ponto em que o líder personificado Alegre, L&PM Editores.
ganha posse. Quando isto ocorre, a cooptação de pessoas não mais se dá pela Zajonc, R.(1968-2012) O livro da Psicologia. São Paulo. Editora Globo.
via ideológica e filosófica, e sim através do medo.
Dentro dos pilares de ação o fascismo conta veementemente com os mi-
litares ou paramilitares, pois é este modelo vertical que baseia sua hierarquia.
Aqui outra parte da sociedade é cooptada, pois o discurso já é amplamente
difundido entre os ranks militares. Como estes agora são a lei do Estado, ou
os indivíduos aceitam sua forma ou terão que ser reeducados.
Sobre estes pilares de ação, a teoria Milgram torna clara a forma pela
qual o sistema hierárquico vertical é estabelecido. Os indivíduos responsáveis
pela solidificação do sistema são os ranks militares e como podemos observar
no estudo de Milgram, 82,5% das pessoas concordaria em fazer o que for,
desde que autorizadas por um superior hierárquico.

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