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  


PLATÃO Crátilo

CRÁTILO 

Platão

(ou sobre a justeza dos nomes; gênero lógico)

  

HERMÓGENES CRÁTILO


SÓCRATES

St. 1 St. 1
p. 383

p. 383
Hermógenes: [383] Quer que nós apresentemos a Sócrates, - a
;

que está ali, o tema de nossa conversa?
Crátilo: Se te parecer conveniente.
ῖ.

Her.: Crátilo está dizendo aqui, Sócrates, que há por
natureza um nome exato para cada um dos seres; o nome não é ῇ ῇ
uma designação que, segundo um acordo, algumas pessoas dão ῖ ῇ 5
ao objeto, assinalando-o com uma porção de vozes de sua ῖ ῇ
língua, mas que, por natureza, tem sentido certo, sempre o ῇ
mesmo, tanto para [b] os gregos quanto para os bárbaros em b
geral. Perguntei-lhe, então, se, em verdade, Crátilo era ou .
não o seu nome, ao que ele respondeu afirmativamente, que · ῖ. " ;" .
assim, de fato, se chamava. “E Sócrates?”, perguntei. “É " ῇ" ῂ ." ῖ
Sócrates mesmo”, respondeu. “E para todos os outros homens, ῇ ῇ 5
o nome que aplicamos a cada um é o seu verdadeiro nome?” E ;" ῇ" ῇ" ῂ ῇ" ῾ -
ele: “não; pelo menos o teu”, replicou, “não é Hermógenes, ῇ ."
ainda que todo mundo te chame desse modo”. E como eu ῇ
insista em interrogá-lo, ansioso para saber, [384] não me ῖ ῇ - 384
dá resposta clara e ainda usa de ironia, como querendo ῖ
insinuar que esconde alguma coisa de que tenha , ῖῇ
conhecimento, que me obrigaria – no caso de resolver-se a ῖ .
revelar-ma – a concordar com ele e a falar como ele fala. ῖ ῇ · 5
Por isso, se tiveres meio de interpretar o oráculo de
Crátilo, prazeirosamente te ouvirei.



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PLATÃO Crátilo   
384a 384a
Porém com maior prazer, ainda, ficarei sabendo o que pensas ῖ
ῇ .

a respeito da exata aplicação dos nomes, se isso for do teu
agrado.
Sóc.: Hermógenes, filho de Hipônico, há uma declaração ῖ῾ ῾ ῇ
antiga [b] que as coisas belas são difíceis de aprender; o ῖΑ b
conhecimento dos nomes não é negócio de menor importância. .
Se eu tivesse podido escutar a aula de cinquenta dracmas de -
Pródico, suficiente, por si só, como ele afirma, para ,
deixar os ouvintes completos nessa matéria, nada te
ῇ ῖ ῇ 5
impediria agora de ficares sabendo a verdade sobre a
exatidão dos nomes. [c] Porém, não a escutei; estive apenas -
na de uma dracma, não me encontrando, por isso mesmo, em Α ῇ . c
condições de conhecer verdadeiramente essa questão. Mas, de Α ῖ
muito bom grado me disponho a investigar o assunto .
juntamente contigo e Crátilo. Quanto a dizer que Hermógenes ῾ ,
não é, verdadeiramente, o teu nome, tenho para mim que é Α 5
brincadeira da técnica dele. Talvez com isso queira
insinuar que desejarias ser rico, porém nunca chegas a
. ῂῇ ῇ
adquirir fortuna. Mas, como agora disse, essas coisas são ῇ -
difíceis de compreender; o melhor será congregarmos ῖ -
.

esforços para saber quem está com a razão: tu ou Crátilo.
Her.: De minha técnica, Sócrates, já conversei várias ῇ ῇ 10
vezes a esse respeito tanto com ele quanto com outras ῖῇ -
pessoas, sem que chegasse a convencer-me de que a [d]
justeza dos nomes se baseia em outra coisa que não seja - d
convenção e acordo. Para mim, seja qual for o nome que se . ῖ ῇ
dê a uma determinada coisa, esse é o seu nome certo; e Α ῇ ῖ
mais: se substituirmos esse nome por outro, vindo a cair em ῇ
desuso o primitivo, o novo nome não é menos certo do que o ῇ ῖ ῖ Α 5
primeiro. Assim, costumamos mudar o nome de nossos ,
escravos, e a nova designação não é menos acertada do que a
primitiva. Nenhum nome é dado por natureza a qualquer
.
coisa, mas pela lei e o costume dos que se habituaram a ῇ e
chamá-la dessa maneira. Se estou enganado, declaro-me [e] ῇ ῂ .
disposto a instruir-me e a ouvir a esse respeito não
somente Crátilo como qualquer outra pessoa.

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385a 385a
Sóc.: [385] Sem dúvida, há algum sentido no que dizes,  ῇ ῾ Α 385
Hermógenes. Convém examinarmos o assunto. Como quer que
ῇ ῂ ;

resolvamos chamar uma coisa, será o seu nome apropriado? .
ῖ.

Her.: É assim que parece.
Sóc.: Quer a denomine desse modo um particular, quer o ;

faça a cidade?


Her.: Acho que sim. . 5
Sóc.: Como! Se eu dou nome a uma coisa qualquer, digamos, ; ῇ
se ao que hoje chamamos homem, eu der nome de cavalo, a ῇ ῇ
mesma coisa passará a ser denominada homem por todos, e ῇ ῇ
cavalo por mim particularmente, e, na outra hipótese, homem , ; -
apenas para mim, e cavalo para todos os outros? Foi isso o
ῇ ; ;

10
que disseste?
Her.: [b] Sim; é assim que parece. ῖ. b
[Sóc.: Muito bem. Responde-me, agora, ao seguinte: [ Α ῖ
admites que se possa dizer a verdade ou mentir? ;

Her.: Admito.
.

Sóc.: Sendo assim, a proposição que se refere às coisas
ῇ ;

como elas são, é verdadeira, vindo a ser falsa quanto 5
indica o que elas não são? .

Her.: É isso mesmo.
Sóc.: Logo, é possível dizer por meio da palavra o que é ῂ ῇ Α
ῂ ῇ ;

verdadeiro e o que não é, o falso?


Her.: Sim. .
Sóc.: Então é possível dizer por meio da palavra o que é
ῇ ;

10
e o que não é?
.
 ῾
Her.: Perfeitamente.
Sóc.: [c] E a proposição verdadeira, é verdadeira no ῂ c
todo, não sendo verdadeiras as suas técnicas? ῇ ῂ ;

Her.: Não; as técnicas também o são.
ῇ .

Sóc.: Porventura só serão verdadeiras as técnicas
grandes, sem que o sejam as pequenas, ou todas o são ῇ
igualmente? · ; 5

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
385c 385c
Her.: Todas, eu penso. ῇ .

Sóc.: E achas que em qualquer proposição pode haver
técnica menor do que o nome?
;

Her.: Não; o nome é a técnica menor.
ῇ .

Sóc.: Assim, numa proposição verdadeira o nome é
enunciado?
;

10
Her.: Sim.

 ᾿
Sóc.: E é verdadeiro, segundo o afirmaste. .
ῇ .

Her.: Sim.
Sóc.: E a técnica de uma proposição falsa, não será

.
também falsa?
;

Her.: De acordo.


Sóc.: Logo, é possível dizer nomes falsos e nomes . 15
verdadeiros, uma vez que há proposições de ambas as ῇ
modalidades?
;

Her.: [d] E como não?]
;] d


Sóc.: Assim, o nome pelo qual todos designam um objeto é
o nome desse objeto? ῇ
Her.: Sim.
;

Sóc.: E quantos nomes alguém disser que tem determinado


objeto, tantos ele terá e por todo o tempo que o disserem? .
Her.: Eu, pelo menos, Sócrates, não conheço outra maneira ῇ 5
;

de denominar com acerto as coisas, a não ser a seguinte:
posso designar qualquer coisa pelo nome que me aprouver
dar-lhes, e tu, por outro nome que lhe atribuíres. O mesmo ῇ ῇ
vejo [e] passar-se nas cidades, conferindo por vezes cada ῇ ῖ
uma aos mesmos objetos nomes diferentes, que variam de ῇ ῇ ῇ .
heleno para heleno, como dos helenos para os bárbaros. ῖ ῖ ῖ e
Sóc.: Então, vejamos agora, Hermógenes, se és também de ῇ -
parecer que com os seres se dá o mesmo, possuindo cada um ῇ .

sua existência particular, como dizia Protágoras, quando
afirmou que o homem é a “medida de todas [386] as coisas”, ῇ ῾ ῇ
e que, por isso, conforme me parecerem as coisas, tais ῇ 5
serão elas, realmente, para mim, , "
" – 386
ῇ ,

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386a 386a
como o serão para ti conforme te parecerem. Ou és de ῂ ῇ · ῖ
;

opinião que sua essência seja, de algum modo, permanente?
Her.: Já me aconteceu, Sócrates, algumas vezes, em minha
perplexidade, ser levado a adotar a opinião de Protágoras. ῇ ῇ 5
Contudo, não me parece que seja muito certa. Α
ῖ .

Sóc.: Como assim? Em algum tempo já chegaste a admitir
que não existe [b] em absoluto homem ruim? ; ῇ
Her.: Não, por Zeus. Já me tem acontecido muitas vezes
ῖ ;

aceitar que há homens ruins, e até mesmo em grande número.
b
Sóc.: E então? E homens inteiramente bons, nunca chegaste ῇ ῇ
a encontrar? ῖ ῇ
.

Her.: Pouquíssimos.
Sóc.: Porém já os encontraste? ; ;

5
Her.: Sim, já encontrei.
.

Sóc.: E de que modo pensas? Não te parece que sejam
ῂ ;

judiciosos os indivíduos bons de todo, e insensatos os
inteiramente maus? .

Her.: [c] É isso, justamente, o que parece.
Sóc.: Como poderá dar-se, então, no caso de estar ; ῂ Α
Protágoras com a razão, e ser, de fato, verdade que as ῇ 10
;

coisas são como parecem ser a cada um, que entre nós uns
sejam judiciosos, e outros insensatos? ῖ .

c
Her.: Não é possível.
Sóc.: Por outro lado, no caso de haver diferença entre a ῇ
razão e a sem-razão, hás de admitir também, sem vacilações, ῇ
ῇ ῇ ;

que dificilmente estará certa a proposição de Protágoras.
.

Pois em verdade, ninguém poderia ser mais judicioso do que 5
outro, se a verdade [d] fosse o que parecesse a cada
pessoa.
ῇ ῇ ῖῇ -
Her.: É muito certo. -
Sóc.: Mas também não admitirás com Eutidemo, quero crer, Α
que todas as coisas são semelhantes simultaneamente e ῇ
sempre para todo o mundo. Desse jeito, umas pessoas não .

d
poderão
.
 ᾿ ῂ ῖ
Α

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PLATÃO Crátilo   
386d 386d
ser boas, e outras más, se a virtude e o vício ocorrerem ῇ ῇ 5
.
 ᾿
sempre juntos e ao mesmo tempo em todos os indivíduos.
Her.: É verdade o que dizes.
.

Sóc.: Ora, se todas as coisas não são semelhantes ao
mesmo tempo, e sempre, para todo mundo, nem relativas a
cada pessoa em particular, é claro que devem ser em si [e] ῇ ῇ
mesmas de essência permanente; não estão em relação ῇ e
conosco, nem podem ser deslocadas em todos os sentidos por
nossa fantasia, porém existem por si mesmas, de acordo com

sua essência natural. ῇ ῂ
.

Her.: Parece-me, Sócrates, que é assim mesmo.
ῖ ῇ ῇ .

Sóc.: Mas, poderão ser as coisas conformadas desse modo, 5
e suas ações de modo diferente? As ações não serão, de ῇ
igual modo, um aspecto de ser?
Her.: Sem dúvida; elas também o são.
;
ῇ ;

Sóc.: [387] Logo, as ações se realizam segundo sua
.

própria natureza, não conforme a opinião que dela fizermos.
Por exemplo: se quisermos cortar alguma coisa, poderemos - 387
fazê-lo como bem entendermos ou com o que for do nosso
agrado? Não será cortando cada objeto como quer a natureza ῇ . -
que ele seja cortado e com o instrumento apropriado para ῖ ῇ ῖ
cortar, que o cortaremos certo e realizaremos corretamente ῖ
a operação, e se quisermos proceder contra a natureza, ῇ 5
falharemos de todo e nada conseguiremos?
Her.: [b] É também o que eu penso. ῇ ῖ
Sóc.: Da mesma forma, no caso de desejarmos queimar ῇ ῇ
alguma coisa, não deveremos fazê-lo de qualquer jeito, como
;

nos ditar a fantasia, mas pelo modo certo, que é o modo
ῖ .

indicado pela natureza para queimar e ser queimado e com os b
meios apropriados. ῇ
Her.: É isso mesmo. ῖ ῇ ; ῂ
Sóc.: E com tudo o mais não se passa da mesma forma?
;
 .

5
;

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  
387b
PLATÃO Crátilo


387b
Her.: Perfeitamente. .

Sóc.: E falar, não é também uma espécie de ação?
Her.: Sim. ῂ
;

Sóc.: De que modo, então, falará alguém corretamente: [c]


da mesma maneira que lhe aprouver falar, ou, de . 10
preferência, dizendo as coisas segundo o modo natural de ῇ
falar e como devem ser ditas, para alcançar o seu intento e
dizer, de fato, alguma coisa, sem o que cometerá erros e ῇ c
nada conseguirá? ῇ ῇ
Her.: Penso que é como dizes. ῖ· ,
;

Sóc.: E dar nome às coisas, não é uma técnica do ato de
falar? Quando se denomina alguma coisa, fala-se, não é
ῖ .

5
verdade?
Her.: Perfeitamente. ; -
.

Sóc.: Logo, nomear, também é ação, uma vez que falar é
uma espécie de ação, com relação a certas coisas. .

Her.: É isso mesmo.
Sóc.: [d] Ora, as ações, como já vimos, não são relativas ῇ
;

a nós, mas tem cada uma sua própria natureza? 10


Her.: É isso mesmo. .
Sóc.: Assim sendo, convirá nomear as coisas pelo modo ῖ ῇ d
natural de nomeá-las e serem nomeadas, e pelo meio
ῂ ;

adequado, não como imaginamos que devemos fazê-lo, caso
.

queiramos ficar coerentes com o que assentamos antes. Só
por esse modo conseguiremos, de fato, dar nome às coisas;
do contrário, será impossível. , ῂ ῖ 5
Her.: É o que me parece. ῇ ῖ -
Sóc.: Outro exemplo: o que é preciso cortar, digamos,
terá de ser cortado com alguma coisa?
; ῖ -
;

Her.: Sim. ,
.

Sóc.: [e] E o que é preciso tecer, terá de ser tecido com
algo? E o que for para furar, será furado com algum ῇ ῇ ῇ ;

, 10
instrumento?


.
ῇ ; e
ῇ ;

~ 182 ~
PLATÃO Crátilo   


387e 387e
Her.: Perfeitamente. .

Sóc.: E que for preciso nomear, terá de ser nomeado com
ῇ ;

alguma coisa?
. 388

Her.: [388] Isso mesmo.
Sóc.: Qual é o instrumento necessário para perfuramos?
ῖ ;

Her.: Furador.
.

Sóc.: Qual para tecermos?
;

Her.: Lançadeira.
Sóc.: E qual para nomearmos?
.

5
Her.: O nome.
;

Sóc.: Muito bem. Nome, portanto, é o instrumento?
.

Her.: Certamente.
Sóc.: E, agora, se te perguntasse: "que instrumento é a . .

lançadeira?" Não é um instrumento de tecer?
.

Her.: Sim.
Sóc.: [b] E que fazemos quando tecemos? Não separamos da " ;" 10
;

trama a urdidura, que estão misturadas?
Her.: Sim.


Sóc.: E a respeito do furador e de tudo o mais, não
.
responderias do mesmo modo? ; b
;

Her.: Perfeitamente.
Sóc.: E a respeito do nome, poderias dar resposta

.
idêntica? Se dizemos que o nome é instrumento, que fazemos
quando designamos alguma coisa? ῖ
;

Her.: Não sei como responder. 5
.

Sóc.: Não ensinamos uns aos outros, e não distinguimos as
coisas, conforme sejam constituídas?
ῖ;
Her.: Perfeitamente.
;

Sóc.: O nome, por conseguinte, é instrumento para ensinar
.

a respeito [c] das coisas e para separá-las, tal como a
lançadeira separa os fios da teia. ῂ 10
Her.: Sim. ;

Sóc.: A naveta não é instrumento da técnica de tecer?
.

Her.: Como não?
Sóc.: O tecelão deve saber manusear belamente a sua
lançadeira, . c

 ῾
.
;
 ῂ ;
 ῾ , 5

~ 183 ~
PLATÃO Crátilo   
388c 388c
quer dizer: como tecelão. E o professor, empregará bem o ' Α ῇ
ῂ .

nome? Bem, quer dizer: como professor?
Her.: Sim.


Sóc.: E agora, de quem é o trabalho de que o tecelão se .
serve bem, quando faz uso da lançadeira?
;

Her.: Do carpinteiro. 10
Sóc.: E todo homem é carpinteiro, ou apenas o que conhece .

a técnica da carpintaria?
;
 ῾
Her.: Apenas esse.
.

Sóc.: [d] E de quem é o trabalho de que se serve o homem
que fura alguma coisa, quando faz uso do furador? d
Her.: Do ferreiro.
;

Sóc.: E todo o mundo é ferreiro, ou apenas quem possui
.

essa técnica?
ῂ ;
 ῾
Her.: Quem possui essa técnica.
Sóc.: Muito bem. E agora, de quem é o trabalho de que faz
.

5
uso o professor, quando emprega o nome?
Her.: A isso, também, não sei responder. .
;

Sóc.: E não saberás também dizer quem nos transmitiu os
nomes de que nos servimos? ῂ .

Her.: Também não.
Sóc.: Não te parece, ao menos, que foi a lei que ῂ ῖῇ ῖ
;

estabeleceu essas coisas? 10
.

Her.: Parece.
Sóc.: [e] Logo, o professor, quando emprega nomes, usa o ῂ ῖ ;

trabalho do legislador?
.

Her.: Parece-me que sim.
Sóc.: E és de opinião que todos os varões podem ser e
;

legisladores, ou apenas quem possui essa técnica?
Her.: Quem possui essa técnica.
ῖ .

Sóc.: Por conseguinte, Hermógenes, nem todos os varões
têm capacidade para impor [389] nomes, mas apenas o fazedor ῖ
;
 ῾
de nomes, e esse, como 5
.
 ῇ ῾ ῇ
, Α ῂ ῇ 389

~ 184 ~
PLATÃO Crátilo   
389a 389a
parece, é o legislador, de todos os artesãos o mais raro. ῇ ,
.

Her.: É o que parece, de fato.
Sóc.: Vamos, considera em que atenta o legislador, quando
.

estabelece os nomes. Recapitula o que dissemos antes. Para
que olha o carpinteiro, quando fabrica uma lançadeira? Não , ῖ - 5
será para algo naturalmente adequado para tecer? Α . ῖ
Her.: Perfeitamente. ῖ; ῂ -
Sóc.: [b] E então? Se na ocasião de prepará-la vier a ;

partir-se a lançadeira, fará ele uma nova olhando para a
.

que se quebrou, ou para a imagem de acordo com a qual ele
estava fabricando a que se partiu? ; ῇ b
Her.: Para esta, quer parecer-me. ῖ ῇ
ῖ ;

Sóc.: E não estaremos, assim, justificados em denominá-la
lançadeira em si mesma?
ῖ ῇ ῖ.

Her.: Penso que sim.
Sóc.: Logo, quando se trata de fazer uma lançadeira, seja ῖ ῂ 5
;

para roupa leve, seja para espessa, de linho ou de lã, ou
de qualquer outro material, em todos os casos será preciso ῖ.

construí-la de acordo com a ideia da lançadeira, dando-lhe,
porém, a forma naturalmente mais [c] apropriada para cada ῖ
espécie de trabalho. ῖῇ ῖ
Her.: Sim. ῇ ῂ - 10
ῇ ;

Sóc.: O mesmo acontece com todos os outros instrumentos. c
Depois de descobrir o instrumento naturalmente indicado


para determinado trabalho, é preciso que o artífice o .
fabrique com o material de que dispõe e não de acordo com Α
seu desejo, mas segundo os imperativos da natureza. É assim ῖ -
que deverá, como parece, saber executar sobre o ferro a ῖ ῇ 5
forma do furador naturalmente indicada para cada emprego. , ῂ . ,
Her.: Perfeitamente. ῇ ῖ
Sóc.: E na madeira, a lançadeira indicada por natureza
.

para seus diferentes usos?
.

Her.: É isso mesmo.
ῖ 10
.
 .

~ 185 ~
PLATÃO Crátilo   


389d 389d
Sóc.: [d] Pois, como já vimos, cada espécie de tecido ῇ ῇ d
exige naturalmente uma lançadeira diferente, e assim com
ῇ .

tudo o mais.


Her.: Sim. .
Sóc.: Logo, meu excelente amigo, o nosso legislador ῂ ῇ ῇ
deverá saber formar com os sons e as sílabas o nome por ῖ 5
natureza apropriado para cada objeto, compondo todos os ῖ ῇ
nomes e aplicando-os com os olhos sempre fixos no que é o
nome em si, caso queira ser tido na conta de verdadeiro
ῖ ῇ ῖ
criador de nomes? O fato de não empregarem os legisladores ῇ ;
[e] as mesmas sílabas, não nos deve induzir a erro. Os ῇ
ferreiros, também, não trabalham com o mesmo ferro, embora ῖ < > ῖΑ e
todos eles façam iguais instrumentos para idêntica ῇ
finalidade. Seja como for, uma vez que lhe imprima a mesma Α ῂ ῇ ,
forma, ainda que em [390] ferro diferente, não deixará, por
isso, o instrumento de ser bom, quer seja fabricado aqui, < > , 390
quer o seja entre os bárbaros. Ou não? ῇ .
;

Her.: Exatamente.
Sóc.: Do mesmo modo julgarás o legislador, tanto daqui .

quanto dos bárbaros; uma vez que ele reproduz a ideia do
nome, a propriedade para cada coisa, pouco importando as 5
sílabas de que se valha, em nada deverá ser considerado ῖ ῇ
inferior, quer seja daqui, quer de qualquer outra região? -
Her.: Perfeitamente. ῖῇ
Sóc.: [b] E agora, quem é que há de reconhecer se a forma ;

conveniente da lançadeira foi reproduzida nesta ou naquela
.

qualidade de madeira? O carpinteiro que a fabrica, ou o 10
tecelão que dela faz uso? - b
Her.: De preferência, Sócrates, o que faz uso dela. ῖ ; ῇ ῇ
;

Sóc.: E quem usa o trabalho feito pelo fabricante de ,
liras? Não será o mesmo que sabe indicar a melhor maneira
de executá-lo, e julgar, depois de concluída a obra, se
ῇ ῇ -
.

está ou não bem feita? 5
; ῂ
-
ῖ ῂ ;

~ 186 ~
PLATÃO Crátilo   


390b 390b
Her.: Perfeitamente. .

Sóc.: E quem é ele?
;
 ῾
Her.: O tocador de lira. 10
.

Sóc.: E a obra do construtor de navios?
Her.: [c] O piloto. ;

Sóc.: E agora, quem será mais capaz de melhor dirigir os
.

trabalhos do legislador e de julgá-los, quer seja ele c
executado entre nós, quer entre os bárbaros? Não é quem ῂ
dele faz uso? ῖ
; ῂ ;

Her.: Sim.
Sóc.: E essa pessoa não é quem sabe interrogar?


Her.: Perfeitamente.
. 5
ῂ ;

Sóc.: A mesma pessoa que também sabe responder?
.
 ῾
Her.: Sim.
Sóc.: E a quem sabe interrogar e responder dás outro nome
;

que não seja o de dialético?


Her.: Não; esse mesmo. .
Sóc.: [d] Assim, o trabalho do carpinteiro consiste em 10
fabricar lemes sob a direção do piloto, para que a peça ῖ ;

saia bem feita.
ῇ .

Her.: É certo.
Sóc.: E a do legislador, ao que parece, é o de dar nomes, d
sob a direção do dialético, caso deseje criá-los com ῇ
.

acerto.
Her.: É isso mesmo.
.

Sóc.: Então, Hermógenes, talvez não seja atividade tão
despicienda como imaginas, a de instituir nomes, nem é ῇ ῇ ῇ 5
trabalho de gente sem préstimo nem mesmo para todo o mundo. ῇ
.

Sendo assim, Crátilo tem razão de dizer que os nomes das
coisas [e] derivam de sua natureza e que nem todo homem é
.

formador de nomes, mas apenas o que, olhando para o nome
que cada coisa tem por natureza, sabe como exprimir com ῇ ῾ ῇ ῇ
letras e sílabas sua ideia fundamental. ῇ ῇ 10
.
ῖ ῇ e
ῇ ῖ -

. 5

~ 187 ~
PLATÃO Crátilo   


390e 390e
Her.: Não sei de que modo contestar, Sócrates, o que ῇ ῇ
disseste. Mas não me parece fácil [391] deixar-me convencer
assim tão de repente. No entanto, poderia dar-te crédito . 391
com mais facilidade, se me demonstrasses em quem consiste a ῇ ῇ
.
 ᾿
natural exatidão dos nomes.
Sóc.: Meu bom Hermógenes, exatidão dos nomes, não a ῇ ῾ ῇ ῇ
conheço. Porém tu te esqueces do que eu declarei há pouco,
que ignorava esse assunto, mas iria examiná-lo contigo. No
ῂ ῇ 5
decurso de nossa investigação, minha e tua, tornou-se .
evidente, em contrário do que assentamos atrás, que os ῖῇ ῇ
nomes, por natureza, têm uma certa justeza e que nem todos ῇ
os homens [b] sabe como designar convenientemente as b
coisas. Ou não? Α ;

Her.: Perfeitamente.
.

Sóc.: Importa, portanto, agora, investigar, se te
interessa, de fato, saber isso, em que propriamente ῖῇ ῖ
ῇ ῂ .
 ᾿
consiste a justeza dos nomes. 5
Her.: Sim, desejo sabê-lo.
.

Sóc.: Então, observa.
.

Her.: Como devo observar?
ῖ;
 ᾿
Sóc.: A mais correta observação, companheiro, é recorrer
aos entendidos e dar-lhes dinheiro, com agradecimentos de
crescença. Esses tais são os sofistas, como quem teu [c]
ῇ ῖ ῇ
irmão Calias gastou tanto, que chegou a alcançar a ῇ 10
reputação de sábio. Como, porém, não dispões dos bens . ῇ
paternos, forçoso é que adules teu irmão e lhe supliques c
ensinar-te o que é certo nesse domínio e que ele aprendeu ῖ . ῇ
com Protágoras. ῖ ῖ
Her.: Fora absurdo, Sócrates, semelhante pedido de minha
-
técnica. Se eu rejeito em conjunto a Verdade de Protágoras,
.

não poderei aceitar, como digno de qualquer apreço, nada do 5
que for dito em seu nome. ῇ ῇ ῇ
᾿ -

.

~ 188 ~
PLATÃO Crátilo   

 ᾿
391c 391c
Sóc.: Então, uma vez que isso também não te agrada, será ῂ ῇ '῾ 10
preciso aprenderes [d] com Homero e os outros poetas.
.

Her.: E que diz Homero, Sócrates, a respeito dos nomes, e d
em que lugar? ῇ ῇ
ῇ ;

Sóc.: Em muitas passagens, principalmente e com maior
beleza nos trechos em que distingue os nomes dados pelos
Α -
homens e pelos deuses com relação às mesmas coisas. Ou não
te parece que nessas passagens ele diga alguma coisa ῖ ῖ 5
grandiosa e admirável sobre a justeza dos nomes? Pois é .
claro que os deuses sabem chamar com acerto as coisas por ;
seu nome [e] natural. Não pensas dessa maneira? -
Her.: Sei, pelo menos, que devem dar nome certo às Α ;

e
coisas, se é que lhes dão nomes. Mas, a que te referes?
Sóc.: Não sabes que, falando de um rio de Tróia, que ῇ ῇ
. ῖ ;

sustentou combate singular com Hefesto, ele diz: “que os
deuses nomeiam Xanto, e os homens mortais Escamandro”? ,
Her.: Sei; e daí? ῾ ," ῇ" , 5
Sóc.: [392] Não achas magnífico saber porque é mais certo " ;"

,
dar àquele rio o nome de Xanto e não o de Escamandro? Se o
.

preferires, temos o exemplo da ave, de que ele diz:
; ῇ 392
Cálcis é o nome que os deuses lhe dão, mas os homens, ῖ ῖ
Cimíndis. ; ῇ
Consideras conhecimento sem importância sabermos que é
muito mais certo chamar Cálcis a essa ave e não Cimíndis?
Ou os nomes Batéia e [b] Mirine, e muito mais, tanto nesse , ῇ 5
poeta como em outros? Mas, sem dúvida, tais nomes
constituem problema por demais difícil para o meu e o teu ῖ
entendimento. Os nomes Escamândrio e Astianacte, que o ;
poeta diz serem designação do filho de Heitor, estarão mais
acessíveis, quer parecer-me ao engenho humano, sendo, por
ῇ b
isso, mais fácil conhecer por meio deles o pensamento do ; ῂ
poeta com respeito à sua exata aplicação. Decerto conheces ῖΑ ᾿ -
os versos em que se encontram os nomes que acabei de citar. ῇ ῖῇ ῇ
ῖῇ 5
.
.

~ 189 ~
PLATÃO Crátilo   


392b 392b
Her.: Sim, conheço. .

Sóc.: Qual dos dois nomes, então, acreditas que Homero
considerava mais certo para o menino: “Astianacte” ou ῖ
“Escamândrio”? ῖ ῇ "᾿ " 10
" ";

Her.: [c] Não tenho o que dizer.
.

Sóc.: Examina a questão do seguinte modo: se alguém te c
perguntasse: em tua maneira de pensar, quem chama com mais
acerto o nome das coisas: os indivíduos mais judiciosos ou . -
os insensatos? ῖ
;

Her.: É evidente que eu responderia: os mais judiciosos.
ῇ .

Sóc.: E falando em tese, quem consideras mais sensatos 5
numa cidade: os homens ou as mulheres?
Her.: Os homens.
ῖ ῖ -
Sóc.: Ora, sabes que no dizer de Homero, o filho de [d] ῇ ῖ
;

Heitor era chamado Astianacte pelos troianos. Por
.

conseguinte, é evidente que as mulheres é que lhe davam o
nome de Escamândrio, uma vez que os homens lhe chamavam 10
Astianacte?
Her.: Parece que sim. ῖ ᾿ ῇ d
Sóc.: Nesse caso, Homero considerava os troianos mais ῇ
᾿ ;

judiciosos do que suas mulheres?
Her.: É também o que eu penso. .

Sóc.: Assim, era de opinião que o nome certo do menino
não era “Escamândrio”, porém “Astianacte”? 5
ῖ ῖ ;

Her.: Parece que sim.
.

Sóc.: Investiguemos a razão disso. Ele próprio não a esta
indicando? Pois afirma: "᾿ " ᾤ ῖ
" ";

[e] Por ele ser o balutécnica das teucras muralhas.
.

10
Parece-me acertado, por isso, dar ao filho o nome de . ῖ
Astianacte, rei da cidade de que o pai era o balutécnica, ῖ ;
como diz Homero.

. e
, ῇ ῖ
᾿ ,
.

~ 190 ~
PLATÃO Crátilo   


392e 392e
Her.: Compreendo. .

5
Sóc.: Mas, por que isso, afinal? Ainda não consegui
compreender, Hermógenes. E tu? ; ῂ ,
῾ ῇ ;

Her.: Eu também não, por Zeus.
ῂ .
 ᾿
Sóc.: [393] E Heitor, meu caro; porventura não lhe foi
dado o nome pelo próprio Homero?
Her.: Como assim?
' ῇ ῇ 393
;

Sóc.: Por parecer-me que esse nome significa quase o
;

mesmo que Astianacte, sendo ambos de fisionomia muito
helênica. “Anax” e “Hektor” tem quase o mesmo significado e ῖ
se relacionam com a realeza. Pois o que é “senhor” de
alguma coisa é também o seu “possuidor”, por ser fora de
᾿ ῇ ῾ ῖ . 5
dúvida [b] que a domina, possui e conserva. Ou serás de " " " " ῇ
opinião que carece de fundamento o que eu disse e que me Α
iludo quando imagino seguir no rasto da opinião de Homero " " ῇ " " Α
acerca da justeza dos nomes? ῖ . b
Her.: Não, por Zeus; acho que não é assim, e que ῇ
provavelmente te encontras na pista certa.
Sóc.: Pelo menos parece-me certo dar o nome de leão ao
῾ -
;

filhote do leão, e o de cavalo ao filhote do cavalo. Não me
refiro a casos monstruosos, como se de um cavalo nascesse ῂ ῇ ῖῇ 5


algo [c] diferente dele, mas ao produto natural. Se, contra .
a natureza, nascesse de um cavalo o produto natural do ῇ ῇ
touro, não deveria receber o nome de potro, porém o de
bezerro; nem, ainda, quero crer, poderia ter o nome de ῖ .
homem o produto que nascesse sem características humanas. O ῇ
mesmo vale para as árvores e para tudo o mais, não te ῂ ῇ Α c
parece? ῇ
Her.: Parece. Α ῂ

Α Α 5
ῖ;
 ῖ.

~ 191 ~
PLATÃO Crátilo   


393c 393c
Sóc.: Muito bem. Mas, acautela-te, para que eu não faça Α -
tramoia contigo. Segundo o mesmo raciocínio, o que nascesse
.
de um rei teria de [d] chamar-se rei. Quanto a ser isso
expresso com estas ou com aquelas sílabas, não nos ῇ Α d
interessa, como também carecerá de importância ser ῖ ῇ Α
acrescentada ou tirada alguma letra, uma vez que a essência ῂ ῇ
da coisa seja bastante forte para manifestar-se no seu ῇ -
nome. .

5
Her.: Que queres dizer com isso?
;

Sóc.: Não é nada abstruso. Como sabes, designamos as
letras por nomes que não são elas próprias, com exceção das ῇ ῂ
quatro vogais: do E, Y, O e Ô. As demais [e] vogais e as ῂ ῖ ῇ
consoantes formamos-lhes os nomes com o acréscimo de outras ῇ Α ῖ ῂ
letras. Mas, desde que incluamos apenas o valor da letra
claramente expresso, é certo designá-la por determinado
e
nome, que no-la dará a conhecer. Tomemos como exemplo o ῇ Α ῂ
“beta”; como vês, a adição das letras eta, tau e alfa, não ῇ
causa nenhum transtorno e não impede que a natureza dessa ῖ ῖ ῖ .
letra seja revelada pelo nome inteiro, conforme a intenção " "Α 5
do legislador. Tão bem sabia ele dar nome às letras. ῇ
Her.: Afigura-se-me dizer a verdade.
Sóc.: [394] E a respeito de rei, não poderemos raciocinar Α ῖ
da mesma forma? De um rei nascerá um rei; de um homem bom,
.
 ᾿
um homem bom; de um belo, um filho belo, e com tudo o mais
ῖ .

pela mesma forma, de cada gênero um produto semelhante, a 10
menos que surja algum monstro. Todos terão de ser chamados ; 394
por igual nome. Todavia, poderá haver alguma variação nas
sílabas, de forma que para os ignorantes pareça tratar-se ῇ ῇ
de nomes diferentes, embora sejam os mesmos; precisamente ῇ ῇ
como se passa conosco com relação às drogas dos médicos, , Α
diversificadas pela cor e pelo cheiro, que [b] nos parecem . ῖ - 5
diferentes, porém são uma só coisa para o médico, que ῖῇ
atende apenas à sua maneira de atuar, sem Α ῖ
ῖ -
ῇ , b
ῇ ῇ

~ 192 ~
PLATÃO Crátilo   
394b 394b
deixar-se perturbar pelas alterações introduzidas. Da mesma . -
forma procede o conhecedor de nomes. Considera somente o ῖῇ
seu valor, sem atrapalhar-se, no caso de ser acrescentada, 5
transporta ou supressa alguma letra, ou, ainda, se a força
do vocábulo estiver expressa por letras diferentes. Assim,

no nosso exemplo anterior, “Astyanax” e “Hektor” só tem de . ῇ "᾿ -
comum [c] a letra tau; no entanto, significam a mesma " " "
coisa. E o nome “Arquepolis”, que letras tem em comum com , ῂ . "᾿ - c
os outros dois? Evidente que todos eles querem dizer a " ῖ; ῖ
mesma coisa. Há ainda outros nomes que significam apenas Α ῂ
rei. Outros, ainda, que querem dizer estratego, como
“Agis”, “Polemarcos”, “Eupolemos”. Outros designam médicos,
Α ῇ
como “Iátrocles”, e “Acesimbroto”. E assim poderíamos " " " " " ". 5
encontrar outros mais que soam diversamente por causa das ῇ "᾿ " "᾿ "Α
sílabas e das letras, mas que, pelo seu valor intrínseco, ῖ ῖ ῖ
exprimem a mesma coisa. Não te parece que seja desse modo? ῇ -
. ;

Her.: [d] Perfeitamente.
Sóc.: Logo, devem receber o mesmo nome os seres que

 ῖ
nascem de acordo com as regras da natureza?
. d
Her.: Sem dúvida. -
.

Sóc.: E os que nascem contra a natureza, sob a forma de
.

monstros? Como, por exemplo, de um homem bom e pio nascer
ímpio? Não é como o caso anterior? Se um cavalo desse
nascimento ao produto natural touro, este não deveria ser ῖ ῇ 5
chamado pelo nome do pai, mas conforme o gênero a que ;
pertencesse? ῇ ῂ ῖ ῇ
Her.: É fato. ῇ
ῇ ;

Sóc.: [e] Do mesmo modo, o ímpio, originado de pai
religioso, deverá receber o nome do seu gênero. .

10
Her.: Sem dúvida.
Sóc.: Não “Teófilo”, como parece, nem “Mnesiteu”, nem ῖ e
.

qualquer outro nome de formação análoga, porém um nome que
.

signifique precisamente o contrário disso, se tiverem os
nomes de ser aplicados com correção.
Her.: Muito bem concluído, Sócrates.
" ῇ" ῇ " "
Α ῂ 5
ῇ .
 ῇ .

~ 193 ~
PLATÃO Crátilo   


394e 394e
Sóc.: É o caso, Hermógenes, de “Orestes”, que corre o "᾿ ῇ" ῾ ῇ
perigo de ter sido aplicado corretamente, quer o tenha ele

recebido por acaso, quer o denominasse desse modo algum
poeta, para indicar seu caráter feroz e selvagem, e a ῇ 10
.

aspereza das montanhas (oreinon), como o nome está a
ῇ . 395

indicar.
Her.: [395] É muito certo, Sócrates.
Sóc.: Quer parecer-me, também, que o pai dele tinha nome
.

conforme a sua natureza.
.

Her.: Parece.
Sóc.: “Agamémnon” parece ser quem é capaz de realizar 5
seus desígnios com perseverança e de perseverar até o fim
"᾿ ῇ" ῖ
sem desfalecimento. Sinal disso temos na sua permanência
diante de Tróia com tão grande exército. O nome “Agamémnon” ῖ ῖ ῂ . ῖ
significa, justamente, que o homem é [b] admirável em .
persistência (agastòs em epimonê). Quer parecer-me, também, - b
que “Atreu” é chamado pelo nome certo, pois o assassino de "᾿ ." "᾿ "
Crisipo e o seu procedimento com Tieste são fatos .
prejudiciais e, para a excelência, sumamente funestos

(atêra). Esse nome é algum tanto obscuro e desviado do
sentido próprio, de forma que não revela de imediato a . 5
todos a natureza do seu possuidor; mas as pessoas com ῇ
prática de nomes compreendem logo o sentido do “Atreu”, Α ῖ ῂ ΐ
pois quer o tenhamos na conta de obstinado (ateires), quer ῖ "᾿ ."
na de intemerato (atreston), quer [c] na de funesto c
(atêron), de todo jeito o nome está corretamente aplicado. ῖ . ῖ
Muito certo, também, se me afigura o nome dado a Pélope,
pois significa que alguém que só vê o que se encontra ῖ Α
.

próximo.
;

Her.: Como assim? 5
Sóc.: Por causa do que se diz do homem, a respeito ῂ

~ 194 ~
PLATÃO Crátilo   
395c 395c
do assassinato de Mirtilo, por ter sido incapaz de -
pressentir ou de prever o que o futuro preparava para toda ῖ ῇ
a sua descendência, todas as desgraças que lhe estavam [d]
reservadas; não vendo senão o presente e imediato – que é o ῇ d
que significa “pelas” – empenhou-se de todos os modos para – ῂ " "– ῖ
levar avante seu casamento com Hipodâmia. Quanto a Tântalo, ῖ ῾ .
todos concordarão em que recebeu nome acertado e conforme
.

sua natureza, se for verdade o que se conta a seu respeito. 5
Her.: Que dizem dele? ῖ ;

Sóc.: Que ainda em vida, uma infinidade de desgraças
terríveis se abateram sobre ele e culminaram com a total
destruição de sua pátria, e depois, no Hades, aquilo de , ῇ
ficar-lhe a pedra [e] pendente (talanteia) sobre a cabeça,
o que concorda admiravelmente com seu nome; e simplesmente Α e
parece que, desejando alguém chamar-lhe o mais infeliz dos
homens (talantatos), alterou a designação para “Tântalo”;

pelo menos, foi esse o nome que o acaso da lenda terminou ῂ -
por formar. Quer parecer-me, também, que o nome de Zeus, " ῇ"
seu pai putativo, [396] foi muito bem posto, conquanto não . 5
nos seja fácil perceber isso, pois tal nome, Zeus, vale por
uma sentença. A questão é que a cortamos em duas técnicas,
ῖ Α 396
e ora empregamos uma, ora outra: uns lhe chamam “Zena”, e
.
outros, “Dia”; reunidas, revelam a natureza do deus, que é ῇ
em que consiste, segundo dissemos, a função própria dos ῇ – " ῇ"
nomes, pois não há para nós, e o conjunto dos seres, mais " " – ῂ ῖ 5
verdadeira causa da vida do que o arconte e o rei do , -
universo. Por isso, com muito acerto foi denominado o deus . ῖ ῖ
dessa [b] maneira, por ser através (diá) dele que todos os
seres alcançam a vida (zên). Mas, como eu disse, tratando- .
se, em verdade, de um único nome, foi dividido em dois,
“Dia” e ῇ ' ῖ Α b
ῇ ῇ ῇ " "

~ 195 ~
PLATÃO Crátilo   
396b 396b
“Zena”. À primeira vista, ouvindo-se de corrida, soaria " ."
como irreverência dizer que esse deus é filho de Cronos, ῇ
por parecer mais razoável que tenha nascido de uma grande Α 5
inteligência (dianoia). Koros, nesse nome, não quer dizer
criança <nem plenitude>, porém pureza e limpidez de
ῖ < >,
entendimento. Este, por sua vez, conforme dizem, é filho de . ῇ Α
Urano, designação muito apropriada, “urania”, para a visão ῖ-
dirigida para o alto, que [c] olha para cima (horôsa ta ῇ" ῇ" ῇ ῇ c
anô), o que é a maneira, Hermógenes, de conservarmos puro o ῾ ῇ -
entendimento, de acordo com o que nos informam os ῇ ῖ Α ῂ
conhecedores dos fenômenos celestes. Daí o acerto do nome
Urano. Se eu pudesse relembrar a genealogia de Hesíodo e os
῾ ῇ
antepassados mais remotos dos deuses, não acabaria de ῇ - 5
mostrar como foram acertados os nomes atribuídos a todos ῖ ῖ ῇ
eles, até ver se tem algum valor e para que serve essa ῇ ῖ ,
ῂ .

ciência que caiu repentinamente [d] sobre mim, não sei de d
onde.
Her.: Dás-me a impressão, Sócrates, de que enuncias
, ῇ ῖ
ῖ.

oráculos, como profeta de inspiração recente.
Sóc.: Sim, Hermógenes; e estou convencido de que apanhei ῇ ῾ ῇ
isso de Eutífron de Prospalta, pois passei grande técnica Α 5
da manhã a ouvi-lo. É bem possível que seu entusiasmo não ῖ . -
somente me tivesse deixado os ouvidos cheios com sua
sabedoria, como também se apoderasse de minha alma. A meu
ver, devemos proceder [e] da seguinte maneira: aproveitemos
ῇ . ῖ
neste resto de dia essa influência para concluirmos o que Α e
falta a dizer sobre o significado dos nomes; mas, amanhã, -
caso estejas de acordo, expulsemo-la por meio de esconjuros ῇ , ῖ , -
e purifiquemo-nos, se porventura encontrarmos alguém que
entenda de purificação, quer seja sacerdote, quer [397]
sofista. ῇ 397
.
 ᾿
Her.: Estou de pleno acordo, máxime por ter grande desejo
de ouvir o que ainda falta dizer a respeito de nomes. ' Α
.

~ 196 ~
  
397a
PLATÃO Crátilo

 ᾿
397a
Sóc.: Então, façamos assim mesmo. Por onde queres que ῖ. 5
iniciemos nossa investigação, depois dessa fórmula geral, ῇ
para vermos se, de fato, os próprios nomes nos servirão de
prova de que não são atribuídos por acaso, mas possuem ῇ ῖ
certa retidão? Os nomes de [b] heróis e de homens em geral
poderiam facilmente enganar-nos, pois a maior técnica deles ῖ ῇ ῂ ;
é tirada dos antepassados, sem nenhuma relação, como b
dissemos inicialmente, com os atuais possuidores; é o que Α ῖ
se observa com “Afortunado” (Eytyquidên), “Salvo” (Sôsian),
ῇ ῇ ῂ
“Amado de deus” (Teofilo) e muitos outros. Sou de opinião
que devemos deixar de lado os nomes dessa formação. Há ῇ ῇ
muita probabilidade de atinarmos com o sentido exato dos " " " " " " 5
vocábulos nos nomes relacionados com as coisas eternas e a . ῖ Α
natureza, pois nesse domínio deve ter havido bastante [c] ῖ
critério na escolha, sendo possível, até, que uns tantos .
houvessem sido formados por algum poder divino, superior ao Α ῂ c
dos homens.
.

Her.: Penso que é muito certo o que dizes, Sócrates.
ῖ ῇ .

Sóc.: E não será justo começar nossa investigação pelos
nomes dos “deuses”, para sabermos se estes são com ῂ ῇ
propriedade assim denominados? " " 5
Her.: Perfeitamente. ;

Sóc.: A esse respeito, o que presumo é o seguinte: quer
.

parecer-me que os primitivos moradores da Hélade não
reconheciam outros deuses além dos [d] admitidos por muitos Α
povos bárbaros do nosso tempo: o sol, a lua, a terra, os ῾
astros e o céu. Por terem observado que todos eles se movem
perpetuamente em seu curso, deram-lhes o nome de “deuses”
ῖ , d
por causa dessa faculdade natural de correr (thein). Α
Posteriormente, após adquirirem o conhecimento dos demais, ῇ
ῖ " " -
Α 5

~ 197 ~
PLATÃO Crátilo   
397d 397d
designaram-nos por esse mesmo nome. Parece que há alguma .
ῖ ;

verdade no que eu disse ou nenhuma?
Her.: Muita verdade, até.
.

Sóc.: E depois dos deuses, que passaremos a examinar?
ῖ ;

Her.: Evidente que demônios, heróis e [e] homens
[demônios]. - 10
Sóc.: Em verdade, Hermógenes, que pensas a respeito desse


nome, “demônio”? Examina se aceitas a opinião que tenho a [ ]. e
lhe dizer. ῇ ῾ ῇ ῖ
" ῖ.

Her.: Diga-me somente. ";
Sóc.: Sabes, por certo o que disse Hesíodo a respeito de .

demônios?
Her.: Não me recordo. ῾ - 5


Sóc.: Nem te lembras, também, que ele disse ter sido de ;


ouro a primeira raça de homens? .
Her.: Sim, disso eu sei.
Sóc.: A seu respeito exprime-se da seguinte maneira:
;
 .

Logo, porém, que o destino fatal essa raça escondeu, foram 10
[398] chamados demônios sagrados, da terra habitantes, –
bons, desviadores dos males, dos homens mortais protetores.

Her.: E então?
ῖῂ ῇ
Sóc.: O que eu digo é que, ao referir-se à raça de ouro, ῇ 398
não queria dar a entender que ela fosse, de fato, feita de , ῇ .
ouro, mas que era boa e bela. E a prova é que nós damos a

denominação de raça de ferro.
;

Her.: Dizes a verdade.
Sóc.: E não achas que, se houvesse alguém [b] bom entre
os homens de hoje, ele incluiria na raça de ouro? ῂ . 5
.
 ᾿
Her.: Parece.
Sóc.: E os bons, que poderão ser, senão sensatos?
.

;

b
.
 ῂ ;

~ 198 ~
PLATÃO Crátilo   


398b 398b
Her.: Sensatos. .

Sóc.: Isso, precisamente, segundo minha maneira de
pensar, é o que ele julgava que se passava com os demônios, ῇ ῖ, 5
por serem sensatos, isto é, daêmones. Daí tê-los designado Α ῇ" -
dessa maneira, sendo certo que o vocábulo já ocorre em " Α
nossa língua primitiva. Assim, tanto ele como muitos outros .
poetas têm razão de dizer que quando falece um homem de ῇ
bem, alcança entre os mortos grandes honrarias e ῇ ῖ 10
consideração, [c] e se torna demônio, nome derivado da
sabedoria que lhes é própria. É também o que eu admito: que . c
todo homem de bem, vivo ou morto, é bem aventurado, sendo, ῂ ,
por isso, com justo título, chamado “demônio”. ῇ
" " ῖ .

Her.: Sobre esse ponto, Sócrates, creio estar de inteiro
acordo contigo. E “herói”, que seria? , ῇ 5
Sóc.: Não é difícil de compreender; com pequena
. " ;

modificação, está o nome a indicar que herói vem de amor
"
[erôtos]. .
Her.: Como assim? ῇ
.

Sóc.: Não sabes que os heróis são semideuses?
Her.: Por quê? ;

10
Sóc.: [d] Todos nasceram ou do amor de um deus e uma
;

mulher mortal, ou do de uma deusa com um mortal. Para te
;

convenceres disso, basta considerares a expressão na antiga
linguagem da Ática; aí verificarás que Eros provêm de d
heróis, tendo havido apenas pequena modificação do nome. Ou
herói quer dizer isso mesmo, ou está a indicar que seus
.
possuidores eram sábios e também hábeis retóricos e ᾿ ῇ Α
dialéticos, sempre dispostos a formular perguntas (erôtan), ῇ
pois “eirein” significa falar. Por conseguinte, como ῇ . 5
acabamos de dizer, na linguagem da Ática ῇ -
, Α " "
. ῇ ᾿ -

~ 199 ~
PLATÃO Crátilo   
398e 398e
[e] os heróis se nos apresentam como retóricos e - e
formuladores de perguntas, de forma que todo o gênero dos

heróis nada mais é do que uma tribo de sofistas. Isso,
aliás, não é difícil de entender. Maior dificuldade iremos . ῇ
encontrar na designação dos “homens”. Saberás por que eles ῇ " "
Α ῖ;

são assim chamados? 5
Her.: Como poderei sabê-lo, amigo? Mas, ainda mesmo que ῇ , ; ῂ ῂ
estivesse em condições de descobri-lo, nem sequer o ῖῇ ῖ
tentaria, por ter a convicção de que o farás muito melhor
.

do que eu.
ῇ . 399

Sóc.: [399] Pelo que vejo, tens confiança na inspiração
de Eutífron.
 ᾿
.
Her.: É evidente.
Sóc.: E com razão, pois precisamente neste momento tenho Α -
a impressão de que apanhei a questão por um ângulo mais ῇ ῇ
feliz, havendo, até, bastante probabilidade, se não tomar ῇ . 5
cuidado, de hoje mesmo vir a ficar mais sábio do que seria . ῖ
razoável. Presta atenção ao que passo a dizer. ῇ ῇ
Inicialmente, no estudo sobre o significado dos nomes, ' ῇ ' ῇ
deves sempre contar com a hipótese de não ser raro . " "·
acrescentarmos letras, ou suprimi-las, quando vamos
designar alguma coisa, ou deslocarmos os acentos. Foi o que ῖ ῇ b
se deu com a expressão “Diífilo”. Para transformá-la num ῖ
nome [b], suprimimos o segundo iota, passando a ser grave, . -
ῇ < > .
 ᾿
em vez de aguda, na pronúncia, a sílaba do meio. Em outros
casos procedemos de modo inverso; acrescentamos letras e .

5
acentuamos a sílaba átona.
Her.: Dizes a verdade.
Sóc.: Foi o que se deu, segundo penso, com a palavra ῇ ῖ. ῇ
homem. Uma sentença virou substantivo pela supressão da
.

letra alfa e a acentuação da última sílaba.
Her.: Como assim?
;

10
Sóc.: [c] É o seguinte: o nome “anthrôpos” significa que,
ao contrário dos outros animais que não examinam o que . " " c
vêem, nem o analisam nem contemplam, o homem, ao mesmo ῖ -
tempo que vê – pois é isso, justamente, que quer dizer ῖ, –
“opôpe” – contempla e analisa o que ῂ " "– ῖ

~ 200 ~
PLATÃO Crátilo   
399c 399c
viu. Por isso, dentre todos os animais é o homem o único . - 5
justamente denominado “anthrôpos”, ou seja, [anathrôn ha " ῇ .

"
opôpe] o que contempla o que vê.
Her.: E agora? Posso interrogar-te a respeito do que me ;
;

interessa saber depois disso?
.

Sóc.: Sem dúvida.
Her.: [d] Quer parecer-me que algo se liga imediatamente ῖ d
ao que acabaste de dizer. Atribuímos ao homem “alma” e
“corpo”.
." " " "
.

Sóc.: Como não?
;

Her.: Procuremos, então, analisar essas palavras como o
fizemos com as anteriores. ῖ 5
Sóc.: Sugere que examinemos a alma, a fim de sabermos se .

lhe calha a denominação de psyque, para depois estudarmos
corpo?
ῇ ῂ ;

Her.: Sim.

 ῾
Sóc.: Se eu tivesse de revelar o que neste momento me .
ocorre, diria que os que deram o nome de psyque à alma
pretendiam indicar que quando ela está presente ao corpo é
ῇ 10
a causa da vida, por conferir-lhe a faculdade de respirar e ῖ ῇ ῇ
de [e] refrescar-se (anapsykhon), e que o momento em que ῇ ῇ
essa força refrescante abandona o corpo, ele perece e ῖ ῇ - e
morre. Daí, segundo penso, lhe terem dado o nome de
“psyque”. Mas, espera um pouco, por obséquio! Parece que · " " .
posso aduzir algo mais de acordo com o gosto dos [400]
sectários de Eutífron. É bem provável que eles desprezem
, Α -
minha primeira explicação, por considerá-la banal. Vê se te ῖ . ῇ 400
agradas mais que desta outra. ῖῇ
Her.: Diga somente. Α

.
Sóc.: Segundo tua maneira de pensar, que é o que mantém e
.

movimenta a natureza de todo o corpo, para que este viva e
se mova, se não for exclusivamente a alma? ῇ 5
ῇ ῖ ῖ ;

Her.: Apenas ela.
Sóc.: E então? E não estás com Anaxágoras, quando afirma .

que é o entendimento e a alma o primeiro mantenedor e
regulador da natureza? ;
᾿ -
; 10

~ 201 ~
PLATÃO Crátilo   


400a 400a
Her.: Perfeitamente. .

Sóc.: [b] Poderias, então, designar admiravelmente como
“physechên” essa força que movimenta e mantém (echei) a b
natureza (physis), denominação que pode muito bem ser ῖ " " .
arredondada para “psyque”. " " .
Her.: Perfeitamente, além de parecer-me mais técnica do  ῇ ῖ
que a outra. .

5
Sóc.: Como, de fato, é; porém ficaria um tanto ridícula
se a enunciássemos daquele jeito. Α ῖ
.
 ᾿
Her.: E que diremos agora do termo que se lhe segue?
;

Sóc.: Referes-te a corpo?
Her.: Sim.
;

Sóc.: A meu ver, é passível de várias interpretações, se


o modificarmos [c] um tantinho. Uns afirmam que o corpo . 10
(sôma) é a sepultura (sêma) da alma, por estar a alma em ῖ Α
vida sepultada no corpo, ou então, por ser por intermédio
ῇ . c
do corpo que a alma dá expressão ao que quer manifestar
(sêmainei), é muito apropriado esse mesmo nome (sêma) com o ῇ Α
significado de sinal, que lhe foi dado. Porém o que me ῇ
parece mais provável é que foram os órficos que assim o " " ῖ .
denominaram, por acreditarem que a alma sofre castigo pelas ᾿ ῇ 5
faltas cometidas, sendo o corpo uma espécie de receptáculo ῇ
ou prisão, onde ela se conserva (sôzêtai) até cumprir a ῇ ῇ Α
pena cominada; nessa hipótese não será preciso alterar uma ῇ ῇ
só letra.
Her.: [d] Tudo isso me parece muito certo, Sócrates. E
ῇ " ῇ" ῖ ῂ
.

com relação aos nomes dos deuses, não poderíamos estudá-los 10
da maneira que fizeste há pouco, quando trataste de “Zeus”, ῖ ῇ ῇ d
para sabermos se lhe foram atribuídos com acerto? Α ῇ
Sóc.: Por Zeus, Hermógenes; se tivéssemos discernimento, " " ῇ
adotaríamos como orientação uma excelente regra, a saber,
que nada sabemos acerca
ῖ ;

5
ῖ ῇ ῾ ῇ
ῇ ῇ

~ 202 ~
PLATÃO Crátilo   
400d 400d
dos deuses, nem com relação a eles próprios, nem com os ῇ ῇ
nomes que eles mesmos aplicam entre si. Pois é evidente que Α ῖ
devem chamar-se pelos nomes [e] verdadeiros. A segunda
regra em pontos de excelência, seria denominá-los pela . ῂ ῇ ῖ e
maneira que costumamos fazer em nossas orações, empregando ῖ ῖ ῇ
os nomes e patronímicos de que mais se agradem, conscientes ῇ ῖῇ
de que [401] nada mais sabemos a seu respeito. No meu modo Α ῖ - 401
de ver é uma excelente prática. Caso estejas de acordo,
levemos avante a investigação, com a advertência inicial
. ῇ ῖ
para os deuses de que nosso estudo não lhes diz respeito, ῖ ῖ –
pois não nos sentimos com capacidade para tanto, porém aos ῂ ῖ –
homens e sua maneira de pensar, quando lhes atribuíram ῇ ῖ 5
Α .
 ᾿
nomes. Não há ofensa nisso.
Her.: Parece-me muito razoável o que disseste, Sócrates. ῖῇ ῇ ῇ
Procedamos assim mesmo.
.

Sóc.: [b] E para seguir o uso, não devemos começar por
Héstia? ῂ῾ b
;

Her.: Será muito justo.
.

Sóc.: Qual te parece tenha sido o pensamento de quem
empregou o nome Héstia?
Her.: Por Zeus, penso que não é fácil responder a isso.
῾ ;

Sóc.: Tudo indica, meu caro Hermógenes, que os primeiros 5
.

atribuidores de nomes não eram espíritos medíocres, porém
conhecedores dos fenômenos celestes, e todos eles capazes ῇ ῾ ῇ
de altos vôos.
Her.: Como assim?
.

Sóc.: Para mim, é fora de dúvida que a instituição dos
;

nomes foi obra [c] de homens desse quilate. E se 10
examinarmos os nomes estrangeiros, facilmente descobriremos
o que cada um pretende significar. Por exemplo, o que
denominamos “ousian” (essência), outros chamam “essian”, e ῇ c
terceiros, ainda, “ôsian”. Inicialmente, é muito razoável ῇ .
que, de acordo com o segundo desses nomes, a essência das ῖ " " ῇ
coisas seja denominada “Héstia”; " " ῇ ῂ " ."
"῾ " 5

~ 203 ~
PLATÃO Crátilo   
401c 401c
e se, por outro lado, nós dizemos que “é”, ou existe ῖ ῇ ῖ
(estin) o que participa da existência, ainda nesse sentido " " ῇ ῖ
“Héstia” é a denominação correta, pois parece que nós, "῾ "Α ῖ " "
também, em vez de ousian dizíamos antigamente “essian”. E
se, por outro lado, volvermos a atenção para os
ῖ . -
sacrifícios, ficaremos [d] convencidos de que essa era a ῖ Α d
maneira de pensar dos que os instituíram. É natural que ῾
antes dos outros deuses fossem oferecidos sacrifícios a " " . ῂ
Héstia pelos que deram o nome de “essian” à essência das " ῇ" ῂ῾
coisas. Quanto aos que pronunciam “ôsian”, devemos ῖ Α 5
acreditar que perfilhava a opinião de Heráclito, de que
tudo o que existe passa e que nada permanece, devendo ser,

por conseguinte, a causa e o princípio regulador do mundo o " " .
que o põe em movimento (ôthoun), donde lhe chamarem Α ῂ῾ e
corretamente “ôsian”. É só o que pode dizer quem nada [e] ῾ .
. .

sabe a esse respeito. Depois de Héstia, é justo volvermos a
atenção para Reia e Cronoss. É bem verdade que já nos
;
 ᾿
referimos ao nome de Cronos; mas talvez o que eu esteja a
,
.

dizer seja carecente de valor. , 5
Her.: Como assim, Sócrates? ῖ ;

Sóc.: Descobri, meu caro, um colmeal de sabedoria.
Her.: De que jeito? ῖ ῖῇ - 402
.

Sóc.: [402] É um tanto engraçado o que vou dizer; mas
;

estou convencido de que é muito plausível.
Her.: De que se trata?
Sóc.: Parece-me ver Heráclito a ensinar velhas máximas do
῾ '
tempo de Cronos e Reia, que já tinham sido ditas por ῇ ῾ ῇ 5
.

Homero.
;

Her.: Que queres dizer com isso?
Sóc.: Heráclito afirma que “tudo passa e nada permanece”, ῾ " ῖ
e compara o que existe à corrente de um rio, para concluir
que “ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas”.
ῇ"
" ."

Her.: É exato. 10
.

Sóc.: [b] E então? Achas que pensava de maneira diferente
de Heráclito quem atribuiu o nome de “Reia” e “Cronos” aos ; ῖ ῾ ῖ b
avós dos nossos deuses? Ou pensas ter sido por acaso que a
ῖ "῾ "
ambos
" ";

~ 204 ~
PLATÃO Crátilo   
402b 402b
foram dados nomes de cursos de água? Homero, também, ; "᾿
refere-se algures “ao pai de todos os deuses eternos, o " " Α" 5
Oceano, e à mãe Tétis”. Creio que Hesíodo diz a mesma ῾ . ᾿
coisa. Orfeu, também, afirma em qualquer técnica:

“Oceano, de curso imponente, foi o primeiro a se casar; [c] ᾿ ῇ


Tétis tomou por mulher, sua irmã pelo lado materno”. . c
Observando que todos eles se concertam entre si e se ῂ ῖ
comportam do mesmo modo com relação à doutrina de ῾ .

Heráclito.
Her.: Algo, Sócrates, parece haver no que disseste; só ῇ Α
.
 ᾿
não compreendo o sentido de nome Tétis. 5
Sóc.: Ele quase se explica por si mesmo, pois nada mais é
do que o nome de fonte, um tanto modificado: as expressões .
diattômenon e [d] êthoumenon, isto é, o que se escoa e
filtra, são exatamente a idéia de fonte, sendo delas que se Α d
" " .

formou o nome “Tétis”.
ῇ ῇ .

Her.: Muito interessante, Sócrates.
Sóc.: Sem dúvida. E que vem a seguir? Já tratamos de ῂ ; ;
Zeus.
.

5
Her.: Sim.


Sóc.: Então, falemos de seus irmãos Poseidon e Plutão e .
do outro nome desse último. ῇ
Her.: Perfeitamente. -
Sóc.: Sou de parecer que Poseidon foi assim denominado
.

[e] por haver sido detido em sua marcha pela força do mar
.

quem primeiro lhe pôs nome, o qual não o deixava passar 10
adiante como se se visse de súbito acorrentado nos pés. Por -
isso deu o nome de “posidesmon” ao deus que comanda essa , e
força, de correntes nos pés, com o acréscimo ornamental da
letra e. Mas, talvez não seja esse o sentido do vocábulo, e ῖῇ
[403] em vez de sigma houvesse dois lambdas, como a indicar ῂ .

" ῇ" " " Α 5


. ῇ ῂ
ῖ ῇ 403

~ 205 ~
PLATÃO Crátilo   
403a 403a
que se trata de uma divindade que sabe muitas coisas (polla . " "
eidotos). É possível, também, que fosse denominado Α ῖ .
“abalador” (seiôn) por causa do respectivo verbo abalar ῇ ῇ
(sein), com o acréscimo das letras pi e delta. Quanto a
Plutão, evidentemente se relaciona com o dom da riqueza
ῇ Α 5
(ploutou) que brota do fundo da terra. O nome “Hades” na " ῇ"
opinião da maioria significará invisível (aidês); e como se ῇ
teme a expressão, chamam “Plutão” daquele modo. " " .
 ῇ ;

Her.: [b] E tu, Sócrates, como te parece? b
Sóc.: A meu ver, sob muitos aspectos os homens se enganam
a respeito do poder desse deus e têm dele medo -
injustificado. Temem-no, primeiro, por ser forçoso ficarem ῖ
permanentemente com ele depois de mortos, e também pelo < >. ῇ
fato de ir a alma despida do corpo para onde ele está. Tudo , ῖ ῇ ῇ 5
isso, aliás, para mim, só tende a confirmar tanto o poder ῂ ῖ ῇ -
do deus quanto seu nome. Α ῂ ῖ ῇ
Her.: Como assim? .

Sóc.: [c] Vou expor-te o meu modo de pensar. Dize-me uma
;
 ᾿
coisa: qual é o mais forte liame para reter qualquer ser
vivo num determinado lugar: a coerção ou o desejo? . , c
Her.: É muito mais forte, Sócrates, o desejo. ῇ -
ῇ ;

Sóc.: E não és de parecer que muita gente fugiria de
Hades, se ele não atasse com o liame mais forte os que lá
ῇ ῇ .

vão ter?
Her.: Evidentemente. ῇ 5
ῖ ;

Sóc.: Então, ao que parece, terá de prendê-los com algum
desejo, se tiver de fazê-lo com o mais forte laço, não por
 ᾿
.
meios coercitivos.
Her.: Parece que sim. ῇ ῇ ῖῇ
ῖῇ

Sóc.: E não há grande variedade de desejos? .
.

Her.: Sim. 10
Sóc.: [d] Logo, deve prendê-los, por meio do desejo mais
;

forte, no caso de querer retê-los pelos mais resistentes


laços. .
ῖ d
ῇ .

~ 206 ~
PLATÃO Crátilo   


403d 403d
Her.: Sim.

.
Sóc.: E poderá haver mais veemente desejo do que estar
alguém convencido de que o convívio com determinada pessoa
ῂ ῖ ;

o deixará melhor? 5
ῂ ῂ ῇ .

Her.: Por Zeus, Sócrates, não há.
Sóc.: Por tudo isso, Hermógenes, diremos que os que estão
ῇ ῾ ῇ
lá não desejam vir para cá, nem [e] as próprias Sereias, e
que estas, como as demais, estão detidas por algum ῖ ῖ ῇ
encantamento, tão empolgantes, ao que parece, são os ῇ e
discursos que Hades lhes dirige. Disso fora lícito concluir Α ῇ ῇ
que esse deus é um sofista acabado e grande benfeitor dos ῇ ῇ ῂ
que se encontram ao seu lado, do mesmo modo que envia ῇ -
abundância de bens para os que estão na terra, tal é a ῂ , ῖ 5
cópia de tudo o de que dispõe lá embaixo. Por isso mesmo é
que tem o nome de “Plutão”. Por outro lado, o fato de nada
Α ῖ ῇ
querer com as pessoas enquanto conservam o corpo, mas só " " . -
[404] depois de se lhes haver de todo purificado a alma dos ῖ ῖ ῇ
vícios e desejos corporais, não te parece digno de um ῇ 404
filósofo que chegou à convicção de que pode retê-los por
ῇ ῖ
meio do anelo da virtude, ao passo que, enquanto se acham
agravados com os impulsos e a loucura do corpo, nem o
próprio Cronos, seu pai, conseguiria prendê-los ao seu , -
lado, se os amarrasse com o que denominamos suas cadeias? ῂ 5
Her.: Perigas que estejas com a razão neste ponto, ῖ ῖ ῖ
;

Sócrates.
Sóc.: [b] Quanto ao nome “Hades”, Hermógenes, muito longe ῇ .

de ser formado de invisível (aidous), deriva-se com mais
segurança de eidenai, pelo fato de ele conhecer tudo o que " ῇ" ῾ ῇ b
é belo. Essa a razão de lhe ter o legislador dado o nome de ῖ ῇ
“Hades”. ῇ
" .

Her.: Muito bem. E de Deméter, Hera, Apolo, Atena, "
Efesto, Ares e dos demais deuses, que diremos?
Α ᾿ 5
Sóc.: A respeito de Deméter, parece ter sido assim
denominada por dar-nos alimento, ᾿
ῇ ;


~ 207 ~
PLATÃO Crátilo   
404b 404b
na qualidade de mãe; Hera virá de [c] amável (eratê), " " ῇ
conforme se diz de Zeus, que vivia apaixonado dela. É
possível que o legislador, como estudioso dos fenômenos
, c
celestes, tenha formado veladamente o nome de “Hera” de ar .
(aera), passando o começo para o fim. Do nome “Pherrephata” " " ῇ
muitos se arreceiam, como também de “Apolo”, por Α ῂ ῇ
inexperiência, ao que parece, da justa relação dos nomes. E ." " Α 5
porque o modificam e o têm na conta de “Pherséphone” – "᾿ ῇ" ῇ ῇ
portador da morte – ficam tomados de pavor, quando o certo .
é que esse nome só [d] inculca a sabedoria da deusa. Pois " ῇ" ῖ Α
se todas as coisas estão em movimento, o que está em
contato com elas, e as envolve, e as acompanha, é . d
sabedoria. Donde se colhe o que foi por causa da sabedoria
com que ela apreende o que se movimenta, que com bastante ῖ ." "
propriedade recebeu a deusa o nome de “Pherepapha”, ou
qualquer outro semelhante. Por isso mesmo, o sábio Hades ῖ ῇ – ' 5
vive com ela, por ser ela o que é. Porém hoje lhe alteraram ῇ –
o nome para “Pherrephatta”, com maior zelo da eufonia do
que da verdade. O mesmo se [e] deu, como já disse, com
Apolo, cujo nome infunde medo a muita gente, como se ῇ " " ῖ.
indicasse algo terrível. Não o observaste? ᾿ ῇ ῇ e
Her.: Sim; dizes a verdade. , Α
ᾔ ;

Sóc.: E esse nome, segundo o meu modo de pensar, vai
muito bem com o poder da divindade.
ῇ .

Her.: Como assim?
Sóc.: Vou tentar explicar-te o que me parece. Não sei de ῂ ῇ ῖῇ 5


outro nome [405] que só por si fosse capaz de denotar as .
quatro qualidades do deus, abrangendo a todos em conjunto ;
 ᾿
e, de algum modo, designando a técnica da música, da
profecia, da medicina e a do arqueiro. Α
405
ῖ ,

~ 208 ~
PLATÃO Crátilo   


405a 405a
Her.: Dize-me! O que me dizes a respeito desse nome é · 5
muito estranho. .

Sóc.: Muito harmonioso, é o que deverias dizer, como
convém a um deus músico. Em primeiro lugar, a purgação e ῇ .
purificações, tanto da técnica da medicina quanto da
adivinhação, por meio de [b] drogas ou de processos ῖ ῖ
mágicos, as fumigações, os banhos usados nessas cerimônias, ῖ ῖ b
as aspersões, tudo isso tem um único objetivo: deixar puro
o indivíduo, tanto no corpo quanto na alma. Ou não?
ῖ ῇ
Her.: Perfeitamente. ῂ ῇ
Α ;

Sóc.: E o deus que purifica, e limpa (apoloyôn) e livra
.

(apolyôn) de todos os males, não é precisamente Apolo? 5
Her.: Sem dúvida.
Sóc.: Logo, com referência à libertação e à limpeza dos
;

males, na sua [c] qualidade de médico, com muita
propriedade deverá ser denominado “Apolouôn”; com relação à .
técnica da adivinhação, à veracidade e à simplicidade -  ῇ
pois tudo é a mesma coisa – tal como os tessálios lhe
chamam e com acerto poderíamos denominá-lo. “Aploun” é como
ῇ "᾿ " c
todos os tessálios denominam esse deus. Por outro lado, por ῖ Α
nunca errar o alvo quando atira, é dito o que sempre acerta – –
(Aeiballôn). Por último, com relação à música, devemos ῇ ῂ ῖ Α" "
admitir que, do mesmo modo nos vocábulos “akolouthon” e . 5
“akoitin” (companheiro de caminho e companheiro de leito) e "᾿ " .
em muitos outros, a letra alfa significa: muitas vezes o ῖ ῖ, " "
mesmo tempo. Aqui, também, indica esse nome o movimento " ",
conjunto, tanto no céu, a que damos o nome de “polous”,
quanto na harmonia do canto, denominada sinfonia, [d] ῇ
porque todos esses movimentos, como dizem os entendidos em ῇ " " ῇ 10
música e astronomia, são feitos em conjunto por uma espécie ᾠ ῇ ῖ ῇ ῇ d
de harmonia. É o deus que ῇ
ῖ Α ῖ

~ 209 ~
PLATÃO Crátilo   
405d 405d
preside à harmonia e faz que tudo se mova conjuntamente
(homopolôn), tanto entre os deuses quanto entre os homens. ῂ Α - 5
E assim como de homokeleuthon e homokoitin (que andam " " " " ῇ
juntos e que juntos se deitam) fizemos “akolouthon” e
“akoitin”, trocando “homo” por “a”, do mesmo modo demos o
" -" " -ῇ" "᾿ "
nome de “Apollo” ao deus que acompanha alguém, inserindo um "῾ ῇ" ῇ e
segundo l para evitar [e] homonímia com um termo funesto, .
como se dá ainda hoje com os escrúpulos de certas pessoas ῖ
que não apreenderam devidamente o significado próprio do ῖ
nome e têm medo de que indique destruição, quando, em
verdade, conforme disse há pouco, refere-se unicamente às Α , ῇ - 406
atribuições do deus: [406] simplicidade, sempre acertar no ῖ ῇ , -
alvo, purificador e companheiro. Quanto aos nomes das ῇ ῇ .
“Musas” e da música em geral, ao que parece, vem de " " ῇ
môsthai, perquirir, denominação derivada da pesquisa e do ῇ 5
amor da sabedoria. Leto refere-se à doçura da deusa, por . ,
estar ela sempre disposta (ethelêmôn) a atender aos pedidos
que lhe dirigem. Mas é possível que o certo seja como lhe
.
chamam os estrangeiros, pois muitos lhe dão o nome de – " " –
“Lethô”. Parece, assim, que do seu caráter desprovido de ῂ ῖ
rudeza, porém brando e delicado (leion êthous) é que foi " " ." - b
denominada “Lethô”. [b] “Ártemis” parece significar íntegra " < > ῇ
(artemês) e modesta, por seu amor à virgindade. Contudo, ·
subsiste a possibilidade de que quisesse indicar quem assim
a denominou que ela era conhecedora da virtude (aretês
ῇ ῂ
histora), ou talvez mesmo por odiar a união dos sexos. Por · 5


uma dessas razões, ou por todas elas reunidas, foi a deusa .
" " ";

assim denominada por quem lhe instituiu o nome. "᾿
Her.: E “Dioniso” e “Aphrodite”? ῇ ῖ῾ ῇ .
Sóc.: Grande pergunta, filho de Hipônico, formulaste. Há
duas maneiras de interpretar esses nomes, uma séria e [c]
outra jocosa. A respeito da séria, informa-te com outra ῖ ῖ . ῖ c
pessoa;

~ 210 ~
PLATÃO Crátilo   
406c 406c
mas sobre a jocosa, nada me impede de manifestar-me; os ῇ ῖΑ -
próprios deuses são brincalhões. Dioniso é o que dá vinho, .
chamado por brincadeira “Didoinysos”. O próprio vinho, " " ῇ
porque faz crer à maioria dos bebedores que lhes empresta
inteligência, o que aliás, não é verdade, foi com muito
ῂῇ ῖ 5
acerto denominado “oionous”. Quanto a Afrodite, não haverá ῇ" " ῂ ῖ .
necessidade de contradizer Hesíodo; [d] concordemos com ᾿ ῾ ῇ
ele, quando nos diz que a deusa recebeu o nome de ῖ < > "᾿ - d
“Afrodite” por haver nascido da espuma (aphrou). " .
 ᾿
Her.: Como Ateniense, Sócrates, não deves deixar em
esquecimento Atena, Hefesto e Ares. ῂ᾿ ᾿ ῖ ῂ ῇ
ῇ ῂ῾ .

Sóc.: Não ficaria bem. ,
.

Her.: Não, de fato. 5
Sóc.: Com respeito ao segundo nome da deusa, não é de .

difícil interpretação.
Her.: Qual é?
Sóc.: Damos-lhe também o nome de “Palas”. ῖ ῂ ῖ .
 ῖ ;
 "
Her.: Como não?
Sóc.: Se admitirmos que esse nome lhe foi dado por causa
" .

10
da dança das armas, [e] estaremos no caminho certo, segundo
;

penso. À ação de elevar-se alguém, ou de elevar alguma
coisa na direção da terra para o céu, e de conservá-la nas ῖ
mãos é que damos o [407] nome de “brandir” (pallein e ῇ ῇ Α e
pallesthai), para executar a dança.
Her.: Perfeitamente.
Sóc.: O nome “Palas” vem daí. ῖ " " " " ῖ 407
ῖ .

Her.: Muito bem. E com relação ao outro nome?
Sóc.: Atena?
.
 "
Her.: Sim.
"

Sóc.: Esse, caro amigo, é mais difícil. Parece que os .
. ;

antigos tinham uma concepção de Atena igual à dos modernos 5
[b] estudiosos de Homero. A maioria destes afirma, na sua
᾿ ;

interpretação do poeta, que Atena representava para este o


próprio pensamento e a inteligência, querendo parecer que o .
autor do nome pensava a mesma coisa ῇ .
᾿
. b
᾿ ῇ

~ 211 ~
PLATÃO Crátilo   
407b 407b
a esse respeito, exprimindo-se, até, por maneira mais ῖ ῇ
elevada, como denominá-la inteligência de deus (theou " " ῇ 5
noêsin), de forma que ela vem a ser “ha theonoa”, com ῖ .
simples alteração dialética do alfa por êta, a perda do
iota e do sigma. Contudo, é possível que não seja essa a
, ῂ ῖ
razão de ser denominada “Theonoên”, mas pelo fato de " " .
conhecer ela as coisas divinas melhor que os outros deuses. "᾿ "
Porém nada impede que ele tenha querido identificar a deusa ῖΑ c
ᾤ ῇ "᾿ " .

com a inteligência moral, razão de lhe ter dado o nome de
“Ethonoên”, que ele mesmo, ou alguém depois dele, na [c]
ῇ ;

convicção de o deixar mais bonito, modificou para “Atena”.
ῖ " " ;

Her.: E Hefesto, como o explicas?
Sóc.: Referes-te a “phaeos hístora”, o generoso senhor da .

5
luz?
Her.: Perfeitamente.
" ῖ " ῇ
;

Sóc.: Não é evidente para todos que o nome é “Phaistos”,
com acréscimo inicial da letra êta? ῇ ῇ ῇ

 ᾿
Her.: É possível, a menos que não te ocorra outra .
explicação, como tenho quase certeza. ῇ .
 ᾿
' 10
Sóc.: Para que isso não se dê, pergunta-me logo a


respeito de Ares. .
Her.: Pergunto. ῇ ῇ d
Sóc.: [d] Pois bem, caso queira, “Ares” vem de masculino ῖ " " Α ῂ
(árren) e corajoso (andreion), ou então de seu caráter ῇ " " ῖ ῇ
áspero e inflexível, a que se dá a denominação de
" " ῖ .

“arraton”, derivação muito adequada ao deus da guerra.
.
 ᾿
Her.: É muito certo. 5
Sóc.: Mas, pelos deuses, deixemos os deuses, pois tenho ῇ
medo de falar deles. Sobre tudo o mais que quiseres podes Α
interrogar-me, para que “vejas como são excelentes” “os ῇ" " -
cavalos” de Eutífron.
" ."
 ᾿
Her.: [e] É o que farei: antes, porém, desejo perguntar-
te a respeito de Hermes, por haver dito Crátilo que eu não ῇ e
sou Hermógenes. Investiguemos, portanto, o verdadeiro ῾ , ῾
significado do nome “Hermes”, para ver se ele tinha razão . "῾ " ῖ
no que disse. ῇ .

~ 212 ~
PLATÃO Crátilo   

 ᾿
407e 407e
Sóc.: De todo jeito, quer parecer-me que o nome “Hermes” , 5
se relaciona com discurso: é intérprete, mensageiro, e
"῾ "·
também trapaceiro, fértil em [408] discursos e comerciante
labioso, qualidades essas que assentam exclusivamente no - 408
poder da palavra. Ora, como dissemos antes, “falar” ῇ Α
(eirein) é fazer uso do discurso, além de haver uma ῖ ῇ " "
expressão muito empregada por Homero (emêsato) que ῇ ῇ ῇ
significa “inventar”. Da reunião dessas duas expressões –
falar e inventar – formou o legislador o nome do deus, como
" " ῇ . - 5
se nos advertisse expressamente: -
“homens, o deus que [b] inventou o discurso deve ser ῖ Α
chamado, com toda a justiça, Eiremês”. Mas hoje, segundo " ῇ ῇ b
penso, embelezamos-lhe o nome, e lhe chamamos “Hermes”. ῖ "Α ῖῇ ῇ
[Íris, também, parece provir do mesmo vocábulo, eirein, por "῾ " .

ser ela mensageira.]
Her.: Por Zeus, parece que Crátilo tem mesmo razão de ῇ ῖ
dizer que não me chamo Hermógenes, pois sou jejuno em ῾ Α 5
.

matéria de discursos.
Sóc.: Quanto a Pan, camarada, filho de Hermes, é fácil ῾
compreender que é de natureza híbrida. ῇ ῖ .

Her.: [c] Como assim?
;

Sóc.: Como sabes, o discurso indica (sêmainei) todas as c
coisas (pan), e circula e se movimenta sem parar, além de ῖ
ῖ ῇ ῇ .

ser de natureza híbrida, verdadeira e falsa ao mesmo tempo.
Her.: Perfeitamente.
.

Sóc.: Logo, o que nele há de verdadeiro é macio e divino,
e reside no alto com os deuses; por outro lado, o que há de ῖ ῖ 5
falso mora em baixo com a multidão dos homens, e é áspero ῖ ῖῇ ῖ
como o bode da tragédia, pois, em verdade, o maior número ῖ Α
das fábulas e das mentiras se encontra justamente no ῖ ῇ
domínio da tragédia. .

Her.: Perfeitamente.
.
 ᾿
Sóc.: É justo, portanto, que seja denominado [d] “Pan 10
aipolos” o que tudo (pan) exprime e é o movimentador ῂ< >
constante (aei polôn) das coisas, o filho híbrido de " " ῇ ῾ ῇ d
Hermes, macio em cima e áspero e hircino, ou trágico, em
ῖ ῇ .
sua porção inferior. É evidente

~ 213 ~
PLATÃO Crátilo   
408d 408d
que Pan é discurso ou irmão de discurso, a ser, de fato, ῇ ῾ Α
filho de Hermes, pois é muito natural que haja parecença . ῂ
entre irmãos. Mas, como disse há pouco, meu caro, deixemos ῇ ῇ .

5
de lado os deuses.
Her.: Sim, Sócrates, essa espécie de deuses, se assim o ῇ ῇ .
queres. Porém, que te impede de discorrer a respeito de ῖῇ
deuses como o sol, a lua, os astros, a terra, o éter, o ar,
o fogo, a água, as estações [e] e o ano? ;

e
Sóc.: É muito o que postulas. Não obstante, se isso te
apraz, farei o que pedes. ῇ ῇ
ῇ .

Her.: Sim, apraz-me muito.


Sóc.: Por onde queres começar? Principiemos pelo sol, .
como fizeste agora mesmo; está bem? ; 5
Her.: Perfeitamente.
;

Sóc.: Sua origem se nos tornará mais evidente, se
considerarmos a forma [409] dórica, pois “halios” é como os .
Dórios lhe chamam. E dão-lhe esse nome porque ele reúne 
(halizein) os homens num mesmo lugar quando nasce, ou então
porque gira incessantemente (aei heilein) em torno da –" " 409
terra, ou, ainda, porque no seu curso matiza de cores –" "
variegadas tudo o que nasce da terra, pois matizar e ῇ ῂ
variegar (aiolein) se equivalem. ῖ ῇ ῂ
Her.: E a “lua”? Α ῖ 5
Sóc.: Eis um nome sumamente incômodo para Anaxágoras. .

Her.: Por que motivo?
" ";

Sóc.: Pois parece indicar que antigamente já se
acreditava no que ele asseverou [b] nos nossos dias, que a ᾿
.

lua recebe do sol a luz.
Her.: Como assim?
;

10
Sóc.: “Selas” não diz o mesmo que “luz”?
Her.: Sim. ῖ
ῇ .

Sóc.: A luz em torno da lua é sempre nova (neon) e sempre b
velha (henon),
;
 " " " " .


.
5

~ 214 ~
PLATÃO Crátilo   
409b 409b
se falam verdade os discípulos de Anaxágoras. Girando ῇ ᾿ Α
incessantemente o sol à sua volta, projeta sempre luz nova ῇ
sobre ela; velha é a luz do mês antecedente. .

Her.: É assim mesmo.
.
 "
Sóc.: Muita gente lhe dá o nome de “Selaenoneoaeia”.
"

Her.: Precisamente. . 10
Sóc.: Como, porém, seu brilho é sempre novo [c] e velho, .

com maior propriedade deveríamos denominá-la “Selanaian”.
Her.: É um nome ditirâmbico, Sócrates. E do mês, e dos ,
astros, que me dizes? " " ῂ ῖ ῇ - c
Sóc.: “Mês” vem de meiousthai, o que sofre diminuição. " " .
Com mais rigor deveria ser “meiês”. Os “astros” parece que
foram assim denominados por causa do brilho, “astrapê”, e
 ῇ .
;
 ῾
este, por isso mesmo que faz virar os olhos (ta ôpa
anastréphei), deveria ser “anastropê”, porém foi embelezado " " " " 5
para “astrapê”. ῇ ῂ" "
Her.: E com relação ao fogo e à água? . " ," -
Sóc.: [d] Quanto ao “fogo”, sinto-me em dificuldades. Ou ῇ" " ῇ " " -
a musa de Eutífron me abandonou, ou se trata de um vocábulo
ῖ .

extremamente difícil. Atenta no recurso de que sempre lanço
;

mão, quando me vejo em apuros. 10
Her.: Qual é? " " Α d
Sóc.: Vou dizer-te. Responde-me apenas ao seguinte: ῇ -
saberás explicar-me por que o fogo tem esse nome? .
Her.: Eu não, por Zeus!


Sóc.: Examina, então, o que imagino a esse respeito.
.
;
 ᾿
Tenho para mim que [e] os Helenos, principalmente os que 5
moram entre os bárbaros, receberam destes muitos nomes. . Α ῖ
Her.: E daí? ῖ ;
 ῂ .
 .
ῖ e
.
 ;

~ 215 ~
  
409e 409e
PLATÃO Crátilo

Sóc.: Bem sabes que se alguém tentasse demonstrar pela  ῖ ῾


língua helênica a boa formação desses vocábulos, em vez de
ῖ ῇ ῂ 5
apelar para a língua de origem, ver-se-ia em sérias
ῇ ῖ .

dificuldades.
.

Her.: É natural.
Sóc.: [410] Considera, então, se a palavra “fogo” (pyr) " " 410
não é de origem bárbara. Não é fácil pô-la em relação com a
língua helênica, além de ser um fato que os Frígios
.
empregavam esse mesmo termo, com ligeira modificação. ῾ ῇ ῂ
Iguais considerações valem para “água” (hydôr), “cão” Α " "
" "

(kynas) e muitos outros. . 5
.

Her.: É certo.
Sóc.: É preciso, portanto, não fazer-lhes violência, pois
de outro modo alguma coisa poderia ser dita a seu respeito. ῖ ῇ ῂ
Por essa razão deixo de lado o [b] fogo e a água. Quanto ao ῖ .
ar, Hermógenes, ou foi denominado “aêr” porque levanta Α ῇ ῾ ῇ b
(airei) da terra as coisas, ou porque com seu movimento ῇ" " ; ῖ;
produz o vento? Os poetas dão ao vento o nome de “aêtas”. ;
Os que empregam essa expressão talvez queiram dizer “curso
" " Α ῇ
de ar” (aêtorroun), em vez de curso de vento
(pneumatorroun). E como esse movimento pode ser indicado ῇ" ". 5
por ambos os termos, empregam “aêr”. Quanto a éter, eis o · ῖ
que conjeturo: porque corre sem pausa em torno do ar (aei " " ῖ .
thei peri ton aera rhéon), é chamado “éter” com toda a " ῖ " Α ῖ c
propriedade. O significado de terra (gê) tornar-se-á mais ῇ Α
evidente se [c] recorrermos à forma “terra” (gaian), pois " " . Α ῖ
terra quer dizer precisamente mãe (gennêteira) conforme o
;

refere Homero; “gegaasin” indica a mesma coisa que
ῇ ῇ .

gegennêsthai. Muito bem. Que vem depois disso? 5
Her.: As estações, Sócrates, e as duas designações de ᾿ ῇ
ano: eniautos e etos. Α
Sóc.: O vocábulo estações (hôrai) deve ser pronunciado à
maneira da Ática, caso queiras rastrear-lhe o significado.
São denominadas hôrai porque dividem o inverno e o verão, Α " " ῖ .
os ventos e os frutos da terra; e porque separam, são . d
chamadas “hôrai”. [d] Quanto aos vocábulos eniautos e etos,
há grande probabilidade de significarem a mesma coisa. O
que traz à luz alternamente tudo o que nasce e se forma,

~ 216 ~
PLATÃO Crátilo   
410d 410d
e a tudo em si mesmo passa revista, pode ser desdobrado, ῇ ῇ ῖ
como se deu anteriormente com o nome de Zeus, que uns ῇ
chamam Zêna e outros Dia. O mesmo se dá no presente caso: ῇ " ῇ" 5
“eniauton”, por significar nele mesmo (en heautôi), e
“etos”, porque passa revista (etazei). A sentença completa
ῇ " ῇ" Α
deveria ser “que em si mesmo examina” (en heauto etazon); " " ῇ
mas, embora única, fica desmembrada, vindo a formar-se, de ῇ" " " ῇ"
uma proposição, dois nomes, “eniauton” e “etos”, a partir .
 ᾿
e
de uma [e] sentença. ῇ ῇ .

Her.: De fato, Sócrates, tens progredido muito.
.

Sóc.: Penso que me adiantei bastante no terreno da
.

sabedoria.
Her.: Sem dúvida. .
 ᾿
5
Sóc.: Daqui a pouco terás de prodigalizar-me mais
calorosos elogios. 411
Her.: [411] Depois dessa classe de palavras, de bom grado
ficaria sabendo a razão de ser do acerto desses belos nomes ῖ ῇ ῇ " "
relativos à excelência, como: “prudência”, “inteligência”, " " " " .
 ᾿
“justiça” e os demais da mesma espécie.
Sóc.: Com isso, camarada, tocas num gênero de palavras ῇ ῖ ῇ -
muito para temer. Mas, uma vez que vesti a pele de leão, Α ῇ
não fica bem revelar medo; o que é preciso, parece-me, é ' ῇ ῇ
analisar prudência, inteligência, julgamento, ciência e os
[b] demais belos nomes que enumeraste. .

b
Her.: Decerto; de forma alguma poderemos desistir de
ῖ .

semelhante propósito.
Sóc.: Pelo cão, parece que não foi conjetura de todo ῇ ῇ
inútil a que fiz há pouco, a saber, que os homens de ῇ ῇ
antigamente, quando estabeleceram os nomes, se encontravam ῇ 5
em situação idêntica à da maioria dos sábios do nosso -
tempo, os quais, à força de andar à roda para investigar a
natureza das coisas, acabam tomados de vertigem,

acreditando que são as próprias coisas que giram e que tudo ῖ
[c] o mais ao redor deles é pelo mesmo teor. Não atribuem a · c
culpa dessa maneira de pensar ao que se passa no seu ῇ
íntimo, mas imaginam que decorre das próprias coisas, que ῇ ῇ
nada é estável e permanente, e que passa, e se movimenta, e ῖ
se encontra em permanente estado de modificação e

~ 217 ~
PLATÃO Crátilo   
411c 411c
eterna geração. Ao manifestar-me desse modo, tenho em vista . - 5
.

todos os nomes há pouco relacionados.
Her.: Como assim, Sócrates?
ῇ ;

Sóc.: Decerto não prestaste a devida atenção ao que foi
dito há pouco, que sem a noção de passagem, movimento e -
geração nenhum desses nomes poderia ter sido criado. ῖ
.

Her.: De fato, não pensei nisso. 10
Sóc.: [d] Para começarmos, o primeiro nome a que nos
.

referimos justifica inteiramente a idéia de que tudo se
passa desse modo. d
.

Her.: Que nome?
Sóc.: “Pensamento” (phronêsis), que indica, precisamente, ῖ ;
 `ῦ "
percepção de movimento e de fluxo (phoras kai rhou noêsis);
poderá também significar o que ajuda o movimento (onêsin "Α .
phoras). De qualquer forma, é sempre indicação de ῂ ῖ · ῂ 5
movimento. Caso queiras, é absolutamente certo que . ῇ " " ῖ
“conhecimento” (gnômê) significa consideração e exame da Α " "
geração (gonês nômêsin), pois “considerar” e “examinar” são " ῖ" . ῇ " "
a mesma coisa. Caso queiras, “pensamento” (noêsis) equivale ῇ
a desejo de novidade (neou hesis). Ora, no domínio das
coisas, novidade significa que elas se encontram em estado Α e
de permanente geração. [e] Esse anelo da alma é que o " ." " " ῖ -
instituidor dos nomes desejou expressar com o termo ῖ ῇ ῂ ῇ" ."
“neoesin”. Primitivamente era assim, não “noêsis”; porém a " " ῇ -
letra êta tomou lugar de um duplo epsilon, “noeesin”. A . ῖ 412
palavra “temperança” (sôphrosynê) é a salvadora (sôtêria)
da sabedoria (phronêseôs) que acabamos de examinar. [412] ῇ
Ciência (epistêmê) está a indicar que a alma de algum valor Α
acompanha (hepomenês) o movimento das coisas, sem passar na ῖ " " ." " ῂ
sua frente nem deixar-se ficar para trás. Por isso mesmo, ῇ 5
deveria ser formada a expressão com o acréscimo de um ῇ -
epsilon: “hepistêmên”. Da mesma forma, “entendimento” Α ῖ
(synesis), deve ser interpretado como uma espécie de
raciocínio: quando dizemos synienai, é como se disséssemos " ." " " b
compreender, pois essa expressão indica [b] que a alma
“acompanha” o movimento das coisas. A palavra “sabedoria”
(sophia) indica

~ 218 ~
PLATÃO Crátilo   
412b 412b
contato com o movimento das coisas; é expressão por demais . -
obscura e de origem estrangeira. Contudo, devemos lembrar- Α ῖ
nos que os poetas sempre que desejam indicar o começo de um
movimento rápido empregam a expressão “arrojar-se”
(esythê). Entre os Lacedemônios houve um indivíduo célebre
" " . 5
chamado “Sous”, pois desse modo é que os Lacedemônios " "Α ῖ
designavam o movimento rápido. O contato com o movimento .
significa sophia, na pressuposição de que todas as coisas ῇ .
se movem. [c] Quanto à palavra “bem” (agathon) é aplicada a " ῇ" c
tudo o que na natureza é admirável (agastô), pois, embora ῖ .
as coisas se movimentem, umas o fazem depressa e outras com
lentidão. Nem todas, portanto, são boas, mas apenas as
ῇ ῂ ῖ ῇ
velozes. A essa técnica admirável (agastô) é que se dá o .
nome de “tagathon”. . 5
“Justiça” (dikaiosynê) é fácil de explicar, porque se ῇ" ."
refere à compreensão do justo (dikaiou synesei). “Justo” " " ,
(dikaion) é mais difícil. Até certo ponto parece haver ῖ ῇ ῖΑ
acordo entre [d] as pessoas; porém logo começa a " " .
divergência. Os que admitem que tudo está em movimento
imaginam que o conjunto do universo não faz outra coisa ῖ ῇ ῖ . d
senão passar, e que através do conjunto percorre um ῇ
princípio gerador de tudo o que nasce, elemento rapidíssimo
e sutil. Nem lhe seria possível atravessar o todo, se não ῖῇ ῇ ῂ
fosse bastante sutil, para que nada o detivesse, sobre ser Α - 5
tão rápido que passa pelas coisas como se elas fossem .
imóveis. E como tudo governa esse elemento à sua [e] ῇ ῇ
passagem (diaion), foi com muita propriedade denominado
“dikaion”, com o acréscimo de um kappa eufônico. Até esse
ῖ .
ponto, como dissemos há pouco, a ῂ ῇ e
" ῇ"
. ῇ -

~ 219 ~
PLATÃO Crátilo   
413a 413a
maioria dos homens está de acordo no que respeita à ῇ ῖ Α 413
significação [413] de justo. Eu, porém, Hermógenes, com a
sede de conhecimento que me caracteriza, investiguei , ῾ ῇ ῇ
secretamente o assunto e fiquei sabendo que a justiça é a ῇ
causa de tudo, pois causa é aquilo por que (di’ ho) alguma – ' < >ῇ ῂ
coisa se produz; particularmente soube que era acertado – " " ῖ 5
dar-lhe essa denominação “dia”. Quando, porém, depois de . ῂ
ouvir várias pessoas, pergunto com muita calma: “mas, meus Α" ῂ ῇ ῇ ῇ
caros, se as coisas se passam desse modo, que vem, afinal, ;" -
a ser o justo?” Dizem que estou fazendo pergunta descabida
[b] e que salto por cima da barreira. Asseveram que já
.
aprendi e ouvi o suficiente a respeito do justo; mas, se se ῇ - b
dispõem a satisfazer-me a curiosidade, cada um diz uma ῇ ῇ -
coisa, sem nunca chegarem a um acordo entre eles mesmos. Um . ῇ
diz que o justo é o sol, porque é o único elemento que Α -
penetra (diaiónta) por tudo e que tudo aquece (kaonta), e . 5
governa o conjunto das coisas. Porém, quando,
satisfeitíssimo, procuro comunicar a alguém essa noção

mirífica, desata a rir essa pessoa e me pergunta se eu ῖ
acredito mesmo que deixe de haver justiça entre os homens . ῖ c
[c] depois que o sol se põe. E se, de minha técnica, volto , Α .
a insistir junto de meu interlocutor para que me exponha ῇ ῂ
seu pensamento, ele me diz que é o fogo, o que não é fácil . ῇ
de entender. Outro, por seu turno, afirma que não se trata
do fogo, mas do calor do fogo. Um terceiro acha que tudo
᾿ ῇ Α 5
isso é ridículo, asseverando que o justo é o que diz
Anaxágoras, a saber, o “pensamento” (noun); é de poder ῖ
absoluto, não se mistura com nenhuma coisa e a todas elas . , ῇ
coordena, pelo fato mesmo de atravessá-las. Nesta altura, ῂ
amigo, minha perplexidade fica maior do que era antes de eu . ῂ ῇ d
procurar conhecer a natureza do justo. [d] Mas, para
ῖ .
voltarmos ao assunto de nossa digressão, por todas as
razões foi que o justo recebeu esse nome.

~ 220 ~
PLATÃO Crátilo   


413d 413d
Her.: Quer parecer-me, Sócrates, que ouviste tudo isso de ῇ ῇ
terceiros e que não estás inventando coisa alguma.

.
Sóc.: E com relação aos outros nomes?
;

Her.: Com esses, não. 5
.

Sóc.: Então, escuta. É possível que com o restante eu
consiga também enganar-te, fazendo-te crer que não falo por · -
ouvir dizer. Depois da justiça, que nos falta considerar?
Penso que ainda não estudamos a coragem, pois com relação à .
injustiça [e] é mais do que claro que não passa de um ῖ ; .
obstáculo ao princípio que percorre o todo (tou diaiontos). ῇ e
O nome andreia está a sugerir que coragem vem de combate. –
Ora, combate nas coisas, se realmente elas passam, só ῂ ῇ ῖῇ
poderá indicar fluxo ou direção contrária. Se suprimirmos a –
letra delta de andreia, a palavra assim formada, “anreia”,
indica justamente essa oposição. É claro que nem toda
ῇ " ." 5
oposição à corrente é coragem, mas apenas a que se [414] ῇ
processa contra a justiça; a não ser assim, a coragem não Α ῖ 414
teria sido elogiada. Os nomes “viril” (arren) e “homem” . " " " "
(anêr) implicam também significado muito próximo do curso ῇ ." "
para cima (ano rhoê). “Mulher” (gynê) parece-me provir de
geração (gonê). A palavra “feminino” (thêly) parece que . " "
tirou o nome de thêlê, mamilo. E “mamilo”, Hermógenes, não Α " " ῇ ῾ ῇ 5
ῖ ;

é assim denominado porque faz germinar (tethêlenai) tal
ῇ .

como se dá com as plantas irrigadas?
Her.: Pode muito bem ser assim, Sócrates.
Sóc.: A expressão “florescer” (thallein) parece indicar o
" " ῖ
crescimento dos moços, que se processa rapidamente e [b] de ῇ ῖ
súbito. Isso mesmo o legislador representou nesse nome, . ῇ b
composto de correr (thein) e saltar (hallesthai). Não sei ῖ . ῂ -
se estás observando que eu corro velozmente por fora da ῖ
pista sempre que se me depara chão liso. Não obstante, Α ῖ
ainda temos pela frente muita coisa considerada de
.
 ᾿
5
importância pelo consenso geral.
Her.: Dizes a verdade. .

~ 221 ~
PLATÃO Crátilo   


414b 414b
Sóc.: Uma delas consiste em sabermos o que poderá ῂ " " ῖ
significar a palavra “técnica” (technên).
.

Her.: Perfeitamente.
.

Sóc.: Ora, não indicará essa expressão possessão do
pensamento, no caso de [c] suprimirmos o tau e de ῇ 10
inserirmos dois oo, um antes e outro depois do n?
ῇ ῖ < c
Her.: Essa explicação me parece muito rebuscada,
;

Sócrates. >
ῇ .

Sóc.: Meu bem-aventurado amigo, então não sabes que os
nomes primitivos já se encontram soterrados pelas pessoas ῇ ῂ
que se propunham a deixá-los imponentes, acrescentando ou - 5
suprimindo letras por simples eufonia, de forma que vieram
a ficar irreconhecíveis, fosse isso pelo desejo de torná-
ῖ ῇ
los mais bonitos, fosse pelo efeito do tempo. Toma, por ῇ
exemplo, a palavra “espelho” (katoptron): não parece . " "
estranho que lhe tenham intercalado um r? A meu ver, só ῖ ;
procedem desse modo as pessoas que não se [d] preocupam com -
a verdade e que mais cuidam do formato da boca, tanta coisa ῇ ῇ ῂ d
acrescentando ao nome primitivo, que não há quem possa
compreender agora o significado da palavra. E o caso de

“sphinx”, que deveria ser phix; e assim com muitas outras. ῖ Α
Her.: É assim mesmo como dizes, Sócrates. " "" " ῇ


Sóc.: Se nos permitissem acrescentar letras aos nomes, ou . 5
ῇ .

suprimi-las à vontade, fora facílimo acomodar qualquer nome
ao objeto que nos aprouvesse.
Her.: [e] Dizes a verdade.
ῂ ῖ ῂ
Sóc.: Sim, é verdade. Mas é preciso que, na qualidade de ῇ
.
 ᾿
sábio legislador, te guies pelas regras da moderação e da
.
 ᾿
probabilidade. e
Her.: Desejaria. . ῖ -
Sóc.: E eu te ajudarei, Hermógenes. Mas não sejas
.

meticuloso em excesso, meu caro, [415] para que se
.
“me não enervem os fortes braços”.  ῇ ῾ . 5
ῇ ῇ , 415
" ῂ ."

~ 222 ~
PLATÃO Crátilo   
415a 415a
pois atingiremos o ápice de nossa construção, se depois de ῇ
técnica passarmos a estudar habilidade (mêchanên). A meu ." " ῖ
ver, “mêchanê” parece indicar bela realização em qualquer ῖ Α " " 5
ramo; “mêkos” quer dizer grandeza, tendo sido formado
“mêchanê” da união dos dois termos, “mêkous” e “anein”,
Α ῖ ῇ
realizar. Mas, como disse há pouco, precisamos atingir o " " " ῇ" " ." ῂῇ
ápice da exposição. Desejaria procurar saber o que ῇ ῖ
significam os termos “virtude” (aretê) e “vício” (kakia). ῖΑ" " " "
Ainda não [b] percebo o primeiro, mas o segundo se me . ῇ ῂ b
parece muito claro, pois está de acordo com tudo o que ῖ . ῖ ῖ
dissemos até agora. Visto moverem-se as coisas, tudo o que
anda mal (kakos ion) é “vício” (kakia). Quando, porém, é na
. ῇ
alma que se processa esse movimento viciado, então com " " Α ῇ
maior acerto é dado ao conjunto o nome de vício. O que seja ῇ 5
esse movimento viciado, afigura-se-me bastante claro no . ῂ ῇ ῖ
vocábulo “covardia" (deilia), que ainda não examinamos, por " ," ῂ
termos saltado por cima dele, [c] quando estudamos coragem. ῇ Α c
Aliás, pulamos por cima de muito mais coisas. De qualquer
forma, covardia quer dizer que a alma está fortemente
. ῂ
atada, pois “lian” inculca força. A covardia é pois a mais Α
forte cadeia (desmós) da alma. Dificuldade (aporia) é " " .
também vício da alma, formado, ao que parece, de a, Α ῇ 5
privativo, e poreuesthai, tudo o que impede ou dificulta a ῇ ῇ
marcha. Esse é o significado evidente de andar mal (kakos . ῂ ῇ
ienai): encontrar obstáculo ou entraves à marcha; quando a ῇ
alma se acha nessas condições, torna-se cheia de vícios. Se ῇ . ῂ
“kakia” é isso que dissemos, “virtude” (aretê) deverá ser
precisamente o oposto, por significar, em primeiro lugar,
" " ῇ " " 10
facilidade de movimento, e depois o curso [d] sempre livre ῇ ῖ ῇ d
de uma alma boa, designação dada, ao que parece, ao ,
movimento desimpedido e livre. Fora mais acertado chamar- ῇ
lhe “aeireitên”, mas decerto escolheram a expressão airetê ῇ ῇ " " ῖῇ
por indicar que essa é a disposição preferível entre todas, ῖ " ." 5
vindo, por fim, o vocábulo a contrair-se para “aretê”. Por
certo voltarás

~ 223 ~
PLATÃO Crátilo   
415d 415d
a afirmar que estou inventando; só te direi que, se está Α ῇ
certa a interpretação de [e] “kakia”, mais do que correta,
ῇ " ῇ" " " e
sem dúvida, é a análise de “aretê”.
.

Her.: [416] E esse nome, “kakon”, que te serviu para
explicar tantos outros, por sua vez que significa? " ῇ" ῂ 416
ῇ ῖ ;

Sóc.: Por Zeus, parece-me estranho e sobremodo difícil de
explicar. Por isso, mais uma vez vou recorrer ao meu
expediente.

ῖ. .

Her.: Que expediente?
;

Sóc.: Declarar que se trata de expressão bárbara. 5
Her.: Há muita probabilidade de dizeres com acerto. Porém .

se estiveres de acordo, deixemo-lo de lado e procuremos
explicar “belo” (kalon) e “feio” (aischron), para vermos se . ῂ ῖ,
estão bem formados. ῇ " " " " -
Sóc.: “Feio” (aischron) tem para mim significado muito ῖ .
claro, que [b] quadra muito bem com os vocábulos  " " 10
precedentes. Quer parecer-me que tudo o que entrava e detém
os seres em seu curso normal foi sempre tratado com ῖΑ ῖ - b
menosprezo pelo inventor de nomes. Neste caso particular, ῖ . -
chamou “aeischoroun” ao que sempre detém o curso (aei ῖ ῇ
ischonti ton rhoun), que foi presentemente contraído para < >
“aischron”. " "Α " " - 5
Her.: E a respeito de “belo” (kalon)? .

Sóc.: Esse nome é muito mais difícil de compreender. Foi
" ";

formado apenas por harmonia e pela mudança de ou para o.
Her.: Como assim? .
.

Sóc.: Para mim, ele significa pensamento. ·
Her.: Que me dizes? ;

10
Sóc.: [c] Vejamos. Qual te parece ter sido a causa de
possuir cada coisa um nome? Não foi o pensamento que impôs
.

nomes?
;

Her.: Sem dúvida.
Sóc.: Então, terá de ser o pensamento dos deuses, ou o
ῇ c
dos homens, ou de ambos?
; ῂ ῖ ;
 .

; 5

~ 224 ~
PLATÃO Crátilo   


416c 416c
Her.: Sim.

.
Sóc.: Nesse caso, o que dá nome (to kalesan) às coisas e
kaloun vêm a ser o mesmo, a saber, pensamento?
ῇ ;

Her.: Parece que sim.
.

Sóc.: E não é digno de louvor tudo o que é obra da
inteligência e do pensamento, e condenável o contrário 10
disso?
ῇ ῇ ;

Her.: Perfeitamente. ,
.

Sóc.: [d] A medicina produz trabalho de médico, e a
carpintaria trabalho de carpinteiro, não te parece? - d
Her.: Exatamente. ; ;

Sóc.: E a beleza, produz obras belas?
.

Her.: Forçoso é que assim seja.
;

Sóc.: Ora, já afirmamos que esse é o pensamento?
Her.: Com efeito. ῖ .

5
Sóc.: Sendo assim, “kalon” é a designação muito acertada
ῇ ῇ ;

para o pensamento que produz as obras com que nos
.
 ᾿
deleitamos e a que chamamos belas.
Her.: Parece-me que sim.
Sóc.: [e] Que outros nomes do mesmo gênero nos falta
" " ῇ
apreciar?
.

Her.: Os que se relacionam com o bem e o belo, tais como: 10
.

vantajoso, proveitoso, útil, lucrativo [417] e seus
ῖ ;

contrários. e
Sóc.: No que respeita à expressão “vantajoso”
(sympheron), tu mesmo atinarás com o significado, se ῇ -
refletires no que ficou dito acima. Parece ser irmã da 417
.

palavra ciência (epistêmês), que outro fato não indica além
de movimento (phoran) da alma, ao acompanhar as coisas,
sendo denominados “sympheronta” e “symphora” os efeitos
" "
desse movimento, como a indicar que vão junto com as Α
coisas. “Lucrativo” (kerdaleon) vem [b] de lucro (kerdos). . ῖ 5
Ora, se em lugar do delta, nesse vocábulo, repuseres n, ῇ
ressaltará o seu significado, que é, nada mais, nada menos, " " " "
do que outra maneira ῇ " "
." " b
ῖ Α ῂ

~ 225 ~
PLATÃO Crátilo   
417b 417b
de designar o bem. Quem instituiu esse nome pensava no . ῇ
poder que tem o bem de misturar-se (kerannytai) com todas Α
as coisas, no instante de atravessá-las. Mas, por inserir d < '> " .
 "
" 5
no lugar de n, pronunciou “kerdos”.
" ;

Her.: E que quer dizer “útil” (lysiteloun)?
Sóc.: O que parece, Hermógenes, é que essa expressão não ῇ ῾ ῇ
tem o sentido que lhe emprestam os [c] comerciantes, de ῇ ῇ
libertar a dívida. Pelo contrário, por tratar-se do que há
de mais rápido nos seres, não permite que as coisas parem,
ῖ " ῇ" ῂ c
nem que venha a ter fim (telos) o movimento do todo, por ῇ
chegar desaparecer e a parar, porém de contínuo o liberta ῇ ῂ
sempre que ameaça deter-se, tornando-o incessante e ῇ
imortal. Essa a razão, segundo penso, de ter ele dado ao ῇ ῖ - 5
bem o nome de lysiteloun. O nome “útil” (ophelimon) é Α
estrangeiro. Homero o emprega muitas vezes sob a forma " " ." "
“ophellein”, no sentido de crescer e de fazer. ῇ ῇ " -
Her.: [d] E que diremos dos contrários desses nomes?
"Α ῖ .

Sóc.: A meu ver, não precisamos ocupar-nos com os que são
ῖ;

simples negativas dos anteriores. d
Her.: Quais são eles? ῇ ῖῇ
Sóc.: “Desvantajoso”, “inútil”, “inaproveitável” e “não ῖ .
 ῖ
lucrativo”.
;
 "᾿
Her.: Dizes a verdade.
Sóc.: Porém com “prejudicial” e “danoso”. " " " " " 5
."
 ᾿
Her.: Sim. "
Sóc.: “Prejudicial” (blaberon) significa o que [e] impede .
 ᾿
o curso (blapton ton rhoun); e “blapton”, por sua vez, o
" " " ."

que quer pegar ou deter, boulomenon haptein. Ora, haptein,
“pegar ou tocar”, e dein, ligar, têm o mesmo significado,

.
sendo este último, sempre, um termo de censura. Querer " " 10
deter o curso das coisas deveria se expresso com mais
propriedade por “boulapteroun”, designação que, a meu ver, Α " " e
foi melhorada para “blaberon”. Α " " ῖ ῇ
Her.: Teus nomes, Sócrates, apresentam .
" ῇ"
ῖ " ."

5
ῇ ῇ

~ 226 ~
PLATÃO Crátilo   
417e 417e
todos os matizes imagináveis. Há pouco, quando pronunciaste . ᾿
a palavra “boulapteroun”, tive a impressão de dares à boca ῇ
a forma da flauta, para cantares o prelúdio [418] do nome
" ." 418

de Athena.
Sóc.: A culpa não é minha, Hermógenes, porém de quem , ῾ ῇ ῇ ῂ
.
 ᾿
instituiu os nomes.
Her.: Tens razão. Mas, que vem a ser “zêmiôdes”?
Α " ;

Sóc.: Que vem a ser “zêmiôdes”?. Observa, Hermógenes,
"
como tenho razão de dizer que com o acréscimo ou a ῂ " "; ῇ ῾ - 5
supressão de letras altera-se a tal ponto o sentido das , -
palavras, que, muitas vezes, com ligeira modificação elas
passam a significar justamente o [b] contrário do que ῇ -
indicavam antes. É o que se verifica com a palavra
“deonti”, que me ocorreu neste momento, por lembrar-me do ῖ . b
que ia dizer-te, que a linguagem moderna, com seus " "Α
requintes de beleza, de tal modo torceu o sentido de “deon” ῖ ῖ
e “zêmiôdes”, que ambos os vocábulos vieram a perder o " "
significado primitivo que com bastante clareza ressalta na " ῇ" ῖ, 5
ῖ .

linguagem antiga.
Her.: Como assim?
;
 ᾿
Sóc.: Vou explicar-te. Como sabes, nossos ancestrais
mostravam grande predileção pelas letras i e d, .
principalmente [c] as mulheres, que conservam com maior ῇ
pureza a antiga linguagem. Presentemente, em lugar do i ῖ ῇ . c
põem epsilon ou ei ou êta, em lugar de d empregam z, por
acharem mais elegante desse jeito.

ῇ .

Her.: Como assim?
;

Sóc.: Por exemplo: nossos anciãos davam ao dia o nome de
“himeran” ou “hemeran”; os de agora, “hêmera”. " " 5
Her.: É certo. ῇ ῇ" " ."

"
Sóc.: E não percebes que o nome antigo, por si só, revela
.

o pensamento de quem o formulou? Porque os homens se
alegravam ῖ ῖ
; ῖ

~ 227 ~
PLATÃO Crátilo   
418d 418d
de ver a luz sair das [d] trevas, e a desejavam ῇ d
(himeirousin), denominaram-no “himera”, de hímeros, desejo.
" ."

Her.: É evidente.
.

Sóc.: Porém hoje, de tal modo enfeitaram o vocábulo
“hêmera”, que não atinamos com o seu significado. Todavia, ῂ
há quem pense que o dia recebeu esse nome (hêmera), por " ." ῇ
deixar afáveis (hêmera) as coisas. ῖῇ .

5
Her.: É também o que me parece.
ῖ .

Sóc.: E não sabes que os antigos davam ao “jugo” (zygon)
o nome de dyogon? " " " "
.

Her.: De fato.
Sóc.: “Zygon” não tem sentido; “dygon” é que seria a
.

expressão adequada para indicar a atrelagem de dois animais
(dyoin agôgên) no veículo a ser [e] puxado. Hoje, porém, " " ῖῇ ῖ 10
dizemos “zygon”. E como esse caso há muitos. ῖ e
Her.: Parece. " " Α " ."
Sóc.: Na mesma ordem de idéias, observarei que .

“obrigação” (deon) pronunciado desse jeito significa o
.

contrário de todas as designações do bem. Pois, muito
embora seja obrigação (deon) uma espécie de bem, dá a " " 5
impressão de cadeia (desmos) e obstáculo ao movimento, como ῖ
se fosse irmão de blaberou. Α
Her.: Dá, realmente, Sócrates, essa impressão.
ῇ -
Sóc.: Porém, se restabelecermos a forma primitiva, que se


me afigura muito mais correta do que [419] a presentemente .
ῇ ῇ .
 ᾿
usada, concordaria com todos os nomes do bem a que nos 10
referimos, bastando para isso por i no lugar de ei, como ῂ ,
era antigamente, porque diion, não deon, designa o bem e é
expressão de louvor. Desse modo, não se contradisse quem ῖ ῇ ῂ - 419
instituiu os nomes, por significarem a mesma coisa as ῖ ῖῇ -
expressões “obrigatório”, ῇ Α ῇ ῂ
ῇ ῇ ῖ.
ῇ " " 5

~ 228 ~
PLATÃO Crátilo   
419a 419a
“vantajoso”, “lucrativo”, “proveitoso”, “bom”, “útil” e " " " " " "
“fácil”. São nomes diferentes para designar o princípio tão " " " " " " -
louvado que tudo dirige e coordena, sendo censurado o que ῇ ῖ
restringe e ata. E o que se [b] dá com “zêmiôdes”: se
restabeleceres a pronúncia primitiva, pela substituição de ῇ - b
z por d, verás que “dêmiôdes” indica precisamente o que . " ῇ"
impede a marcha (dounti to ion). ῇ ῖ ῖ
Her.: E com relação a “prazer”, “dor”, “desejo” e demais ῇ " ."
termos da mesma espécie, Sócrates?  " " " " " " 5
Sóc.: Não me parecem muito difíceis, Hermógenes. “Prazer”
ῇ ;

(hêdonê) indica a ação que tende para o lucro (onêsin),
porém deu-se a inserção de um d, de forma que ficou ῇ ῾ .
“hêdonê” em lugar de “hêonês”. “Dor” (lypê) parece provir " ,"
da dissolução (dialyseôs) [c] que o corpo experimenta – ῇ " "
nesses momentos. “Tristeza” (ania) significa obstáculo à
marcha. “Dor” (algêdôn) tem feição de vocábulo estrangeiro,
" " ῖ – " " c
derivado de penoso (algeinou). “Sofrimento” (odynê) parece
indicar penetração da dor (endyseôs tês lypês). Com relação . " " .
à “aflição” (achthêdôn) não há quem não veja que significa " "
entrave à locomoção. “Alegria” (chara) parece indicar ." " 5
difusão (diachysei) e facilidade de movimento (rhôes) da ." " -
alma. “Deleite” (terpsis) vem de [d] agradável (terpnou), e ." "
“agradável” (terpnon) de esqueirar-se (herpseõs) na alma o -
prazer, no jeito de sopro. A rigor, deveria ser “herpnoun”;
mas com o tempo alterou-se para “terpnon”. “Alegria” ." " Α " " d
(euphrosynê) dispensa maiores explicações; toda a gente ῇ
percebe que esse nome vem do movimento da alma bem (eu) " " ῇ
combinado com a natureza. O certo seria dizermos " " ." " ῖ
“eupheroynên”; semelhantemente dizemos o mesmo de Α ῖ 5
“euphrosynên”. “Epithymia”, também, não oferece
dificuldade. É
ῇ" " Α
" ." ῂ" " Α

~ 229 ~
PLATÃO Crátilo   
419d 419d
evidente que o nome provém da força que entra [e] no
coração (epi thymon iousê). Por sua vez, “paixão” (thymos)
." " e
deriva da impetuosidade (thyseôs) e efervescência da alma.
“Desejo” (himeros) é assim chamado por causa da corrente . " "
que arrasta com mais força a alma; visto correr com anelo Α
(iemonos rhei) para as [420] coisas e mostrar-se desejoso ῖ ῇ 420
delas, atrai grandemente a alma pela impetuosidade (hesin) ,
de seu curso. Por todas essas qualidades foi denominado
“himeros”. “Saudade” (pothos), por seu turno, não designa,
" " .
como himeros, desejo de algo presente, porém ausente e de " " ῖ
alhures (pou), donde haver sido denominado “pothos” o , " " 5
sentimento que é chamado “himeros” quando está presente o ῇ ῇ" "
objeto do desejo. Desaparecido esse objeto, recebeu aquele ῖ Α " " .
o nome de “pothos”. Quanto a “amor” (erôs), por correr " " , ῖ
(esrei) para a alma, vindo de fora, sem ser inerente à ῂ ῇ b
pessoa em que se [b] faz sentir, porém, nela introduzida
pelos olhos, foi antigamente denominado “esros”, quando se ῖ " " ῖ –
usava ou em lugar de ômega; agora, porém, chama-se “erôs”, – ῂ" "
por haver retomado o ômega o seu lugar. E agora dizes o que .
;
 "
ainda desejas examinar? 5
Her.: Que pensas a respeito de “opinião” (doxa) e das " ;
 "
palavras do mesmo grupo?
Sóc.: “Doxa” vem de procura (diôxei), que leva a alma a " ῇ
conhecer a natureza das coisas, ou do disparo do arco -
(toxou), o que, a meu ver, é o mais provável. “Opinião” ῇ . .
(oiêsis), pelo menos, confirma essa explicação. Parece " " ῖ. " " c
indicar esse nome o avanço da [c] alma em direção das ῇ ῇ
coisas, para conhecer sua natureza, da mesma forma que
“conselho” (boulê) se relaciona com “tiro” (bolên), assim
ῇ " " ῇ
como “querer” (boulesthai) reúne as duas acepções: pôr a " " " -
mira em, e deliberar. Todas essas expressões vêm no cortejo "Α ῂ 5
de doxa e parecem implicar a idéia de tiro (bolês), como, ῇ
por outro lado, o contrário disso,

~ 230 ~
PLATÃO Crátilo   
420c 420c
“ausência de opinião” (aboylia) parece indicar algum " " ῖ ῇ
desastre (athychia), no sentido de falhar ou de não acertar ῂ -
no alvo, com respeito ao que fora deliberado ou desejado. .

Her.: [d] Tenho a impressão, Sócrates, de que empilhas
por demais as explicações. ῖῇ ῇ d
.
 <
Sóc.: O fim é dedicado ao deus. Antes, porém, quero
explicar o sentido do termo “necessidade” (anagkên), que > ." " ῂ
vem depois dos anteriores, e de “voluntário” (hekousion). ῇ ῇ " -
Quanto a “voluntário”, é o que cede (eion) e não oferece
." " ῇ" 5
resistência, porém cede, como disse, ao movimento
determinado pela vontade (eikon tô ionti), conforme o nome ῂῇ ῇ
o indica. O “necessário” (anagkaion) e resistente, visto ῇ Α
opor-se à vontade, implica erro e ignorância; a ideia é " ῖ " ῇ ῇ
tirada da [e] travessia de uma torrente de água (agkê), a ῇ
qual, por ser áspera, ínvia e densa impede a marcha. É bem , e
provável, assim, que a expressão “anagkaion” tivesse sido . " ῖ ῇ"
sugerida pela passagem de uma torrente. Mas, enquanto
tivermos força, não desistamos. Não desistas, também;
.
continua a perguntar. ῇ Α ῇ
.
 ᾿
Her.: [421] Vou perguntar acerca do que há de mais nobre 5
e belo: “verdade”, “mentira”, “ser”, e o que constitui o ῇ 421
próprio objeto de nosso estudo: “nome”. De onde lhe veio " " " " " "
chamar-se nome?
Sóc.: Não designas por maiesthai alguma coisa? ῖ ῇ" ῇ" '
.

Her.: Sim, procurar.
Sóc.: Quer parecer-me que o vocábulo “nome” (onomati) é ῖ ;

5
uma proposição concentrada, que afirma a existência do ser ῇ ῖ.

(on) que investigamos, o “nome”. Compreenderás mais
facilmente isso mesmo naquilo que chamamos ,
ῂ ῇ ῇ
" ."

~ 231 ~
PLATÃO Crátilo   
421a 421a
“a ser denominado” (onomaston), pois diz claramente que se " "Α 10
trata do ser sobre que [b] investigamos (on hou masma
. ῂ" ῇ" ῖ b
estin). “Verdade” (alêtheia) parece ter sido também, como
os outros, formado por contração. O que essa expressão Α
(alêtheia) significa é o movimento divino do ser, theia ῇ " ," .
alê. “Mentira” (pseudos) indica o contrário de movimento. " " Α -
Nesse passo, encontramos outra vez uma expressão ῇ 5
condenatória ao que é contrário ao repouso ou que o impede; ῖ Α ῖ
sugere a ideia de dormir (katheudousi), porém a inicial ps . " "
que lhe foi acrescentada mascara o significado do vocábulo. " " ῖ ῖῇ Α
Quanto a “sendo” (on) e “essência” (ousia), são semelhantes
a “alêthei”, com acréscimo do iota: indica movimento (ion) ῇ " " , - c
do ser (on), o que também [c] é válido par ao “não-ser” ῇ" ."
(ouk on), que alguns pronunciam “ouk ion”.  ῖῇ ῇ
Her.: Estou vendo, Sócrates, que manejas o malho com Α " "
denodo nas tuas interpretações. Mas, e se alguém te " " " ῇ" 5
interpelasse a respeito de “ion”, “rheon” e “doun”, se

 "
receberam com propriedade as respectivas denominações –
;" ; ;

Sóc.: “Que lhes responderíamos?” Dizes? Ou não?
.

Her.: Exatamente.
Sóc.: Há pouco referimo-nos a algo que parece uma espécie ῖ
de resposta.
.

10
Her.: Que foi?
ῖ ;

Sóc.: Ao dizer que são de origem bárbara os nomes cujo
sentido nos escapa. Para muitos [d] nomes talvez seja ῇ ῇ ῂ
verdadeira a explicação; mas pode também acontecer que a
idade dos vocábulos é que os deixa indecifráveis. Com o
. d
correr do tempo, os nomes ficaram de tal modo retorcidos, ῇ -
que não admira parecer linguajar bárbaro a antiga fala, em Α
confronto com a dos nossos dias. ῇ
.

Her.: Não é fora de propósito o que dizes. 5
.

~ 232 ~
PLATÃO Crátilo   


421d 421d
Sóc.: Falo que é bem provável que assim seja. Contudo, em . ῖ -
nosso debate não devemos dar guarida a expedientes; temos
ῇ -
que esforçar-nos para encontrar a explicação certa.
Consideremos o seguinte: se alguém interrogar outra pessoa . ῇ , '
a respeito das palavras [e] que entram na composição de ῇ ῖ ῇ ῂ e
determinada sentença, e depois, dos elementos de que essas , ῖ ῇ -
palavras se formaram, e assim indefinidamente, a pessoa ῇ ῂ ῖ -
interrogada não se verá forçada, por fim, a parar com as

;
respostas?
ῖ.

Her.: É também o que eu penso. 5
Sóc.: [422] Mas, em que altura tem direito o que responde 422
de recusar-se a prosseguir? Não será quando chegar àqueles ; ῂ ῂ ῖ ῇ
vocábulos que são como elementos das próprias palavras e ῖ -
das sentenças? Pois, a rigor, não podemos imaginar que
sejam compostos de outras palavras. A palavra “agathon”,
;
por exemplo, revelou-se-nos há pouco como composta de ῇ . 5
agastou e thoou. “Thoon”, por sua vez, deve provir de " "
outros elementos, e estes também de outros mais. Sempre, ῖ ῇ " " ῖ ῇ ῖ
porém, que [b] chegarmos a uma palavra não formada de Α ῂ b
outros nomes, temos o direito de concluir que se trata de ῇ ῖ -
elemento primitivo, não explicável por nenhum outro.
Her.: Penso que pareces dizer com acerto.
ῖ -
.

Sóc.: Ora bem; as palavras a que se refere tua pergunta
ῖ .

de há pouco serão, porventura, elementos originários, e 5
haverá necessidade de empregarmos algum método novo para ῂ ῂ ῖ
estudar seu exato significado? ῇ ῖ
Her.: É provável que sim.
;

Sóc.: Sim, é provável, Hermógenes. Pelo menos, parece que
.

os vocábulos [c] precedentes nos impõem essa conclusão. E
se assim é, de fato, como estou convencido, ajuda-me nesta ῇ ῾ Α 10
investigação, para que eu não saia do caminho certo, quando
procuro explicar o sentido exato dos nomes primitivos.
. ῇ c
Her.: Então expõe, que procurarei ajudar-te na medida de ῖ ῇ ῂ
minha força. ῖ
.
 ῇ ῂ 5
.

~ 233 ~
PLATÃO Crátilo   


422c 422c
Sóc.: Que só há um princípio aplicável a todos os nomes, -
do primeiro ao último, e que nenhum nome, como tal, difere

de outro nome: estou certo de que neste ponto pensas como
ῇ ῖ.

eu.
.
 ᾿
Her.: Sem dúvida. 10
Sóc.: [d] Mas, a aplicação certa dos nomes que examinamos d
até agora, não tendia a indicar a natureza das coisas? ῇ
Her.: Como não?
.

Sóc.: É o que terão de revelar-nos tanto os nomes
;

primitivos quanto os derivados, por isso mesmo que são
nomes. ῖ 5
Her.: Exatamente. ῇ .

Sóc.: Mas, ao que parece, os nomes derivados só alcançam
.
 ᾿
essa finalidade por intermédio dos primitivos.
Her.: É claro. ῇ ῇ
.

Sóc.: Muito bem. E os primitivos, os que não têm outro
nome como substrato, de que modo farão ver, com a maior .

10
clareza possível, a realidade, se [e] terão de ser nomes?
Responde-me ao seguinte: se não tivéssemos nem voz nem Α ῇ ῇ
língua, e quiséssemos mostrar as coisas uns aos outros, não ῖ -
procuraríamos fazer como os mudos, indicando-as com as ῇ ; e
mãos, a cabeça e todo o corpo? Α ῇ
Her.: Não haveria outro jeito, Sócrates?
ῇ ῂ ῇ
Sóc.: [423] A meu parecer, se fosse preciso indicar
algumas coisa elevada ou leve, levantaríamos as mãos para o , ῖ
;

céu, para imitar a própria natureza da coisa; se fosse algo 5
ῇ ;

baixo e pesado, para o chão é que as estenderíamos, e no
caso de querermos indicar um cavalo a correr, ou qualquer
outro animal, bem sabes que procuraríamos deixar nosso
ῂ 423
corpo semelhante ao deles, tanto quanto possível, assim na ῇᾔ ῖ ῇ
forma como no gesto. Α
Her.: Acho que forçosamente é como dizes. ῇ .
Sóc.: É possível, então, segundo penso, exprimir algo por ῇ ῂ 5
.
 ᾿
meio do corpo,
ῖ .


~ 234 ~
PLATÃO Crátilo   
423b 423b
imitado, ao que parece, o [b] corpo que queremos indicar. ῇ ῇ ῇ ῖ b
Her.: Sim.
.

Sóc.: E uma vez que queremos expressar-nos com a voz, a

 ᾿
língua e a boca, não poderemos exprimir o que quer que seja .
por esse meio, se procurarmos imitar seja o que for?
Her.: Necessariamente, é o que me parece. ῇ ῂ ῖ 5
Sóc.: O nome, portanto, como parece, é a imitação vocal ῇ
da coisa imitada, indicando quem imita, por meio da voz,
;
 ᾿
aquilo mesmo que imita.
ῖ.

Her.: É o que penso.
Sóc.: [c] Pois eu não, por Zeus! A meu ver, companheiro, ῂ ῂ ῇ ῇ
essa explicação ainda não serve. ῖ ῇ 10
Her.: Por quê?

.
Sóc.: Teríamos de concordar que as pessoas que balam como
ῖ .

os carneiros, ou cantam como os galos, ou imitam a voz de
qualquer outro animal, nomeiam as coisas imitadas. ' ῂ ῖ ῇ c
ῖ .

Her.: É assim mesmo como dizes.
Sóc.: E parece-te que isso está certo?
;

Her.: Acho que não. Mas, então, Sócrates, que espécie de
imitação é o nome?
Sóc.: Em primeiro lugar, segundo o meu modo de pensar, ῂ - 5
ῖ .
 ᾿
não é uma imitação como a da [d] música, muito embora se
trate de imitação vocal; depois, segundo penso, quando
.

imitamos o que a música também imita, não estamos dando
ῖ ;

nome às coisas. Quero dizer o seguinte: não são as coisas
dotadas de voz e forma, e muitas também de cor? . ῇ ῇ
;

Her.: Perfeitamente. 10
ῇ ῖῇ
ῇ d
Α
ῖ ῖ ῇ
. Α ῖ
ῇ ῖ;

5
.

~ 235 ~
PLATÃO Crátilo   


423d 423d
Sóc.: A meu ver, quando imitamos essas coisas, nada tem ῇ
que ver essa imitação com a técnica de dar nomes; seu
.
domínio particular é a música e a pintura, não é verdade?
;

Her.: Sim. , ·


Sóc.: [e] E que pensas do seguinte: não te parece que . 10
cada coisa tem sua essência própria, tal como cor e o que ; ῖ e
agora acima enumeramos? E a cor, também, para começar, e a , ;
voz, não têm também sua essência, assim como tudo o mais
que merece a designação ser?
Her.: Penso que sim. ῖ
ῇ ;

Sóc.: E então? Se fosse possível imitar isso mesmo, a 5
ῖ.

saber, a essência das coisas, por meio de letras e de
sílabas, não se nos tornaria patente a sua natureza? Ou ; ῖ
não?
Her.: [424] Sem dúvida.
ῇ ῇ ῖῇ ῂ
ῖ ; ;

Sóc.: E como nomearias quem pudesse fazer isso, da mesma
. 424

forma que recorreste ao nome de músico num caso anterior de
imitação, e noutro ao de pintor? Este, agora, como se
chamaria?

Her.: Este, Sócrates, no meu modo de pensar, é o perito ῇ .
;

em nomes, que há muito procurávamos.
Sóc.: Se isso for verdade, penso já ser tempo de ῖ, ῇ 5
voltarmos a examinar os nomes a que te referiste: “fluxo” ῇ .

(rhoês), “ir” (ienai), “deter” (skheseôs) para vermos se
por meio de letras e sílabas o instituidor desses nomes ῇ
apreendeu sua maneira [b] de ser e lhes reproduziu a ῇ " "
essência, ou se o não fez? " " " ῇ" ῖ ῖ -
Her.: Perfeitamente. ῖ - b
Sóc.: Ora bem, vejamos então se são esses os únicos nomes ῖ ῇ ;

primitivos, ou se há outros nas mesmas condições.
.

Her.: Eu, pelo menos, penso que há.
Sóc.: É provável que haja. Mas, que método de análise


escolheremos para o ponto em que o imitador começa a . 5
imitação? Visto ser feita a imitação da essência por meio .

de sílabas e de letras,
. -
ῖ ;

~ 236 ~
PLATÃO Crátilo   
424b 424b
a maneira mais certa não consistirá em distinguir [c] ῇ ῖ 10
primeiro as letras, e proceder como procedem os que estudam
ῇ ῖ ῖ - c
o ritmo, que principiam por determinar as propriedades dos
elementos, a seguir as das sílabas, e só depois de haverem ῇ -
chegado a esse ponto, nunca antes, passam a considerar o ῇ
ῇ ῂ ;

próprio ritmo?


Her.: Sim. . 5
Sóc.: E nós, não devemos também estudar as letras, a
começar pelas vogais, para depois classificar por espécies
ῂ ῖ
as que carecem de som e de ruído – é assim que se exprimem ῇ
os que entendem do assunto – e as que, não sendo vogais, –
mudas também não são? E entre as próprias vogais, suas – ῇ
diferentes [d] variedades? Depois de tudo classificado, ; 10
será preciso considerar as coisas que terão de receber ; , d
nome, para vermos se entre elas há formas a que todas
possam ser reduzidas, como se deu com as letras, e que nos
ῖ ῖ ῇ -
permitam conhecer a sua natureza, e se há, também, espécies ῖ ῇ ῖ
entre elas, tal qual se deu com as letras. Uma vez estudado ῖ
acuradamente tudo isso, teremos de saber agrupar e ῖ Α - 5
relacionar as coisas conforme sua semelhança, seja ῇ
aproximando uma de outra, seja misturando várias, como ῇ ,
fazem os pintores, quando querem exprimir a semelhança: às
vezes empregam somente púrpura, outras [e] vezes uma cor ῇ
diferente, ou misturam várias cores, quando, por exemplo,
têm de representar a cor da carne ou coisa do mesmo gênero, ῇ ῇ e
cada cor, segundo penso, de acordo com a necessidade da ,
imagem. É desse modo, também, que devemos acomodar as ῖ –
letras com relação aos objetos, ora uma para cada um, se ῖ ῖ -
nos parecer que assim é preciso, ou muitas ao mesmo tempo, ῇ ῇ ῖῇ ῇ 5
formando o que se denomina sílaba, as quais, por sua vez, ῇ
[425] serão reunidas, para virem a formar nomes e verbos.
Com estes, finalmente, os nomes e os verbos, não comporemos ῇ - 425
algo belo, grandioso e completo? E do mesmo modo que Α
ῇ ῖ

~ 237 ~
PLATÃO Crátilo   
425a 425a
o pintor reproduziu uma figura por meio da pintura, aqui, ,
também, criaremos a linguagem por meio da técnica de nomear . ῖῇ 5
ou de falar, ou que outro nome tenha. Ou melhor, não somos .
nós que o faremos – deixei-me arrastar pelo discurso – pois
todas essas combinações, tal como as recebemos, foram obra
· ῖῇ
dos antigos, cabendo-nos apenas, no caso de querermos ῖ ῇ ῇ b
analisar metodicamente tudo isso, depois de feitas as ῖ ,
distinções mencionadas, verificar se as palavras [b] Α ῂ
ῇ ῾ .

primitivas e as derivadas estão ou não formadas como
convém. Encadeá-las de outra forma, querido Hermógenes,
.

fora trabalho errado e, principalmente, inútil. ', 5
Her.: Por Zeus, Sócrates, é bem possível. ; ῂ
;

Sóc.: E então? Julgas-te capaz de fazer essas distinções? .
Eu, pelo menos, não me considero com envergadura para isso. .
 ᾿
Her.: Eu também estou longe de poder fazê-lo.
Sóc.: Então, abandonemos a empresa, ou, se o preferires, ῇ ῇ
envidemos nossos esforços nesse sentido, embora seja pouco ῂ ῖῇ - 10
o que possamos perceber, para ver claro no assunto, mas ῇ ῇ ῖ ῖῇ c
postulemos a mesma [c] restrição feita anteriormente para
os deuses, pois nada sabendo a respeito da verdade, só ῇ ῖ
formulávamos conjecturas sobre a opinião dos homens a seu
respeito. Do mesmo modo no presente caso, antes de
ῖ ῇ
passarmos adiante, digamos a nós mesmos que se esse assunto ῇ ῖ ῇ 5
tivesse de ser estudado a fundo, ou por estranhos ou por
; ῖ ῇ ;

nós, assim é que teria de ser tratado, mas que, nas
ῖ.

presentes circunstâncias, como se diz, não poderemos fazer
nada além de nossas forças? Está bem assim, ou pensas de
outro modo? ῖ ῖ ῇ ῾ ῇ - d
Her.: Concordo em toda a linha com tua maneira de pensar. ῖ
Sóc.: Penso que poderá parecer ridículo, Hermógenes, · .
virem [d] a ser conhecidas as coisas pela imitação das -
letras e das sílabas; mas tem que ser assim, pois não ῇ , 5
dispomos de nada melhor a que possamos recorrer para
ajuizar da verdade dos primeiros nomes, a menos que te ῇ ῖ ῇ
resolvas a proceder como os poetas trágicos, que lançam mão
de máquinas, sempre que se encontram em dificuldade para
.
fazer baixar os deuses: de igual modo, sairemos deste apuro
declarando que os nomes primitivos foram estabelecidos
pelos deuses, e que por isso mesmo estão corretos.

~ 238 ~
PLATÃO Crátilo   
425e 425e
Será para nós [e] a melhor explicação? Ou então a outra, ῖ ; ῖ ῇ e
que recebemos dos bárbaros alguns desses nomes, visto serem ῇ
os bárbaros mais antigos do que nós? Ou, ainda, [426] que
em virtude de sua vetustez é impossível encontrar ;
explicação para eles, como se dá também com relação aos ῇ ; 426
nomes bárbaros? Tudo isso não passaria de escapatórias,
muito engenhosas, aliás, de quem não quisesse confessar a
incapacidade própria para explicar a razão de ser dos nomes
primitivos. O certo é que, seja qual for o motivo de
ῖ .
desconhecermos o sentido exato desses nomes, impossível nos ῇ ῇ 5
será também compreender o dos derivados, os quais Α
forçosamente terão de ser explicados por aqueles, a
respeito do que nada sabemos. É evidente que terá de dar as b
melhores e mais límpidas provas de sua competência, [b] com ῖ ῖ ῇ
relação aos nomes primitivos, quem quer que se apresente
. ῖ;

como perito na matéria, ou ficará ciente de que tudo o que
ῂ ῇ ῇ .

disser dos derivados não passa de palavreado sem sentido.
Ou pensas de maneira diferente? ᾔ 5
Her.: Não, Sócrates; de forma alguma. ῖ ῖ .
Sóc.: Afiguram-se-me sobremodo impertinentes e ridículas ῇ Α ῂ
as reflexões que tenho formulado acerca dos nomes
ῖῇ .

primitivos. Se o desejares, posso comunicar-tas; espero que
. .

faças o mesmo comigo, no caso de já teres encontrado
algures explicação melhor. c
Her.: Farei isso mesmo; podes falar sem medo. ῇ ῂ ῂ
Sóc.: [c] Para começar, a letra r me parece ser o Α
instrumento para exprimir toda sorte de movimento. Mas
ainda não dissemos de onde vem esse nome movimento Α .
(kinêseôs). É mais do que claro que hesis indica marcha, " "– – ῂ 5
pois antigamente não se usava ê (êta), mas apenas ei .
(epsilon). O começo vem de “kiein”, nome estrangeiro, que ῖ ῇ" " ῖ Α
significa ir (ienai). Se alguém quisesse encontrar o antigo -
nome que se ajeitasse à nossa maneira de falar, “hesis” " " ῇ
seria o termo apropriado. No entanto, agora, do vocábulo
estrangeiro kiein, depois da substituição [d] do êta e da
" " ῖ " ." d
inserção da letra n, ficou “kinêsis”, quando deveria ser
“kieinêsin” ou “kiesin”. O termo staesis é a negação

~ 239 ~
PLATÃO Crátilo   
426d 426d
de ir (ienai), mas por eufonia foi assim constituído. Como ῇ " "
porém ia dizendo, a letra r pareceu a quem estabeleceu os . ῖ ῇ ῇ
nomes um belo instrumento para o movimento, capaz de -
representar a mobilidade. Por isso mesmo, recorreu a ela
com frequência. Para começar, em “correr” (rhein) e
ῇ 5
“corrente” (rhoê) com essa letra imita o movimento, o mesmo Α " ῖ" " "
[e] acontecendo em “tremor” (tromo), “áspero” (trechen) e ῖ ῇ
em verbos como “percutir” (krouein), “vulnerar” (thrauein), " ῇ" " ῇ" ῖ ῖ e
“romper” (ereikein), “danificar” (thruptein), “esmigalhar” " ῇ" " ῇ" " ῇ" " -
(kermatizein), “redemoinhar” (rhymbein). Em todas essas ῇ" " ῇ" " ῖ ῇ"
palavras é pela letra r que ele imita o movimento.
Percebeu, segundo penso, que nessa letra a língua se
.
detinha menos e vibrava mais; daí, parecer-me que se serviu ῇ Α 5
dela para exprimir o movimento. A letra i lhe valeu para .
tudo o que é sutil e em tudo penetra. Por isso mesmo, imita ῇ
[427] com ela os movimentos de “ir” (ienai) e “avançar” . " " " " 427
(hiesthai), da mesma forma que empregou ph, ps, s e z,
letras aspiras todas elas, na imitação de noções como
ῖ ῇ ῖ ῖ
“frio” (psychron), “fervente” (zeon), “agitado” (seiesthai) ῖ ῇ ῇ
e os abalos em geral (seismos). E quando imita alguma coisa ῖ ῇ " "
da natureza do vento, na maioria das vezes é a letras " " " " . 5
desses tipos que o instituidor dos nomes parece recorrer. ῇ
Parece também ter compreendido que a pronúncia do d e do t, -
letras que comprimem a língua e nela [b] se apóiam, era . ῂ
apropriada para exprimir a imitação de “encadeamento”
(desmou) e de “parada” (staseôs). Por outro lado, tendo
observado que a língua escorrega particularmente na " " b
pronúncia do l, formou por imitação as palavras que " ."
designam o que é “liso” (leia), “escorregadio” ῇ " ῖ "
(olisthanein), “gorduroso” (liparón), “grudento” (kollôdes) " " " " " "
e tudo o mais do mesmo gênero. E como o g tem a propriedade . 5
de deter o escorregamento da língua causado pelo l, com a ῇ
junção das duas letras representou

~ 240 ~
PLATÃO Crátilo   
427b 427b
as noções de “viscoso” (gliskhron), “doce” (glyky) e " " " " " ."
“lutulento” (gloiôdes). Da observação [c] de que o n detém
ῂ ῇ " " c
o sem dentro da boca, criou as expressões “dentro” (endon)
e “interior” (entos), para representar os fatos por meio " " ῇ ῖ
das letras. Ao a atribuiu o sentido de “tamanho” (megalô) e . ῂ " " ῇ
ao ê (êta) o de comprimento (mêkei), por tratar-se de " " ῇ . " -
letras longas. Tendo necessidade do o para exprimir a ideia " ῇ ῖ 5
de “redondo” (goggylon), empregou-o com mão larga nesse . -
vocábulo. E assim procedeu o legislador em tudo o mais,
reduzindo todas as coisas a letras e a sílabas e criando ῖ ῇ
para cada ser um sinal e nome apropriados, para formar por
imitação os demais nomes, a partir desses elementos
ῖ -
primordiais. Nisso consiste, Hermógenes, a meu ver, a . ῇ ῾ ῇ d
correta [d] aplicação dos nomes, a menos que Crátilo tenha ῇ
.

algo diferente a comunicar.
Her.: O certo, Sócrates, é que Crátilo quase sempre me dá ῇ ῇ
muito trabalho, conforme disse no começo, quando afirma
haver justeza nos nomes, mas sem dizer claramente em que
ῇ ῂ ῇ 5
consiste, de forma que eu fico sem saber se é de caso ῇ ῂ
pensado ou sem querer que ele sempre se exprime a esse ,
respeito em termos obscuros. Dize-me agora, Crátilo, [e] .
aqui em frente de Sócrates, se te agrada o que ele expôs a , ῇ - e
respeito dos nomes, ou se tens a alegar coisa melhor? Sendo ῇ
esse o caso, fala, ou para aprenderes com Sócrates, ou para
ensinares a nós dois.
; ῇ ῇ
.

Crá.: Como, Hermógenes? Achas que é muito fácil aprender
e ensinar com essa rapidez seja o que for, principalmente , ῾ ; ῖ 5
um assunto como este, que é considerado dos mais ῖ ῇ
importantes? ῇ ῖ ῖ ;

Her.: [428] Não, por Zeus; não penso assim. Mas dou razão
a Hesíodo, quando diz: sempre é de alguma vantagem ῂῇ . ῾ 428
pouquinho a pouquinho juntar. Por isso, se estás em ῇ
condições de contribuir com alguma coisa, por menor que ῇ . ῂ
seja, para nosso conhecimento, não te esquives e presta ῇ ῂ
esse serviço a Sócrates aqui presente, e também a mim, como – ῂ –

. 5
te cumpre.
Sóc.: De minha técnica, Crátilo, não me ῇ ῇ

~ 241 ~
PLATÃO Crátilo   
428a 428a
responsabilizo por nada do que afirmei; não fiz mais do que ῇ ῂ῾ -
examinar com Hermógenes o assunto, tal como se me ῇ ῇ
apresentava. Por isso, fala sem vacilações, caso [b] tenhas
coisas melhor a expor, e conta desde já com a minha , . b
aprovação. Aliás, não me causará surpresa teres noções mais ῇ Α ῖ
elevadas sobre essa matéria, pois quer parecer-me que não ῂ
somente já meditaste sobre questões a ela pertinentes, como . ῇ
.
 ᾿
tomaste lições com outras pessoas a esse respeito. Se 5
tiveres algo belo a expor, inscreve-me como um dos teus , ῇ ῇ
discípulos na questão da correta aplicação dos nomes.
Crá.: Acertaste, Sócrates, ao afirmares que me ocupo com
essas questões e que é provável vir a tomar-te com . , c
discípulo. O que receio é que nos saia [c] tudo pelo ᾿ ῇ
contrário, pois ocorre-me dirigir-te as palavras ditas por ῖ ῖ .
Aquiles a Ajax, por ocasião da embaixada. Disse assim:
ῇ ῇ
Dominador poderoso de povos, Ajax Telamônio!
Com quase todas as tuas palavras meu peito concorda.
. 5

Para mim, também, Sócrates, foi muito do meu gosto tudo o , ῇ


que vaticinaste, quer tenhas sido inspirado por Eutífron, ῖῇ ῂ ῇ
.
 ᾿
quer se te abrigue no peito uma outra Musa, embora disso
não tenhas conhecimento. ῇ d
Sóc.: [d] Eu também, meu bom Crátilo, há muito me admiro
de minha própria sabedoria, e mal posso nela acreditar.
. ῖ -
Acho de bom aviso, portanto, fazermos uma revisão geral em . ῂ
tudo o que eu disse. Não há nada pior do que alguém enganar Α
a si mesmo; quando o enganador não se afasta uma linha de ῂ ῇ ; ῖ 5
nós mesmos, mas se encontra sempre à mão, como poderá não , ῇ ῇ
haver nada mais aborrecido? Precisamos, portanto, segundo ῇ ῇ "
penso, voltar uma e mais vezes ao que dissemos antes e ." ῖ ῖ
tentar olhar para adiante e para trás, como nos aconselha o
citado poeta. Façamos isso, justamente; “ao mesmo tempo, . ῇ ῇ ῇ e
adiante (prossô) e atrás (opissô)”; vejamos o que [e] Α
;
 ᾿
expusemos até agora. A correta aplicação dos nomes, foi o
ῖ ῇ .

que dissemos, consiste em mostrar como é constituída a
coisa. Aceitaremos como suficiente essa definição?
;

5
Crá.: A mim, pelo menos, Sócrates, parece-me excelente.
Sóc.: Logo, a enunciação dos nomes tem por finalidade a .
instrução?
Crá.: Perfeitamente.

~ 242 ~
PLATÃO Crátilo   


428e 428e
Sóc.: Diremos, por conseguinte, que se trata de uma -
técnica, e que há profissionais dela?
;

Crá.: Sem dúvida.
.

Sóc.: Quem são eles?
;

Crá.: [429] Justamente os que apontaste no começo: os 10
legisladores.
ῂ ῇ . 429

Sóc.: E admitiremos, também, que essa técnica é exercida
entre os homens como as demais técnicas, ou não? O que ῖ
quero dizer é o seguinte: entre os pintores há piores e ; -
melhores, não é verdade? . -
Crá.: Perfeitamente. ῇ ;

5
Sóc.: E não é também certo que os melhores pintores
.

executam melhores trabalhos, a saber, pinturas, e os
outros, trabalhos inferiores? E não se passará a mesma
coisa com os construtores: uns levantam casas mais bonitas, ῇ ῇ ;
e outros mais feias? ῇ
Crá.: Sim. ;

10
Sóc.: [b] E entre os legisladores, uma técnica executará


melhor o trabalho, e outra o apresentará com defeitos? .
Crá.: Nesse ponto estou em desacordo. ῂ b
ῇ ;

Sóc.: Não admites que algumas leis sejam melhores e
outras piores?
ῖ .

Crá.: Também não.
Sóc.: Pelo que se vê, não admites também, que em relação ῇ
;

aos nomes uns tenham sido atribuídos com mais propriedade 5
do que outros? .

Crá.: De forma alguma.
Sóc.: Nesse caso, todos os nomes foram aplicados com ῇ ῇ ῖ ῖ
ῖ ῇ ;

acerto?
.

Crá.: Uma vez que são nomes.
Sóc.: Como? E o nosso amigo Hermógenes, a que nos ῖ ;

10
referimos há pouco, diremos que não recebeu [c] esse nome,
.

visto não ter ele nada de comum com a descendência de
Hermes, ou que o recebeu, porém indevidamente? ; ῇ῾
Crá.: Segundo minha maneira de pensar, Sócrates, esse ῖ ῇ c
nome não lhe foi dado; apenas
῾ ῇ ῖ ῇ
;
 ῖ ῖ, ῇ

~ 243 ~
PLATÃO Crátilo   
429c 429c
parece que foi. Mas, de fato, é nome de outra pessoa com as ῖ ῖ ῇ ῇ 5
.

características a ele inerentes.
Sóc.: E mentirá, porventura, quem lhe der o nome de
Hermógenes? Pois talvez não seja lícito chamar-lhe ῾
Hermógenes, visto não ter ele esse nome? ; ῇ
῾ ῇ ;

Crá.: Por que dizes isso?
;

Sóc.: Que seja absolutamente impossível mentir, [d] não 10
foi a esse respeito que te explanaste? É legião, meu caro
Crátilo, o número dos que afirmam a mesma coisa, tanto hoje
ῇ d
quanto antigamente. ; ῇ
ῇ .

Crá.: De que modo, Sócrates, dizendo alguém o que diz,
poderá não dizer o que é? Dizer algo falso não será dizer o ῇ ῇ
que não é? ῇ ; ῇ 5
Sóc.: Esse conceito, camarada, é por demais sutil, tanto ;

para mim quanto para minha idade. Não obstante, responde-me
ao seguinte: [e] admites que não se possa ser falso, mas ῂ
que se possa falar falsidades? ῇ ῖ . Α
ῖ ῇ ;

Crá.: Penso que nem falar, também. e
Sóc.: Nem chamar ou saudar alguém? Por exemplo, se alguém
ῖ .

te encontrasse no estrangeiro e, tomando-te da mão, te
dissesse: “Salve, forasteiro Ateniense, Hermógenes, filho ῖ ῖ;
de Esmicrio!”; essa pessoa diria, ou falaria, ou se ῇ Α" ῖ ῇ
dirigiria, ou saudaria, não a ti, mas ao nosso amigo ᾿ ῖῇ ῾ ῇ" 5
Hermógenes? Ou a ninguém?
Crá.: No meu modo de pensar, Sócrates, o que essa pessoa ,῾ ; ;
 ᾿
dissesse careceria inteiramente de sentido.
Sóc.: [430] Com isso fico satisfeito. Porém, falando ῖ, ῇ
.
 ᾿
desse jeito, quem assim falasse teria dito verdade ou
mentira? Ou técnica do que dissesse seria verdade, e ' . 430
técnica mentira? Isso também me bastará. ;
Crá.: Diria que essa pessoa só produzira um ruído, e que
se agitara inutilmente, como se dá com o objeto de metal
ῇ ; -
ῖ.

que percutimos.
Sóc.: Vejamos, Crátilo, se não haverá maneira de nos ῖ ῂ ῇ 5
pormos de acordo. Não ῇ -
.
 , ῇ Α ῂ

~ 244 ~
PLATÃO Crátilo   
430a 430a
admites que uma coisa é o nome, e outra o objeto cujo nome ῇ ῖ
;

ele é? 10
Crá.: Admito.
.

Sóc.: E também aceitas que o nome seja [b] uma certa
imitação da coisa? ῖ
;

Crá.: De inteiro acordo. b
Sóc.: E as pinturas, não dirás que também são, a seu
.

modo, imitação de algumas coisas?
Crá.: Sim.
;

Sóc.: Ora bem; é possível que eu apenas não apanhe
direito o que queres dizer e que tu é que estejas com

. 5
razão. Poderemos distribuir essas duas espécies de
imitação, tanto a da pintura quanto a das palavras, e – ῂ
atribuí-las às coisas que elas imitam, ou não? ῇ ῂ – ῖ
Crá.: [c] É possível. ῖ ῇ
Sóc.: Inicialmente, reflete no seguinte: pode-se atribuir ῖ ῇ ῖ
ῇ ;

a semelhança do homem ao homem, a da mulher à mulher, e 10
assim com tudo o mais?
.

Crá.: Também se pode.
c
Sóc.: E o contrário? Atribuir semelhança do homem à . ῂ
mulher, e da mulher ao homem? ῇ
ῇ ;

Crá.: Isso também.
Sóc.: Assim sendo, ambas as atribuições estarão certas, ou
.

5
apenas uma?
Crá.: Apenas uma.
ῇ ;

Sóc.: Justamente, quero crer, a que atribui a cada pessoa
.

o que lhe pertence e se lhe assemelha.
Crá.: É assim também que penso.
Sóc.: [d] Para não brigarmos por causa de palavras, eu e
ῂ ,
;
 ῾
tu, visto sermos amigos, concede-me o que vou dizer-te. 10
.

Essa espécie de atribuição, camarada, das duas imitações,
tanto a das imagens quanto a das palavras, além de certa,
nomeia de modo correto e verdadeiro. A outra, que


.
ῖ.
 ῖ d
ῇ . ῇ
ῖ ῇ ῂ ῖ
ῇ ῖ ῖ ῇ ῇ
ῖ Α ' ῇ 5

~ 245 ~
PLATÃO Crátilo   
430d 430d
atribui e aplica aos objetos o que não se lhes assemelha, ῇ ῇ

 ᾿
não somente não é certa, como também é falsa sempre que diz .
respeito a nomes.
Crá.: Porém, observa, Sócrates, que essa distribuição ' , ῇ ῖ -
imprópria que é possível na pintura não se dá [e] com os ῇ ῇ ῖ e
ῂ ῖ .

nomes, os quais devem necessariamente ser atribuídos com ,
acerto. ; ; ῂ
Sóc.: Que queres dizer com isso? Em que consiste a
diferença? Não pode alguém dirigir-se a qualquer homem e
ῖ "
dizer-lhe: “eis teu retrato!”, e mostrar-lhe, se for o ῇ" ῖ , , ῇ 5
caso, sua própria figura, ou, porventura, uma figura de ῇ ; ῖ
.

mulher? Quando falo em mostrar, quero dizer: pôr diante do
.

sentido da vista.
Crá.: Perfeitamente.
Sóc.: E então? Não é possível voltar ao mesmo indivíduo e
; ῖ
dizer-lhe: “teu nome é este aqui?” O nome é imitação, tanto " "; 10
quanto a imagem. Explico-me. Não fora possível [431] dizer- . Α ῂ
lhe: “eis teu nome”, e depois disso trazer-lhe ao sentido ῖ " ῇ" 431
do ouvido, querendo-o o acaso, sua própria imitação, com ῇ ῇ -
pronunciar o nome homem, ou, porventura, a da técnica
feminina do gênero humano, com o pronunciar mulher? Não ῇ ῇ ῇ
achas possível isso, e que algumas vezes já tenha ῇ ; ῖ
ῂ ;
 ᾿
acontecido? 5
Crá.: Vou concordar contigo, Sócrates, e admitir que pode ῇ ῇ
ser assim mesmo. .

Sóc.: Fazes bem, amigo, se for assim mesmo; não vale a
pena prolongar a discussão sobre esse ponto. Se a ῇ ῇ
distribuição, de fato, pode ser feita [b] dos dois modos, . ῖ . ῂ
vamos denominar um deles falar verdade, e o outro, dizer ῇ b
inverdade. Ora, se as coisas se passam dessa maneira e ῖῇ ῂ -
podemos distribuir inexatamente os nomes e não atribuir a . ῇ -
cada pessoa o que lhe é próprio, mas, por vezes, o que não
,
lhe diz respeito, será possível, também, fazer o mesmo com
relação aos verbos. Ora, se os verbos e os nomes podem ser ῂ ῇ 5
atribuídos desse jeito, o mesmo forçosamente se dará com as ῖ. ῇ
sentenças, pois estas, segundo penso, [c] são formadas pela Α ῇ ῇ c
reunião daqueles. Que dizes a isso, Crátilo? Α ῇ ;

~ 246 ~
PLATÃO Crátilo   


431c 431c
Crá.: Estou de acordo; parece-me que dizes belamente. Α ῖ .

Sóc.: Ora, se compararmos os nomes primitivos a sinais,
acontecerá com eles como com as pinturas, às quais podemos -
dar todas as cores e formas apropriadas, ou não dar todas, , ῖ 5
mas desprezar algumas ou acrescentar outras, ora mais, ora ῇ
menos. Não é assim? , ῂ ῇ ῇ
Α ;

Crá.: É.
Sóc.: Ora, quem aplicar todas produzirá imagens e figuras
.

belas, mas quem acrescentar ou suprimir alguma coisa, fará
também imagens e figuras, porém defeituosas. 10
Crá.: [d] Sim. ,
Sóc.: E o que imita a essência das coisas por meio das ῇ
;

sílabas e das letras? Pela mesma razão, no caso de recorrer
a todos os elementos exigidos, apresentará uma bela imagem


– esse é o nome certo – mas, se omitir alguma coisa ou
. d
acrescentar um tantinho, o resultado será também uma
imagem, porém não bonita, de forma que alguns nomes ficarão ;
bem formados, e outros, o contrário disso? ῇ ῇ
Crá.: É possível. – ῂ – 5
Sóc.: [e] É possível, também, que entre os artistas de ῇ ῇ
nomes haja bons e maus?
Crá.: Sim.
; ῇ
;

Sóc.: Aos quais demos o nome de “legisladores”.
.

Crá.: Sim.
Sóc.: Por Zeus! É possível, também, que se passe nesse - e
domínio o mesmo que com as outras técnicas, e que haja bons
ῇ ;

e maus legisladores, se ainda for válido o que assentamos


antes. .
" .

Crá.: É certo. Mas tu vês muito bem, Sócrates, que quando "
atribuímos aos nomes, de acordo com a gramática, as letras

. 5
a e b, ou qualquer outra letra,
' ῇ ῖ
ῇ ῇ ῇ
ῖ ῖ.
 . ῂ ῇ ῇ
ῇ 10
ῇ ῖ

~ 247 ~
PLATÃO Crátilo   
432a 432a
[432] se subtrairmos ou acrescentarmos ou deslocarmos uma, , ῇ 432
não poderemos dizer que escrevemos o nome, embora
incorretamente; não o escrevemos de jeito nenhum, pois o < > ῖ ῇ ῇ
que nessa mesma hora surgiu outro nome, uma vez ῇ ῂ


introduzidas todas aquelas modificações. .
Sóc.: É preciso ver, Crátilo, se não estamos considerando ῇ 5
o assunto por um prisma errado. .

Crá.: Como assim?
;

Sóc.: É bem possível que se passe conforme dizes com o
que só existe necessariamente, ou não existe, por meio de ῖ
números. O número dez, por exemplo, ou outro qualquer que ῇ
te aprouver: se suprimires ou acrescentares alguma coisa, ῇ ῇ 10
tornar-se-á [b] imediatamente outro número; mas no que diz
respeito à qualidade ou à representação geral da imagem, Α b
não tem aplicação o que dizes, porém o contrário, não < > ῇ
havendo absolutamente necessidade de serem reproduzidas ῇ
todas as particularidades do objeto, para que se obtenha a . . ῂ
sua imagem. Vê se tenho razão. Se fossem postos juntos dois ῇ 5
objetos diferentes: Crátilo e a imagem de Crátilo, e uma ῇ -
divindade não imitasse apenas a tua cor e tua figura, como ῇ
fazem os pintores, mas formasse todas as entranhas iguais
às tuas, emprestando-lhes o mesmo [c] grau de ductilidade e

calor, além de movimento, alma e raciocínio, tal como há em ῇ c
ti; em uma palavra: tudo exatamente como és, e colocasse ao ῖῇ
teu lado essa duplicata de ti mesmo: tratar-se-ia de ῇ
Crátilo e uma imagem de Crátilo, ou de dois Crátilos? ; ῂ
Crá.: Quer parecer-me, Sócrates, que seriam dois ῇ ;

5
Crátilos.
ῇ ῇ .
 ῾
Sóc.: Como vês, amigo, precisamos não somente procurar um
critério rigoroso para as imagens, diferente do que há ῇ ῇ
pouco nos referimos, como também não insistir na afirmativa ῖ ῇ -
de que a [d] imagem deixa de ser imagem, se algo lhe for
ῇ ῇ ; d
acrescentado ou subtraído. Ou não percebes quão longe estão
as imagens de possuir todas as propriedades dos originais
;

que elas imitam?
Crá.: Percebo. .

~ 248 ~
PLATÃO Crátilo   


432d 432d
Sóc.: E como seria risível, Crátilo, o efeito dos nomes ῖ ῇ ῇ 5
sobre as coisas que eles designam, se em tudo eles fossem
ῖ ῇ
reprodução exata dessas coisas! Tudo ficaria duplicado, sem
que ninguém fosse capaz de dizer qual era a própria coisa, ῖ .
e qual o nome. ῇ ῖ
ῇ .
 ᾿
Crá.: Dizes a verdade.
.

Sóc.: Tem, portanto, a coragem, meu bravo amigo, de 10
admitir que os nomes podem ser corretamente ou
incorretamente aplicados, e não [e] insistas em exigir que
ῇ ῖῇ
eles contenham todas as letras, para que se tornem ῖ ῇ ῇ ῂ - e
exatamente iguais às coisas por eles designadas, mas , ῇ ῂ
permite, mesmo, que lhes seja acrescentada uma ou outra . ῇ
estranha a eles. E se te comportas desse modo com as Α ῇ
letras, a mesma coisa faze com as palavras na sentença; e ῖ ῇ 5
se assim procedes com os nomes, admite também no discurso
uma sentença pouco apropriada ao assunto, sem com isso

deixares de admitir que as coisas podem ser denominadas e , ῖ
descritas, uma vez que seja conservada a imagem fundamental ῇ ῾ - 433
de cada uma, [433] tal como observamos – não sei se ainda .
 ᾿
te recordas – no caso particular dos nomes das letras de
.

que eu e Hermógenes tratamos.
Crá.: Sim, recordo-me. . ῇ
Sóc.: Muito bem. Quando essa imagem está presente, ainda ῇ ῇ 5
mesmo que não contenha todos os traços essenciais, nem por ῇ Α ῂ ῇ ῇ
isso deixa o objeto de ser nomeado: bem, se todos estiverem ῇ -
presentes; mal, no caso de haver alguns de menos. Deixemos ῇ ῖ
que seja nomeado, caríssimo, para não pagarmos multa, como
se dá com os noctívagos de Egina, que passeiam pelas ruas ῇ b
altas horas da noite, e para não darmos a impressão de que, ῇ
[b] em verdade, chegamos até às coisas mais tarde do que ῖ .
fora necessário. Ou então, procura outro critério mais ῖῇ ῂ ῖ
preciso para a aplicação dos nomes e deixa de admitir que o
 ᾿
. 5
nome é a representação do objeto por meio de sílabas e de
letras. Porque, se afirmares ambas as coisas ao mesmo ῖ ῇ ῇ ῇ
.
 ᾿
tempo, não ficarás de acordo contigo mesmo.
Crát.: Parece-me razoável, Sócrates, o que disseste, e ῖ ῖῇ
nada tenho a objetar.
Sóc.: Uma vez que estamos de acordo neste ponto, passemos

~ 249 ~
PLATÃO Crátilo   
433b 433b
a examinar o seguinte: dissemos que um nome bem formado Α ῖ ῇ
ῖ ;

precisará ter todas as letras convenientes? 10
Crá.: Sim.


Sóc.: [c] E as letras convenientes, são as que se .
ῖ ;

assemelham aos objetos? c
.

Crá.: Perfeitamente.
Sóc.: Assim, os nomes bem formados são formados desse
modo. Porém, se algum for mal formado, é possível que seja ῖ Α
constituído em sua quase totalidade de letras convenientes ῇ
e semelhantes, sem o que não seria imagem, embora tendo de ῇ ῇ ῂ 5
permeio, também, uma ou outra inadequada, que impedem de ῇ '
. ;

ser belo o nome e bem formado. Admitimos essa proposição ou
a rejeitamos? ῖ ῇ Α
Crá.: Creio que não vale a pena, Sócrates, prosseguirmos,
pois repugna-me chamar de nome o que é mal formado.

ῖ .

Sóc.: [d] Que é o que te repugna: ser o nome a 10
representação do objeto? ῇ d
;

Crá.: Não; isso me agrada.
Sóc.: Mas, serem alguns nomes formados de elementos
.
 ᾿
anteriores, e outros serem primitivos, é isso que te parece
mal enunciado?
ῇ ῇ ῖ ;

Crá.: Perfeitamente. 5
.
 ᾿
Sóc.: Mas, se as palavras primitivas têm que ser
representação de alguma coisa, conheces processo melhor de
atingir essa finalidade, a não ser deixando-as tão
semelhantes quanto possível ao [e] que elas tenham de ,
representar? Ou esposas, de preferência, o modo de ver de e
Hermógenes e de muitos outros, que afirmam não passarem os ῖ ῖ ;
nomes de convenção e que só representam alguma coisa para ῾ ῇ -
os que convencionaram formá-los depois de terem o ῖ -
conhecimento dessa coisa, baseados precisamente na
convenção, a justa formação dos nomes, e que é de todo ῇ 5
indiferente manter a convenção, tal como foi estabelecida, ῇ ῇ
ou admitir outra inteiramente oposta, ,

~ 250 ~
PLATÃO Crátilo   
433e 433e
para dar nome de grande ao que hoje denominamos pequeno, e ῇ ῖῇ ῇ ;
o de pequeno ao que chamamos grande? Qual dos modos ;

preferes?
Crá.: [434] De qualquer jeito, Sócrates, é preferível o ῇ ῇ - 434
ῖ .

processo de representar por uma imitação semelhante o que
queremos representar, a fazê-lo por algum processo .
arbitrário. ῇ ῖ ῖ
Sóc.: Muito bem. Mas, se os nomes tivessem de ser iguais
às coisas, forçosamente as letras com que são formados os
ῖ ῇ - 5
nomes primitivos teriam de ser iguais a elas? O que digo é ; Α ῂ -
o seguinte: fora possível a alguém compor a figura a que ῇ
nos referimos há pouco, semelhante ao que quer que seja, se ῖ ῇ b
a natureza não fornecesse cores com as quais [b] é feita a ῇ ῖ · -
figura, iguais ao objeto que ela imita; ou não será ;
 ᾿
possível?
.

Crá.: É impossível.
Sóc.: Do mesmo modo, os nomes nunca poderiam ser iguais a 5
coisa nenhuma, se antes os elementos de que são compostos ῇ ῖ
não tivessem alguma semelhança com a coisa que eles imitam? ῇ ῇ
E não são as letras os elementos que têm de entrar em sua ; ῇ ῖ ;

,
composição?


Crá.: Exatamente. .
Sóc.: Acompanha, também, o raciocínio, como fez [c] 10
Hermógenes há pouco. Vejamos: achas que estávamos certos ao ῾ . ῇ c
dizer que a letra r tem semelhança com translação,
ῇ ;

movimento e asperidade? Ou não tínhamos razão?
.

Crá.: Acho que sim.
Sóc.: E o l, com o que é macio e liso, e com o mais de
que agora falamos? ;

5
Crá.: Sim.


Sóc.: Deves também saber que, para exprimir a mesma .
coisa, o que nós designamos por “asperidade” (sklêrotês) os ῖ
Eretrienses pronunciam “sklêrotêr”? " ῇ" ᾿ " ";
Crá.: Perfeitamente.  .

Sóc.: Então, o r e o s se assemelham entre si, e para os
Eretrienses ῖ - 10
ῇ ῖ -

~ 251 ~
PLATÃO Crátilo   
434c 434c
o r final vale tanto quanto o s para nós, ou não terá valor ῖ ῖ ῇ ῖ
ῖ;

para um dos casos?
Crá.: [d] É evidente que para ambos tem o mesmo valor.
ῖ .

Sóc.: Até onde o r se assemelha ao s, ou fora disso? d
Crá.: Até onde essas letras se assemelham.
ῖ ῇ ;

Sóc.: E são semelhantes em tudo?
Crá.: Pelo menos no que diz respeito à representação do .

movimento.
;

Sóc.: E a letra l, inserta na palavra, não exprime o 5
.

contrário de aspereza?
Crá.: Talvez, Sócrates, não tenha sido inserta com ; ῖ
propriedade. Há pouco, em tua conversa com Hermógenes,
;

suprimias ou acrescentavas letras onde era preciso, e com
razão, segundo penso. É provável que no presente caso ῇ Α
tenhamos de substituir o l pelo r. ῾ 10
Sóc.: [e] Dizes bem. E então? Ao falarmos neste momento, ῇ .
ῖ .

não nos entendemos reciprocamente, quando um de nós
pronuncia “sklêron”, e tu entendes o que estou a dizer?
Crá.: Sim, graças ao costume, meu caríssimo.
. ; ῇ - e
Sóc.: E por falar em costume, achas que disseste algo ῇ " ῇ"
;

diferente de convenção? Para ti, costume não quer dizer
ῇ ῇ .

que, quando eu pronuncio aquela palavra, imagino o que
estou falando e tu reconheces que estou pensando justamente
; 5
naquilo? Foi isso o que disseste?
Crá.: [435] Sim. , ῇ
Sóc.: Logo, se apreendes o que eu digo, é que recebeste ῖ ῇ ῖ -
; ;

de mim uma indicação?
Crá.: Sim. 435

.
Sóc.: Indicação por meio de algo que não se assemelha ao
que eu tenho no espírito quando falo, se é certo que o l ῇ -
ῂ ;

não se assemelha à aspereza a que te referiste. Ora, se

 ᾿
assim é, que fizeste contigo mesmo, senão uma convenção, .
reduzindo-se para ti a justeza da aplicação dos nomes à
- 5
pura convenção,

Α ῇ

~ 252 ~
PLATÃO Crátilo   
435a 435a
uma vez que tanto servem para representar os objetos as ῖ ῇ
letras semelhantes quanto as dessemelhantes, desde que o ; ῂ 10
hábito e a convenção as legitimam? Mas, ainda mesmo que [b]
o costume não seja convenção, não é certo dizer que a ῇ b
representação se firma na semelhança, mas no costume. Pois ῇ Α ῖ ῇ ῇ
este, como parece, consegue representar tanto por meio do ῖ. ῇ
semelhante quanto do dessemelhante. E já que chegamos a um – –
acordo, Crátilo – pois interpreto teu silêncio como sinal ῖ 5
de assentimento – forçoso nos será concluir que a convenção Α , ῇ
e o costume contribuem igualmente para exprimir o que temos ῂ ῖῇ
no pensamento, no instante em que falamos. E caso queiras,
caríssimo, ir para os números, de que modo imaginas
ῖῇ
encontrar nomes que se assemelhem aos números, se não - c
admites que a tua concordância e a tua convenção [c] se ;
imponham nisto de dar nome certo às coisas? Eu também ῖ Α
defendo o princípio de que os nomes devem assemelhar-se o ῇ ῾ ῇ
quanto possível à coisa representada; porém receio muito ῇ ῖ 5
que, de fato, como disse há pouco Hermógenes, seja bastante
precária a tal força de atração da semelhança e que nos
ῇ ῇ
vejamos forçados a recorrer a esse expediente banal, a . ῂ
convenção, para a correta imposição dos nomes. Sem dúvida ῇ
alguma, o ideal seria que todas as palavras, ou a maioria ῂ ῇ . d
delas, fossem semelhantes, isto é, apropriadas às coisas ῇ ῖ
[d] designadas; o pior seria o contrário disso. Agora, ;

porém, responde-me mais ao seguinte: que propriedade tem os
nomes e o que de belo conseguimos por meio deles? ῖ, ῇ
Crá.: Sou de parecer, Sócrates, que os nomes instruem, ῇ ῇ - 5
.

sendo-nos lícito afirmar com toda a simplicidade que quem
conhece as palavras conhece também as coisas. ῇ ῇ ῇ
Sóc.: Talvez, Crátilo, queiras dizer que quando alguém –
sabe o que realmente é um nome, sendo este tal qual [e] a
coisa, conhecerá também a coisa, visto ser esta igual ao – ῇ e
nome, valendo-se de uma única técnica para todas as coisas ῇ ῂ
semelhantes entre si. É nesse sentido, quer parecer-me, que . ῖ
afirmas que quem conhece o nome conhece também a coisa. .

~ 253 ~
PLATÃO Crátilo   

 ᾿
435e 435e
Crá.: É exatamente isso. .

5
Sóc.: Ora bem; vejamos em que consiste essa maneira de
dar a conhecer as coisas a que há pouco te referiste, e se , ῂ
pode haver outra, embora esta seja a melhor, ou se não há ῇ
outra senão essa. Que me dizes? ῇ ῇ ῂ
. ;

Crá.: [436] A meu parecer, não há outra; esta é a única e
a melhor.
Sóc.: E achas que as coisas também são descobertas da
ῇ ῇ 436
.

mesma maneira e que quem descobre o nome descobre também a
coisa por ele designada. Ou a pesquisa e o descobrimento
terão de ser realizados de outra maneira, ficando reservado ῇ ῖ -
aquele método apenas para a instrução? Α ῖ 5
Crá.: Estou convencido de que devemos dirigir as ῖ ῇ ;

pesquisas e os descobrimentos por maneira absolutamente
igual. ῖ


Sóc.: Atenção, Crátilo! Reflitamos se não [b] corre .
perigo de se enganar quem, na investigação das coisas, ῇ ῇ
segue no rasto dos nomes e procura penetrar-lhes o
significado?
ῖ ῖ ῇ b
Crá.: De que jeito? ῇ ῂ ῖ
;

Sóc.: É evidente que quem primeiro estabeleceu os nomes,
;

de acordo com o que pensava que as coisas fossem, assim os
formou, conforme asseveramos, não é verdade? ῇ 5
Crá.: Sim.
Sóc.: Mas, se a sua concepção não era correta e ele ῖ ῇ -
ῇ ;

estabeleceu os nomes de acordo com ela, que nos poderá .


acontecer, a nós que lhe acompanhamos os passos? Que mais, .
senão sermos enganados? ῖ ῖ ῇ
Crá.: Mas talvez não tivesse sido assim, Sócrates, e que
ῖ ῇ ; 10
[c] necessariamente sabia o que estava fazendo quem
;
 ᾿
estabeleceu os nomes. Caso contrário, como há muito venho
sustentando, não poderia haver nome. E a maior prova de que ῇ ῇ ῂ
o legislador não se afastou da verdade é a coerência que se ῖ Α c
observa em , ῇ ῂ .

~ 254 ~
PLATÃO Crátilo   
436c 436c
tudo o que fez. Não era essa também a tua maneira de . 5
;
 ᾿
pensar, quando disseste que todas as palavras foram
formadas do mesmo modo e com idêntica finalidade?
Sóc.: Tua defesa, meu caro Crátilo, nada prova. Não é de ῇ ῇ
admirar que o inventor dos nomes se houvesse enganado desde .
o início e forçasse [d] daí por diante tudo o mais a ῂ ῖ ῇ d
concordar com o seu erro original. O mesmo acontece com os ῇ
diagramas geométricos: admitido no começo um erro diminuto ῇ
e imperceptível, todas as deduções que se lhe seguem são
ῖ . ῖ
perfeitamente coerentes entre si. A respeito do começo de
qualquer assunto é que é preciso refletir bem e prestar a 5
maior atenção, para saber se foi ou não foi firmado com -
acerto. Uma vez que tenha sido suficientemente apresentado, Α ῇ -
tudo o mais se lhe [e] acomoda à maravilha. Por isso mesmo, . ῂ
não me causará admiração mostrarem os nomes perfeita ῖ ῖ. - e
concordância entre si. Mas voltemos a tratar do que .
expusemos antes. Partindo do princípio de que tudo passa, e
se movimenta, e corre, dissemos que os nomes revelam a

. ῖ ;

essência das coisas. Não és de opinião que revelam isso
ῇ . 437

mesmo?
Crá.: [437] De inteiro acordo; e o fazem com exatidão.
Sóc.: Dentre eles, comecemos por considerar o nome
“ciência” (epistêmê), e observemos como é ambíguo e como ῇ " ῇ"
mais parece indicar que nossa alma pára (histêsin) nas ῖ
coisas, do que se movimenta com elas; por isso mesmo, é ῇ 5
mais certo pronunciar o começo do vocábulo como o fazemos -
agora, em vez de suprimir o e inicial, para dizer pistêmê, " ῇ"
e também com o acréscimo de mais um i: epiistêmê. Se . " ῇ"
passarmos para “estável” (bebaion), veremos que sugere base ῂ .
a parada (staseôs), nunca [b] movimento. “História”, por
sua vez, indica que a corrente pára (histêsi), " " b

~ 255 ~
PLATÃO Crátilo   
437b 437b
como “fiel” (piston) implica seguramente parada. “Memória” . " " .
(mnêmê) não há quem não perceba que exprime repouso da " "
alma, não movimento. Se quiseres estudar “erro” (hamartia) ῂ . ῇ " " " ,"
e “infortúnio” (symphora), e seguir-lhes o rasto, verás que
indicam a mesma coisa que “compreensão” (synesei) e
ῇ ῖ 5
“ciência” (epistêmê) e todos os outros nomes de bom " " " " ῖ ῖ
significado. O mesmo fato observaremos com os termos ῖ . " "
“ignorância” (amathia) e “desregramento” (akolasia): o " " Α
primeiro, amathia, parece indicar [c] a marcha da quem vai ῇ " ῇ" ῂ c
para Deus (ama theô iontos); “akolasia” mostra de todo " " ῖ
jeito a ação de acompanhar as coisas (akolouthia). Desse
modo, os nomes que se nos afiguram designação da piores
. ῇ ῖ -
coisas, revelaram-se-nos iguais aos das melhores, estando ῇ ῂ ῖ ῖ .
eu perfeitamente convencido de que quem quer que se desse ῂ ῇ 5
ao trabalho de estudar o assunto, encontraria muitos outros
nomes que nos levariam à conclusão oposta, a saber, que o -
.
 ᾿
autor dos nomes não quis indicar com eles que as coisas
estão em marcha e movimento, mas em repouso.
', ῇ d
Crá.: [d] Mas bem vês, Sócrates, que ele formou a maior
.

técnica daquele jeito.
Sóc.: E que importa isso, Crátilo? Iremos agora contar os ῇ ; -
nomes como fazemos com as pedrinhas de votar, para ῇ ;
decidirmos sobre sua correta aplicação? O processo que ῇ 5
obtiver maior número de nomes é que será o verdadeiro? ;

Crá.: Não seria possível.
.

Sóc.: De nenhum modo, amigo. Bem; mas quanto a isso,
fiquemos por aqui mesmo, ῂ ῇ .

VERSÃO A
e vejamos se estás ou não de acordo comigo VERSIO A
ῇ ῖ ῖ 10

~ 256 ~
PLATÃO Crátilo   
437e 437e
[e] a respeito do seguinte. Não concluímos há pouco que . ῖ - e
foram os legisladores que instituíram nas cidades os nomes,
, ῖ ῾ ῖ ῖ,
tanto nas helênicas quanto nas bárbaras, e que a técnica
que tem esse poder é a da legislação?


Crá.: Sim. ;


Sóc.: Então, dize-me: os primeiros legisladores, ao . 5
instituírem os primeiros nomes, conheciam as coisas que ,
eles nomeavam, ou desconheciam?
Crá.: Sou de parecer que conheciam, Sócrates.
, ,
;

Sóc.: [438] Sim, amigo Crátilo; não poderiam fazer isso


sem conhecê-las. , , .
Crá.: Não, de fato; é o que eu penso. ῖ 438a1

, , .
Sóc.: Como podemos dizer, então, que eles foram
ῖ.

formadores conscientes de nomes, ou legisladores, antes de a2
haver qualquer nome e de eles conhecê-los, se não podiam b4
chegar ao conhecimento das coisas a não ser por intermédio
, ῖ - b5
dos nomes?
, ῖ ῂ b6
VERSÃO B ; b7
mas voltemos para o ponto de onde fizemos esta digressão.
Há pouco, se ainda te recordas, quando conversávamos, VERSIO B
disseste que o autor dos nomes forçosamente tinha de ter
conhecimento das coisas nomeadas. Ainda pensas do mesmo . a3
modo, ou não? ῖ ῇ ῇ -
Crá.: Ainda. ῖ . 5
ῖ ;

Sóc.: E o autor dos nomes primitivos, acreditas que as
conhecesse? .

Crá.: Conhecia.
Sóc.: Então, por meio de que palavras ele aprendeu ou -
;

descobriu as coisas, se os nomes [b] primitivos ainda não
.
 ᾿
tinham sido fixados, e contudo nós sustentamos que é 10
impossível aprender

ῇ ῇ ῖ ῂ b1

~ 257 ~
PLATÃO Crátilo   
438b 438b
e descobrir as coisas a não ser aprendendo os nomes com ῖ b2
outras pessoas, ou descobrindo por nós mesmos como eles são
constituídos? ; b3

Crá.: Penso que há muita verdade no que disseste,  b8


Sócrates, que a mais justa explicação será dizer que foi um
ῇ ῇ c1
poder sobre-humano que deu às coisas os primeiros nomes e
que por isso mesmo eles têm de estar certos. ῖ ῇ
ῖ .

Sóc.: Julgas, então, que quem instituiu os nomes o fez em
contradição consigo mesmo, ou tenha sido um demônio ou uma ῇ
; ;
 ᾿
divindade? Ou consideras como não dito tudo o que 5
conversamos há pouco?
.

Crá.: Mas talvez os nomes de uma dessas classes não sejam
verdadeiramente nomes. ῇ ῇ
Sóc.: Qual delas, meu caro? Os que exprimem repouso, ou ;
.

os que exprimem movimento? Pois, conforme ficou dito, o que
decide neste passo não é a quantidade. ῇ .
 ᾿
d
Crá.: [d] Realmente, não seria justo, Sócrates.
Sóc.: Nesta luta entre os nomes, em que uns se apresentam ῇ
como semelhantes à verdade, e outros afirmam a mesma coisa ῇ ῂ ,
de si próprios, que critério adotaremos e a quem devemos ῇ ; -
recorrer? Não, evidentemente, a outros nomes que não esses, Α ῇ 5
pois não existem outros. É óbvio que teremos de procurar ῂ ῇ ῖ ῖ
fora dos nomes qual das duas classes é a verdadeira, o que ῇ
ela demonstrará indicando-nos a verdade das coisas.
.

Crá.: [e] Parece-me isso mesmo.
ῖ .

Sóc.: Se isso for verdade, Crátilo, será possível, ao que e
parece, conhecer as coisas sem o auxílio dos nomes. ῇ ῇ ῇ ῖ
Crá.: Parece que sim. ῇ .

Sóc.: Por que outro meio, então, esperas conhecê-las?
.

Haveria modo mais natural e justo do que o de conhecer uma
coisa por meio de outras, no caso de haver entre elas 5
parentesco, ou cada uma por ῖ; ῂ -
ῇ ' ῇ ῇ ῂ

~ 258 ~
PLATÃO Crátilo   
438e 438e
si mesma? Pois o que a elas é estranho e diferente, só ; ῖ
ῖ ῂ ῖ .
 ᾿
poderá indicar o que lhes for diferente e estranho, nunca
as próprias coisas.
.

Crá.: Parece haver verdade no que dizes. 10
Sóc.: [439] Por Zeus! Então decide-te. Já não concordamos Α 439
várias vezes que os nomes, quando bem formados, sempre se
assemelham aos objetos a que são atribuídos e que são ῖ ῇ -
imagens das coisas?
;

Crá.: Sim.


Sóc.: Se, de fato, é possível aprender as coisas tanto . 5
por meio dos nomes quanto por elas próprias, qual das duas ῂ -
maneiras de aprender é a mais bela e clara? Partiremos das ῇ ῂ ῇ -
imagens, para considerá-las em si mesmas e ver se foram bem ;
concebidas, e ficarmos, desse modo, conhecendo a verdade
que elas [b] representam, ou da própria verdade, para daí

passarmos à imagem e vermos se foi trabalhada por maneira ῇ b
;
 ᾿
adequada?
Crá.: Parece-me que forçosamente devemos partir da ῖ .

verdade.
Sóc.: O modo de alcançar o conhecimento das coisas, ou de ῖ -
descobri-las, é questão que talvez ultrapasse a minha e a ῇ ῖ ῂ 5
tua capacidade. Basta-nos termos chegado à conclusão de que · ῇ -
não é por meio de seus nomes que devemos procurar conhecer
.

ou estudar as coisas, mas, de preferência, por meio delas
próprias.
ῇ .

Crá.: É o que parece, Sócrates.
Sóc.: Detenhamo-nos mais particularmente noutro aspecto ῇ 10
do problema, para não nos deixarmos enganar pela multidão ῇ c
de palavras [c] de igual orientação. Parece, de fato, que
os instituidores dos nomes os formaram partindo do –
pressuposto de que todas as coisas passam e se encontram
num fluxo perpétuo. É a ideia que eu faço de sua maneira de
– ῂῇ ῇ ῇ ῂ
pensar. Mas pode muito bem acontecer que a explicação seja 5
outra: eles é que, tendo caído numa espécie de redemoinho, . ῇ
ficaram atordoados e nos arrastaram na mesma direção.
Examina, meu

~ 259 ~
PLATÃO Crátilo   
439c 439c
admirável Crátilo, no que tenho sonhado tantas vezes: se é ῇ .
lícito afirmar que existe o belo e o bom em si, e, nas
mesmas condições, qualquer [d] coisa particular, ou não?
ῇ ;

Crá.: Parece-me que sim, Sócrates. d
ῖ, ῇ .

Sóc.: Então examinemos esse ponto, sem procurarmos saber
se é belo este ou aquele rosto, ou o que quer que seja, e ῖ ῇ
se tudo parece encontrar-se num fluxo perpétuo; e ῇ ῖ ῖΑ
perguntemos se o belo em si não é sempre igual a si mesmo?
Crá.: Necessariamente.
ῂ ῇ ῇ 5
;
 ᾿
Sóc.: Se a todo momento o belo nos escapa, poderemos com
.

propriedade afirmar dele, primeiro, que é aquilo mesmo que
dissemos, e depois, que é de determinada natureza, ou será ῂ ῖ ῇ -
forçoso que no mesmo instante em que falamos ele se ῇ ῖ ῇ ῇ
modifique e desapareça, deixando de ser o que era?
10
Crá.: Necessariamente.
;
᾿
Sóc.: [e] De que modo, então, o que nunca se encontra no
.

mesmo estado poderá ser alguma coisa? Se num determinado
momento ele se conservasse igual, é evidente que durante ῖ e
esse tempo não passaria por nenhuma transformação. Por
outro lado, se permanecesse sempre igual e fosse sempre o
; ῇ ῂ
mesmo, como poderia transformar-se e movimentar-se, se Α
nunca chegasse a perder a forma inicial? ῇ ῖ ῇ
;

Crá.: De nenhum jeito fora possível. 5
.
 ᾿
Sóc.: E mais: nunca poderia ser conhecido por ninguém;
pois [440] no instante preciso em que o observador se
aproximasse dele para conhecê-lo, ele se transformaria
ῂ ῂ .
noutra coisa diferente, de forma que não se poderia ῖ 440
conhecer a sua natureza ou o seu estado. Não há , ῖ
conhecimento que conheça o objeto do conhecimento que não Α -
se encontra em nenhum estado. .

Crá.: É assim mesmo como dizes.
.
 ᾿
Sóc.: Nem seria mesmo razoável afirmar, Crátilo, a 5
possibilidade do conhecimento, se todas as coisas se ῂ ῇ ῇ
transformam e nada permanece fixo. Se isso .

~ 260 ~
PLATÃO Crátilo   
440a 440a
mesmo, o conhecimento, não se modifica nem se afasta do ῇ ῇ ῇ
conhecimento, então o conhecimento permanecerá e haverá .
conhecimento. Mas se a própria ideia do conhecimento se
modificar, terá de [b] transformar-se numa ideia diferente ῇ ῂ b
do conhecimento, e então não haverá conhecimento. Se sempre Α
se transformasse, nunca poderia haver conhecimento e, pela ῇ ῇ
mesma razão, não haveria alguém que conhecesse, como também .
não poderia haver objeto de conhecimento. Mas, se subsiste ῇ ῇ 5
a pessoa que conhece e bem assim o objeto do conhecimento, ῇ ῇ
como, também, o belo, o bom e todas as demais coisas, não ῇ ῇ ῖ
me parece que tudo a que há pouco nos referimos tenha
qualquer semelhança com o fluxo ou o movimento. [c] Se as ῇ . ῂ c
coisas se passam, realmente, desse modo ou de maneira ῾
defendida pelos sectários de Heráclito e muitos outros, não ῇ ῇ
é fácil de decidir, nem se disporia nenhum homem de senso a
entregar-se a si mesmo e sua alma à tutela das palavras, ῇ 5
nem confiaria nelas e nos instituidores de nomes, a ponto ῖ ῇ ῇ
de asseverar que sabe alguma coisa e forma juízo
desfavorável a respeito de si mesmo e de tudo o mais, com
afirmar que nada é, mas tudo rola como vaso de barro, e de ῇ ῖῇ
conceber as coisas como pessoas atacadas de defluxo e com o d
nariz sempre [d] a estilar. É possível, Crátilo, que tudo, ῖ ῇ
realmente, seja assim; é possível também que não. Examina . , ῇ
bem e com coragem sobre o assunto, sem nada aceitares ῇ . ῖ
levianamente, pois ainda és novo e dispões de tempo, e não
ῇ – 5
deixes de comunicar-me o que encontrares em tuas
investigações. – , ῇ

 ᾿
Crá.: Assim, o farei. Mas, podes ter, Sócrates, a certeza .
de que não sou inexperiente nessa questão, e que, quanto . ῇ ῇ
mais examino e me ocupo com ela, [e] tanto mais sou ῇ
inclinado a aceitar a opinião de Heráclito.
Sóc.: Noutra oportunidade, companheiro, me ensinarás
e
῾ .

isso, quando
ῇ ῖ ῇ ῇ

~ 261 ~
PLATÃO Crátilo   
440e 440e
voltares. Agora, conforme o determinaste, técnica para o Α , ῇ Α
῾ .

campo; Hermógenes te fará companhia. 5
Crá.: Procederei assim mesmo, Sócrates; mas, do teu lado,
procura refletir sobre o assunto. ῂ ῇ ῇ
ῖ .

Tradução:
CARLOS ALBERTO NUNES Obra consultada e copiada:
Revisão, cópia e diagramação: DUKE, E. A.; HICKEN, W. F.; NICOLL, W. S. M.; ROBINSON, D.
HUMBERTO ZANARDO PETRELLI B.; STRACHAN, J. C. G. Platonis Opera, Tomus I,
petrelli.humberto@gmail.com
Tetralogias I-II, Continens Insunt Euthyfro, Apologia,
Crito, Phaedo, Cratylus, Theaetetus, Sophista,
Limeira, 11 de outubro de 2009.
Politicus, New York, Oxford University Press, 1995, pp.
189-275.

Atualizado em 30 de abril de 2011.

Obs.: Este trabalho está em constante melhoria. Críticas, sugestões e


aperfeiçoamento, por gentileza, entrar em contato com:
petrelli.humberto@gmail.com

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