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PREFÁCIO

OS INIMIGOS DA MEMÓRIA

Por Braulio Tavares (*)

Muitos episódios recentes na Paraíba e no Brasil me levam a pensar nas pessoas que destroem nosso
patrimônio cultural, que roubam obras de arte para vender, que deixam tesouros históricos se
estragarem. Quem são essas pessoas? Por que fazem isto? Decidi tentar agrupá-las em algumas
categorias.

Existe, por exemplo, o Lucrador Predatório. É uma figura típica do capitalismo selvagem que se
alastra pelo Brasil como uma impingem fora de controle. O Capitalismo Selvagem é um processo que
age às cegas, visando apenas o próprio lucro, cada vez maior, cada vez mais rápido. É
diferente do Capitalismo Civilizado, que lucra, produz, enriquece os acionistas, mas ao
mesmo tempo se preocupa com questões sociais, patrocina as artes, protege o meio
ambiente, trata bem os operários. O Capitalismo Civilizado é prudente, pensa no futuro, faz
as coisas com a intenção de continuar existindo e faturando por séculos a fio. O Capitalismo
Selvagem não: é um inseto predatório, que quer devorar tudo que aparece à sua frente, e no
menor espaço de tempo possível. Destrói tudo que há à sua volta, e com isto acaba
destruindo a si mesmo. Se o deixarem à solta, em 50 anos ele transforma a Amazônia no
deserto do Saara, e morre de fome e sede.

O Lucrador Predatório é o cara que bota abaixo o prédio onde um jornal funcionou por 50
anos e faz ali uma farmácia. É o cara que está fazendo um filme e para filmar uma cena
manda serrar uma árvore que já estava ali quando Pedro Álvares Cabral chegou em Porto
Seguro. É o cara que derruba um chafariz do século 18 para construir uma garagem para sua
camionete. Ele não tem nada específico contra o patrimônio, contra a memória, a não ser
quando eles prejudicam seus interesses. Ele é como um gafanhoto: quer apenas devorar o
que aparece à sua frente.

Um tipo menos sinistro mais igualmente ameaçador é o Modernizador Angustiado. Este,


quando destrói alguma coisa antiga, sabe muito bem o que está fazendo, e faz de propósito.
Mas ele faz movido pelo que considera uma boa intenção. Em geral ele foi criado numa
comunidade muito conservadora, retrógrada, de mentalidade imobilista. No mundo em que
ele cresceu, coisas novas eram vistas com suspeita. Todo mundo tinha que fazer as coisas
exatamente como seus pais e avós tinham feito. Havia padrões eternos de comportamento
a serem seguidos sem discussão.

Quando esse indivíduo fica adulto, ou consegue algum tipo de poder, ele começa a combater essa
força repressora que o angustiou durante a vida inteira. Ele está tomado de ressentimento contra
tudo que é velho, tudo que é arcaico, tudo que representa o passado. Ele se deixou seduzir pelas
coisas novas e modernas que viu pelo mundo, ou das quais ouviu falar. Ele quer fazer com que estas
coisas novas tenham uma chance; quer trazer um pouco de ar puro àquele ambiente tão asfixiado
pelo passado, pela eterna repetição das mesmas coisas. E nesse impulso ele começa a combater
tudo que parece velharia. Não adianta dizer que tem valor histórico. Para o Modernizador
Angustiado, o mundo já tem História demais, Passado demais. Ele é um fanático pelo futuro, e para
impor o que ele acha ser o futuro é capaz de implodir a Catedral de Notre Dame ou de aterrar os
canais de Veneza.

Um terceiro tipo, muito curioso, é o Desinformado Catastrófico. Ele destrói sem saber que
está destruindo. Muitas vezes por não ter tido educação, por não ter acesso a informações,
ou apenas porque não prestou muita atenção no que estava fazendo. É o sujeito que
assume uma repartição e manda jogar no lixo aquelas caixas e caixas de papéis velhos “que
só servem para ocupar espaço”. É a turma que vai fazer acampamento num parque
florestal, acende um fogo para fazer café, e destrói não sei quantos mil hectares de Mata
Atlântica, num incêndio que precisa de mil bombeiros para ser contido. É o síndico que não
gosta de um mural e manda arrancar todos os ladrilhos, sem perguntar quem fêz aquilo ou
quando.

O Desinformado Catastrófico fica compreensivelmente magoado quando a imprensa e as


entidades civis caem de pau em cima dele, como se ele fosse um criminoso. Ele não se
considera um criminoso. Os delitos que pratica não são dolosos (com intenção de
prejudicar), mas são culposos, porque prejudicam.

Existem muitos outros tipos, mas acho que por enquanto bastam estes para dar uma idéia do quanto
este problema é complicado. Um erro freqüente da imprensa e dos órgãos de proteção ambiental é
não distinguir muito bem quem causou o prejuízo ao Patrimônio Histórico e por quê. Existe gente
que precisa de esclarecimento, de informação; gente bem intencionada mas que errou porque não
avaliou bem o que estava fazendo. E existe gente mal-intencionada mesmo, que sabia muito bem o
que fazia, e que precisa pegar uma boa punição para não fazer de novo.

Gostaria de lembrar também, nestas poucas linhas, que quando a gente protege um casarão
antigo, um documento com séculos de idade ou um trecho do meio ambiente não faz isto
apenas por amor ao Passado. É também por amor ao Futuro. O Futuro, as gerações
futuras, nossos filhos e netos, precisam conhecer o mundo em que viverão, e isto inclui
conhecer aqueles objetos ou espaços que tiveram uma significação especial nos tempos já
vividos por outras pessoas. É possível fazer coexistirem o amor pelo Novo e o amor pelo
Antigo. Que melhor exemplo disto do que as cidades da Europa e da Ásia, onde se
encontram casas com séculos de idade, ruínas com milhares de anos ao lado de arranha-
céus modernos?

Li certa vez uma entrevista de um escritor onde ele dizia ter visitado um moderníssimo prédio de
escritórios em Londres. No andar térreo havia um saguão imenso, com uns 20 metros de altura,
onde centenas de pessoas andavam em todas as direções, pegavam elevadores, etc. No meio desse
saguão, havia uma pequena capela dentro da qual cabiam talvez uns 15 pessoas. Era uma capela do
século 10, construída pelos antigos habitantes daquela colina. Quando o edifício foi construído, o
projeto, em vez de derrubar a capela, procurou restaurá-la e protegê-la, construindo em volta dela
aquele saguão enorme. E quando se entrava na capela, havia uma abertura no solo, que dava para
uma escada de pedra, por onde se descia até as ruínas de um templo romano, muitos séculos mais
antigo que a capela, que ficava por baixo dela.

Nessa imagem (edifício de 1980, capela do ano 900, templo romano de antes de Cristo) está
sintetizada a noção do tempo histórico que podemos experimentar. Na História, o Novo não
precisa necessariamente destruir o Antigo. Relíquias de diferentes épocas podem existir
lado a lado. É só saber. É só cuidar. É só lutar para que alguém não destrua, seja por cobiça,
por maldade, por descaso ou por mera desinformação.

(*) Braúlio Tavares em qualquer parte do mundo civilizado dispensa apresentação, porém já que estamos
vivenciando fatos que superam os limites da mediocridade, é bom informar que o paraibano, natural de
Campina Grande e radicado no Rio de Janeiro, é compositor, poeta, escritor. Já foi jornalista esportivo,
professor de inglês, funcionário público, crítico de cinema, guitarrista de rock, tradutor literário, roteirista de
TV, secretário do Treze F. C., datilógrafo, ator de teatro. "O objetivo disto tudo era sobreviver e aprender coisas
novas para transformar em Literatura, que é a minha única vocação. Caiu na rede é texto" Como escritor tem
doze livros publicados,. entre eles A espinha dorsal da memória, Prêmio Caminho de Ficção Científica (Lisboa,
1989); Seis peças teatrais, entre elas Brincante, Prêmio Shell de Melhor Autor (1993); mais de quarenta
músicas gravadas por artistas como Lenine, Elba Ramalho, Tim Maia, Ney Matogrosso, Zé Ramalho, MPB-4,
Antonio Nóbrega e Dionne Warwick. Há mais de 20 anos faz recitais onde mistura canções, poemas, histórias,
manifestos improvisados, anedotas, mentiras inofensivas e verdades contundentes. Este texto denominado OS
INIMIGOS DA MEMÓRIA foi escrito exclusivamente para prefaciar o presente trabalho. E-mail:
btavares13@terra.com.br
INTRODUÇÃO

SÍNTESE HISTÓRICA DA CIDADE DE POMBAL

Por Verneck Abrantes (*)

A FORMAÇÃO

Em 1695, o Capitão-mor, Teodósio de Oliveira Ledo, se encontrava no Sertão de Piranhas*, no lugar


conhecido como Povoação do Piancó, na tentativa de fundar um Arraial. O grande impedimento
eram os índios Tapuis, Curemas e Panatís, que habitavam a região. Teodósio, em 1697, viajou à
capital da Província, para entender-se com o governador e pedir soldados, mantimentos, armas e
munições para expulsar os índios de suas terras. As solicitações foram atendidas, depois, a notícia da
conquista chega ao governador da Capitania, Manoel Soares de Albergaria, que escreve ao El-Rei,
dando a notícia do “bom sucesso” que teve o Capitão-mor frente aos índios no Sertão de Piranhas.
Assim, no lugar denominado Povoação do Piancó, Teodósio fundou, em 1698, o Arraial de Nossa
Senhora do Bom Sucesso do Piancó, portanto, o primeiro e o segundo nome, respectivamente, da
atual cidade de Pombal.

A VILA

Por carta régia de 22 de junho de 1766, foi autorizada a criação da vila. Mas, a Elevação e
sua Emancipação Política só ocorreram, oficialmente, em 04 de maio de 1772, com a
denominação de Vila Nova de Pombal, em homenagem a Sebastião José de Carvalho e Melo,
o Marquês de Pombal, ministro de D. José I, Rei de Portugal. Para efeito de sua Emancipação
Política, foi constituída a Câmara de Vereadores, e para dirigir os destinos político e
administrativo da vila foi indicado o Capitão-mor, Francisco de Arruda Câmara.

A CIDADE

Pela Lei N.º 63, de 21 de julho de 1862, a Vila de Pombal é elevada a categoria de cidade,
com a denominação de Cidade de Pombal. Na época, as edificações residências não
passavam de cem casas, formando praticamente três pequenas ruas: a dos Prazeres, depois
denominada de rua do Comercio (hoje Cel. João Leite), a rua do Rio (hoje Cel. José
Fernandes) e a de São Benedito, situada ao sul, dando formação ao antigo largo do Bom
Sucesso. Pombal tinha ainda: a Igreja do Rosário, um Açude Público, Casa do Mercado, um
Cemitério, a Casa da Câmara e a Cadeia, a maior e mais segura do sertão da Paraíba.

Destacando as três datas importantes:

27 de julho de 1698 – No sertão das Piranhas, no lugar conhecido como Povoação do Piancó,
Teodósio de Oliveira Ledo fundou a Arraial de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó
(Pombal).

04 de maio de 1772 – Ocorre à elevação do Arraial a categoria de vila, com a denominação


de Vila Nova de Pombal, na mesma data também ocorre sua Emancipação Política. 21 de
julho de 1862 – A Vila de Pombal é elevada à categoria de Cidade.

Portanto, em 2004 Pombal completa: 306 anos de fundação. 232 anos de Vila e
Emancipação Política e 142 anos do seu aniversário como Cidade.

*Sertão ou Arraial de Piranhas: Entendia-se como uma vasta região, compreendendo todo alto sertão da
Paraíba, das Espinharas ao Rio do Peixe e parte do Rio Grande do Norte, não especificamente o local onde foi
fundada Pombal, pois, na época, esse lugar era conhecido como Povoação do Piancó, o primeiro nome da atual
cidade de Pombal.

A CADEIA VELHA

A cidade de Pombal localiza-se no alto sertão da Paraíba, foi o primeiro núcleo de


populacional da região, o qual deu origem a outros núcleos habitacionais. Na antiga cidade,
entre outros marcos históricos, destaca-se a Cadeia Velha, que ainda mantêm suas linhas
arquitetônicas, denunciando em nosso tempo, a introdução de um marco Imperial no alto
sertão paraibano.

esativada como presídio, a Cadeia Velha deveria ser o Museu do Cangaceiro, o que bem
caracterizaria sua história, mas o projeto não foi adiante. Alicerçada no ano de 1848, famosa
por concentrar presos perigosos da cidade, bandoleiros e cangaceiros de outras localidades,
a Cadeia Velha não abriga mais preso, mas uma instituição denominada de Casa da Cultura,
completamente esquecida, deteriorada, inexistente para sua finalidade a que foi criada. Em
suas celas de parede largas e piso de tijolos rústicos passaram muitos criminosos que
marcaram época: Donária dos Anjos, que durante a seca de 1877, segundo a própria, “para
não morrer de fome”, matou uma criança e comeu sua carne. O bandido “Rio Preto”, que se
dizia, tinha um pacto com o diabo. “Era curado de bala e faca, no seu corpo os punhais
entortariam as pontas e as balas passariam de raspão”. Ferido á bala, “Rio Preto” morreu
dentro da Cadeia Velha. Outro preso famoso foi Chico Pereira, que após a morte de seu pai
se fez um dos grandes chefes do cangaço no sertão da Paraíba. Os fanáticos pretos da
“Irmandade dos Espíritos da Luz”, chefiados por Gabriel Cândido de Carvalho, também
tiveram sua participação na história da velha cadeia.

Mas entre muitos acontecimentos, um se destaca pela audácia. Jesuíno Brilhante,


cangaceiro inteligente, com certa instrução educacional, foi protagonista da história, que se
deu da seguinte forma: Lucas, irmão de Jesuíno, cometeu um crime em Catolé do Rocha, foi
preso e remetido, havia tempo, para cadeia de Pombal, onde estavam mais de 50 presos da
cidade e de outras vizinhanças. Como o julgamento estava demorando, Jesuíno tomou a
decisão de libertar o irmão. Conforme os autos: “Às duas horas da manhã de 19 de fevereiro
de 1874, numa quinta feira, chovendo bastante, não havendo ronda noturna, Jesuíno
Brilhante, seu irmão João Alves Filho, o cunhado Joaquim Monteiro e outros, perfazendo um
total de oito cangaceiros, todos montados a cavalos, atacaram de surpresa a Velha Cadeia,
que na época era guarnecida por um cabo, onze soldados da Guarda Nacional e um da
polícia. Despertando-os a tiros, dizendo em voz alta os nomes dos primeiros atacantes,
destacados como os mais importantes do bando, dando viva a Nossa Senhora, os oitos
cangaceiros conseguiram dominar todos os soldados. Enquanto isso, os presos acendiam
velas e lamparinas para iluminar as celas. Os cangaceiros se apoderaram das armas e
munições, distribuiriam com presos que, aos poucos, iam ganhando liberdade e ajudando no
ataque. Arrebentaram cadeados, fechaduras, dobradiças, grades e saleiras com pedras,
machados e outros instrumentos. Foi um verdadeiro levante, na maior algazarra. Depois se
retiraram gritando pelas ruas, quando já se tinham evadido 42 presos de justiça, ficando 12
que não quiseram fugir. Os fugitivos tomaram rumos diversos, não constando nos autos a
capturas de um só criminoso”.

Hoje, a Cadeia Velha, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico do Estado da
Paraíba- IPHAEP, agora denominação de Casa da Cultura, se encontra por trás de
contraditórios barracos que vendem bebidas alcoólicas, dando margem para sua calçada
secular, de pedras rústicas, servirem de banheiro para bêbados e desocupados. O abandono
do nosso monumento histórico exalta o atraso e o desrespeito aos nossos antepassados, ao
presente e as futuras gerações.

Pombal, conhecida como Berço do Sertão da Paraíba, espera dos seus filhos, o
reconhecimento do seu valor cultural, sublimar sua riqueza histórica, o sentimento do
devido respeito aos seus monumentos, a conscientização para não compartilhar com mentes
retrocessivas, o atraso cultural da nossa antiga e singular cidade de Pombal.

(*)Verneck Abrantes é Engenheiro Agrônomo e Escritor Pombalense, desde tempos áureos tem uma destacada
atuação na vida cultural e social de Pombal, inclusive atuou em teatro e até como figurante no longa metragem
“O Salário da Morte”, assim como na Diretoria da Associação dos Estudantes Universitários de Pombal (AEUP).
Profundo estudioso da historia de sua cidade, como escritor tem os seguintes trabalhos publicados: “A
trajetória Política de Pombal” e “Um olhar sobre Pombal antiga”, além de ter participado, juntamente com
Jerdivan Nobrega de Araujo, da Revisão do livro VELHO ARRAIAL DE PIRANHAS (Pombal), com consentimento
e aprovação do autor Wilson Seixas, cujo resultado se encontra no prelo aguardando patrocínio para
publicação. Atualmente trabalha no Escritório da Emater, em Campina Grande, e é Diretor Regional do
Sindicato dos Engenheiros no Estado da Paraíba - SENGE-PB. E-mail: verneckabrantes@bol.com.br
NOSSA CULTURA É O LEGADO MAIOR DE NOSSA HISTORIA

Por José Romero Araújo Cardoso(*)

Sociologicamente falando, a expressão Cultura abarca toda produção material e abstrata de um


povo, englobando das conquistas tecnológicas às manifestações folclóricas, artísticas, culinárias, etc.
Preservar a cultura significa disponibilizar a população do legado construído por gerações pretéritas e
atuais, incluindo ainda os espaços natural e artificial. Cultura preservada é sinônimo de evolução.

Seria inadmissível que a França quisesse destruir Versalhes por que ali residiu a nobreza. Cuba e o
regime de Fidel, considerados os últimos baluartes dos ideais socialistas, não conseguiram abolir
tradições impostas de fora, como o beisebol e a estampa de sua bandeira, legados do domínio norte-
americano. O povo cria sua cultura e dita normas, seguindo-as independente do ideário que o rege.

Preservar a cultura é tarefa de todos e lutar para que esta se efetive, é um dever coletivo. Não há
como conceber notória falta de bom senso para com a História escrita com estoicismo. A cultura é
um direito de todos, ninguém tem o direito de destruí-la.

Em Mossoró, encontramos testemunho de exemplar preocupação com a preservação da


História sócio-econômica do semi-árido com o museu do sertão da Fazenda rancho Verde,
idealizado e construído por Benedito Vasconcelos Mendes, a maior autoridade no estudo
das condições naturais e humanas desta região brasileira.

O que dizer então de um povo forjado sob a égide das intempéries rigorosas do semi-árido
brasileiro que despreza sua cultura? Que valores serão fomentados às gerações futuras se
todo processo que gerou a sua identidade for, literalmente, jogado na lata do lixo?

Isto, no presente, acontece na velha cidade de Pombal. Um dos orgulhos da velha terra de
Maringá se encontra desprezado, aviltado em sua função social mais importante. Trata-se da
velha cadeia de tantas Histórias importantes e pitorescas, transformada há pouco tempo em
casa de cultura. Hoje o espaço de preservação pombalense se encontra vergonhosamente
destruído, estraçalhado pela falta de responsabilidade com a população, da qual não omito
culpa pela situação vexatória em que se transformou um dos mais belos prédios da terra de
Maringá.
Quando Celso Furtado era ministro da cultura, no governo José Sarney, o seu torrão natal foi
contemplado com verbas destinadas a transformar a velha cadeia em uma casa de cultura, visando
preservar a História e a memória da terra de Maringá.

Desde então, Pombal se vangloriava de sua casa de cultura, porém, em um curto espaço de
tempo, já não dispõe de um espaço onde sua História estivesse preservada. Não há como
conceber o status de civilizado aos acomodados, principalmente quando se trata de cultura.
Este é o principal legado que um povo pode disponibilizar às gerações que virão.

O imortal autor de Formação Econômica do Brasil, personagem marcante da História recente


brasileira, perseguido pela ditadura por causa de sua defesa intransigente do povo brasileiro,
nordestino em particular, idealizador da SUDENE, homem de profundo humanismo e coerente
postura no campo das idéias, creio, não imaginar a situação deprimente em que se encontra a casa
de cultura de Pombal.

A minha tristeza e angústia se estamparam efetivamente quando adentrei o velho casarão em estilo
português, a primeiro de novembro de 2003, com destino ao Juazeiro do Padre Cícero, acompanhado
de turma discente do curso de geografia do pólo II (Campus de Assu/RN) da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte, do programa de formação de professores para a educação básica.
Realizávamos estudo de campo englobando as cidades de Martins, Estado do Rio Grande do Norte,
Pombal e Sousa, Estado da Paraíba e finalizando no Ceará, em Juazeiro do Norte, a “Meca
sertaneja”.

O local onde foram registradas espetaculares ações de bandos de cangaceiros, prisões de facínoras
conhecidos e de messiânicos desesperados, além de, em um passado mais recente, ter sido palco
para filmagens de um histórico longa metragem enfocando a realidade do lugar, hoje se encontra
completamente de cabeça para baixo, como se devastado por um imenso furacão, que ao invés de
massas de ar, foi formado pela irresponsabilidade e incompetência de autoridades supostamente
responsáveis pela preservação desta história.

Nenhuma outra cidade localizada no percurso demarcado pela pesquisa de campo apresentou tanta
irresponsabilidade no trato cultural como a terra de Maringá. Constatamos, incrédulos, que não há
nenhuma marca do passado glorioso da velha casa de cultura. Varsóvia, Hamburgo ou Berlim, logo
depois do término da segunda guerra mundial, ou qualquer outra cidade européia situada em países
envolvidos no conflito, se encontravam mais organizadas que a casa de cultura. Um verdadeiro
desleixo tomou conta do local, nada está em ordem, tudo revirado.
O cine Lux e sua história, cujo material doado pela família Mouta se encontrava exposto com pompa
e destaque, como é merecido, com certeza se sentem vilipendiados em sua memória grandiosa, da
qual os pombalenses nunca esquecerão. Não apenas as relíquias do velho cinemascope se
encontram desprezadas. Livros servem de alimento a ratos, baratas e traças, enquanto todos os
pertences do coronel Manuel Arruda de Assis, uma legenda da História do semi-árido, velho
combatente das hostes guerreiras da briosa polícia militar do Estado da Paraíba, se amontoam
dispersos sem destino algum que alente a consciência coletiva do valor que possuem.

Impressiona-me a forma como raridades históricas são tratadas com desprezo. O que dizer
então do amontoado de lixo em que se transformaram as peças de museus, que
documentam a produção da vida social do sertão de outrora e a marcante luta de homens
briosos que deixaram suas marcas indeléveis? Nenhuma pessoa em sã consciência seria
capaz de realizar tamanha insolência ao semi-árido, destruir a História sem ter noção de que
esta é inexorável em seu julgamento.

Tudo se encontra destruído, o processo de deterioração se avoluma cotidianamente. Além


do descaso com o material histórico que está depositado no casarão, que outrora foi
considerada uma da mais seguras prisões do interior nordestino, encontra-se,
indevidamente, uma sala de aula do Colégio Estadual João da Mata contíguo à relíquia
sertaneja.

Em breve, quando não houver como recuperar as preciosidades que o tempo está
destruindo em Pombal, alicerçado pela insensibilidade e falta de visão, privando gerações
futuras de apreciar o legado de um povo heróico, forjado sob o calor das intempéries, só
restará sonhos encardidos envoltos na nostalgia das recordações daqueles que conseguiram
desfrutar de um templo onde a cultura e a memória estavam respeitadas, dentro dos
parâmetros que os civilizados atribuem à preservação do que lhes é mais valioso.

A casa de cultura de Pombal é um patrimônio de todos nós, desenvolvamos o turismo


sustentável tomando como referência a casa de cultura, observando-se que a revitalização
do semi-árido terá, nesta atividade, um forte propulsor de sua economia, principalmente
quando nosso potencial é preservado.

Se não pensarmos racionalmente, será tarde demais. Pombal precisa revitalizar seu espaço
para preservar sua cultura. Precisa, acima de tudo, de respeito para que sua memória não
seja dilacerada nas brumas de um tempo cruel que não compreende o valor das tradições de
um povo realmente forte e lutador.

Temos que, em primeiro lugar, buscar salvar a velha cadeia de Pombal, evitando, dessa
forma, que pereça muito do que o homem sertanejo tem produzido nos planos material e
cultural.

(*) José Romero Araújo Cardoso, natural de Pombal – PB, é professor do Departamento de Geografia da
UERN, Especialista em Geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos, escritor e assessor da
Fundação Vingt-un Rosado/Coleção Mossoroense.. E-mail: romeroc6@hotmail.com.
FUNDAÇÃO CASA DA CULTURA É UM CASO DE CADEIA

Por José Tavares de Araujo Neto (*)

O grande poeta pombalense, o cordelista Leandro Gomes de Barros, um dos maiores expoentes do
folclore brasileiro, certamente está inquieto no seu descanso sepulcral ante a situação em que se
encontra a antiga cadeia publica. A cadeia que é um dos poucos resquícios monumentais de sua terra
natal tombado como patrimônio histórico do Estado, hoje se encontra entregue ao completo
desprezo sob o auspicio de uma desastrosa administração patrocinada por uma certa instituição
denominada “Fundação Casa da Cultura”.

O paradoxismo cultural de Pombal consiste no fato de que a cidade que serviu de berço a um ex-
ministro da Cultura, o economista Celso Furtado, é a mesma em que sua população tem
demonstrado indiferença, frente as constantes depredações e destruições a que sempre esteve
exposto o patrimônio arquitetônico municipal.

A historia da cadeia velha de Pombal é repleta de fatos marcantes e pitorescos dentro do mundo
criminal. Entre estes, destaca-se o caso da Cruz da Menina. Dois fatos completamente distintos,
ocorridos em épocas diferentes, nas cidades de Pombal e Patos, respectivamente, confundem
historiadores respeitáveis, a exemplo de Horácio de Almeida, citado por Wilson Seixas, que
inadvertidamente registrou um acontecimento ocorrido em Pombal como se em Patos fosse. No ano
de 1923, um casal de retirantes de passagem por Patos, confiou a adoção de uma filha à uma
tradicional família patoense. Depois de muito sofrimento, ocasionados pelos maus tratos, a criança
veio a falecer. O pai adotivo, então, resolveu ocultar o jovem cadáver em um local ermo, próximo a
sede daquela cidade. Descoberto o crime, a população construiu uma cruz, e hoje o município soube
capitalizar essa tragédia, transformando o local do achado macabro em um importante centro de
romarias, que hoje representa um dos mais importantes centros turísticos religiosos do Estado. A
história nos testemunha que bem antes da ocorrência desse fato, na cidade de Pombal já existia a
cruz da menina, que quarenta e seis anos antes, teve sua origem marcada por um fato bem mais
trágico que o ocorrido na cidade das espinharas. E o responsável, ou melhor, a responsável, pela
tragédia que abalou a política paraibana, foi uma famosa inquilina da Cadeia de Pombal. Refiro-me a
jovem de 18 anos de idade de nome Donária dos Anjos, que durante a seca de 1877, depois de
assassinar uma criança, praticou o selvagem ato de canibalismo, e na justiça alegou que não tendo
nada para comer, praticou o monstruoso ato para não morrer de fome. A ré confessou que enterrou
a cabeça na sombra de uma oiticica, às margens de um riacho, próximo ao cemitério municipal, no
local onde hoje encontra-se construída uma cruz, denominada cruz da menina, no Bairro dos
Pereiros.

Podemos citar alguns dos inquilinos ilustres da Cadeia de Pombal, quais sejam:

O sanguinário Rio Preto, dizia-se que tinha parte com o diabo, aterrorizou o
sertão paraibano, foi ferido, preso e morreu dentro da cadeia;

Lucas, irmão de Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, que inclusive


comandou uma vitoriosa e audaciosa invasão á velha cadeia para libertar o irmão;

Chico Pereira, líder cangaceiro, casou por procuração com uma pombalense,
com quem teve três filhos, sua mais significativa façanha foi trazer os cangaceiros de
Lampião, chefiada por um dos irmão do rei do cangaço, para uma inusitada e
indesejada “visita” à cidade de Sousa, a fim de pregar um peça em desafetos de um
amigo;

Ulisses, pertencente a tradicional família Liberato de Alencar, optou pelo


mundo do crime, único cangaceiro poliglota que se tem noticias, falava pelo menos
quatro idiomas, quando preso foi assassinado a mando de um famoso coronel
pombalense, como “queima de arquivo” ;

Gabriel Cândido de Carvalho e seus fiéis seguidores da “irmandade dos


Espíritos da Luz”, os fanáticos denominados por “negros da mãe d’àgua”, constituíam
uma seita de origem africana, que por questões fundiárias praticaram o maior
infanticídio da historia de Pombal, quando foram trucidadas três crianças da familia
Inocêncio Lopes.

Construída na segunda metade do século XIX, no período imperial , a história da cadeia de Pombal se
confunde com a própria história da sociedade do nordeste brasileiro. Serviu como cenário de fatos
reais ou imaginários narrados por autores do porte de Luiz da Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, F.
Pereira Nóbrega, Tarcísio Pereira, Verneck Abrantes, Jerdivan Nóbrega, José Romero Cardoso,
Severino Coelho, Wilson Seixas, entre outros; e na ficção serviu de set de filmagem para o primeiro
longa metragem gravado no Estado da Paraíba, o filme “O salário da morte” .
Apesar de criado desde 1905, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), em quase um
século de existência, fez muito pouco, ou quase nada, pela preservação do patrimônio histórico,
particularmente na cidade de Pombal. O recadastramento de todo acervo paraibano, incluindo
atualização de tombamentos, adicionada a uma campanha de mobilização e educação social, iria
contribuir significativamente na mudança deste estado de coisas, a exemplo da cidade de Areia, uma
das raras e agradáveis exceções, que tem a população como maior guardiã do seu patrimônio
arquitetônico. Aquela histórica cidade do Brejo Paraibano é prova incontestável de que uma
vigilância ostensiva com a participação efetiva da comunidade é indubitavelmente a melhor arma
capaz de proteger o acervo patrimonial da ação de vandalismo mercenária e da negligência do Poder
Público, que na maioria das vezes são praticadas à luz do dia e à vista de todos, sem a menor
demonstração de constrangimento, seja por parte dos proprietários ou dos comodatários, como é o
caso da nossa velha cadeia.

A nossa velha cadeia, que durante um longo tempo teve uma importância essencial no complexo
que regula o cumprimento de fundamentos comportamentais de uma sociedade. Hoje, onde deveria
funcionar um museu, encontra-se inteiramente entregue ao abandono e ao desprezo. As paredes
tomadas por infiltrações, e pouco a pouco estão sendo destruídas pela ação da umidade e do salitre,
parte do telhado fragmentado, o piso deteriorado e as antigas celas servindo de depósito para um
amontoado de trastes, lixos, restos de construções e outras inutilidades.

Em uma simples visualização no panorama da velha cadeia, é possível constatar a estranha


insensatez praticada pela Administração da Prefeitura de Pombal, que de forma acintosa e narcisista,
aglomerou lateralmente os quiosques que vendem lanches e bebidas no adro da Igreja do Rosário,
de modo a encobrir o frontispício da secular cadeia imperial e, em detrimento, deixando à vista dos
transeuntes ostentosos mictórios públicos, desprovidos de qualquer valor artístico ou cultural.

A bem da verdade e da justiça pelo tratamento que a nossa velha cadeia vem recebendo, muita
gente responsável por esta situação deveria está no seu interior, bem guardada a sete chaves, de
preferência na cela escura.

(*) José Tavares de Araújo Neto é Engenheiro Agrônomo pombalense, ex-secretário de Planejamento da
Prefeitura Municipal de Pombal, de São bentinho e de São João do Tigre, é assessor das Prefeituras dos
municípios de Pombal e São Domingos. E-mail: jtavaresnet@hotmail.com
CADEIA E CULTURA – UM CONTRASTE

Por Severino Coelho Viana (*)

Após uma leitura do artigo publicado pelo engenheiro agrônomo, José Tavares de Araújo Neto, por
sinal bem fundamentado, intitulado de “A FUNDAÇÃO CASA DA CULTURA É UM CASO DE CADEIA”,
resolvemos fazer um pequeno adendo, no aspecto de ampliar o raciocínio quanto à origem,
formação, constituição e instalação da Fundação Casa da Cultura de Pombal.

A cadeia velha transformada em Casa da Cultura de Pombal, uma verdadeira metamorfose


de ordem social, pois do confinamento corpóreo do ser erige-se em monumento para voar
em busca do seu pensamento de liberdade.

A cadeia pública de Pombal, vizinha ao comissariado de polícia, situada no coração da cidade, fora
dormitório de famosos jagunços oriundos da escola do cangaceirismo, com as suas paredes largas e
grades de ferro roliço, sendo modificado o seu objetivo repressor e passando a emitir uma luz de
civilidade que amolda o comportamento do homem na sociedade, só poderia merecer os aplausos
do sertanejo pacato e hospitaleiro, quando se tornou Casa da Cultura, trazendo nova finalidade de
alcance alvissareiro e quando dava a oportunidade para a nova geração analisar o passado, estudar o
presente e meditar sobre o futuro. A iniciativa foi louvável, mas a sua continuidade foi devastadora
aos olhos de qualquer cidadão que tenha cultura mediana.

Cabe-nos informar que, no ano de 1989, foi criada uma fundação denominada de “Casa da Cultura”,
não se sabendo o seu caráter, como um ente público ou privado, já que seus membros faziam parte
da administração pública e eram amigos particulares e os seus atos constitutivos não chegaram ao
conhecimento do público.

A sua presidente foi (ou ainda é) a professora Vera Lúcia Assis de Arruda, uma vez que a diretoria
tinha mandato vitalício e os cargos eram hereditários.

O modo como se processou a sua origem não podia ser bem aceitável num regime democrático
quando isolaram os grupos, as entidades e pessoas ligadas à cultura, ficando dirigida por um
pequeno grupo de amigos, que não tinha identidade no ramo da cultura, cujo resultado final é o
retrato estampado no artigo do Dr. Tavares.

No dia 21 de julho de 1989, data da elevação à categoria de cidade de Pombal, na gestão do Prefeito
Francisco Queiroga Sobrinho, foi inaugurada a Casa da Cultura, sendo que, de um ergástulo público
enfeitou-se num órgão de liberdade do pensamento humano. Nesta ocasião foram lançados dois
livros: “A VIDA DO CEL. ARRUDA, CANGACEIRISMO E COLUNA PRESTES”, de autoria de Severino
Coelho Viana, o outro, intitulado de “AS PRIMEIRAS DAMAS DO ESTADO DA PARAÍBA”, de autoria da
escritora Rosilda Cartaxo. Foi um grande evento cultural, contando com a presença das autoridades
locais e estaduais, além de receber uma embaixada da Academia Paraibana de Poesia. Houve o
comparecimento maciço das famílias Arruda e Assis.

Neste momento dos lançamentos tiveram a reapresentação da vetusta orquestra filarmônica “João
Alfredo”, dos grupos folclóricos de Pombal (congos, pontões e reisado), contando com a participação
dos grupos folclóricos do Município de Taperoá.

Lembramos que o Cel. Arruda, alegando motivo de doenças e seus prolongados anos de existência,
(aos noventa e sete anos de idade), mas toda sua lucidez, não pôde se fazer presente ao evento, mas
enviou uma mensagem dizendo que o livro era um verdadeiro retrato de sua vida. Cel. Arruda foi
uma figura legendária, de soldado a coronel na corporação da polícia militar, fez parte como membro
integrante na história da Paraíba, à época do cangaço, inclusive no episódio que redundou numa
carnificina ocorrido na cidade de Piancó por ocasião da passagem da Coluna Prestes. Depois disso,
destacando-se por ser prefeito dos Municípios de São José de Piranhas e Pombal, e ainda, eleito duas
vezes deputado estadual.

Ficou aberta ao público durante a gestão do Prefeito, Francisco Queiroga Sobrinho, com exposição
de peças e objetos antigos.

Decorrido o tempo, com as mudanças seguidas na administração pública municipal, pela omissão da
sociedade e o isolamento dos grupos verdadeiramente envolvidos na cultura pombalense,
evidenciou-se o abandono, penalizando duplamente o setor cultural de Pombal: a destruição de um
monumento histórico; atropelo no soerguimento no campo da cultura de um terra que é
reconhecida pelos seus valores, nos diversos e diferentes campos de atuação.

O poder público deve garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura apoiando, incentivando, valorizando e difundindo as manifestações de um povo.

É bem verdade que constituem patrimônio cultural os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade. Neles estão incluídos: as formas de expressões, os
modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, ecológico e científico.

É tanto que o poder público, com a colaboração da comunidade, tem a obrigação de promover e
proteger o patrimônio cultural, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriações, além de outras formas de acautelamento e preservação.

A união da sociedade pombalense, principalmente das pessoas ligadas à cultura, seja encarada como
um estandarte de defesa deste monumento identificador do nosso passado, e que, a partir deste
momento, façamos uma política de conscientização à população no sentido de preservação e
valorização do patrimônio histórico, turístico, paisagístico e do legado da música, dança, poesia,
artesanato e artes populares, inclusive descobrindo novos valores.

Só lamentamos o descaso.

(*) Severino Coelho Viana , escritor pombalense, com seis livros publicados, amplo conhecedor da historia e da
cultura de sua cidade, é promotor publico na comarca de João Pessoa-PB. E-mail: scoelho@alsol.com.br
A CASA DA CULTURA

Por Jerdivan Nóbrega de Araujo (*)

Como cadeia, muitos homens que hoje fazem política na cidade de Pombal atravessariam os seus
batentes e poderiam ficar ali longos anos sem receber a luz do sol e pouca ou nenhuma falta faria a
nossa cidade. Como Casa da Cultura, poucos dos que fazem política em Pombal teriam o privilégio de
entrar em suas dependências sem que, na saída, houvesse a necessidade de serem revistados. Eles
roubam do nosso povo o que de mais precioso possa existir para uma sociedade civilizada: a
memória.

Da última vez que estive em Pombal o primo e adido cultural Luizinho Barbosa me convidou para
visitar o que de resto há da Cadeia Velha. Falou do descaso que estar levando aquele patrimônio do
nosso povo a ruína. Eu havia jurado que não mais entraria na polêmica do patrimônio da velha terra
da legendária cabocla Maringá. Calar-me era o que havia de melhor a fazer, principalmente depois
do episódio da janela que um padre havia feito na tricentenária Igreja do Rosário. Calaria como calou
o poder publico, calaria como calaram os estudantes, calaria e ficaria em silêncio, de costas para o
fato e com as mãos aos ouvidos como fez o Prefeito e toda a classe política da minha amada cidade.
Por fim no ocaso da minha vida tomaria uma atitude de covarde e seria igual aos que lá estão e nada
fazem. Voltaria a Pombal, cabisbaixo como se comportam os covardes, e ainda faria xixi naquele
mijódromo que foi transformado a Casa da Cultura de Pombal.

Eis que a minha caixa postal começa a ser congestionada de mensagens de velhos amigos de Pombal
que cobram de mim uma atitude, um posicionamento ou uma palavra. O que posso fazer colegas? As
minhas lágrimas hão de se juntar a poeira da demolição da velha cadeia. Esta poeira incomoda que
encobre e ofusca o olhar de quem pode fazer e não faz, já começa a se levantar.

As almas, muitas delas vítimas da sociedade coronelista, que apodreceram naquelas celas são
testemunhas do meu sofrimento. Os passos dos meus avós, que ainda hoje são ouvidos atravessando
a rua do Comercio, cansados da lida para depois do jantar colocar uma cadeira na calçada e nos
contar as histórias da velha cadeia aos poucos vão se perdendo dentro de um Pombalense cansado e
descrente.

Não queira, amigos, de mim, o que não posso mais dar. Não tragam más notícias para quem as
lágrimas secaram como secou o rio Piancó.
O que posso pedir para vocês é que tirem as últimas fotos enquanto há tempo. Pendurem-nas as
paredes da sua memória e contem estas histórias aos seus filhos e netos como fizeram os nossos
avós.

Talvez não seja possível que eu tenha coragem de ver, calado, o que está acontecendo, porém, dado
aos últimos episódios da Velha Igreja Rosário, fica acertado assim: meu silêncio de revolta!

Mesmo ciente que : “quem cala sob seu corpo consente na sua morte”.

(*) Jerdivan Nóbrega de Araujo é advogado e escritor pombalenses, tem dois livros sobre Pombal, além de ter
participado, juntamente com Verneck Abrantes, da Revisão do livro VELHO ARRAIAL DE PIRANHAS (Pombal),
com consentimento e aprovação do autor Wilson Seixas, cujo resultado se encontra no prelo aguardando
patrocínio para publicação. Jerdivan atualmente exerce o cargo de Diretor de Recursos Humanos da Empresa
de Correios e Telégrafos. E-mail: jerdivan@correios.com.br
NOSSAS VOZES EM DEFESA DOS NOSSOS VALORES CULTURAIS

Por Candido Tertuliano Filho (*)

Já dizia Tolstoi, “Pinte a sua aldeia e serás eterno”. Enquanto que o irrequieto poeta português
Fernando Pessoa anunciava aos quatro ventos que “O Tejo é o rio mais belo que corre em minha
aldeia”, e ainda assegurava: “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce”.

Temos a aldeia de Tolstoi, o Tejo de Pessoa e a obra literalmente se acabando. Em Pombal, as


poucas águas que correm sobre o leito do piancó são resquício de lágrimas de uma plangente
cidade, que teima em preservar sua rica história, em detrimento desta vontade alguns de seus filhos
que se fizeram ilustres a presenteia com o desprezo, fruto estéril da ingratidão.

Entretanto, quando tudo parecia perdido, meus olhos puderam ouvir o brado das vozes caligráficas
de revoltosos conterrâneos, e de repente me vi transportado ao deleite da poética filosofia de
Belchior : “ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO”. Reporto-me ao ano passado,
entre julho e agosto, quando levantei a minha voz uníssona em defesa do patrimônio histórico,
cultural e artístico de Pombal. Na ocasião, fui a algumas emissoras de radio e bradei sobre o descaso,
a negligência, a irresponsabilidade dos supostos responsáveis pela preservação de um dos nossos
maiores ícones que é a cadeia velha. Pensava eu que ninguém havia ouvido nem entendido a minha
angustia, ao ver a nossa historia, nosso passado, nossa riqueza se ultimar, em meio ao lixo,
descartada como são descartadas as promessas de campanha pelos políticos ao descerem do
palanque a cada período eleitoral. Descartada como são descartados os amores fortuitos da pós
modernidade, o ficar.

Nós temos amor, temos um coração que lateja, somos humanos e não podemos deixar de nos
sensibilizar com tal descaso. O eco do meu brado ressoa hoje nas vozes de Jose Tavares de Araújo
Neto, o Boquinha, de Jerdivan Nóbrega de Araújo e Severino Coelho Viana, escritores e pombalenses,
que como eu ainda não perderam a capacidade de indignar-se com a indecência e com outros
adjetivos que prefiro não citá-los.

Que bom, que vocês chegaram para engrossar o coro dos descontentes e engrossar este caldo de
cultura que há de renascer em Pombal!

Muitos acham que desfigurando a nossa historia estamos na moda, podemos observar que no centro
histórico , a velha igreja do rosário e a cadeia publica se destacam do conjunto da obra a olho nu e
continuam resistindo a intempéries e a falta de pudor, o mais já foi transformado.
E impossível não se emocionar com o artigo de Jerdivan, quando ele diz textualmente: “O que posso
pedir para vocês e que tirem as ultimas fotos enquanto há tempo. Pendurem nas paredes de sua
memória” . Isto para mim é um lamento. Eu já tirei as minhas fotografias e elas estão recheadas de
lixo.

Não podemos de forma nenhuma cruzar os braços nesta hora e ficar esperando acontecer o mesmo
que ocorreu com o prédio do Cine Lux, o velho cinema, o nosso paradiso.

Para tanto, é necessário que cada um de nós pombalenses, tire apenas um minuto de nosso precioso
tempo e exaltemos toda nossa indignação. Se acaso nos faltar coragem, utilizemos estes preciosos
segundos na reflexão das palavras de Maiakowski:

“ Se a coragem lhe(nos) faltar

simples ave de rapina

a gente não deve temer

pois a vida nos ensina

quanto vale combater.”

(*) Candido Tertuliano Filho, um pombalense, que além de Historiador, Contabilista e Administrador de
Empresas, é escritor e um combativo ativista político e sindical, atualmente desempenha a função de Gerente
de Contas do Banco do Brasil em Pombal e é diretor do Sindicato dos Bancários do Estado da Paraíba desde
1991. E-mail: tertuli@bol.com.br
SE A CASA DA CULTURA FOSSE MINHA

Por Wertevan Fernandes(*)

Fui sabedor de que o prédio da antiga cadeia pública de Pombal está servindo de depósito de lixo e
de entulhos, com a conivência amistosa da Prefeitura e sob as vigílias complacentes do Legislativo e
do Ministério Público. A uma notícia como esta, só podemos lamentar e protestar contra tamanha
insensatez. No momento em que tive o desprazer de ouvi-la, comecei a imaginar e a fazer
conjecturas exageradas. Pensei na Europa, lugar do berço da civilização ocidental, onde os
governantes vendem sua história, explorando um turismo pujante e promissor. Quando observamos
aqueles castelos medievais, aqueles mosteiros e igrejas dos séculos passados, todos esses
patrimônios arquitetônicos, profundamente bem cuidados e constantemente restaurados. Lugares
onde fortunas são gastas para preservá-los, e que geram divisas para aquelas nações. Então, pude
perceber como a consciência histórica de alguns pombalense é menor, como se rasga e se destrói um
passado rico em lições e memórias que facilmente poderíamos preservar.

A cadeia de Pombal, tombada como patrimônio histórico paraibano por ser uma construção datada
do século XIX e que já ganhou o status de museu consegue contar um fragmento do passado da
cidade. Se formos destruindo avassaladoramente os nossos monumentos, que ensinamentos
conseguiremos passar para os nossos filhos? Que tipos de cidadania vão deixar aos prósteros? Já
basta de tanta destruição do nosso passado histórico. Primeiro os velhos sobrados da rua nova,
depois o prédio do Cine Lux, sem contar com o posto de puericultura e a esdrúxula tentativa de
transformação da Igreja do Rosário em uma cantina. O estranho é que, enquanto as capitais
brasileiras estão preocupadas em reconstruir seus patrimônios culturais, Pombal luta para destruir o
que já tem. Então, o apelo que fazemos as autoridades ou a quem de direito for, é de que preservem,
não destruam, porque tombamento não significa demolição, ao contrário, significa velar a memória
para posteridade, significa responsabilidade e zelo pelos patrimônios históricos da cidade

Sabemos que cada monumento histórico de Pombal, pertence a todos nós. Sem falar, eles
conseguem contar nossa história. As ruas, as praças da cidade foram e são os nossos caminhos,
fazem parte das nossas vidas. Queremos vê-los a cada dia mais brilhante e acolhedores. Queremos
que a cadeia se transforme em um espaço onde os jovens e adultos possam visitar e se orgulhar do
passado histórico que nos proporcionou. Por que não transformamos a cadeia numa biblioteca
pública, ou num verdadeiro museu da cidade? Por que não respeitamos os fantasmas dos
cangaceiros que outrora ali se alojaram? Por que, ao invés de exalarmos o cheiro fétido das traças e
do mofo contidos no lixo ali depositado, não fazemos uma verdadeira limpeza para que possamos
sentir o aroma das rosas e dos jasmins? Por que não respeitamos o nosso passado?

Se eu pudesse recuperá-la, se eu pudesse salvá-la dos administradores insensíveis à memória do


passado e sem visão do futuro. Se eu pudesse, traria os melhores restauradores, não para embelezá-
la, mas para torná-la tal como era, depositária de lembranças que permeava nosso imaginário
infantil. Era para nós, quando crianças um lugar proscrito, pois lá se encontravam os excluídos do
convívio da sociedade, eram a personificação do mau e do proibido. Nada poderia exercer maior
atratibilidade. Se eu pudesse a salvaria desse fim tão inglório, bem mais do que foi sua finalidade, o
de esconder o lixo da humanidade. Se eu pudesse, ao invés de lixo, se a Casa da Cultura fosse minha,
eu mandava, eu mandava ladrilhar.

(*) Wertevan Fernandes é pombalense, Professor de História, mestrando em Sociologia e escritor. Foi diretor
da Escola Estadual Mosenhor Vicente de Freitas, Diretor Técnico da Fundação Casa do Estudante e Diretor
Financeiro do Instituto de Pesos e Medidas. Atualmente, além de exercer a função docente nas Redes Estadual
e Particular de Ensino, é Assessor Técnico da Agência de Águas e Irrigação do Estado da Paraíba. E-mail:
wertevan@bol.com.br
CARTA A CELSO FURTADO

Por Luizinho Barbosa (*)

Pombal - PB, 21 de julho de 2004.

Caríssimo Conterrâneo;

Não poderia ser diferente ao iniciar as minhas poucas palavras almejando saúde e muita paz ao
ilustre conterrâneo que há muito não vejo, bem como demonstrar a minha alegria ao tomar
conhecimento de que o vosso nome foi indicado ao Prêmio Nobel de Economia e na oportunidade
relatar de forma geral e passageira sobre os aspectos históricos e culturais, na atualidade, da nossa
Pombal, terra tri-centenária, fundada em 27 de julho de 1.698, conforme carta manuscrita por
Teodósio de Oliveira Ledo, relembro também que a nossa emancipação política aconteceu em 04 de
maio de 1.772, tornando-se cidade em 21 de julho de 1.862.

Nossa cidade é considerada berço da Paraíba, torrão de homens ilustres que se foram, de muitos
outros que estão distantes sem perspectivas de voltarem para o nosso convívio, pela
(des)continuidade ideológica do passado, de homens que aqui estão servindo de degraus e
paulatinamente fazendo crescer em cada jovem o interesse, o amor, pelo desenvolvimento da nossa
terra e de outros que se encarregam das desarticulações conhecidos vulgarmente como: puxadores
de tapetes. Acredito que estes existem na Alemanha, na França, em Londres, nos States, não seria
diferente por aqui.

Tem sido uma praxe, tornando-se de grande valia para nós pombalenses, mirarmos nos exemplos de
algumas gerações do passado, quando não tínhamos o telefone, a televisão, entre outros meios de
comunicação e nossos conterrâneos tinham um envolvimento muito maior, mais aguçado em favor
da nossa cultura, das causas sociais enaltecendo o nome da nossa terra e dos próprios ideais nas
áreas da literatura, da botânica, da política, da economia, da música, entre outras formas artísticas e
profissionais.

Hoje mesmo com todo progresso explicito para nossa retina, na era do computador, da
transformação humana e animal através da ciência, seria importante a clonagem de grandes idéias
revolucionárias do passado em vez de nos mantermos reféns das aparências.

Ministro, nossa Pombal se prende ainda aos apelos consangüíneos de forma romântica e assim tudo
vai acontecendo na mais pura normalidade, muitos se nutrem das fofocas, da mídia, da música e de
outras formas plastificadas pelo capitalismo selvagem, imperando a alienação e as dificuldades pelo
elevado número de jovens desempregados impedindo assim a abertura crescente de novas
fronteiras ou divisas financeiras. Mas, acredito que ainda há tempo para repassarmos aos nossos
substitutos a importância de preservarmos não só o nosso patrimônio histórico, mas acima de tudo o
respeito aos nossos valores éticos, políticos, sociais e culturais.

Analisemos o que seria da nossa história se não tivéssemos a igreja do Rosário no seu estilo barroco,
os Cruzeiros representando as passagens dos séculos XVIII, XIX e XX, as gravuras rupestres, a cadeia
velha, a Coluna da hora, o Bar Centenário, o maior conjunto de Praças contínuas do nosso estado, e
sinto dizer que muitos outros marcos de primeira grandeza que retratavam nossas raízes foram
transformados pela ação do homem moderno.

Não quero viver apenas do passado, não quero ser um armário empoeirado, prestes a ruir pelo
cupim, mas tão somente ser útil e me espelhar nas experiências e realizações para no presente
poder informar garbosamente aos meus e aos outros que: Pombal é o primeiro núcleo habitacional
do sertão, que Manoel Cachoeira foi a Olinda a pé, reivindicar a oficialização da Irmandade do
Rosário, que temos três grupos folclóricos (Pontões, Congos e Reisado), que sobrevivem de geração a
geração desde o Brasil colônia, salientando que ambos não têm a valorização merecida, sendo
apenas reconhecidos por muitos pelos flashes fotográficos no período da nossa festa maior, a festa
do Rosário, que temos a vaquejada tradicionalmente conhecida por toda a Paraíba e o Nordeste, a
festa de São Pedro sofrendo a ausência das nossas autoridades, resumida praticamente aos seus
paroquianos, nossos rios: piranhas e piancó, esse ultimo perenizado, fonte de vida e lazer para
nossos irmãos e visitantes mas a cada dia vem sendo prejudicado pelo descaso e pela falta de
consciência de muitos.
Ilustre amigo, pelo que temos Pombal é considerada como uma cidade de potencial turístico valioso,
mas não estamos aproveitando essa fonte geradora de emprego e renda, continua adormecida para
os empreendedores, para os Órgãos Públicos e para os olhos dos turistas.

Quero nesta oportunidade informar-lhe ainda que em 21 de fevereiro de 2001, com muita satisfação
apresentamos a Casa Avelino de Queiroga Cavalcanti (Câmara Municipal de Pombal) uma
homenagem concedendo-lhe uma comenda de honra ao mérito, aprovada por unanimidade de
votos, pelos seus serviços prestados ao nosso País e ao mundo. Só lamento é que passaram-se mais
de três anos e o nosso Poder Legislativo não programou a entrega da referida honraria.

(*) Luizinho Barbosa é pombalense, Professor, Artista Popular, Vereador e um reconhecido ativista da defesa
da cultura de sua terra natal. E-mail: luizinhobneto@bol.com.br
VIAGEM À POMBAL DE PORTUGAL

Por Zenith Nóbrega(*)

Desde que soube da existência de uma cidade chamada Pombal em Portugal que sonhei em
conhecê-la. Imaginei qual semelhança poderia haver entre a Pombal dos portugueses e a minha
Pombal. Era meu sonho andar nas ruas de Pombal de Portugal, fazer comparações com a história, a
cultura, a arquitetura, enfim; entre o nosso modo de viver e o daquela gente.

Em agosto de 2001, de passagem para Suécia, chegou a hora de realizar o meu tão almejado sonho.
Pombal, com uma população estimada de 52.088 habitantes, encontra-se a cerca de 150 Km das
cidades de Lisboa e Porto, a 33 Km de Coimbra, a 26 Km de Leiria e a 30 Km da Figueira da Foz.
Procurei de todos os modos encontrar as semelhanças entre as duas cidades. Nas ruas, na
arquitetura, no rosto e no modo de vida das pessoas. Na entrada da cidade, de longe se avistava um
castelo em ruínas, que logo me despertou a atenção. Era para lá que eu queria ir. Minha primeira
meta foi encontrar o caminho que levasse àquele belo castelo de onde eu poderia contemplar toda a
cidade.

Era o castelo de Leiria, que tem grande importância histórica para aquela cidade. Uma fortaleza com
certa imponência, mandada construir pelo mestre dos Templários Gualdim Pais, em 1161. A partir do
seu jardim pude vislumbrar toda perspectiva arquitetônica da nossa velha célula mater. Enfim, estava
diante da cidade que deu o titulo honorifico a Sebastião José de Carvalho e Melo, honraria esta que
veio suscitar no nome de minha terra natal no além mar. O Ministro Sebastião José de Carvalho e
Melo, Marquês de Pombal, viveu naquela localidade portuguesa entre 1777 e 1782. Foi responsável
pela ordenação da parte baixa da vila, inclusive pela construção da cadeia na Praça Velha, no lugar
onde era um antigo pelourinho com um celeiro no lado oposto.

O patrimônio histórico e cultural da cidade é composto por um rico e variado acervo, destacando
além de bens patrimoniais como praças, igrejas e ruínas com mais de 800 anos, também grupos de
danças, teatros e cinemas. Esse patrimônio é conservado e tratado como a parte mais importante
de sua riqueza, sendo , inclusive, utilizado como fonte de renda para a população, através da oferta
desse lucroso atrativo para os turista.

Enquanto minha Pombal, o primeiro núcleo populacional do sertão paraibano, onde estabeleceu-se o
pioneirismo da colônia dita civilizada, corre sérios riscos de perder sua identidade. Todo o seu
passado, constituído de homens e fatos marcantes, tende a se perder no ralo obscuro da indiferença
histórica. E saber que há gente do povo que bate palmas para isso. A essa gente apenas registro o
meu total desprezo. Prefiro enaltecer àqueles destemidos conterrâneos que usam a força de sua arte
em defesa do bem mais valiosos de nosso povo, que é preservação de nossa história. Aqueles que
jamais perderão o ânimo, mesmo sabendo que para isso é preciso enfrentar a fúria reacionária das
forças apagadoras da memória.

Graças a eles minha Pombal ainda tem o mais belo coreto, tem a imponência da coluna da hora,
lindas praças, a cruz da menina, a estação de trem, os cruzeiros. Tem os rios correndo pelas colinas.
Minha Pombal ainda tem duas igrejas seculares, aliás, soube que graças a intervenção dos
destemidos conterrâneos, um vigário alienígena não transformou uma delas em cantina. Minha
Pombal tem um castelo. Sim, minha Pombal também tem um castelo igualmente misterioso, que na
minha meninice, muito menos que respeito, causava-me arrepios e calafrios. Lembro-me de sua
paredes grossas e firmes com grades intransponíveis e telhados altos. Odor forte, ambiente lúgubre.
Lugar destinado a guarda de todo tipo de excluídos: ladrões, pistoleiros, assassinos, cangaceiros e até
almas penadas. E todos nós chamávamos de cadeia velha. Felizmente, graças a audácia de alguns,
minha Pombal ainda tem tudo isso.

Pombal lusitana é terra de história e de lendas, feitas por homens ilustres, poetas e políticos. A
exemplo do Marquês de Pombal, do historiador e escritor João de Barros, da poetisa Martel Patrício,
do médico e escritor Amadeu da Cunha, entre tantos outros de importância local e internacional.

Minha Pombal é terra de poetas como Leandro Gomes de Barros e Violeta Formiga; de políticos
como os irmão Ruy e Janduhy Carneiro; de humanistas sábios como Manoel de Arruda Câmara e
Celso Furtado, e de homens bem mais modesto, porém de tamanha importância como Manoel
Cachoeira. Terra das vaquejadas, da grande quermesse, dos negros dos Pontões, do reisado e do
Congo. Também é a terra da Cabocla Maringá e do historiador Wilson Seixas, Ah! que falta ele nos
faz. A grande diferença se traduz no respeito e no reconhecimento. Os pombalense portugueses do
passado não correm o menor risco de serem esquecidos pelos seus conterrâneos do presente e do
futuro.
De repente, eu, uma pombalense, da Paraíba, um pedacinho do Brasil, me encontro aqui na Europa.
E vejo diante de mim o respeito com que a historia é unanimemente tratada. Que contraste com o
que ocorre em minha terra! Neste momento não tenho como fugir do confronto que volta a inundar
minha racionalidade. E me ponho a analisar. Sem maquinar qualquer tipo de conspiração política ou
religiosa, sem mágoas, sem ressentimentos, deixado fluir apenas o meu espirito poético e
observador.

Há dois anos atrás eu tentei escrever tudo isso, mas meu coração pombalense achou essas
comparações injustas. Desisti. Rasguei. Estou ausente da minha terra natal, seria de minha parte
soberba prepotência e imensa arrogância fazer certas comparações que chegasse a desvalorizar
minha gente e minhas origens. Não era essa minha intenção.

Até que chegou em minhas mãos, através do meu irmão José Tavares, o conhecimento da
humilhação que passou um dos nossos primos, que leciona na Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte, quando levou uma turma discente do curso de geografia para conhecer a CASA DA
CULTURA DE POMBAL. Chegando lá, até imagino o tamanho da decepção do meu primo ao ver a
situação do nosso museu, totalmente entregue as baratas. Sim, isso mesmo, entregue as insensatas
baratas humanas e aos próprios insetos homônimos. Sei o que meu primo sentiu, posso imaginar
como estava seu semblante ao contemplar desapontadamente o seu alunato, pois um dia passei por
situação similar em minha terra, quando mendiguei uma visita àquele museu para os alunos da
escola de surdos de Pombal. Agi como se estivesse pedindo um favor para que os meus alunos
conhecessem um pouco de sua própria história.

E é assim que os governantes muitas vezes nos fazem sentir, como se tudo que fizessem de bom
fosse um favor, e todo direito que nos é negado fica por isso mesmo. E o povo se acomoda
inconscientemente na posição deplorável de mendigo. Se comporta, sobretudo, como mendigo de
seus próprios direitos enquanto cidadão.

Digamos que Portugal não seria o cartão de visita da Europa, muito pelo contrário, mas mesmo com
todos os problemas econômicos atuais, sabe que preservar a cultura também é uma forma de
melhorar economia através do turismo cultural.

Minha Pombal também tem seus valores, suas riquezas, porque seria injusto avaliar a riqueza de
povo levando em conta apenas as suas condições econômicas. A maior riqueza de um povo está nos
valores que conseguem resistir ao tempo. A riqueza de um povo pode está até mesmo na sua alegria.
E por falar em alegria, essa é a marca registrada do Brasil aqui fora. Seria uma bela forma de ser visto
pelo mundo afora se essa alegria não tivesse muitas vezes interligada com a alienação e com falta de
seriedade. Um dia encontrei um sueco que dizia saber falar “brasileiro”. Com seu vocabulário de três
palavras: “bunda”, “carnaval! e “cachaça”. Ele sabia muito pouco do Brasil, mas esse é realmente o
cartão postal do nosso país, a imagem que vendemos. E nós que temos uma visão mais séria e mais
poética do Brasil nos sentimos envergonhados.

Outra vez, em um noite de Natal, eu vi na TV uma criança que tinha sido vítima de violência
doméstica cometida pela própria mãe. A criança estava hospitalizada e a mãe detida. A repórter
perguntou quem fez aquilo com ela. A criança respondeu: “minha mãe!”. A repórter meio que
emocionada perguntou o que aquela criança queria de presente de Natal , a criança por sua vez
respondeu: “Eu quero minha mãe de volta”. Eu acredito que essa relação é idêntica a de um
brasileiro que vive fora de sua Pátria. Nós sabemos o quanto ela pode nos fazer mal, mas sonhamos
eternamente em voltar para ela. Igualmente, um dia pretendo retornar à minha Pombal e exijo
encontrá-la conservada tal qual recebi dos meus ancestrais.

(*) Zenith Nóbrega é pedagoga pombalense, atualmente radicada na Suécia.


LUTAR E LIBERTAR

Por José Vieira Neto (*)

Falar de patrimônio histórico, mesmo em Pombal, minha terra berço, depois de feras como Braúlio
Tavares, Verneck Abrantes, José Tavares de Araújo Neto, Severino Coelho Viana, Jerdivan Nóbrega de
Araújo, Cândido Tertuliano Filho, Zenith Nóbrega, Luizinho Barbosa e José Romero Araújo Cardoso e
Flávio Carreiro, é tarefa quase impossível.

Mas se o desafio é escrever, falar de Pombal, o melhor é fechar os olhos e deixar a tarefa com o
coração. Como personagem nato da cidade, me vejo no cenário do Pombal de minha infância.
Minhas referências: Igreja do Rosário e seu Cruzeiro, Praças Getúlio Vargas e do Bar Centenário,
Coluna da Hora, os casarões, o Cine Lux e a Cadeia. Ah!, a Cadeia. Aquele prédio enorme, cheio de
histórias, me deixava com um misto de medo e admiração.

Passagens de presos famosos eram contadas como histórias de assombração. “O bandido que não
morre. Facas nem balas podem atingi-lo. Tem pacto com o diabo. Olha, aqui já foram presos vários
Cangaceiros. Esse lugar é cheio de almas penadas”. Imagine tudo isso na cabeça de uma criança.
Passar pela calçada daquele prédio imponente? Correndo e sem olhar para o seu interior.

Antes mesmo da história desmistificar essas lendas com o aprendizado na escola, o Cine Lux me
quebrou essa desconfiança, esse medo, me apresentando, em grande estilo, Fogo, o Salário da
Morte. Minha cidade na telona; bela, majestosa. No filme não busquei a história ou personagens.
Meu fascínio era ver ali, minha cidade, testemunho vivo do meu lugar. Meu olhar era o da câmera.
Voltei a ser menino, agora sem medo da cadeia.

Os olhos na tela e a mente no palco da minha infância. De calção, pé no chão, menino na rua,
correndo solto pelo beco da cadeia, rua estreita e no largo do bar centenário. Saudade. Saudade de
minha vida.

Hoje, cidadão do mundo por necessidade, mas cada vez mais natural de Pombal, quero que este
cenário permaneça de pé, revigorado e não apenas na minha mente. Tenho vida finita. Quero este
cenário para o infinito das gerações.
Destaco aqui a definição de preservação do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, que
tem suas origens no Departamento de Cultura, idealizado e dirigido pelo genial Mário de Andrade,
em 1935.

“Preservação é o ato de manter os testemunhos das manifestações culturais e ambientais que


possibilitam a uma sociedade reconhecer a sua identidade, valorizando-a e estabelecendo
referencias para a construção de seu futuro. Para isto são tomadas medidas protecionistas, que se
fazem por meios de atos e procedimentos que o Poder Público adota com o intuito de preservar,
valorizar e revitalizar esses bens”.

É essa luta que precisamos travar. Por esta causa vamos à praça, vamos onde quer que seja. Nesta
guerra sou soldado não apenas por convicção, mas acima de tudo por razões do coração, de sonhos,
de saudades, de vida. Luto pelo que vi, lutarei pelo que quero ver. Lutaremos porque é preciso. Se
Aurélio Buarque de Holanda definiu Patrimônio como bem, ou conjunto de bens culturais de valor
reconhecido para determinada localidade, região, país, ou para a humanidade, e que, ao se tornar
protegido, deve ser preservado para o usufruto de todos os cidadãos, quero lutar.

Quero que velha cadeia deixe de ser prisioneira do abandono. Que os Governos que podem e a
sociedade que deve livrem este patrimônio do fim. Que a luta comece agora! Meus amigos onde
posso me alistar para este combate?

(*) José Vieira Neto, pombalense, jornalista da TV Tambaú e assessor de comunicação do Tribunal Regional do
Trabalho. E-mail: vieira@tvtambau.com.br.

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