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A

escola
na
pandemia
9 visões sobre a crise do ensino
durante o coronavirus
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A escola na pandemia [livro eletrônico] : 9 visões


sobre a crise do ensino durante o coronavirus /
Claudia Costin ... [et al.]. -- 1. ed. -- Porto
Alegre:
Ed. do Autor, 2020.
PDF

Outros colaboradores.
ISBN 978-65-00-08120-6

1. Brasil - Educação 2. Coronavírus (COVID-19) -


Educação 3. Pandemias I. Costin, Claudia. II. Borba,
Gustavo Severo de.

20-42869 CDD-370.115
Índices para catálogo sistemático:

1. Coronavírus : COVID-19 : Coronavírus : Prevenção


: Educação 370.115

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

ISBN: 978-65-00-08120-6
Claudia Costin é fundadora e diretora do FGV CEIPE- Centro de Excelência e Inovação em
Políticas Educacionais, da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro. Até recentemente foi Profes-
sora visitante da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard; É membro da Comissão
Global sobre o Futuro do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência
das Nações Unidas; Ex-Diretora Global de Educação do Banco Mundial;  Ex-Secretária de Edu-
cação do município do Rio de Janeiro e ex-ministra da administração e reforma.

Caio Dib é designer de serviços digitais na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
Viajou o Brasil de ônibus para conhecer práticas educacionais inovadoras e é autor de 4 livros,
entre eles Caindo no Brasil: uma viagem pela diversidade da educação e Guia de Sobrevivência
da Educação Inovadora.

Felipe Dib é graduado em Relações Internacionais e fez uma pós em Ensino de inglês. Estudou
Business em Oxford, Liderança na Georgetown e fez seu MBA pela Universidade da Califórnia.
Em 2011 após sobreviver em um acidente de carro Dib criou o Você Aprende Agora, um curso
de Inglês e Liderança que já lecionou 37 milhões de aulas para alunos em 181 países. Felipe foi
eleito o jovem mais inspirador do Brasil pela Revista Veja, convidado pela ONU para colaborar
com os Objetivos do Milênio e nomeado Embaixador Global da Juventude.

Gustavo Mini é professor da graduação de Comunicação Digital da Unisinos e Head de


Estratégia da agência DZ Estúdio. Graduado em Relações Públicas e Mestre em Design.

Gustavo Severo de Borba é engenheiro, mestre e doutor em engenharia de produção


e especialista em Design Estratégico. Atua como gestor no ensino superior desde 2003. Atual-
mente é Diretor do Instituto de Inovação na Educação da Unisinos.
Jorge Audy é superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS. Professor e pes-
quisador da PUCRS, nas áreas de sistemas de informação e engenharia de software. Atua nas
áreas de gestão de Ecossistemas de Inovação e Gestão de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Marcos Piangers é pai da Anita, de 15 anos, e da Aurora, de oito anos. É jornalista com
passagem pela Rede Globo e autor do best seller O Papai é Pop, com mais de 300 mil livros
vendidos e lançados em Portugal, Espanha, Inglaterra e EUA. Se tornou uma das maiores refe-
rências sobre paternidade na internet e seus vídeos somados ultrapassam meio bilhão de views.
Lançou, em 2019, A Escola do Futuro, com seu ídolo, o grande pai e professor Gustavo Borba.

Mônica Timm de Carvalho é mestra em Gestão Educacional, especialista em Gestão


Empresarial e licenciada em Letras. Depois de quase duas décadas na direção do Colégio Isra-
elita Brasileiro, onde liderou a construção de uma cidade-laboratório no pátio da escola, migrou
para uma startup de educação - a Plataforma de Leitura Elefante Letrado -, na qual é diretora
executiva e co-criadora de uma nova arquitetura pedagógica de apoio ao ensino da leitura. Em
2013, recebeu o prêmio Líderes & Vencedores, da Federasul e Assembleia Legislativa/RS, como
Referência Educacional.

Paulo M. V. B. Barone é professor universitário na Universidade Federal de Juiz de Fora,


atuando no ensino de graduação e pós-graduação, na pesquisa, na extensão e na gestão aca-
dêmica. É um dos fundadores da Olimpíada Brasileira de Física e do Centro de Ciências da UFJF.
Trabalhou no projeto do Parque Tecnológico de Juiz de Fora e Região. Integrou o Conselho Na-
cional de Educação por 12 anos e foi Secretário de Educação Superior no Ministério da Edu-
cação. Atualmente, é assessor parlamentar no Senado Federal, dedicando-se principalmente ao
Desenvolvimento Regional, à Educação, e à Ciência, Tecnologia e Inovação.
Este projeto iniciou a partir de conversas que temos tido sobre os impactos da pandemia na
educação em nosso país, em diferentes níveis. A partir da compreensão de que temos múl-
tiplos olhares, como professoras e professores, gestoras e gestores, pais e mães, pesquisa-
doras e pesquisadores, buscamos desenvolver textos autorais, com nossas percepções sobre o
que estamos vivendo e como as mudanças impostas pelo contexto devem impactar diferentes
processos de pesquisa, ensino, interação, convívio e aprendizagem.

Se você é mãe ou pai, se atua na área de educação, ou se tem interesse neste tema, vai encon-
trar aqui textos que podem de alguma maneira despertar o debate e diálogo com suas ideias.

Este e-book inicia com o texto da Claudia Costin que apresenta uma visão sistêmica do contexto
global da pandemia aprofundando questões relativas ao Brasil. Na sequência, apresentamos
alguns textos relacionados a perspectiva das escolas, envolvendo o olhar de gestão, dos profes-
sores e dos pais. A Monica Timm descreve os desafios da gestão das escolas e da sala de aula
no contexto da pandemia. O Caio Dib, apresenta sua percepção sobre este momento de pan-
demia a partir da interação com professores espalhados pelo nosso país. Seguimos com o Marcos
Piangers, compartilhando sua experiência como pai e apresentando o sonho de escola que
ele acha que devemos perseguir. O Gustavo Mini lança seu olhar sobre o contexto da família
brasileira e como temos desafios para superar as desigualdades.

Na sequência temos um relato pessoal, do Felipe Dib contando a partir de sua história a impor-
tância do ensino e aprendizagem de idiomas.

Na parte final, temos 3 textos com foco em pesquisa e ensino superior. Eu descrevo algumas
questões relacionadas a importância e papel do professor no processo de engajamento remoto.
O Jorge Audy amplia o olhar para a necessidade de ciência e tecnologia para superarmos as
crises e problemas impostos pelo Coronavírus. Fechamos esta obra com o texto de Paulo
Barone, apresentando um olhar aberto e ampliado sobre as relações entre pesquisa e inovação,
especialmente no contexto atual.

Nossa ideia é a partir destas reflexões convidarmos todos a um debate aberto e amplo sobre o
tema educação.

Este material é gratuito e pode ser compartilhado com seu amigos.

Boa Leitura

Gustavo Severo de Borba


Claudia Costin Mônica Timm
7 11

Caio Dib Marcos Piangers


15 20

Gustavo Mini Felipe Dib


27 30

Gustavo Borba Jorge Audy


34 39

Paulo Barone
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Desafios
da

no Brasil após a COVID19


claudia costin
Desafios da Educação no
Brasil após a COVID19

O Brasil foi um dos signatários, em 2015, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável-ODS,


entre eles, o ODS 4, referente à Educação, que estabelece que, até 2030, iremos assegurar a
todos Educação de qualidade e oportunidades de aprendizagem ao longo da vida. Infelizmente o
país, apesar de importantes avanços em acesso à escola no período recente, ainda tem enormes
desafios para oferecer um ensino com algum nível de excelência e convive com expressivas de-
sigualdades educacionais, como mostram os resultados de 2018 do PISA, avaliação aplicada a
jovens de 15 anos de 79 economias, organizada pela OCDE.

De fato, o Brasil vive uma crise de aprendizagem e, isso, num período em que vivemos a cha-
mada 4ª Revolução Industrial, marcado por uma automação acelerada pelos avanços da Inte-
ligência Artificial. Com isso, há uma crescente substituição de trabalho humano por máquinas,
inclusive o que demanda competências intelectuais. Assim, o mundo do trabalho passou a
exigir dos jovens não só habilidades básicas, mas competências mais sofisticadas, para poder
garantir empregabilidade ou, alternativamente, empreendedorismo. Com isso, a Educação Básica
no país vê-se desafiada a oferecer um ensino que desenvolva habilidades como a resolução
colaborativa de problemas com criatividade, agilidade cultural, adaptabilidade, pensamento
crítico e sistêmico e abertura ao novo.

Não nos ajuda, frente a estes desafios, o fato de que a profissão de professor tenha baixa atra-
tividade, o que dificulta a retenção de talento na carreira, e que a formação docente no ensino
superior se dê num processo de reduzido diálogo entre teoria e prática, como corretamente
constatou o Conselho Nacional de Educação ao emitir, em dezembro de 2019, as novas Dire-
trizes de Formação e a nova Base Nacional Docente.

É neste contexto que chega a COVID-19 e, em pouco tempo, transforma-se numa pandemia
e na maior crise sanitária de que o mundo já teve notícia. Cerca de 190 países tiveram escolas
total ou parcialmente fechadas, num processo que atingiu cerca de 1,5 bilhão de alunos. O Brasil
foi um deles e, desde meados de março, as crianças e adolescentes não vão às aulas. Neste

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“ há um grande risco
de um aumento expres-
contexto, há um grande risco de um aumento expressivo de
desigualdades educacionais e de agravamento geral da crise
de aprendizagem.
sivo de desigualdades

educacionais Trabalho, a partir do Centro de Excelência e Inovação em Po-
líticas Educacionais da FGV, com aconselhamento técnico para secretários estaduais e munici-
pais de educação na construção de alguma forma de aprendizagem emergencial em casa para
seus alunos. Afinal, são meses de aulas perdidas e precisamos mitigar os riscos presentes e, ao
mesmo tempo, preparar a volta às aulas presenciais.

A maior parte das redes públicas usou alguma combinação de mídias para tentar assegurar que
a aprendizagem chegasse a todos. Assim, foram utilizados aqui, como em boa parte dos outros
países, plataformas digitais, televisão, rádio e roteiros de estudo em papel. Por meio de uma
logística complexa, que envolveu inclusive o envio de cestas de víveres, para que a falta de
merenda não resultasse em insegurança alimentar para parte das crianças e adolescentes, foram
entregues materiais didáticos nas escolas ou nas residências, adquiridos pacotes de dados para
celulares e construídas parcerias com canais de TV ou rádio.

Nas escolas particulares, a logística tampouco foi simples, afinal, nem todas tinham plataformas
digitais e muitas contavam com alunos bolsistas que tinham dificuldades em acessar a Internet
fora da escola. Além disso, a perda de renda por parte de muitas delas foi importante, colocando
em risco a própria sobrevivência de unidades escolares.

Mas, mesmo com o fechamento de escolas, os avanços da educação em direção ao digital


acabaram lentamente se construindo, pegando inicialmente os educadores de surpresa, já que
não havia nem conectividade de qualidade para todos, nem cursos que os preparassem adequa-
damente para o uso educacional de ferramentas online. Com o tempo, ocorreu um processo de
aprender fazendo, e mesmo na dor, desenvolvendo nos mestres algumas competências para um
ensino que demanda não só conhecimentos sobre computadores e aplicativos, como trabalho
colaborativo entre pares.

Houve também professores que se voluntariaram a dar aulas na TV ou no rádio. Talentos foram
revelados, num processo de reinvenção profissional de muitos, mas foi, de fato, bastante desa-
fiador para boa parte dos docentes e até para os pais, que se viram instados a atuar com mais
intensidade na educação escolar de seus filhos.

Embora narrativas derrotistas associem o empenho dos docentes a uma prática ritualista, muito
se fez e foi, para muitos deles, um exercício de adaptação ao uso de novas mídias e de redes-

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coberta do prazer em superar obstáculos profissionais. Além disso, muitos pais passaram a
valorizar o empenho dos professores de seus filhos, ao constatar como é desafiadora e complexa
a profissão de professor.

A partir do que aprendemos em tempos de COVID-19, poderemos avançar, com apoio de


tecnologia e de achados científicos, no desenvolvimento não só de competências básicas, mas
também das competências do século 21 nos alunos e mestres, para nos assegurar que o país
possa promover um desenvolvimento mais inclusivo.

As soluções tecnológicas que, mais recentemente, foram desenvolvidas para a Educação não
vão substituir os professores, segundo estudos prospectivos. Ao contrário, mesmo com a tran-
sição demográfica acelerada que vivemos, o que os especialistas têm mostrado é que há ainda
escassez de docentes para realizar um trabalho consistente de preparação dos alunos para um
mundo incerto e complexo.

Além disso, a tecnologia vem se mostrando útil aos docentes, possibilitando-lhes trabalhar com
dados sobre o que aprende cada aluno, de forma a desenvolver estratégias mais efetivas de en-
sino. Neste sentido, o uso de plataformas adaptativas, que permitem identificar mais precisamente
as insuficiências de aprendizagem de cada estudante e o seu direcionamento aos conteúdos que
suprirão as lacunas identificadas, poderão ser particularmente importantes para apoiá-los.

Na volta às aulas, quando ocorrer, poderemos entender melhor o impacto da COVID-19 na


educação. Para além dos sofrimentos causados a muitas famílias, na forma de perda de entes
queridos e de fonte de renda, algumas lições aprendidas em educação ficarão. E elas não se
referem apenas aos textos enviados para casa ou as aulas remotas assistidas. Elas dizem
respeito à possibilidade de aprender para além dos muros da escola, de envolver as famílias, e
de contar com o acesso à Internet de banda larga como um serviço público a ser universalizado
- como passou a ser, em meados dos anos 1990, a telefonia.

Mas se esta volta ocorrer como em países que já retomaram as aulas, com rodízio de alunos
para reduzir o tamanho de turmas, teremos um ensino híbrido sendo esboçado, com grupos de
estudantes tendo aulas presenciais, enquanto outros continuam em casa, com aprendizagem
remota, para depois revezarem.

Com isso, as escolas terão que aprender a adotar estratégias como salas de aula invertidas e
metodologias ativas no processo de ensino. Mas para que tudo isso funcione bem, além de
alguns bons exemplos ocorridos durante a pandemia, teremos que investir de forma bem mais
efetiva em atrair, formar e reter bons professores, e construir, a partir do que aprendemos na crise,
uma nova escola que possa nos trazer um futuro menos desigual.

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Desafios
da gestão

no pós-pandemia
mônica timm de carvalho
Desafios da gestão educacional
no pós-pandemia

De uma hora para a outra, gestores educacionais tiveram que replanejar rotinas, aulas e formas
de relacionamento com a comunidade escolar, administrando remotamente a complexidade de
suas instituições de ensino. Difícil encontrar ocasião em que tivemos que aprender tanto e em
tão pouco tempo.

Na base de quase todas as aprendizagens que a COVID-19 nos impôs, aparece com protago-
nismo o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Tema recorrente de palestras
e foco de estudo nas formações docentes ao longo das últimas décadas, a adoção das TICs
e das tecnologias educacionais delas decorrentes encontrou resistências de professores e
gestores, tanto pelo fato de ser difícil a apropriação de tais recursos, quanto por ser oneroso
para as escolas disponibilizar parques tecnológicos permanentemente atualizados. A pandemia,
contudo, não deixou escolha: se práticas de ensino remoto não fossem implementadas como
alternativa às aulas presenciais suspensas, a função social de escolas e das universidades
deixaria de acontecer durante tempo indeterminado.

A necessidade de isolamento social, contudo, repercutiu de maneiras distintas nas redes pública
e privada, acabando por sublinhar ainda mais as desigualdades sociais em nosso país. Milhões
de estudantes não dispõem de acesso doméstico à internet. Entre os da rede pública, os que
têm acesso geralmente o fazem por meio de celulares compartilhados com outros membros de
suas famílias. Dispor de computador e internet para a realização de estudos é uma realidade
para poucos estudantes brasileiros. 

Na rede privada, a infraestrutura de acesso dos estudantes ao ensino remoto não foi propriamente
uma barreira a vencer. Ao contrário: escolas com recursos tecnológicos deficitários puderam se
beneficiar do acesso das famílias à internet e aos seus próprios computadores, retirando das
instituições de ensino a responsabilidade por eventuais sobrecargas às suas frágeis redes de
dados. Vencido o problemas da distribuição das aulas remotas, as escolas privadas também se
beneficiaram da existência de plataformas e aplicativos gratuitos. Isso acabou implicando certa

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“igualdade de condições” na rede privada,  e a diferenciação entre suas escolas, quando houve,
se deveu exclusivamente à qualidade de professores e gestores educacionais que souberam ir
além da simples digitalização da aula tradicional.

A verdade é que, à parte os enormes prejuízos que a pandemia vem trazendo a todos os
países, ela também oferece oportunidades para que se mudem práticas que há muito precisam ser
repensadas. O segmento da educação não foge à regra: os prejuízos decorrentes do novo
Coronavírus são muitos e vêm na forma de menos aprendizagem dos estudantes, desorganização
dos processos internos das instituições de ensino, inadimplência, evasão escolar e até mesmo
fechamento de muitas escolas. No entanto, há também enormes possibilidades de qualificação
das formas de ensinar e aprender - algumas já em processo - e se, em poucos meses, tivemos
que aprender a reorganizar os tempos e espaços das escolas, não há por que deixar de apostar
em seguir inovando no pós-pandemia.

“ Teremos - espera-se! -
em breve a chance de
Teremos - espera-se! - em breve a chance de ressignificar
a presencialidade na sala de aula, que poderá ser um lugar
privilegiado para a participação ativa de professores e
ressignificar a presencia- “ alunos. É possível deixar a leitura de textos informativos e as
lidade na sala de aula listas de exercícios para fora do tempo da presencialidade
coletiva. Aprendemos a fazer isso nesses tempos de isolamento social. E mais: as tecnologias
educacionais se mostraram eficientes para apoiar tarefas repetitivas dos professores, e esses
podem se dedicar a questões que exigem mais análise e tomada de decisão.  Deixemos, então, o
tempo de encontro real entre professores e alunos para a problematização, o debate, a hipótese,
a dúvida, a construção de protótipos e experiências. Que a presencialidade se ocupe das tarefas
que só  podem ser realizadas  plenamente quando estamos juntos uns dos outros.

Poderemos conhecer mais sobre cada um de nossos alunos. Com isso, estabelecer diferentes
trilhas de aprendizagem para atender às particularidades dos estudantes, para que todos
aprendam. Aqueles que se lançaram às tecnologias para além das videoconferências puderam
constatar a potência de algumas delas, e que somente com o apoio dessas ferramentas se pode
efetivamente conhecer os percursos de aprendizagem de cada um dos 25, 50, 100 alunos ou
mais. Assim, não há razão para que não se adote uma educação baseada em evidências, as quais
são sistematicamente verificadas e analisadas, orientando o planejamento. Estamos de fato a um
passo de utilizar as informações sobre a aprendizagem dos alunos, trazidas pelas tecnologias
educacionais, para embasar a organização de nossas práticas pedagógicas.

Boas escolas serão mais facilmente reconhecidas no pós-pandemia, não mais pela estrutura
física ou pelo parque tecnológico de que dispõem, mas pelo processo da ação direta dos

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professores. Nesse sentido, dificilmente haverá retorno mais visível do que o investimento apli-
cado nos estudos dos professores e no planejamento coletivo da ação educativa. No caso da
rede pública, que infelizmente não vem tendo a oportunidade de oferecer ensino remoto aos seus
estudantes, que então não se perca a oportunidade de realizar formação docente a distância.
Mesmo que não seja possível com todos, mesmo que por apenas um mês: que nunca mais
nosso país, nossas escolas e os gestores educacionais percam a oportunidade de revolucionar a
educação - e isso necessariamente começa com a formação de nossos professores.

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Aula

- e agora? 
caio dib
Aula online - e agora? 

“Dei 40 anos de aula e agora não sei como controlar minha turma durante a pandemia. Estou
desesperada!”, ouvi de uma professora. Fiquei pensando sobre como eram suas aulas presen-
ciais e quais foram os aspectos que a fizeram sentir uma perda de controle e o sentimento de
impotência. 

Essa cena também me fez ter mais certeza de que a pandemia não vai acelerar apenas o modelo
de negócio de redes varejistas e bancos, mas também pode ser uma oportunidade para mudança
de cultura na Educação Básica. Isso pode acontecer tanto no olhar técnico - a necessidade de
melhoria da infraestrutura das escolas, da qualidade da internet e da formação para educação
digital - quanto no olhar de mudança de cultura nas relações de aprendizagem.

Mudança de relações

Essa mudança de cultura já está acontecendo porque o modo como nos relacionamos com os
outros e com os espaços mudou. Do presencial para o digital; dos vários espaços que frequentá-
vamos por dia para uma sala dentro de casa. A potência da relação pessoal diminui para uma
conexão nem sempre boa, na qual é fácil cortar a fala do colega por causa de um delay. Os res-
piros de pequenas caminhadas e paisagens diferentes deram lugar a uma realidade de poucos
movimentos. Precisamos ressignificar tanto o que vivíamos no passado quanto o que estamos
vivendo agora. 

Ao mesmo tempo que as relações digitais podem trazer um prejuízo na interação social, também
podemos buscar novas oportunidades. Como viajo o Brasil há anos para conhecer práticas edu-
cacionais inovadoras, tenho amigos em todos os cantos e consegui ter mais tempo de qualidade
com eles, por exemplo. Os estudantes, por sua vez, encontraram nas salas de Discord (https://
discord.com/) um caminho para fazerem provas em grupo e resolverem um problema que sempre
assustou qualquer um que passou pela escola.

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Mudança nos tempos

Além da mudança de “plataforma” nas relações sociais, o tempo também teve seu significado
revisado. As aulas tradicionais de 50 minutos podem ser suportáveis na escola, mas se tornar
um desafio no online. Afinal, os estudantes têm inúmeros estímulos ao seu redor que podem ser
muito mais interessantes do que aquela videochamada. 

Além disso - agora, olhando na perspectiva do professor - os 50 minutos se tornam facilmente 40


ou 35 no digital. Com exceção dos professores da primeira aula e da “aula depois do intervalo”,
ao invés de entrar numa sala em que os estudantes já estão na inércia das aulas, a aula online
tem aquele atraso por causa da conexão ou de distrações variadas. Além disso, o “posso ir ao
banheiro” muitas vezes precisa ser substituído por um pequeno intervalo no meio do encontro.

Caminhos para criar experiências de aprendizagem

Existem vários caminhos para não precisar “controlar a turma” e garantir qualidade na apren-
dizagem e na felicidade de todos os envolvidos. Aqui, compartilho com você uma das possibili-
dades que tenho encontrado para momentos formativos online ou visto no trabalho de professores
e professoras brilhantes e criativos que acompanho.

Os educadores são naturalmente criadores de experiên-

“ Os educadores são
naturalmente criadores de
cias de aprendizagem e contadores de histórias, mas por
algum motivo pouca gente se vê como tal. Entrar numa
sala de aula e ensinar QUÍMICA para 40 jovens, fazendo
experiências de aprendi- com que eles vejam por que essa área do conhecimento é
zagem e contadores de
“ importante e encantadora e ajudando-os no processo de
histórias compreensão de um assunto tão complexo é uma quali-
dade extraordinária. 

Por isso, acredito que a “mudança de cultura” na educação da pandemia (e pós-pandemia,


porque muita coisa vai continuar diferente nos próximos anos) será muito uma ressignificação
do papel do professor, tema amplamente discutido nos eventos e debates sobre educação e
inovação. Para isso:

• A chegada não conta mais com a inércia: é muito importante pensar em pequenas
dinâmicas que possam ser feitas online. Tive um professor de História que escrevia uma
citação célebre logo no começo da aula. Era o momento em que todo mundo parava,

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respirava e ia conferir a novidade. 

Para essa dinâmica, sugiro que você pense sempre em alguma atividade que seja divertida e in-
teressante, mas que também se relacione com o conteúdo daquele encontro. Como conectar
uma pergunta provocadora no início da aula (que pode ser feita de maneira dinâmica e organizada
pelo Mentimeter (https://www.mentimeter.com) às habilidades e competências ou ao conteúdo
que vai compartilhar com a turma no dia? Nesse sentido, sugiro sempre ter um tempo dedicado
para o que alguns chamam de debriefing, um momento para reflexão sobre como foi a dinâmica
para cada participante e o que o grupo pode tirar de aprendizado do exercício.

Confira alguns sites com referências de


dinâmicas. Lembre que você pode sempre
adaptar os exercícios para sua realidade:

• Toolbox HyperIsland
• Toolbox SessionLab
• Gamestorming

• Dinamismo e múltiplas estratégias: • na sala de aula, mesmo a aula expositiva pode


trazer elementos de dinamismo para os estudantes quando o(a) professor(a) se aproxima,
fala mais alto ou faz algum movimento na frente da sala. No online, isso se torna mais
difícil. Nesse novo ambiente, não é “pecado” fazer aulas expositivas, mas também é in-
teressante intercalar partilha oral do conteúdo com momentos de debate e de atividades
práticas. Para isso, é interessante pensar em momentos em que os estudantes façam
exercícios individualmente ou em grupos (divididos em salas diferentes) e usem o grupo
maior para aprofundamento do conteúdo e momentos de debate.

Conheça algumas ferramentas de criação


coletiva que podem apoiar no dinamismo do
aprendizado. Explore e aprenda a trabalhar
com elas antes de testar com a turma:

• www.miro.com
• www.mural.co
• www.whimsical.com

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• “Posso ir ao banheiro” digital: fazer acordos coletivos pode ser um caminho para que
os estudantes não percam partes importantes da aula porque foram ao banheiro ou bus-
caram alguma coisa na geladeira. Tente fazer acordos coletivos, com a participação da
turma, para definir pontos relacionados a pontualidade, momento de intervalo e outras
questões.

• Você é MAIS UMA atividade que acontece na vida do estudante: naquela mesma sala
que ele convive com você digitalmente, também troca com outras pessoas, conversa com
a família, se diverte e faz outras atividades durante o dia. Por isso, é importante dar des-
taque à partilha do seu planejamento como professor. O que aconteceu na aula passada?
O que exatamente vai acontecer hoje e qual será a relação com o que veremos aula que
vem? Garantir que a sequência dos aprendizados - e da história que você está contando
sobre o assunto - seja clara para todos vai apoiar o engajamento da turma.

O que podemos tirar de tudo isso?

Muito do que estamos vivendo hoje pode se tornar padrão. Ainda não sabemos se as aulas on-
line entrarão nesse pacote. Por isso, é importante não lidar com a pandemia como um momento
atípico que logo não existirá mais. 

Agora, é o momento de aproveitar essa oportunidade em que a sociedade está aceitando mais
testes, erros e acertos para experimentar novas maneiras de ensinar e aprender. Boa sorte e conte
comigo nessa jornada!

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Anita

à escola
marcos piangers
Anita vai à escola

Minha filha devia ter uns oito anos quando me propôs uma ideia inovadora. “Eu não preci-
saria mais ir para a escola, pai”, ela me disse. “Eu ensinaria na internet algo que sei fazer, por
exemplo, cookies. E alguém me ensinaria matemática, ou crochê”, continuou. Perguntei como
seria o controle de tempo de aula, já que alguém poderia saber muitas coisas e ficaria apenas
ensinando. “Estas pessoas seriam muito ricas, poderiam ficar ganhando dinheiros virtuais e
trocar por roupas, comida,…”. Ela não conseguiu pensar em mais nada além de roupas e
comida. Chegamos na creche, ela entrou, e eu fui trabalhar.

Não sei se o modelo proposto pela minha filha de oito anos funcionaria, visto que ela sabia
APENAS fazer cookies. Não lembro se já sabia fritar ovos ou fazer deliciosas panquecas de doce
de leite, como minha outra filha já sabe, com a mesma idade. Anita sabia colocar um DVD no
aparelho e assistir Patati Patatá. Ela também sabia pesquisar no Google. Perguntei a ela a capital
de algum país e ela foi para o computador pesquisar. Eu disse: “Não vale pesquisar no Google”,
e ela respondeu: “Mas, pai, eu divido a minha inteligência com o Google!”. Dias depois, quando
fui verificar o histórico de pesquisas da menina, encontrei um termo que me surpreendeu: “um
mundo melior”. Enfim, o que todas as crianças sempre estão procurando.

Nos sete anos que separaram minhas duas filhas tivemos pequenas revoluções digitais, de forma
que minha segunda filha nunca viu um desktop, um DVD, um videocassete ou um disquete.
Minha segunda filha mal viu um pendrive - quando ela nasceu, em 2012, tudo já estava indo pra
“nuvem”, esse lugar onde hoje estão todas as nossas coisas importantes. A Aurora não assistia
Patati Patatá - via Pocoyo no Netflix e achava que a televisão era touch screen. A primeira vez
que uniu duas palavras e as verbalizou foi olhando para um smartphone: eu estava mostrando
para minha esposa um vídeo em time lapse que tinha feito no celular e ela disse: “Que legal”,
para nossa surpresa. Explodimos em comemorações idiotas no meio do restaurante.

Aurora e Anita assistiram Netflix mas nunca tiveram um tablet, nem videogames. Somos o que a
maioria das pessoas chamaria de uma família low tech. Minha filha mais velha nunca ganhou um

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celular (ela foi pedindo emprestado meu iphone 4 com tela quebrada e, quando percebi, aquele
era o celular dela). Aqui em casa incentivamos a leitura de livros - a mais velha lê Jane Austen, a
mais nova Diário de Um Banana - e procuramos atividades ao ar livre, como parques, passeios
de bicicleta, caminhadas até o supermercado. Temos horário para que todas as telas sejam des-
ligadas, oito da noite, e depois disso fazemos o que os muito antigos costumavam fazer: conver-
samos. Jogamos algo. Lemos juntos ou contamos histórias uns para os outros. No dia seguinte,
acordam e vão para a escola à pé, perto de casa. Na escola almoçam comida orgânica, praticam
meditação, circo, teatro, yoga, e brincam. Brincam e correm até que o dia escureça, e que implo-
remos para que voltem pra casa, novamente à pé. Como eu disse, uma família low tech.

Até que chegou a pandemia.

Minha filha mais velha acorda cedo e arruma o cabelo. Considera um desrespeito com os
professores não ligar a câmera de seu computador. Mantém o microfone ligado, também, sempre
disposta a participar das aulas - e já aconteceu de minha esposa entrar no quarto dizendo “Anita,
que quarto fedido!” e a turma toda ouvir. Ela não reclama de não poder ver os amigos - diz que
as conversas no SpatialChat, as discussões no Discord, os filmes no Netflix Party e os jogos
online com os amigos dão conta do recado. Sempre que entro em seu quarto e ouço um pouco
das aulas, fico impressionado com a sofisticação do conteúdo - confesso que esqueci tudo o
que aprendi no ensino médio - e com o esforço dos professores em ensinar à distância. Minha
filha diz que metade dos colegas entram na aula, dizem “oi” ao professor, desligam a câmera e
voltam a dormir. Ela diz que sente que este será um ano perdido para boa parte da turma.

Minha filha mais nova, no terceiro ano, se esforça para aprender multiplicação e geografia com
todos os colegas de oito anos falando ao mesmo tempo nas reuniões virtuais do Zoom. As aulas
acabam de forma abrupta, aos 40 minutos do uso gratuito da ferramenta. Aurora, que nunca teve
acesso a tanta tecnologia, acabou se tornando uma pequena gerente de TI: acorda cedo e depois
do café da manhã começa a responder suas mensagens de Whatsapp; combina uma reunião de
Zoom para adiantar uma lição de matemática; conecta quatro colegas, cada uma em um lugar
diferente do mundo, e elas compartilham suas anotações em um Paint Brush do próprio Zoom;
diz coisas como “clica ali em ‘compartilhar tela’” ou “Isabela, você é a anfitriã da reunião, deixa
o Theo entrar”. Esses dias, Aurora me disse: “Pai, não aguento mais. Estou estressada”.

VOCÊ QUE AMA O PASSADO E QUE NÃO VÊ

Aurora está estressada, eu estou estressado, minha esposa está estressada, os professores estão
estressados, os diretores e donos de escola estão estressados. Nosso sistema não estava prepa-
rado para a virtualização da educação e o que vemos é um burnout coletivo: pais reclamando da

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qualidade do ensino e ameaçando cancelar a matrícula; alunos angustiados pela falta de contato
humano; escolas inseguras financeiramente e professores sendo pressionados a se reinventar,
virando youtubers da noite pro dia, quando não assumindo o injusto papel de negociadores entre
escola e pais.

As aulas virtuais tem o pior de todos os mundos: os pais não conseguem trabalhar, os pro-
fessores não conseguem ensinar, os alunos não conseguem aprender. Todos estão ansiosos,
sem saber se estão perdendo agora mais um compromisso virtual, uma live da aula de artes ou
uma tarefa que deveria ter sido entregue por e-mail. É uma opressão psíquica, o que o filósofo
coreano Byung-Ghul Han chama de violência neuronal em A Sociedade do Cansaço: a cultura
da produtividade ilimitada e da auto-exploração. Nossa fisiologia não parece preparada para
tanto contato tecnológico. A máquina, sempre pontual, incansável e inflexível, é nosso colega de
trabalho mais implacável. As ferramentas tecnológicas que estamos usando na educação são
desumanas, não há olho no olho, nem toque, nem tempo suficiente para interações de qualidade.

Cabe ressaltar o abismo desigual entre ricos e pobres, esses últimos sem acesso nem mesmo
aos meios tecnológicos improvisados de aprendizado à distância. Assim que a pandemia chegou,
as discussões começaram a respeito do que valeria mais, perder vidas para o vírus ou para o
desemprego. “Como será a recuperação econômica?”, perguntavam no noticiário, antes mesmo
de a pandemia chegar no auge. “Será em V?”, perguntavam os investidores. “Será em L? Ou
será em W?”. Aparentemente, a recuperação será em K: os mais ricos estão aumentando suas
fortunas, os mais pobres estão perdendo suas vidas e empregos.

O que mais lamento neste momento que estamos vivendo - além da raiva que sinto do próprio
vírus, da condução incompetente das autoridades, das mortes evitáveis, do desrespeito com a
ciência e enfermeiras e professores, das notícias falsas e crenças absurdas, além das pessoas
que usam máscaras no pescoço e não se importam com os outros - é a sensação de que perde-
remos uma oportunidade importante para discutirmos, e construirmos, melhores estilos de vida,
relações com o trabalho e com o aprendizado.

Nossa ânsia para que tudo volte ao normal, e a

“ E se pudéssemos, agora,
discutir questões globais, já
pressão econômica para retornar ao consumo,
estão nos tirando a chance de imaginar. E se
pudéssemos, agora, discutir questões globais, já que
que vivemos um momento
vivemos um momento de crise pela primeira vez
de crise pela primeira vez em “ em um mundo conectado? E se aproveitássemos
um mundo conectado? esta chance para falar sobre o aquecimento global
iminente, a impossibilidade de manter os níveis

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atuais de agressão à natureza, a urgência para um fundo global de gestão de crises, a possi-
bilidade de uma renda mínima universal, a necessidade de um sistema de ensino gratuito e de
qualidade para todos, a existência desconfortável de milhões de trabalhos inúteis que são
executados todos os dias e a realidade do burnout, estresse e depressão em nossos ambientes
de trabalho. Fico em dúvida se nossa ânsia por voltar ao passado pré-COVID-19 não está nos
tirando a chance de desenhar um futuro diferente.

O passado era um tempo em que uns poucos bilionários concentravam a riqueza de metade da
população. Onde a empresa do homem mais rico do mundo não paga impostos. Onde, no Brasil,
metade dos jovens e crianças vivem na pobreza. Onde a escola pública é sucateada, os profes-
sores ganham mal e as crianças odeiam as matérias. O passado era de uma escola que prepara
crianças para passar no vestibular, para que possam aprender uma profissão, para que possam
trabalhar por décadas com a mesma coisa, lidando com desgastes físicos e emocionais desta
escolha. A previdência social está em crise e os direitos de aposentadoria diminuem em muitos
países do mundo, fazendo desaparecer a segurança de uma velhice digna. O passado era um
tempo em que os pais não tinham tempo de criarem os próprios filhos. Em que a educação se
transformou em produto e o pai que está pagando é o cliente, que deve ser obedecido a todo
custo. O passado era aquele tempo em que as crianças passavam mais tempo na frente de
eletrônicos do que brincando ao ar livre.

Eu adoraria que estivéssemos agora discutindo o futuro. Poderíamos estar falando de um fundo
mundial da economia do cuidado, focado em pré-distribuição de renda, o melhor investimento
que pode ser feito na sociedade, segundo o economista James Heckman, ganhador do prêmio
Nobel. Poderíamos estar imprimindo dinheiro, não para salvar empresas bilionárias, mas para
reformular o sistema educacional. Nos Estados Unidos, apenas este ano, mais dinheiro foi dado
para salvar uma única empresa aérea (Delta) do que para todo o sistema de cuidado com crianças.
(https://www.politico.com/news/magazine/2020/07/23/child-care-crisis-pandemic-economy-im-
pact-women-380412).

O passado era aquele tempo em que os ricos pagavam menos impostos que os pobres, que
os legisladores criavam leis em benefício próprio, as crianças tinham perspectivas terríveis e os
políticos mais poderosos chacoteavam jovens que iam para as ruas, marchar em protesto contra
o aquecimento global e as injustiças sociais. Talvez, estejamos amando demais o passado e não
conseguindo enxergar que o novo sempre vem.

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UM FUTURO MUITO ANALÓGICO, UM FUTURO MUITO DIGITAL

Minhas filhas amam livros, mas odeiam apostilas. Fazem apenas os exercícios que a profes-
sora determina. Percebem os livros escolares como algo sagrado, não algo para ser explorado,
investigado. Jamais as vi lendo as apostilas no tempo livre. A mais velha, quando não entende
algo, pesquisa no Youtube. A funcionalidade que ela mais gosta ali é o “rewind”. “No Youtube,
se eu não entendo algo, eu volto a aula. Na aula ao vivo não dá”, me disse a mais velha. Outra
vantagem tecnológica: quando se interessa por algo, minha filha mergulha em uma trilha de
aprendizado auto guiado, mesclando wikipedia, documentários e fóruns de discussão.

A mais nova odeia aulas no Zoom, mas combina com toda a turma de fazer chamadas em confe-
rência pelo Whatsapp e todos se encontrarem no Minecraft, onde interagem. Brincam de corrida
e de esconde-esconde, tudo dentro do universo virtual. Conversam sobre seus sonhos e sobre
o que estão fazendo durante a quarentena. Disputam quem está mais adiantado no Duolingo, o
aplicativo de aprendizado de idiomas. Estão marcando reuniões pelo Whatsapp para desenhar
como será o prédio que irão construir depois que a pandemia acabar. “Iremos morar todos juntos,
cada um vai ter um quarto personalizado”, Aurora me disse, mostrando o projeto desenhado no
papel.

Acredito que a tecnologia é fantástica para conectar e tirar dúvidas. Acho que os aprendizados
mais técnicos serão facilmente substituídos por jogos, por uma experiência gamificada e assín-
crona de ensino. Percebo que o engajamento das minhas filhas aumenta quando estão utilizando
ferramentas tecnológicas, mas não quando a ferramenta é passiva, como em uma aula pelo zoom
em que elas apenas ficam ouvindo o professor falar. Se a pandemia não passar nunca, consigo
imaginar uma escola virtual com professores inspiradores, sala de aula invertida, ambientes vir-
tuais interativos, óculos de realidade virtual e crianças construindo uma realidade paralela, dentro
dos seus quartos.

Sentirão necessidade de subir em uma árvore? Ou de um mergulho no mar? Desprezarão o


mundo analógico, esquecendo dos livros, das bicicletas e da areia da praia? Acredito que não.
Acredito que valorizarão ainda mais a presença e o toque. Considero minha filhas felizes quando
estão interagindo com amigos com ferramentas tecnológicas, mas nunca as vi mais alegres do
que quando estão correndo em um parque ou na praia ou na escola. Antes de andar, a criança
dança; antes de falar, ela canta; antes de escrever, ela desenha. A arte, o brincar e o interagir são
chamas fortes dentro da fogueira humana.

Sonho com a escola como um ponto de encontro onde imperam o contato com o outro e com a
natureza. Uma escola que interage com a comunidade, que conduz as crianças ao voluntariado,

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que ensina sustentabilidade, generosidade, equidade. Uma escola que é laboratório de experi-
ência, de aprendizado pelo erro. Uma escola que considera o aprendizado técnico importante,
mas menos importante do que todas as outras coisas mais importantes. Uma escola que ri de si
mesma. Uma escola terapêutica, que cuida da saúde mental de pais e filhos e seja iluminação e
conforto para as famílias. Uma escola para todos, ricos e pobres.

Esses dias, em uma semana de recesso escolar, pegamos o carro e fomos até a praia. As meninas
correram na areia pela primeira vez, depois de meses fechadas em casa por conta da pandemia.
Pularam ondas, cataram galhos para desenhar na areia. Usaram os gravetos como se fossem
lápis, brincando de forca e de fazer contas matemáticas. A pequena me ensinou a decompor os
números para fazer multiplicação.

“Eu fazia de outro jeito”, contei pra ela.

“Pois é, agora é assim”, ela disse.

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Sobre
não deixar

família para trás


gustavo mini
Sobre não deixar
nenhuma família para trás

O impacto da pandemia sobre a vida das famílias com crianças e adolescentes em idade escolar
é um fenômeno que ainda está por ser estudado em profundidade, o que deve acontecer ao
longo dos próximos anos. Mas, de um ponto de vista mais imediato, as redes sociais, os grupos
de WhatsApp e os veículos jornalísticos tem conseguido dar um bom panorama dos muitos de-
safios e de alguns ganhos. Com um mínimo de informação, empatia e consciência social, é pos-
sível partir de uma experiência pessoal e extrapolar para outros âmbitos no sentido de entender
para onde vai ou para onde deveria ir a nossa educação.

Por exemplo, nossa família, formada por minha esposa, nosso filho de 8 anos, minha enteada
de 19 anos e eu, faz parte do estrato social que poderíamos chamar de privilegiado. Apesar
das dificuldades inerentes do momento, temos podido lançar mão de uma série de recursos
para que o impacto da pandemia seja menor na educação de nosso filho e de minha enteada.
O primeiro recurso (que inclusive vem sendo lembrado muitas vezes em reportagens sobre de-
sigualdade social) é simplesmente ter uma conexão de internet. O segundo é ter um dispositivo
para acessar as aulas e conteúdos on-line que vem sendo disponibilizados de forma estrutu-
rada porém emergencial por parte das escolas e universidades. Em noticiários e comentários
pessoais nas redes sociais, parece que uma conexão e um dispositivo é tudo que se precisa
para que o ritmo do ensino se mantenha minimamente, mas mais uma vez eu olho ao redor para
nossos privilégios e me pergunto quantas outras famílias têm os outros recursos necessários
para continuar o aprendizado em uma pandemia - que está sendo considerada laboratório para
futuras inovações na área.

Além da conexão e do dispositivo, temos espaços adequados em casa para que todos possam
trabalhar e estudar - se não da forma ideal, ao menos com relativo conforto. Temos também uma
configuração familiar específica de idades que nos permite ajudarmos uns aos outros - minha
enteada, já adulta, é parte importante desse esquema. Minha esposa e eu temos empregos que
nos permitem trabalhar em casa, o que, apesar dos desafios do home office, nos permite também
estar por perto quando necessário. Esses empregos, na área da comunicação, nos fazem mais

28
íntimos da tecnologia, o que facilita. A escola de nosso filho, na figura de seu corpo pedagógico
e funcional, tem sido exemplar na busca por manter uma relação educacional completa na me-
dida do possível, mesclando aulas síncronas, atividades assíncronas e alguns contatos sociais.

E se, mesmo com tudo isso, ainda vivemos todos aqueles problemas que são relatados nas
redes, grupos de what’s e reportagens, como estão os milhões de famílias brasileiras que, além
de sofrer com a falta de conexão e dispositivo, ainda enfrentam problemas de moradia, desem-
prego, dificuldades na estrutura familiar, pouca intimidade com a tecnologia ou uma escola sem
condições de prover soluções alternativas emergenciais? 


Como pai e integrante de uma família que vive as dificul-
não posso também
dades da educação na pandemia e que tem pensado muito
deixar de pensar nos no impacto do que estamos vivendo no futuro da educação
milhões de outras famí- do meu filho e da minha enteada, não posso também deixar
lias e profissionais do de pensar nos milhões de outras famílias e profissionais

ensino do ensino que estão presos em uma teia de dificuldades
sociais muito maiores e que os impedem de avançar na
educação. Pouquíssimas famílias estão conseguindo o mínimo que estamos conseguindo e as
vitórias dessas pouquíssimas famílias não são nada para um país de 200 milhões de habitantes
que tem problemas estruturais históricos na educação.

Se a atual pandemia está servindo de laboratório para a educação do futuro, que nossos olhos
não se restrinjam ao que está sendo visto no microscópio. Pode ser que ali estejamos vendo re-
sultados interessantes, mas é preciso levantar a cabeça e olhar ao redor. Espero que quem pes-
quisa, comenta, pauta e opera projetos e políticas de educação consiga enxergar também todas
as pessoas, relações e condições que formam esse grande, complexo e humano laboratório.

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Idiomas

Do you speak English?  


felipe dib

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Idiomas online:
Do you speak English?

Hello, my friend! Estou aqui para falar do aprendizado de inglês, e se você tem dificuldade com
o inglês, we’re together, my friend (tamo junto, meu amigo!). Eu fui um aluno frustrado de inglês,
reprovei o básico do curso que meus pais pagaram para mim. Graças a Deus eu consegui con-
vencê-los a ir para a Nova Zelândia formar o Ensino Médio em uma escola pública. Nunca tinha
publicado este vídeo, mas escolhi a Nova Zelândia por causa disso: https://www.youtube.com/
watch?v=CrxMseomuqM&feature=youtu.be

Errei ao viajar para um país sem saber falar o básico de sua língua. E isso poderia ter me trazido
grandes problemas, principalmente na hora de me comunicar.

E é por isso que eu escrevo este texto a você. Quero ver você speaking English e se comunicando
melhor.

Depois de formar o Ensino Médio na Rangitoto College, em Auckland, pedi para a Sandra, uma
gaúcha de Porto Alegre, para dividir o apartamento com ela e seus flatmates (companheiros de
apartamento). Éramos Sandrinha, Fabão, Gersão, Jeff e eu. O sofá era minha cama, e eu amava.
Ali estava eu, começando a trabalhar e comendo somente 2 noodles (miojos) por dia. Dei aulas
de Capoeira na escola, cortei alguns jardins, lavei centenas de pratos com uma água quente
que transbordava da pia mais rápido do que eu pensava (e eu tinha que enfiar a mão lá embaixo
para tirar a tampa do ralo!). Fui para a obra varrer cimento e carregar entulho. Um dia eu estava
enchendo uma caçamba e me veio a imagem de um churrasco na cabeça! Enfim, lá estava eu
perseguindo o meu sonho de ser milionário. Tudo que eu pensava era money, money, money ($).

Até que uma noite, entrando em um pub, meu celular toca. Na época era aquele celularzinho
pequeno que a gente jogava cobrinha (não sei se é da sua época). Atendi e minha mãe perguntou
se eu podia ir para uma lan house (já ouviu falar nisso???). Saí do bar e fui direto a uma daquelas
salas cheias de computadores com fones grandes. Fizemos uma vídeo chamada pelo Skype e
minha mãe falou: “Chega, filho. Vem embora pra casa. Seu pai está precisando de você”.

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Um mês depois eu estava no centro-oeste brasileiro, mais precisamente em Campo Grande - MS.
Comemos bife na chapa feito no fogão à lenha. Cheguei em casa! Obrigado, meu Deus!!!

Na segunda-feira fui até o curso que eu tinha reprovado e pedi, gentilmente, para falar com a An-
drea, proprietária do curso. Ela me recebeu bem e antes que ela me convidasse a refazer o Book
1 (livro 1), lancei: “Eu gostaria de dar aula aqui”. Ela sorriu por fora e com certeza gargalhou por
dentro. Mas com paciência me explicou que eu precisaria mostrar que eu estava preparado para
lecionar. Me aplicou uma prova e semanas depois eu estava dando aula naquele curso.

Comecei a cursar Relações Internacionais e estagiar no Centro de Línguas da universidade. Meu


chefe Ruberval Franco Maciel era um fenômeno, estudioso e com habilidade de fazer as coisas
acontecerem. Uma das coisas que ele estava realizando naquele momento era uma pós-gradu-
ação em Ensino e Aprendizagem de Inglês. Ele me permitiu fazer essa pós e eu mergulhei no es-
tudo de como as pessoas aprendem inglês. Aqui as perguntas que eu me fiz e que fui atrás das
respostas:

1 Como faço para aprender mais rápido?

2 Qual a melhor forma de ensinar inglês para alguém que nunca viu isso na vida?

3 Qual a melhor sequência de conteúdo para que o aluno use o inglês na prática?

Eu tinha sido um desastre em aprender rápido (não aprendi em 15 anos de escola!), não tinha
sido encantado por nenhum Teacher e, o mais importante, eu não queria ensinar nada que não
fosse realmente útil ao meu aluno. Eu sabia que milhares de outros Felipes no mundo todo se
sentiam mal, pensavam que não tinham capacidade, ficavam frustrados ao ver outras pessoas
aprendendo… 

Tudo ia muito bem, eu seguia trabalhando (querendo ficar milionário) e estudando bastante (quer-
endo ser um professor melhor), até que em 2011 sofri um acidente grave de carro. Graças a Deus
sobrevivi e para agradecer a Deus por estar vivo, comecei a postar vídeo-aulas de inglês no You-
Tube. História completa do acidente: https://www.youtube.com/watch?v=LPsGduIWpMI&t=666s
 
Esta história pessoal busca mostrar para vocês a importância de ressignificarmos as coisas e
buscarmos em cada momento algo novo, que nos faça melhor para que possamos nos desen-
volver e gerar algo de melhor para todos.

A pandemia é um momento complexo, que impõe várias limitações, mas de alguma forma nos dá

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espaço para ressignificarmos nosso tempo: não pre-


cisamos ir e vir para vários locais, ganhamos TEMPO,
não precisamos ir e vir
o ativo mais precioso do planeta Terra. Por mais que
para vários locais, ganhamos as 24 horas do dia sejam iguais para todos nós, neste
TEMPO, o ativo mais precioso
“ momento nós ganhamos 15 minutos na ida à padaria
do planeta Terra de carro, 15 minutos para chegar ao trabalho, 15
minutos para voltar pra casa... 

O desafio é sair das redes sociais e usar nosso tempo de uma forma produtiva. Assim, eu deixo
aqui um desafio para vocês. Como aprender algo novo como um idioma, online?

Um dos caminhos é o www.voceaprendeagora.com.

Quero ver você speaking English e sendo Líder por onde você for. Este momento é uma grande
oportunidade para que isso aconteça ainda mais rápido! Um abraço e see you next class.

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A
transformação
no

superior não está


na tecnologia,
está nos professores.

gustavo severo de borba


A transformação no ensino
superior não está na tecnologia,
está nos professores.

O ano de 2020 trouxe desafios para o ensino superior brasileiro, que vão além do uso de tecno-
logias para facilitar o processo de ensino e aprendizagem.

Nos últimos anos, temos discutindo intensamente como inovar em um espaço que é tradicional-
mente percebido como local de ensino onde um professor entrega conteúdo para muitos alunos,
considerando todos iguais. A ideia de um ensino broadcast, permitiu ao longo do tempo ganhos
em termos de padronização, mas por outro lado criou um sistema onde tratamos a média como
parâmetro único, e entregamos o mesmo para diferentes alunos. Nesse contexto, as inovações
têm sido percebidas de diferentes maneiras, buscando uma personalização do processo de
aprendizagem, e novas formas de conexão com os alunos. Inovações tecnológicas – através de
plataformas online; Inovações metodológicas – com o uso, por exemplo de metodologias ativas;
Inovações curriculares – como a promoção da co-docência e de programas não disciplinares;
Inovações de espaço – como a proposta de espaços flexíveis; são exemplos de mudanças
identificadas em diferentes instituições de ensino superior, a partir de práticas e protótipos que
promovem novos modelos. Embora estas possibilidades possam ser percebidas em algumas
instituições de ensino, ainda temos como modelo principal em nosso país a ideia de ensino onde
o professor é detentor do conhecimento e entrega (os alunos recebem e arquivam) o mesmo
para os alunos. Este processo, conhecido como educação bancária, foi criticado por autores
como Paulo Freire, e  mais recentemente foi identificado pelo professor Fernando Becker como
um modelo de auditório – uma palestra de um professor, para um grande número de alunos.

No contexto da pandemia, vimos tudo isso se misturar, e de uma hora para a outra, as institui-
ções tiveram a necessidade de se reinventar, mas em um primeiro momento não com o objetivo
de inovar, mas sim de se adaptar a uma nova realidade que tirou de pauta a possibilidade de
aula presencial.

Na prática, essa mudança foi protagonizada por um único ator principal: o professor.

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Foram os professores que tiveram que repensar seus planos de ensino, suas dinâmicas de aula,
para um ambiente remoto. Na maioria dos casos, especialmente nas instituições privadas, o
apoio para esta transformação foi, em um primeiro momento, focado nas tecnologias. Apren-
demos a usar plataformas de web conferência, ferramentas de gravação de aulas, entre tantas
outras. O trabalho se multiplicou, e o desafio de manter o aluno engajado em seu processo de
aprendizagem, se tornou ainda mais intenso.

Após um semestre de construção de protótipos, adaptação de modelos, escuta de colegas,


busca de benchmark nacional e internacional, e de pesquisas na universidade sobre práticas,
pode-se perceber que não existe um padrão único que possa nos ajudar a projetar para a
melhor experiência. Entretanto, podemos identificar algumas características que podem impactar
positivamente este processo, ajudando professores na definição de espaços seguros e mais
propensos ao desenvolvimento de novos conhecimentos e de aprendizagem. A seguir destaco
algumas destas características:

Capacidade de compreensão do aluno para além de nossa aula: todos


fomos afetados pela pandemia, estamos em casa, com atividades sobrepostas, com nossa
família, e com tarefas que vão muito além do que fazíamos até o início de 2020. Nossos alunos
também estão neste contexto, e muitas vezes focar na aula, e estar disponível no momento certo,
é um grande desafio. Por conta disso, precisamos entender o aluno como uma pessoa integral.
Ouvir os alunos para compreender o que sentem, suas dificuldades, suas necessidades, é algo
fundamental. Atividades síncronas que consideram isso e abrem espaço de escuta, promovem
engajamento e permitem a construção de empatia entre professores e alunos.

Flexibilidade e adaptação: assim como no ambiente presencial, o ambiente remoto


também demanda flexibilidade de nós, professores. O que planejamos muitas vezes não pode
ser executado por uma questão de tecnologia, de conexão de internet, ou mesmo por outras
questões que envolvam nosso contexto e o contexto dos alunos. Compreender isso é funda-
mental e o planejamento deve ser percebido como um ponto de partida, mas não de chegada.
 
Escuta ativa e protagonismo do aluno: dar voz ao aluno, construir conhecimento
coletivamente, chamar os alunos para conversas individuais e promover sua autonomia para
aprendizagem são pontos importantes neste processo.

O poder da criatividade: a criatividade é uma das principais características da huma-


nidade. É importante pensarmos em formas inovadoras de interação, reinventando os formatos 
de construção do conteúdo, e a partir disso, semanalmente, refletir e aprimorar nossas ações.
A perspectiva de construir a aula considerando o ciclo de aprendizagem que vivemos como

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professor é fundamental para que a semana que vem seja diferente da semana anterior. 

Colaborar com outros professores: o ato de ensinar é muitas vezes um ato soli-
tário. Precisamos aproveitar esse momento para desafiar essa realidade. Temos a oportunidade
de trocar práticas, construir comunidades, dividir informações via plataformas digitais. Isso pode
nos ajudar a aprender com o outro e ganhar tempo.

Comunicação: um dos pontos principais neste momento é como desenvolvemos canais de


comunicação que permitam o aprendizado individual e coletivo. Precisamos criar espaço para
conversas pontuais com os alunos e também para a construção coletiva em sala. 
 
Tenho lido bastante sobre como será o ensino superior após esse período de pandemia, sobre as
transformações positivas que tivemos e a forma como nossa sala de aula vai se transformar. Na
realidade, este período está servindo para que os professores e as instituições de ensino superior
(IES) ampliem as possibilidade de ferramentas e metodologias, para a promoção de processos
de ensino e aprendizagem de maior impacto. Ter acesso a ferramentas colaborativas, abrir
espaço para a discussão para além do dia da aula, construir espaços virtuais de conexão, tudo
isso promove engajamento e empatia.
 
Embora essas ações em sala de aula, desenvolvidas pelos professores com apoio das instituições
de ensino gerem um valor importante para o momento da pandemia, precisamos olhar para o
futuro conectando os ganhos possíveis a partir das novas tecnologias que aprendemos,
com as possibilidades de inovação que estavam em pauta até o momento da pandemia.
Esse desafio é um dos caminho para que possamos construir um ensino superior em nosso país
que entregue empregabilidade, qualidade e que promova sempre o engajamento e protagonismo
dos alunos em seu processo de aprendizagem.
 
A pandemia deixou ainda mais evidente que o fundamental
para o processo de ensino e aprendizagem é a relação, a
interface entre alunos e professores. Essa conexão, pre-
“ Somos seres sociais e sencial ou remota, é a promotora de um processo efetivo
aprendemos a partir das de aprendizagem. Somos seres sociais e aprendemos a

relações. partir das relações. Construir espaço para isso é provavel-
mente um dos objetivos das instituições de ensino superior.
O novo é desenvolvido a partir do diferente, do incômodo
com a repetição, da necessidade de buscar alternativas. 

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As IES precisam avançar no desenvolvimento de experiências de aprendizagem que promovam
a construção do conhecimento e inovação, e que também levem os alunos para além das salas
de aula. Esse espaço, físico ou virtual, pode também ser percebido como um gargalo, um limi-
tador. Ampliando o conceito de sala de aula contribuímos para um processo de ensino e apren-
dizagem orgânico, onde ferramentas digitais e analógicas convivem em harmonia e deixam de
ter o protagonismo conceitual em termos de modalidade. 

O objetivo final é um só, a educação.

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A pesquisa,
a inovação
e nosso

como sociedade

jorge audy
A Pesquisa, a Inovação e
nosso futuro como Sociedade

A sociedade contemporânea, baseada no conhecimento, demanda novos conceitos relativos


ao papel das universidades, das empresas e do governo no processo de desenvolvimento
econômico e social. Em nenhum outro tempo na história da humanidade a Educação Superior
foi tão importante para as sociedades, atuando como fator determinante do desenvolvimento
econômico e social. Esta importância se mostrou muito clara a partir da revolução da tecnoci-
ência na segunda metade do século XX. Mas, neste momento específico em que vivemos esta
crise sanitária global, gerada pelo novo Coronavírus, nunca se falou tanto em ciência, em pes-
quisa e em inovação no dia a dia. Nunca esperamos tanto em tão pouco tempo da ciência: a cura
daqueles afetados pelo vírus e a prevenção pela vacina daqueles que não o contraíram.

O processo científico envolve um pipeline, um processo, um fluxo contínuo, que inicia na pesquisa
básica, evolui para a pesquisa aplicada, possibilita em muitos casos o desenvolvimento de
novas tecnologias que, quando aplicada na resolução de um problema do mundo real ou no
atendimento de uma nova demanda da sociedade, se transforma em uma inovação. Cada elo
desta corrente, da pesquisa básica à inovação, tem uma enorme importância e se alimenta
sistemicamente dos demais elos. Ao chegar à sociedade, na forma de inovação, tem o potencial
de transformar a realidade, para melhor.

A inovação envolve a efetiva aplicação de novas ideias, gerando valor agregado, solucionando
um problema ou gerando uma oportunidade, em um determinado contexto. A inovação gera
mudança, gera transformação no comportamento de agentes na sociedade, seja em grupos
sociais, no mercado, no ambiente de trabalho, em qualquer área (indústria, saúde, educação,
etc.). A inovação pode ser tecnológica, mas também pode ser social. A inovação tecnológica
pode envolver o desenvolvimento de novos produtos ou processos, novos modelos de negócios
ou a geração de novas empresas de base tecnológica (startups). Mas também pode ser social,
envolvendo mudanças no estilo de vida da sociedade, na sua relação com o meio ambiente ou
com a cultura. Neste sentido, não necessariamente envolve tecnologia, mas sempre envolve
criatividade e coragem.

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No caso da área da saúde chamamos de pesquisa translacional o processo que inicia na bancada
(no laboratório) do pesquisador (muitas vezes ainda na forma de uma pesquisa básica) e percorre
todo o ciclo do desenvolvimento científico, passando pela pesquisa aplicada, os testes e a vali-
dação do seu resultado no contexto em que se aplica. Termina por gerar uma nova tecnologia,
aplicada na solução de algum problema, nas mais diversas áreas do conhecimento e nas mais
diversas áreas de aplicação. No caso da área da saúde, ao final deste processo, tem o potencial
de salvar vidas ou melhorar a qualidade de vida das pessoas, fruto de uma inovação na forma de
um novo kit de diagnóstico, medicamento, tratamento terapêutico ou vacina.

Isto tem ocorrido desde o início da história do homem, nas mais diferentes áreas, do uso de ossos
para se defender, do fogo para se aquecer e dos novos usos dos materiais para se abrigar. Ao
longo dos séculos, a humanidade desenvolveu muitas novas tecnologias, algumas com impacto
transformador na forma como vivemos e usamos os recursos naturais do planeta. Em alguns
momentos, estas novas tecnologias foram adicalmente disruptivas, em momentos singulares da
história, como a revolução industrial nos séculos XVIII e XIX e a revolução da tecnociência, com
base na tecnologia da informação e comunicações no século XX.

Durante o século XX vimos emergir do processo de pesquisa, básica e aplicada, novas tecnolo-
gias como a energia nuclear e os computadores. No século XXI estamos acompanhando a emer-
gência das pesquisa e o surgimento de novas tecnologias nas áreas da biologia e ciências da
vida, da Inteligência Artificial e da Ciência de Dados.

A ciência é a principal referência que os países que melhor estão enfrentando a pandemia para a
definição de suas estratégias de atuação, sempre baseadas em evidências cientificas. Por outro
lado, é na transição entre a pesquisa e a inovação que reside a esperança de desenvolvimento
de uma vacina, que nos permita, como humanidade, voltarmos ao nosso convívio social e pro-
fissional.

Importante lembrarmos sempre que, como abordamos antes, quando falamos em pesquisa e ino-
vação, não falamos somente das áreas ditas tecnológicas (como as engenharias e a computação)
ou das áreas de ciências da vida (como a medicina ou biotecnologia). Devemos falar também das
humanidades e ciências sociais aplicadas. Da pesquisa e da inovação nos diversos campos das
humanidades e ciências sociais, como na filosofia, na ética, no serviço social, nos campos do di-
reito, da economia e da comunicação.

Nas últimas décadas os problemas e desafios da sociedade foram se tornando cada vez mais
complexos, exigindo abordagens científicas cada vez mais inter e transdisciplinares. Resolver
problemas complexos, como a crise sanitária que vivemos, exige pesquisas que encontrem so-

41
luções que enderecem as múltiplas dimensões do problema: os impactos na saúde física e psi-
cológica das pessoas, na economia, na gestão dos recursos de saúde pública, no mundo do
trabalho, na vida em sociedade, etc.

Sem dúvida, problemas complexos, como o gerado pelo novo Coronavírus, levam a crises com-
plexas, multidimensionais e globais. A busca de solução requer muito da ciência, da pesquisa
e da inovação, em todas as dimensões da própria crise: nas áreas de saúde (como tratamento
para a doença e desenvolvimento da vacina), nas humanidades (como nas questões das desi-
gualdades sociais aceleradas pela crise, nas questões éticas envolvidas, nas questões da edu-
cação remota), na gestão dos recursos (como na cadeia de suprimentos de produtos como EPIs
e respiradores, gestão de leitos e do sistema público de saúde) e no mundo do trabalho (como
ações mitigatórias, programas de renda mínima, novo marco legal).

Vivemos um momento de forte aceleração de processos que já estavam em andamento há dé-


cadas, aflorando em países como o Brasil questões que temos pendente de resolução há muito
tempo, como nos campos da educação, das desigualdades, da diversidade e da transformação
digital das organizações. São oportunidades ricas para crescermos como nação.

Devemos alicerçar nossas ações nas áreas de educação e da ciência, investindo cada vez mais
na pesquisa e na inovação como fatores fundamentais para superarmos nossos desafios. So-
mente assim teremos a perspectiva de superar os nossos históricos desafios, em especial na
área social, ainda não resolvidos e os desafios atuais, que nos impõem uma resposta cada vez
mais rápida.

Tudo o que temos visto e vivido nestes tempos complexos e desafiadores nos mostra cada vez
mais a importância da ciência, da pesquisa e da inovação, como umas dimensões para enfrentar
esta crise multidimensional. Outras dimensões, como nos mostram as pesquisas e as evidên-
cias que recebemos a todo momento, envolvem dimensões nos domínios da fé e da cultura, da
transcendência e das humanidades.

“ A busca de um
mundo mais colabo- “
A busca de um mundo mais colaborativo e solidário, tanto em
nível local como global, para além do desenvolvimento econô-
mico, para nosso contínuo desenvolvimento social, cultural e
rativo e solidário ambiental como sociedade.

Nosso futuro como sociedade depende cada vez mais de nossa capacidade de construirmos
um novo humanismo, um humanismo como atitude, uma nova forma de estar no mundo, uma
nova forma de cuidarmos uns dos outros, de nos relacionarmos. Uma nova forma de cuidarmos

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do meio ambiente, de entendermos finalmente, que as tecnologias geradas pela pesquisa e apli-
cadas pela inovação, não são (ou não deveriam ser) nada além de ferramentas para construímos
uma vida melhor, para todos. Para criarmos JUNTOS um futuro que nos orgulhe como cidadãos
de um mundo cada vez mais globalizado.

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Três
questões
para

o Brasil
paulo m. v. b. barone
Três questões
para repensar o Brasil

É sempre difícil fazer previsões sobre o que o futuro nos reserva. Em grande parte, porque
as ferramentas que usamos para isso são essencialmente visões sobre o passado. Diante da
pandemia de COVID-19, a situação se torna ainda mais complexa, por ser inesperada. Não por
envolver uma ameaça à saúde pública que em tese é previsível, mas pelos seus fatores
intrínsecos, como o momento em que surgiu o patógeno, sua taxa de propagação, a veloci-
dade da disseminação pelo globo, a inexistência de tratamento para o vírus, a mortalidade, as
exigências dos sistemas de saúde. Não se trata de uma pandemia, mas dessa pandemia de
COVID-19. Que deixou a opção de fortalecer a prevenção por meio da redução das
interações sociais, o que gera uma drástica depressão das atividades econômicas.

Como responder aos desafios impostos por uma condição tão inesperada, que produz efeitos
em prazos curtíssimos e muitos outros em médio e em longo prazos? Quais são as escalas do
médio e do longo prazos? De outra forma, por quanto tempo durarão as restrições que vivemos
pela exigência de redução de possibilidade de contágio? Haverá impactos muito duradouros ou
até permanentes que deverão ser mitigados? Como será a nova condição de normalidade – o
chamado “novo normal”?

De qualquer maneira, todos tivemos que responder a tais desafios em curto prazo. As respostas
que encontramos nos obrigaram a reorganizar as nossas atividades em maior ou menor medida.
Para isso, tivemos que explorar as possibilidades e entender os limites e as impossibilidades.
Tudo isso desencadeia reflexões sobre a forma como fazemos as coisas, desde as mais pro-
saicas até as mais sofisticadas, e determina a revisão das nossas prioridades.

Como contribuição para essas reflexões, seguem alguns temas.

Primeiro, vale destacar a importância da Ciência e da Tecnologia e da Inovação (CT&I) para en-
frentar a pandemia. As medidas de prevenção, a biologia do agente contaminante e da sua trans-
missão, os mecanismos de ação na invasão das células e nos danos provocados nos pacientes,

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os protocolos de tratamento, tudo depende de conhecimentos prévios ou a serem desenvolvidos
e da aplicação destes à produção de dispositivos, meios e métodos, necessários para atuar em
diversas frentes para combater a emergência sanitária. Essa lista, é certo, é de fato muito maior,
e inclui o teste de medicamentos antivirais e para tratamento da infecção, o desenvolvimento de
testes, soros e vacinas, os equipamentos médicos para suporte à vida de pacientes, os equipa-
mentos de proteção e sua segurança, os sistemas de vigilância, identificação e rastreamento de
focos de propagação, mas é suficiente para demonstrar o argumento.

E também para justificar o crescimento da percepção social de CT&I como atividades indispen-
sáveis para apoiar e orientar estrategicamente a sociedade e os governos diante de desafios tão
abrangentes, que agora sabemos claramente que podem surgir. Além de vencer os desafios eco-
nômicos, o que pode fazer o país tornar-se relevante no contexto internacional.

O Brasil tem capacidade para utilizar a CT&I como atividades centrais para enfrentar a crise sani-
tária, para orientar a sociedade e a ação governamental, e para desenvolver o país na economia
de inovações cada vez mais disruptivas. Isso se deve à base técnico-científica, distribuída pelo
território nacional em Instituições de Educação Superior (IES), de Pesquisa Científica e de Desen-
volvimento Tecnológico e à ampla e diversificada base industrial presente no país. Mas depende
de infraestrutura, financiamento, formação de recursos humanos de alto nível, educação básica
de qualidade, empreendedorismo, investimento e gestão estratégica pelo Estado e pelas orga-
nizações privadas e do terceiro setor que atuam na área, continuidade das ações, entre outros
fatores.

Emerge também da crise uma nova fonte de oportunidades, que constitui o segundo tema a ser
registrado aqui. A escassez de insumos, equipamentos e medicamentos, ao lado de restrições
comerciais produzidas pelo atendimento às demandas de alguns países, estimula a revisão de
alguns dogmas da produção industrial globalizada. É incerto o cenário do comércio internacional
após a superação da pandemia, mas algumas forças podem contribuir para reorganizar as ca-
deias produtivas globais. Entre essas estão não apenas os fatores estratégicos, como o domínio
tecnológico e a autossuficiência produtiva em certas áreas, mas também a elevação de custos,
que pode ser duradoura, determinando vantagens para distribuir a produção industrial, hoje ex-
tremamente concentrada, especialmente na China.

Países como o Brasil, cuja base industrial implantada é relevante, precisam assumir papéis
produtivos diferenciados, deixando de limitar-se à condição periférica hoje prevalente, passando
a ocupar uma nova posição na geopolítica da economia mundial. Para isso, são essenciais as
contribuições das áreas de Educação e de CT&I, assim como as mudanças na política industrial
e o aumento da competitividade do país no cenário internacional. Assim como a plena utilização

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das vantagens comparativas do país, como as que são proporcionadas pela biodiversidade. Fa-
tores que limitam a competitividade são bem conhecidos, como a qualidade da Educação e o
ambiente de negócios. O impulso legislativo frente à pandemia tem potencial para produzir trans-
formações com impacto nesses fatores, como mostra o debate sobre o financiamento à Edu-
cação no Congresso Nacional.

Da Educação vem o terceiro tema. A interrupção das atividades presenciais em Escolas e Institui-
ções de Educação Superior nesse ano de 2020 determinou a completa e imediata reorganização
das atividades escolares e acadêmicas. O sucesso dos modelos adotados é variado e ainda in-
certo. Mas as evidentes assimetrias (1) de capacidades tecnológica e metodológica, assim como
dos professores e demais profissionais da Educação, em instituições e sistemas de ensino, e (2)
de condições de acesso e de letramento tecnológico, em estudantes de diferentes faixas etárias
e sociais, constituem a questão mais relevante a considerar. Distintas estratégias e abordagens
têm sido utilizadas, mas de modo geral a área ainda não opera de forma satisfatória.

Isso não significa que não haja experiências bem sucedidas, ou que o uso de meios tecnológicos
seja um problema em si. Ao contrário, todas as experiências fornecem indicações sobre os pro-
cessos que devem ser estendidos ou não a outros ambientes institucionais. E o uso de meios
tecnológicos quebrou tabus e reduziu preconceitos quanto à sua capacidade para permitir o de-
senvolvimento de atividades como aquelas que envolvem o compartilhamento de conteúdo, as
interações educacionais e sociais on-line e off-line que são usuais do mundo digital e até avalia-
ções de aprendizagem. Assim como fez crescer o uso de metodologias que exigem comporta-
mento ativo dos estudantes no processo de aprendizagem.

Mais do que isso, no entanto, as lições que devem ser aprendidas com as experiências remotas
dizem respeito a mudanças já há muito gestadas na organização e na dinâmica das atividades
educacionais e à exploração mais ampla das possibilidades que a disponibilidade de meios tec-
nológicos cada vez mais sofisticados oferece à Educação em todos os níveis. E ainda, sendo
essa uma atividade dirigida aos estudantes ou, de outra forma, ao futuro, dizem respeito à in-
corporação, ao mundo da Educação, das formas de organização do mundo que já vivemos no
presente.

Limitações diversas às atividades educacionais remotas são significativas. A exigência de matu-


ridade cognitiva ou de grau de autonomia para o desenvolvimento de determinadas atividades
dificulta a sua adoção para os estudantes muito novos. Atividades de natureza prática têm em
muitos casos natureza presencial. E as interações sociais do mundo digital são eficazes em
muitos contextos, mas com frequência precisam ser complementadas pelo contato direto entre
estudantes, entre profissionais da Educação e entre um grupo e o outro.

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Mas é significativo que, em função da reorganização de atividades profissionais, com a adoção
do trabalho remoto e dos meios digitais de oferta de serviços e sistemas, as próprias atividades
práticas possam assumir, em determinadas situações, o formato remoto. Estágios e outras
atividades de preparação profissional são desenvolvidos remotamente, a exemplo das ativi-
dades reais. E também é significativo que a experimentação pedagógica e o desenvolvimento
tecnológico continuem produzindo inovações educacionais eficazes para diferentes públicos
estudantis. Por outro lado, há muitas atividades formativas de natureza coletiva que requerem
interação direta entre estudantes e entre estes e seus professores.

As lacunas de natureza emocional nos estudantes - como de resto, na população como um


todo - que têm sido apontadas como consequência da falta do convívio muito próximo que é
proporcionado pelas instituições educacionais, constituem também óbices ao desenvolvimento
dos processos formativos. Mesmo, portanto, que parte das atividades das instituições educa-
cionais possa ser mantida no modo remoto, o espaço para socialização no ambiente educa-
cional permanece relevante.

No campo da relação entre a Educação e o mundo do trabalho, cabe apontar o questiona-


mento cada vez mais presente do papel da formação educacional formal no desenvolvimento
da capacidade de inserção profissional dos jovens. A tensão entre extremos, tendo numa ponta
o academicismo excessivo das instituições educacionais, que se distanciam da realidade do
mundo da produção e das dificuldades sociais, e na outra, o imediatismo e a superficialidade
na compreensão das razões para o sucesso na vida profissional, alimenta continuamente o de-
bate sobre o tema. Trata-se de tensão a ser superada por meio da cooperação entre Educação
e trabalho.

Mas novos ingredientes são acrescidos ao debate com a redução das exigências formais para
o exercício profissional em face da competência efetivamente demonstrada, notadamente em
setores muito dinâmicos da economia. Há uma parte disso que diz respeito à piora da qualidade
das posições de trabalho oferecidas, mas não é esse o foco aqui.

“ O foco é a reafirmação do lugar


da Educação formal como instru-
O foco é a reafirmação do lugar da Educação
formal como instrumento para a formação
capaz de desenvolver os potenciais de cada
mento para a formação capaz de estudante e de prepará-lo para a vida em
desenvolver os potenciais de cada sociedade, com destaque para o trabalho.
estudante e de prepará-lo para a
“ Para isso, é preciso compreender a Educação
vida em sociedade Básica como atividade capaz de prover o

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domínio das linguagens em que o mundo se escreve e implementar esse projeto na Escola por
meio de modelos em que esta colabora com a inserção profissional, e não compete contra ela.
E é indispensável aproximar a Educação da vida real, desde os elementos com os quais são
criadas as oportunidades de aprendizagem até a interação com os ambientes profissionais
como instrumento de formação.

Diante do cenário da pandemia, é inevitável que o impulso para a revisão das prioridades torne
essas questões mais agudas e mais urgentes. A ponderação entre os sentidos das escolhas
para a trajetória educacional e o seu efeito prático passa a ser mais importante que a simples
adesão à oferta convencional de cursos, particularmente na Educação Superior. Isso exige uma
resposta das IES que não pode esperar mais. Nota-se, também aqui, que já havia sinais disso
no horizonte e no cotidiano educacionais, mas a capacidade de percebê-los e a disposição para
decifrá-los têm sido limitadas. A mensagem que esses sinais trazem é de que as IES devem
se transformar mais profundamente e mais rapidamente. As consequências da crise sanitária
sobre os modelos de atuação e funcionamento da Educação Superior deverão ser muito drás-
ticas. Mais do que em outros momentos, a linha divisória entre sobrevivência e obsolescência
se torna nítida. E a velocidade com que os cenários são alterados reduz o tempo disponível
para responder a estes.

Tempos de rápidas mudanças são assim. Dificultam a distinção entre o que é tendência e o que
é oscilação. Qualquer reação eficaz a uma condição que abala tão profundamente as formas
com que fazemos as coisas exige o balanço entre os aspectos mais fundamentais, que mudam
mais lentamente, e aqueles que podem ser passageiros. São tempos em que a capacidade para
agir deve se apoiar na segurança do que ainda permanece válido com a disposição para correr
o risco de desvendar as incertezas do que vem à frente. Com discernimento para distinguir uma
da outra.

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A escola na pandemia
9 visões sobre a crise do ensino
durante o coronavirus

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

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