Você está na página 1de 137

Distúrbios Endócrinos, Metabólitos

e Dermatologia

Brasília-DF.
Elaboração

Camilla Oliveira Rosa Alcalá

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 6

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8

UNIDADE I
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS............................................................ 9

CAPÍTULO 1
DIABETES MELLITUS JUVENIL....................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
ATROFIA PANCREÁTICA JUVENIL.............................................................................................. 15

CAPÍTULO 3
HIPOADRENOCORTICISMO E NANISMO EM CÃES ................................................................... 19

UNIDADE II
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS.................................................. 32

CAPÍTULO 1
HIPERTIREOIDISMO EM FELINOS............................................................................................... 32

CAPÍTULO 2
DIABETES MELLITUS EM CÃES E GATOS..................................................................................... 40

CAPÍTULO 3
HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO A DOENÇA RENAL........................................................ 51

UNIDADE III
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS............................................................................. 54

CAPÍTULO 1
IMPETIGO EM CÃES................................................................................................................. 54

CAPÍTULO 2
CELULITE JUVENIL.................................................................................................................... 58

CAPÍTULO 3
DERMATOSES PARASITÁRIAS E FÚNGICAS EM FILHOTES............................................................. 62

UNIDADE IV
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS..................................................................... 92
CAPÍTULO 1
ALERGIA ALIMENTAR TARDIA EM CÃES..................................................................................... 92

CAPÍTULO 2
DEMODICIOSE FELINA............................................................................................................. 98

CAPÍTULO 3
TUMORES DE ANEXOS CUTÂNEOS......................................................................................... 103

UNIDADE V
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS................................................... 106

CAPÍTULO 1
HIPERADRENOCORTICISMO E HIPOTIREOIDISMO EM CÃES..................................................... 106

CAPÍTULO 2
ALOPECIA X EM CÃES........................................................................................................... 121

CAPÍTULO 3
SÍNDROME METABÓLICA E OBESIDADE EM ANIMAIS............................................................... 126

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 133
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
Introdução
Atualmente, o bem-estar animal está em evidência. Isso faz com que muitos tutores,
ao menor sinal clínico que o animal apresente, procurem o atendimento médico
veterinário, o que é bom para a saúde dos animais, mas pode se tornar um desafio de
diagnóstico para os clínicos. Por isso a importância de saber quais são as principais
doenças que acometem animais jovens.

Em contrapartida, a expectativa de vida dos cães e gatos vem aumentando à medida


que os cuidados com a alimentação, a higiene e o manejo desses animais se tornam
mais frequentes. Com isso, o número de animais idosos que chegam até as clínicas
veterinárias para atendimento e check up também aumenta proporcionalmente.

Assim como ocorre com os humanos, é necessário diagnosticar e tratar doenças comuns
em pacientes geriátricos, conforme o envelhecimento do corpo. O conhecimento dos
principais sinais clínicos e dos exames a serem pedidos é de fundamental importância
para que o clínico veterinário se destaque e se diferencie durante o seu atendimento e
na condução dos casos.

Nesta apostila fizemos um apanhado das principais doenças metabólicas, endócrinas e


dermatológicas que acometem os cães e gatos, sejam filhotes ou idosos. É interessante
pontuar que, muitas vezes, os sinais dermatológicos podem chamar mais a atenção dos
tutores do que os sinais sistêmicos, o que leva muitos a procurarem o atendimento
veterinário para uma consulta dermatológica, sendo que a doença de base é endócrina.

Objetivos
» Expor as principais doenças endócrinas que acometem animais filhotes
e geriátricos.

» Expor as principais doenças dermatológicas que acometem animais


filhotes e geriátricos.

» Aprender a reconhecer os sinais clínicos sugestivos das principais doenças


endócrinas e dermatológicos e quais os caminhos para obter o diagnóstico.

» Identificar, a partir do momento em que se estabelecem os diagnósticos,


quais são as opções de tratamento para cada uma das principais doenças
endócrinas e dermatológicas que acometem os animais filhotes e geriátricos.

8
DISTÚRBIOS
ENDÓCRINOS E UNIDADE I
METABÓLICOS EM
ANIMAIS JOVENS
Nesta unidade, abordaremos alguns distúrbios endócrinos que acometem animais
jovens, não exclusivamente animais neonatos, mas, sim, animais em uma idade
inicial de vida. Entre as doenças abordadas, estão o diabetes mellitus juvenil, o
hipoadrenocorticismo, a insuficiência pancreática exócrina e o nanismo em cães e gatos.

O objetivo deste capítulo é uma revisão dessas patologias a partir de sua fisiopatologia,
seus sinais clínicos, os exames complementares, os diagnósticos diferencias, o
tratamento e o prognóstico. Isso permite que o clínico veterinário possa reconhecer o
quadro e, principalmente, conduzi-lo de maneira adequada visando a uma otimização
do atendimento médico veterinário.

CAPÍTULO 1
Diabetes mellitus juvenil

Antes de abordarmos os aspectos fisiológicos e clínicos do diabetes mellitus, vamos


entender o conceito geral dessa doença. O diabetes mellitus é uma endocrinopatia que
ocorre devido a uma indisponibilidade da insulina no organismo, o que compromete
o correto funcionamento das células do corpo e pode ser causada pela degeneração
das células β nas ilhotas pancreáticas, pela formação de anticorpos anti-insulina ou de
imunocomplexos inativos ou pela diminuição de secreção insulínica devida à influência
de órgãos endócrinos. A seguir, abordaremos as causas que predispõem o diabetes,
focando em animais jovens. Na Unidade II serão abordados mais aprofundadamente
os tipos de diabetes, as etiopatogenias e as consequências que um desequilíbrio na sua
produção pode causar ao animal.

Fisiopatologia
Muito raro em animais jovens, o diabetes mellitus (DM) ocorre principalmente em
consequência da atrofia idiopática do pâncreas, como consequência de uma pancreatite
aguda ou devido à hipoplasia ou aplasia das ilhotas pancreáticas.

9
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

Em cães e gatos filhotes ou jovens, o DM representa menos de 1% de todos os casos de


diabetes que são diagnosticados. Esse número tão baixo pode ser explicado não só pela
baixa frequência de ocorrência, mas também em razão de ser subdiagnosticado. Por
isso a importância de entender e, principalmente, saber diagnosticar um quadro de DM
em um animal jovem.

Produção de insulina – Pâncreas endócrino

Considerando que a maior causa em animais jovens está associada a uma desordem
no pâncreas, vamos relembrar como ocorre a produção da insulina por esse órgão.
Em cães, esse órgão localiza-se logo abaixo do estômago, em anexo ao duodeno.

O pâncreas é um órgão glandular misto, divido em porção exócrina, a qual é responsável


pela produção de enzimas digestivas, como amilase e lipase, e a sua porção endócrina
é responsável pela secreção de insulina e glucagon. Apesar de ser divido em duas
porções, injúrias que acometem a porção exócrina do pâncreas refletem diretamente na
porção endócrina, podendo levar a casos de diabetes mellitus, como é o caso da atrofia
pancreática juvenil e pancreatite aguda.

No pâncreas endócrino, localiza-se um aglomerado de células dispersas nos tecidos


acinares, as quais denominaram Ilhotas de Langerhans. Dentre as células que compõem
esse aglomerado, destacam-se as células α, que sintetizam e secretam glucagon, e
as células β, que compreendem cerca de 80% das células que compõem as Ilhotas.
As células β são as responsáveis pela produção, secreção e estocagem da insulina
no organismo.

A principal função da insulina é a regulação do metabolismo da glicose e a sua produção


é estimulada por nutrientes como a glicose, os aminoácidos e os lipídeos. A insulina
possui receptores em diversos tecidos, estando ligada a muitas funções metabólicas
além da regulação da glicose no organismo. Em razão desse fato, uma alteração na sua
produção compreende danos ao organismo como um todo, tendo em sua apresentação
clínica uma variedade de sinais clínicos e sistemas atingidos.

Sinais clínicos
Quando se fala de diabetes, já vem à cabeça os sinais clássicos da doença, como a perda
de peso progressivo associada ao aumento de ingestão hídrica e alimentar e poliúria.
Porém, os sinais clínicos podem variar de acordo com quadros concomitantes da
doença, como, por exemplo, nos quadros de diabetes mellitus em animais jovens, que
estão associados a quadros de atrofia das células pancreáticas e de pancreatite aguda.

10
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

Nesses casos, espera-se que estejam associados, além dos sinais clássicos de diabetes,
os sinais clínicos de apatia e letargia, êmese, dor abdominal. Muitas vezes, os animais
evoluem de quadros de polifagia para quadros de hiporexia ou anorexia, melena ou
hematoquezia e, em alguns casos mais graves, o animal pode chegar ao atendimento
clínico já em choque.

Cães e gatos com diabetes em geral apresentam uma pelagem opaca e sem brilho e
a pele, muitas vezes, apresenta descamação. Outro sinal clínico bastante comum é a
cegueira súbita, sendo este um dos principais sinais clínicos que levam o tutor a procurar
atendimento médico veterinário.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico do diabetes mellitus é comprovado a partir de exames que demonstrem
hiperglicemia e glicosúria persistentes com o paciente em jejum. No entanto,
recomenda-se a associação de exames complementares para que seja dado o diagnóstico
definitivo. Em se tratando do quadro em animais jovens, é essencial que a causa de base
que desencadeou o quadro de DM seja diagnosticada.

A seguir, descreveremos os principais exames pedidos e quais alterações são esperadas


em cada um deles:

» Hemograma: na maioria dos casos, encontra-se normal, mas quando


observadas as alterações, pode-se notar uma anemia leve ou leucograma
de estresse com neutrofilia e linfopenia. Já nos casos em que a causa de
base é uma pancreatite, será notada uma leucocitose por neutrofilia, o
que pode causar desvio à esquerda e a presença de neutrófilos tóxicos.

» Bioquímicos: aumento de ALT e FA associados à hiperlipidemia e à


hiperglicemia. Como o aumento da glicemia pode estar associado a
quadros de estresse, principalmente em felinos, e em quadros de infecção
sistêmicas, aconselha-se sempre a realizar, concomitante à dosagem de
glicemia em jejum, a dosagem de frutosamina sérica e hemoglobina
glicada. A lipase e amilase podem estar aumentadas. Sugere-se também
realizar o exame de lipase pancreática específica nos casos de suspeita
de pancreatite.

» Urinálise: as alterações mais frequentes encontradas na urinálise são o


aumento da densidade urinária (> 1,025), glicosúria, proteinúria, corpos
cetônicos variável e bacteriúria. Devido à predisposição de esses animais
desenvolverem cistite bacteriana, é recomendado que seja pedido, junto
à urinálise, uma cultura bacteriana da urina.

11
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

» Ultrassom: esse exame de imagem ajudará principalmente a elucidar a


causa base da doença, pois será avaliado o principal órgão acometido em
casos de DM em animais jovens, que é o pâncreas. Animais com pancreatite
apresentarão inflamação aguda no pâncreas, a qual pode se estender
a órgãos adjacentes com presença ou não de líquido livre. A imagem
visualizada será de um órgão aumentado, irregular e hipoecogênico.
Também pode ser visualizada a dilatação dos ductos biliares e a região
ao redor hiperecogênica. Nos casos de atrofia pancreática, poderá ser
observado um órgão diminuído de tamanho com ecogenicidade mista.

» Biópsia aspirativa do pâncreas: lembrando que estamos tratando


de um quadro de DM em animais jovens, a análise do pâncreas como
um todo deve ser colocada nos diagnósticos complementares. A biópsia
aspirativa deve ser realizada de 3 a 4 regiões que apresentem alterações
no ultrassom, o que pode diagnosticar um quadro de atrofia ou hipoplasia
pancreática.

Frutosamina/ hemoglobina glicada: a frutosamina é produzida a partir de uma


reação irreversível do grupo glicose com o grupo amino e ocorre nas proteínas
plasmáticas, o que reflete na concentração média de glicose no sangue, nas
últimas duas ou três semanas. Devido à sua concentração não ser afetada por
mudanças repentinas de glicose no sangue (como o caso de hiperglicemia por
estresse), ela é usada como controle da glicemia em animais diabéticos. Seu valor
de referência é 200 a 350 µmol/L. A hemoglobina glicada se forma da reação da
hemoglobina com um açúcar, devido à meia-vida dos eritrócitos ser de 120 dias.
Dosar a quantidade de glicose ligada à hemoglobina fornece uma avaliação da
glicemia anterior ao dia da coleta, o que permite descartar quadros agudos de
hiperglicemia, confirmar quadros de DM e monitorar o controle glicêmico do
paciente diabético.

Tratamento e prognóstico
O tratamento do paciente com diabetes mellitus juvenil preconizará tratar a sua causa
de base e, por se tratar de um quadro irreversível, permitir que tenha uma qualidade
de vida boa a partir do controle dos sinais clínicos, principalmente prevenindo as
complicações do quadro como a hipoglicemia e cetoacidose diabética.

Tratamento da pancreatite
O suporte das desordens pancreáticas consiste na correção dos equilíbrios hidroeletrolíticos,
o que corrige quadros de hipovolemia e desidratação. As soluções de escolha são solução
12
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

fisiológicas ou Ringer com Lactato, em casos de êmese. A suplementação de cloreto de


potássio na dose de 20 mEq/L deve ser utilizada. O vômito deve ser controlado, pois causa
um agravamento do quadro pela desidratação, espoliação de potássio e impedimento de
uma nutrição adequada e, por consequência, uma gastrite, que também deve ser tratada.

Como medicações antieméticas, recomenda-se o uso de citrato de maropitant,


ondansetrona e metoclopramida. Tanto o citrato de maropitan quanto a metoclopramida
podem ser utilizadas em infusão contínua. O citrato de maropitant, além de
antiemético, também promove uma boa analgesia visceral. Como protetor gástrico,
podem ser utilizados antagonistas dos receptores H2, como a ranitidina, ou inibidor da
bomba de prótons, como o omeprazol. Em casos de ulceração gástrica ou hematêmese,
recomenda-se a associação de sucralfato.

O controle da dor abdominal é recomendado com o uso de analgésicos, como dipirona


sódica, associados a opioides. Em casos de dor severa, recomenda-se o protocolo de
infusão contínua de fentanil com lidocaína e cetamina. Os antibióticos são recomendados
nos casos em que há um quadro infeccioso concomitante, como o de necrose pancreática.
Porém, como o quadro inflamatório predispõe a translocação bacteriana, recomenda-se
o uso de sua forma profilática. Os fármacos de escolha são cefalosporinas, ampicilinas,
sulfa-trimetropim, enrofloxacina e metronidazol, devido à boa absorção pancreática
dessas substâncias.

Tratamento do DM juvenil
Com relação ao controle da glicemia, não se objetiva manter níveis normais de glicemia
em pacientes diabéticos, pois muitos se mantêm estáveis em níveis entre 100 mg/dL
e 250 mg/dL antes da administração de insulina. O controle da glicemia é feito
por meio da administração da insulina diariamente, do controle dietético e de exercícios
físicos diários.

Importante lembrar que, nos casos de pancreatite aguda, o aporte nutricional


concomitante ao tratamento dos sinais clínicos deve ser reestabelecido imediatamente,
devido à importância de restabelecer o funcionamento intestinal e diminuir a
translocação bacteriana. Em gatos, o restabelecimento da nutrição é ainda mais
importante, pois gatos tendem a apresentar quadro de lipidose hepática se privados de
nutrição adequada, o que agrava o quadro.

Prognóstico
O prognóstico do DM juvenil é principalmente em relação às complicações que o
quadro pode gerar, como nos casos em que a glicemia não é controlada corretamente.

13
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

Isso pode levar a um quadro de hipoglicemia grave e, consequentemente, óbito.


Casos de hiperglicemia grave levam a um quadro de cetoacidose diabética, além de
predispor a quadros de catarata, infecções bacterianas, pancreatites, lipidose hepática e
neuropatia periférica em gatos, nefropatia diabética, gastroparesia, entre outros, o que
diminui a expectativa do paciente.

14
CAPÍTULO 2
Atrofia pancreática juvenil

Apesar de não ser uma patologia endócrina primária, é importante conhecermos um


pouco sobre essa desordem de sistema digestivo, pois é um quadro hereditário que
pode desencadear o diabetes melittus juvenil. Como já estudamos anteriormente, o
pâncreas é um órgão constituído de parte endócrina e exócrina, e a atrofia pancreática
acomete justamente a parte exócrina desse órgão.

A atrofia pancreática juvenil é uma síndrome que se caracteriza pela diminuição ou atrofia
do pâncreas exócrino. De caráter hereditário, acomete diversas raças, mas tem predileção
pelas raças Pastor Alemão e Collie. Em geral, acomete cães com menos de 1 ano de
idade, apresentando-se clinicamente com sinais de insuficiência pancreática exócrina.

Fisiopatologia
Na insuficiência do pâncreas exócrino (IPE) ocorre a diminuição da produção das
enzimas pancreáticas pelos ácinos. As células acinares pancreáticas são responsáveis
pela síntese das enzimas digestivas, da lipase e da amilase e de precursores das enzimas
proteolíticas e fosfolipolíticas, as quais são necessárias para que se obtenha uma
digestão apropriada.

Acredita-se que sua patogenia está ligada a uma resposta autoimune mediada por
linfócitos T. A gravidade do quadro está ligada ao fato de que o paciente só começa a
manifestar sinais clínicos após mais de 90% do parênquima pancreático estar acometido.

A atrofia pancreática exócrina é a causa mais comum da insuficiência pancreática


exócrina e devido à intensa destruição das células pancreáticas pode ocorrer a destruição
das ilhotas de Langerhans, desencadeando um quadro de diabetes mellitus juvenil.

Sinais clínicos
Inicialmente, os pacientes apresentam um quadro de fezes com esteatorreia, e esse
quadro ocorre devido à má absorção dos nutrientes. Outro quadro notado pelo tutor,
logo no início, é o aumento do volume fecal associado ao emagrecimento progressivo.

Os animais com atrofia pancreática apresentam caquexia, polifagia, coprofagia, fezes


de coloração amarelada e odor forte com presença de alimentos não digeridos, atrofia

15
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

da musculatura e do tecido adiposo e pelagem opaca, sem brilho e ressequida, êmese,


prostração (Figura 1). Animais com quadro de diabetes mellitus associado ao quadro
de atrofia pancreática podem apresentar poliúria e polidipsia, atração de formigas na
urina, catarata bilateral e demais sinais clínicos associados à doença.

Figura 1. Cão da raça pastor alemão apresentando caquexia secundária a quadro de atrofia pancreática
exócrina.

Fonte: Almeida et al. (2011).

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


Para chegar ao diagnóstico de insuficiência pancreática exócrina, o ideal é que todos
os diagnósticos diferenciais sejam descartados. Os principais diagnósticos diferenciais
são a má absorção secundária, a doença inflamatória intestinal, a linfangiectasia, o
parasitismo intestinal crônico e o diabetes mellitus.

A seguir, descreveremos apenas os exames específicos para o diagnóstico da IPE, mas


é importante lembrar que os exames de triagem, como hemograma, bioquímicos e
urinálise, devem ser realizados e analisados com cautela, pois, devido à má absorção
de nutrientes, esses animais podem apresentar outras alterações. É necessário
sempre associar a dosagem de glicose sérica em jejum em pacientes com histórico de
emagrecimento progressivo associado à polifagia.

» Imunorreatividade tripsina sérica: esse exame tem por objetivo a


medição do tripsinogênio e da tripsina circulante totais no soro com o
paciente em jejum.

» Ensaio da atividade proteolítica fecal: é o mais conhecido e


utilizado. Avalia a digestão de fragmento de um filme radiográfico. Uma

16
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

técnica simples, que consiste em um fragmento radiográfico imerso em


uma solução de 9ml de água destilada misturada a 1ml de solução de
bicarbonato com 2 gramas de fezes diluída. No caso da não digestão
do filme radiográfico, confirma-se a suspeita de ausência de enzimas
digestivas (Figura 2).

» Lipase pancreática específica: o resultado positivo desse exame


ajuda a subsidiar o diagnóstico de IPE quando associado a um dos demais
exames mencionados.

» Ultrassonografia: é de grande importância nessa patologia, pois


permite avaliar a morfologia pancreática, a qual estará diminuída e
evidenciará a atrofia do órgão.

» Histopatológico: o exame histopatológico auxiliará no diagnóstico


diferencial de outras doenças que possam estar causando uma má
absorção e no diagnóstico definitivo de IPE, por meio da análise de um
fragmento pancreático. Recomenda-se coletar amostras de fragmento do
pâncreas e intestino e correlacionar os achados em ambos. Porém, esse
método para a diagnóstico definitivo ainda é pouco usado em razão de
ser invasivo.

» Parasitológico de fezes: permite descartar se a má absorção intestinal


está sendo causada por um parasitismo crônico ou se o paciente está
com um quadro de parasitismo intestinal, visto que paciente com IPE
pode apresentar coprofagia e se contaminar com parasitas e protozoários
intestinais.

Figura 2. Exame de ensaio da atividade proteolítica fecal: filme não digerido devido à ausência de enzimas
digestivas e filme com digestão pelas enzimas digestivas.

Fonte: Pessoa, 2017.

17
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

Tratamento e prognóstico
O tratamento consiste em estabilizar o paciente nos casos em que este se encontra
desidratado, por meio do uso de antibioticoterapia, protetores gástricos, atualização
de vermífugo, suplementação vitamínica, reposição de enzimas pancreáticas e manejo
dietético específico.

A dieta recomendada é uma alimentação de alta digestibilidade, com baixo teor


de gordura e fibras. Comercialmente, a ração Low Fat, da Royal Canin, é indicada
para pacientes com IPE. A suplementação com as enzimas pancreáticas pode ser
mediante cápsulas, comprimido e pó, os quais podem ser misturados na alimentação
ou administradas diretamente por via oral no paciente, de duas a três vezes ao dia,
dependendo da necessidade.

Em geral, essas enzimas pancreáticas são obtidas por meio de extratos pancreáticos
ressecados de pâncreas bovino e suíno. No entanto, essa preparação tem um alto custo,
o que, muitas vezes, inviabiliza seu uso para tratamento. A opção para a suplementação
das enzimas pancreáticas é a adição do pâncreas, in natura bovino ou suíno, picado na
alimentação, desde que os sejam adquiridos de locais que sejam inspecionados. Isso
garante que não ocorrerá contaminação cruzada na alimentação do paciente doente.

Pacientes com quadros de diabetes mellitus associados devem receber o tratamento


suporte para o quadro diabético concomitante ao tratamento da insuficiência
pancreática exócrina.

Prognóstico

O prognóstico dependerá do estado do paciente no momento do diagnóstico, se tem


outras enfermidades concomitantes e do empenho e da compreensão do tutor diante
do quadro, o qual é irreversível e necessitará de cuidados ad eternum. Porém, com o
tratamento correto, o prognóstico se mostra favorável na maioria dos casos de IPE.

Apesar de o quadro não se enquadrar em uma desordem endócrina, foi exposto


neste capítulo porque acomete um órgão misto, de função exócrina e endócrina,
e esse acometimento pode gerar um quadro endócrino juvenil. É necessário
compreendê-lo melhor e, principalmente, saber diagnosticar se é a causa
primária de um paciente com diabetes mellitus juvenil.

18
CAPÍTULO 3
Hipoadrenocorticismo e nanismo
em cães

O hipoadrenocorticismo (HpAC) é uma doença endócrina caracterizada pela produção


deficiente de hormônios mineralocorticoides e glicocorticoides pelas glândulas adrenais.
As adrenais são um par de glândulas relacionadas topograficamente com os rins e com
os grandes vasos. Também é conhecida como doença de Addison, pois foi descrita em
humanos pela primeira vez, em 1855, por Thomas Addison.

De ocorrência rara em cães, seu diagnóstico acaba se tornando um desafio na rotina


de clínica de pequenos animais. Sua maior causa é a destruição imunomediada das
glândulas adrenais, e os sinais clínicos só são apresentados quando se tem a destruição
e o comprometimento de 85 a 90% da adrenal. Torna-se emergencial tanto estabelecer
seu diagnóstico quanto controlá-la posteriormente.

O HpAC acomete cães entre dois a 6 anos de idade, por isso o enquadrei em doenças de
animais jovens, de fêmeas castradas e possui uma predisposição racial em cães da raça
Dogue Alemão, Rottweiler, Cão d’Água Português, Bearded Collies e West Highland
White Terriers.

Glândulas adrenais e suas funções


Antes de decorrermos sobre a doença em si, vamos recapitular a anatomofisiologia das
glândulas adrenais.

As glândulas adrenais são divididas em duas zonas, as quais são denominadas


medular e cortical. A zona cortical é responsável pela produção dos mineralcorticoides
e pelos glicocorticoides, sendo esta a zona que iremos dar ênfase nesta revisão,
assim como aos glicocorticoides. Como glicocorticoides, destacam-se o cortisol e a
corticosterona, e como mineralcorticoides, destaca-se a aldosterona. Todos têm como
percursor o colesterol.

A liberação dos glicocorticoides é controlada pelo eixo hipotálamo–hipófise–adrenal


(HHA), por um mecanismo o qual chamamos de feedback negativo. Ocorre da seguinte
maneira: o hipotálamo produz o hormônio liberador de corticotropina (CRH), este,
por sua vez, estimula a hipófise a produzir o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH).
Uma vez produzido, o ACTH estimulará a adrenal a secretar e liberar os hormônios
glicocorticoides conforme a necessidade do organismo.
19
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

Esse eixo HHA é regulado por diversos fatores, entre eles o estresse do organismo,
que pode ser causado por dor, medo, estado febril, medicações e variações no sistema
imune. Esses fatores podem promover um desequilíbrio do feedback negativo do
eixo, fazendo com que o cortisol e o ACTH mantenham-se elevados ou diminuídos
no organismo.

Para entendermos as consequências que um desequilíbrio do eixo HHA pode causar


no organismo, vamos relembrar a importância do hormônio cortisol no funcionamento
do corpo. O cortisol está presente em inúmeras funções metabólicas do organismo.
Dentre elas, vamos destacar:

» Metabolismo do carboidrato: atua como regulador do metabolismo


por meio do antagonista da insulina. Também estimula a gliconeogênese
hepática, preservando as reservas de glicogênio nos hepatócitos,
principalmente em situações de estresse.

» Anti-inflamatório e imunossupressor: o cortisol estimula a


produção de proteínas anti-inflamatórias, impede a formação de
mediadores inflamatórios mediante o bloqueio da produção de ácido
araquidônico, tem efeito imunossupressor sobre a imunidade celular
e humoral, libera histamina e estimula a resposta inata. Isso previne a
produção excessiva de células de defesa do organismo, como em casos de
doenças imunossupressoras e quadros alérgicos.

» Sistema cardiovascular: os glicocorticoides têm efeitos ionotrópicos


do sistema cardiovascular, assim como um efeito de vasoconstrição.

» Sistema renal: o efeito do cortisol aumentará a filtração glomerular,


estimulando a excreção de cálcio e potássio e retendo sódio e cloro.

» Sistema gastrintestinal: aumenta a produção de ácido clorídrico no


estômago e diminui a produção de suco gástrico.

» Sistema tegumentar: tem efeito inibitório na produção de fibroblastos,


o que retarda a cicatrização.

Etiopatogenia do hipoadrenocorticismo

O hipoadrenocorticismo pode ser dividido de duas formas; a primária e a secundária.


Na primária, podemos encontrar a forma típica ou atípica da doença. Vamos discutir
um pouco sobre as causas de cada uma e qual a forma que mais ocorre na nossa
rotina clínica.
20
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

O HpAC primário compreende o tipo mais comum de ocorrência em cães, e a sua forma
típica é causada pela atrofia ou destruição das zonas do córtex adrenal, levando a uma
produção deficiente de glicocorticoides e mineralocorticoides. Já na forma atípica, o
que ocorre é a deficiência apenas na produção de glicocorticoides, sem acometimento
na produção dos mineralocorticoides. O quadro primário atípico representa apenas
10% de todos os casos de HpAC diagnosticados, e sua ocorrência é mais rara.
Em contrapartida, o quadro típico representa 85% de ocorrência.

A destruição das zonas do córtex adrenal no HpAC primário ocorre principalmente


por reação imunomediada. O organismo reconhece as enzimas envolvidas na
esteroideogênese como um antígeno, fazendo com que seja produzido um ataque
imunológico contra essas enzimas. Tais enzimas, por sua vez, atuam na síntese de
cortisol e, dessa forma, esse ataque imunológico impede uma correta produção do
hormônio cortisol, o que leva ao quadro de HpAC.

Outras causas menos comuns que podem acarretar essa doença são as doenças
infecciosas, como as infecções profundas causadas por fungos; entre elas, destacam-se
a coccidiose, criptococose, blastomicose e histoplasmose. Além disso, tumores
metastáticos, coagulopatias, amiloidose e enfartes hemorrágicos que acometam o
córtex adrenal também podem desencadear a doença.

A forma iatrogênica também pode ocorrer, como, por exemplo, nos casos de terapia
prolongada com mitotano ou trilostano, que podem provocar a atrofia das camadas do
córtex adrenal, com a retirada abrupta de corticoides endógenos após um longo período
de terapia contínua com a medicação e em casos cirúrgicos de adrenalectomias. Nessas
situações, ocorre uma produção deficiente do cortisol pelo eixo HHA.

O HpAC secundário é causado por uma disfunção na hipófise, que pode ser causada por
uma alteração das concentrações do CRH secretado pelo hipotálamo. Essa disfunção na
hipófise levará a uma diminuição na produção de ACTH consequentemente acarretando
na atrofia das zonas do córtex adrenal resultando na diminuição da secreção de
glicocorticoides.

Sinais clínicos

Os sinais clínicos são inespecíficos e variam desde quadros leves, como desordens
gastrintestinais, até quadros severos de coma por deficiência de glicocorticoides e
mineralocortioides. No geral, as sintomatologias são: hiporexia ou anorexia; letargia;
fraqueza muscular, variando de leve a grave; tremores; perda de peso progressiva;
poliúria e polidipsia; êmese e diarreia; dor abdominal; regurgitação; convulsões; ataxia;
hematêmese; hematoquezia ou melena.
21
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

Uma característica dos quadros de HpAC é a intermitência dos sinais clínicos.


Com frequência os pacientes acometidos melhoram quando tratados, passam tempos
sem apresentar qualquer sinal clínico, porém acabam voltando a apresentar os
sinais novamente, principalmente associados a eventos estressantes, como viagens e
mudanças, que fogem da rotina normal do animal.

A insuficiência do hormônio cortisol diminuiu a motilidade gastrintestinal, afeta


a mucosa gástrica e a perfusão tecidual gastroentérica, aumentando os riscos de o
paciente desenvolver úlceras gástricas. A concentração de sódio no organismo também
pode ficar comprometida em crises de HpAC, o que leva a quadros neurológicos.
O paciente pode apresentar choque hipovolêmico, hipotermia, bradicardia e depressão
grave, os quais, se não tratados, podem levar o paciente a óbito.

A polidipsia e poliúria ocorrem nos animais com hipoadrenocorticismo de


forma compensatória. Devido à produção insuficiente de aldosterona pelos
mineralocorticoides, ocorre a perda de água e de sódio e, consequentemente,
a reabsorção de potássio e hidrogênio, levando ao quadro clínico
descrito. É importante analisar esses eletrólitos quando a suspeita for de
hipoadrenocorticismo.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

Por ter sinais clínicos inespecíficos, o diagnóstico se torna um desafio. O ideal é associar
os sinais clínicos com exames complementares e específicos para chegar ao diagnóstico
de HpAC. Abaixo estão descritas as principais alterações que podem ser encontradas
nos exames laboratoriais e quais os exames específicos para auxiliar no diagnóstico
correto do quadro.

» Hemograma: a maioria dos cães tende a apresentar anemia normocítica


normocrômica, ausência de leucograma de estresse, com diminuição dos
neutrófilos, linfóticos, monócitos e eosinófilos, uma panleucopenia como
sinal de hiploplasia medular.

» Bioquímicos: espera-se encontrar aumento de ureia e creatinina devido


a uma azotemia pré-renal, aumento das enzimas hepáticas, hipoglicemia
e diminuição do colesterol.

» Urinálise: a alteração mais frequentes encontrada na urinálise é uma


densidade diminuída (< 1.020) devido à deficiência de mineralocorticoide,
fazendo com que os rins percam a capacidade de concentrar a urina.

22
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

» Eletrólitos: nesse quadro, é essencial a avaliação dos eletrólitos, pois


suas alterações estão ligadas à deficiência dos mineralocorticoides.
Normalmente, encontra-se hipercalemia, hiponatremia, hipocloremia.
Deve-se lembrar de pedir a relação sódio/potássio. Quando inferior a 20,
há grandes chances de ser devido ao quadro de hpAC.

» Eletrocardiograma: deficiências na produção de mineralocorticoides


acarretam alterações cardíacas, por isso no exame de eletrocardiograma
podem ser observados aumento da amplitude da onda T, aumento da
duração do complexo QRS, baixa amplitude da onda R, fibrilação atrial e
bloqueio cardíaco de segundo grau.

» Exames de imagem: pode nos favorecer tanto a ultrassonografia


quanto a radiografia. No exame ecográfico, as glândulas adrenais podem
se apresentar de tamanho reduzido, sugerindo uma atrofia adrenocortical.
Além disso, permite visualizar o sistema gastrointestinal, o qual também
pode apresentar alterações em quadros de HpAC. As radiografias serão
úteis nos casos em que se tem associada aos demais sinais clínicos
a regurgitação, pois permite diagnosticar se o paciente desenvolveu
megaesôfago secundário a doença.

» Teste de estimulação de ACTH (padrão-ouro): o teste se inicia


com uma coleta em tempo 0 do cortisol basal. Após, é administrado por
via intravenosa o ACTH na dose de 5μg/Kg. Aguarda-se 1 hora e uma
nova coleta de sangue é realizada. O objetivo desse teste é monitorar se a
produção de cortisol será baixa ou insuficiente mesmo após a estimulação
com o ACTH, o que mede a produção do cortisol pelo córtex adrenal.
O valor de referência para confirmação do HpAC é o cortisol plasmático
pós-ACTH inferior a 2 μg/dL; se o paciente apresentar cortisol
pós-estimulação acima de 5μg/dL, exclui-se o diagnóstico de HpAC.
Nos casos em que o valor de cortisol fique entre 2-5 μg/dL pós-estimulação,
o resultado é inconclusivo e recomenda-se associá-lo a outros sinais
clínicos, tratar e corrigir os sinais clínicos que o paciente está apresentando
e depois realizar um novo teste de estimulação. Animais saudáveis
apresentam o cortisol basal 2-5 μg/dL e após a estimulação esse valor
sobe para 5-17 μg/dL.

» Cortisol basal: a medição do cortisol basal plasmático é um teste


sensível, mas pouco específico, isto é, diagnostica o quadro de HpAC,
mas, algumas vezes, pode gerar resultados falsos positivos. Isso ocorre
porque o cortisol não é produzido de forma ininterrupta pelo organismo,

23
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

e o teste pode ser feito em um momento no qual o nível de cortisol no


organismo está baixo, mas por causa fisiológica, e não patológica. Por
isso, em caso de adotar esse exame como auxílio no diagnóstico, é sempre
necessário considerar, como valor de referência para quadros de HpAC,
valores inferiores a 2 μg/dl com a associação do teste de estimulação de
ACTH para confirmação do quadro.

Os diagnósticos diferencias devem incluir diabetes mellitus e insuficiência renal,


megaesôfago idiopático, úlceras gástricas de outras causas, causas iatrogênicas,
entre outros.

Tratamento e prognóstico

O tratamento tem o objetivo de tratar os sinais clínicos que o animal estiver apresentando,
reestabelecer o equilíbrio hidroeletrolítico e a reposição de glicocorticoides. Como já
comentamos no início, por se tratar de uma doença com sinais clínicos inespecíficos,
quando chega até nós, clínicos veterinários, para tratamento, o paciente já se
encontra, em geral, em um quadro mais grave, o qual podemos denominar de crise de
hipoadrenocorticismo ou crise addisoniana. Devido a isso, daremos foco ao tratamento
para a estabilização do paciente em uma crise.

Um dos quadros que ocorre em todas as crises addisonianas é um quadro hipovolêmico,


ou seja, de desidratação, o qual deve ser corrigido antes que o animal entre em um quadro
de choque hipovolêmico. Deve-se adotar fluidoterapia intravenosa para aumento da
volemia, reestabelecendo a perfusão tecidual e melhorando a perfusão renal. A solução
fisiológica (NaCl 0,9%) é o fluido de escolha. É possível iniciar com uma taxa de 20-40
ml/kg/h e após manter na taxa de 5ml/kg/h.

Em geral, animais com quadro de hipercalemia não necessitam de tratamento para


a correção dessa situação, sendo eficaz a sua diminuição por excreção por meio do
aumento da perfusão renal pela fluidoterapia. Porém, nos casos em que a hipercalemia
persiste, pode-se tentar sua correção mediante o uso de glicose 50% (0,5-1 ml/kg
diluída), gluconato de cálcio (0,4-1 mg/Kg) ou bicarbonato de sódio (1-2 mEq/Kg).
Com a fluidoterapia também é possível corrigir o quadro de hiponatremia. Como
pacientes em crise addisoniana podem apresentar quadros de hipoglicemia, a glicemia
deve ser monitorada. A partir do momento em que o paciente é estabilizado, devem ser
realizadas dosagens, a cada 24 horas, de sódio, potássio e glicemia.

Os demais sinais clínicos devem ser tratados com seus tratamentos suportes já
conhecidos, por exemplo, em animais com quadros de anemia grave, uma transfusão
sanguínea pode ser necessária; em animais com distúrbios gastroentéricos, medicações
24
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

como antibióticos de amplo espectro de ação e protetores gástricos devem ser usados,
o que evita a translocação bacteriana e um quadro de sepse. Importante lembrar que
a hipercalemia causa alterações cardíacas quando o potássio se encontra maior que
8mEq/L, sendo necessário sua correção não só por fluidoterapia, mas por medicação,
como a digoxina.

A reposição de glicocorticoide deve ser feita com fármacos de rápida ação e por via
intravenosa; os de escolha são o fosfato sódico de dexametasona (0,5-4 mg/kg),
succinato sódico de prednisolona (4-20 mg/kg) ou o succinato sódico de hidrocortisona
(0,5-0,625 mg/Kg/h IV em infusão continua). Após a estabilização do quadro,
como manutenção para casa, pode-se usar a dexametasona (0,05-0,1 mg/Kg/ BID
ou TID) ou a prednisona (0,1-0,22 mg/Kg/ SID), porém nenhum deles tem efeito
mineralocorticoide, por isso, nos casos de HpAC primário, que compreendem a maioria
dos casos, o fármaco de escolha é o acetato de fludrocortisona (0,01-0,02 mg/Kg/SID
ou BID), que tem efeito de mineralocorticoide e glicocorticoide. Outra opção menos
usada é o tratamento com pivalato de desoxicorticosterona (2,2 mg/Kg/SC) a cada
21 dias; o seu efeito deve ser monitorado por meio da mensuração da relação sódio/
potássio e seu uso deve ser associado à prednisona (0,2 - 0,4mg/Kg/SID), pois tem
efeito apenas mineralocorticoide.

A dose e a frequência que o paciente ficará estável dependerão de cada quadro


isolado. É recomendado sempre começar com uma dose de reposição hormonal
baixa e ir aumento paulatinamente de acordo com os resultados dos exames e com a
resposta clínica do paciente. Em geral, tendem a se manter estáveis após três meses
do início da terapia e algumas associações medicamentosas podem ser feitas, como
fludrocortisona associada à prednisona, o que permite o uso de uma dose baixa de
ambas para a estabilização do quadro. Uma monitorização do quadro deve ser feita
a cada três meses e deve-se sempre estar atento se a reposição de corticoide não
está desencadeando um quadro de sobredosagem caracterizado por sinal clínico de
poliúria, polifagia e polidipsia.

Importante enfatizar que o tratamento suporte de pacientes em crise addisoniana


segue as mesmas diretrizes para estabilização de pacientes internados, ou seja,
corrigir os quadros que o paciente esteja apresentando, como, por exemplo,
convulsão. As diretrizes para tratamento convulsivo devem ser adotadas e
assim por diante. Como esses animais têm uma deficiência de produção de
aldosterona, em crise, o débito urinário deve ser monitorado para avaliar o
funcionamento dos rins; em caso de baixo débito urinário, terapias diuréticas
devem ser adotadas.

25
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

Prognóstico

O prognóstico de quadros de hipoadrenocorticismo em geral é favorável desde que seja


realizada a reposição correta tanto dos glicocorticoides quanto dos mineralocorticoides,
e que mantenha o paciente em uma rotina sem estresse. Deve-se orientar o tutor de
modo que este reconheça uma crise ou uma sobredosagem de medicação e que entenda
que o tratamento contínuo é fundamental para que seja alcançado o sucesso na terapia
e a qualidade de vida do paciente.

Nanismo hipofisário em cães


O nanismo tem como característica a baixa estatura, podendo ser de causa hereditária
ou devido a patologias intrauterinas ou pós-natal, que impedem o desenvolvimento
do crescimento do indivíduo de maneira adequada. O nanismo pode ocorrer de causas
endócrinas ou não endócrinas. Neste capítulo, abordaremos o nanismo hipofisário, o
qual comumente está associado a uma distensão cística congênita, à persistência do
ducto craniofaringeal ou à bolsa de Rathke.

De ocorrência rara em cães e gatos, o nanismo hereditário pode surgir por uma
deficiência na produção do hormônio de crescimento (GH) ou devido a uma combinação
de deficiências hormonais da hipófise. Isso leva à deficiência de outros hormônios
também produzidos pela hipófise, como os hormônios LH, TSH, ACTH e FSH, que
desencadeiam diversos outros problemas além da baixa estatura.

Fisiopatologia

Para compreendermos melhor o desencadeamento do quadro de nanismo, vamos


revisar um pouco a hipófise e suas funções.

Hipófise

A hipófise é uma glândula endócrina, localizada na base do encéfalo, logo abaixo


do hipotálamo, e tem como principal função produzir hormônios que regulam o
funcionamento de outros órgãos endócrinos. A hipófise é dividida em duas porções:

» Lobo anterior (adenipófise): é a porção responsável pela secreção de


diversos hormônios. Formada por 5 tipos de células, as quais produzem
um hormônio específico. São elas:

› somatotrópicas: secretam GH;

26
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

› lactotróficas: secretam PRL;


› tireotrópicas: secretam TSH;
› gonadotrópicas: secretam LH e FSH; e
› corticotrópicas: secretam precursores do ACTH.

» Lobo posterior (neuroipófise): o lobo posterior não tem função


secretória, mas, sim, de armazenamento de hormônios produzidos pelo
hipotálamo, como os hormônios vasopressina e ocitocina.

Por ser uma glândula envolvida na produção de inúmeros hormônios,


dependendo da gravidade do quadro de destruição da hipófise, os animais
acometidos podem desenvolver secundariamente quadros de hipotireoidismo
e hipoadrenocorticismo, e podem apresentar sinais clínicos compatíveis com
essas doenças.

Hormônio do crescimento – GH

O GH é secretado pelas células somatotrópicas da adenipófise, e sua secreção se dá


em ritmo pulsátil, pela estimulação do GHRH liberado pelo hipotálamo e controlado
pela somatostatina; um peptídeo inibitório do hipotálamo. Outros fatores inibitórios do
crescimento também são liberados por demais órgãos, sendo o fígado o principal deles.
Em cães, o GH é também produzido na glândula mamária por meio de progestágenos
endógenos ou exógenos.

A fisiologia da produção do hormônio do crescimento é um pouco complexa, e não


iremos nos aprofundar em seus detalhes neste capítulo. Contudo, é importante que se
entenda o eixo da produção do hormônio e a importância da glândula hipofisária nessa
patologia, pois qualquer alteração na sua formação pode levar a defeitos na produção
dos hormônios hipofisário, desencadeando quadros clínicos, entre eles o nanismo, o
qual é nosso tema de estudo.

Nanismo hipofisário

De ocorrência rara, pode ser devido à deficiência congênita do GH. Essa deficiência é
relatada em raças como Pastor Alemão, Pinscher, Weimaraner e raramente em gatos.
Outra causa é a distensão de um cisto formado na bolsa Rathke, na hipófise, que leva à
destruição da região da adenipófise.

Atualmente, acredita-se que a mutação de um gene, o qual codifica um fator de


transcrição, impeça que as células-tronco em formação se transformem em células

27
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

secretoras de hormônio, sendo esse defeito genético que leva à formação do cisto na
bolsa de Rathke e desencadeia o quadro endócrino.

Sinais clínicos

Os animais acometidos de nanismo hipofisário nascem normais e mantêm seu


crescimento sem alterações até os dois meses de idade. Após essa idade, já é possível
notar uma diminuição no ritmo do seu desenvolvimento em relação aos demais filhotes
da ninhada.

Os sinais clínicos mais observados durante o exame físico são prognatismo, presença
da pelagem secundária “lanugem”, com epilação facilitada. Pode-se observar uma
alopecia bilateral simétrica com o passar do tempo, poupando cabeça e porção distal
dos membros (Figura 3). A pele pode ficar hiperpigmentada, seborreica, com formação
de comedos e predisposta a infecções por bactérias e leveduras.

Com relação ao sistema reprodutor, os machos podem apresentar atrofia testicular,


criptorquidismo; as fêmeas podem ter um cio persistente, vulva edemacia e corrimento
sanguinolento, gerando atração de machos. Alterações comportamentais também podem
ser notadas, como agressividade ou medo exacerbados, inapetência ou prostração.

Figura 3. Cadela da raça Border Collie, com NHC, apresenta alopecia que poupa uma porção distal de
membros.

Fonte: Laporte, 2012.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico do nanismo é sempre associado com a história clínica do paciente, os


achados do exame físico, os sinais clínicos e as alterações em exames complementares

28
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

específicos. Por se tratar de uma patologia que acomete uma glândula endócrina tão
importante para o funcionamento de várias outras glândulas endócrinas, o recomendado
é que sejam analisadas várias funções endócrinas concomitantes ao exame específico
do nanismo.

A seguir, descreveremos os principais exames pedidos e quais alterações são esperadas


em cada um deles:

» Hemograma e bioquímicos: apresentam-se sem alterações na maioria


das vezes. A única alteração encontrada é o aumento da creatinina, pois a
deficiência de GH acarreta a diminuição dos componentes glomerulares
e faz com que a filtração glomerular seja diminuída.

» Função tiroidiana: como já mencionado acima, animais com nanismo


podem desenvolver hipotireoidismo secundário, por isso avaliar a
função da tireoide é importante. Em geral, avalia-se a tiroxina (t4)
circulante associada ao TSH. Os achados laboratoriais irão evidenciar
T4 sérico diminuído e o TSH próximo ao limite inferior, em razão de
a causa do hipotireoidismo ser por diminuição da secreção hipofisária,
diferentemente do caso de hipotireoidismo primário, no qual o TSH
apresentará nível aumentado.

» Radiografia: avaliação radiográfica é uma ferramenta complementar


de grande valia. Nos pacientes com nanismo, é possível avaliar, por meio
dos exames radiográficos, um atraso no fechamento das placas epifisárias,
quando associado os achados da imagem com a idade do paciente, além de
ossos mais curtos e epífises com calcificação desordenada e incompleta.

» Tomografia computadorizada e ressonância magnética:


realizadas para avaliação de hipófise. Na imagem, frequentemente é
visualizada a presença de cistos na hipófise, a qual se apresenta reduzida.
Importante enfatizar que raças braquicefálicas podem apresentar cistos
em hipófise sem ter relação com um quadro de nanismo. Desse modo,
o diagnóstico deve ser feito associando diversos achados clínicos aos
resultados dos exames complementares.

» Função hipofisária: a concentração de GH é avaliada por meio do teste


de estimulação de GH com drogas estimulantes de GH, como o GHRH
ou drogas alfa-adrenergicas. Mesmo após a administração de drogas
estimuladoras de GH, haverá pouco ou nenhum aumento da concentração
sérica. A seguir, ambas medicações utilizadas e técnica serão descritas:

29
UNIDADE I │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS

› Estimulação com GHRH: coleta-se amostra sanguínea em tempo


zero, administra-se GHRH (1µg/kg/IV) e, após 30 minutos, uma nova
coleta é realizada.

› Estimulação com xilazina: amostra coletada em tempo zero,


administrado xilazina (100µg/kg/IV) e uma nova coleta após 15, 30, 45,
60 e 90 minutos. Considera-se positivo com os níveis plasmáticos de
pós-estimulação se GH estiver menor que 2ng/m. Essa técnica é menos
recomendada devido a seus efeitos colaterais de sedação, hipotensão,
bradicardia e êmese, de modo que é necessária a monitorização
constante do paciente durante todo o exame.

» Fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1): pacientes


com nanismo apresentam níveis séricos de IgF-1 baixos. Nesse sentido,
é recomendada a sua dosagem para avaliação da produção de GH em
pacientes com suspeita de nanismo. Porém, não pode ser usado como
forma isolada de diagnóstico, mas, sim, sempre associada à estimulação
de GH.

Diagnósticos diferenciais

Os diagnósticos diferenciais são importantes para descartar as causas não endócrinas


de nanismo e também para diagnosticar doenças endócrinas secundárias ao nanismo
hipofisário.

Entre as causas endócrinas, destacam-se o hipotireoidismo congênito e o diabetes


mellitus juvenil. Hiperadrenocorticismo iatrogênico e hipoadrenocorticismo. Como
causas não endócrinas, podemos citar a desnutrição, shunt portossistêmico, insuficiência
cardíaca congênita, distúrbios ósseos e gastrintestinais e doença renal.

Tratamento e prognóstico

O tratamento correto seria com a reposição de GH, porém não existe o mesmo disponível
para uso. Desse modo, são utilizados experimentalmente o GH humano e o GH suíno
para tratamento. Contudo, o uso do GH humano pode desencadear a formação de
anticorpos e inviabilizar a sua utilização.

Já o GH suíno é idêntico ao GH canino, de modo que se utilizada a dose de 0,1 a 0,3UI/


kg, a cada 72 horas, durante 4 a 6 semanas na fase de indução, porém esse GH não
é comercializado no Brasil. O risco da reposição de GH é causar um excesso dessa
substância no organismo e levar a efeitos colaterais como o diabetes mellitus. Os animais
suplementados devem ser avaliados semanalmente em relação aos níveis de GH, IGF-1
30
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE I

e glicose, e após passada as semanas de indução, a fase de manutenção dependerá dos


níveis dos hormônios acima citados.

Uma alternativa à reposição com o GH suíno é o uso de progestágenos, visto que a


glândula mamária canina é responsável por uma parcela da produção do GH circulante
e os progestágenos estimulam a produção de GH por essas glândulas mamárias.
Recomenda-se a proligestona na dose de 10mg/kg/SC, em intervalos de três semanas
na fase de indução e, após, a cada seis semanas na fase de manutenção, sempre
monitorando com a dosagem de GH, IGF-1 e glicose. Outro progestágeno recomendado
é o acetato de medroxiprogesterorona na dose de 2,5 a 16 5,0mg/kg/SC, com fase de
indução e manutenção, como na proligestona. Em cadelas, a ovariohistectomia deve ser
realizada antes de iniciar a reposição com progestágeno.

Em pacientes com outras alterações endócrinas concomitantes, estas devem ser tratadas
de acordo com as suas necessidades. Desse modo, em animais com hipotireoidismo
e hipoadrenocorticismo, deve ser realizada suplementação hormonal; em animais
com sinais clínicos dermatológicos, as alterações devem ser tratadas com terapias
adequadas; e assim consecutivamente.

Prognóstico

Animais com diagnóstico de nanismo têm a expectativa de vida reduzida, vivendo cerca
de 3 a 8 anos, com o agravamento dos sinais clínicos em decorrência do avanço da
idade. A perda contínua da função hipofisária fará com que, com o passar do tempo,
esses animais desenvolvam caquexia, alopecia, insuficiência renal e muitas outras
complicações. Assim, o tutor opta pela eutanásia na maioria dos casos.

31
DISTÚRBIOS
ENDÓCRINOS E UNIDADE II
METABÓLICOS EM
ANIMAIS GERIÁTRICOS

CAPÍTULO 1
Hipertireoidismo em felinos

O hipertireoidismo em felinos é a endocrinopatia mais comum na espécie, e se deve a


uma produção exacerbada do hormônio tiroxina (T4) e do hormônio triiodotironina
(T3) pela glândula tireoide. Sua causa está ligada a uma disfunção da tireoide e muito
raramente associada a alterações em hipotálamo e hipófise.

O estudo dessa doença se torna importante, pois muitas vezes é subdiagnosticada na


rotina clínica. Podemos caracterizá-la como a doença endócrina mais importante em
felinos, a qual é multissistêmica devido às funções da tireoide no organismo. A tireoide
é responsável pelo consumo de oxigênio da maioria das células do organismo, além
de regular o metabolismo de carboidratos e lipídeos e agir na manutenção do corpo.
A secreção excessiva de hormônios tireoidianos acaba causando efeitos nessas funções
e desencadeia sinais clínicos nos pacientes.

Acomete principalmente felinos idosos, e os animais começam a apresentar essa


patologia entre 12 a 13 anos de idade. A principal causa do desenvolvimento do
hipertireoidismo está ligada à hiperplasia adenomatosa ou ao adenoma tireoidiano,
que aumentam a secreção e os níveis de T3 e T4 na circulação. Não tem predileção
sexual e nem racial.

Fisiopatologia
Como mencionado acima, embora a maior causa do aparecimento do hipertireoidismo
esteja ligada a neoplasias, outros fatores podem predispor à doença, como fatores
imunológicos, nutricionais e ambientais. A sua patogenia, no entanto, não está
totalmente elucidada.

32
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

Estudos discutem a falta de padronização da quantidade de iodo na alimentação


enlatada dos gatos, e, muitas vezes, podem-se encontrar alimentos com uma quantidade
muito superior à recomendada. Outro problema com as rações enlatadas está
relacionado aos produtos de revestimento dessas latas, em especial o bisfenol, que
podem desencadear o hipertireoidismo.

Lembrando que uma das funções da tireoide é o consumo de oxigênio pelos tecidos,
destaca-se que felinos com hipertireoidismo têm uma taxa metabólica basal acelerada,
de modo que esse estado hipermetabólico desencadeará os sinais clínicos.

Sinais clínicos
Os sinais clínicos são progressivos e levam cerca de seis meses a um ano para se
agravarem. Em geral, os tutores procuram o serviço médico veterinário quando
os felinos apresentam o agravamento do quadro clínico. Por isso há a necessidade
de sabermos reconhecer com rapidez quando estivermos diante de um quadro de
hipertireoidismo felino.

Os gatos costumam apresentar histórico clínico de emagrecimento progressivo


associado a polifagia, polidipsia e poliúria, êmese e hiper-reatividade. Outra queixa dos
tutores é em relação ao aumento da defecação e dos quadros diarreicos, que se devem
ao aumento da motilidade intestinal. Isso desencadeia síndrome de má absorção e fezes
esteatorreicas. O aumento do catabolismo leva à perda de massa muscular e gera um
quadro clínico de caquexia nos pacientes (Figura 4).

Figura 4. Paciente felino apresentando caquexia agravada pela perda de massa muscular.

Fonte: Cunha et al. (2008).

Na auscultação cardíaca, esses animais têm taquicardia devido a uma hipertrofia


cardíaca compensatória, pelo hipermetabolismo. Além disso, pode ser auscultado sopro
sistólico, arritmia e ritmo de galope, além de um aumento da pressão arterial sistólica.

33
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Outros sinais clínicos associados ao quadro são sinais dermatológicos, como alopecia
em razão da lambedura excessiva e intolerância ao calor, e pelos opacos e quebradiços.
Os animais podem apresentar pelos emaranhados devido à diminuição do auto-
higienização (Figura 5).

Figura 5. Felino apresentando sinais dermatológicos, como alopecia, em região ventral por lambedura excessiva.

Fonte: Cunha et al. (2008).

Animais com hipertireoidismo apresentam poliúria e polidipsia compensatória


pelo aumento da taxa de filtração glomerular, que podem estar associadas a
uma doença renal crônica, a qual tem ocorrência comum em gatos idosos. Por
isso é importante investigar se esses animais não possuem um quadro de DRC
associado ao quadro endocrinológico.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico deve ser associado aos sinais clínicos, à idade e às alterações em exames
complementares. Como já mencionado, por se tratar de sinais clínicos progressivos, os
animais chegam em péssimas condições para o atendimento. Em se tratando de animais
idosos, um dos exames físicos que deve ser incluído e realizado de forma minuciosa é a
palpação de ambas as tireoides para verificar se há aumento evidente devido a neoplasias.
Importante lembrar que nem sempre as tireoides estarão aumentadas e que o aumento
das tireoides isoladas, sem os sinais clínicos, não caracteriza hipertireoidismo, no
entanto esses sinais acabam sendo mais propícios para o desenvolvimento do quadro.

A seguir, descreveremos os principais exames pedidos e quais alterações são esperadas


em cada um deles:

» Hemograma: animais com hipertireoidismo apresentam eritrocitose


no eritograma, e isso se deve ao estímulo ß-adrenérgico sobre a medula

34
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

óssea e ao aumento do consumo de oxigênio pelas células, o que estimula


a eritropoese.

» Bioquímicos: frequentemente os animais apresentam o aumento das


enzimas hepáticas ALT, GGT e FA, possivelmente devido aos efeitos
tóxicos dos hormônios tireoidianos no fígado, além da deficiência
nutricional que esses animais apresentam. Como alterações renais,
podem ser encontradas azotemia renal e hiperfosfatemia.

» Urinálise: os animais podem apresentar densidade urinária diminuída


e a presença de proteinúria. Importante sempre avaliar a existência de
uma doença renal concomitante.

» Ultrassom: o ultrassom é de grande importância para avaliar a


morfologia dos órgãos e associá-la às alterações encontradas nos exames
laboratoriais. Importante utilizar o ultrassom para avaliar as tireoides,
mensurando seu tamanho, e verificar se há evidencias de neoplasias.
Os rins devem ser avaliados em relação à corticomedular.

» T4 total: bastante utilizada para fechar diagnóstico de hipertireoidismo,


pois seu aumento se mostra específico para confirmar o diagnóstico.
No entanto, em alguns casos, seu valor pode estar dentro do normal,
pois o hormônio T4 sofre flutuações circadianas e pode estar diminuído
devido a doenças concomitantes, como o diabetes mellitus, a nefropatia,
as hepatopatias e as neoplasias.

» T4 livre por diálise: quando o T4 total se apresenta normal, um dos


testes associados a ele para fechar diagnóstico é a mensuração do T4
livre por diálise, o qual deve estar muito aumentado. Isso nunca deve
ser utilizado como forma única de diagnóstico, pois muitos animais
apresentam esse hormônio levemente elevado sem serem doentes.
Ou seja, para que um animal seja considerado com diagnóstico positivo
para hipertireoidismo, o T4 total deve estar aumentado ou próximo do
limite superior, e o T4 livre por diálise bastante elevado.

» Mapeamento da tireoide com radionucleotídeo: Esse exame,


por meio de uma fotografia da tireoide, permite que sejam localizadas
as áreas funcionais e não funcionais da glândula. É muito útil nos casos
em que os felinos têm sinais clínicos compatíveis com a doença, mas
não apresentam alterações na mensuração de T4 , e em animais que não
apresentam nódulos palpáveis em tireoide. Seu custo alto e a necessidade
de equipamento específico, porém, inviabilizam sua empregabilidade na
rotina clínica.

35
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Felinos idosos com doença renal crônica associada a sinais clínicos de


hipertireoidismo podem apresentar os níveis de T4 total e T4 livre por diálise
no limite superior aos valores de referência, pois a DRC suprime a concentração
de hormônios tireoidianos. Por isso, nos casos em que há suspeita de ambas as
patologias, a DRC deve ser controlada e o animal submetido a novos exames de
dosagem sérica de T4.

Tratamento e prognóstico
O tratamento de escolha deve levar em conta os sinais clínicos da doença, ou seja,
realizar um tratamento suporte, tratar as doenças concomitantes, visto que os pacientes
são idoso, além da terapia específica para o quadro de hipertireoidismo.

O tratamento do hipertireoidismo atualmente pode ser de três maneiras; por meio do uso
do iodo radioativo, de fármacos antitireoidianos e de cirurgia. A seguir, descreveremos
cada um deles.

Iodo radioativo

Conhecido como iodo 131, é um radionucleotídeo que tem boa ação sobre os tumores
de tireoide e sobre quadros de hiperplasia da glândula. Sua administração é por
via intravenosa e seu mecanismo de ação ocorre mediante a destruição das células
foliculares tireoidianas sem acometer as demais estruturas ao redor.

No entanto, o uso de iodo radioativo é limitado devido ao paciente necessitar de


hospitalização para a realização da terapia e a substância estar presente apenas em
locais licenciados, o que torno seus custos onerosos. Com relação ao índice de melhora
do quadro, cerca de 80% dos gatos submetidos à terapia com iodo 131 conseguem a
cura, outros 10% acabam desenvolvendo hipotireoidismo e os 10% restantes acabam
não respondendo ao tratamento.

Fármacos antitireoidianos
Atualmente, os antitireoidianos disponíveis comercialmente são o propiltiouracil, o
metimazol e o carbimazole, todos da classe das tionamidas. Seu mecanismo de ação se
dá pela inibição da síntese de hormônios tireoidianos, não tendo um efeito antitumoral
para os casos em que o paciente apresente esse quadro como causa de base.

Dentre os fármacos citados, o mais utilizado é o metimazol, começando com doses


baixas de 1,25 a 2,5 mg duas vezes ao dia, por 7 a 10 dias, e uma dosagem de hormônio

36
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

T4. No caso em que o controle não é atingido nessas doses, pode-se chegar à dose
de 5 mg três vezes ao dia, sempre monitorando a concentração sérica de T4 a fim de
evitar efeitos colaterais, principalmente uma descompensação renal. Após o controle
sérico do hormônio T4, o monitoramento por meio da dosagem hormonal e os exames
bioquímicos podem ser realizados a cada 4 – 6 meses.

Em felinos que apresentem distúrbios gastrintestinais com o uso do metimazol oral,


uma alternativa é seu uso por intermédio de formulação transdermal, a qual já foi
estudada e é indicada para o tratamento desses animais, o que diminui os efeitos
colaterais. A vantagem das drogas antitireoidianas está relacionada com o seu custo
mais acessível, a não necessidade de hospitalização do paciente e o controle dos sinais
clínicas em uma a três semanas após o início do tratamento. Entretanto, seu uso é
contínuo, necessita de monitoramento hormonal e não tem efeito sobre o aumento das
glândulas tireoidianas.

Importante lembrar que, por se tratar de uma droga antitireoidiana, um dos efeitos
colaterais que pode causar é o hipotireoidismo iatrogênico, além de êmese, apatia,
anorexia, hepatotoxicidade e quadros imunomediados, como anemia hemolítica.
Nos casos em que os efeitos colaterais forem incompatíveis com a melhora clínica, a
terapia deve ser descontinuada e outra forma de tratamento deve ser adotada.

Tratamento cirúrgico

Uma das principais causas do hipertireoidismo é a presença de tumores nas glândulas


tireoides, por isso uma terapia que pode ser adotada é a remoção cirúrgica dessa
glândula; procedimento este chamado de tireoidectomia.

É uma alternativa que se mostra efetiva em gatos hipertireoideos e não necessita do


uso contínuo de medicações para o controle dos sinais clínicos. Porém, deve ser sempre
realizada por um medico veterinário cirurgião e uma equipe anestésica com experiência,
de modo que sejam evitadas complicações.

Com relação à anestesia, é importante lembrar que medicações com efeitos anticolinérgicos
não devem ser utilizadas, porque esses animais já podem apresentar quadros de
hipocalemia e alterações cardíacas prévios à cirurgia. O uso dessa classe de fármacos
pode piorar essas alterações e causar taquicardia e arritmias, além de complicações
anestésicas. Uma medicação pré-anestésica indicada é a acepromazina, devido ao
seu efeito em tono autonômico, o que diminui as chances de arritmias indesejadas.

Importante esclarecer que os animais só devem ser submetidos à cirurgia após o quadro
clínico de hipertireoidismo estar estabilizado, o que pode levar ate quatro semanas

37
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

de uso diário de metimazol. Só após a estabilização dos sinais clínicos e dos exames
laboratoriais e hormonais é que o paciente poderá ser submetido à cirurgia.

Técnicas cirúrgicas

A tireoidectomia pode ser realizada por duas técnicas; a intracapsular e a extracapsular,


e pode ser unilateral ou bilateral. A seguir, descreveremos um pouco a técnica e as
complicações pós-cirúrgicas que podem ocorrer.

» Tireoidectomia intracapsular: nessa técnica, uma incisão é feita


em cápsula tireoidiana e o tecido da glândula é removido. A cápsula
não é retirada, mas permanece no paciente junto com a paratireoide.
A vantagem dessa técnica é a preservação da glândula paratireoide, porém
gera um risco de permanecer resquícios de tecido tireoidiano, o que
desencadeia recidiva do quadro de hipertireoidismo.

» Tireoidectomia extracapsular: inicia-se com a dissecação da glândula


paratireoide da capsula tireoidiana, para após realizar a retirada da
capsula com tecido tireoidiano. A vantagem dessa técnica é a diminuição
do risco de resquícios de tecido tireoidiano, no entanto a manipulação
da paratireoide pode desencadear quadro de hipoparatireoidismo se a
glândula for lesionada.

Independentemente da técnica escolhida, a glândula deve ser enviada, após a sua


retirada, para análise histopatológica para que seja determinado seu tipo de neoplasia,
pois cada neoplasia necessitará de um tratamento diferente.

Complicações cirúrgicas
Uma das principais complicações cirúrgicas é a hipocalcemia, principalmente se
ocorrer a tireoidectomia bilateral. Além disso, os felinos podem apresentar síndrome de
Horner, paralisia de laringe, alteração na vocalização, hipoparatireoidismo e recidiva do
quadro de hipertireoidismo. Apesar de essas complicações serem de baixa ocorrência,
é importante que sejam esclarecidas ao tutor.

Os principais sinais clínicos de hipocalcemia são letargia, anorexia, tremores musculares


e fasciculações, relutância ao movimento e até convulsões. A hipocalcemia pode ser
diagnosticada com antecedência, sem que o felino apresente sintomatologia clínica.
Uma forma de diagnóstico é mediante a dosagem de cálcio sérico cerca de 24 horas
após a tireoidectomia bilateral. Esse fato de estar ligado apenas aos casos de cirurgia
bilateral se dá pela característica de que somente uma glândula paratireoide é suficiente
para manter os níveis normais de cálcio no sangue.
38
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

Nos casos em que a suplementação de cálcio se faz necessária, ou seja, abaixo de 7mg/ dl,
a administração por via intravenosa lenta de 1 a 1,5 ml/kg de gluconato de cálcio a 10%
deve ser feita e mantida com uma administração contínua de 2ml/kg pelas próximas 8
horas. Após a suplementação, pode-se continuar com via oral, na dose de 50 a 75mg kg/
dia, divididos em três administrações e associado ao dihidrotaquisterol na dose de 0,03
mg/kg/24 horas até a normalização do cálcio sérico.

O monitoramento dos níveis de T4 total após a cirurgia deve ser avaliado após um
mês, pois permite identificar se ficou algum tecido resquicial de tireoide após o
procedimento cirúrgico. Outra alternativa que pode ser adotada em casos cirúrgicos é a
retirada unilateral; num primeiro momento, manter o paciente com metimazol e, após
a estabilização do quadro, submetê-lo à tireoidectomia da glândula contralateral.

Prognóstico

O prognóstico tende a ser favorável desde que o paciente seja corretamente tratado e
precocemente diagnosticado. Outro fator determinante do diagnóstico são as doenças
concomitantes, como a doença renal crônica. Isso ocorre porque muitos felinos
tratados acabam desenvolvendo quadros de azotemia, porém se mantêm estáveis por
um longo período.

No entanto, nos casos em que o tutor não quer ou não pode tratar, o prognóstico
é desfavorável devido ao desenvolvimento das doenças concomitantes, como
cardiomiopatias, nefropatia, hipertensão sistêmica, hepatopatias, entre outras.

39
CAPÍTULO 2
Diabetes Mellitus em cães e gatos

Neste capítulo, discorreremos sobre o diabetes mellitus em cães e gatos adultos e


idosos, realizando uma abordagem diferente da já relatada para animais jovens. Serão
abortados temas como a principal emergência ligada ao diabetes, que é a cetoacidose
diabética; como chegar à dosagem correta da insulina a ser administrada no paciente,
por meio do exame de curva glicêmica; e as complicações do quadro diabético, como o
efeito Somogyi e o diabetes em felinos e suas particularidades.

O diabetes mellitus tem caráter multifatorial, como predisposição genética, destruição


das células β, obesidade, estados de estro e gestação, estresse e aumento sérico de
hormônios diabetogênicos, os quais podem desencadear um quadro de diabetes no
animal. Caracteriza-se pela ausência ou insuficiência na secreção de insulina pelo
pâncreas, por defeitos nos receptores de insulina ou falta de enzimas que permitam a
entrada de insulina nas células, causando uma hiperglicemia sérica constante.

A média de idade da doença em de 7 a 14 anos; as fêmeas são mais afetadas e há


predisposição racial para cães da raça Schnauzer, Poodle, Beagle e Teckel. Já nos
felinos, os machos são mais acometidos que as fêmeas, principalmente machos
castrados e obesos, sendo 10 anos a média de idade. As raças Maine Coon, Russian
Blue e Siamês são as descritas como mais predispostas.

Fisiopatologia
Vamos recapitular a importância da insulina no organismo: ela é o hormônio anabólico
mais importante do corpo, tendo como funções a armazenagem de glicose na forma
de glicogênio, de aminoácidos na forma de proteínas e de ácidos graxos na forma de
gordura, o que evita um catabolismo das reservas de nutrientes e mantém, assim, o
organismo em equilíbrio. Esses processos metabólicos são regulados por meio de
receptores de insulina de alta afinidade presentes na superfície das células em vários
tecidos do corpo, principalmente músculos e tecidos adiposos.

As alterações na secreção da insulina prejudicam a utilização da glicose pelas células,


o que faz com que o organismo aumente a sua gliconeogênese e sua glicogenólise
para compensar essa alteração, levando ao aumento da glicose sérica. Esse aumento
da glicose sanguínea excede à capacidade das células tubulares renais de absorver
a glicose e faz com que ocorra glicosúria, causando diurese osmótica e poliúria e
polidipsia compensatórias.
40
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

Essa falta de glicose nas células faz com que o centro hipotalâmico de saciedade
identifique que precise de mais glicose, fazendo com que o paciente tenha polifagia.
A insuficiência da insulina acarreta a ativação do hormônio lipase-sensível, o qual irá
desencadear o aumento do catabolismo proteico e da lipólise, levando à atrofia muscular
e à perda de peso progressiva.

Outra alteração importante que ocorre devido a essa produção insuficiente de insulina
é a formação dos corpos cetônicos. Os corpos cetônicos se formam pela alteração do
metabolismo dos lipídeos no fígado, que faz com que os ácidos graxos se convertam
em acetilcoenzima. Em vez de triglicerídeos, essa enzima no fígado é transformada em
ácido acetoacético, levando à acidose metabólica; uma das principais complicações do
diabetes em cães.

Diabetes Mellitus – Classificação


O diabetes pode ser dividido em três tipos:

» Tipo 1 (insulina dependente): ocorre devido à insuficiência ou à ausência


da insulina no organismo, permitindo que corpos cetônicos se formem.
É o tipo mais comum em cães.

» Tipo 2 (não insulina dependente): ocorre uma produção insuficiente de


insulina, no entanto a quantidade é suficiente para impedir a formação
de corpos cetônicos, mas não para controlar a hiperglicemia. Esse tipo é
mais comum em felinos.

» Tipo 3 (diabetes secundário): de ocorrência também em felinos, a


resistência à insulina e à hiperglicemia nesse tipo de diabetes se dá
por uma causa primária, como hipertireoidismo, pancreatite ou outras
alterações hormonais. Caso seja corrigida a causa primária, o quadro será
normalizado.

Reparem na importância de conhecer os tipos de diabetes existentes, principalmente se


referindo aos felinos, pois estes costumam apresentar quadros transitórios de diabetes,
e o tratamento errôneo do quadro pode levar a complicações graves, incluindo o óbito.
Atualmente, estima-se que cerca de 80% dos gatos possam sofrer de diabetes do tipo 2,
devido à insuficiência das células β.

Diabetes em felinos
É a segunda doença endócrina mais importante em gatos, e se dá pela destruição
progressiva das células β pancreáticas ou devido à resistência à insulina. A principal

41
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

causa da destruição dessas células β é devido à deposição de substância amiloide


nas ilhotas, o que prejudica a percepção dos níveis de glicose sérica pelas células β e
compromete a liberação de insulina. Outras causas de desenvolvimento de diabetes
em gatos, como forma secundária à doença, são obesidade, hiperadrenocorticismo,
acromegalia, pancreatite, que provocam a resistência à insulina.

Em felinos, estabelece-se o diagnóstico de diabetes mellitus apenas naqueles em


que a hiperglicemia sérica está acompanhada de glicosúria. Em geral, nesses casos,
a glicemia sérica, quando dosada, encontra-se nos valores acima de 234 mg/dL.
Uma característica peculiar dos felinos é que muitos são diabéticos não insulina-
dependente, isto é, um manejo dietético e perda de peso já podem ser suficientes para
o controle da hiperglicemia.

O diagnóstico do diabetes em felinos é da mesma forma que em cães, e aconselha-se


sempre associar testes de diagnósticos diferencias para que seja possível achar a causa
primária do diabetes, como testes pancreáticos e hormonais. Mais adianta, abordaremos
a curva glicêmica; complicações do diabetes mellitus tanto em cães quanto em gatos.

Felinos são animais naturalmente estressados com mudança de ambiente ou


situações que fogem da sua rotina, por isso um aumento da glicemia pode ser
resultado do estresse para a coleta. Dessa forma, só deve considerar um felino
diabético se os sinais clínicos estiverem acompanhados de hiperglicemia grave
e glicosúria.

Tratamento em felinos

A principal diferença do diabetes em felinos se dá ao tratamento, pois, devido à


possibilidade de ser uma hiperglicemia transitória, o uso da glargina pode não ser
crônico, e muitos mantêm seus níveis de glicose normais a partir do uso de dieta.

A insulina de escolha no diabetes felino é a glargina (Lantus®), uma insulina humana de


ação prolongada com duração média de 20 horas no organismo. Após administrada por
via subcutânea, a glargina forma micropreciptados que são metabolizados lentamente
e prolongam seu efeito; é possível iniciar com uma dose 0,25 UI/kg /12 horas. A partir
do momento em que a glicemia se estabiliza, deve ser retirada de forma gradual,
passando para a sua administração a cada 24 horas, para que só seja suspensa a partir
do momento em que células β estejam recuperadas. A aferição da glicemia deve ser
diária até a remissão. Após a remissão semanal antes da retirada completa da glargina,
em casos de ocorrência de hiperglicemia, a terapia insulínica deve ser retomada para
evitar danos às células pancreáticas.

42
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

Outra forma de tratamento para o diabetes mellitus tipo 2 em felinos é por meio do uso
de hipoglicemiantes orais, e os mais utilizados são os da categoria sulfonilureias, que
aumentam a produção de insulina, diminuem a resistência insulínica e aumentam a
gliconeogênese. Destacam-se a glipizida na dose de 2,5–5 mg/gato/12 h, por via oral,
sempre com alimento, ou a glimepirida, 1 mg/gato/24 h/V.O. Os hipoglicemiantes
orais só devem ser utilizados em animais que não apresentem corpos cetônicos, de
modo que os tutores consigam administrar a medicação oral e quando a insulinoterapia
injetável não tenha sido possível, pois, em comparação com a terapia insulínica, os
hipoglicemiantes orais provocam mais efeitos colaterais, como hepatotoxicidade,
êmese e episódios de hipoglicemia esporádicos.

A dieta é utilizada tanto como terapia quanto para manutenção do quadro de remissão,
e se baseia em uma dieta pobre em carboidratos, fazendo com que as demandas por
produção de insulina pelas células betas sejam diminuídas, o que permite que possam
se recuperar. A dieta também tem o objetivo de perda de pesos em animais obesos,
já que a obesidade diminui pela metade a sensibilidade insulínica. Assim, é parte da
terapia fazer com que esses animais atinjam um peso considerado ideal para a espécie.

Devido ao efeito tóxico da glicemia aumentada no organismo, o tratamento também


deve ter como objetivo diminuir esses efeitos deletérios, corrigindo a hidratação e
os sinais clínicos que esses animais estiverem apresentando. Dessa forma, com um
tratamento concomitante dos sinais clínicos com a estabilização da glicemia sérica, será
possível obter a remissão do quadro de diabetes mellitus felina. A remissão só é possível
se houver células β remanescentes funcionais.

É importante lembrar que a demora no diagnóstico do quadro pode favorecer que


os felinos se tornem diabéticos insulinodependentes. Esse fato é muito relatado
principalmente em animais que chegam para atendimento com sinal clínico neuropático
ou postura plantígrada (Figura 6), pois a glicotoxicidade sobre as células β causa a sua
destruição irreversível. Sendo assim, nesses casos, não se consegue uma remissão do
quadro diabético, mas um controle dos sinais clínicos e da qualidade de vida. Os felinos
permanecem sem sinais clínicos com uma glicemia de até 270 mg/dL.

Figura 6. Felino com diabetes mellitus e postura plantígrada.

Fonte: http://portalvet.royalcanin.com.br/artigo.aspx?id=124.

43
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Os tutores de felinos devem estar cientes sobre a doença, bem como a maneira de
monitorar seus animais em casa. Devem aferir a glicemia por meio do glicosímetro
e acompanhar os sinais clínicos em animais que estão estabilizados. Caso ocorra o
aumento da ingestão de água e o aumento da micção, os tutores devem saber identificar,
pois isso é um ótimo parâmetro para evidenciar a desestabilização do quadro diabético.

Quando falamos em remissão diabética em felinos, não significa que o animal


obteve a cura, mas que os sinais clínicos e a glicemia foram controlados apenas
com manejo, sem a necessidade do uso de terapia insulínica. Denominamos
esse estado de euglicêmico.

Sinais clínicos
Os sinais clínicos clássicos incluem emagrecimento progressivo, poliúria, polidipsia e
polifagia. Com a cronicidade do quadro, os animais podem apresentar catarata bilateral
(Figura 7), anorexia, desidratação, hálito cetônico, convulsão, estado comatoso, pelagem
sem brilho e opaco, perda de pelos e seborreia.

Animais com quadros graves de hiperglicemia podem apresentar cetoacidose diabética;


condição grave que pode levar a óbito rapidamente se não controlada.

Figura 7. Cão macho com catarata bilateral secundária ao diabetes mellitus.

Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico se baseia nos sinais clínicos associados à hiperglicemia em jejum e à
glicosúria persistente.

44
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

A seguir, descreveremos os principais exames pedidos e quais alterações são esperadas


em cada um deles:

» Hemograma: em geral, o eritrograma estará normal e pode ser


encontrado leucocitose por neutrofilia no leucograma.

» Bioquímicos: as maiores alterações são encontradas nos exames


bioquímicos, com presença de soro lipêmico por hipercolesterolemia
e hipertrigliceridemia, hiperglicemia grave e aumento das enzimas
hepáticas. Alterações renais podem ser notadas dependendo da gravidade
do quadro.

» Urinálise: no exame de urina tipo 1, será observada a presença de


glicosúria, proteinúria, corpos cetônicos e bacteriúria.

» Ultrassom: o ultrassom é usado mais como uma ferramenta


complementar para descartar causas primárias da resistência insulínica,
como um hiperadrenocorticismo, e para avaliação de doenças
concomitantes, como uma doença renal, mas não como diagnóstico de
diabetes mellitus.

» Hemoglobina glicosilada/frutosamina: ambos os exames são de


grande valia não só para diagnóstico, mas como para avaliação da resposta
do paciente à terapia adotada, pois, como já mencionado anteriormente,
representam as variações glicêmicas ocorridas nos últimos 21 dias. Dessa
forma, resultados de frutosamina, entre 350-450 µmol/L, demonstram
controle favorável; entre 450-550 µmol/L, controle moderado; e
superiores a 550-600 µmol/L, um controle desfavorável. Desse modo, é
necessário reavaliar a terapia instituída.

Animais idosos têm maior chance de apresentar quadro renal crônico e


esse quadro pode gerar presença de glicose na urina. Uma forma prática de
diferenciar lesão renal e quadro de diabetes mellitus é a seguinte: glicosúria com
hiperglicemia sérica, positivo para DM; glicosúria sem presença de hiperglicemia
sérica, doença renal.

Tratamento do diabetes mellitus


O objetivo do tratamento é a estabilização da glicemia sanguínea, mas não é só isso,
pois também tem o intuito de corrigir os sinais clínicos causados por essa hiperglicemia
e, principalmente, evitar as complicações geradas pelo quadro de diabetes mellitus.

45
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

A terapia inclui insulinoterapia injetável, dieta restritiva, exercícios e suplementações


que auxiliem no metabolismo do carboidrato. A seguir, comentaremos um pouco sobre
cada um desses tratamentos.

Insulinoterapia

Conhecer os tipos de insulinas existentes no mercado e sua aplicação na rotina clínica


hospitalar é de extrema importância. As insulinas são classificadas pelo seu tempo
de ação e duração e são divididas em insulina de ação rápida e curta (regular), ação
intermediária (NPH) e ação lenta e prolongada (PZI).

Quando falamos em controle glicêmico, prioriza-se o uso das insulinas de ação e duração
intermediária, que são as insulinas NPH. Seu efeito tem duração, em média, de 12 horas,
começando com uma dose de 0,5 un/kg/BID/SC sempre após a alimentação. Nos casos
em que o paciente não se alimenta, a dose deve ser diminuída ou não aplicada, e deve-se
investigar a causa da anorexia.

Para identificar a dose correta que deve ser usada em casa paciente, um exame
denominado curva glicêmica deve ser realizada. A estabilização da glicemia ocorre de
3 a 6 meses após o diagnóstico do diabetes mellitus e os tutores devem estar cientes
e instruídos sobre o manejo da insulina e do glicosímetro. O objetivo é manter um
controle glicêmico aceitável; a glicose entre 100- 250 mg/dL sem sinais clínicos.
Como já mencionado, exames regulares devem ser realizados para monitorar a terapia,
sendo a frutosamina e a hemoglobina glicosilada os exames de escolha.

Curva glicêmica
Uma dúvida frequente é em relação à dose correta de insulina para que o paciente
obtenha o controle glicêmico e, para chegar a essa resposta, o exame de curva glicêmica
deve ser realizado. A curva glicêmica é a avaliação seriada da concentração sérica
da glicose após a administração da insulina, a cada 1 ou 2 horas, com a finalidade de
determinar qual é a dose eficaz de insulina para determinado paciente, o nadir da
glicose e a flutuação da glicose sanguínea no animal.

Execução do exame: inicia-se com uma coleta da glicemia em jejum. Após, é fornecida
alimentação para o paciente e aplicado 0,5 UM/KG/SC de insulina. Aguarda-se
2 horas, uma nova aferição da glicemia é realizada e assim consecutivamente por 12
horas no total, formando-se a curva glicêmica. Com essa curva, será obtido o nadir, que
é a menor concentração de glicose no organismo após a aplicação da insulina, e se a
menor dose está sendo capaz de manter a glicemia controlada. Se o nadir for superior
a 144 mg/dL, a dose de insulina deve ser aumentada. A duração desejada do efeito da
46
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

insulina é de 12 horas, antes da administração de uma nova dose de insulina. A curva


glicêmica é também utilizada sempre que há a necessidade de reajustar a dose de um
paciente, já em tratamento, que teve recidiva dos sinais clínicos.

Manejo do paciente e suplementação


Animais com diabetes mellitus devem ter uma dieta restritiva, com o ajuste calórico
que necessitam, para controlar a obesidade e diminuir as flutuações da glicose sérica
pós-prandial. As dietas ricas em fibras e com carboidratos complexos são as mais
indicadas. As fibras servem para aumentar a saciedade e ajudam na perda de peso e no
retardo da absorção da glicose pelo organismo. A alimentação pode ser comercial, pois já
existem muitas rações prontas e balanceadas para pacientes diabéticos, ou alimentação
natural, desde que seja elaborado por um médico veterinário nutrólogo. Em animais
diabéticos em estado de caquexia, a alimentação deve ser utilizada com cautela.

Os animais diabéticos precisam ter uma rotina de exercícios físicos, de preferência


sempre realizados no mesmo horário. Essas atividades podem ser passeios diários,
como caminhadas, desde que ocorram sempre em horários frescos e que seja
disponibilizada água durante o trajeto para esses animais. O ideal é iniciar com
caminhadas de curto período para que o animal se adapte.

Os suplementos têm uma ação complementar positiva no tratamento do diabetes


mellitus, sendo que a L-Carnitina e o Cromo são os mais utilizados. A L-carnitina auxilia
na oxidação dos ácidos graxos, protegendo a musculatura do catabolismo, além de evitar
a acidose e a cetogênese. Já o Cromo aumenta a capacidade da insulina de armazenar
glicose. Suspeita-se que pessoas com diabetes percam a capacidade da conversão do
cromo inorgânico na sua forma ativa, sendo necessária a sua suplementação por via
oral. Possivelmente esse mesmo quadro ocorre nos animais, de modo que é positiva a
suplementação oral de cromo nos animais diabéticos.

Complicações e prognóstico
As complicações mais comuns resultantes do diabetes mellitus são cetoacidose
diabética, crises de hipoglicemia, efeito Somogyi, infecções bacterianas, neuropatia
diabética e dermatopatia diabética, que comprometem a qualidade de vida e impactam
na longevidade desses animais.

Cetoacidose diabética
A cetoacidose diabética é uma emergência relativamente comum que ocorre com
pacientes diabéticos, e muitos só são diagnosticados com quadro de diabetes após

47
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

desenvolverem o quadro de cetoacidose diabética. A cetoacidose diabética ocorre devido


à formação exacerbada de corpos cetônicos no fígado, associada à acidose metabólica, e
à desidratação grave, que evolui para choque e leva o animal a óbito.

A deficiência de insulina compromete a metabolização hepática dos lipídeos no


fígado e, dessa forma, os ácidos graxos provenientes do metabolismo dos lipídeos não
conseguem se transformar em triglicerídeos, transformando-se em acetil coenzima A.
Essa coenzima se acumula no fígado, onde se transforma em acetoacetil-CoA e depois
em ácido acético, acarretando a produção de cetonas no fígado, como acetoacético,
ß- hidroxibutirato e acetona, os quais serão acumulados na corrente sanguínea e causarão
a perda de eletrólitos e água na urina. Essa perda causará hipovolemia, desidratação,
azotemia pré-renal, acidose metabólica e maior acúmulo de cetonas séricas, e todo esse
estresse no organismo irá liberar cortisol, o que aumentará mais ainda a hiperglicemia
e agravará o quadro.

É um quadro emergencial e deve ser tratado a fim de evitar o agravamento e a evolução


para óbito. Sendo assim, a prioridade é o reestabelecimento hidroeletrolítico e ácido-básico
e o controle da hiperglicemia. A fluidoterapia de escolha é a solução salina 0,9%, a qual
corrigirá a desidratação e reduzirá a hiperglicemia em razão de aumentar a filtração
glomerular. Como terapia insulínica, é utilizada insulina regular, a qual tem rápida
ação e curta duração e pode ser feita por infusão contínua lenta no soro ou aplicada via
intramuscular. O objetivo é conseguir um rápido controle dessa hiperglicemia grave.

Devido ao quadro estar acompanhado de acidose metabólica, uma hemogasometria


deve ser solicitada para verificar o pH sanguíneo e a necessidade de correção com
bicarbonato de sódio. Os eletrólitos sódio, potássio e fósforo devem ser avaliados para
que seja feita a sua suplementação. Concomitantemente, o tratamento suporte pra
êmese, proteção gástrica e analgesia deve ser realizado.

Hipoglicemia

A complicação mais grave da insulinoterapia é a hipoglicemia, pois a hipoglicemia


grave pode levar o animal a óbito rapidamente. Uma das recomendações é não manter
o animal diabético com seu nível sérico de glicose próximo ao normal, pois o risco
de entrar em uma crise hipoglicêmica é grande, e a hipoglicemia prolongada leva à
depressão do centro respiratório e resulta em morte.

A glicemia sérica abaixo de 60 mg/dl em um paciente diabético já caracteriza um


quadro de hipoglicemia que necessita ser corrigido. A correção ocorre por meio da
administração intravenosa lenta de glicose 50%. Após reestabelecer a glicemia, o ideal
é que seja realizada nova curva glicêmica para um recálculo da dose de insulina que está
48
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

sendo administrada no paciente. É importante conversar com o tutor caso haja algum
erro na administração da insulina, como, por exemplo, dose aumentada ou jejum do
paciente, que possa ter desencadeado o quadro. É importante sempre conscientizar o
tutor sobre a gravidade da hipoglicemia, ensiná-lo a reconhecer o quadro e instruí-lo
a ter em casa mel ou xarope de glicose para que, em casos de sinal clínico de hipoglicemia,
administre tais substâncias por via oral, até que consiga chegar ao atendimento médico
veterinário.

O efeito Somogyi, outra complicação que pode ser vista em pacientes diabéticos,
resulta de uma resposta fisiológica normal a um quadro de hipoglicemia por excesso de
insulina. Quando a insulina chega a níveis menores de 60 mg/dl, o organismo estimula
a glicogenólise hepática e a secreção de hormônios diabetogênicos para compensar essa
hipoglicemia e provocar a hiperglicemia pelas próximas 12 horas. O diagnóstico se dá
pelo quadro de hipoglicemia < 65 mg/dl, seguido de uma hiperglicemia > 300mg/dl,
após 24 horas da aplicação da insulina. Nessas situações, deve-se realizar a diminuição
da dose aplicada e, nos casos em que uma alta dose de insulina está sendo administrada, o
animal deverá passar por uma nova curva glicêmica para que seja possível reestabelecer
uma dosagem que não desencadeie hipoglicemia.

Outras complicações

A catarata diabética é uma das complicações mais comuns e ocorre devido à penetração
da glicose no cristalino através do humor aquoso. Essa glicose em excesso será
metabolizada e transformada em frutose, a qual atua como um agente hidrofílico
causando uma tumefação e ruptura das fibras do cristalino, o que leva à formação da
catarata, que é um processo rápido e irreversível e provoca a cegueira no animal. Uma
tentativa de melhora do quadro da cegueira é por meio da cirurgia de catarata, mediante
a retirada do cristalino. Porém, como a catarata diabética predispõe a uveítes, muitas
vezes isso torna inviável esse procedimento.

Outra complicação que pode ocorrer em pacientes diabéticos é a pancreatite.


Muitas vezes a pancreatite antecede o DM, pois é a destruição das ilhotas pancreáticas
pela pancreatite que gera um quadro de diabetes. Outra causa que leva à pancreatite é
a hiperlipidemia; alteração comum encontrada em pacientes diabéticos. O tratamento
suporte deve ser sempre realizado em quadros de pancreatite associados ao diabetes
mellitus.

Pacientes com diabetes têm predisposição a desenvolver infecções bacterianas, e


isso se deve ao fato de a glicose diminuir a resistência bacteriana do organismo por
meio da diminuição da fagocitose, da desnutrição celular e da má circulação, o que

49
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

promove crescimento bacteriano. Os principais quadros infecciosos que acometem


os pacientes diabéticos são as infecções respiratórias, de trato urinário e de pele. A
pele ainda pode apresentar outras lesões, como seborreia, adelgaçamento, alopecias,
xantomatose e demodiciose, devido à chamada dermatopatia diabética, que ocorre pela
imunossupressão e alteração no metabolismo dos lipídeos e das proteínas que o quadro
de diabetes mellitus ocasiona.

A hepatomegalia é um achado frequente nos exames desses animais e, em geral, ocorre


por um quadro de lipidose hepática, já que a diminuição da insulina circulante altera o
metabolismo dos lipídeos e faz com que estes se acumulem no fígado. Geralmente, após
o quadro diabético ser compensado com um bom controle glicêmico e dieta adequada,
há a reversão dessa hepatomegalia. Outros órgãos que sofrem com os efeitos deletérios
da hiperglicemia são os rins. Conhecida como nefropatia diabética, caracteriza-se
pela hipertensão intraglomerular crônica e hiperperfusão renal. O animal desenvolve
proteinúria severa, azotemia e uremia, e com o agravamento do quadro ocorre a fibrose
dos glomérulos, que desencadeia um quadro de insuficiência renal com oligúria e
posterior anúria, e resulta em óbito do animal.

Neuropatia diabética é mais observada em felinos, mas cães podem desenvolver a


polineuropatia. De etiologia ainda não elucidada, acredita-se que o acúmulo de sorbitol
nas células Schwann podem comprometer a condução nervosa. Os sinais clínicos mais
visualizados são a postura plantígrada, a paraparesia progressiva com hiporreflexia e a
atrofia muscular distal do membro pélvico e torácico. O controle glicêmico favorece o
controle desses sinais clínicos, que acabam sendo corrigidos com o tempo.

50
CAPÍTULO 3
Hiperparatireoidismo secundário
a doença renal

Neste capítulo, abordaremos um quadro metabólico que ocorre secundário à doença


renal crônica, um quadro comum em pacientes idosos. Para recapitular, a doença renal
crônica se caracteriza pela perda da função renal e os rins tornam-se incapazes de
realizar suas funções de síntese, regulação e excreção de metabólitos.

Uma das consequências dessa perda de função renal é a diminuição da produção


de eritropoietina e calcitriol, que leva a um quadro de anemia arregenerativa e a
alterações no metabolismo de fósforo e cálcio. Isso desencadeia um quadro chamado
hiperparatireoidismo secundário, o qual iremos comentar ao longo deste capítulo.

Fisiopatologia
O hiperparatiroidismo renal secundário ocorre como uma progressão do quadro de
insuficiência renal, por meio da hipocalcemia, da deficiência de vitamina D e da retenção
de fósforo. Essa hiperfosfatemia inibe a produção de calcitriol, o qual, associado ao
quadro de hipocalcemia, estimulará as glândulas paratireoides.

As glândulas paratireoides são responsáveis pela regulação da concentração sanguínea


de cálcio sanguíneo, porém, em razão da retenção de fósforo devido ao quadro de
insuficiência renal, há a falha na produção de vitamina D e falha na absorção intestinal
do cálcio, o que leva à hipocalcemia, estimulando assim a produção de paratormônio.
As glândulas paratireoides irão secretar o paratormônio (PTH) em grande quantidade
para manter a homeostase do cálcio, o PTH causará a desmineralização óssea,
promoverá a calcificação dos tecidos moles e ocasionará a deposição de cálcio no
parênquima renal, acarretando a perda de mais néfrons e agravando a doença renal.

A osteodistrofia é uma tentativa de manter a homeostase do cálcio e do fósforo, em que


há a substituição do tecido ósseo por tecido fibroso, sendo o quadro da mandíbula de
borracha o mais conhecido. Além disso, o aumento sérico do PTH altera a função dos
leucócitos, diminui a eritropoiese, lesiona as células hepáticas, reduz a contração do
músculo cardíaco, leva à intolerância à glicose, à hiperlipidemia e a quadros pruríticos.

Sinais clínicos
Os sinais clínicos incluem os sintomas encontrados em paciente com insuficiência
renal, como poliúria, polidipsia, hiporexia, apatia, emagrecimento progressivo, êmese,
51
UNIDADE II │ DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

mucosas hipocoradas, pelagem opaca e sem brilho, hálito urêmico, úlceras em cavidade
oral ou necrose em ponta de língua e deformidades faciais decorrentes da osteodistrofia
(Figura 8).

Figura 8. Cão labrador: região maxilar aumentada em decorrência de osteodistrofia fibrosa.

Fonte: http://www.fmv.ulisboa.pt/spcv/PDF/pdf6_2014/51-56.pdf.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico do hiperparatireoidismo renal inclui o histórico clínico, os sinais clínicos
e os resultados dos exames laboratoriais e complementares de imagem. A seguir,
descreveremos os principais exames pedidos e quais alterações são esperadas em cada
um deles:

» Hemograma: no hemograma é encontrado um quadro de anemia


arregenerativa, principalmente. Os leucócitos podem estar aumentados ou
diminuídos se houver um quadro inflamatório/infeccioso concomitante.

» Bioquímicos: nos bioquímicos há o aumento de creatinina e ureia,


aumento de ALT, aumento de sódio e diminuição de potássio, diminuição
de cálcio e aumento de fósforo.

» Urinálise: as alterações mais frequentes encontradas na urinálise são


a diminuição da densidade urinária (< 1,025), a proteinúria e relação
proteína-creatinina urinária aumentada.

» Ultrassom: o ultrassom permitirá avaliar a morfologia renal, em que


será visualizada a perda da relação cortimedular renal e a presença de
mineralização nos rins devido à deposição de cálcio.

» Radiografia: nos casos em que já ocorreu a substituição de 30-50%


de tecido ósseo por tecido fibroso, a radiografia simples será capaz de
evidenciar as mudanças de mineralização óssea (Figura 9).

52
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E METABÓLICOS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE II

» Paratormônio intacto sérico (PTHi): estará aumentado, mas sempre


deve ser associado aos demais exames, principalmente à concentração
sérica de cálcio.

Figura 9. Imagem radiográfica craniana: osteopenia da mandíbula e maxila com aparência sugestiva de perda
da sustentação óssea dos dentes (setas).

Fonte: http://www.fmv.ulisboa.pt/spcv/PDF/pdf6_2014/51-56.pdf.

Tratamento e prognóstico
Não existe um tratamento específico para o hiperparatireoidismo renal, o que se
preconiza é o tratamento suporte da doença renal mediante o controle hidroeletrolítico,
o controle das alterações renais e o controle dos sinais clínicos, visando proporcionar
uma melhor qualidade de vida ao paciente.

Os animais podem ter uma sobrevida de dias até dois anos após o diagnóstico do
hiperparatireoidismo, o que dependerá exclusivamente do estágio da doença renal no
qual o animal se encontra e como organismo dele responderá à terapia suporte.

53
DOENÇAS
DERMATOLÓGICAS EM UNIDADE III
ANIMAIS JOVENS

CAPÍTULO 1
Impetigo em cães

Caracteriza-se como um piodermite superficial, que polpa folículos pilosos e acomete,


principalmente, filhotes com idade inferior a 6 meses. Não apresenta predisposição
racial e nem sexual.

Fisiopatologia
Seu aparecimento está relacionado ao processo inflamatório que se instala devido ao
acúmulo de fezes e urina em áreas cutâneas, principalmente na região abdominal.
Além disso, relata-se alto parasitismo intestinal, desnutrição por manejo alimentar
errôneo, doenças virais e manejo sanitário deficiente do local onde os filhotes
se encontram.

Sabe-se também que essas infecções bacterianas são, em sua maioria, de origem
estafilocócicas, e os estafilococos por sua vez liberam toxinas que agem sobre as
desmogleínas 1 (DSG 1), causando a formação de vesículas bolhosas; quadro semelhante
ao que ocorre no pênfigo foliáceo.

Outras bactérias que podem estar envolvidas no quadro de impetigo são as Pseudomonas
spp., Escheria sp. e Enterobacter sp.

Sinais clínicos
Os sinais clínicos predominantes do impetigo são as pústulas com conteúdo amarelado
ou esbranquiçado, pápulas eritematosas, crostas melicéricas e colarinhos epidérmicos.
Podem estar acompanhadas de prurido e lambeduras leves a moderadas (Figura 10).

54
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Figura 10. Imagem de um cão jovem com a formação de pústulas (círculo) secundárias à dermatite superficial.
Nota-se a presença de crostas melicéricas decorrentes do rompimento dessas pústulas.

Fonte: elaborada pela autora.

A topografia lesional evidencia a formação dessas pústulas principalmente em região


abdominal, mais especificamente em região hipogástrica e mesogástrica, as quais estão
sempre em contato com o chão, com fezes e urina, o que predispõe o aparecimento
nessa região. Porém, podem se estender para a região interna dos membros pélvicos,
da virilha e da região axilar.

Devido às pústulas serem de fácil rompimento, muitas vezes os tutores podem relatar o
aparecimento de uma espécie de “bolha de pus ou espinha”, mas no exame clínico apenas
serão visualizadas a lesão papular e as crostas melicéricas. Um dado importante que
ajudará a diferenciar se é uma piodermite ou foliculite que o animal está apresentando
é a presença ou não de pelos nessa lesão. No impetigo, por não ter acometimento de
folículo piloso, a lesão estará restrita à pele, sem presença de pelo no centro da lesão ou
na pústula.

Como uma das causas é doença viral e parasitária, uma boa anamnese e exame físico
devem ser realizados para determinar a causa do quadro. Em paciente com sinais
clínicos sistêmicos concomitantes ao dermatológico, é necessário investigar as causas
virais, como parvovirose e cinomose e parasitismo intestinal.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico ocorre por meio da história clínica, dos sinais clínicos e dos exames
complementares. Sempre devem ser descartadas causas sistêmicas. A seguir,
descreveremos os exames que devem ser solicitados:

» Hemograma: no hemograma podem ou não ser observadas alterações,


dependendo se há ou não doenças virais e parasitarias como causas

55
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

primárias. Em quadros de parasitismo intestinal, o eritrograma pode


apresentar anemia leve a moderada com diminuição de plaquetas; já
no leucograma, os eosinófilos costumam estar aumentados. Em caos de
doenças virais, o leucograma apresenta-se com leucopenia, neutropenia
e linfopenia, e pode ou não estar associado com o aumento das proteínas
plasmáticas por desidratação.

» Bioquímicos: em geral, nos quadros virais ou parasitários, não há


alteração nos exames bioquímicos. Dependendo do grau de desidratação,
o animal pode apresentar aumento de ureia e creatinina e, em casos de
hepatite viral, aumento de enzimas hepáticas.

» Coproparasitológico: em casos de parasitismo intestinal será possível


visualizar ovos dos parasitas no exame coproparasitológico.

» Citologia: a citologia deve ser realizada com pústula íntegra, em que


será visualizada a presença de bactérias cocoides e células acantolíticas
(Figura 11).

Figura 11. Imagem microscópica 100x em óleo de imersão, na qual se evidencia a presença de células
acantolíticas (seta) e de bactérias cocoides (círculos) na análise de uma pústula intacta secundária à piodermite.

Fonte: elaborada pela autora.

Os diagnósticos diferenciais incluirão principalmente as doenças sistêmicas como


parvovirose, cinomose, hepatite infecciosa canina, giardíase, parasitismo intestinal,
hemoparasitose e foliculite bacteriana.

Tratamento e prognóstico
O tratamento irá variar de acordo com a causa primária e a gravidade das lesões em
relação às pústulas. Na maioria das vezes, o tratamento tópico com shampoo antisséptico
e spray com antibióticos é suficiente para o controle da infecção. Nos casos em que as

56
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

lesões não são controladas, a antibioticoterapia pode ser adotada. O fármaco de escolha
é a cefalexina, porém, por serem animais muito jovens, o uso de antibioticoterapia oral
é desencorajado.

A recomendação é sempre tentar controlar o quadro por meio de shampoos à base de


clorexidina na frequência de banhos a cada 3 dias, por 2 semanas, e após, a cada 7 dias,
até o controle completo das pústulas. Em animais muitos novos, pode-se pedir para
realizar a higienização apenas das áreas acometidas.

Nos casos de doenças sistêmicas, o tratamento suporte deve ser adotado concomitante
ao tratamento das lesões pustulares. Em animais com acometimento sistêmico grave, o
tratamento por meio de banhos deve ser desconsiderado.

A nutrição clínica desses animais deve ser revisada, dando prioridade para alimentações
balanceadas, como as super premium e premium. O uso de imunoestimulantes
se mostra benéfico para melhorar a condição clínica desses animais, como o uso de
suplementos comerciais com spirulina em sua composição.

Outro fator de extrema importância é o manejo sanitário do local onde o filhote fica.
O tutor deve ser instruído a realizar a higiene do ambiente com o uso de desinfetantes
comerciais à base de amônia quaternária, deve limpar os brinquedos e comedouros dos
animais, recolher as fezes e limpar a urina do ambiente.

O protocolo de vacinação e vermifugação desses animais deve ser revisado,


conscientizando sobre a necessidade da profilaxia vacinal completa. Deve-se seguir o
protocolo de acordo com a idade do paciente, e a vermifugação mensal até o sexto mês.

Em geral, os animais sem acometimento sistêmico respondem positivamente ao tratamento,


com a resolução das pústulas em pouco tempo após a instituição do tratamento.

57
CAPÍTULO 2
Celulite juvenil

É uma doença vesículo-pustular incomum e rara, a qual acomete filhotes de cães de


três semanas a seis meses de idade. Caracteriza-se por granulomas ou piogranulomas
estéreis na pele, que afetam as junções muco-cutâneas faciais, assim como o pavilhão
auricular, e podem estar associadas a linfoadenopatias.

Não há predisposição sexual, porém cães das raças Teckel, Golden Retriever, Labrador
Retriever, Gordon Setter, Beagle e Pointer possuem uma predisposição racial. Sua
etiologia não está bem elucidada, mas acredita-se que esteja relacionada à reação de
hipersensibilidade e/ou doença viral.

Fisiopatologia
Como mencionado anteriormente, sua fisiopatologia ainda não está elucidada, mas
acredita-se que doenças virais como cinomose, parainfluenza e adenovírus tipo 2
possam estar envolvidas no desencadeamento do quadro clínico. Além disso, supõe-se
que má nutrição, manejo sanitário inadequado e verminoses também podem
desencadear o quadro.

Devido ao quadro ser caracterizado por pústulas estéreis que respondem positivamente
à corticoterapia, cogita-se a possibilidade de que falhas no sistema imune, ligadas à
predisposição racial, estejam envolvidas na fisiopatologia da doença.

Sinais clínicos
As lesões cutâneas incluem alopecia, edema, pápulas, pústulas, crostas e cicatrizes,
especialmente em pálpebras (Figura 12), lábios e região mentoniana. As lesões
cutâneas podem aparecer na extremidade de membros, no abdome, no tórax, no
pavilhão auricular, na vulva, no prepúcio e no ânus, mas não causam prurido como as
piodermites. Em geral, tem seu início abrupto com formação das vesículas pustulares
dentre 24 a 48 horas após o início das pápulas.

Quadros otológicos com secreção purulenta não pruriginosa, linfonodomegalia


submandibular e/ou abscedação dos linfonodos podem ocorrer concomitantes aos
sinais clínicos mencionados. Filhotes com grave acometimento dermatológico podem
apresentar febre, anorexia e apatia.

58
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Os animais também podem apresentar nódulos flutuantes e firmes pelo corpo, que,
ao serem drenados, apresentam conteúdo sanguinolento ou a presença de pus.
Essas lesões podem se apresentar não pruriginosas, mas com grau de dor moderado em
região de tronco, áreas prepuciais e perineais.

Figura 12. Paciente de 90 dias de idade, da raça Shih Tzu: edema palpebral, com presença de secreção
purulenta.

Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnóstico diferencial


O diagnóstico baseia-se em histórico clínico, padrão lesional, exame complementar de
citologia, histopatológico e exclusão dos diagnósticos diferenciais.

» Hemograma: por se tratar de filhotes, é sempre importante a realização


de um hemograma para descarte de doenças infectocontagiosas e, como
acompanhamento da terapia de imunossupressão, avaliar se o paciente
apresentará alterações importantes em hemograma.

» Bioquímicos: em geral, não apresentam alterações, mas servem como


exames de acompanhamento devido ao uso de terapia imunossupressora
em filhote.

» Exame parasitológico do raspado cutâneo: uma das causas que


mais acometem filhotes são as sarnas, por isso um raspado deve ser feito
para eliminar a causas parasitárias, como a demodiciose.

» Citologia: nesse caso, pode ser realizada para descartar a presença de


infecções bacterianas secundárias, além da citologia por aspirado de
agulha fina (CAAF) nos linfonodos, de modo que o conteúdo aspirado
será compatível com a inflamação supurativa e piogranulomatosa.

59
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

» Histopatológico: o padrão lesional se apresenta como uma dermatite


difusa, associada à paniculite sem a presença de microrganismos
infecciosos.

Os diagnósticos diferencias incluem piodermite profunda, demodiciose, piodermite


mentoniana, dermatofitose e angioedema.

Tratamento e prognóstico
Animais que apresentem acometimento sistêmico debilitante devem receber tratamento
suporte. Para os demais, a terapia de eleição é por meio da imunossupressão com
prednisona 2 mg/kg/24h até a remissão da sintomatologia, aproximadamente de 2 a 4
semanas. Após iniciar a fase de manutenção, iniciar a diminuição e o espaçamento da
corticoterapia lentamente para evitar recidiva.

Em razão de serem filhotes em terapia imunossupressiva, a antibioticoterapia por longo


período deve ser adotada, de modo que seja evitado o desenvolvimento de infecções
secundárias. Recomenda-se o uso de cefalexina 15-30 mg/kg BID enquanto estiver
sendo utilizado corticoide em dose imunossupressora (Figura 13).

Figura 13. Mesmo animal da figura anterior, após 15 dias de terapia imunossupressora à base de prednisolona.
Nota-se a resolução do edema palpebral.

Fonte: elaborada pela autora.

Devido à formação de crostas e secreções, a remoção mecânica com água e a limpeza


das lesões devem ser realizadas diariamente. A demora no diagnóstico e tratamento
dessa dermatopatia pode levar à formação de cicatrizes e o não tratamento pode levar
o filhote a óbito.

60
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Porém, em geral, o prognóstico é bom. Animais que têm uma resposta rápida a
corticoterapia em geral possuem um melhor prognóstico. Entretanto, animais cuja
terapia tem de ser prolongada costumam apresentar cicatrizes, porém estas tornam-se
apenas um problema estético.

61
CAPÍTULO 3
Dermatoses parasitárias e fúngicas
em filhotes

As dermatopatias mais frequentes, associadas a animais filhotes, são as de origem


parasitária, como as sarnas otodécica, notoédrica, escabiose e demodiciose, a
dermatopatia fúngica e dermatofitose.

Isso ocorre principalmente porque esses animais apresentam sistema imune em


desenvolvimento e por estarem em ambientes com vários outros animais, pois nascem
em ninhadas. Além disso, muitos ficam em condições de higiene insalubres ou são
abandonados, o que os expõe a esses quadros fúngicos e parasitários mais facilmente.

Neste capítulo, abordaremos um pouco cada uma dessas doenças citadas, em relação
aos sinais clínicos, ao diagnóstico e ao tratamento.

Sarna otodécica ou otocaríase

Fisiopatologia

A sarna otodécica também conhecida popularmente como sarna de ouvido, é uma


otopatia de origem parasitária causada pelo ácaro Otodectes cynotis, que acomete
principalmente filhotes de cães e gatos domésticos.

Esse ácaro é um ácaro não escavador, isto é, tem todo o seu ciclo e atividades ocorrendo
na superfície da epiderme dos condutos auditivos dos animais parasitados. Esses ácaros
se alimentam dos resíduos epidérmicos e fluidos teciduais da epiderme, lesionam o
epitélio e causam a inflamação das glândulas ceruminosas e a produção de mais
cerúmen. A transmissão ocorre por contato direto entre animais acometidos, sendo
altamente contagiosa.

Sinais clínicos

O sinal clínico mais visível é prurido otológico e excesso de secreção nos ouvidos.
Em muitos casos, a infestação pelo ácaro passa despercebida pelo tutor, de modo que a
sarna é diagnosticada no momento do exame físico prévio à vacinação, principalmente
quando o filhote foi recém-adquirido. Por isso, é importante o exame físico completo
antes do inicio do protocolo vacinal. O ácaro, em razão de ser muito ativo, causa
62
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

desconforto e prurido intenso e o paciente pode se mostrar com meneios cefálicos


e irritabilidade devido ao prurido otológico. Um sinal característico é a secreção
castanho-enegrecida, com aspecto de borra de café, e a presença de autotraumatismo
nos condutos (Figura 14).

Esses animais também podem apresentar reflexo-otopodal positivo, como ocorre na


escabiose. Nos casos em que a otocaríase está instalada por longos períodos, outros
sinais de otite podem ser visualizados, como alopecia dos pavilhões auriculares,
presença de odor forte em infecções bacterianas e fúngicas secundárias. Em casos mais
graves, há a presença de otohematoma.

Figura 14. Imagem de um conduto de felino filhote com secreção castanho-enegrecida e aspecto de borra de
café devido à otocaríase.

Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico ocorre por meio de histórico clínico, sinais clínicos, exame de otoscopia
e exame parasitológico do cerúmen.

» Otoscopia: esse ácaro é grande e pode ser visto facilmente através de


uma otoscopia simples. Observa-se pontos brancos ou transparentes em
movimento no conduto auditivo do animal parasitado.

» Vídeo-otoscopia: na vídeo-otoscopia, é possível observar com nitidez os


ácaros em movimento, fechando assim o diagnóstico de sarna otodécica
(Figura 15).

63
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

» Exame parasitológico do cerúmen: pode ser coletada amostra do


cerúmen por intermédio de um swab ou hastes flexíveis de algodão. Deve-
se coletar essa amostra em uma lâmina de vidro, para melhor observação
no microscópio. Dilui-se o conteúdo da amostra em óleo mineral para
facilitar a observação; o ácaro é visível facilmente em objetiva 4x e 10x
(Figura 16).

Figura 15. Visualização, através de vídeo-otoscopia, dos ácaros de Otodectes cynotis em conduto auditivo
externo.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 16. Visualização microscópica do ácaro Otodectes cynotis, coletado por swab.

Fonte: elaborada pela autora.

Tratamento e prognóstico

O tratamento inclui a limpeza dos condutos para a retirada de excesso de cerúmen e


tratamento antiparasitário otológico e tópico.

Comercialmente, são encontradas formulações prontas que incluem antibióticos,


antifúngicos, corticoides e antiparasitários. Contudo, é importante lembrar que a

64
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

maioria das fórmulas não incluem antiparasitários, por isso, antes de indicar um
produto otológico para o tratamento da otocaríase, é importante se certificar de que a
fórmula apresenta agentes acaricidas.

Entre os agentes acaricidas encontrados em fórmulas comerciais, destacam-se


permetrinas, carbaril, tibendazol, monossulfiram, organofosforados e ivermectina.
Em razão de o ácaro predispor à formação de cerúmen, e pelo fato de os acaricidas
matarem os ácaros dentro do conduto, lembre-se sempre de associar a limpeza prévia
com ceruminolítico, de preferência os que tenham ph fisiológico e sem ácidos em sua
formulação, para que não agridam os condutos já inflamados e para que seja feita a
retirada dos ácaros mortos.

Esses ácaros se movem bastante e podem, inclusive, ir para os pelos. Dessa forma,
associa-se um produto acaricida sistêmico, como as selamectinas, sarolaner, afoxolaner,
fluralaner. Por ser altamente contagioso, todos os animais contactantes devem ser
tratados com medicação tópica, mesmo que não estejam apresentando sinais clínicos.

Sarna sarcóptica e sarna notoédrica


A sarna sarcóptica é uma dermatose parasitária e que causa muito prurido nos cães.
É também chama de escabiose canina e popularmente conhecida como “sarna vermelha”,
causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei. É altamente contagiosa e acomete principalmente
filhotes e animais errantes. Tem caráter zoonótico, isto é, pode passar para os humanos.

A sarna notoédrica, também chamada de escabiose felina, acomete gatos e é altamente


contagiosa entre eles. É causada pelo ácaro Notoedres cati e, diferentemente da
escabiose canina, dificilmente será transmitida para cães e humanos.

Fisiopatologia

Como já mencionado, a sarna sarcóptica é causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei, o


qual tem seu ciclo de vida de 17 a 21 dias. Os ácaros fêmeas, depois de fertilizados,
escavam túneis pela camada córnea e granulosa, onde depositam seus ovos. Esses ovos
eclodem e também cavam túneis para irem para a superfície, onde irão se alimentar de
debris celulares. Isso explica o prurido intenso e a descamação que vemos clinicamente
nos animais acometidos. A transmissão ocorre por contato direto, por meio de
instrumentos e utensílios contaminados, e tem grande incidência em canis e locais com
grande acumulação de animais e com higienização precária. Gatos também podem ser
acometidos se estiverem em ambientes com cães infectados.

65
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

A sarna notoédrica acomete felinos com menos de um ano de idade e felinos que
vivem em situação de rua, em locais de superpopulação ou com falta de higiene.
O ácaro Notoedres cati é parasita obrigatório e sobrevive apenas poucos dias fora do
hospedeiro. A transmissão é por contato direto ou indireto, através dos fômites, já
mencionados na sarna sarcóptica. O ácaro desencadeia um processo alergoinflamatório
no animal acometido e causa um prurido intenso contínuo. Essa é considerada uma das
dermatopatias mais pruriginosas que acomete os felinos.

Sinais clínicos

O sinal clínico mais importante da sarna sarcóptica é o prurido, o qual causa escoriações
devido o autotraumatismo. Os ácaros têm predileção por áreas glabras e com poucos
pelos e pode ser observada uma distribuição topográfica nos casos agudos de escabiose.
As regiões mais acometidas são as regiões de borda de orelha, nas articulações
úmero-radio-ulnar e tíbio-tarso-fibular, onde serão vistas descamação e hiperemia,
pápulas eritematosas, crostas melicéricas ou hemáticas e formação de lesões
pustulares. Nos casos crônicos, podem ser observadas lesões crostosas importantes,
hiperqueratóticas e lignificadas, muitas vezes deformando o pavilhão auricular
do animal acometido (Figura 17 e Figura 18). Outro sinal clínico que é observado
em animais com sarna é a seborreia e um odor rançoso, e isso se deve à produção
exagerada de gordura devido ao trauma constante que os ácaros causam à epiderme.

As escoriações provocadas pelo prurido podem predispor à formação de infecções


bacterianas e fúngicas secundárias. Com o decorrer do quadro, os animais podem se
tornar debilitados, prostrados, com aumento de linfonodos, anorexia e hipertermia.
Quadros subclínicos também podem ser observados, com o prurido sendo o único sinal
clínico descrito pelo tutor.

Na sarna notoédrica, os principais sinais clínicos incluem lesões papulares, eritematosas


e crostosas, principalmente em região de pavilhão auricular, hipotricose e eritema
pré-auricular, lesões em região cefálica e cervical. Devido à forma como os gatos
dormem enrolados, proporcionando um contato direto em região facial e de membros
anteriores, podem ser observados traumas por autoescoriações (Figura 19).

Em casos mais crônicos, as lesões se tornam extremamente crostosas e deformantes


na região facial, e pode haver presença de úlceras de córnea devido ao prurido em
região facial, prostração, apatia, linfadenopatia e hipertermia; sinais muito similares
da escabiose em cães. Em humanos, muitas vezes não se faz necessário o tratamento
para a sarna notoédrica contraída dos felinos, pois tendem a ser autolimitantes cerca de
duas semanas após o início do tratamento do animal acometido.

66
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Figura 17. Paciente com borda de orelha apresentando hipotricose, sangramento por autotraumatismo. A região
de borda de orelha é um dos locais de eleição para coleta de exame parasitológico de raspado cutâneo.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 18. Lesão alopécica, eritematosa, com presença de hiperqueratose e descamação em região
tibiotarsofibular.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 19. Felino com sarna notoédrica em fase inicial. É possível observar a alopecia e eritema em região pré-
auricular.

Fonte: elaborada pela autora.

É importante sabermos reconhecer a apresentação clínica em humanos, pois isso irá


nos auxiliar no diagnóstico e também na correta orientação do tutor sobre a necessidade
de procurar um atendimento médico dermatológico. Em humanos, são observadas
pápulas principalmente em regiões de contato com o animal, como braço, antebraço e
região de abdome. O prurido constante também é relatado (Figura 20).

67
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Figura 20. Criança acometida por sarna sarcóptica, lesões papulares, eritematosas em região de contato com
animal infectado.

Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico baseia-se no histórico clínico, na anamnese, nos sinais clínicos do paciente


e no exame do raspado de pele. O exame parasitológico do rapado cutâneo (EPRC) é
considerado o teste ouro no diagnóstico da sarna sarcóptica; é um exame simples, de
fácil execução e baixo custo, o qual pode ser realizado no momento da consulta. Nesse
raspado, não há a necessidade de raspar profundamente a pele, pois o ácaro vive na
superfície, de modo que um raspado superficial é suficiente para conseguir avaliar se há
ou não a presença de ácaros na pele (Figura 21). Recomenda-se que a coleta seja sempre
em regiões com mais lesões, pois as chances de visualização do ácaro na lâmina se
tornam maiores. Esse exame vale tanto para o diagnóstico da sarna sarcóptica quanto
para a sarna notoédrica.

Figura 21. Visualização microscópica do ácaro Sarcoptes scabiei no exame parasitológico do raspado cutâneo
superficial.

Fonte: elaborada pela autora.

Outro exame muito simples é o chamado reflexo otopodal positivo, em que é realizada a
fricção da borda de orelha e o animal responde movimento o membro pélvico ipsilateral
68
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

ao tentar coçar a região. Todavia, esse sinal positivo não é patognomônico da sarna
sarcóptica ou notoédrica, pois animais com piodermite, otocaríase, seborreia e demais
dermatopatias pruriginosas podem apresentar essa mesma reação positiva ao avaliar o
reflexo otopodal.

Outro exame que pode ser solicitado é o histopatológico, porém, devido à facilidade de
descarte do quadro pelo diagnóstico clínico, não é tão utilizado na nossa rotina. Mas as
alterações observadas incluem intensa acantose com espongiose, hiperqueratose
paraqueratótica, presença de infiltrado inflamatório perivascular, presença de
linfócitos e eosinófilos, porém, em relação à visualização do ácaro, é mais comum serem
visualizados em biópsias de quadros de sarna notoédrica do que sarna sarcóptica.

É importante estar ciente de que, em cerca de 50% dos raspados, o resultado será
negativo, no entanto a suspeita de sarna sarcóptica não deve ser descartada,
principalmente se o paciente for filhote, se tiver histórico de baixa resposta ao
uso de corticoterapia, se tiver humanos contactantes com lesão, se tiver mais
de um animal na casa com os mesmos sinais clínicos, se for animal errante. Por
isso, o histórico clínico e a anamnese são tão importantes, pois muitas vezes
realizamos o diagnóstico clínico ou terapêutico baseados nos sinais clínicos e
não no achado do ácaro no raspado. Com a melhora do quadro, confirmamos o
diagnóstico de sarna sarcóptica ou notoédrica.

Tratamento e prognóstico

O tratamento de ambas as sarnas consiste em: associação de medicações acaricidas,


que podem ser oral, injetável ou tópica; banhos antissépticos ou sarnicidas; uso de
medicações para controle do prurido; e, em casos de infecções secundárias, uso de
antibioticoterapia. Entre as medicações acaricidas, destacam-se as lactonas macrolíticas
(ivermectina, selametina e moxidectina) e as moléculas mais atuais de isoxazolinas
(fluralaner, afoxolaner e sarolaner). Abaixo, descreveremos a dose e o tratamento para
cada uma delas:

» Ivermectina: utilizada na dose de 0,4 – 0,6 mg/kg V.O ou injetável


a cada 7 dias por 4 semanas. Importante: jamais deve ser utilizada
em animais pastores (australiano, ingleses, escoceses), Old English
Sheepdog, Collies, Border Collie, Pastor de Shetland, Bearded Collie e
mestiços, pois a ivermectina é tóxica a essas raças e, se administrada,
pode provocar a morte desses animais.

» Selamectina: seu uso é tópico, na frequência de duas aplicações no


intervalo de 15 dias.
69
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

» Moxidectina: 200-250 mcg/kg/ SC semanal por 4 semanas. No caso da


moxidectina, temos apresentação tópica comercialmente disponível com
associações, a qual deve ser usada duas doses no intervalo de 15 dias.

» Fluralaner: dose única por via oral.

» Afoxolaner: dose única por via oral.

» Sarolaner: dose única por via oral.

» Corticoterapia: quando associada ao tratamento acaricida, melhora a


qualidade de vida do animal pelo controle do prurido intenso. Seu uso
pode ser na dose de 0,5 -1 mg/kg/SID/V.O (prednisona/prednisolona)
por 5 dias. Dexametasona na dose de 0,2 mg/kg/ V.O. ou injetável
também pode ser utilizada.

» Tópico: banhos ou spray à base de monossulfiran podem ser utilizados


diariamente (spray) ou a cada 3 dias (banhos) na primeira semana, pois
proporcionam alívio do prurido, uma resposta mais rápida ao tratamento
e a diminuição das lesões crostosas em casos crônicos.

» Antibioticoterapia: o antibiótico de escolha para piodermites é a


cefalexina na dose de 20 -30 mg/kg BID por, no mínimo, 15 dias.

A higienização ambiental com produtos acaricidas como o amitraz deve ser realizada
semanalmente por 30 dias. Lembrar-se de tratar todos os contactantes, mesmo que
sejam assintomáticos, pois podem estar subclínicos e se tornarem fonte de reinfecção.
Os animais crônicos com sinais sistêmicos devem receber tratamento suporte para os
sinais clínicos que estiverem apresentando.

Como curiosidade, o tratamento em humanos, em geral, é com ivermectina em duas


doses no intervalo de 15 dias. No entanto, apenas o médico deve receitar e tratar esse
paciente; a nossa responsabilidade é conscientizar os tutores acometidos de que devem
ir ao médico para tratar de suas lesões.

Por mais que as isoxazolinas sejam de fácil administração e apresentem


ótimos resultados, é mais cara que os demais tratamentos. Nós, como médicos
veterinários, devemos sempre analisar as condições dos tutores e quantos
animais ele possui em casa, pois todos os animais devem ser tratados.
Muitas vezes, o tratamento que acaba sendo mais viável economicamente é o
da ivermectina, principalmente quando estamos tratando de ONGs, protetores
ou ambientes de superpopulação.

70
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Demodiciose canina
A demodiciose ou sarna demodécica, também conhecida popularmente como “sarna
negra”, é uma das sarnas mais comuns em cães e sua causa está relacionada à resposta
imunológica dos cães. Ocorre com maior frequência em filhotes devido a esse quadro.

É causada pelo ácaro Demodex canis; um ácaro escavador, o qual se localiza dentro dos
folículos pilosos e das glândulas sebáceas. Outros tipos de ácaros já foram relatados
na literatura, como o Demodex injai e o Demodex cornei, porém, devido à sua baixa
ocorrência, não iremos discorrer sobre eles. A seguir, abordaremos a sua etiopatogenia,
as suas apresentações clínicas, o seu diagnóstico e os seus tratamentos.

Fisiopatologia

Diferentemente de outras dermatopatias causadas por ácaros, a demodiciose


canina tem em sua patologia fatores genéticos envolvidos. Ocorre principalmente
em pacientes filhotes e em paciente com baixa imunidade, e não tem caráter
contagioso, exceto em filhotes neonatos. Alguns estudos defendem que a transmissão
para neonatos pode ocorrer no momento da amamentação, por um contato direto
prolongado com a mãe portadora do quadro de demodiciose, mas não por transmissão
transplacentária.

O ácaro Demodex canis é um ácaro comensal da pele, ou seja, presente na pele de todos
os animais, inclusive animais saudáveis. Contudo, devido à predisposição genética,
hereditária e imunológica, pode ocorrer seu supercrescimento e desencadear um
quadro clínico. São ácaros escavadores, localizando-se no folículo piloso e em glândulas
sebáceas, medem cerca de 0,2 mm de comprimento, são finos, possuem quatro pares de
patas e sua morfologia é bem diferente se comparada aos demais ácaros.

Seu ciclo ocorre todo na pele e dura cerca de 20 a 35 dias, dividindo-se em cinco fases;
a fase de ovos fusiformes, larval e protoninfas com três pares de patas, ninfas com
quatro pares de patas e fase adulta com a formação de cabeça, tórax e quatro pares
de patas. Em animais com quadros clínicos generalizados, é comum achar todas ou
quase todas as formas do ciclo na visualização microscópica do exame parasitológico
do raspado cutâneo.

Sinais clínicos
A sarna demodécica pode ser classificada, de acordo com a sua distribuição, em localizada
ou generalizada; e de acordo com a faixa etária na qual ocorre, em juvenil ou adulta.
Em razão de a demodiciose juvenil ser a mais comum, escolhêramo-la para o enfoque
71
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

dos nossos estudos. Abaixo, descreveremos os principais sinais clínicos encontrados


na demodiciose localizada e na demodiciose generalizada.
» Localizada: menos grave, caracteriza-se por uma ou até cinco lesões
alopécicas localizadas, secas, com descamação, com graus variados de
eritema e hiperpigmentação. As regiões de face são as mais acometidas e,
em geral, não são pruriginosas, exceto em quadros de infecção bacteriana
secundária.
» Pododemodicose: apesar de estar em um tópico separado, inclui-se em
um quadro de demodiciose localizado quando acomete apenas as patas,
limitando-se às regiões palmo-plantar, digital, periungueal e interdigital,
com edema, alopecia e eritema importante dessa região. Por vezes, com
um quadro de onicogrifose, descamação e exsudato sanguinolento ou
purulento associado. Os quadros podem acabar evoluindo para a forma
generalizada e acometer não só as patas, mas todo o corpo, como também
pode ser devido a uma sequela tardia de um quadro de demodiciose
generalizado (Figura 22).
» Generalizada: é a forma grave da doença e pode ter diferentes
apresentações clínicas, como alopecia generalizada, pele eritematosa ou
hiperpigmentada, pele hiperqueratótica, presença de pápulas e pústulas
devido à infecção secundária, presença de pele seborreica e xerótica,
com presença de inúmeros comedos e, em raros casos, pode-se ter a
presença dos ácaros em condutos auditivos; quadro este denominado
otodemodiciose. Frequentemente, esses animais com quadros crônicos de
demodiciose podem se apresentar prostrados, com hiporexia, hipertermia,
linfoadenomegalia e desidratação. Como os casos generalizados muitas
vezes predispõem a infecções generalizadas, o prurido intenso é um
relato comum por parte dos tutores (Figuras 23, 24 e 25).

A seguir, um atlas com fotos dos casos de demodiciose, evidenciando como as


apresentações clínicas das lesões podem variar de animal para animal.

Figura 22. A) Pododemodiciose com acometimento de extremidade de membros torácicos, lesões eritematosas
e alopécicas. B) Pododemodiciose com região interdigital edemaciada, alopécica e exsudativa.

A B
Fonte: elaborada pela autora.

72
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Figura 23. A e B) Paciente com demodiciose generalizada, com alopecia universal, presença de pápulas e
melanodermia; quadro popularmente chamado de “sarna negra”.

A B
Fonte: elaborada pela autora.

Figura 24. A e B) Demodiciose generalizada com apresentação clínica de dermatite úmida aguda devido à
infecção bacteriana secundária.

A B
Fonte: elaborada pela autora.

Figura 25. A e B) Demodiciose generalizada com pele eritematosa, hiperqueratótica, alopecia e principalmente
presença de inúmeros comedos, tanto na região posterior quanto no abdome.

A B
Fonte: elaborada pela autora.

Importante destacar que quando se trata de quadro em animais idosos, sinais sistêmicos
inespecíficos podem ser observados, pois o quadro de demodiciose adulta está
ligado a doenças imunossupressoras, como doenças virais ou parasitárias, endócrinas
e tumorais.

73
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico é relativamente simples, associando a história clínica, os sinais clínicos


e a visualização do ácaro no exame parasitológico. O exame parasitológico pode ser
realizado de várias formas, como o raspado cutâneo profundo, a impressão por fita de
acetato, a tricograma ou, ainda, o exame histopatológico. A seguir, descreveremos as
técnicas de diagnóstico.

Exame parasitológico do raspado cutâneo (EPRC): é o mais utilizado, indicado


principalmente em lesões alopécicas e eritematosas. Com o auxílio de uma lâmina de
bisturi, a região a ser raspada deve ser delimitada com uma leve pressão digital durante
o procedimento de raspagem e a raspagem deve ser realizada até que seja obtido um
leve sangramento. Dessa forma, ao pressionarmos a pele, teremos a superficialização
dos ácaros de dentro dos folículos pilosos (Figura 26). O material coletado deverá ser
colocado em uma lâmina de vidro e, após, ser diluído com óleo mineral ou KOH a 10%
e coberto, de preferência, com uma lamínula, para que sua observação no microscópio
seja efetuada. Os ácaros podem ser visualizados em todos os aumentos e, muitas vezes,
são vistos em movimento (Figura 27). Tem fácil execução, baixo custo e causando um
leve incômodo ao paciente, de modo que acaba sendo o de eleição.

Impressão por fita de acetato: menos utilizado, mas de fácil execução e indolor
ao paciente, é indicado em casos de dermatites úmidas e exsudativas. Utiliza-se uma
fita adesiva a qual é colocada sobre a área em que será coletada a amostra; após, é
realizada uma pressão da área com os dedos para que os ácaros possam ser expulsos
dos folículos. Repete-se essa pressão por algumas vezes para que seja obtido o maior
número de ácaros na amostra a ser analisada. A fita adesiva é, então, fixada em uma
lâmina de vidro e sua observação é realizada no microscópio, em que é possível ver os
ácaros, porém eles se apresentam imóveis. Devido ao fato de os ácaros estarem imóveis
na fita e esta conter muitos artefatos, como bolhas de ar e células da superfície da pele,
necessita-se de certa prática para adotar apenas esse método como exame complementar.
Minha sugestão é que sempre realizem o EPRC e a fita de acetato para que sejam
comparados os resultados e para que seja adquirida prática na execução do exame com
fita adesiva.

Tricograma: como o ácaro habita o folículo piloso, a análise dos pelos pode evidenciar
a presença dos ácaros. O exame é realizado por meio da avulsão dos pelos da área
lesionada, os quais são colocados em uma lâmina de vidro e encobertos por uma lamínula
ou por outra lâmina de vidro, para que a amostra seja analisada no microscópio. O
objetivo é que sejam vistos ácaros de Demodex canis na amostra coletada. É menos
utilizado em razão de ter uma sensibilidade de diagnóstico menor que o EPRC.

74
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Histopatológico: é pouco realizado nos casos de suspeita de demodiciose devido


a seu diagnóstico ser obtido por exames menos invasivos. Porém, nos casos de
pododemodiciose, muitas vezes o ácaro acaba não sendo visualizado pelos exames mais
simples, de modo que é necessário recorrer ao exame histopatológico para a obtenção
do diagnóstico. O fragmento é coletado da região acometida, que, na maioria das vezes,
é a região de dígitos, e dando preferência às áreas que ainda tenham a presença de
pelos. Os achados histopatológicos serão a presença do ácaro em folículo piloso, com
presença de foliculite ou furunculose supurativa. Em casos graves, é possível ver o
ácaro na derme em uma formação piogranulomatosa decorrente do rompimento do
folículo piloso.

Em animais com quadro clínico de otite associado ao quadro dermatológico de


demodiciose, faz-se necessário investigar se a otite não é em decorrência da presença
de ácaros de Demodex canis em conduto auditivo. Essa investigação é feita por
intermédio do exame parasitológico do cerúmen. Em animais muito debilitados, exames
laboratoriais devem ser realizados para avaliar o seu comprometimento imunológico.

Os diagnósticos diferenciais incluem piodermites, dermatite alérgica à picada de


ectoparasitas, alergia alimentar, dermatite atópica, dermatofitose, dermatopatias
autoimunes, farmacodermia, dermatite por sensibilidade ao zinco e distúrbios de
queratinização.

Figura 26. Imagem evidenciando a técnica de coleta do EPRC. Nota-se que é realizada a delimitação da área
a ser raspada e, então, pressiona-se com os dígitos de forma que os ácaros possam ser expulsos de dentro do
folículo e coletados durante o raspado profundo.

Fonte: elaborada pela autora.

75
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Figura 27. Visualização de inúmeros ácaros de Demodex canis em amostra coletada por meio do EPRC de cão
da figura anterior, vista em microscópio na objetiva de 10x.

Fonte: elaborada pela autora.

Tratamento e prognóstico

O tratamento pode ser entendido de duas formas, quando se obtém a remissão dos sinais
clínicos e quando se obtém a cura parasitológica. Muitas vezes, o paciente é tratado
apenas até a remissão dos sinais clínicos, não sendo realizado o seu acompanhamento
por meio do EPRC até que se obtenha também a cura parasitológica, o que pode
predispor à recidiva do quadro.

O tratamento da demodiciose é sempre longo, independentemente do protocolo


terapêutico adotado. O que irá determinar o tempo de tratamento será a obtenção de
três raspados cutâneos negativos com o intervalo de duas semanas entre eles, de modo
que o primeiro raspado deverá ser realizado apenas após oito semanas de tratamento.
Dessa forma, a terapia medicamentosa só será descontinuada após a obtenção desses
três raspados negativos. É indicado o acompanhamento desses animais por um período
de 12 meses, para que se possa observar recidivas. Sabe-se que cerca de 10% dos animais
tratados costumam apresentar recidivas.

O tratamento de escolha dependerá se o quadro é localizado, generalizado, com


presença de infecção bacteriana secundária e do poder aquisitivo do tutor. Isso ocorre
porque hoje existem novas classes terapêuticas, que são as isoxazolinas, as quais
facilitaram e muito o tratamento da demodiciose. Porém, seu custo é mais alto que
as demais terapias, principalmente em animais de grande porte, por isso é necessário
conhecer os tratamentos tradicionais que incluam as ivermectinas, moxidectina,

76
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

milbemicina e amitraz. Abaixo, segue descrito o tratamento com cada uma


dessas drogas.

» Ivermectina: utilizada na dose 0,6 mg/kg V.O diariamente, até a cura


parasitológica. Em razão de seus efeitos colaterais e seu longo tempo de
administração, é indicada apenas nos casos em que o tratamento com
outras drogas ficará oneroso ao tutor. Importante: jamais deve ser
utilizada em animais pastores (australiano, ingleses, escoceses), Old
English Sheepdog, Collies, Border Collie, Pastor de Shetland, Bearded
Collie e mestiços, pois a ivermectina é tóxica e pode causar a morte dessas
raças.

» Moxidectina: utilizada na dose 0,4 mg/kg V.O diariamente ou de


0,5 a 1mg/kg injetável a cada 72 horas até a cura parasitológica. Sua
aplicação injetável pode acarretar reações farmacodérmicas, e o tempo
de tratamento até a cura parasitológica é longo.

» Milbemicina oxima: era muito usada em raças sensíveis à ivermectina.


A dose recomendada é 1 a 2 mg/kg V.O diariamente até a cura
parasitológica. Assim como a ivermectina e a moxidectina, o seu tempo
de tratamento é prolongado.

» Fluralaner: dose trimestral, por via oral, até três EPRC serem negativos.

» Afoxolaner: dose mensal, por via oral, até três EPRC serem negativos
(Figura 28).

» Sarolaner: dose mensal, por via oral, até três EPRC serem negativos
(Figura 29).

» Antibioticoterapia: o antibiótico de escolha para piodermites é a


cefalexina na dose 30 mg/kg BID por, no mínimo, 15 dias. Porém,
também pode ser usado enrofloxacina na dose de 5 mg/kg BID. O uso
do antibiótico deve continuar até que o quadro de infecção bacteriana
secundária seja controlado.

» Tópico: shampoos à base de perióxido de benzoíla são os mais indicados,


pois promovem o flushing folicular, realizam a retirada do ácaro de dentro
do folículo piloso, além de ter efeito antisséptico, o que ajuda no controle
da piodermite secundária. Outros princípios ativos de escolha, no caso de
infecções bacterianas, são a Clorexidine a 3% e o Irgasan/Triclosan 1%.
A frequência dos banhos será semanal, deve-se deixar o produto agir por
7 a 10 minutos e massagear toda a pele até a melhora dos sinais clínicos.

77
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

» Permanganato de potássio: indicado nos casos de pododermatite


com muito exsudato, na forma de pedilúvio ou de compressas sobre a
área acometida, a cada três dias por um período de 7 minutos. A diluição
recomendada é um comprimido para 1 litro de água. Em caso de não
utilizar toda a solução diluída, esta deve ser mantida em um ambiente
protegido da luz para que a solução não perca seu efeito adstringente. Seu
uso é recomendado até a melhora do quadro exsudativo.

» Amitraz: utilizados por muitos anos como única forma de tratamento


para a demodiciose canina. Hoje a sua aplicabilidade se justifica apenas
para quadros de pododermatite , em que se pode diluir 1 ml do produto
em 30 ml de óleo mineral e aplicar em região interdigital a cada três
dias até a melhora do quadro clínico. Seu uso como solução tópica,
por meio de banhos ou aspersão, é desencorajado devido ao risco de
intoxicação, que é alto. Os sintomas de intoxicação por amitraz incluem
incoordenação motora, ataxia, letargia, perda dos reflexos, êmese e
diarreia, hipotermia, bradicardia, dermatite de contato, eritema e
hemorragia nas patas.

» Corticoterapia: o seu uso é muito discutido em razão de seu efeito


imunossupressor, porém a autora descreve que o uso racional em
determinadas situações se justifica pensando no bem-estar do animal. As
situações em que o uso do corticoide é recomendado são as de piodermite
secundária e de dermatite úmida aguda. Nesses casos, o prurido do
paciente é intenso, além do quadro inflamatório dermatológico. Dessa
forma, o uso do corticoide se justifica para o controle do prurido e
conforto do paciente e para a diminuição do quadro inflamatório da
pele. O fármaco indicado é a prednisona ou prednisolona na dose de
0,5 mg/kg SID por 5 a 7 dias. Percebe-se que a dose recomendada é
uma dose antialérgica e anti-inflamatória, portanto não causará danos
à imunidade do paciente e nem comprometimento do tratamento da
sarna demodécica.

Por se tratar de um quadro ligado à imunossupressão, a suplementação com estimulantes


de imunidade disponíveis comercialmente à base de ômegas, spirulinas, aminoácidos
e vitaminas podem ser utilizados concomitantemente à terapia medicamentosa.
O prognóstico, na maioria dos casos, é favorável. Como manutenção do quadro em
remissão, mesmo após a cura parasitológica, a classe terapêutica das isoxazolinas pode
ser indicada como uso contínuo já que, além do seu efeito acaricida, possuem um efeito
carrapaticida e antipulgas. Dessa forma, é favorável ao controle de todos esses parasitas.

78
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Devido ao caráter genético e hereditário, animais com diagnóstico de sarna


demodécica devem ser castrados. Caso optem pela não esterilização, seus tutores
devem estar cientes de que animais inteiros, em períodos de cio e ou/acasalamento,
terão a baixa na imunidade e poderão apresentar recidivas das lesões.

Figura 28. Cão apresentado na Figura 24, com cura clínica após o tratamento com afoxolaner e
antibioticoterapia com cefalexina.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 29. Cão apresentado na Figura 25, com cura clínica após o tratamento com sarolaner e banhos com
perióxido de benzoíla.

Fonte: elaborada pela autora.

79
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Dermatofitose em cães e gatos


Dentre as infecções fúngicas, a mais comum na rotina clínica é a dermatofitose.
A dermatofitose tem grande importância na medicina veterinária não só devido à
sua alta ocorrência, mas devido ao seu caráter antropozoonótico, isto é, passa dos
animais para os humanos. Crianças, idosos e pessoas imunodeprimidas são as
mais susceptíveis.

A dermatofitose ocorre mais em animais mais jovens com até doses meses de idade,
com maior prevalência em felinos. Verificou-se que tem uma predileção racial; nos cães,
a raça Yorkshire é a mais predisposta, e em felinos, gatos da raça Persa. No entanto,
todas as raças podem ser acometidas.

É causada por fungos queratinofílicos, sendo Microsporum canis, M. gypseum e


Trichophyton mentagrophytes os mais comuns. Neste tópico, discutiremos sobre sua
fisiopatologia, seus sinais clínicos, seu tratamento e suas formas de prevenção em razão
de seu risco à saúde pública.

Fisiopatologia

A dermatofitose é uma enfermidade fúngica altamente contagiosa, que pode


ser passada através de contato direito com o animal contaminado ou por contato
indireto, que ocorre por meio de pelame, objetos utilizados em animais acometidos
e ambiente onde os esporos fúngicos liberados pela descamação cutânea possam
estar presentes.

É uma dermatopatia superficial que atinge tecidos queratinizados, como pelos,


unhas e extrato córneo. Esses fungos habitam o solo, os animais e os humanos, e são
classificados como geofílicos. A transmissão, seja por contato direto ou indireto, é por
meio dos artroconídios fúngicos, os quais podem resistir no ambiente por até 18 meses.

Quando os dermatófitos conseguem penetrar em um tecido queratinizado, começam


a causas traumas mecânicos que resultam em descamação da pele e quebra da haste
dos pelos. Também liberam metabólitos que causam uma reação inflamatória na
epiderme, o que resulta em sinais clínicos de lesões alopécicas, circulares, eritematosas
e descamativas, que vemos nos animais acometidos.

Animais com desnutrição, em períodos de gestação ou amamentação, com doenças


concomitantes, principalmente imunossupressoras como FIV/FELV, neoplasias,
hemoparasitoses, em uso de fármacos imunossupressores e em ambientes de
aglomeração são mais predispostos a contrair a doença.

80
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Sinais clínicos
Os quadros de dermatofitose podem se apresentar como lesões localizadas, circulares e
delimitadas, com centro alopécico, eritematoso ou descamativos, ou se apresentar como
um quadro generalizado, com alopecia disseminada, hipotricose, descamação, epilação
facilitada e presença ou não de prurido (Figura 30 e Figura 31). Em alguns casos, os
animais podem apresentar otite fúngica concomitante às lesões dermatológicas e, em casos
crônicos, alopecia universal, com hiperqueratose e hiperpigmentação importante da pele.

Outras apresentações clínicas menos comuns são a paroníquia, onicodistrofia, quérion


dermatofítico e pseudomicetona dermatofítica. Essas últimas lesões são nodulares
e podem ulcerar ou fistular, de modo que é necessário, muitas vezes, a sua retirada
cirúrgica associada aos tratamentos sistêmicos.

Em humanos, as lesões são circulares, eritematosas, com um crescimento centrífugo e


frequentemente pruriginoso, principalmente em regiões de pele glabra, como antebraço,
face, mãos e abdomes, que são as áreas de maior contato com os animais. É denominada
tínea, sendo popularmente conhecida como “tinha” ou “impinge” (Figura 32).

Figura 30. Cão com lesões eritematosas e crostosas em região dorsal mimetizando uma piodermite. Note a
importante perda de pelos na região acometida.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 31. Cão da raça Yorkshire apresentando área de alopecia importante em região torácica com presença
de descamação da pele.

Fonte: elaborada pela autora.

81
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Figura 32. A) Lesão anular eritematosa em região de antebraço causado por M. canis. B) Lesão anular em região
facial de criança que teve contato com felino infectado por M. canis.

A B
Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico ocorre por meio de história clínica, sinais clínicos e exames complementares.
Sempre que suspeitamos de doença zoonótica, devemos indagar ao tutor se alguém da
casa apresentou lesões, pois a resposta pode ser positiva, o que é mais uma ferramenta
para sustentar nosso diagnóstico. É nossa função, como médicos veterinários, indicar
a procura de um médico dermatologista e instituir medidas de prevenção, levando em
consideração que somos umas das profissões envolvidas na saúde pública.

Os exames complementares para o diagnóstico da dermatofitose incluem lâmpada de


Wood, tricograma, cultura fúngica e histopatologia. Abaixo, descreveremos um pouco
de cada técnica.

» Lâmpada de Wood: realizado como um exame clínico, com o paciente


em consultório, permite avaliar, por intermédio da fluorescência direta,
se o animal apresenta ou não lesão por M. canis. Tem uma sensibilidade
40 a 80%, sua fluorescência se dá pela presença da substância triptofano
produzida pelos dermatófitos (Figura 33). No entanto, existem algumas
considerações, pois a coloração verde-maçã também ocorre em paciente
com descamação.

» Tricograma: como os artroconídeos infectam as hastes dos pelos, no


tricograma poderemos ver pelos tonsurados e hastes de pelos com a
presença desses artroconídeos ou microconídeos e hifas septadas. Tem
uma sensibilidade de 40-70%. É um exame simples e de baixo custo,
executado a partir da avulsão dos pelos ao redor da área acometida e
sua visualização em microscópio. Porém, necessita de prática para que se
reconheçam essas estruturas ao avaliar os pelos.
82
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

» Cultura fúngica: é considerado o teste padrão-ouro no diagnóstico da


dermatofitose. Consiste na coleta dos pelos e sua deposição em meios de
cultura, como dextrose ou ágar Sabouraud, para que possa ser observado
o crescimento fúngico e realizada a posterior análise do conteúdo do
crescimento em microscópio. A cultura fúngica pode ser realizada
mediante o envio da amostra para um laboratório terceirizado, que leva
em média 21 a 30 dias para elaboração do resultado.

» DTM: são meios de cultura de rápido crescimento, disponíveis para compra


comercialmente. Podemos tê-los em consultório e realizar a cultura e
leitura mais rapidamente em cerca de 7 a 10 dias. Esse meio é chamado de
Dermatobac. Os dermatófitos utilizam o substrato proteico do meio de
cultura, fazendo com que aumente o pH e ocorra a mudança de cor do meio
de cultura. Porém, o resultado não pode ser considerado positivo apenas
pela mudança de cor do meio, sendo sempre necessário avaliar a mostra
em microscópio, pois a Candida Albicans é um fungo que muda a cor do
meio de cultura, mas é considerada um contaminante e não um causador
do quadro clínico. A coleta da colônia fúngica deve ser realizada com luva,
por meio de fita de acetato, corado com o número 3 do panótico e após
observada em microscópio com objetiva de 100x. Nos casos de dermatofitose
por microsporum canis, serão observados os macroconídeos (Figura 34).

» Histopatológico: pouco utilizado no diagnóstico da dermatofitose em


razão de os testes menos invasivos terem uma boa resposta diagnóstica.
Porém, nos casos em que os sinais clínicos fogem ao padrão lesional,
e em casos crônicos com hiperqueratose, hiperpigmentação e alopecia
universal, o diagnóstico por meio de exame histopatológico é recomendado.
Outra indicação é para lesões nodulares, como os quérions dermatofíticos.

Os diagnósticos diferenciais incluem demodiciose, piodermite, dermatite seborreica,


pênfigo foliáceo, leishmaniose, dermatite psicogênica, dermatite miliar e acne felina.

Figura 33. Fluorescência a lâmpada de Wood, coloração verde-mação em área acometida. A) Paciente felino
acometido. B) Animal apresentado na Figura 34 ao ser submetido ao exame direto da lâmpada de Wood.

A B

Fonte: elaborada pela autora.

83
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Figura 34. A) Meio de cultura Dermatobac, com mudança de sua coloração. B) Visualização da amostra
crescida em microscópio com objetiva de 100x, em que se pode observar macroconídeos.

A B
Fonte: elaborada pela autora.

Tratamento e prognóstico

O tratamento dependerá do tipo de lesões; localizadas ou generalizadas. E o tratamento


deve ser realizado não somente no animal acometido, mas em todos os animais da casa
e no ambiente, para evitar risco de reinfecção.

O tratamento para os casos de dermatofitose localizada pode ser apenas tópico.


Associa-se spray tópico à base de miconazol ou cetoconazol na frequência de duas
vezes ao dia, por no mínimo 21 dias, com banhos semanais com shampoos dos mesmos
princípios ativos citados, na frequência semanal até a resolução completa das lesões.

Já em casos generalizados, faz-se o uso da associação de medicações orais, como os


azóis (itraconazol e cetoconazol), terbinafina, lefenuron com banhos tópicos semanais
com shampoos à base de miconazol ou cetoconazol. Em casos de recidivas, pode-se
utilizar pulsoterapia e imunoterapia. Abaixo, descrevermos o tratamento e a indicação
de cada uma das drogas citadas.

» Cetoconazol: indicado nas doses de 5 – 10 mg/kg BID ou SID. É menos


utilizado que as demais drogas por ter efeitos colaterais como anorexia,
hepatotoxicidade, icterícia súbita, discromia e desordens neurológicas.
A autora utiliza a formulação comercial em suspensão na dose mínima
para animais filhotes com baixo peso vivo devido à facilidade de
administração. Em sua experiência, verificou baixa ocorrência de efeitos
colaterais. Deve sempre ser utilizado após a alimentação e nunca deve ser
associado com anti-histamínicos, benzodiazepínicos, anticonvulsivantes,
ciclosporina e antiespasmódicos.

84
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

» Itraconazol: é o mais utilizado na rotina devido a seus baixos efeitos


colaterais. Utilizado na dose de 5 mg/kg/BID ou 10 mg/kg/SID. Apesar de
baixo risco, podemos citar como efeitos colaterais a anorexia,
hepatotoxicidade e teratogenia. Não associar com rinfampicina,
antiácidos, propranolol, sulfametazina, anticolinérgicos e bloqueadores
de H2 (ranitidina, famotidina). É a droga de escolha em casos que
necessitem de pulsoterapia.

» Terbinafina: tem ação fungicida e fungistática. Utilizada na dose de 5


-30 mg/kg a cada 24 horas, tem a permanência por 5 semanas no pelame.
Indicada para o uso em gestantes. Como efeito colateral, pode causar
distúrbios gastrintestinais, farmacodermia, hepatopatia e induzir ao
lúpus. Também pode ser usada para pulsoterapia.

» Lefenuron: alternativa menos usada, mas apresenta bons resultados.


É utilizado na dose de 50- 60 mg/kg, em 2 doses, no intervalo de 15 dias
ou na dose de 120 mg/kg, em dose única. Indicada para aqueles animais
difíceis de manipulação e de administração de medicação diária.

» Pulsoterapia: ela é utilizada nos casos em que as recidivas são


constantes. As formas utilizadas são com itraconazol ou terbinafina. Com
o itraconazol, o uso pode ser das seguintes formas: semanas ou quinzenas
alternadas (ex.: 7 ou 15 dias seguidos de uso diário, descanso de 7 ou 15
dias e retoma a terapia medicamentosa novamente) ou em ciclos de 28
dias contínuos de uso com descanso semanal de 7 dias antes de retomar
a terapia. Já com a terbinafina, a pulsoterapia é realizada com uso
contínuo por 7 dias e descanso de 21 dias antes de retomar novamente o
uso contínuo por mais 7 dias.

» Imunoterapia: realizada com vacinas disponíveis comercialmente


para o uso em dermatofitose, utilizado tanto como prevenção de
recidivas quanto como tratamento. No entanto, a vacinação não previne
a reinfecção, mas a torna mais branda. São necessários tratamentos
sistêmicos em muitas situações.

Outra etapa do tratamento é a realização do controle ambiental, muitas vezes esquecido,


o qual deve ser realizado na frequência semanal ou quinzenal, com produtos à base de
amônia quaternária, formaldeído e clorexidina, por um período de até 18 meses.

Animais com doenças hepáticas pré-existentes devem ter um monitoramento com


exames laboratoriais de AST, ALT e FA e deve-se optar por drogas menos hepatotóxicas
e em sua dose mínima. O prognóstico costuma ser favorável na maioria dos casos.

85
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Muitos animais acabam sendo assintomáticos, por isso o ideal seria que, quando
um animal fosse diagnosticado com dermatofitose, culturas fúngicas fossem
realizadas em todos os animais contactantes. Porém, essa realidade nem sempre
se aplicada devido aos custos, por isso, obrigatoriamente, todos os animais
contactantes devem ser tratados topicamente com formulações antifúngicas. Em
gatis com mais de um animal acometido, a recomendação é que seja realizado
tratamento sistêmico e tópico em todos, inclusive nos assintomáticos.

Papilomatose canina
A papilomatose pode acometer várias espécies de animais, com exceção dos felinos.
No entanto, neste capítulo, focaremos na nossa espécie de estudo, que são os cães.
A papilomatose é considerada uma doença infectocontagiosa de causa viral, sendo
responsável pela formação de massas neoplásicas benignas, as quais podem acometer
vários tecidos e provocar lesões únicas ou múltiplas.

É causada pelo agente etiológico viral do gênero Papillomavirus, da família


Papovaviridae. Esse vírus tem um pequeno tamanho, cadeia dupla de material genético
e genoma envolvido por um capsídeo icosaédrico, o que o torna resistente a alterações
ambientais. Uma característica desse vírus é a sua replicação em células basais do
estrato germinativo, causando uma hiperproliferação das células, hiperqueratose e
acantomatose. Gera os tumores benignos que são visualizados como sinais clínicos.

A papilomatose apresenta uma alta especificidade por espécies, sendo a canina uma
delas, além de ter predileção por tecidos das regiões orais, genitais, oculares e cutâneas.
No entanto, não tem predileção por raça ou sexo, sendo susceptíveis em animais jovens
em razão de estes terem a sua imunidade baixa ou em formação, assim como acomete
animais de outras idades com quadros de imunossupressão.

Fisiopatologia

Sempre que estamos diante de um quadro infectocontagioso, entender como ocorre


a sua transmissão é de extrema importância para sabermos como iremos tratar e,
principalmente, como iremos controlar a transmissão, proliferação e recidiva do quadro.
Na papilomatose canina, a transmissão se dá por contato direto ou indireto com sangue ou
secreções advindas dos papilomas, além de lesões epiteliais predisporem à contaminação.

Como já mencionado, o vírus induz a hiperplasia das células da camada basal, mas atinge
todas as camadas da pele durante a sua replicação. Sendo assim, retarda a maturação

86
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

das células da camada espinhosa e da camada granulosa. Na camada córnea, que é a


camada mais superficial da pele, é onde se encontram as suas partículas virais, o que
auxilia na sua disseminação por meio da esfoliação natural que as células da camada
córnea sofrem.

O Papillomavirus possui um mecanismo que consegue se evadir da resposta imune


do hospedeiro, o que acaba por permitir a sua replicação e a manifestação clínica da
doença. Dessa forma, os animais jovens e os imunossuprimidos ficam mais favoráveis a
se contaminarem com o vírus do papiloma. Porém, esse vírus possui a característica de
ser autolimitante, regredindo espontaneamente em quatro a oito semanas após o início
dos sinais clínicos. Os animais que possuem a regressão completa sem tratamento se
tornam resistentes à reinfecção do vírus. No entanto, há aqueles animais em que a
papilomatose persiste ou recidiva e, em geral, esses animais possuem um quadro de
imunossupressão concomitante, o qual deve ser investigado e tratado juntamente com
a papilomatose.

A presença desse quadro ocorre em locais de grande aglomeração de animais, como


canis, hotéis, ONGs e ambientes veterinários, porém, apesar de ter uma taxa alta de
morbidade, sua mortalidade é baixa, estando ligada a quadros em que a doença está
disseminada, o que causa complicações secundárias ao animal acometido. Essas lesões,
apesar de terem um caráter tumoral, são tumores benignos que raramente irão evoluir
para neoplasias malignas. No entanto, quando evoluem, podem se tornar um carcinoma
de células escamosas.

Sinais clínicos

Os papilomas se apresentam clinicamente como lesões verrucosas ou massas salientes


de aparência rugosa, semelhante a uma “couve-flor”, podem ser fixas, pendulares,
únicas, múltiplas ou disseminadas. São encontradas nas regiões oculares e acometem
conjuntiva, pálpebras e córnea, cutâneas, genitais. Na sua forma mais comum da região
oral, acomete principalmente os lábios, a mucosa labial, o palato, a língua; em casos
mais graves, o esôfago, a faringe e a epiglote. A cavidade oral costuma ser a mais afetada
devido à sua alta irrigação sanguínea (Figura 35).

Os papilomas possuem uma consistência dura, com uma coloração que varia de
acinzentada a enegrecida, e superfície friável ao toque. Os nódulos são circunscritos e
podem variar de pequenas formações de 0,5 cm de diâmetro até grandes massas.

87
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

Figura 35. Papiloma em região de lábio superior em cão SRD jovem. Note o aspecto de “couve-flor” característico
dessa enfermidade.

Fonte: elaborada pela autora.

Como já mencionado, afeta mais animais jovens e ocorre em cães de um a cinco meses.
Dependendo da sua localização, pode ocasionar problemas mais graves ao animal,
como obstrução faríngea e disfagia.

Nos animais gravemente imunossuprimidos, as presenças de papilomas disseminados


na cavidade oral podem causar outros sinais clínicos como ptialismo, halitose, infecções
bacterinas secundárias, presença de hemorragia e secreção purulenta na cavidade oral e
sinais de desnutrição. Isso ocorre porque o animal está impossibilitado de se alimentar
espontaneamente.

Doenças sistêmicas como parvovirose, cinomose, hemoparasitoses, imunossupressão


por corticoides ou quimioterapia podem predispor ao aparecimento da papilomatose
nos cães. É imprescindível investigar causas sistêmicas que possam ter desencadeado
o quadro viral.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico da papilomatose canina baseia-se na história clínica do animal, na


idade, nos sinais clínicos e nos exames complementares. Na maioria das vezes, exames
complementares relativos à papilomatose são utilizados para confirmação da suspeita
clínica. Sua aplicabilidade não é executada com tanta frequência rotineiramente.

Com relação aos exames para a confirmação do papiloma, podem ser utilizadas técnicas
de citologia e de histopatologia. No exame histopatológico, será observada a hiperplasia
88
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

do epitélio pavimentoso estratificado, o aumento da espessura do estrato espinhoso e a


presença de uma haste fibrovascular sustentando a hiperplasia.

Os diagnósticos diferenciais da papilomatose canina incluem neoplasias de anexos cutâneos,


melanoma, carcinoma e adenomas, hiperplasia e adenoma de glândulas sebáceas.

É sempre indicado que exames laboratoriais sejam realizados para triagem


de doenças imunossupressoras, principalmente em animais com quadro
de papilomatose grave. Muitas vezes, o quadro é secundário a uma doença
sistêmica grave.

Tratamento e prognóstico

O tratamento da papilomatose é controverso, pois, em muitos casos, o quadro é


autolimitante, mas como estamos tratando de um quadro que tem várias formas
clínicas e, principalmente, vários tutores, temos de deixar sempre bem claro sobre
as possibilidades de tratamento que existem. Abaixo, descreveremos as formas de
tratamento que são indicadas para a papilomatose canina.

» Excisão cirúrgica ou crioterapia: indicada nos casos de lesões


únicas, em que os tutores não querem aguardar o tempo necessário
para o tratamento com medicação prescrita agir, ou àqueles que não
respondem ao tratamento medicamentoso instituído. É necessária nos
casos em que o quadro é disseminado, impossibilitando o animal de se
alimentar, o que gera quadros de infecções. Sua aplicabilidade se dá em
casos de papiloma oral, cutâneo e palpebral, porém não é indicada em
casos de papilomatose em córnea.

» Quimioterapia: seu uso é contestado devido à baixa eficiência em


estudos terapêuticos, no entanto pode ser realizada quimioterapia local
ou sistêmica com medicamentos como a vincristina, ciclofosfamida ou
doxorrubicina.

» Homeopatia: é um dos tratamentos mais utilizados na rotina clínica.


As medicações homeopáticas mais utilizadas são Thuya 30CH na dose
de 0,5ml/animal/VO BID, por duas semanas, e Nitric acid 30CH 0,5 ml/
animal/VO BID, por três dias seguidos. Há a opção de realizar apenas
Thuya 30 CH em forma de glóbulos até o desaparecimento dos sintomas.

» Vacina autógena e hemoterapia: esse tratamento de vacina autógena


é muito utilizado na papilomatose bovina para estimular a imunidade

89
UNIDADE III │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS

celular e humoral. São utilizados extratos do papiloma do próprio


paciente, os quais são triturados e inativados com solução formalina a
0,04% e, após 24 horas, aplicados por via subcutânea ou intramuscular,
ao total de 6 aplicações com intervalo de cinco dias. Porém, reações locais
as essas vacinas podem ser comumente. A auto-hemoterapia consiste
na aplicação do sangue animal nele mesmo por via intramuscular
com o intuito de aumentar a imunidade e, assim, conseguir a regressão
dos papilomas.

» Imunomodulares: os imunomoduladores mais utilizados são


suplementos ou medicações que aumentam a imunidade do animal.
Dentre eles, destacam-se ômega 3, suplementos com spirulina, medicações
como levamisol e domperidona, interferon, entre outros (Figura 36).

» Medicações manipuladas: medicações manipuladas podem ser


utilizadas em lesões localizadas. Entre elas, a mais utilizada é a formulação
oral em pasta de Timomodulina 2mg/kg/dose e a fórmula tópica de
Ácido Salicílico 10% + Ácido Lático 10% + Tintura Thuya 10ml,
diretamente na lesão.

» Manejo alimentar e ambiental: a correção do manejo do paciente


deve estar entre o tratamento. É necessário manter o animal em ambientes
limpos, livres de estresse, com o tratamento de todos os animais que
apresentarem os mesmos sinais clínicos, alimentação balanceada e
de qualidade.

Figura 36. Animal apresentado na Figura 35 em tratamento com suplementos de ômega 3 e homeopatia com
Thuya 30 CH. Note a remissão das estruturas em andamento.

Fonte: elaborada pela autora.

90
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS JOVENS │ UNIDADE III

Casos em que o papiloma seja secundário a doenças sistêmicas ou a


imunossupressão por fármacos, o animal deve receber tratamento suporte para
o quadro. Dessa forma, ao tratar a doença de base, o organismo do paciente
responderá de forma favorável à regressão do quadro de papilomatose, evitando
recidivas.

O prognóstico é quase sempre favorável, com resposta positiva aos tratamentos, exceto
nos casos em que o quadro clínico seja incompatível com a manutenção de vida do
paciente. Isso ocorre em casos de papilomatose disseminada em cavidade oral, esofágica
e faríngea, os quais podem levar o animal a óbito se não forem tratados em tempo hábil.

91
DOENÇAS
DERMATOLÓGICAS EM UNIDADE IV
ANIMAIS GERIÁTRICOS

CAPÍTULO 1
Alergia alimentar tardia em cães

Neste capítulo, abordaremos uma doença alérgica que pode acometer os animais
idosos; a alergia alimentar. As reações adversas ao alimento correspondem de 10 a
20% das doenças alérgicas relatadas em cães, o que pode ter início de poucos meses de
vida a mais de dez anos de idade nos cães. Por isso a importância de sabermos sobre
ela, principalmente quando atendermos um paciente com sinais clínicos sugestivos de
doença alérgica, a qual começou tardiamente, após os 10 anos de idade.

Os alimentos com maior taxa de reação adversa são carne bovina, produtos lácteos,
frango e trigo e, de forma intermediária, há reações alérgicas ao ovo de galinha, à soja,
à carne de cordeiro, de porco e de peixe e ao milho. Algumas raças como Boxer, Pastor
Alemão, West Highland White Terrier, Pug e Labrador parecem ser geneticamente
predispostas a apresentar alergia alimentar.

Fisiopatologia
Entender o porquê ocorre a doença alérgica alimentar é importante, embora não se
saiba ainda o motivo de alguns cães apresentarem esses sinais clínicos só após idade
avançada. O conhecimento do mecanismo que desencadeia as reações alérgicas nos
ajuda a escolher o melhor tratamento para que seja evitado o desencadeamento dos
sinais clínicos.

Os principais alérgenos desencadeadores da alergia em cães são as proteínas, as


quais devem ter características para serem consideradas alergênicas. Basicamente
as proteínas potencialmente alergênicas devem ser grandes o suficiente para que

92
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE IV

moléculas de IgE se liguem à sua superfície e provoquem desgranulação de mastócitos


e, consequentemente, liberação de mediadores inflamatórios.

A principal resposta de hipersensibilidade envolvida na reação alérgica alimentar é a


hipersensibilidade do tipo I. Os alérgenos alimentares, após penetrarem a barreira da
mucosa intestinal, podem ser fagocitados por uma célula apresentadora de antígeno
(APCs) de mucosa, a qual irá apresentá-lo a um linfócito Th0, liberará a interleucinas
IL1 e estimulará sua transformação em Th2.

As células Th2 iniciam um processo de produção de citocinas IL-4, o que induz à


proliferação de linfócitos B, formação de plasmócitos e produção de IgE nas placas de
Peyer. Essa imunoglobulina se liga aos mastócitos na submucosa intestinal e podem,
quando em novo contato com os alérgenos alimentares, levar à sua desgranulação
e à liberação de histamina, serotonina, bradicinina e heparina, imediatamente, e
de proteases, leucotrienos, prostaglandinas e inúmeras citocinas, tardiamente.
Isso provoca um quadro intestinal inflamatório.

É importante ressaltar que linfócitos B e plasmócitos formados na mucosa intestinal


possuem caráter migratório e podem se deslocar das placas de Peyer para outras
superfícies corporais, como a pele e as vias aéreas. Como antígenos alimentares,
também podem acessar a corrente sanguínea a partir dos vasos linfáticos intestinais.
Estes podem interagir com as células Th2 e os linfócitos B, IgE e mastócitos no tecido
tegumentar, gerando sinais clínicos cutâneos de alergia alimentar.

Em indivíduos com dermatite atópica, também pode ocorrer a sensibilização aos


alérgenos alimentares, por via cutânea, e ocorrer a mesma hipersensibilidade do tipo I.

Sinais clínicos
Os sinais clínicos da alergia alimentar em cães são semelhantes aos de outras doenças
dermatológicas de origem alérgica, como prurido crônico. Geralmente, de moderado
a grave, perene e contínuo, comumente associado a eritema, erupções papulares,
alopecia ou hipotricose autoinduzidas, escoriações, erosões e dermatite piotraumática,
geralmente encimadas por crostas (Figura 37).

Piodermites bacterianas superficiais recorrentes são vistas em 66% dos cães. Também
pode ser observada pododermatite. A presença de sinais gastrentéricos, como aumento
do peristaltismo, fezes amolecidas, diarreia e êmese crônicas intermitentes, foi
observada em 20 a 30% dos animais.

93
UNIDADE IV │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Figura 37. A) Bulldog francês, fêmea, 2 anos, com lesão erosiva e alopécica em região facial secundária a
autotraumatismo. B) Pitbull, fêmea, 3 anos, com otite externa com pavilhão auricular apresentando lesões
escoriativas por autotraumatismo. C) Cão, sem raça definida, fêmea, 1,5 anos com lesão localizada, alopécica
com eritema em região peribucal devido a alergia alimentar. D) Cão, sem raça definida, fêmea, 7 anos, com
blefarite secundária a alergia alimentar, região periocular com alopecia, lignificação e hiperpigmentação
evidenciando cronicidade.

Fonte: elaborada pela autora.

Com a cronificação da resposta inflamatória, liquenificação, hiperpigmentação e


distúrbios queratoseborreicos são comumente observados. O supercrescimento de
Malassezia spp. é presente em aproximadamente 43% dos cães com hipersensibilidade
alimentar.

A otite externa bilateral é relatada em cerca de 56 a 80% dos cães com alergia alimentar,
podendo ser o único sinal clínico dessa morbidade nesses animas. Geralmente, a otite
associada à alergia alimentar é bilateral, tem caráter recorrente e tendência a
cronificação. É associada a liquenificação, hiperplasia epitelial, estenose dos condutos
auditivos, disbioses auriculares e otite média.

Diagnóstico e diagnósticos diferencias


O diagnóstico da alergia alimentar em animais idosos por vezes se torna um desafio,
porém deve seguir as mesmas regras do diagnóstico em animais jovens com quadros
de doenças alérgicas. Inicialmente, todas as outras dermatopatias pruritogênicas de
origem infectoparasitária, isto é, sarnas, dermatofitose e alergia à picada de ectoparasitas
devem ser descartadas e, após, iniciar o que chamamos de triagem alimentar.

94
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE IV

O diagnóstico da alergia alimentar será baseado no histórico, nos sinais clínicos e


na implementação de uma dieta de eliminação ou dieta restritiva, ou seja, a triagem
alimentar. Essas dietas de eliminação são consideradas o padrão-ouro no diagnóstico
da alergia alimentar.

Os ingredientes são geralmente escolhidos com base na história da dieta do animal e,


preferencialmente, deve conter apenas ingredientes aos quais o animal não foi exposto
previamente de forma regular. A dieta adotada pode ser caseira, com proteína original
ou um alimento comercial com proteína única e original, preferencialmente hidrolisada
(hipoalergênico) ou ultra-hidrolisado (analergênico).

A duração da dieta restritiva para cães deve ser, no mínimo, de cinco semanas e, no
máximo, de oito semanas. Após é realizado um desafio provocativo, onde a dieta anterior
que o paciente ingeria é reintroduzida em sua alimentação, se houver uma piora total
do quadro há suspeição de alergia alimentar, se houver piora parcial dizemos que o
animal tem dermatite atópica induzida por alimentos.

Outra forma de diagnóstico que está sendo testada e estudada são os testes alérgicos
que podem ser sorológicos, de puntura e de contato. No entanto, exige profissional
habilitado para a execução de tais procedimentos. Os profissionais auxiliam, além
do diagnóstico, a orientar quanto à proteína que poderá ser utilizada na dieta
restritiva, principalmente em animais que não se adaptem ou que apresentem alergia
às dietas comerciais.

Além do diagnóstico da alergia alimentar em si, é necessário que sejam realizados


exames complementares, como exames laboratoriais, exames de raspado de pele e
citologia cutânea para que se possam ser tratadas as causas desencadeadas pela alergia
alimentar, como piodermite e malasseziose. E também para que se possa investigar as
demais doenças que possam ter causado o quadro pruriginoso.

Por se tratar de animais idosos, o diagnóstico diferencial é muito importante. São elas
as doenças endócrinas como hiperadrenocorticismo, hipotireoidismo e diabetes
mellitus, sarnas como a sarcóptica e demodécica, alérgica a picada de ectoparasitas e
dermatofitose, ou quaisquer outras patologias que diminuam a imunidade do animal e
predisponham a quadros dermatológicos.

Tratamento e prognóstico
A dieta restritiva acaba sendo o principal tratamento após o diagnóstico da alergia
alimentar. Pode ser realizada a partir de rações comerciais hipoalergênicas e alergênicas
e a partir de alimentação caseira.

95
UNIDADE IV │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

A alimentação caseira consiste em uma fonte de proteína original, a qual o animal


nunca foi exposto de forma frequente, e uma fonte de carboidratos, preferencialmente
inédita, como arroz integral, batata, batata-salsa ou doce ou mandioca. Recomenda-se
o fornecimento de 50 gramas/kg de alimento ao dia, em que 60% da dieta é composta
de carboidrato e 40%, de proteína. Isso não é eterno, mas apenas como tratamento
durante a fase do diagnóstico.

É importante instruir o tutor que opte pela dieta caseira sobre como proceder, para que
não ocorra contaminação cruzada com outros alimentos, e informar que o animal não
poderá ser mantido apenas com uma alimentação composta por carboidrato e proteína
por toda a vida. É estritamente necessário que o tutor consulte um nutricionista
veterinário para que a dieta caseira seja balanceada e não cause deficiências nutricionais
ao animal em longo prazo.

Em caso de piodermite, antibioticoterapia deve ser instituída. O fármaco de escolha é


a cefalexina na dose de 30 mg/kg BID por, no mínimo, 15 dias, continuando por 7 dias
após a resolução dos sinais clínicos para que não haja recidiva do quadro. Nos casos
de malasseziose cutânea grave, o uso de itraconazol na dose de 10 mg/kg SID, sempre
junto com alimento, por 21 dias, pode ser adotado.

Por se tratar de um quadro pruriginoso e inflamatório, medicações para o controle


dessas duas condições são necessárias. Pode-se iniciado a terapia com prednisona ou
prednisolona na dose de 0,5-1 mg/kg/ SID por um período de 7 a 10 dias e, após, iniciar
desmame. Nos casos em não se apresentam ainda lesões crônicas de pele, usa-se o
maleato de oclacitinib na dose de 0,4 – 0,6 mg/kg BID nos primeiros 14 dias e, após,
SID no decorrer no tratamento.

Terapias tópicas atuam como forma de tratamento coadjuvante, sendo indicados


produtos antissépticos, antifúngicos e antisseborreicos, dependendo dos sinais clínicos
que o paciente apresente. A frequência de banhos poderá ser a cada 3 dias nas primeiras
duas semanas para potencializar o controle dos sinais clínicos e, após, serem mantidos
semanalmente, como forma de controle e prevenção de recidivas no quadro.

Suplementação com produtos dermatológicos à base de ômega, vitamina E e demais


suplementos recomendados para pele e pelo mostram-se coadjuvantes no tratamento,
melhorando a hidratação da pele e a qualidade dos pelos e ajudando como uma resposta
imunomoduladora do organismo, o que diminui a gravidade dos sinais clínicos.

O prognóstico costuma ser favorável, com o controle dos sinais clínicos mediante o
tratamento instituído, desde que seja seguido corretamente e que, principalmente, o
tutor esteja ciente da importância da dieta restritiva e que não forneça nada além do
que foi recomendado pelo médico veterinário.

96
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE IV

Importante lembrar que se o animal estiver em fase de diagnóstico, é


imprescindível a suspensão das medicações de controle do quadro pruriginoso.
O corticoide é suspendido 15 dias antes do retorno e o maleato de oclacitinib,
7 dias antes do retorno, para que o efeito da dieta restritiva possa ser avaliado
quanto ao controle dos sinais clínicos, principalmente do prurido, de modo que
não haja influência das medicações acimas citadas.

97
CAPÍTULO 2
Demodiciose felina

A demodiciose é considerada uma condição parasitária incomum nos felinos e pode


ser causada por alguns ácaros, os quais ainda não foram nomeados, e por outros
dois já conhecidos, o Demodex cati e o Demodex gatoi. Escolhemos exemplificá-la
como uma dermatopatia que acomete felinos idosos, pois sua ocorrência está ligada,
principalmente, a doenças imunossupressoras, as quais, em sua maioria, acabam
surgindo em felinos mais velhos.

Neste capítulo, discutir um pouco sobre a fisiopatologia do quadro, os sinais clínicos, o


diagnóstico e os tratamento disponíveis para esse quadro incomum de ocorrer na nossa
rotina clínica veterinária.

Fisiopatologia
Basicamente em felinos, o quadro clínico do Demodex cati se instala devido a um
quadro primário de imunossupressão, o que faz com que a população de ácaros
aumente na pele e cause sinais clínicos. Dentre as doenças descritas que podem
desencadear o quadro de demodiciose felina, destacam-se: infecções crônicas do trato
respiratório, como a asma felina; doenças autoimunes; doenças endócrinas, como
diabetes mellitus e hipertireoidismo; toxoplasmose; vírus da leucemia felina (FeLV);
vírus da imunodeficiência felina; parasitose intestinal e neoplasias, como o carcinoma
de células escamosas.

Já na demodiciose felina causada pelo Demodex gatoi, a sua forma de transmissão


não está bem elucidada. É considerada uma dermatopatia parasitária contagiosa, pode
ser transmitida entre gatos e, possivelmente, para outras espécies. Acredita-se que
muitos felinos possam ser portadores assintomáticos desses ácaros, e que em alguns
possa ocorrer uma hipersensibilidade ao ácaro, o que causa um quadro pruriginoso.
Diferentemente da demodiciose causada pelo Demodex cati, sua ocorrência não está
relacionada a quadros de imunossupressão.

Morfologicamente, os ácaros que acometem felinos são um pouco diferentes dos


que acometem cães, sendo o Demodex cati mais parecido com o Demodex canis.
Apresenta-se como um ácaro longo e fino, residente de folículos pilosos, glândulas e
ductos sebáceos, e o Demodex gatoi se apresenta como um ácaro de corpo largo e curto,
vivendo em estrato córneo.

98
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE IV

Existe um relato de uma terceira espécie ainda não identificada de Demodex


que acomete felino, e já foram relatadas infecções pelos dois tipos de ácaros
num mesmo felino. A demodiciose felina ainda tem muito a ser esclarecida,
possivelmente porque há muitos animais assintomáticos e, talvez, por ser
subdiagnosticada ou não relatada. Isso faz com que pouco se saiba ainda sobre
o comportamento desses ácaros.

Sinais clínicos
Os principais sinais clínicos no caso da demodiciose por Demodex gatoi são as lesões
e alopecias em cabeça e pescoço, as quais são causadas pelo quadro pruriginoso que o
ácaro provoca. Essas lesões são principalmente por alopecia autoinduzida por excesso
de lambedura, e também podem ser observadas na região interna das coxas, no abdome
ventral, nos flancos, nos membros anteriores, nas regiões as quais os felinos conseguem
lamber com mais facilidade. Nos casos mais graves, pode-se observar um quadro de
dermatite miliar e o surgimento de úlceras indolentes em lábios.

No caso da demodiciose causada pelo ácaro Demodex cati, o grau de prurido se


apresenta variável, mas também com predileção para lesões em regiões faciais. Pode
apresentar otite externa ceruminosa como único sinal clínico do quadro. Outros sinais
clínicos que podem ser observados são pápulas, descamação, seborreia, formação de
comedos e escaras (Figura 38).

Figura 38. Felino da raça Persa, fêmea idosa, apresentando lesões por autotraumatismo devido à demodiciose
felina por Demodex cati.

Fonte: elaborada pela autora.

99
UNIDADE IV │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico é baseado na história clínica, nos sinais clínicos e na visualização do
ácaro em microscópio, assim como na demodiciose canina. O diagnóstico pode ser
dificultoso, nem sempre sendo possível a visualização do ácaro no raspado de pele.

Gatos com hipotricose, alopecia e prurido devem ser sempre investigados quanto
à possibilidade da demodiciose felina. Em caso de descarte de todas as outras
dermatopatias, o diagnóstico terapêutico pode ser realizado, assim como ocorre na sarna
sarcóptica em cães, em que a resposta positiva ao tratamento subsidia o diagnóstico.
Sendo assim, os exames para diagnóstico diferenciais são:

» Exame parasitológico do raspado cutâneo (EPRC): deve ser


realizado da mesma forma que em cães, por meio da raspagem profunda.
O material coletado deverá ser depositado em lâmina e, após, diluído
em óleo mineral ou KOH. Deve-se proceder com sua visualização em
microscópio na busca de ácaros (Figura 39 e Figura 40).

» Impressão por fita de acetato: em razão de gatos serem mais ariscos,


o exame por fita de acetato pode ser feito, diminuindo assim o estresse do
animal, caso não seja possível a realização do EPRC.

» Tricograma: os ácaros podem ser vistos por meio do tricograma em


razão de localizarem-se em folículos pilosos.

» Exame parasitológico do cerúmen: coletar o cerúmen por meio de


um swab e promover sua diluição em óleo mineral para, posteriormente,
visualizar a amostra em microscópio. Esse exame é fundamental
principalmente em gatos que apresentem otite ceruminosa como único
sinal clínico.

» Histopatológico: usado principalmente em casos de carcinoma de


células ceruminosas (CEC) com quadros inflamatórios importantes,
pois, muitas vezes, a demodiciose felina por Demodex cati ocorre
concomitantemente ao quadro de CEC. Na amostra analisada, será
evidenciado um quadro de foliculite e furunculose.

Descartar os diagnósticos diferenciais é essencial, pois, em razão de ser uma dermatopatia


pouco frequente, podemos acabar diagnosticando um quadro erroneamente.
Os diagnósticos diferenciais incluem dermatofitose, quadros autoimunes como
pênfigo foliáceo, foliculite bacteriana, otocaríase ou sarna notoédrica, farmacodermia,
dermatite alérgica por alimentos, DAPE, atopia like, linfoma cutâneo, cheiletiella e
alopecia psicogênica.

100
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE IV

Figura 39. Visualização microscópica de um ácaro de Demodex cati. Amostra obtida por meio de raspado
cutâneo.

Fonte: Valandro et al. (2016).

Figura 40. Visualização microscópica de um ácaro de Demodex gatoi. Amostra obtida por meio de raspado
cutâneo.

Fonte: Bernstein et al. (2014).

É importante que exames complementares, principalmente de FIV/FELV,


sejam realizados nesses animais com diagnóstico de demodiciose felina; seja o
diagnóstico realizado por meio de EPRC ou por diagnóstico terapêutico, visto que
seu quadro pode estar ligado a doenças imunossupressoras, não sendo suficiente
apenas tratar o quadro dermatológico. Investigue sempre causas de base.

Tratamento e prognóstico
O tratamento sempre será baseado em tratar não somente a demodiciose, mas também
o fator que está desencadeando a imunossupressão do paciente. Por isso a importância
de investigar a causa de base como foi mencionado no tópico anterior.

101
UNIDADE IV │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Para o tratamento da demodiciose em si, podem ser usados os acaricidas que


descreveremos logo abaixo:

» Ivermectina: recomendada na dose de 0,2-0,3 mg/kg, via oral, por cerca


de 4 semanas. A frequência da administração varia muito de acordo com
os autores da literatura; alguns recomendam a cada 48 horas e outras, a
cada 7 dias. Essa discrepância da frequência se deve aos efeitos colaterais
que a ivermectina pode causar, principalmente nos gatos, como sinais de
intoxicação e alterações no sistema nervoso central. O ideal é que, caso
esse tratamento seja escolhido, o tutor assine um termo de ciência dos
riscos de efeito colateral.

» Doramectina: a dose recomendada é de 600 mcg/kg, subcutâneo,


semanalmente, por duas a três semanas.

» Milbemicina: na dose de 2 mg/kg, via oral, em dose única.

» Moxidectina tópica (formulação comercial de 10% imidacloprid


+ 1% moxidectina): aplicações semanais durante 8 semanas ou até 2
semanas posteriores à cura clínica.

» Furalaner: em estudos, mostrou-se eficiente no tratamento da


demodiciose felina, assim como já tem seu uso recomendado na
demodiciose canina.

» Antibioticoterapia: é recomendada em casos de piodermite


concomitante. Considerando a dificuldade de manipulação da medicação
oral em felinos, recomenda-se o uso da cefovecina injetável em dose
única.

» Enxofre: de baixo custo, é utilizado na concentração de 2-4%, a cada 3


a 7 dias, por quatro a oito semanas, até o controle dos sinais clínicos e do
exame parasitológico negativo.

» Tópico: o tratamento tópico com triclosan e com amitraz já foram relatados


e recomendados. Porém, por se tratar de felinos e principalmente devido
ao risco de intoxicação com o amitraz, a autora preferiu não exemplificar
essa terapia como forma de tratamento, visto que não a considera segura
e nem indica o seu uso em felinos.

Lembre-se sempre de tratar o quadro desencadeador da demodiciose felina. O prognóstico


irá variar principalmente da causa de base que desencadeou o quadro de demodiciose;
de favorável a sombrio.

102
CAPÍTULO 3
Tumores de anexos cutâneos

O tumor de anexos cutâneos tem uma ocorrência bastante comum em cães, principalmente
nos animais mais idosos, sendo benignos em sua maioria. Já em gatos, a sua ocorrência
é rara e costuma também acometer os felinos idosos, porém diferentemente dos cães,
tem um caráter maligno.

Os tumores mais comuns são os das glândulas sebáceas, os quais podem ser classificados
em hiperplasia de glândulas sebáceas, epiteliomas sebáceos, adenomas sebáceos e
adenocarcinoma sebáceo. Esses tumores têm preferencia por regiões de cabeça, tórax e
abdome, mas podem se estender para orelhas e membros.

Outra forma de tumor sebáceo é o tumor das glândulas meibonianas, frequente em


cães, mas pouco diagnosticado em felinos. É importante saber reconhecer esse quadro,
pois, em razão de ser muito frequente, é uma reclamação dos tutores durante os
atendimentos, principalmente porque alguns são extremamente grandes e podem gerar
uma sensação de asco aos tutores.

Fisiopatologia
Não se sabe ainda o que desencadeia o desenvolvimento dos tumores sebáceos nos
animais, porém alguns estudos acreditam que medicamentos como os diuréticos
tiazínicos possam estar envolvidos nos quadros de carcinomas sebáceos.

Outra causa estudada é em relação à influência de hormônios, como a testosterona,


progesterona, glicocorticoide e hormônios hipofisário no desenvolvimento dessas
hiperplasias glandulares. Atualmente, estudos com marcadores imuno-histoquímicos
demonstraram que os hormônios listados acima têm um papel no crescimento das
neoplasias sebáceas.

Sinais clínicos
Os tumores de glândulas sebáceas se apresentam clinicamente como lesões
proeminentes, de superfície lisa ou irregular, as quais podem ser planas ou pendulares,
alopécica, de coloração que varia de esbranquiçada a amarelada (Figura 41).

Seu tamanho pode variar desde lesões milimétricas até lesões maiores e bem visíveis e
pode apresentar ulcerações, inflamações e infecções secundárias. Os animais podem ter
nódulos isolados ou múltiplos nódulos espalhados pelo corpo.
103
UNIDADE IV │ DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS

Figura 41. Cão da raça Cocker, idoso, apresentando um quadro de hiperplasia da glândula sebácea. Note o
nódulo solitário em região facial.

Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico definitivo se dá pela análise histopatológica, já que os tumores são
muito semelhantes clinicamente entre si. Abaixo, descreveremos as características
encontradas em cada um dos tumores.

» Hiperplasia sebácea: são nódulos bem diferenciados que apresentam


proliferação de células basaloides de reserva e com células de diferenciação
sebáceas sem alterações neoplásicas.

» Adenomas sebáceos: são massas intradérmicas bem demarcadas que


podem se estender da interface dermoepidérmica para o subcutâneo,
com a formação de lóbulos discretos e, na periferia desses lóbulos, pode
ser visualizado arranjo de células basaloides. No interior dos adenomas
podem ser visualizados sebócitos.

» Epiteliomas sebáceos: são células com reserva de citoplasmas escassos


e núcleos ovoides hipercromáticos, formando uma massa neoplásica.
Apresentam núcleos grandes diferenciados e vesiculosos, com até três
nucléolos e mitoses.

» Carcinomas sebáceos: Células com grau moderado de diferenciação


sebácea, com múltiplos lóbulos, apresentam variáveis alterações
citoplasmáticas, com pleomorfismo nuclear associado à hipercromasia e
atividade mitótica moderada.

104
DOENÇAS DERMATOLÓGICAS EM ANIMAIS GERIÁTRICOS │ UNIDADE IV

Tratamento e prognóstico
O tratamento vai variar de acordo com o caráter de malignidade, e pode ser desde
a sua retirada por meio cirúrgico até a sua manutenção e observação. Em seguida,
discutiremos um pouco sobre cada técnica.

» Retirada cirúrgica: indicada principalmente para os casos de tumores


malignos, em que as amostras devem ser retiradas com margem ampla e
enviadas para análise histopatológica de margens. Outra recomendação é
para os nódulos que têm recidiva de ulceração ou apresentam incômodo
ao paciente (Figura 42).

» Crioterapia: é uma terapia menos invasiva, recomendada para animais


com nódulos únicos e que tenham um temperamento calmo e dócil.
Pode ser utilizada apenas anestesia local para a execução da técnica. Sua
desvantagem é o custo e a necessidade de profissional habilitado para a
realização do procedimento.

» Tratamento tópico: recomendado nos casos em que os tumores estão


inflamados, ulcerados ou infeccionados. Podem ser utilizadas pomadas
comerciais à base de anti-inflamatórios esteroidais e antibióticos para a
melhora do quadro.

Figura 42. Inúmeros tumores sebáceos retirados de um único animal por meio de punch. Foram enviados para
análise histopatológica posteriormente, a qual confirmou hiperplasia sebácea.

Fonte: elaborada pela autora.

105
MISCELÂNCIAS
DE DISTÚRBIOS UNIDADE V
ENDÓCRINOS E
DERMATOLÓGICOS

CAPÍTULO 1
Hiperadrenocorticismo e hipotireoidismo
em cães

O hiperadrenocorticismo (HAC) é considerado uma das endocrinopatias mais comuns


nos cães, acometendo principalmente animais mais idosos. Porém, é muito rara em
gatos. Também conhecida como síndrome de Cushing, caracteriza-se pela produção
excessiva de hormônios glucocorticoides e pode ser causada por excesso de secreção do
hormônio adrenocorticotrófica (ACTH) ou por excesso de secreção de cortisol.

O HAC também pode ser de causa iatrogênica pela administração excessiva de


glucocorticoides. Tem caráter multissistêmico já que esse desequilíbrio de glucocorticoide
no organismo causa alterações em vários órgãos e funções do organismo.

Devido a essa alta ocorrência, abordaremos neste capítulo a sua fisiopatologia, os seus
sinais clínicos, o seu diagnóstico, os diagnósticos diferenciais e as opções de tratamento.

Fisiopatologia
Antes de falarmos sobre a fisiopatologia, vamos relembrar rapidamente sobre a
anatomia e função das glândulas adrenais, e como se dá a produção normal dos
glucocorticoides, de modo que possamos compreender melhor o porquê determinadas
alterações desencadeiam o quadro de hiperadrenocorticismo.

Glândulas Adrenais – Eixo hipotálamo–hipófise–adrenal

O glucocorticoide endógeno é produzido pelas glândulas adrenais, as quais se localizam


cranialmente aos rins, como já falamos em capítulo anterior, e se divide em porção
cortical e medular. Na zona cortical ocorre a produção do hormônio cortisol.
106
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

A biossíntese do cortisol se dá a partir do colesterol, e sua produção é estimulada


pelo eixo hipotálamo–hipófise–adrenal, por meio do mecanismo que chamamos de
feedback negativo. Basicamente, o funcionamento desse eixo ocorre da seguinte forma:
o hipotálamo libera o hormônio corticotropina (CRH), o qual atuará sobre a hipófise e
estimulará a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), o qual agirá sobre as
adrenais e estimulará a produção de esteroides; dentre estes, o cortisol.

Quando o cortisol atinge acima de 1mg/dl na circulação sanguínea, o hipotálamo inibe


a liberação da corticotropina, a qual não irá estimular a hipófise a liberar ACTH e, dessa
forma, as adrenais não são estimuladas a produzir esteroides. Quando o valor de cortisol
volta a ser inferior a 1mg/dl, o hipotálamo volta a liberar o hormônio corticotropina e
ocorre novamente a estimulação do eixo hipotálamo–hipófise–adrenal para a produção
do cortisol.

Cortisol

O cortisol é responsável por muitas funções fisiológicas no organismo, dentre as


quais podemos citar: a gliconeogênese hepática pelo catabolismo proteico e lipídico,
efeito β- adrenérgico, estimulação da secreção de ácido gástrico, inibição da resposta
inflamatória, inibição da liberação das gonadotrofinas, estimulação do apetite,
estimulação de melanócitos, resistência insulínica, aumento da lipólise e mobilização
da gordura dos tecidos adiposos para a circulação, que aumenta a sua concentração
no plasma e feito antialérgico, inibindo a produção das prostaglandinas e a
desgranulação mastocitária.

HAC hipofisário e HAC adrenal

O hiperadrenocorticismo ocorre quando há alguma alteração do eixo hipotálamo–


hipófise–adrenal. Essa alteração pode ser dividida em duas formas: HAC hipofisário
ou HAC adrenal.

» HAC hipofisário: representa cerca de 80% dos casos de HAC


diagnosticados em cães. Ocorre devido à presença de tumores ou
hiperplasia da glândula hipófise, que levam a uma secreção exacerbada
do ACTH e comprometem o feedback negativo do eixo hipotalâmico–
hipofisário–adrenal. Nesse quadro, teremos o aumento do cortisol sérico,
mas o ACTH, apesar de estar com sua produção aumentada, apresentar-
se-á dentro do valor sérico de normalidade.

» HAC adrenal: relacionado a tumores na adrenal, é mais comum


adenoma ou carcinoma, sendo unilateral comumente e raramente
107
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

bilateral. O tumor induzirá a produção excessiva de cortisol, que, por sua


vez, inibirá a produção de CHR no hipotálamo, o qual, por consequência,
inibe a produção de ACTH pela hipófise. Isso causa uma hipoplasia ou
atrofia da glândula adrenal sem tumor por desuso. Mesmo na ausência
de ACTH, a adrenal com tumor continuará a produzir cortisol de maneira
exacerbada.

Sinais clínicos

Os animais com hiperadrenocorticismo desenvolvem inúmeros sinais clínicos,


que, juntos, tornam-se característicos do quadro. Esses sinais clínicos são polifagia,
polidipsia, poliúria, abdome abaulado, pele fina, telangiectasia, comedos, fraqueza
muscular, letargia, ofegação e intolerância ao exercício, anestro persistente e atrofia
testicular, prepúcio pendular, predisposição a infecções de pele e a outras doenças
endócrinas como o diabetes mellitus.

Abaixo, comentaremos o porquê da ocorrência dos principais sinais clínicos:

» Poliúria/polidipsia: entre os sinais clínicos principais do HAC estão


a PU/PD, e quase 90% dos cães apresentam esse sintoma. Acredita-se
que a poliúria ocorra pela inibição do hormônio diurético vasopressina
pelo cortisol, sendo que a polidipsia ocorre como forma compensatória
da poliúria.

» Polifagia: ocorre devido à diminuição da concentração do CRH e pelo


efeito anti-insulínico do cortisol. Não reconhece de forma efetiva a glicose
que tem disponível no organismo e não bloqueia os receptores da fome,
fazendo com que o animal aumente sua ingestão de alimento.

» Abaulamento abdominal: o aumento do volume abdominal se dá pela


redistribuição do tecido adiposo pela cavidade abdominal, pelo aumento
de órgãos abdominais, principalmente o fígado, e pela depleção da massa
muscular devido ao aumento do catabolismo proteico (Figura 43).

» Alterações musculares: o aumento do cortisol sérico inibe a síntese


proteica e favorece o catabolismo proteico, predispondo à atrofia
muscular, à fraqueza e à posterior letargia do animal.

» Alopecia bilateral: alguns tutores levam o animal para consulta devido


a problemas dermatológicos, mas sua base pode estar relacionada a um
HAC de base. As alterações dermatológicas mais comuns são a alopecia
bilateral simétrica, pelos quebradiços, finos e secas, e isso ocorre porque

108
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

o cortisol aumentado interfere no ciclo do crescimento do pelo, o que


diminui a fase anágena (crescimento) e aumenta a fase telógena (repouso)
(Figura 44).

Figura 43. Paciente com hiperadrenocorticismo. Note o abaulamento abdominal devido à redistribuição de
tecido adiposo pela cavidade abdominal.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 44. Mesma paciente da figura acima evidenciando a alopecia bilateral simétrica; quadro comum em
casos de doença endócrina.

Fonte: elaborada pela autora.

» Atrofia cutânea e telangiectasia: é também um dos sinais mais


visualizados nos cães com HAC. Ocorre devido à inibição da multiplicação
e migração dos fibroblastos e devido à atrofia do colágeno pelo cortisol em
excesso, o que torna a pele fina e elástica. Dessa forma, a atrofia cutânea,

109
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

associada ao abaulamento abdominal e à alteração dos vasos sanguíneos,


permite a visualização de todos os vasos sanguíneos cutâneos; quadro
este que chamamos de telangiectasia. A pele fina também dificultará a
cicatrização.

» Piodermite, seborreia e demodiciose: a piodermite e demodiciose


ocorre pela imunossupressão causada pelo excesso de cortisol.
Esse excesso também causa a atrofia das glândulas sebáceas, podendo
gerar quadros de seborreia.

» Comedões: também chamados de comedos, ocorrem pela atrofia das


glândulas sebáceas e pela degeneração folicular. Os animais também
podem apresentar a pele mais hiperpigmentada pelo aumento de
melanócitos na camada córnea, basal e na derme.

» Calcinose cutânea: ocorre principalmente nas áreas de abdome,


virilhas, axilas e região de pescoço. Possivelmente é causada por um
rearranjo na estrutura das proteínas de colágeno e elastina, que atrai
e liga o cálcio. Na pele, é possível visualizar placas nodulares, firmes,
sobrelevadas e de coloração esbranquiçada.

» Equimoses: são visualizadas principalmente após punção venosa.


Isso ocorre porque o cortisol induz a fragilidade da parede dos vasos
sanguíneos e podem aparecer hematomas após qualquer tipo de trauma
leve.

» Sinais respiratórios: devido à atrofia, à fraqueza muscular e à deposição


de gordura em tórax, os animais com HAC podem apresentar dificuldade
na ventilação pulmonar, que causa o sinal clínico de taquipneia. Além
disso, os órgãos abdominais com acúmulo de gordura e aumentados
causam uma pressão no diafragma, causando distúrbios respiratórios.
Menos comum, o HAC pode predispor à mineralização pulmonar
intersticial e ao tromboembolismo.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico do HAC é baseado na história clínica, nos sinais clínicos, em exames
complementares e em exames específicos para avaliação do eixo hipotálamo–hipófise–
adrenal. A seguir, descreveremos os exames solicitados e as principais alterações que
podem ser encontradas:

» Hemograma: o hemograma apresenta-se normal comumente, porém


alguns animais podem apresentar um quadro de policitemia devido
110
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

à hipóxia, que ocorre pela diminuição da ventilação pulmonar e pela


trombocitose. Observa-se um leucograma com leucocitose por neutrofilia,
monocitose, linfopenia e eosinopenia; o conhecido “leucograma de stress”
devido à produção excessiva de cortisol.

» Enzimas hepáticas: normalmente a ALT e FA encontram-se


aumentadas devido ao acúmulo de glicogênio e à alteração do fluxo
sanguíneo hepático.

» Glicemia: em razão do efeito anti-insulínico do cortisol e da estimulação


da gliconeogênese hepática, a glicemia pode estar aumentada, inclusiva
apresentando aumentos importantes. É necessário investigar se o
paciente não desenvolveu um quadro de diabetes mellitus.

» Urinálise: devido ao quadro de PU/PD, os animais apresentam baixa


densidade urinária (<1008). Em casos de DM secundário, terá a presença
de glicosúria. A relação proteína–creatinina urinária estará aumentada
entre 1 e 6, e pode haver a presença de bactérias. Recomenda-se
a realização de urocultura e antibiograma com urina coletada por
cistocentese.

» Eletrólitos: não é tão utilizado como diagnóstico, mas como controle


em razão de os pacientes terem alterações hemodinâmicas. Sendo assim,
pode ser dosado sódio, potássio e fósforo, os quais podem apresentar
hipernatremia, hipocalemia e hipofosfatemia.

» Diagnóstico por imagem: o diagnóstico por imagem é realizado


tanto através do ultrassom quanto da radiografia de tórax e abdome.
No ultrassom abdominal é possível avaliar o tamanho das adrenais, que
podem estar aumentadas ou atrofiadas, e a presença de hepatomegalia
com ecogenicidade aumentada. Já na radiografia torácica, é possível
observar um padrão pulmonar intersticial, metástase pulmonar e
tromboembolismo em quadros mais graves com sinais respiratórios, ou
que as causas primárias sejam neoplasias. No raio-x abdominal, em casos
neoplásicos, é possível observar hepatomegalia, distensão da vesícula
urinária, metástase abdominal e tumores da adrenal.

» Colesterol e triglicérides: um dos exames de triagem para doenças


endócrinas é a dosagem de triglicerídeos e colesterol. Em geral, as
triglicérides são maiores nos casos de HAC, porém essa não é uma regra.
Desse modo, é necessário descartar as doenças que também causam
hiperlipidemia.

111
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

» Ureia e creatinina: o cortisol aumenta a diurese e reduz a permeabilidade


tubular. Dessa forma, perde ureia e creatinina pela urina, as quais irão
normais ou diminuídas nos exames bioquímicos.

» Teste de supressão com baixa dose de dexametasona: é


considerado o “teste-ouro” no diagnóstico do HAC. A técnica consiste
na coleta em jejum de sangue, o que chamamos de tempo 0, após a
aplicação de 0,01 mg/kg IV de dexametasona, com nova coleta de
amostra após 4 horas da administração de dexametasona (tempo 4)
e, após, uma nova coleta após 8 horas da aplicação de dexametasona
(tempo 8). Dessa forma, teremos a análise do funcionamento do eixo
hipotálamo–hipófise–adrenal por meio da quantidade de cortisol
sérico nos tempos 0, 4 e 8. Em cães saudáveis, a administração IV de
dexametasona fará com que haja a inibição do eixo HHA, o que inibirá
a produção do cortisol. Logo, o valor de cortisol será < 1.4 µg/dL, após
as 8 horas de administração, em cães com HAC <1.4 µg/dL. Utiliza-se a
dosagem em tempo 4 para diferenciar se o HAC é hipofisário ou adrenal.
Sendo assim, se o cortisol for < 1.4 µg/dL ou inferior a 50% do cortisol
basal (tempo 0), é sugestivo de HAC hipofisário. Se o cortisol for > 1,4
μg/dL ou superior a 50% do cortisol basal, é sugestivo de HAC adrenal.

» Teste de estimulação com ACTH: consiste na coleta de cortisol basal


(tempo 0) e, após, na administração de ACTH sintética na dose de 0,125
mg em cães menores que 5 kg, e de 0,250 mg em cães com mais de 5 kg,
por via intravenosa. Coleta-se nova amostra após 1 hora da administração
do ACTH. A intenção desse teste é fazer com que a adrenal produza a
máxima liberação de cortisol. Um cão hígido apresentará o cortisol entre
6 e 22 µg/dL, enquanto um cão com HAC apresentará cortisol >22 µg/
dL. Cães com HAC iatrogênico apresentam cortisol basal baixo e resposta
inexistente à estimulação a ACTH.

» Teste de supressão com altas doses de dexametasona: esse


teste não tem tanta sensibilidade nos casos de HAC adrenal, sendo mais
utilizado em suspeita de HAC hipofisário. A técnica também consiste
em coletas no tempo 0, 4 e 8 horas. O cortisol basal é a primeira coleta
após a administração intravenosa de dexametasona na dose de 0.1 mg/
kg e coletas em tempo 4 e 8 horas após dexametasona. Se a concentração
de cortisol, nos tempos 4h e 8 horas, for menor que 1,4 μg/dL ou 50%
menor do que o valor do cortisol basal, considera-se um quadro de
HAC hipofisário.

112
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

» Medição da concentração 17-α-hidroxiprogesterona: alguns cães


podem apresentar sinais clínicos condizentes com o quadro de HAC, porém
com resultados laboratoriais normais. Para esses casos, recomenda-se
a realização da medicação hormonal da 17-α-hidroxiprogesterona, a qual
é realizada após a estimulação com ACTH. Em cães saudáveis, os valores
esperados serão de 1.0 e 1.9 nmol/l pré-ACTH e entre 1.0 e 5.5 nmol/L
pós-ACTH, enquanto animais com HAC atípico apresentarão entre 6.5 e
38.0 nmol/L pós-ACTH.

É importante diferenciar HAC hipofisário de HAC adrenal, pois o tratamento será


diferente. No próximo tópico, iremos discutir sobre os tratamentos disponíveis e
recomendados para cada caso. Abaixo, esquematizaremos a interpretação do exame
para facilitar a compreensão.

A dosagem basal de cortisol como forma de diagnóstico isolada não é uma fonte
confiável, já que não ocorre ritmo circadiano da secreção de cortisol nos cães.
Sendo assim, mesmo animais saudáveis podem apresentar aumento de cortisol
basal, assim como pacientes com HAC podem apresentar cortisol basal dentro
dos valores de referência (5 a 60 ng/mL ou 0,5 a 6 mg/dL).

Tratamento e prognóstico

O tratamento dependerá muito de qual a causa do HAC, se é por tumor em hipófise


e adrenal, além de também ser realizado o tratamento das alterações secundárias ao
hiperadrenocorticismo. Por isso, podemos dizer que é um tratamento multimodal.
Seguem os principais tratamentos atuais existentes para o HAC:

» Mitotano: provoca necrose seletiva das zonas do córtex adrenal.


É bastante indicado nos casos de tumor de adrenal.

» Trilostano: inibe a enzima 3b HSD e, consequentemente, a


esteroidogênese.

» Adrenalectomia: recomendado em casos de tumor de adrenal. Pode


ser unilateral ou bilateral. É uma alternativa para reduzir os custos com
o tratamento medicamentoso e para aqueles animais que não respondem
favoravelmente ao tratamento medicamentoso. No entanto, a cirurgia
apresenta algumas ressalvas, dentre as quais se destacam:

› Cirurgião veterinário treinado e experiente em realizar procedimentos


de adrenalectomia.

113
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

› Anestesista capacitado para lidar com as alterações metabólicas e


hemodinâmicas que pacientes com HAC apresentam.

› Risco de tromboembolismo pulmonar devido à extensão das massas


tumorais que podem adentrar os vasos adjacentes, principalmente a
veia cava.

› Suplementação de glicocorticoides pré, trans e pós-operatório nos


casos da adrenalectomia unilateral até que a adrenal contralateral
tenha adquirido a capacidade secretora de cortisol, o que evita um
quadro de hipoadrenocorticismo.

› Risco de insuficiência renal e risco de insuficiência adrenocortical.

› Adrenalectomia bilateral necessitará de suplementação com


mineralocorticoides e glicocorticoides ad eternum.

Todas os sinais clínicos secundários ao HAC devem ser tratados, como, por exemplo,
tratar casos de piodermites, de diabetes mellitus, realizar o tratamento da calcinose
cutânea em animais que apresentarem o quadro, e assim consecutivamente.
O prognóstico dependerá principalmente das complicações que o quadro de HAC
poderá desencadear.

O tratamento do hiperadrenocorticismo iatrogênico consiste na retirada gradual


do glicocorticoide, fazendo com que o eixo HHA tenha tempo para voltar ao seu
funcionamento normalmente. Se ocorrer a retirada abrupta do glicocorticoide, o
animal sofrerá um quadro de hipoadrenocorticismo. Ademais, se a retirada não
for lenta, poderá sofrer a síndrome de retirada de glicocorticoide e apresentará
tumores e êmese, de modo que necessitará de terapia de reposição.

Complicações do hiperadrenocorticismo

O prognóstico do quadro de HAC depende principalmente das suas complicações, como


foi mencionado acima. Dentre as principais complicações, destacam-se: hipertensão
sistêmica, quadros de pielonefrite, formação de cálculos vesicais, glomerulonefropatia
com proteinúria, insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo pulmonar e
hipotireoidismo.

A hipertensão sistêmica ocorre em aproximadamente 80% dos casos devido à retenção


de sódio, da ativação do sistema renina–angiotensina e do aumento da sensibilidade
vascular aos vasospressores, porém, com o controle do quadro de HAC, cerca de 40% dos
animais têm a hipertensão controlada, enquanto alguns continuarão se apresentando

114
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

hipertensos devido à aterosclerose desenvolvida, a qual predispõe à cegueira, ao


descolamento da retina, à ICC, a glomerulopatias e ao tromboembolismo.

O tromboembolismo pulmonar ocorre devido à inibição da fibrinólise, da hipertensão


sistêmica, pelas alterações nos fatores de coagulação e pelo aumento do hematócrito.
Animais com tromboembolismo pulmonar podem apresentar quadros clínicos de
dificuldade respiratória, adotar posição ortopneica e pulso fraco. O prognóstico é ruim,
com alta taxa de mortalidade.

O diabetes mellitus pode ocorrer em 10% dos cães diagnosticados com HAC, e isso
ocorre porque o excesso de cortisol endógeno leva a um aumento da gliconeogênese
hepática e à resistência insulínica.

Quadros de infecções cutâneas e de trato urinário inferior também podem ocorrer


devido a uma diminuição da imunidade, pela presença de glicosúria e predispor à
formação de cálculos vesicais em razão do aumento da excreção de cálcio na urinária.
Esses quadros de cristalúria predispõem ao quadro de pielonefrite e doença renal.

Alterações neurológicas podem ser visualizadas em animais com tumor de hipófise


devido à expansão do tumor, causando sinais clínicos como apatia, anorexia, head tilt,
head pressing, convulsões, ataxia e cegueira.

O hipotireoidismo é um quadro endócrino que pode ocorrer como uma complicação do


quadro de HAC, já que a alteração do eixo HHA irá comprometer a correta produção
dos hormônios T3 e T4. Dessa forma, a diminuição da concentração dos hormônios
tireoidianos será em decorrência do quadro de HAC e não de origem tireoidiana; quadro
este que chamamos de síndrome eutiroidiana.

Hipotireoidismo em cães
Podemos definir o hipotireoidismo como uma doença multissistêmica, que acomete
principalmente cães de meia-idade, não tem predisposição sexual, sendo muito rara
em felinos. Possui predileção racial pelas raças Golden Retriever, Doberman Pinscher,
Setter Irlandês, Boxer, Schnauzer, Dachshund, Cocker Spaniel e Poodle.

O hipotireoidismo é desencadeado quando a glândula tireoide deixa de secretar a


quantidade necessária de hormônios tireoideanos, os quais são necessários para
a manutenção das funções metabólicas do organismo.

Neste capítulo, discutiremos sobre os tipos de hipotireoidismo existentes, os sinais


clínicos, os diagnóstico e o tratamento existentes para esse quadro.

115
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

Fisiopatologia

Eixo hipotálamo–hipófise–tireoide

Vamos recapitular como se dá a secreção dos hormônios tireoidianos. O hipotálamo


libera o hormônio liberador de tireotrofina (TRH) para a hipófise; na hipófise, ocorrerá
a estimulação da adenohipófise para liberar o hormônio estimulante da tireoide (TSH).
Esse hormônio estimulará a secreção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina)
pela glândula tireoide. Para a secreção dos hormônios tireoidianos, são essenciais
tirosina e iodo, este último ingerido mediante a alimentação. Os hormônios T3 e T4
secretados pela tireoide serão enviados para os órgãos alvos, principalmente fígado e
músculos, para que sua função no metabolismo basal do organismo possa ocorrer.

O T4 pode ser encontrado de duas formas na circulação; em sua forma conjugada,


ligada a proteínas plasmáticas, sendo a maior proporção e T4 livre, e em sua forma ativa,
que atua no eixo hipotálamo–hipófise–tireoide, em que exerce o feedback negativo.
Essa informação é importante justamente na hora de analisar T4 total ou T4 livre nos
exames para diagnóstico.

Classificação do hipotireoidismo
Segundo a sua etiologia, o hipotireoidismo pode ser classificado em primário, secundário
ou terciário. Abaixo, descreveremos cada um deles:

» Hipotireoidismo primário: ocorre quando há a destruição da glândula


da tireoide, geralmente secundária à tireoidite linfocítica, em que ocorre
a destruição imunomediada da glândula, que substitui o tecido glandular
por tecido conjuntivo fibroso. Pode ocorrer também devido à atrofia
glandular idiopática, em que o tecido glandular é substituído por tecido
adiposo. Provavelmente pode ser um estágio final da tireoidite linfocítica
ou ser desencadeado por doenças degenerativas primárias, congênitas ou
neoplásicas. Ocorre em 95% dos casos.

» Hipotireoidismo secundário: decorrente de uma deficiência de TSH


devido a um tumor pituitário ou à formação de uma bolsa cística, fazendo
com que a secreção de TSH seja comprometida. Ocorre em cerca de 5%
dos casos.

» Hipotireoidismo terciário: ocorre quando há uma deficiência na


produção do TRH, provoca uma secreção insuficiente de TSH e leva a
uma atrofia folicular secundária da tireoide ou, ainda, devido à neoplasia.
É muito rara essa forma de hipotireoidismo.
116
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

Síndrome do eutireoideo refere-se à diminuição das concentrações séricas de T4


em cães com doenças graves concomitantes. Possivelmente esse quadro ocorre
pelo declínio da secreção de TSH, que ocorre pela supressão de hipotálamo ou
hipófise frente a uma enfermidade importante com a finalidade de diminuir o
metabolismo basal celular. Os valores de referência de T4 podem estar próximos
dos valores sugestivos de hipotireoidismo, no entanto, conforme a doença de
base for sendo tratada e resolvida, os hormônios tendem a voltar ao normal sem
a necessidade de suplementação.

Sinais clínicos

O hipotireoidismo, em razão de ter várias funções relacionadas ao metabolismo basal do


organismo, pode apresentar inúmeros sinais clínicos, e muitos deles são inespecíficos.
Porém um sinal clínico importante relatado é a diminuição da interação do animal, a
diminuição de suas atividades e do seu estado mental. Esses sinais são causados pela
diminuição do metabolismo celular.

Esses animais chegam às clínicas com o histórico de letargia, ganho de peso sem
aumento de apetite e sem aumento da ingestão de alimentos, inatividade, intolerância
a exercícios, intolerância ao frio, de modo que procuram sempre estar em lugares
mais quentes ou sob sol, ou apresentado estado hipotérmico quando aferida a
temperatura retal. Na avaliação física, é possível notar mixedema facial, pelo acúmulo
de mucopolissacarídeos na derme, quadro este denominado fácies trágicas (Figura 45
e Figura 46).

Frequentemente, um dos primeiros sinais clínicos que incomodam os tutores são as


alterações dermatológicas, como quadros seborreicos, pelagem opaca e seca, perda de
pelos, áreas de alopecia em flanco e/ou em cauda; o que chamamos de “cauda de rato”.
Esses animais podem apresentar uma pele hiperpigmentada, com infecções fúngicas e
bacterianas secundárias.

Alterações neuromusculares, como neuropatia vestibular e facial e claudicação, podem


ocorrer. Alterações em sistema vascular com bradicardia na auscultação pela diminuição
da contratilidade do miocárdio também já foram relatadas. Em animais inteiros, pode
ocorrer o aumento do anestro, infertilidade, galactorreia, atrofia testicular, oligospermia
e ginecomastia.

Devido ao aumento de colesterol, triglicerídeos e cálcio na corrente sanguínea, pode


haver sinais oftálmicos, como distrofia corneana e uveíte crônica, associados aos demais
sinais clínicos já relatados.

117
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

Figura 45. Paciente com mixedema facial, “fácies trágicas”; secundário ao quadro de hipotireoidismo.

Fonte: elaborada pela autora.

Figura 46. Paciente com hipotireoidismo. Note o sobrepeso evidente.

Fonte: elaborada pela autora.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais

O diagnóstico ocorre por meio de história clínica, sinais clínicos e exames


complementares. Os exames de avaliação da função tireoidiana são os testes-ouro
para o diagnóstico definitivo. Abaixo, descreveremos os exames e as alterações que
podem ser encontradas:

» Hemograma e bioquímicos: no hemograma, pode haver anemia


arregenerativa normocítica normocrômica leve, leucograma normal
e as plaquetas podem estar normais ou aumentadas. O achado mais
importante é do plasma lipêmico devido ao aumento do colesterol e dos
triglicérides, sendo a hipercolesterolemia mais evidente. Normalmente,
as enzimas hepáticas se mostram aumentadas.

118
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

» Concentração sérica deT4 total: esse teste mensura T4 livre e T4


conjugada, propiciando informações importantes para o descarte do
hipotireoidismo. No entanto, não pode ser usada como ferramenta única
de diagnóstico, já que os animais eutireoideos também podem apresentar
concentrações de T4 diminuídas ou no limite inferior (Tabela 1).

» Concentração sérica de T4 livre por diálise: é o exame mais


recomendado para determinar a concentração de T4 livre, já que não sofre
alteração dos valores de T4 conjugada, e devido à técnica de diálise de
equilíbrio modificada não sofrer interferência dos anticorpos circulantes
anti-hormônio da tireoide (Tabela 1).

» Concentração sérica de T3: o T3 não é um indicador confiável para


avaliação, pois grande parte de sua formação é mediante à deionização do
T4 pelo fígado, pelos rins e músculos, de modo que não pode ser utilizado
como parâmetro.

» Concentração sérica de TSH basal: a concentração de TSH não


deve ser interpretada sozinha, mas sempre associada aos valores de
T4 total e T4 livre. Animais com T4 baixo e TSH aumentados indicam
hipotireoidismo primário, e animais com T4 baixo e TSH normal
descartam o hipotireoidismo (Tabela 1).

» Teste de estimulação com TSH: consiste na dosagem sérica de T4


total e livre antes e após a administração de TSH. A coleta do soro é
realizada após 4h da aplicação do TSH por via intravenosa. O objetivo é
avaliar a concentração sérica dos hormônios tireoideanos e diferenciar o
hipotireoidismo da síndrome do eutireoideo doente (Tabela 1).

» Biópsia tireoidiana: é um método útil e confiável tanto para o


diagnóstico do hipotireoidismo quanto para a sua classificação em
primário e secundário. Porém, é um procedimento invasivo que pode
gerar danos permanentes em laringe, como a paralisia e lesões em
paratireoide.

» Diagnóstico por imagem: o exame ultrassonográfico pode ser


utilizado para a avaliação das glândulas tireoides, que podem estar com o
parênquima hiperecogênico quando comparadas aos músculos ao redor,
aumento ou diminuição de seu volume e superfície capsular irregular.
A radiografia pode ser útil nos casos de neoplasias, para que sejam
visualizadas metástases.

119
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

Tabela 1. Valores de referência dos exames específicos para o diagnóstico do hipotireoidismo.

Exames Valores de referência


1,5 e 4,3 µg/dl normais
Concentração sérica deT4 total
< 0,85µg/d hipotireoidismo
>1,5 ng/dl eutireoidismo
Concentração sérica de T4 livre por diálise
< 1 ng/dl hipotireoidismo
< 0,6 ng/d eutireoidismo
Concentração sérica de TSH basal
>0,6 ng/d hipotireoidismo
> 3 µg/ml eutireoidismo
Teste de estimulação com TSH
< 1,5 µg/ml hipotireoidismo

Fonte: elaborada pela autora.

Os diagnósticos diferenciais do hipotireoidismo incluem: hiperadrenocorticismo,


dermatopatias relacionadas com hormônios sexuais, dermatose responsiva ao hormônio
de crescimento e a síndrome do eutireoideo doente.

Tratamento e prognóstico

O tratamento em relação ao hipotireoidismo é simples e ocorre por meio da reposição


hormonal da levotiroxina sintética. Porém, devido aos outros sinais clínicos que o
quadro desencadeia, todas as demais alterações devem ser tratadas concomitantemente
à reposição hormonal.

A dose recomendada de levotiroxina é de 0,022mg/kg (22 µg/kg) SID ou BID por via
oral. Pode-se notar melhora nos quadros neuromusculares em aproximadamente duas
a quatro semanas após a reposição hormonal, e, nas alterações dermatológicas, em
aproximadamente quatro a seis semanas. O paciente com reposição hormonal deve ser
avaliado, inicialmente, após seis a oito semanas do início da suplementação para que a
dose da medicação possa ser reavaliada.

A avaliação do tratamento ocorre mediante a dosagem de T4 antes e após 4 a 6 horas


da administração da levotiroxina sódica. Considera-se adequada a dosagem que está
sendo suplementada se a concentração sérica de T4 estiver acima de 2,5 µg/dl. Se a
concentração de T4 estiver acima de 7,5 µg/dl, a dose da medicação deve ser diminuída,
e se a concentração estiver abaixo de 2,5 µg/dl, a dose deve ser aumentada. Realiza-se
nova avaliação após 4 semanas.

O prognóstico do hipotireoidismo primário é favorável e o risco de efeitos colaterais,


principalmente um hipertireoidismo iatrogênico, é muito baixo. Já os quadros de
hipotireoidismo secundário e terciário têm um prognóstico mais reservado.

120
CAPÍTULO 2
Alopecia X em cães

Muito se discutiu se o caráter da alopecia X em cães é dermatológico ou endocrinológico,


devido ao possível envolvimento hormonal em sua etiopatogenia. A alopecia X pode
ser caracterizada como uma alopecia não pruriginoso e não inflamatória, que causa
hiperpigmentação cutânea.

Pode acometer machos e fêmeas, castrados ou não castrados, de idades entre um a


quatro anos, tendo predileção por raças nórdicas, como Husky Siberiano, Malamute
do Alasca, Chow Chow, Samoieda, sendo Sptiz Alemão a mais afetada. Já recebeu
inúmeras denominações, entre elas aprisionamento do ciclo piloso, alopecia responsiva
à castração, alopecia responsiva ao hormônio do crescimento, síndrome semelhante à
hiperplasia adrenal congênita, sendo Alopecia X a denominação mais atual.

Abaixo, discutiremos um pouco sobre quais são as principais suspeitas, além dos
tratamentos disponíveis para essa dermatopatia.

Fisiopatologia
Ainda não está bem elucidada a sua fisiopatologia, uma vez que já foram realizadas
pesquisas genéticas em raças nórdicas e nada foi encontrado de alteração para que
se explicasse a predileção racial. Outra condição que também foi descartada é a
relacionada a hormônios sexuais, já que mesmo animais castrados podem desenvolver
a dermatopatia.

As atuais teorias que tentam explicar a ocorrência dos sinais clínicos é um distúrbio
que pode ocorrer na esteroidogênese adrenal, apresentando-se como uma variação
do hiperadrenocorticismo hipófise-dependente. A outra teoria seria devido a uma
deficiência do hormônio do crescimento, e existe ainda a teoria de que o quadro ocorre
devido a um desequilíbrio hormonal sexual pela adrenal, ocasionando uma excessiva
produção de hormônios androgênicos. Por fim, a teoria mais atual argumenta que a
alopecia X é causada por uma desregulação do receptor folicular local, sendo este o
distúrbio base do quadro.

Sinais clínicos
Os sinais clínicos se limitam a pele e pelos, sem envolvimento sistêmico. É observada
uma alopecia simétrica e bilateral, principalmente em região dorsal, em região

121
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

posterior dos membros pélvicos, períneo e pescoço. Concomitante à alopecia, nota-se a


hiperpigmentação da pele e mudança na qualidade do pelame, que se mostra fragilizado
e com opacidade (Figura 47 e Figura 48).

Figura 47. Paciente da raça Spitz Alemão com alopecia generalizada poupando cabeça e porção distal dos
membros.

Fonte: https://www.marvistavet.com/alopecia-x.pml.

Com a cronicidade do quadro a pele pode apresentar afinamento, além da


hiperpigmentação. O estresse térmico constante sem a proteção da pelagem pode
predispor a piodermites superficiais, infecções fúngicas e seborreia secundária, com
descamação seca. Uma característica importante que deve ser observada no quadro
da alopecia X é que a perda de pelos poupa a cabeça e as extremidades distais dos
membros.

Figura 48. Paciente com alopecia X. É evidente a hiperpigmentação das áreas alopécicas.

Fonte: https://thedoggiestyleblog.wordpress.com/.

122
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

Apesar de muitos tratarem como um dermatopatia de caráter apenas estético,


devemos levar em consideração as funções fisiológicas que uma pelagem tem
no organismo animal. A sua falta pode predispor ao surgimento de infecções
secundárias e de outras dermatopatias, como a seborreia. É importante levar
esses fatores em conta no momento da escolha do tratamento.

Diagnóstico e diagnósticos diferenciais


O diagnóstico se dá pela história clínica do paciente, pelos sinais clínicos, se o paciente é
de raça predisposta, pela idade e pela localização da alopecia. Um exame histopatológico
pode ser solicitado para subsidiar o diagnóstico. Lembre-se que é muito comum a
alopecia poupar cabeça e porção distal dos membros.

O exame histopatológico apresentará um padrão histológico cutâneo de hiperqueratose


ortoqueratótica de graus variados, pelos em fase telógena com queratinização
triquilemal, chamados de folículos em chama, epiderme fina e hiperpigmentada e
melanose epidérmica. É importante ressaltar que todas as alterações dermatológicas
secundárias às endocrinopatias apresentam esse mesmo padrão histopatológico.
Portanto, não se pode afirmar o diagnóstico definitivo apenas pelo exame
histopatológico, de modo que é importante associar todos os demais fatores que
mencionamos anteriormente.

Um exame que pode ser utilizado como auxiliar no diagnóstico da alopecia X é o teste
hormonal da mensuração da concentração de 17 OHP pós-estimulação com ACTH, a
qual estará elevada nos casos de alopecia X. No entanto, os novos estudos mostraram
que a mensuração hormonal não é um método que demonstra resultados consistentes
no caso dessa dermatopatia, além de apresentar um custo elevado, o que limita a sua
utilização.

Uma outra forma de diagnóstico é a de exclusão, ou seja, excluir os principais diagnósticos


diferenciais antes de fechar o diagnóstico em alopecia X. Os principais diagnósticos
diferenciais são as endocrinopatias, como o hiperadrenocorticismo e hipotireoidismo,
desequilíbrios hormonais sexuais e adenite sebácea.

Tratamento e prognóstico
Apesar de não haver comprovação de fatores hormonais sexuais envolvidos na
etiopatogenia, recomenda-se a castração de todos os animais inteiros com sinal clínico
de alopecia X, pois, em alguns casos, foi observado a repilação após 4 a 8 semanas

123
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

do procedimento de castração. Porém, é importante esclarecer ao tutor que mesmo se


houver a repilação após a castração, isso não impede que o animal apresente o quadro
futuramente.

Tratamentos com fármacos também são recomendados, sendo a melatonina o fármaco


de escolha. Caso não haja reposta, o uso do trilostano pode ser instituído. Porém, deve-se
deixar o tutor ciente dos efeitos que o fármaco trilostano pode gerar. A autora cita que
esse recurso deve ser o último a ser utilizado dentre as alternativas de tratamento que
serão apresentadas neste tópico.

A melatonina é um hormônio neural produzido pela glândula pineal em resposta


à escuridão e à diminuição do dia. Tem papel fundamental no controle dos
ciclos circadianos, dos ciclos sazonais reprodutivos e dos ciclos do crescimento
do pelo. Devido às suas funções, notou-se que o tratamento com a melatonina
apresenta um crescimento total ou parcial dos pelos em animais com alopecia X,
sem que sejam observados efeitos colaterais graves. É relatada apenas a letargia
como efeito colateral. Esses fatos tornam o fármaco a escolha no tratamento
dessa dermatopatia.

A dose recomendada para uso é de 3 a 12 mg/cão VO, na frequência BID-TID por


um período mínimo de 3 meses ou até que ocorra o crescimento dos pelos. Após esse
período, a medicação deve ser retirada de forma gradual (Figura 49).

Outro tratamento recente descrito como uma alternativa que apresenta resultados
satisfatórios na repilação dos animais com alopecia X é a técnica de microagulhamento.
A técnica consiste na passagem de um rolo dérmico com microagulhas de aço
inoxidável acopladas em um cilindro e com uma haste para manuseio. A função dessas
microagulhas é causar um estímulo físico através de milhares de microperfurações.
Esses microtraumas estimularão o folículo piloso, fazendo com que aja novamente o
crescimento dos pelos nas áreas alopécicas.

Algumas considerações a respeito da execução dessa técnica é que, em determinados


animais, principalmente aqueles que apresentam áreas extensas de alopecia, será
necessário o uso de anestesia ou tranquilização geral. O uso de antibiótico e antissépticos
tópicos também é indicado, dependendo da condição da pele do animal e do tamanho
da área na qual foi aplicada a técnica.

Outros tratamentos também devem ser adotados para que a pele se mantenha
hidratada, como shampoos e cremes umectantes, emolientes e hidratantes. Em casos
de infecções bacterianas e fúngicas secundárias ao quadro de alopecia X, devem ser
tratadas concomitantemente ao tratamento da condição dermatológica de base.

124
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

Figura 49. Paciente da figura 47 após tratamento com melatonina. Note a repilação das áreas que antes
estavam alopécicas.

Fonte: https://www.marvistavet.com/alopecia-x.pml.

O tratamento da alopecia X para cada animal pode variar, pois alguns respondem
apenas com o uso da melatonina, outros necessitam da associação da melatonina
com o microagulhamento, e, outros, apenas de microagulhamento. Assim, como
pode haver animais que não respondem a esses tratamentos, deve-se optar pelo
uso do trilostano. Assim, o recomendado é que sejam explicados ao tutor os
tratamentos existentes para que seja possível chegar a um consenso sobre qual
tratamento será adotado.

125
CAPÍTULO 3
Síndrome metabólica e obesidade
em animais

Podemos definir a síndrome metabólica como consequências da obesidade no organismo


animal. São elas: o aumento dos triglicérides e do colesterol sérico, a hipertensão
arterial sistêmica, o aumento discreto ou no limite superior da glicemia e o sobrepeso
do paciente.

O tecido adiposo é considerado um órgão endócrino o qual secreta metabólitos


que farão com que ocorra o aumento da glicemia, a diminuição da ação da insulina
e o aumento da pressão arterial, o que justifica as consequências que a obesidade e
a síndrome metabólica causam para o organismo.

Na medicina veterinária, esse termo ainda não é tão usado como na medicina humana,
mas sabe-se que, com o aumento da obesidade nos animais, as consequências da
síndrome metabólica também ocorrem nos animais.

Neste capítulo, discutiremos sobre as principais alterações causadas pela obesidade


nos animais e como podemos lidar com essas alterações.

Obesidade nos animais


A obesidade é caracterizada como uma doença inflamatória crônica, pois causa o aumento
das citocinas inflamatórias, como a interleucina IL-6 e TNF alfa, além de aumentar
a produção de macrófagos. Sabe-se que a liberação de TNF alfa e IL-6 predispõe à
resistência insulínica, à hipertensão, a doenças cardiovasculares e às hiperlipidemias.

Nos cães e gatos, a obesidade está relacionada a muitos feitos deletérios, como a
diminuição da expectativa de vida, predisposição a doenças endócrinas, dentre estas o
diabetes mellitus tipo 2, a hiperlipidemia, as doenças cardiovasculares, a hipertensão e
a aterosclerose. Suspeita-se que atualmente cerca de 20% dos cães atendidos na rotina
médica veterinária apresente algum grau de obesidade.

Considera-se um animal obeso quando a concentração de tecido adiposo está acima


de 15% do peso ideal do paciente. A obesidade é decorrente de um desequilíbrio no
balanço energético do organismo e pode ser em razão do aumento da ingestão calórica
ou da diminuição do gasto energético.

126
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

As principais causas que predispõem à obesidade nos animais são:

» Mudança de estilo de vida: os animais costumavam ficar soltos


em quintais ou terem livre acesso à rua, contudo esse cenário mudou.
Com a posse responsável, muitos animais não têm mais acesso à rua,
e vivem dentro de apartamentos com passeios restritos, o que os torna
mais sedentários.

» Esterilização: com a castração, os animais tendem a ter uma diminuição


do metabolismo do organismo. Ademais, sem uma mudança na sua
dieta e na sua rotina de exercícios, o ganho de peso acaba sendo uma
consequência após a castração.

» Alimentação: muitos tutores acabam não fazendo a dosagem correta


da alimentação ou, por vezes, acabam fornecendo alimentos não
recomendados aos animais como forma de agrado, o que gera um ganho
de peso.

» Antropomorfização: os animais estão em uma posição de membros


da família atualmente e, com isso, acabam entrando no ritmo dos
humanos, que tendem a ter uma vida mais sedentária e uma alimentação
desbalanceada. Assim, levam esse estilo de vida também aos seus pets.

» Idade: os animais idosos acabam tendo uma diminuição na frequência


de suas atividades físicas. Associar esse fator a uma diminuição fisiológica
da sua taxa metabólica basal leva ao ganho de peso.

» Predisposição racial: algumas raças têm predispostas ao sobrepeso ou


à obesidade, dentre as quais podemos citar: Labrador Retriever, Teckel,
Boxer, Beagle, Basset Hound, Cavalier King Charles Spaniel, Cocker
Spaniel.

Diagnóstico da obesidade

Falar de diagnóstico de obesidade parece óbvio, e sim, é fácil diagnosticar o sobrepeso


e a obesidade na nossa rotina clínica com base no escore corporal. É importante ter em
mente que não classificamos um animal dentro ou fora do padrão de peso apenas pelos
números que a balança apontam. É muito comum os tutores chegarem até o consultório
e indagarem se seu animal está em um peso “bom” ou se está no peso para a raça,
porém devemos lembrar sempre que dentro de uma mesma raça existem padrões, o
que torna muito mais fácil o entendimento do nosso cliente quando explicamos sobre
o escore corporal.

127
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

O escore de condição corporal (ECC) é utilizado para saber o índice de gordura corporal
do paciente. É utilizado tanto em cães como em gatos. O escore corporal é obtido por
meio da palpação da caixa torácica, do abdome e da base da cauda, pois é o ponto
no qual se avalia a espessura da camada adiposa. As costelas devem ser facilmente
palpadas, o abdome não pode estar abaulado e não pode haver acúmulo de gordura em
cauda e corpo. O animal, quando observado de cima, deve ter um corpo em formato
de ampulheta.

Os escores corporais são classificados de 1 a 5, sendo 3 o padrão ideal, ou de 1 a 9,


considerado 5 o padrão normal. A cada aumento de escore acima de 3/5, respectivamente,
considera-se um aumento de 10 a 15% de sobrepeso (Figura 50).

Figura 50. Desenho esquematizando o escore corporal em cães de 1 a 5.

Fonte: https://vejasp.abril.com.br/blog/bichos/obesidade-cachorro-canina/.

INTERPRETAÇÃO:

» Escore 1: desnutrido.

» Escore 2: abaixo do peso.

» Escore 3: peso ideal.

» Escore 4: acima do peso.

» Escore 5: obeso.

As medidas morfométricas são utilizadas para cães e são obtidas com base na
mensuração em centímetros (cm) da circunferência pélvica (CP) e da distância da patela
até tuberosidade do calcâneo (CL). Com essas medidas associadas ao peso corporal
(PC) do animal, adicionadas em uma equação padrão, será fornecida a estimativa
em porcentagem da gordura corporal (GC). A equação é diferente para os sexos.
Segue abaixo:

GC (cadelas) = [- 1,7 (CL) + 0,93 (CP) + 5] / Peso Corporal

GC (cães machos) = [- 1,4 (CL) + 0,77 (CP) + 4] / Peso Corporal

128
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

INTERPRETAÇÃO:

» Abaixo de 5%: caquexia.

» Entre 5 e 15%: magro.

» Entre 16 e 25%: normal.

» Acima de 25 até 35%: sobrepeso.

» Acima de 35%: obesidade.

Como já citamos acima, a obesidade leva à síndrome metabólica, a qual provoca várias
desordens no organismo. Por isso, sempre que atender um paciente obeso, o profissional
deve realizar um check completo. Isso inclui hemograma, função renal, função hepática,
colesterol e triglicerídeos, aferição de pressão arterial, ultrassom e ecocardiograma em
casos de alteração com a pressão arterial.

Efeitos deletérios da síndrome metabólica

Hipertensão arterial sistêmica

O tecido adiposo é uma fonte de angiotensinogênio, o qual age diretamente no sistema


renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), e exerce um papel na regulação metabólica
da homeostase vascular, no equilíbrio hidroeletrolítico e no funcionamento renal
do organismo. Quanto mais obeso o animal estiver, maior será a sua quantidade de
angiotensinogênio, o qual agirá no SRAA e promoverá o aumento da vasoconstrição e
o aumento de aldosterona. Isso gera retenção renal de sódio e, por consequência, um
aumento de líquido, o que pode levar a um quadro de hipertensão.

A obesidade em humanos também gera a resistência insulínica e contribui para o


aumento da pressão arterial sistêmica. A elevada concentração de insulina causa a
retenção de sódio, o aumento dos níveis de aldosterona e os efeitos vasculares, que
acarretam o quadro de hipertensão. Em cães e gatos esses efeitos ainda não estão
muito bem elucidados, mas acredita-se que também ocorra da mesma forma que ocorre
em humanos.

Resistência insulínica
O tecido adiposo armazena lipídeos. Em pacientes obesos, os adipócitos se tornam
sobrecarregados e não conseguem mais estocar os lipídeos em excesso, os quais acabam
se acumulando em tecidos não adiposos, como fígado, pâncreas e músculo esquelético,
acarretando a diminuição da secreção de insulina.

129
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

O acúmulo de gordura no fígado leva a um aumento da secreção de glicose e resulta


em resistência insulínica, hiperinsulinemia, intolerância à glicose e hiperlipidemia.
O aumento de gordura visceral leva ao quadro de síndrome metabólica em humanos, o
que possivelmente ocorre também nos animais idosos.

Hiperlipidemia

Define-se a hiperlipidemia como o aumento de triglicerídeos e/ou colesterol no plasma.


A hiperlipidemia pode ser causada por diversos fatores, entre eles as doenças endócrinas,
como hipotireoidismo e hiperadrenocorticismo, pancreatite e a própria obesidade em
si, causada por fatores como alimentação e falta de exercícios físicos.

Alterações respiratórias e osteoarticulares

Os cães obesos têm uma menor capacidade respiratória devido ao deslocamento


cranial do diafragma pelo excesso de gordura abdominal e devido ao aumento de
tecido adiposo no mediastino torácico. Isso limita os movimentos respiratórios e a
capacidade de expansão respiratória, fazendo com que o organismo tenha uma pressão
de oxigênio reduzida.

Outro problema que também acomete os animais obesos são os problemas articulares
por causa da sobrecarga de peso nas articulações. A obesidade predispõe à ruptura
de ligamento, ao agravamento da osteoartrose em cães com displasia coxofemoral e à
degeneração articular. Isso corre devido aos mediadores inflamatórios que são liberados
pela gordura, os quais degradam a cartilagem articular e diminuem o líquido sinovial.

Tratamento e prognóstico
O tratamento é relativamente simples na maioria dos casos, associando-se uma dieta
balanceada a exercícios físicos como base do tratamento e da prevenção da obesidade.
As causas secundárias da síndrome metabólica devem ser tratadas de acordo com a
necessidade de cada caso.

» Hipertensão: recomenda-se o uso de inibidores da ECA, pois, além


de reduzirem a pressão arterial sistólica, também ajudam na ação da
insulina sobre os ácidos graxos, auxiliando na diminuição da glicemia. As
medicações recomendadas são: Benazepril 0,5 mg / kg (cães) e 0,25 - 0,5
mg / kg (gatos), uma vez ao dia, ou Enalapril 0,25 - 0,5 mg / kg (cães) e
0,25 - 0,5 mg / kg (gatos) BID ou SID, respectivamente.

130
MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS │ UNIDADE V

» Hiperlipidemia: o tratamento medicamentoso da hiperlipidemia é


indicado quando os valores estão exorbitantemente aumentados. Valores
razoavelmente aumentados tendem a normalizar apenas com dieta e
nutracêuticos. Nos casos em que o uso de medicação se faz necessário, é
recomendado o uso de Bezafibrato na dose de 2,5 mg /kg/ BID ou 5,0 mg/
kg/Sid, apenas em cães, por um período de 30 dias ou até que o quadro
seja estabilizado.

» Dieta alimentar: as dietas recomendadas para animais obesos são


ricas em proteína, com baixas concentrações de carboidratos e com
baixas calorias, além de estarem associadas com mais fibras. A proteína
ajuda na perda de tecido adiposo, porém mantendo a massa muscular.
Ela aumenta o gasto calórico devido à síntese proteica e impede que
tenha uma diminuição da taxa metabólica basal, adaptando o organismo
à restrição calórica. O baixo percentual de carboidrato ajuda a manter o
nível adequado de glicemia e diminuiu o apetite, assim como as fibras,
que faz com que o animal se sinta saciado por mais tempo. A dieta pode
ser comercial ou caseira, desde que seja balanceada por um nutricionista
veterinário.

» Adjuvantes: são nutracêuticos que auxiliam no tratamento da obesidade


canina, como a L-carnitina e o ômega-3. A L-carnitina ajuda na oxidação da
gordura dentro das células. É muito usada para cães com cardiomiopatia,
mas vem sendo estudada no auxílio também da perda de peso. Já os ácidos
graxos auxiliam na hiperlipidemia, diminuindo a absorção de glicose e
lipídeos. Consequentemente, diminuem a concentração de colesterol e
triglicerídeos no plasma, além de possuir um efeito anti-inflamatório no
organismo.

» Exercícios físicos: as atividades físicas dependerão muito da


condição geral do paciente e da observação se este tem outras
patologias concomitantes. São considerados exercícios adequados as
caminhadas, a natação e a esteira aquática. As caminhadas devem ser
diárias ou, no mínimo, 3x na semana, com uma duração de 20 minutos,
aumentando sua intensidade e seu tempo à medida que melhora o
condicionamento físico do animal. As atividades físicas ajudarão não
só na perda de peso, mas também na manutenção da massa magra,
considerando que evitam o catabolismo proteico. Também melhoram a
função cardiorrespiratória e amenizam eventuais problemas ortopédicos
que esses animais apresentem.

131
UNIDADE V │ MISCELÂNCIAS DE DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS E DERMATOLÓGICOS

O prognóstico é favorável na maioria dos casos, porém depende muito mais do empenho
do tutor do que do próprio animal. É necessário conscientizar, desde a primeira consulta,
que a dieta não é uma tarefa fácil para os animais, assim como não é para nós. Leva-se,
no mínimo, 3 meses para que seja possível atingir melhoras significativas, esses animais
devem ter a dieta restrita e o tutor não pode fornecer nada além do recomendado.

O insucesso no tratamento, muitas vezes, dá-se pelo sentimento de pena que os tutores
sentem ao limitar a alimentação do seu animal, a julgarem que seus animais estão
passando fome ou vontade. A mudança do comportamento do animal, que pode passar
a ficar mais agressivo ou ansioso pelo quadro da fome, deixa seu tutor desestimulado e
o faz desistir do tratamento.

Por isso, é necessário expor quais as complicações que o quadro de obesidade trará à
saúde do animal, assim como quais serão as dificuldades que terão de ser superadas
pelos dois, cão/gato e tutor, durante o período de dieta. Esse conhecimento facilita a
aceitação e a conscientização, o que aumentará as chances de sucesso.

132
Referências
ALENZA, D. P. Hyperadrenocorticism: are we over-diagnosing it? Proceedings of
the Southern European Conference & Congreso Nacional Avepa. Espanha, 2011.

ALOPECIA X. Disponível em: https://www.marvistavet.com/alopecia-x.pml. Acesso


em: 30 ago. 2020.

ALOPECIA X. Disponível em: https://thedoggiestyleblog.wordpress.com/. Acesso em:


30 ago. 2020.

AUGUSTO, M.; BURDEN, A.; NEIGER, R.; RAMSEY, I. A comparison of once and
twice daily administration of trilostane to dogs with hyperadrenocorticism.
Tierärztliche praxis kleintiere, v. 40, pp. 415-424, 2012.

BEHREND, E. N.; KOOISTRA, H. S.; NELSON, R.; REUSCH, C. E.; SCOTT-


MONCRIEFF, J. C. Diagnosis of spontaneous canine hyperadrenocorticism: 2012 acvim
consensus statement (small animal). Journal of veterinary internal medicine, v.
27, pp. 1292-1304, 2013.

BELTRAMI, J. C.; BALDA, A. C. Hipertensão arterial sistêmica em cães com


hiperadrenocorticismo – estudo retrospectivo. Revista de educação continuada
em medicina veterinária e zootecnia, v. 13, n. 2, 2015.

BIZIKOWA, P. Localized demodicosis due to demodex cati on the muzzle of two cats
treated with inhalant glucocorticoids. Veterinary dermatology. 25: 222-225, 2014.

BOYSEN, S. R. Fluid and electrolyte therapy in endocrine disorders: diabetes mellitus


and hypoadrenocorticism. Veterinary clinics of North America: small animal
practice, Philadelphia, v. 38, pp. 699-717, 2008.

BOWMAN, D. Georgi’s parasitology for veterinarians. 8th edition. Saunders, St.


Louis; 422 p., 2003.

BROMEL, C.; POLLARD, R. E.; KASS, P. H.; SAMII, V. F.; DAVIDSON, A. P.; NELSON,
R. W. Ultrasonographic evaluation of the thyroid gland in healthy, hypothyroid, and
euthyroid golden retrievers with nonthyroidal illness. J. Vet. Intern. Med., v. 19, pp.
499- 506, 2005.

BRUNNER, M. et al. Novel insights into the pathways regulating the canine hair cycle
and their deregulation in alopecia x. Plos one, v. 12, n. 10, p. 24, 2017

133
REFERÊNCIAS

CARLOTTI, D. N. Food Allergy in Dogs and Cats: Current Dermatological Perspectives.


European College of Vet Dermatol, DIP ECVD, 2015.

CARLOS, R. S. A.; ALBUQUERQUE, G. R. Hipertireoidismo felino: relato de caso.


Revista clínica veterinária, n. 57, pp. 56-61, 2005

CHERMETTE, R.; FERREIRO, L.; GUILLOT, J. Dermatophytoses in animals.


Mycopathologia, den haag, v. 166, n. 5-6, pp. 385-405, 2008.

CUNHA, M. G. M. C. M; PIPPI, N. L; GOMES, K.; BECKMANN, D. V. Hipertireoidismo


felino. Cienc. Rural, v.38 n. 5, Santa Maria, ago. 2008.

FERGUSON, D. C. Testing for hypothyroidism in dogs. Vet. Clin. North am. Small
anim. Pract., v.37, pp. 647-669, 2007.

ESCORE CORPORAL. Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/blog/bichos/


obesidade-cachorro-canina/. Acesso em: 30 ago. 2020.

FRANK, L. A. Endocrine and metabolic diseases. In: MILLER, J.; WILLIAN, H.;
GRIFFIN, C. E.; CAMPBELL, K. L. (ed). Muller and kirk’s- small animal
dermatology. Ed. Elsevier Saunders, v. 10, pp. 537-540, 2013.

GASCHEN, F. P., MERCHANT, S. R. Adverse food reactions in dogs and cats. Vet.
Clin. North Am. Small Anim. Pract.; 41:361-379, 2011.

GIESTAS, A.; PALMA, I.; RAMOS, M. H. Sistema Renina Angiotensina e sua modulação
farmacológica. Acta Med Port. 23:4:677-688, 2010.

GRAHAM, P. A.; NACHREINER, R. F.; REFSAL, K. R. Etiopathologic findings of canine


hypothyroidism. Vet. Clin. North am. Small anim. Pract., v.37, pp. 617-631, 2007.

GRECO, D. S. Hypoadrenocorticism in small animals. Clin tech small anim pract.,


22 (1), 32-35, 2007

GOLDSCHMIDT, M. H.; HENDRICK, M. J. Tumours of the skin and soft tissues. In:
Tumors in domestic animals, 4 th ed, Dj Meuten (ed.), Iowa State Press, Ames,
USA, 2002.

HARVEY, R. G.; MCKEEVER, P. J. Dermatoses que se caracterizam por alopecia


em placas: demodiciose canina. In: HARVERY, R. G.; MCKEEVER, P. J. Manual
dermatologia de cão e gato. Rio de Janeiro: Revinter, pp. 206-209. 2004.

HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO À DOENÇA RENAL. Disponível em: http://


www.fmv.ulisboa.pt/spcv/PDF/pdf6_2014/51-56.pdf. Acesso em: 30 ago. 2020.

134
REFERÊNCIAS

KEITH, A. H. Dermatologia de pequenos animais. 3ª edição. Elsevier Editora


Ltda. V 3, pp. 300-303, 2012.

MARCHI, P. N.; GUIMARÃES-OKAMOTO, P. T. C.; MELCHERT, A.; RIBEIRO, J.


F. A.; SANTOS, T. H. Y.; MACHADO, L. H. A. Síndrome metabólica: Relação entre
obesidade, resistência insulínica e hipertensão arterial sistêmica nos pequenos animais.
Vet. e Zootec., jun.; 23(2): 184-191, 2016.

MARTIN, P. A.; CRUMP, M. H. The adrenal gland. In: PINEDA, M. H.; DOOLEY, M. P.
Veterinary endocrinology and reproduction, 5ª ed., pp.165-200, 2003.

MATRICOTI, I.; NOLI, C. An open label clinical trial to evaluate the utility of a hydrolysed
fish and rice starch elimination diet for the diagnosis of adverse food reactions in dogs.
Vet. Dermat. 2018.

MAYER-ROENNE, B. et al. Urinary tract infections in cats with hyperthyroidism,


diabetes mellitus and chronic kidney disease. Journal of feline medicine and
surgery, v.9, n. 2, pp. 124-132, 2007.

MCKEE, P. H.; CALONJE, E.; GRANTER, S. R. Pathology of the skin with clinical
correlations, vol. 2, 3rd edit., Mosby Ltd., Philadelphia, USA, 2005.

MCGUIRE, N. C. et al. Detection of occult urinary tract infections in dogs with diabetes
mellitus. Journal of the American Animal Hospital Association, South Bend,
v. 38, pp. 541-544, 2002.

MITCHELL, A. L. & PEARCE S. H. Autoimmune addison disease: pathophysiology and


genetic complexity. Nat rev endocrinol, 8(5), 306-316, 2012.

NAAN, E. C. et al. Results of thyroidectomy in 101 cats with hyperthyroidism.


Veterinary surgery, v.35, n.3, pp. 287-293, 2006.

NELSON, R. W. Distúrbios do pâncreas endócrino. In: NELSON, R. W.; COUTO, C. G.


Medicina interna de pequenos animais. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
pp. 701-743, 2006.

NICHOLLS, P. K.; STANLEY, M. A. The immunology of animal papillomaviruses. Vet.


Immunol. Immunopathol., v. 73, pp.101-127, 2000.

NOGUEIRA, R. M. B.; DE MARCO, V. Terapêutica das principais endocrinopatias em


cães e gatos. In: ANDRADE, S. F. Manual de terapêutica veterinária. 3.ed. Roca:
São Paulo, pp. 398-408, 2008.

135
REFERÊNCIAS

OLIVRY, T.; MUELLER, R. S.; PRELAUD, P. Critically appraised topic on adverse food
reactions of companion animals (1): Duration of elimination diets. BMC Vet Res.
11:225, 2015.

ORTUÑEZ, A.; VERDE, M. T.; NAVARRO, L.; REAL, L. & VILELA, C. Demodiciose
felina: a propósito de três casos clínicos. Clinica veterinária de pequenos animais.
29(3): 165-171, 2009.

PACHECOB, D.; FARIASM, R.; POSSEBOMJ; SECHIG, V.; LUCINAS, B.;


SGARBOSSAR, S.; CERDEIROA, P. S. Demodiciose por demodex gatoi em dois gatos
– relato de caso. Revista de educação continuada em medicina veterinária e
zootecnia do CRMV-SP, v. 13, n. 3, p. 50, 18 jan. 2016.

PORTAL ROYAL CANIN. Disponível em: http://portalvet.royalcanin.com.br/artigo.


aspx?id=124. Acesso em: 30 ago. 2020.

PROVERBIO, D.; PEREGO, R.; SPADA, E.; FERRO, E. Prevalence of adverse food
reactions in 130 dogs in Italy with dermatological signs: a retrospective study. J Small
Anim Pract. 51:370–4, 2010.

RHODES, K. H. Dermatologia de pequenos animais consulta em cinco


minutos, São Paulo, pp. 198-202 e pp. 517-518, 2005.

ROBERT, R.; PIHET, M. Conventional methods for the diagnostic of dermatophytosis.


Mycopathology, Den Haag, v. 166, pp. 295-306, 2008.

ROMAO, F. G.; ANTUNES, M. I. P. P. Hypoadrenocorticism in dogs: review/


Hipoadrenocorticismo em cães: revisão/Hipoadrenocorticismo en perros: revision.
Veterinaria e Zootecnia, vol. 19, n. 1, 2012, p. 44+. Gale Academic Onefile. Acesso
em: 30 ago. 2020.

SALZO, P. S.; LARSSON, C. E. Food hypersensitivity in dogs. Arquivo Brasileiro de


Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 61, n. 3, pp. 598-605, 2009.

SCOTT-MONCRIEFF, J. C. Clinical signs and concurrent diseases of hypothyroidism in


dogs and cats. Vet. Clin. North am. Small anim. Pract., v. 37, pp. 709-722, 2007.

SINGH, S.; BEENA, P. M. Comparative study of different microscopic techniques


and culture media for the isolation of dermatophytes. Indian J. Med. Microbiol.,
Mumbai, v. 21, n. 1, pp. 21-24, 2003.

SLOSS, M. W.; ZAJAC, A. M.; KEMP, R. L. Parasitologia clínica veterinária, 6ª


ed., pp. 123-124 e 138, Ed. Manole. São Paulo, 1999

136
REFERÊNCIAS

SOUZA, C. P.; SCOTT, F. B.; PEREIRA, M. J. S. Validade e reprodutibilidade da


otoscopia e do reflexo otopodal no diagnóstico da infestação por otodectes cynotis em
cães. Rev. Bras. Parasitol. Vet.; 13: 111-4, 2004.

STOLL, STEVE; DIETLIN, CHRISTIAN; NETT‐ METTLER, CLAUDIA S. Microneedling


as a successful treatment for alopecia X in two p omeranian siblings. Veterinary
dermatology, v. 26, n. 5, pp. 387-388, 2015.

SUTO, A.; SUTO, Y.; ONOHARA, N.; TOMIZAWA, Y.; YAMAMOTO-SUGAWARA,


Y.; OKAYAMA, T. & MASUDA, K. Food allergens inducing a lymphocyte-mediated
immunological reaction in canine atopic-like dermatitis. J. Vet. Sci. 77(2), 251–254,
2015.

TIZARD, I. Veterinary immunology: an introduction. 6.ed. Philadelphia: W.B.


Saunders Company, 482 p., 2000.

TREPANIER, L. A. Medical management of hyperthyroidism. Clinical techniques in


small animal practice, v. 21, n. 1, pp. 22-28, 2006.

VANDRESEN, G.; FARIAS, F. R. Efficacy of hydrolyzed soy dog food and homemade
food with original protein in the control of food-induced atopic dermatitis in dogs.
Pesq. Vet. Bras. 38(7):1389-1393, 2018.

WAKAYAMA, J. A.; FURROW, E.; MERKEL, L. K. & ARMSTRONG, P. J. A retrospective


study of dogs with atypical hypoadrenocorticism: a diagnostic cut-off or continuum?.
J Small Anim Pract., 2017.

137

Você também pode gostar