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Título : DIÁLOGO COM A INICIATIVA PRIVADA PARA O PERFEITO DELINEAMENTO DO OBJETO QUE A ADMINISTRAÇÃO
ALMEJA CONTRATAR
Autor : Marinês Restelatto Dotti
DOUTRINA – 29/299/JAN/2019
INTRODUÇÃO
À Administração Pública compete definir, por meio da elaboração de um projeto básico, o conjunto
de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou o
serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos
técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto
ambiental do empreendimento e que possibilitem a avaliação do custo da obra e a definição dos
métodos e do prazo de execução.
No âmbito das contratações de serviços, realizadas pela Administração Pública federal direta,
autárquica e fundacional, dispõe a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5/2017, que o termo de
referência (utilizado na modalidade pregão) ou o projeto básico (utilizado nas modalidades
convencionais da Lei nº 8.666/1993) deve conter, no mínimo, o seguinte conteúdo: (a) declaração do
objeto; (b) fundamentação da contratação; (c) descrição da solução como um todo; (d) requisitos da
contratação; (e) modelo de execução do objeto; (f) modelo de gestão do contrato; (g) critérios de
medição e pagamento; (h) forma de seleção do fornecedor; (i) critérios de seleção do fornecedor; e (j)
estimativas detalhadas dos preços, com ampla pesquisa de mercado.
A especificação incompleta, ao enevoar a essência do objeto e o que lhe possa influenciar o custo
de produção, impede o licitante de apresentar proposta adequada. Os licitantes necessitam, para bem
elaborar suas propostas, de especificações claras e precisas, que definam o padrão de qualidade e o
desempenho do produto desejado pelo órgão público. Por outro lado, o estabelecimento de condições
que restrinjam a competição, pela presença de especificações irrelevantes, pode conduzir (a) ao
direcionamento do resultado da licitação, (b) a um procedimento deserto (nenhum concorrente se
apresenta) ou fracassado (os concorrentes ofertam propostas inaceitáveis).
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Na dicção da Súmula nº 177 do Tribunal de Contas da União,
A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até
mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o
princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais, das condições
básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade
demandada em uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.
Não dispondo de tais agentes, pode a Administração Pública contratar terceiros privados para o
perfeito delineamento do objeto de que necessita. Para esse fim, pode contratar diretamente, ou seja,
sem licitação, serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória
especialização, por meio de inexigibilidade de licitação (art. 25, inc. II, c/c art. 13 da Lei nº 8.666/1993).
Segundo o Tribunal de Contas da União, o conceito de singularidade não pode ser confundido
com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser
executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25,
inc. II, da Lei nº 8.666/1993. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da
impossibilidade de se fixarem critérios objetivos de julgamento (TCU, Acórdão nº 2.616/2015, Plenário,
Rel. Min. Benjamin Zymler).
A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas
de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz
de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos
critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da
Lei nº 8.666/1993. (TCU, Súmula nº 39.)
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art.
25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico
especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória
especialização do contratado. (TCU, Súmula nº 252.)
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anômalos que demandam mais que a especialização, pois apresentam complexidades que impedem
sua resolução por qualquer profissional, ainda que especializado (STJ, REsp nº 1.505.356/MG, Rel.
Min. Herman Benjamin, DJ de 30.11.2016).
Pode, ainda, a Administração Pública, para o fim de delinear, com precisão, o objeto da licitação
ou da contratação direta, valer-se de diálogo com a iniciativa privada, por meio de seu chamamento.
Uma das opções é a realização de audiência pública, com respaldo jurídico no disposto no art. 39,
caput, da Lei nº 8.666/1993, in verbis:
Art. 39. Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas
ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c" desta Lei, o
processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela
autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a
publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização,
pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as
informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.
Trata-se de um espaço institucional destinado ao cidadão que tenha um interesse específico e que
pode ser afetado por determinada ação governamental ou para que se manifeste em razão de sua
expertise, possibilitando sua participação no processo de tomada de decisão.
Outros diplomas preveem a participação de terceiros, por meio da realização de audiência pública
ou do chamamento de entidades privadas para auxiliar a Administração na tomada de decisão. Assim:
Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá
ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.
[...]
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis
consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais,
estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para
apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades
de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional.
(Grifamos)
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação,
inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes
orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da
Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses
documentos.
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Na Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de
economia mista e de suas subsidiárias, aplicável no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal
e dos municípios, também há previsão a respeito do chamamento de terceiros (privados) para auxiliar
a Administração Pública na definição precisa do objeto a ser contratado e das condições para sua
perfeita execução. Estabelece o seu art. 31, § 4º, a possibilidade de essas empresas estatais adotarem
procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de
empreendimentos com vistas a atender a necessidades previamente identificadas, cabendo a
regulamento a definição de suas regras específicas.
Art. 1º [...]
[...]
O Projeto de Lei nº 6.814/2017, que almeja revogar a Lei nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e
Contratos), a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e os arts. 1º a 47 da Lei nº 12.462/2011 (RDC),
contempla previsão a respeito da realização de audiência pública, pela Administração, para a obtenção
de propostas de especificações para bens ou serviços que pretenda licitar e, ainda, de procedimento
aberto de manifestação de interesse, acerca de estudos, investigações, levantamentos e projetos
vinculados a` contratação e de utilidade para a licitação. Assim:
Art. 18. A Administração poderá convocar audiência pública, presencial ou a distância, na forma
eletrônica, sobre proposta de especificações para bens ou serviços que pretenda licitar.
Parágrafo único. A Administração também poderá submeter a licitação a prévia consulta pública,
mediante a disponibilização de seus elementos aos interessados, que poderão formular sugestões no
prazo fixado.
[...]
Art. 24. A Administração poderá solicitar a` iniciativa privada, mediante procedimento aberto de
manifestação de interesse, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e
projetos, na forma de regulamento.
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III - não implica, por si so´, direito a ressarcimento de valores envolvidos em sua elaboração;
IV - somente será´ remunerada pelo vencedor da licitação, não sendo possível, em nenhuma hipótese,
a cobrança de valores do poder público.
CONCLUSÃO
Para o eficaz delineamento dos contornos da melhor solução para o objeto que almeja contratar,
pode e deve a Administração Pública valer-se de diálogo com a iniciativa privada, medida que prestigia
o princípio constitucional da eficiência e a busca dos melhores resultados para o interesse público, cujo
fundamento legal repousa no disposto no art. 32 da Lei nº 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo
Federal 1).
Mas o diálogo que se pretenda fazer junto à iniciativa privada só será legítimo se conciliado com a observância do princípio da
motivação (art. 2º, parágrafo único, inc. VII, da Lei nº 9.784/1999). Ato desprovido de motivação é ato insuscetível de compor
objeto do controle analítico de legalidade exercido pelo Poder Judiciário, nos termos do art. 53 da Lei nº 9.784/1999, da
Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal e do art. 2º da Lei nº 4.717/1965. A motivação dos atos administrativos é medida
que reduz a possibilidade de atuação arbitrária da Administração, uma vez que a transparência pública das razões de fato e de
direito que ensejaram a prática de determinado ato, além de legitimar essa atuação, serve como parâmetro importante de
controle.
O Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que não viola o princípio da separação
dos poderes o controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou
abusividade, o qual envolve a verificação da efetiva ocorrência dos pressupostos de fato e direito,
podendo o Judiciário atuar, inclusive, nas questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade
(STF, AgReg no ARE nº 937.232-BA, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF nº 824, de 2016).
REFERÊNCIAS
FARIA, Edimur Ferreira de. Controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário. 2. ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2016.
OLIVEIRA, Aroldo Cedraz de (Coord.). O controle da administração na era digital. Belo Horizonte:
Fórum, 2016.
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PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Da responsabilidade de agentes públicos
e privados nos processos administrativos de licitação e contratação. 2. ed. São Paulo: NDJ, 2014.
_____. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitações e contratos na ordem jurídica brasileira.
Belo Horizonte: Fórum, 2017.
_____. Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum,
2017.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2011.
1 De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito estadual ou municipal, ausente lei
específica, a Lei Federal nº 9.784/1999 pode ser aplicada de forma subsidiária, haja vista tratar-se de
norma que deve nortear toda a Administração Pública, servindo de diretriz a seus órgãos (AgRg no
REsp nº 1.092.202/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJ de 18.04.2013).
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