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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

EDIÇÃO 165 | JUNHO_2020

tempos da peste

O ARAUTO DA CLOROQUINA
Ele era uma estrela da ciência – até que propôs uma cura para a Covid-19
SCOTT SAYARE

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

Didier Raoult: “Já inventei uns dez tratamentos. Metade deles é empregado no mundo todo. Nunca fiz um estudo duplo-cego,
nunca. Nunca!” FOTO: ANTOINE D’AGATA_MAGNUM PHOTOS_FOTOARENA

Tradução de Sergio Tellaroli

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digna a olhar e se vale de métodos que ninguém emprega, mas encontra


coisas. Apenas nos últimos dez anos, Raoult ajudou a identificar quase
quinhentas novas espécies de bactérias transmitidas por seres humanos,
cerca de um quinto de todas já nomeadas e descritas. Até há pouco
tempo, Raoult era mais conhecido, talvez, como o descobridor do
primeiro vírus gigante, um micróbio que, em sua opinião, sugere que os
vírus deveriam ser agrupados num domínio à parte – seria o quarto
domínio dos seres vivos.[1] Essa descoberta rendeu-lhe o Grand Prix
Inserm, um dos mais importantes prêmios científicos franceses. Também
o levou a acreditar que a árvore da vida sugerida pela evolução
darwiniana é “completamente equivocada” e que o próprio Charles
Darwin “só escreveu bobagem”. Raoult detesta o consenso e a civilidade.
Acredita que a ciência, assim como a vida, deveria ser uma luta.

Com esse espírito – embora contestado por seus pares, e certamente por
causa disso também –, Raoult propôs um remédio contra a Covid-19:
uma combinação da hidroxicloroquina (uma droga contra a malária) com
a azitromicina (um antibiótico comum). E pôs-se a declarar: “Nós
sabemos como curar essa doença.” Trump não foi o único a querer
abraçar avidamente essa possibilidade. Quando cheguei a Marselha,
alguma versão do tratamento proposto por Raoult havia sido autorizada
para testes, ou para uso, em muitos países, entre eles França, Itália, China
e Índia. Um em cada cinco testes farmacêuticos no mundo era sobre
hidroxicloroquina.

Em março passado, Raoult anunciou que seu hospital testaria e trataria


qualquer pessoa que aparecesse. Multidões aglomeraram-se em
serpenteantes filas indianas na entrada do IHU, como peregrinos
avançando lentamente em direção a uma consulta particular com o
oráculo. Em 16 de março, o pesquisador francês divulgou os resultados
de um pequeno ensaio clínico que, segundo ele, revelava uma taxa de
cura de 100%. Desde então, esse estudo tem sido amplamente contestado,
e os cientistas e autoridades de saúde mundo afora vêm lamentando
publicamente as manifestações entusiasmadas de Raoult. Num
comentário mais ou menos representativo do teor da controvérsia na
França – onde o nome e a imagem de Raoult estão há semanas por toda

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parte –, um detrator (em geral, um político ponderado) sugeriu que ele


“cale a boca e aja como médico” e que “pare de dizer ‘eu sou um gênio’
em todo lugar”.

Os colegas de Raoult comparam sua psicologia à de Napoleão, embora


ele não seja baixinho. Ao ser indagado por um jornalista sobre sua
tendência de “nadar contra a corrente” do pensamento científico, ele
respondeu: “Não sou um outsider. Sou aquele que está na frente de todo
mundo.” Axel Kahn, médico e geneticista que o conhece há quase
quarenta anos, contou-me que ele sempre foi assim. “Uma das
características mais constantes do professor Raoult é que ele sabe que é
muito bom”, disse-me. “Só que ele considera todos os outros inúteis.
Sempre considerou. Não é coisa recente.” Comenta-se que, em sua casa,
Raoult tem uma estátua em mármore de si mesmo, ao lado de uma
coleção de bustos romanos.

Aos 68 anos, Raoult é um homem de constituição robusta, mas de traços


refinados, com maçãs do rosto protuberantes e lábios finos e insolentes.
Nos últimos anos, escondeu tudo isso atrás de bigode e cavanhaque
desgrenhados e grisalhos, e deixou crescer até os ombros os cabelos de
um amarelo pálido. No mindinho da mão direita, carrega agora um
crânio de prata. Os memes que circulam pela internet retratam-no como o
mago Gandalf ou como um druida. A não ser pelo jaleco branco de
laboratório, seu aspecto geral é o de um vidente que vai para o trabalho
pilotando uma Harley-Davidson. O jornalista francês Hervé Vaudoit, que
tem escrito sobre ele com admiração ao longo dos anos, certa vez lhe
perguntou por que se vestia daquela maneira. A resposta: “Porque irrita
os outros.”

Desde que se espalhou pelo mundo o Sars-CoV-2 (nome do vírus que


causa a Covid-19), o desdém de Raoult pela opinião abalizada – e seus
representantes, os “marqueses parisienses” – cativou um amplo segmento
da população francesa. Segundo uma pesquisa de opinião do final de
março, ele havia se tornado uma das “personalidades políticas” mais
populares da França, com um poder especial para atrair os extremos
populistas. Objetos de devoção contendo sua imagem eram vendidos em
Marselha e, em certas noites, às 20 horas, batalhões de caminhões de lixo
da cidade reuniam-se do lado de fora do hospital e tocavam suas buzinas

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num tributo barulhento e furioso ao médico. Uma faixa de 3 metros,


pintada por um clube local de torcedores de futebol e esticada perto da
entrada do hospital, dizia: “Marselha e o mundo apoiam o prof. Raoult!!!”

O médico francês vem colecionando os artefatos criados por seus fãs e


parece deleitar-se com a fama adquirida, embora diga o contrário. Tem
certeza de que, no fim, os remédios vão lhe dar razão. Tudo o mais é
questão de aparência. “Eu penso, de fato, que estamos num teatro”, disse-
me. “Na minha peça, quem me julga como médico são meus pacientes. E
quem me julga como cientista são meus colegas. E o tempo.”

P
oucas semanas atrás, falei (guardando a distância recomendada)
com um homem chamado Jacques Cohen. Ele estava sentado na
calçada do lado de fora do prédio do IHU, um anguloso
monumento de concreto e vidro a cerca de 2,5 km do antigo porto de
Marselha. Encostado num pilar, sentado de cócoras, com os pulsos
apoiados sobre os joelhos, Cohen estava perto de um grupo de umas
sessenta pessoas, à espera de entrar no hospital por uma porta lateral.
Como todos ficavam despreocupadamente próximos uns dos outros – de
pé, num grupo informal, como as pessoas costumavam fazer –, podia-se
identificá–los como os desafortunados que já se sabiam infectados pelo
vírus. Eu havia escolhido Cohen como meu interlocutor por instrução de
uma enfermeira. Ele não estava tossindo ou espirrando e usava máscara.
“Seja como for, vamos todos pegar”, disse-me a enfermeira.

Eu me acocorei na calçada e perguntei a Cohen, que tem 76 anos, como se


sentia. Ele estava tomando hidroxicloroquina e azitromicina fazia dois
dias. “Está melhorando”, ele me respondeu por trás da máscara. Estava
pálido, mas otimista. A febre havia cedido e ele estava começando a
recuperar o paladar. Comentei que havia algum debate sobre a eficácia
do tratamento. “Não tem essa história de ‘acreditar’ ou ‘não acreditar’”,
disse-me ele: “Nós sabemos que funciona!”

Hidroxicloroquina e azitromicina são medicamentos bem conhecidos,


bem tolerados e amplamente receitados. A azitromicina foi desenvolvida
há quarenta anos na ex-Iugoslávia e é hoje o segundo antibiótico mais

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Ao diagnosticar os males da ciência moderna – uma


diversão que, junto ao hábito de depreciar seus
críticos e colegas pesquisadores, configura um dos
seus grandes prazeres –, o eminente microbiologista
francês Didier Raoult cofia de leve a barba, recosta-
se na cadeira e, com um sorriso discreto mas
inequívoco, declara que a pobre paciente é vítima do
orgulho. Raoult, que alcançou fama internacional quando Donald Trump
alçou sua proposta de tratamento para a Covid-19 à categoria de “cura
milagrosa”, acredita que seus colegas são incapazes de ver que as ideias
deles resultam de modas intelectuais, que a metodologia os hipnotiza,
fazendo-os acreditar que compreendem o que não compreendem, e que
lhes falta disciplina mental para entender o erro que cometem. Em seu
instituto em Marselha, ele me disse o seguinte recentemente: “A húbris é
a coisa mais comum do mundo.” A arrogância é uma doença
especialmente perigosa em médicos como ele, cujas opiniões têm
implicações sobre a vida e a morte. “Quem não sabe é menos burro do
que quem pensa que sabe”, disse. “Porque estar errado é uma coisa
terrível.”

Raoult, que fundou e dirige o Instituto Hospitalar Universitário


Méditerranée Infection – o IHU, dedicado à pesquisa –, construiu uma
grande carreira desafiando a ortodoxia, tanto em palavras como em atos.
“Não há nada de que eu goste mais do que explodir uma teoria bem
estabelecida”, disse ele certa vez. Sua reputação inclui o pendor para a
bravata, mas também certa criatividade. Ele olha para onde ninguém se

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receitado nos Estados Unidos. A hidroxicloroquina – juntamente com a


análoga cloroquina, mais tóxica – foi durante muitas décadas a droga
antimalária mais prescrita por médicos no mundo. Hoje, ela é muito
usada no tratamento de artrite reumatoide e lúpus. Suas três moléculas
estão incluídas na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da
Organização Mundial da Saúde (OMS), um compêndio dos
“medicamentos mais eficazes, seguros e de melhor custo-benefício para o
tratamento de enfermidades prioritárias”.

Raoult conhece bem os dois remédios. Desde o início de sua carreira, ele
tem feito extensas experiências com o redirecionamento de drogas,
aplicando-as no tratamento contra doenças diferentes daquelas para as
quais foram inicialmente aprovadas. Centenas e centenas de moléculas já
foram sancionadas para uso humano pela FDA norte-americana, a
agência responsável pela fiscalização e aprovação de alimentos e
remédios. Escondidas entre elas, segundo Raoult, está a cura imprevista
para muitas doenças. “Você testa tudo, para de ponderar e simplesmente
vai ver se, por acaso, funciona. E há coisas que se descobre que fazem
você cair de costas”, disse ele. Antidepressivos e anti-hipertensivos já
revelaram ter propriedades antivirais. A lovastatina, usada para reduzir
os níveis de colesterol, já se mostrou eficaz contra a peste, pelo menos em
camundongos. Num artigo de 2018, Raoult e uma equipe de
pesquisadores relataram que a azitromicina exibia forte atividade em
células infectadas com o zika vírus.

R
aoult passou a primeira década de sua vida em Dacar, no que era
então o Senegal francês, para onde haviam enviado seu pai, um
médico militar. Sempre que precisava combater a malária, tomava
cloroquina. “Eu tomava cloroquina o tempo todo, quando criança”, conta.
Durante os anos 1990, numa experiência precoce de redirecionamento, ele
testou o efeito da hidroxicloroquina numa enfermidade muitas vezes
fatal, conhecida como febre Q, provocada por uma bactéria intracelular.
Como os vírus, as bactérias intracelulares se multiplicam dentro das
células que as hospedam. Raoult descobriu que, ao reduzir a acidez das
células hospedeiras, a hidroxicloroquina retardava o crescimento
bacteriano. Começou, então, a tratar a febre Q com hidroxicloroquina e

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doxiciclina, uma combinação que mais tarde voltou a usar contra a


doença de Whipple, também fatal e causada por bactéria intracelular. A
combinação é hoje considerada um tratamento padrão para essas duas
enfermidades.

Dadas as semelhanças entre bactérias intracelulares e vírus, Raoult


suspeitou que a cloroquina e a hidroxicloroquina poderiam ter
propriedades antivirais. Em seguida à eclosão da Sars, em 2002,
pesquisadores descobriram que a cloroquina retardava a reprodução da
Sars em culturas celulares. Raoult examinou o assunto num artigo de
2007 e concluiu que a cloroquina e a hidroxicloroquina poderiam ser
“arma interessante no combate a doenças infecciosas presentes e futuras
no mundo inteiro”. No começo deste ano, quando a disseminação do
Sars-CoV-2 começou a adquirir os contornos de uma pandemia, ele se
pôs a examinar os dados que chegavam da China. Um relatório inicial
sobre a cloroquina mostrava bons resultados in vitro. Em meados de
fevereiro, outra equipe chinesa relatou que, em mais de cem pacientes,
descobriu-se que ela exibia “atividade potente contra a Covid-19”. Raoult
ficou eufórico.

À época, autoridades sanitárias em todo o mundo advertiam que um


tratamento viável poderia estar longe, a meses de distância. Os relatórios
chineses, no entanto, pareciam confirmar as antigas esperanças de Raoult
na cloroquina. Um vírus letal, contra o qual não havia tratamento, podia
ser detido por uma molécula barata, amplamente estudada e que ele
conhecia bem. Um cientista mais cuidadoso teria examinado os dados
chineses e começado a se preparar para fazer seus próprios testes. Raoult
fez isso, mas também postou um vídeo curto e radiante no YouTube, com
o título “Coronavírus: game over!”. A cloroquina havia produzido o que
ele chamou de “melhoras espetaculares” nos pacientes chineses. “É ótima
notícia. De todas, essa é provavelmente a infecção respiratória mais fácil
de tratar”, afirmou. “A única coisa que eu tenho a dizer é: tomem
cuidado. Logo, as farmácias não terão mais cloroquina para vender!”

R
aoult passou quase a vida toda em Marselha, uma cidade áspera e
belicosa, mas que ele ama. Em homenagem a ela, chamou todo um

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R
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gênero de bactérias de Massilia e batizou numerosas espécies de


micróbios com o nome da cidade ou de seus bairros. Marselha é um porto
importante há mais de 2 mil anos, e, em decorrência disso, possui uma
história rica em doenças. Foi a porta de entrada na França das três
grandes ondas de peste bubônica, a primeira delas no século VI. Entre
1720 e 1722, a peste matou quase metade da população. Um de seus
bairros centrais, no antigo porto, leva hoje o nome do bispo que cuidou
dos doentes, enquanto os médicos se escondiam de medo.

Raoult escreveu seu primeiro relatório de pesquisa em 1979, sobre uma


infecção transmitida por carrapatos que por vezes é chamada de “febre
de Marselha”. A enfermidade também foi chamada de “febre benigna de
verão”, e a ciência passou mais de cinquenta anos dizendo que ela não
era letal. Contudo, um dos 41 pacientes do grupo estudado por Raoult
veio a falecer. Antes de enviar seu artigo, ele, então um jovem residente,
submeteu-o à revisão de um orientador. Raoult conta o que aconteceu: “O
professor pegou o artigo e nunca mais me devolveu: publicou-o ele
próprio. E excluiu o caso de morte, porque não sabia explicá-lo.” Raoult
ficou revoltado e extraiu do episódio sua filosofia de investigação
científica. “Aprendi que as pessoas desejosas de trilhar o caminho já
conhecido estão dispostas a trapacear para fazer isso”, diz. Em trabalho
posterior, ele demonstrou que a febre de Marselha era, sim, fatal, e quase
exatamente em 1 a cada 41 casos. “O professor era um ‘partidário’”,
conclui. “E esses ‘partidários’ são todos trapaceiros. Foi isso que pensei. E
é o que penso até hoje.”

Ele é fundamentalmente um contestador. Em sua opinião, os


pesquisadores que endossam as ferramentas e teorias de suas respectivas
épocas pouco conseguiram avançar. “Passei minha vida inteira sendo do
‘contra’”, afirma. “Digo aos cientistas mais jovens: ‘Vocês sabem, para
concordar não é preciso ter cérebro. Basta ter espinha dorsal.’” Conflito é
o que o faz vibrar. É uma questão tanto de temperamento como de
filosofia – certamente uma influência do pensador que admira e a quem
chama de “mestre Nietzsche”. “Ele adora ver que as águas estão agitadas
ao seu redor”, contou-me um de seus técnicos de laboratório. Ele provoca
tempestades e se deleita ao contemplá-las desabando sobre a terra. Seus
pares desaprovam o comportamento, mas têm respeito relutante por
Raoult. “Não há como derrotá-lo”, diz Mark Pallen, professor de

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genômica dos micróbios da Universidade de East Anglia. “O lugar dele


no cânone, na santidade da ciência, está relativamente assegurado.”

Interessado em poder, Raoult nunca deixou de lhe dedicar atenção. Em


1985 e 1986, trabalhou no Instituto Naval de Pesquisa Médica em
Bethesda, no estado norte-americano de Maryland, onde descobriu o
Science Citation Index (Índice de citações científicas). O índice, que pode
ser usado para aferir a influência de um cientista com base em seu
histórico de publicações, era relativamente desconhecido na França. Na
lista, Raoult procurou quem eram os cientistas mais bem cotados em
Marselha. “Foi, na verdade, uma espécie de ‘o imperador está nu’”,
relata. “Aquela gente não publicava. Tinha um que não escrevia um
artigo fazia dez anos.” Na sua opinião, a ciência francesa era um ducado
de aparências, contatos e autorreverência. Ele imita o modo de falar de
um aristocrata: “As pessoas diziam: ‘Ah, ele? Sim, ele é muito bom.’ E
essa reputação, você não sabe no que se baseia, mas não é na verdade.”

Há décadas, Raoult se vangloria de um prodigioso número de


publicações e citações, algo que, como dado estatístico objetivo, ele
considera a melhor medida de seu próprio valor como pesquisador. Em
média, pesquisadores da área biomédica na França produzem, como
autores ou colaboradores, cerca de dez artigos científicos por ano. Ao
longo de toda a carreira, são poucas centenas de artigos. O nome de
Raoult encabeça milhares de textos. Nos últimos oito anos, escreveu mais
de cem a cada ano. Só em 2020, já publicou ao menos 54.

Ele tem a reputação de ser um trabalhador incansável, mas só atinge esse


número notável de publicações porque assina seu nome em quase todos
os artigos produzidos por seu instituto. Embora a prática não seja
propriamente um ineditismo, também não é comum. “Até mesmo a
simples leitura desses artigos demandaria grande porcentagem do tempo
de qualquer pessoa”, Mark Pallen me diz. “Para alguém como eu, por
exemplo, acho que seria praticamente impossível examiná-los de fato e
com cuidado, criticá-los, dar uma importante contribuição intelectual.”

Com poucas exceções, os chefes de departamento do IHU trabalharam


sob o comando de Raoult a vida inteira, alguns por mais de trinta anos. É
um “sistema ancestral”, “familiar”, “como um clã”, disse-me o professor

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de clínica médica Michel Drancourt, seu colaborador mais antigo. Raoult


é, sem dúvida, o patriarca. Em certos aspectos, é considerado
benevolente. O IHU, por exemplo, gasta um bocado de dinheiro com
bolsas de estudo e de pesquisa para estudantes de países em
desenvolvimento, e Raoult, ao contrário de outros cientistas poderosos,
tem fama de ser acessível a jovens pesquisadores. É conhecido também
pelas repreensões a subordinados. Enquanto visitava o IHU, vi uma
jovem pesquisadora sair da sala dele aos prantos e correr para os braços
dos amigos, claramente acostumados àquela cena. “Quando ele não está
contente com alguma coisa, ele vai te dizer”, um deles me contou. Uma
queixa de um funcionário, escrita em 2017 e seguida de uma investigação
por parte do IHU, descrevia os “gritos”, “insultos” e a “intimidação
psicológica” praticados por “uma liderança pertencente a outra época”.
Na entrada do instituto, há uma frase de Horácio: “Erigi um monumento
mais duradouro que o bronze.”

Nos últimos anos, Raoult, ao que parece, tem se divertido com afirmações
científicas tendenciosas, por vezes em território muito além de sua
especialidade. É cético, por exemplo, quanto à utilidade de modelos
matemáticos no âmbito da epidemiologia. A mesma lógica o levou a
concluir que os cientistas que desenvolvem modelos climáticos nada mais
são que “adivinhos” de nossa “era científica”, e que suas previsões
medonhas são, em grande parte, apenas uma tentativa de expiar nosso
sentimento de culpa, intenso, mas irracional.

Raoult descarta também o alarmismo, tão comum entre especialistas em


doenças infecciosas. De início, duvidou que o Sars-CoV-2 fosse se
espalhar para além das fronteiras da China, ou que, caso o fizesse,
pudesse vir a representar um problema terrível. Em 20 de janeiro,
cientistas chineses confirmaram que o vírus era transmitido de um
paciente para outro, e o presidente Xi Jinping, em sua primeira
manifestação pública acerca do novo coronavírus, declarou que seria
preciso tomar todas as medidas possíveis para conter o surto. A OMS
anunciou uma reunião de emergência. No dia seguinte, em Marselha,
Raoult postou um vídeo no canal de seu instituto no YouTube. Olhava
para seu entrevistador (fora de quadro) com olhos cansados e,
suspirando, dizia: “Você sabe, o mundo enlouqueceu.” Todo ano,
declarou, provavelmente seiscentas ou setecentas pessoas morrem de

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infecções provocadas por coronavírus na França, e outros milhares


morrem de outras doenças respiratórias. “O fato de pessoas terem
morrido por causa de um coronavírus na China não significa muita coisa
para mim”, acrescentou. “Eu não sei, talvez as pessoas não tenham nada
para fazer e, por isso, foram procurar na China alguma coisa da qual ter
medo.”

Seu livro mais recente, Épidémies: Vrais Dangers et Fausses Alertes


(Epidemias: perigos reais e alarmes falsos), foi publicado na França no
final de março, quando a OMS já reportara mais de 330 mil casos
confirmados de Covid-19 e mais de 14,5 mil mortes em todo o mundo.
Ele escreve: “Essa angústia com a epidemia está completamente
desvinculada da realidade das mortes por doenças infecciosas.”

P
ara os padrões da biologia molecular, a reação em cadeia da
polimerase (PCR) em tempo real – a tecnologia mais empregada
para detectar a presença do Sars-CoV-2 – não é
extraordinariamente complexa, mas depende da coleta do material, de
máquinas termocíclicas, reagentes químicos e de sondas (probes) e
iniciadores (primers) de nucleotídeos. Se um desses componentes está em
falta, os testes não podem ser realizados. Desde janeiro, quando o
genoma do Sars-CoV-2 foi publicado, o IHU comprou ou tomou
emprestado o maior número possível desses componentes, gastando
meio milhão de euros apenas em novas máquinas. Quaisquer que fossem
as reservas de Raoult em relação ao vírus, ele não pretendia perder a
oportunidade de estudá-lo e, talvez, ganhar a corrida em busca do
tratamento. Seu instituto é financiado, sobretudo, por recursos públicos –
Raoult recebeu mais de 800 milhões de euros para construí-lo, em valores
de hoje –, mas, na prática, detém o comando sobre o seu próprio
orçamento pois, como diretor, ele tem o controle quase absoluto sobre o
que se passa lá dentro. “A rigor, ele pode dizer: ‘Esperem aí, quero
transformar o quarto e a sala de jantar numa cozinha’”, afirma Michel
Drancourt.

Ali trabalham quase oitocentas pessoas. No começo de março, quando os


pacientes de coronavírus começaram a chegar, quase toda a equipe

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concentrou seus esforços no Sars-CoV-2. Raoult obteve permissão para


dar início a um pequeno ensaio clínico dedicado à hidroxicloroquina.
Como, porém, as infecções respiratórias virais muitas vezes levam a
infecções bacterianas secundárias, ele quis testar um antibiótico
suplementar em alguns pacientes, e escolheu a azitromicina, que já havia
testado contra o zika vírus. “Se é para escolher um, melhor escolher
aquele que já se mostrou ativo no combate a um vírus”, disse Bernard La
Scola, que chefia o laboratório de biossegurança do IHU.

A hidroxicloroquina, acredita-se, inibe a reprodução viral em células


infectadas aumentando seu pH, como na febre Q e na doença de
Whipple. O mecanismo antiviral da azitromicina ainda não tem
explicação. Mas, se funciona, funciona. Se dependêssemos dos
medicamentos cujos mecanismos são bem conhecidos, certo número de
remédios populares não seria utilizado – um exemplo é o acetaminofeno,
princípio ativo do Tylenol. Perguntei a Raoult se a ideia de testar os dois
medicamentos em conjunto tinha surgido de discussões com sua equipe.
“Foi minha”, ele respondeu. “Não se iluda.”

Os testes estavam previstos para durar duas semanas por paciente, mas,
passados meros seis dias, os resultados foram tão favoráveis que Raoult
decidiu pôr fim ao ensaio e publicar o relatório. “Em geral, dedicaríamos
algum tempo para escrever com calma, fazer correções, ponderar,
examinar as coisas cinquenta vezes”, contou-me Philippe Gautret, o chefe
de departamento cujo nome encabeça a lista de autores. “Mas, nesse caso,
trabalhávamos com um sentimento de efetiva urgência. Porque
achávamos que tínhamos de divulgar aquilo, pois era possível que
tivéssemos encontrado um modo de melhorar a situação.”

Outros talvez tivessem procedido com maior cautela ou aguardado para


confirmar os resultados num ensaio clínico maior e mais rigoroso. Mas
Raoult, antes de mais nada, gosta de ver a si próprio como um médico,
como alguém dotado de uma obrigação moral de tratar seus pacientes, o
que supera todo e qualquer desejo de produzir dados confiáveis. “Não
vamos dizer a uma pessoa: ‘Escute, hoje não é seu dia de sorte, você vai
receber o placebo e vai morrer’”, disse-me ele. Raoult acredita que, no
caso de tratamentos para doenças infecciosas letais, além de não ser ético,
é desnecessário promover ensaios clínicos controlados e randomizados

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(de sigla ECR). Se eles se tornaram o padrão na pesquisa biomédica é


apenas porque agradam estatísticos “que nunca viram um paciente”,
argumenta. A esses cientistas, ele chama, desdenhosamente, de
“metodologistas”.

O artigo publicado por Raoult continha resultados de 36 pacientes.


Catorze haviam sido tratados com sulfato de hidroxicloroquina; seis, com
uma combinação de sulfato de hidroxicloroquina e azitromicina; e
dezesseis integravam o grupo de controle, que não tomaram nenhum dos
dois medicamentos. No sexto dia do ensaio, catorze dos dezesseis
integrantes do grupo de controle ainda testaram positivo para o vírus. O
grupo dos catorze pacientes tratados com hidroxicloroquina estava se
saindo bem melhor: apenas seis testaram positivo no sexto dia. E o dado
mais encorajador: todos os seis pacientes tratados com a combinação de
hidroxicloroquina e azitromicina estavam livres do vírus.

Vários proeminentes médicos franceses alertaram para o fato de que os


resultados tinham de ser confirmados e advertiram para possíveis efeitos
colaterais. O ministro da Saúde francês considerou o ensaio promissor,
mas pediu mais testes. Raoult já havia começado a coletar dados para um
estudo mais extenso, mas descartou a necessidade de algo
particularmente vasto ou amplo. Como outros críticos dos ECRs, ele
gosta de ressaltar que um certo número de progressos no âmbito da
saúde humana jamais foram validados por testes tão rigorosos. O
raciocínio é conhecido como o “paradigma do paraquedas”: tendemos a
aceitar que o uso do paraquedas reduz os danos em pessoas que saltam
de aviões, mas esse benefício jamais foi comprovado por um estudo
randomizado comparando um grupo de pessoas com paraquedas e um
grupo de controle, formado pelos infelizes que saltariam do avião sem
paraquedas. “É como Didier diz”, Drancourt comentou comigo: “Se você
não tem algo que é visível em dez pacientes ou trinta, é inútil. Não faz
diferença nenhuma.” Um tratamento eficaz para uma doença infecciosa
potencialmente letal será visível a olho nu.

N
o dia 16 de março, Gregory Rigano, um advogado de Long Island,
entusiasta da tecnologia blockchain, apareceu no The Ingraham

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N
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Angle, o programa noturno de Laura Ingraham na Fox News norte-


americana. Ingraham abriu a conversa com a seguinte pergunta: “E se já
existir no mercado um medicamento barato e amplamente acessível para
tratar o vírus? Bem, de acordo com um novo estudo, esse remédio já
existe. Chama-se cloroquina.” Rigano, que na época se apresentava como
consultor da Escola de Medicina de Stanford, o que era mentira, havia
publicado um relatório celebrando o potencial da cloroquina: “Um
tratamento eficaz para o coronavírus (Covid-19).” Era um documento
composto no Google Docs e formatado para se parecer com uma
publicação científica. O relatório tinha começado a circular na mídia
direitista e também no Vale do Silício – Elon Musk tuitou um link para o
texto. Raoult viu o documento e percebeu a atenção que ele estava
recebendo na internet. Outro pesquisador poderia ter achado
irresponsável e perigoso aquele tipo de publicação. Raoult, porém,
começou a se corresponder com Rigano e com seu coautor, James Todaro,
oftalmologista e investidor de bitcoin. E os autorizou a compartilhar os
resultados que obtivera, mas que ainda não tinham sequer sido
publicados.

No ar, Rigano anunciou que um pesquisador do Sul da França, “um dos


mais eminentes especialistas em doenças infecciosas do mundo”, estava
prestes a publicar os resultados de um grande estudo clínico. “Em cerca
de seis dias, pacientes medicados com hidroxicloroquina testaram
negativo para o coronavírus, para a Covid-19”, afirmou, sem mencionar a
azitromicina. “Temos um forte motivo para acreditar que uma dose
preventiva de hidroxicloroquina vai impedir o vírus de se fixar no corpo
e eliminá-lo completamente”, acrescentou. Ingraham complementou:
“Isso é um divisor de águas.”

Nos dias que se seguiram, Ingraham perguntou sobre o medicamento


para Anthony Fauci, o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças
Infecciosas e membro da força-tarefa de Trump para a pandemia, e para
Alex M. Azar ii, o secretário de Saúde e Serviços Sociais dos Estados
Unidos. Sean Hannity, um apresentador, radialista e comentarista
político de direita da própria Fox News, começou a promover o remédio
como a cura para a Covid-19. “Vamos colocar a coisa da seguinte
maneira”, disse ele em seu programa de rádio: “Se eu tivesse a doença –
eu, pessoalmente, estou falando apenas por Sean Hannity –, correria atrás

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

desse remédio.” Rigano, por sua vez, apareceu no programa de Tucker


Carlson, também da Fox News, e afirmou que o estudo de Raoult havia
mostrado que a hidroxicloroquina tinha “uma eficácia de 100% contra o
coronavírus”. De acordo com James Todaro, o coautor, Raoult lhe enviara
uma cópia de seu trabalho e o autorizara a postá-lo no Twitter naquele
mesmo dia, ou seja, dois dias antes da divulgação da versão preliminar
do estudo: “Eu imagino que ele nos deu permissão porque sabia que era a
maneira mais rápida de divulgar os resultados de seu ensaio.” (Pedi
comentários de Rigano a esse respeito, mas não obtive resposta.) Mais
tarde, o próprio Raoult apareceu no Dr. Oz Show, o programa
apresentado por Mehmet Oz, um médico que virou celebridade e é
convidado frequente da Fox News. Oz é, também ele, um promotor da
hidroxicloroquina. “Acredito que ideias e teorias são epidêmicas”, Raoult
escreveu certa feita. “Quando boas, elas deitam raízes.”

Trump começou a inflar a hidroxicloroquina em 19 de março, numa


coletiva de imprensa na Casa Branca com sua força-tarefa.[2] “Eu acho
que vai ser muito interessante”, disse. “Acho que pode ser um divisor de
águas, ou talvez não. Talvez não. Mas, baseado no que vejo, acho que
pode ser, pode ser um divisor de águas. É uma coisa muito poderosa.”
Sugeriu então, erroneamente, que o FDA tinha aprovado o medicamento
para uso contra a Covid-19. Não mencionou a azitromicina. Stephen M.
Hahn, do FDA, mais tarde corrigiu gentilmente o presidente, dizendo
que um amplo ensaio clínico seria o modo apropriado de avaliar o valor
terapêutico da droga.

Ainda assim, como a cloroquina e a hidroxicloroquina estão disponíveis


para o tratamento de outras enfermidades, os médicos puderam receitá-
las para pacientes da Covid-19, ainda que os remédios não tenham sido
aprovados para esse fim, caso julgassem que trariam benefícios. A falta
do medicamento começou a ser relatada em seguida.[3] O FDA,
aparentemente sob forte pressão do governo Trump, emitiu uma
autorização para o uso emergencial do fosfato de cloroquina e do sulfato
de hidroxicloroquina, o que deu aos médicos acesso a dezenas de
milhares de doses desses medicamentos pela via do Estoque Nacional
Estratégico, o estoque norte-americano de suprimentos médicos de
emergência. Numa atitude incomum, o Centro de Controle e Prevenção
de Doenças (CDC), aparentemente instado diretamente por Trump,

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

publicou diretrizes para a prescrição dessas drogas para a Covid-19, e o


fez baseado em estudos de casos restritos e não identificados. (As
diretrizes foram posteriormente revogadas.) Um alto funcionário
governamental da área biomédica foi afastado de seu posto, segundo ele
próprio afirma, por ter resistido à pressão política para financiar “drogas
potencialmente perigosas”, incluindo a hidroxicloroquina.[4]

Há muita coisa em Raoult – nele e no tratamento que propõe – capaz de


torná-lo atraente a um homem como Donald Trump. Raoult é um
iconoclasta com cabelos engraçados; acha que todo mundo é burro, em
especial aquelas pessoas geralmente consideradas inteligentes; é amado
pelos raivosos e adeptos de teorias da conspiração; e louva a si próprio de
forma quase incessante. Conversei com ele diversas vezes depois que foi
assinada a autorização para uso emergencial das drogas nos Estados
Unidos. Ele me disse que não tinha ouvido falar disso e pareceu surpreso,
mas disse também que ficara impressionado com a intuição de Trump
acerca da hidroxicloroquina. “Não é tão idiota”, comentou, rindo. Ele
caracterizou a psicologia de Trump como a do “empreendedor”, em
oposição à do “político”. “Empreendedores são pessoas que sabem
decidir, sabem assumir riscos”, disse. “E, em certa medida, decidir é
assumir um risco. Toda decisão é um risco.”

Em sua avaliação, os franceses esperaram demais para aprovar o uso da


hidroxicloroquina contra a Covid-19, mas só o fizeram para o caso de
pacientes em estado grave. A autorização veio depois que Raoult
anunciou para a imprensa que, “em consonância com o juramento
hipocrático”, continuaria a tratar pacientes com sua combinação de
drogas. “Estou convencido de que, no fim, é o tratamento que será
empregado por todo mundo”, declarou ele ao Le Parisien. “É apenas uma
questão de tempo até que as pessoas engulam sua descrença.”

A
dinâmica de uma crise não se presta exatamente a produzir ciência
confiável. Em outubro de 1985, nos terríveis anos iniciais da
epidemia da Aids, um grupo de médicos franceses, ao lado da
ministra francesa da Saúde e Serviços Sociais, promoveram uma coletiva
de imprensa para anunciar ao mundo que haviam descoberto o que

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

parecia ser uma cura. A droga era a ciclosporina, um imunossupressor


barato que, até então, era usado em transplantes de órgãos para prevenir
a rejeição a novos tecidos. Em pacientes com Aids, a ciclosporina
produzia o efeito paradoxal de aumentar a contagem de glóbulos
brancos; os pacientes experimentavam uma “melhora espetacular”, nas
palavras de um dos pesquisadores. O anúncio, porém, baseava-se no
resultado obtido com apenas dois pacientes, e ambos só haviam iniciado
o tratamento uma semana antes. Os cientistas foram amplamente
criticados na época por desrespeitar as normas da pesquisa biomédica e
apresentar dados tão limitados. Eles responderam o seguinte: “Dado o
vigor de nossa hipótese, acreditamos que, do ponto de vista ético, não
podíamos continuar mantendo nossos resultados em segredo apenas em
respeito às leis habituais da conduta científica.”

“Como Raoult, eles estavam convencidos do que diziam”, observa Jean-


Michel Molina, que dirige os departamentos de doenças infecciosas de
dois hospitais públicos de Paris. “Sentiam que tinham encontrado uma
cura.” Logo depois do anúncio, um dos dois pacientes morreu, e ficou-se
sabendo que um terceiro havia falecido antes da coletiva à imprensa, mas
fora excluído dos resultados relatados porque seu caso era considerado
grave demais para ser revertido. Semanas depois, a contagem de glóbulos
brancos do outro paciente tinha caído para os níveis anteriores. A
experimentação com ciclosporina logo cessou.

A exemplo de muitos médicos, Molina viu com ceticismo o estudo de


Raoult, mas estava curioso para saber se o tratamento proposto poderia,
afinal, funcionar. Testou hidroxicloroquina e azitromicina em onze de
seus próprios pacientes. “Tínhamos pacientes graves e queríamos tentar
alguma coisa”, ele me contou. Em cinco dias, um morreu, e dois outros
foram transferidos para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em
outro paciente, o tratamento foi suspenso com o surgimento de
problemas cardíacos, um conhecido efeito colateral das drogas usadas.
Oito dos dez sobreviventes seguiam testando positivo para o Sars-CoV-2
ao final do estudo. Os dados dos testes de Raoult provinham de pacientes
em estágio inicial ou mais ameno da doença, em que as cargas virais são
menores, razão pela qual perguntei a Molina se seus pacientes não
estavam doentes demais para se beneficiar do tratamento. “Se houvesse
atividade antiviral, ela teria de ser visível”, explicou. “Tudo bem, você

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

pode dizer ‘é tarde demais, você não vai ver o benefício clínico’. Mas, se é
um antiviral, teríamos que pelo menos ver atividade antiviral.”

O estudo de Raoult medira apenas a carga viral. Não oferecia dados


sobre resultados clínicos, nem estava claro se os sintomas reais dos
pacientes tinham melhorado, nem mesmo se os pacientes tinham
sobrevivido ou morrido. De início, 26 pacientes foram escalados para
receber a hidroxicloroquina, seis a mais que os vinte que constavam do
resultado final. Os autores escreveram o seguinte sobre esse
descompasso: “Os seis pacientes adicionais não puderam ser
acompanhados em virtude da cessação precoce do tratamento.” As razões
apontadas para a interrupção do tratamento eram preocupantes. Um
paciente parara de tomar a droga depois de começar a sentir náuseas.
Três outros tinham sido transferidos para uma UTI fora do instituto.
Outro morrera. E o paciente restante decidira deixar o hospital antes do
final do tratamento. “Portanto, na verdade, quatro dos 26 não estavam se
recuperando coisa nenhuma”, apontou a consultora em integridade
científica Elisabeth Bik, numa postagem em seu blog sobre o estudo de
Raoult, que circulou amplamente pela internet. Bik parafraseou o
sarcasmo que corria pelo Twitter: “Meus resultados sempre parecem
espantosos, se deixo de fora os pacientes que morreram.”

O relatório de Raoult estava também repleto de discrepâncias e erros. Os


critérios de seleção demandavam participantes maiores de 12 anos, mas
três membros do grupo de controle eram ainda mais jovens. Além disso,
esse grupo continha pacientes não apenas do IHU, mas também de
hospitais de duas outras cidades, nos quais o padrão de atendimento e os
protocolos de teste podiam diferir. No sexto dia, quando o estudo foi
encerrado, catorze dos dezesseis pacientes do grupo de controle testaram
positivo para o vírus. Mas, na verdade, de acordo com o relatório inicial,
naquele dia nenhum dado havia sido coletado de cinco dos catorze
pacientes. No fim, constatou-se que um dos seis receptores de
hidroxicloroquina e azitromicina – registrado como “virologicamente
curado” no sexto dia – ainda era portador do vírus dois dias mais tarde.

Esse aparente desleixo não surpreendeu a muitos dos que examinaram o


trabalho de Raoult no passado. Um importante microbiologista francês
contou-me que, em termos de publicações, a reputação de Raoult entre

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cientistas “acabou-se há tempos”. “Em particular”, o pesquisador me


escreveu, “todo mundo concorda que são baixas a confiabilidade e a
reprodutibilidade da maioria dos artigos que saem do seu laboratório.”
(Ele pediu anonimato para não irritar Raoult, a quem conhece
pessoalmente.) Em 2018, depois de avaliações negativas, os principais
laboratórios de Raoult foram desvinculados de duas das mais
importantes instituições públicas de pesquisa da França. Considerou-se
que ele produzira um número extraordinário de publicações, mas poucas
de grande qualidade. “É muito fácil publicar [palavrão], quando você
sabe como a coisa funciona”, diz a infectologista Karine Lacombe,
professora de medicina em Paris que, nos últimos tempos, tem sido uma
das críticas mais francas de Raoult.

Além dos erros e omissões visíveis, a concepção do estudo – seu tamanho


reduzido, o mecanismo deficiente de controle, a distribuição não
randomizada de pacientes para os grupos de tratamento e de controle –
faz com que suas conclusões sejam inúteis. Fauci diversas vezes chamou
esse resultado de um mero “estudo de caso”, e a bioestatística que
analisou o artigo para o comitê consultor para o coronavírus do governo
francês escreveu que era “impossível atribuir o efeito descrito ao
tratamento com hidroxicloroquina”.

Os ensaios grandes, bem controlados e randomizados não são, de forma


alguma, o único caminho para se chegar a descobertas científicas úteis. A
vantagem é que eles amplificam sinais estatísticos de tal forma que,
mesmo em meio ao ruído da variabilidade humana e do acaso, pode-se
detectar até o efeito mais débil de um novo tratamento. O principal
obstáculo estatístico que qualquer tratamento proposto para a Covid-19
terá de transpor é que o sinal será provavelmente muito fraco, porque, no
fim das contas, a doença raras vezes é fatal. Quase todos sobrevivem. Um
tratamento eficaz salvará a vida de um ou outro paciente a cada cem que
não teria sobrevivido sem ele. “As pessoas às vezes dizem: ‘Se o paciente
melhora, é por causa do remédio; se piora, é por causa do vírus’”, Molina
me disse. “Mas claro que isso não é verdade. E é por isso que precisamos
de um estudo bem conduzido, randomizado e com um grupo de
controle, se quisermos demonstrar alguma coisa.” É possível que a
hidroxicloroquina e a azitromicina sejam eficazes no tratamento da
Covid-19. Mas o que o estudo de Raoult demonstrou, na melhor das

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

hipóteses, é que vinte pessoas que quase certamente teriam sobrevivido


sem tratamento nenhum também sobreviveram depois de tomarem por
seis dias a medicação por ele prescrita.[5]

“Se você não fez isso, pode olhar para um relatório sobre como as pessoas
respondem a um tratamento assim e concluir que a resposta está ali –
bem ali. E se alguém não estiver vendo é porque deve ter outras
motivações”, escreveu Derek Lowe, experiente pesquisador farmacêutico,
para a Science Translational Medicine, no mês de abril. “Mas não é assim
que funciona”, ele prossegue: “Remédios para o Alzheimer, para a
obesidade, para problemas cardiovasculares, para a osteoporose – muitas
e muitas vezes, resultados que pareciam positivos evaporaram quando
examinados mais de perto. Depois que você passa por isso umas poucas
vezes, aprende a sério que a única maneira de ter certeza das coisas é
fazer ensaios controlados suficientemente robustos. Nada de atalhos,
nada de intuição: só dados.”

“J
á inventei uns dez tratamentos em minha vida”, Raoult me
contou. “Metade deles é empregado no mundo todo. Nunca fiz
um estudo duplo-cego, nunca. Nunca! Tampouco qualquer coisa
randomizada.” Com alguma satisfação, ele comenta que a crítica foi mais
intensa do que previra. “Honestamente, não podia imaginar que
deflagraria um frenesi como esse”, diz, recostando-se na cadeira de seu
escritório, ao se referir à tempestade que havia criado no mundo lá fora.
“Quando você conta a história, é bem preto no branco, não é? Sujeito,
verbo, complemento. Você detecta uma doença; tem um remédio que é
barato e que sabemos bem que é seguro, porque 2 bilhões de pessoas
usam; nós receitamos, e ele muda o que tem de mudar. Pode não ser um
produto milagroso, mas é melhor que não fazer nada, não é?”

Seus subordinados defenderam o estudo como o melhor que podiam


fazer, dadas as circunstâncias, e a maneira mais rápida de alertar o
mundo para a possibilidade de um tratamento. A inclusão de pacientes
de outros hospitais no grupo de controle, por exemplo, não era o ideal,
mas era a única opção que permitiria rapidez. “Claro que é uma fraqueza
metodológica”, disse-me Gautret, um dos autores do estudo. “Mas nos

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29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

viramos com o que tínhamos.” Quanto aos seis pacientes “não


acompanhados”, ainda que tivesse sido possível coletar os dados, não
teria sentido incluir a maioria deles no relatório. O propósito era “tratar
pessoas nos estágios iniciais da doença, quando ela ainda não é grave”,
afirma ele. “Sabemos que, em doenças agudas causadas por vírus, quanto
mais cedo você tratar, maior a chance de sucesso. Não tem sentido incluir
no estudo pessoas à beira da morte. Não estamos dizendo que somos
capazes de tratar pessoas à beira da morte.” Um outro estudo pequeno,
com oitenta pacientes, também mostrou melhores resultados em
pacientes com formas mais amenas da doença.

Em Marselha, Raoult me contou que publicaria um terceiro estudo na


semana seguinte, dessa vez com mil pacientes. Os resultados iniciais
foram publicados em meados de abril. Ele tratara 1 061 pacientes com
uma combinação de hidroxicloroquina e azitromicina. Não era um estudo
randomizado nem dotado de grupo de controle. No momento da
publicação da versão preliminar, oito haviam morrido, e cinco
permaneciam hospitalizados, ao passo que 46 haviam experimentado
“resultado clínico pobre”. O resumo do experimento dizia: “Até o
momento, 98,7 % dos pacientes curados.” A terapia proposta constituía
um “tratamento seguro e eficaz para a Covid-19”, escreveram os autores.

Outros cientistas discordaram dessa caracterização. “A taxa de cura é


quase idêntica à que já foi descrita quando se deixa a doença seguir seu
curso natural”, declarou a virologista Christine Rouzioux à rádio
francesa. Karine Lacombe chamou as conclusões de Raoult de
“pensamento mágico”. E acrescentou: “Honestamente, eu acho que ele
não demonstrou coisa nenhuma.” De resto, logo se descobriu que o
segundo e o terceiro estudos haviam sido conduzidos sem a aprovação
de um comitê de ética estatal. Numa versão inicial do terceiro artigo,
Raoult escreveu que tinha conduzido “um estudo retrospectivo num
grupo de pacientes que recebeu o tratamento padrão, de acordo com um
protocolo de pesquisa previamente registrado”. Fez, então, referência ao
protocolo que fora aprovado para o primeiro ensaio. Mas esse protocolo
incluía apenas a hidroxicloroquina, sem azitromicina. Raoult nunca
obteve aprovação para testar sistematicamente uma combinação de
ambas as drogas.

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-arauto-da-cloroquina/ 22/25
29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

Em meados de abril, a ANSM, agência reguladora francesa para


medicamentos, enviou-lhe um pedido para que comprovasse a
“legalidade” do segundo estudo. Mais para o fim do mês, o Conselho
Francês de Medicina publicou uma declaração lembrando seus membros
(e, em especial, Raoult, como muitos acreditam) de que “pôr pacientes em
perigo”, por sua exposição a “tratamentos desprovidos de validação
científica”, era passível de suspensão imediata. Raoult respondeu no
Twitter, onde ele tem hoje meio milhão de seguidores, que a ameaça do
Conselho “obviamente” não se aplicava a seu caso. Numa declaração
sobre a investigação da ANSM, o IHU insistiu que o estudo não
envolvera experimentação, porque não empregara “nenhum
procedimento além do padrão” – que, no IHU, era hidroxicloroquina com
azitromicina.

Raoult estava então começando a perder a compostura. Acusou Lacombe


de cumplicidade com a indústria farmacêutica, e os fãs dele enviaram a
ela ameaças de morte. No Twitter, chamou Bik (a consultora que criticara
o primeiro estudo) de “caçadora de bruxas” e caracterizou como fake
news um estudo que ela havia tuitado – um dos muitos, publicados entre
abril e maio, que pareciam sugerir que o tratamento de Raoult era
ineficaz ou mesmo prejudicial. Os autores de outro estudo desse tipo
foram acusados de “fraude científica”. “Meus detratores são crianças!”,
ele disse a uma entrevistadora. Então, a atenção do mundo voltou-se para
novos estudos com outras drogas, e Raoult pôs-se a atacar as fraquezas
metodológicas desses estudos.

Os resultados de seu ensaio inicial ainda precisam ser replicados. Michel


Molina me disse o seguinte: “Eu acho que, em segredo, ele espera que
ninguém jamais seja capaz de demonstrar coisa nenhuma, que todos os
testes com a hidroxicloroquina não sejam capazes nem sequer de chegar à
conclusão de que ela é ineficaz.” Recentemente, Raoult na verdade
moderou seus clamores quanto às virtudes do tratamento que propõe. A
versão final do estudo, já revisada por seus pares, apontou que dois
outros pacientes morreram, elevando o total de mortes para dez. No
trecho da versão anterior que caracterizava as drogas como “seguras e
eficazes”, restava agora apenas a palavra “seguras”.

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-arauto-da-cloroquina/ 23/25
29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

Raoult tem mostrado indícios daquilo que parece ser alguma dúvida.
Numa entrevista, parafraseando o fecho fatalista de O Estrangeiro, de
Albert Camus, disse que “deve haver muitos espectadores no dia da
minha execução e eles devem me receber com gritos de ódio”.

“Não confio em popularidade”, declarou à entrevistadora. “Quando


pessoas demais pensam que você é maravilhoso, melhor você começar a
se questionar.” Seu vídeo inicial no YouTube, “Coronavírus: game over!”,
foi também renomeado. A nova linguagem é mais ponderada e, no lugar
do ponto de exclamação, figura agora uma interrogação.[6]

[1]Em artigo publicado em 1990, três microbiologistas (o alemão Otto


Kandler e os norte-americanos Carl Woese e Mark Wheelis) propuseram
a classificação, amplamante aceita hoje, segundo a qual os seres vivos
estão agrupados em três domínios: Archaea, Bacteria e Eukarya.

[2]O presidente Jair Bolsonaro começou a defender publicamente a


cloroquina – uma versão mais tóxica do que a hidroxicloroquina – no dia
21 de março, nas redes sociais, dois dias depois da coletiva do presidente
Donald Trump.

No Brasil, os primeiros relatos de falta de cloroquina nas farmácias


[3]
apareceram entre os dias 19 e 20 de março, provavelmente como efeito da
coletiva do presidente Donald Trump, na qual elogiou o medicamento.
No dia 21, quando defendeu a cloroquina publicamente, o presidente Jair
Bolsonaro também deu ordens para que o Exército ampliasse a fabricação
do remédio.

No Brasil, o ex-ministro da Saúde, o ortopedista Luiz Henrique


[4]
Mandetta, ampliou as possibilidades para o uso de cloroquina, mas não
permitiu que o ministério recomendasse sua aplicação generalizada, o
que contrariava o desejo de Bolsonaro. No dia 15 de maio, o então
ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich, deixou o cargo porque,
entre outras razões, também autorizara o uso de cloroquina apenas em
casos graves, moderados ou de internação, e sob orientação médica, o
que também não atendia o desejo do presidente. No dia 20 de maio, o
ministro interino, general Eduardo Pazuello, que não tem formação

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-arauto-da-cloroquina/ 24/25
29/08/2020 Didier Raoult: O arauto da cloroquina

médica, divulgou um protocolo liberando o uso de cloroquina e


hidroxicloroquina para todos os pacientes de Covid-19.

[5]No dia 22 de maio, a revista médica The Lancet publicou o resultado


de um amplo estudo com 96 mil pacientes de Covid-19. O estudo
concluiu que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina contra a doença é
ineficaz e até perigoso, podendo provocar arritmia cardíaca e aumentar o
risco de vida. Três dias depois, em 25 de maio, a Organização Mundial da
Saúde suspendeu o uso de hidroxicloroquina nas pesquisas que ela
própria vinha coordenando com centenas de cientistas.

[6]No dia 27 de maio, diante das evidências científicas reunidas até agora,
a França decidiu proibir o uso da hidroxicloroquina no combate à Covid-
19 em todo o seu território.

*
Nota: No dia 4 de junho, a revista médica The Lancet publicou uma
retratação anulando a validade do estudo com dados de 96 mil pessoas
com Covid-19. A revista informou que o estudo se baseara em dados
hospitalares fornecidos pela empresa norte-americana Surgisphere, que
se recusou a abri-los publicamente mesmo diante das suspeitas de
inconsistência. Diante disso, tornou-se impossível a verificação
independente da qualidade dos dados. Com a anulação do estudo, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) retomou as pesquisas com
hidroxicloroquina que havia suspendido em 25 de maio.

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-arauto-da-cloroquina/ 25/25

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