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PORT CUBO 03

Português AO CUBO

TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: andam questionadas como itens de vestibular: mas sob quais
argumentos o desempenho linguístico e a arte literária seriam
Cronista sem assunto dispensáveis numa formação escolar de verdade?
Enfim, 10o cronista que se dizia sem assunto de repente fica
Difícil é ser cronista regular de algum periódico. Uma crônica aflito por ter de escolher um no infinito cardápio digital de assuntos.
por semana, havendo ou não assunto... É buscar na cabeça uma Que esperará ler seu leitor? 11Amenidades? Alguma informação
luzinha, uma palavra que possa acender toda uma frase, um científica? A quadratura do círculo encontrada pelo futebol
parágrafo, uma página inteira – mas qual? 1Onde o ímã que atraia alemão? A situação do cinema e do teatro nacionais, dependentes
uma boa limalha? 2Onde a farinha que proverá o pão substancioso? de financiamento por incentivos fiscais? Os megatons da última
O relógio está correndo e o assunto não vem. Cronos, cronologia, banda de rock que visitou o Brasil? O ativismo político das ruas?
crônica, tempo, tempo, tempo... Que tal falar da falta de assunto? Uma viagem fantasiosa pelo interior de um buraco negro, esse
Mas isso já aconteceu umas três vezes... Há cronista que abre a mistério maior tocado pela Física? A posição do Reino Unido
Bíblia em busca de um grande tema: os mandamentos, um faraó, diante da União Europeia?
o Egito antigo, as pragas, as pirâmides erguidas pelo trabalho 12
Houve época em que bastava ao cronista ser poético: o
escravo? Mas como atualizar o interesse em tudo isso? O leitor reencontro com a primeira namoradinha, uma tarde chuvosa,
de jornal ou de revista anda com mais pressa do que nunca, 3e, um passeio pela infância distante, um amor machucado, 13tudo
aliás, está munido de um celular que lhe coloca o mundo nas podia virar uma valsa melancólica ou um tango arrebatador. Mas
mãos a qualquer momento. hoje parece que estamos todos mais exigentes e utilitaristas, e
Sim, a internet! O Google! É a salvação. 4Lá vai o cronista os jovens cronistas dos jornais abordam criticamente os rumores
caçar assunto no computador. Mas aí o problema fica sendo o contemporâneos, valem-se do vocabulário ligado a novos
excesso: ele digita, por exemplo, “Liberdade”, e 5lá vem a estátua comportamentos, ou despejam um humor ácido em seus leitores,
nova-iorquina com seu facho de luz saudando os navegantes, ou
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num tempo sem nostalgia e sem utopias.
o bairro do imigrante japonês em São Paulo, 6ou a letra de um É bom lembrar que o papel em que se imprimem livros, jornais
hino cívico, ou um tratado filosófico, até mesmo o “Libertas quae e revistas está sob ameaça como suporte de comunicação. 15O
sera tamen*” dos inconfidentes mineiros... Tenta-se outro tema mesmo ocorre com o material das fitas, dos CDs e DVDs: o
geral: “Política”. Aí mesmo é que não para mais: vêm coisas desde mundo digital armazena tudo e propaga tudo instantaneamente. Já
a polis grega até um poema de Drummond, salta-se da política surgem incontáveis blogs de cronistas, onde os autores discutem
econômica para a financeira, chega-se à política de preservação on-line com seus leitores aspectos da matéria tratada em seus
de bens naturais, à política ecológica, à partidária, à política textos. A interatividade tornou-se praticamente uma regra: há
imperialista, à política do velho Maquiavel, ufa. mesmo quem diga que a própria noção de autor, ou de autoria,
Que tal então a gastronomia, mais na moda do que nunca? já caducou, em função da multiplicidade de vozes que se podem
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O velho bifinho da tia ou o saudoso picadinho da vovó, receitas afirmar num mesmo espaço textual. Num plano cósmico: quem
domésticas guardadas no segredo das bocas, viraram nomes é o autor do Universo? Deus? O Big Bang? A Física é que explica
estrangeiros, sob molhos complicados, de apelido francês. tudo ou deixemos tudo com o criacionismo?
Nesse ramo da alimentação há também que considerar o que Enquanto não chega seu apocalipse profissional, o cronista de
sejam produtos transgênicos, orgânicos, as ameaças do glúten, periódico ainda tem emprego, o que não é pouco, em tempo de
do sódio, da química nociva de tantos fertilizantes. Tudo muito crise. Pois então que arrume assunto, e um bom assunto, para não
sofisticado e atingindo altos níveis de audiência nos programas perder seus leitores. Como não dá para ser sempre um Machado
de TV: já seremos um país povoado por cozinheiros, quer dizer, de Assis, um Rubem Braga, um Luis Fernando Veríssimo, há que
por chefs de cuisine?** se contentar com um mínimo de estilo e uma boa escolha de
Temas palpitantes, certamente de interesse público, estão tema. A variedade da vida há de conduzi-lo por um bom caminho;
no campo da educação: há, por exemplo, quem veja nos livros é função do cronista encontrar algum por onde possa transitar
de História uma orientação ideológica conduzida pelos autores; acompanhado de muitos e, de preferência, bons leitores.
(Teobaldo Astúrias, inédito)
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há quem defenda uma neutralidade absoluta diante de fatos que
seriam indiscutíveis. 9Que sentido mesmo tiveram a abolição da * Liberdade ainda que tardia.
escravatura e a proclamação da República? E o suicídio de Getúlio ** chefes de cozinha.
Vargas? E os acontecimentos de 1964? Já a literatura e a redação

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01. (Puccamp 2017) Na frase “A variedade da vida há de Pedro apressou-se a executar a ordem do amo.
conduzi-lo por um bom caminho; é função do cronista encontrar O dr. Antero foi para a sala, estendeu-se no divã, abriu um
algum por onde possa transitar acompanhado de muitos e, de volume do Dicionário filosófico e começou a ler.
preferência, bons leitores”, fica ressaltado o seguinte aspecto
Já então declinava a tarde e aproximava-se a noite. A leitura
essencial do gênero literário de que se está tratando:
do dr. Antero não podia ser longa. Efetivamente daí a algum tempo
levantou-se o nosso herói e fechou o livro.
a) intenção moralizante da narrativa, de modo a garantir a boa
formação do leitor/cidadão. Uma fresca brisa penetrava na sala e anunciava uma agradável
b) exploração de um tema de interesse geral colhido entre noite. Corria então o inverno, aquele benigno inverno que os
experiências da vida comum. fluminenses têm a ventura de conhecer e agradecer ao céu.
c) multiplicação dos mais variados estilos num mesmo texto 4
O dr. Antero acendeu uma vela e sentou-se à mesa para
pedagógico. escrever. 5Não tinha parentes, nem amigos a quem deixar carta;
d) investimento no caráter experimental e de vanguarda da entretanto, não queria sair deste mundo sem dizer a respeito dele a
linguagem literária. sua última palavra. Travou da pena e escreveu as seguintes linhas:
e) submissão do texto à realidade de alguma política a ser tomada Quando um homem, perdido no mato, vê-se cercado de
como paradigma. animais ferozes e traiçoeiros, procura fugir se pode. De ordinário
a fuga é impossível. Mas estes animais meus semelhantes tão
traiçoeiros e ferozes como os outros, tiveram a inépcia de inventar
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: uma arma, mediante a qual um transviado facilmente lhes escapa
das unhas.
O anjo Rafael É justamente o que vou fazer.
Tenho ao pé de mim uma pistola, pólvora e bala; com estes
Cansado da vida, descrente dos homens, desconfiado das três elementos reduzirei a minha vida ao nada. Não levo nem
mulheres e aborrecido dos credores, 1o dr. Antero da Silva deixo saudades. Morro por estar enjoado da vida e por ter certa
determinou um dia despedir-se deste mundo. curiosidade da morte.
Era pena. O dr. Antero contava trinta anos, tinha saúde, e Provavelmente, quando a polícia descobrir o meu cadáver,
podia, se quisesse, fazer uma bonita carreira. Verdade é que para os jornais escreverão a notícia do acontecimento, e um ou outro
isso fora necessário proceder a uma completa reforma dos seus fará a esse respeito considerações filosóficas. Importam-me bem
costumes. Entendia, porém, o nosso herói que o defeito não estava pouco as tais considerações.
em si, mas nos outros; cada pedido de um credor inspirava-lhe Se me é lícito ter uma última vontade, quero que estas linhas
uma apóstrofe contra a sociedade; julgava conhecer os homens, sejam publicadas no Jornal do Commercio. Os rimadores de
por ter tratado até então com alguns bonecos sem consciência; ocasião encontrarão assunto para algumas estrofes.
pretendia conhecer as mulheres, quando apenas havia praticado
O dr. Antero releu o que tinha escrito, corrigiu em alguns
com meia dúzia de regateiras do amor.
lugares a pontuação, fechou o papel em forma de carta, e pôs-lhe
O caso é que o nosso herói determinou matar-se, e para isso este sobrescrito: Ao mundo.
foi à casa da viúva Laport, comprou uma pistola e entrou em casa,
Depois carregou a arma; e, para rematar a vida com um traço
que era à rua da Misericórdia.
de impiedade, a bucha que meteu no cano da pistola foi uma folha
Davam então quatro horas da tarde. do Evangelho de S. João.
O dr. Antero disse ao criado que pusesse o jantar na mesa. Era noite fechada. O dr. Antero chegou-se à janela, respirou
– A viagem é longa, disse ele consigo, e eu não sei se há um pouco, olhou para o céu, e disse às estrelas:
hotéis no caminho. – Até já.
Jantou com efeito, tão tranquilo como se tivesse de ir dormir E saindo da janela acrescentou mentalmente:
a sesta e não o último sono. 2O próprio criado reparou que o
– Pobres estrelas! Eu bem quisera lá ir, mas com certeza hão
amo estava nesse dia mais folgazão que nunca. Conversaram
de impedir-me os vermes da terra. Estou aqui, e estou feito um
alegremente durante todo o jantar. No fim dele, quando o criado lhe
punhado de pó. É bem possível que no futuro século sirva este
trouxe o café, Antero proferiu paternalmente as seguintes palavras:
meu invólucro para macadamizar a rua do Ouvidor. Antes isso;
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– Pedro, tira de minha gaveta uns cinquenta mil-réis que ao menos terei o prazer de ser pisado por alguns pés bonitos.
lá estão, são teus. Vai passar a noite fora e não voltes antes da
madrugada. CUBO 06 Ao mesmo tempo que fazia estas reflexões, lançava mão da
pistola, e olhava para ela com certo orgulho.
– Obrigado, meu senhor, respondeu Pedro. 6
– Aqui está a chave que me vai abrir a porta deste cárcere,
– Vai. disse ele.

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Depois sentou-se numa cadeira de braços, pôs as pernas


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TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
sobre a mesa, à americana, firmou os cotovelos, e segurando a
pistola com ambas as mãos, meteu o cano entre os dentes. Considere o texto para responder à(s) questão(ões):
Já ia disparar o tiro, quando ouviu três pancadinhas à porta.
Involuntariamente levantou a cabeça. Depois de um curto silêncio Tintim
repetiram-se as pancadinhas. O rapaz não esperava ninguém, e
era-lhe indiferente falar a quem quer que fosse. Contudo, por maior
que seja a tranquilidade de um homem quando resolve abandonar Durante alguns anos, o tintim me intrigou. Tintim por tintim:
a vida, é-lhe sempre agradável achar um pretexto para prolongá-la o que queria dizer aquilo? Imaginei que fosse alguma misteriosa
um pouco mais. medida de outros tempos que sobrevivera ao sistema métrico,
O dr. Antero pôs a pistola sobre a mesa e foi abrir a porta. como a braça, a légua, etc. Outro mistério era o triz. Qual a exata
Machado de Assis definição de um triz? É uma subdivisão de tempo ou de espaço. As
coisas deixam de acontecer por um triz, por uma fração de segundo
02. (G1 - ifce 2016) O texto é o primeiro capítulo do conto “O ou de milímetro. Mas que fração? O triz talvez correspondesse a
anjo Rafael” de Machado de Assis. Sobre esse gênero literário, é meio tintim, ou o tintim a um décimo de triz.
correto afirmar-se que Tanto o tintim quanto o triz pertenceriam ao obscuro mundo
das microcoisas.
a) trata unicamente das grandes tragédias humanas.
Há quem diga que não existe uma fração mínima de matéria,
b) é mais curto que a novela ou o romance, tem uma estrutura
que tudo pode ser dividido e subdividido. Assim como existe o
fechada, desenvolve uma história e tem apenas um clímax.
infinito para fora – isto é, o espaço sem fim, depois que o Universo
c) desenvolve vários enredos ao longo da narrativa, que podem
acaba – existiria o infinito para dentro. A menor fração da menor
estabelecer conexões entre si.
partícula do último átomo ainda seria formada por dois trizes, e
d) traz somente o tempo histórico na sua construção, isto é,
cada triz por dois tintins, e cada tintim por dois trizes, e assim por
determinado pelo calendário e pelo relógio.
diante, até a loucura.
e) atualiza o leitor com os fatos e notícias da semana.
Descobri, finalmente, o que significa tintim. É verdade que,
se tivesse me dado o trabalho de olhar no dicionário mais cedo,
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: minha ignorância não teria durado tanto. Mas o óbvio, às vezes, é
a última coisa que nos ocorre. Está no Aurelião. Tintim, vocábulo
Leia o texto abaixo para responder à(s) questão(ões) a seguir. onomatopaico que evoca o tinido das moedas.
Originalmente, portanto, “tintim por tintim” indicava um
Agora me digam: como é que, com tio-avô modinheiro parente pagamento feito minuciosamente, moeda por moeda. Isso no
de Castro Alves, com quem notivagava na Bahia; pai curtidor de tempo em que as moedas, no Brasil, tiniam, ao contrário de
um sarau musical, tocando violão ele próprio e depositário de hoje, quando são feitas de papelão e se chocam sem ruído.
canções que nunca mais ouvi cantadas, como “O leve batel”, Numa investigação feita hoje da corrupção no país tintim por
linda, lancinante, lúdica e que mais palavras haja em “l’s” líquidos tintim ficaríamos tinindo sem parar e chegaríamos a uma nova
e palatais, com versos atribuídos a Bilac; avó materna e mãe concepção de infinito.
pianistas, dedilhando aquelas valsas antigas que doem como uma Tintim por tintim. A menina muito dada namoraria sim-sim por
crise de angina no peito; dois tios seresteiros, como Henriquinho e sim-sim. O gordo incontrolável progrediria pela vida quindim por
tio Carlinhos, irmão de minha mãe, de dois metros de altura e um quindim. O telespectador habitual viveria plim-plim por plim-plim.
digitalismo espantosos, uma espécie de Canhoto (que também o E você e eu vamos ganhando nosso salário tin por tin (olha aí, a
era) da Gávea; como é que, com toda essa progênie, poderia eu inflação já levou dois tins).
deixar de ser também um compositor popular… Resolvido o mistério do tintim, que não é uma subdivisão nem
Vinicius de Moraes, Samba falado: (crônicas musicais).
Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. Adaptado. de tempo nem de espaço nem de matéria, resta o triz. O Aurelião
não nos ajuda. “Triz”, diz ele, significa por pouco. Sim, mas que
03. (Fgvrj 2016) Das características abaixo, frequentemente pouco? Queremos algarismos, vírgulas, zeros, definições para
encontradas em crônicas, a única que NÃO se aplica ao texto é: “triz”. Substantivo feminino. Popular.
“Icterícia.” Triz quer dizer icterícia. Ou teremos que mudar
a) emprego de neologismos. todas as nossas teorias sobre o Universo ou teremos que mudar
b) interação com o leitor. de assunto. Acho melhor mudar de assunto.
c) sintaxe com marcas de oralidade. O Universo já tem problemas demais.
d) frases sem verbo. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias para ler na
e) uso de termos da linguagem informal. escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.)

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04. (Ifsp 2016) Levando em consideração o texto “Tintim”, de E ardendo de amor e febre na cama, inutilmente chamou por sua
Luis Fernando Veríssimo, e a forma de organização do discurso amada.
em narração, descrição e dissertação, marque (V) para verdadeiro Muitos dias se passaram antes que pudesse voltar ao jardim.
ou (F) para falso e assinale a alternativa correta. Quando afinal conseguiu se levantar para procurá-la, percebeu de
longe a marca da sua ausência. Embaralhando-se aos cabelos,
( ) “Durante alguns anos, o tintim me intrigou. Tintim por tintim: o desfazendo a curva da testa, uma rosa embabadava suas pétalas
que queria dizer aquilo? Imaginei que fosse alguma misteriosa entre os olhos da mulher. E já outra no seio despontava. Parado
medida de outros tempos que sobrevivera ao sistema métrico, diante dela, ele olhava e olhava. Perdida estava a perfeição do
como a braça, a légua, etc.”. A forma de organização do rosto, perdida a expressão do olhar. Mas do seu amor nada se
discurso que prevalece no trecho é a narração. perdia. Florida, pareceu-lhe ainda mais linda. Nunca Rosamulher
( ) “É verdade que, se tivesse me dado o trabalho de olhar no fora tão rosa. E seu coração de jardineiro soube que nunca mais
dicionário mais cedo, minha ignorância não teria durado tanto. teria coragem de podá-la. Nem mesmo para mantê-la presa em
Mas o óbvio, às vezes, é a última coisa que nos ocorre. Está seu desenho.
no Aurelião. Tintim, vocábulo onomatopaico que evoca o (COLASANTI, M. Doze reis e a moça no labirinto do
tinido das moedas.” A forma de organização do discurso que vento. 12. ed. São Paulo: Global Editora, 2006. p. 26-28.)

prevalece no trecho é a descrição.


( ) “Resolvido o mistério do tintim, que não é uma subdivisão 05. (Uel 2016) Com base no fragmento e na prévia leitura do
nem de tempo nem de espaço nem de matéria, resta o triz. conto, é correto afirmar que a história é narrada em
O Aurelião não nos ajuda. “Triz”, diz ele, significa por pouco.
Sim, mas que pouco? Queremos algarismos, vírgulas, zeros, a) primeira pessoa, por Marina Colasanti, que recria o universo
definições para “triz”. Substantivo feminino. Popular”. A mágico dos contos de fadas, no qual, ao final, herói e heroína
forma de organização do discurso que prevalece no trecho é realizam-se no campo do amor.
a descrição. b) primeira pessoa, por Rosamulher, “a mulher ramada” do título,
( ) “Originalmente, portanto, “tintim por tintim” indicava um que, extraordinariamente, ganha vida no jardim de um palácio
pagamento feito minuciosamente, moeda por moeda. Isso no e desperta o amor de um jardineiro.
tempo em que as moedas, no Brasil, tiniam, ao contrário de c) terceira pessoa, por um personagem identificado como
hoje, quando são feitas de papelão e se chocam sem ruído. jardineiro, que relata, do seu ponto de vista, o brotar da rosa
Numa investigação feita hoje da corrupção no país tintim por que se transformaria na mulher de sua vida.
tintim ficaríamos tinindo sem parar e chegaríamos a uma nova d) terceira pessoa, por um narrador onisciente, não nomeado,
concepção de infinito”. A forma de organização do discurso que registra a insólita história de amor entre um solitário
que prevalece no trecho é a dissertação. jardineiro e a roseira por ele plantada.
e) terceira pessoa, por um narrador testemunha, morador do
a) V, V, F, F. palácio no qual se encontra um encantado jardim, cujas
b) F, V, V, V. plantas se metamorfoseiam em seres humanos.
c) V, F, F, V.
d) F, V, F, F.
e) V, V, F, V. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:

Nostalgia do futuro
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Em uma fazenda americana, nos anos 60, o garoto Frank
Leia o fragmento do conto “A mulher ramada”, abaixo, e responda Walker (Thomas Robinson) persegue o sonho de inventar uma
à(s) questão(ões) a seguir. engenhoca capaz de fazê-lo voar. O pai lhe dá uma bronca por
perder tempo com tal sandice. Seu primeiro teste revela-se um
Em pouco, o jardim vestiu o cetim das folhas novas. Em cada doloroso anticlímax. Nem por isso Frank desanima. “Não vou
tronco, em cada haste, em cada pedúnculo, a seiva empurrou desistir nunca”, diz. O filete de autoajuda contido na frase é uma
para fora pétalas e pistilos. E mesmo no escuro da terra os bulbos premonição do gosto que restará na garganta do espectador ao
acordaram, espreguiçando-se em pequenas pontas verdes. fim de Tomorrowland (Estados Unidos, 2015). Na produção da
Mas enquanto todos os arbustos se enfeitavam de flores, Disney em cartaz no país, o personagem sonhador surge, já adulto,
nem uma só gota de vermelho brilhava no corpo da roseira. na pele de George Clooney, para narrar os estranhos fatos que se
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Nua, obedecia ao esforço do seu jardineiro que, temendo viesse seguiram à apresentação de sua máquina na Feira Mundial de Nova
a floração romper tanta beleza, cortava rente todos os botões. York, em 1964. Na ocasião, o garoto é humilhado pelo chefe da
De tanto contrariar a primavera, adoeceu porém o jardineiro. comissão de novas invenções do evento, Nix (Hugh Laurie). Mas
a enigmática menina Athena (Raffey Cassidy) vê tudo e percebe

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que está diante de alguém especial. O rumo da vida de Frank muda a) “Em uma fazenda americana, nos anos 60, o garoto Frank
quando ela lhe dá de presente um item prosaico – um broche Walker (Thomas Robinson) persegue o sonho de inventar uma
com a letra T. Ao passear em um brinquedo que parece saído engenhoca capaz de fazê-lo voar. O pai lhe dá uma bronca
dos parques de diversões da Disney, ele atravessa o portal para por perder tempo com tal sandice.” (1º parágrafo).
outra dimensão: na Tomorrowland do título, os cidadãos voam em b) “Tomorrowland deriva da ala futurista homônima que se pode
versões modernosas de seu propulsor e aerotrens cruzam os ares visitar em vários parques da Disney – cujo espírito também
em meio à selva de edifícios high-tech. Corta para o começo dos está na base do Epcot, em Orlando.” (2º parágrafo).
anos 2000. Filha de um engenheiro da Nasa ameaçado de perder o c) “Apesar do frenesi de videogame, Tomorrowland cheira a um
emprego com o ocaso da indústria espacial, a adolescente Casey compêndio de design retrô, com seus robôs e naves malucas.
Newton (Britt Robertson) vai para a cadeia após invadir a base de Como fica explícito em sua ode à era da corrida espacial,
Cabo Canaveral, na Flórida. Por vias misteriosas, um broche como o filme expressa um paradoxo: a nostalgia do futuro.” (2º
o de Frank cai em suas mãos. Da mesma forma que ocorrera com parágrafo).
o garoto décadas antes, o artefato a transportará para a cidade d) “Na verdade, o componente nostálgico é um fator de empatia
futurista. Com um empurrão da mesma menina enigmática, Casey do filme. O deslize está em outro detalhe: a indecisão
se conecta ao adulto Frank, ao lado de quem tentará impedir um existencial. Tomorrowland fica a meio caminho entre a
cataclismo relacionado àquele mundo paralelo. aventura juvenil e a distopia tecnológica à la Matrix.” (3º
Tomorrowland deriva da ala futurista homônima que se pode parágrafo).
visitar em vários parques da Disney – cujo espírito também e) “Para os jovens, a pirotecnia não compensará o enfado com
está na base do Epcot, em Orlando. A ideia de um futuro de tanto papo-cabeça – o que talvez explique por que a produção
arquitetura sinuosa e modalidades flamantes de transporte era de 180 milhões de dólares decepcionou nas bilheterias
fixação do fundador da companhia, Walt Disney (1901-1966). americanas.” (3º parágrafo)
No momento em que seu primeiro parque está para completar
sessenta anos, é curioso notar como envelheceu aquela noção
de futuro – assim como tantas outras desde os livros do francês TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Júlio Verne, que descreviam, com as lentes do século XIX, um
Leia o texto a seguir para responder à(s) questão(ões) abaixo.
mundo por vir. Apesar do frenesi de videogame, Tomorrowland
cheira a um compêndio de design retrô, com seus robôs e naves O charme de Madureira
malucas. Como fica explícito em sua ode à era da corrida espacial, Bailes suingados na terra do samba
o filme expressa um paradoxo: a nostalgia do futuro. Até porque o por João Carvalho
futurismo dos parques da Disney foi assimilado na arquitetura pós-
moderna de cidades como Dubai, Xangai ou Las Vegas. Disney, Faltavam poucos minutos para as oito e meia da noite de uma
enfim, ajudou a moldar o mundo de hoje – só que, no processo, segunda-feira, em julho, quando umas três dezenas de pessoas
seu futurismo virou item de museu. caminharam apressadas para baixo do viaduto Prefeito Negrão de
Na verdade, o componente nostálgico é um fator de empatia Lima, em Madureira, no subúrbio carioca. Ia à frente um rapaz de
do filme. O deslize está em outro detalhe: a indecisão existencial. cabelos curtos, tingidos de castanho-claro e raspados nas laterais.
Tomorrowland fica a meio caminho entre a aventura juvenil e Tão logo atravessou o portão que dá acesso a uma extensa pista
a distopia tecnológica à la Matrix. Para os jovens, a pirotecnia de dança sob o elevado, Eduardo Gonçalves, de 30 anos, tratou
não compensará o enfado com tanto papo-cabeça – o que de ir até a área aos fundos, onde ficam os banheiros. Espetou uma
talvez explique por que a produção de 180 milhões de dólares das pontas de um fio desencapado na tomada e emendou a outra
decepcionou nas bilheterias americanas. Para os adultos, a causa a cabos elétricos que saíam da parede. Estava ligada a caixa de
da frustração será diversa: sob a casca futurista, há um artigo som que – conectada a um celular – embalaria mais uma oficina
requentadíssimo – a mensagem edificante de que as pessoas não de charme do Viaduto de Madureira.
devem se deixar anestesiar diante da ameaça do aquecimento Ao notar que a instalação improvisada por Gonçalves fora
global e das guerras. Com essa conversa para robô dormir, nem os bem-sucedida, Lucas Leiroz não perdeu tempo. O baixinho de 18
cabelos grisalhos de George Clooney fariam algum filme ter futuro. anos com piercing no nariz e a cabeça coberta por um boné de
Marcelo Marthe. Veja, ed. 2429, ano 48, nº 23, 10 de
jun. 2015. p. 110-111. Adaptado.
tamanho exagerado organizou os alunos da turma de iniciantes
em pequenas fileiras.
Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/
06. (Upe-ssa 2 2016) O texto, como outros gêneros, se estrutura edicao-108/esquina/o-charme-de-madureira>. Acesso em: 20/09/2015, às 17h (excerto).
em mais de um tipo textual, um deles, o tipo narrativo. O enredo
de Tomorrowland é narrado sob o ponto de vista de quem assistiu
ao filme (não de um de seus personagens). A voz do narrador
aparece relatando a história do filme na sequência:

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07. (Usf 2016) Os textos são produzidos, entre outras grande delicadeza.
características, de acordo com sua finalidade discursiva. Sobre LISPECTOR, Clarice. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos.
Organização e introdução. As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva,
o excerto de “O charme de Madureira”, é possível afirmar 2007. p. 186-187.
corretamente que
08. (Uece 2015) Os dois últimos parágrafos do texto constituem
a) os fatos estão descaracterizados devido à perceptível falta de uma sequência
experiência do narrador.
b) a sequência de ações ocorre em tempo psicológico, por se a) argumentativa, que dá um toque de intelectualidade ao texto.
tratar de um texto de ficção. b) descritiva, que confere a tonalidade de leveza exigida pelo
c) a posição do narrador em relação aos fatos é de quem os gênero crônica.
está julgando negativamente. c) narrativa, que empresta ao texto o cunho do cotidiano,
d) o uso de verbos no pretérito perfeito ocorre por tratar-se de imprescindível para a crônica.
uma transposição de discurso. d) injuntiva (exprime uma ordem), que torna a crônica mais ágil,
e) o predomínio dos verbos em terceira pessoa coloca o narrador porque põe as personagens em interação.
como observador das ações.

TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:


TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
O melro veio com efeito às três horas. Luísa estava na sala,
O milagre das folhas ao piano.
– Está ali o sujeito do costume – foi dizer Juliana.
1
Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes Luísa voltou-se corada, escandalizada da expressão:
2
isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que
– Ah! meu primo Basílio? Mande entrar.
não a mim? Por que só de ouvir falar? 3Pois já cheguei a ouvir
conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita E chamando-a:
determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria”. 4Meus – Ouça, se vier o Sr. Sebastião, ou alguém, que entre.
objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Era o primo! O sujeito, as suas visitas perderam de repente
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Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou para ela todo o interesse picante. A sua malícia cheia, enfunada
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daqueles que rolam pedras durante séculos, e não 7daqueles até aí, caiu, engelhou-se como uma vela a que falta o vento. Ora,
para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem adeus! Era o primo!
que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Subiu à cozinha, devagar, — lograda.
Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem:
– Temos grande novidade, Sra. Joana! O tal peralta é primo.
cidetismo (sic), capacidade de projetar no alucinatório as imagens
Diz que é o primo Basílio.
inconscientes.
E com um risinho:
Milagre, não. Mas as coincidências. 8Vivo de coincidências,
vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no – É o Basílio! Ora o Basílio! Sai-nos primo à última hora! O
cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e diabo tem graça!
instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse – Então que havia de o homem ser se não parente? – observou
nele, já estaria falando em nada. Joana.
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Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou Juliana não respondeu. Quis saber se estava o ferro pronto,
andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos que tinha uma carga de roupa para passar! E sentou-se à janela,
cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas esperando. O céu baixo e pardo pesava, carregado de eletricidade;
em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi- às vezes uma aragem súbita e fina punha nas folhagens dos
las a mim. 10Isso me acontece tantas vezes que passei a me quintais um arrepio trêmulo.
considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos – É o primo! – refletia ela. – E só vem então quando o marido
furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o se vai. Boa! E fica-se toda no ar quando ele sai; e é roupa-branca
mais diminuto diamante. e mais roupa-branca, e roupão novo, e tipoia para o passeio, e
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Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos suspiros e olheiras! Boa bêbeda! Tudo fica na família!
a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa Os olhos luziam-lhe. Já se não sentia tão lograda. Havia ali
CUBO 06
fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas muito “para ver e para escutar”. E o ferro estava pronto?
folhas coincidirão comigo. Mas a campainha, embaixo, tocou.
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Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma (Eça de Queirós. O primo
Basílio, 1993.)

SEU POTENCIAL ELEVADO AO MÁXIMO AO CUBO | 6


SEU POTENCIAL ELEVADO AO MÁXIMO
CUBO 03 PORTUGUÊS AO CUBO

09. (Unifesp 2014) Observe as passagens do texto: irreparável? Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse
material. 17Se ele existisse, ver-me-ia propenso a consultá-lo a
– Ora, adeus! Era o primo! (7.º parágrafo) cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exata
– E o ferro estava pronto? (penúltimo parágrafo) de uma partida, 11quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol
pálido, em manhã de bruma, a cor das folhas que tombavam das
Nessas passagens, é correto afirmar que se expressa o ponto árvores, num pátio branco, a forma dos montes verdes, tintos de
de vista luz, frases autênticas, gestos, gritos, gemidos. Mas que significa
isso? 15Essas coisas verdadeiras podem não ser verossímeis. E
a) da personagem Juliana, em discurso direto, independente da se esmoreceram, deixá-las no esquecimento: valiam pouco, pelo
voz do narrador. menos imagino que valiam pouco. Outras, porém, conservaram-
b) da personagem Juliana, sendo que sua voz mescla-se à voz se, cresceram, associaram-se, e é inevitável mencioná-las.
do narrador. 7
Afirmarei que sejam absolutamente exatas? Leviandade.
c) do narrador, em terceira pessoa, distanciado, portanto, do (...) Nesta reconstituição de fatos velhos, neste esmiuçamento,
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ponto de vista de Juliana. exponho o que notei, o que julgo ter notado. 3Outros devem
d) do narrador, em primeira pessoa, próximo, portanto, do ponto possuir lembranças diversas. Não as contesto, mas espero
de vista de Juliana. que não recusem as minhas: 4conjugam-se, completam-se
e) da personagem Luísa, em discurso indireto, independente da e me dão hoje impressão de realidade. Formamos um grupo
voz do narrador. muito complexo, que se desagregou. De repente nos surge a
necessidade urgente de recompô-lo. Define-se o ambiente, as
figuras se delineiam, vacilantes, ganham relevo, a ação começa.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: 18
Com esforço desesperado arrancamos de cenas confusas
alguns fragmentos. Dúvidas terríveis nos assaltam. De que modo
Memórias do cárcere reagiram os caracteres em determinadas circunstâncias? O ato
que nos ocorre, nítido, irrecusável, terá sido realmente praticado?
Não será incongruência? Certo a vida é cheia de incongruências,
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Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos
mas estaremos seguros de não nos havermos enganado? Nessas
passados há dez anos − e, antes de começar, digo os motivos por
vacilações dolorosas, 12às vezes necessitamos confirmação,
que silenciei e por que me decido. Não conservo notas: algumas
apelamos para reminiscências alheias, convencemo-nos de
que tomei foram inutilizadas, e assim, 16com o decorrer do tempo,
que a minúcia discrepante não é ilusão. Difícil é sabermos a
ia-me parecendo cada vez mais difícil, quase impossível, redigir
causa dela, 8desenterrarmos pacientemente as condições que a
esta narrativa. Além disso, julgando a matéria superior às minhas
determinaram. Como isso variava em excesso, era natural que
forças, esperei que outros mais aptos se ocupassem dela. Não vai
variássemos também, apresentássemos falhas. Fiz o possível por
aqui falsa modéstia, como adiante se verá. 2Também me afligiu
entender aqueles homens, penetrar-lhes na alma, sentir as suas
a ideia de jogar no papel criaturas vivas, sem disfarces, com os
dores, admirar-lhes a relativa grandeza, enxergar nos seus defeitos
nomes que têm no registro civil. Repugnava-me deformá-las,
a sombra dos meus defeitos. Foram apenas bons propósitos:
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dar-lhes pseudônimo, fazer do livro uma espécie de romance;
devo ter-me revelado com frequência egoísta e mesquinho. E
mas teria eu o direito de 5utilizá-las em história presumivelmente
esse desabrochar de sentimentos maus era a pior tortura que
verdadeira? Que diriam elas se se vissem impressas, realizando
nos podiam infligir naquele ano terrível.
atos esquecidos, repetindo palavras contestáveis e obliteradas? GRACILIANO RAMOS
(...) Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2002.

O receio de cometer indiscrição exibindo em público pessoas


10. (Uerj 2012) Essas coisas verdadeiras podem não ser
que tiveram comigo convivência forçada já não me apoquenta.
verossímeis. (ref.15)
Muitos desses antigos companheiros distanciaram-se, apagaram-
se.
Com a frase acima, o escritor lembra um princípio básico da
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Outros permaneceram junto a mim, ou vão reaparecendo literatura: a verossimilhança − isto é, a semelhança com a
ao cabo de longa ausência, alteram-se, completam-se, avivam verdade − é mais importante do que a verdade mesma. A melhor
recordações meio confusas − e não vejo inconveniência em explicação para este princípio é a de que a invenção narrativa se
mostrá-los. mostra mais convincente se:
(...)
E aqui chego à última objeção que me impus. 13Não a) parece contar uma história real
resguardei os apontamentos obtidos em largos dias e meses de b) quer mostrar seu caráter ficcional
observação: num momento de aperto fui obrigado a atirá-los na c) busca apoiar-se em fatos conhecidos
água. 6Certamente me irão fazer falta, mas terá sido uma perda d) tenta desvelar as contradições sociais

SEU POTENCIAL ELEVADO AO MÁXIMO AO CUBO | 7


SEU POTENCIAL ELEVADO AO MÁXIMO

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