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Português AO CUBO
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: andam questionadas como itens de vestibular: mas sob quais
argumentos o desempenho linguístico e a arte literária seriam
Cronista sem assunto dispensáveis numa formação escolar de verdade?
Enfim, 10o cronista que se dizia sem assunto de repente fica
Difícil é ser cronista regular de algum periódico. Uma crônica aflito por ter de escolher um no infinito cardápio digital de assuntos.
por semana, havendo ou não assunto... É buscar na cabeça uma Que esperará ler seu leitor? 11Amenidades? Alguma informação
luzinha, uma palavra que possa acender toda uma frase, um científica? A quadratura do círculo encontrada pelo futebol
parágrafo, uma página inteira – mas qual? 1Onde o ímã que atraia alemão? A situação do cinema e do teatro nacionais, dependentes
uma boa limalha? 2Onde a farinha que proverá o pão substancioso? de financiamento por incentivos fiscais? Os megatons da última
O relógio está correndo e o assunto não vem. Cronos, cronologia, banda de rock que visitou o Brasil? O ativismo político das ruas?
crônica, tempo, tempo, tempo... Que tal falar da falta de assunto? Uma viagem fantasiosa pelo interior de um buraco negro, esse
Mas isso já aconteceu umas três vezes... Há cronista que abre a mistério maior tocado pela Física? A posição do Reino Unido
Bíblia em busca de um grande tema: os mandamentos, um faraó, diante da União Europeia?
o Egito antigo, as pragas, as pirâmides erguidas pelo trabalho 12
Houve época em que bastava ao cronista ser poético: o
escravo? Mas como atualizar o interesse em tudo isso? O leitor reencontro com a primeira namoradinha, uma tarde chuvosa,
de jornal ou de revista anda com mais pressa do que nunca, 3e, um passeio pela infância distante, um amor machucado, 13tudo
aliás, está munido de um celular que lhe coloca o mundo nas podia virar uma valsa melancólica ou um tango arrebatador. Mas
mãos a qualquer momento. hoje parece que estamos todos mais exigentes e utilitaristas, e
Sim, a internet! O Google! É a salvação. 4Lá vai o cronista os jovens cronistas dos jornais abordam criticamente os rumores
caçar assunto no computador. Mas aí o problema fica sendo o contemporâneos, valem-se do vocabulário ligado a novos
excesso: ele digita, por exemplo, “Liberdade”, e 5lá vem a estátua comportamentos, ou despejam um humor ácido em seus leitores,
nova-iorquina com seu facho de luz saudando os navegantes, ou
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num tempo sem nostalgia e sem utopias.
o bairro do imigrante japonês em São Paulo, 6ou a letra de um É bom lembrar que o papel em que se imprimem livros, jornais
hino cívico, ou um tratado filosófico, até mesmo o “Libertas quae e revistas está sob ameaça como suporte de comunicação. 15O
sera tamen*” dos inconfidentes mineiros... Tenta-se outro tema mesmo ocorre com o material das fitas, dos CDs e DVDs: o
geral: “Política”. Aí mesmo é que não para mais: vêm coisas desde mundo digital armazena tudo e propaga tudo instantaneamente. Já
a polis grega até um poema de Drummond, salta-se da política surgem incontáveis blogs de cronistas, onde os autores discutem
econômica para a financeira, chega-se à política de preservação on-line com seus leitores aspectos da matéria tratada em seus
de bens naturais, à política ecológica, à partidária, à política textos. A interatividade tornou-se praticamente uma regra: há
imperialista, à política do velho Maquiavel, ufa. mesmo quem diga que a própria noção de autor, ou de autoria,
Que tal então a gastronomia, mais na moda do que nunca? já caducou, em função da multiplicidade de vozes que se podem
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O velho bifinho da tia ou o saudoso picadinho da vovó, receitas afirmar num mesmo espaço textual. Num plano cósmico: quem
domésticas guardadas no segredo das bocas, viraram nomes é o autor do Universo? Deus? O Big Bang? A Física é que explica
estrangeiros, sob molhos complicados, de apelido francês. tudo ou deixemos tudo com o criacionismo?
Nesse ramo da alimentação há também que considerar o que Enquanto não chega seu apocalipse profissional, o cronista de
sejam produtos transgênicos, orgânicos, as ameaças do glúten, periódico ainda tem emprego, o que não é pouco, em tempo de
do sódio, da química nociva de tantos fertilizantes. Tudo muito crise. Pois então que arrume assunto, e um bom assunto, para não
sofisticado e atingindo altos níveis de audiência nos programas perder seus leitores. Como não dá para ser sempre um Machado
de TV: já seremos um país povoado por cozinheiros, quer dizer, de Assis, um Rubem Braga, um Luis Fernando Veríssimo, há que
por chefs de cuisine?** se contentar com um mínimo de estilo e uma boa escolha de
Temas palpitantes, certamente de interesse público, estão tema. A variedade da vida há de conduzi-lo por um bom caminho;
no campo da educação: há, por exemplo, quem veja nos livros é função do cronista encontrar algum por onde possa transitar
de História uma orientação ideológica conduzida pelos autores; acompanhado de muitos e, de preferência, bons leitores.
(Teobaldo Astúrias, inédito)
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há quem defenda uma neutralidade absoluta diante de fatos que
seriam indiscutíveis. 9Que sentido mesmo tiveram a abolição da * Liberdade ainda que tardia.
escravatura e a proclamação da República? E o suicídio de Getúlio ** chefes de cozinha.
Vargas? E os acontecimentos de 1964? Já a literatura e a redação
Nostalgia do futuro
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Em uma fazenda americana, nos anos 60, o garoto Frank
Leia o fragmento do conto “A mulher ramada”, abaixo, e responda Walker (Thomas Robinson) persegue o sonho de inventar uma
à(s) questão(ões) a seguir. engenhoca capaz de fazê-lo voar. O pai lhe dá uma bronca por
perder tempo com tal sandice. Seu primeiro teste revela-se um
Em pouco, o jardim vestiu o cetim das folhas novas. Em cada doloroso anticlímax. Nem por isso Frank desanima. “Não vou
tronco, em cada haste, em cada pedúnculo, a seiva empurrou desistir nunca”, diz. O filete de autoajuda contido na frase é uma
para fora pétalas e pistilos. E mesmo no escuro da terra os bulbos premonição do gosto que restará na garganta do espectador ao
acordaram, espreguiçando-se em pequenas pontas verdes. fim de Tomorrowland (Estados Unidos, 2015). Na produção da
Mas enquanto todos os arbustos se enfeitavam de flores, Disney em cartaz no país, o personagem sonhador surge, já adulto,
nem uma só gota de vermelho brilhava no corpo da roseira. na pele de George Clooney, para narrar os estranhos fatos que se
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Nua, obedecia ao esforço do seu jardineiro que, temendo viesse seguiram à apresentação de sua máquina na Feira Mundial de Nova
a floração romper tanta beleza, cortava rente todos os botões. York, em 1964. Na ocasião, o garoto é humilhado pelo chefe da
De tanto contrariar a primavera, adoeceu porém o jardineiro. comissão de novas invenções do evento, Nix (Hugh Laurie). Mas
a enigmática menina Athena (Raffey Cassidy) vê tudo e percebe
que está diante de alguém especial. O rumo da vida de Frank muda a) “Em uma fazenda americana, nos anos 60, o garoto Frank
quando ela lhe dá de presente um item prosaico – um broche Walker (Thomas Robinson) persegue o sonho de inventar uma
com a letra T. Ao passear em um brinquedo que parece saído engenhoca capaz de fazê-lo voar. O pai lhe dá uma bronca
dos parques de diversões da Disney, ele atravessa o portal para por perder tempo com tal sandice.” (1º parágrafo).
outra dimensão: na Tomorrowland do título, os cidadãos voam em b) “Tomorrowland deriva da ala futurista homônima que se pode
versões modernosas de seu propulsor e aerotrens cruzam os ares visitar em vários parques da Disney – cujo espírito também
em meio à selva de edifícios high-tech. Corta para o começo dos está na base do Epcot, em Orlando.” (2º parágrafo).
anos 2000. Filha de um engenheiro da Nasa ameaçado de perder o c) “Apesar do frenesi de videogame, Tomorrowland cheira a um
emprego com o ocaso da indústria espacial, a adolescente Casey compêndio de design retrô, com seus robôs e naves malucas.
Newton (Britt Robertson) vai para a cadeia após invadir a base de Como fica explícito em sua ode à era da corrida espacial,
Cabo Canaveral, na Flórida. Por vias misteriosas, um broche como o filme expressa um paradoxo: a nostalgia do futuro.” (2º
o de Frank cai em suas mãos. Da mesma forma que ocorrera com parágrafo).
o garoto décadas antes, o artefato a transportará para a cidade d) “Na verdade, o componente nostálgico é um fator de empatia
futurista. Com um empurrão da mesma menina enigmática, Casey do filme. O deslize está em outro detalhe: a indecisão
se conecta ao adulto Frank, ao lado de quem tentará impedir um existencial. Tomorrowland fica a meio caminho entre a
cataclismo relacionado àquele mundo paralelo. aventura juvenil e a distopia tecnológica à la Matrix.” (3º
Tomorrowland deriva da ala futurista homônima que se pode parágrafo).
visitar em vários parques da Disney – cujo espírito também e) “Para os jovens, a pirotecnia não compensará o enfado com
está na base do Epcot, em Orlando. A ideia de um futuro de tanto papo-cabeça – o que talvez explique por que a produção
arquitetura sinuosa e modalidades flamantes de transporte era de 180 milhões de dólares decepcionou nas bilheterias
fixação do fundador da companhia, Walt Disney (1901-1966). americanas.” (3º parágrafo)
No momento em que seu primeiro parque está para completar
sessenta anos, é curioso notar como envelheceu aquela noção
de futuro – assim como tantas outras desde os livros do francês TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Júlio Verne, que descreviam, com as lentes do século XIX, um
Leia o texto a seguir para responder à(s) questão(ões) abaixo.
mundo por vir. Apesar do frenesi de videogame, Tomorrowland
cheira a um compêndio de design retrô, com seus robôs e naves O charme de Madureira
malucas. Como fica explícito em sua ode à era da corrida espacial, Bailes suingados na terra do samba
o filme expressa um paradoxo: a nostalgia do futuro. Até porque o por João Carvalho
futurismo dos parques da Disney foi assimilado na arquitetura pós-
moderna de cidades como Dubai, Xangai ou Las Vegas. Disney, Faltavam poucos minutos para as oito e meia da noite de uma
enfim, ajudou a moldar o mundo de hoje – só que, no processo, segunda-feira, em julho, quando umas três dezenas de pessoas
seu futurismo virou item de museu. caminharam apressadas para baixo do viaduto Prefeito Negrão de
Na verdade, o componente nostálgico é um fator de empatia Lima, em Madureira, no subúrbio carioca. Ia à frente um rapaz de
do filme. O deslize está em outro detalhe: a indecisão existencial. cabelos curtos, tingidos de castanho-claro e raspados nas laterais.
Tomorrowland fica a meio caminho entre a aventura juvenil e Tão logo atravessou o portão que dá acesso a uma extensa pista
a distopia tecnológica à la Matrix. Para os jovens, a pirotecnia de dança sob o elevado, Eduardo Gonçalves, de 30 anos, tratou
não compensará o enfado com tanto papo-cabeça – o que de ir até a área aos fundos, onde ficam os banheiros. Espetou uma
talvez explique por que a produção de 180 milhões de dólares das pontas de um fio desencapado na tomada e emendou a outra
decepcionou nas bilheterias americanas. Para os adultos, a causa a cabos elétricos que saíam da parede. Estava ligada a caixa de
da frustração será diversa: sob a casca futurista, há um artigo som que – conectada a um celular – embalaria mais uma oficina
requentadíssimo – a mensagem edificante de que as pessoas não de charme do Viaduto de Madureira.
devem se deixar anestesiar diante da ameaça do aquecimento Ao notar que a instalação improvisada por Gonçalves fora
global e das guerras. Com essa conversa para robô dormir, nem os bem-sucedida, Lucas Leiroz não perdeu tempo. O baixinho de 18
cabelos grisalhos de George Clooney fariam algum filme ter futuro. anos com piercing no nariz e a cabeça coberta por um boné de
Marcelo Marthe. Veja, ed. 2429, ano 48, nº 23, 10 de
jun. 2015. p. 110-111. Adaptado.
tamanho exagerado organizou os alunos da turma de iniciantes
em pequenas fileiras.
Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/
06. (Upe-ssa 2 2016) O texto, como outros gêneros, se estrutura edicao-108/esquina/o-charme-de-madureira>. Acesso em: 20/09/2015, às 17h (excerto).
em mais de um tipo textual, um deles, o tipo narrativo. O enredo
de Tomorrowland é narrado sob o ponto de vista de quem assistiu
ao filme (não de um de seus personagens). A voz do narrador
aparece relatando a história do filme na sequência:
09. (Unifesp 2014) Observe as passagens do texto: irreparável? Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse
material. 17Se ele existisse, ver-me-ia propenso a consultá-lo a
– Ora, adeus! Era o primo! (7.º parágrafo) cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exata
– E o ferro estava pronto? (penúltimo parágrafo) de uma partida, 11quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol
pálido, em manhã de bruma, a cor das folhas que tombavam das
Nessas passagens, é correto afirmar que se expressa o ponto árvores, num pátio branco, a forma dos montes verdes, tintos de
de vista luz, frases autênticas, gestos, gritos, gemidos. Mas que significa
isso? 15Essas coisas verdadeiras podem não ser verossímeis. E
a) da personagem Juliana, em discurso direto, independente da se esmoreceram, deixá-las no esquecimento: valiam pouco, pelo
voz do narrador. menos imagino que valiam pouco. Outras, porém, conservaram-
b) da personagem Juliana, sendo que sua voz mescla-se à voz se, cresceram, associaram-se, e é inevitável mencioná-las.
do narrador. 7
Afirmarei que sejam absolutamente exatas? Leviandade.
c) do narrador, em terceira pessoa, distanciado, portanto, do (...) Nesta reconstituição de fatos velhos, neste esmiuçamento,
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ponto de vista de Juliana. exponho o que notei, o que julgo ter notado. 3Outros devem
d) do narrador, em primeira pessoa, próximo, portanto, do ponto possuir lembranças diversas. Não as contesto, mas espero
de vista de Juliana. que não recusem as minhas: 4conjugam-se, completam-se
e) da personagem Luísa, em discurso indireto, independente da e me dão hoje impressão de realidade. Formamos um grupo
voz do narrador. muito complexo, que se desagregou. De repente nos surge a
necessidade urgente de recompô-lo. Define-se o ambiente, as
figuras se delineiam, vacilantes, ganham relevo, a ação começa.
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: 18
Com esforço desesperado arrancamos de cenas confusas
alguns fragmentos. Dúvidas terríveis nos assaltam. De que modo
Memórias do cárcere reagiram os caracteres em determinadas circunstâncias? O ato
que nos ocorre, nítido, irrecusável, terá sido realmente praticado?
Não será incongruência? Certo a vida é cheia de incongruências,
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Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos
mas estaremos seguros de não nos havermos enganado? Nessas
passados há dez anos − e, antes de começar, digo os motivos por
vacilações dolorosas, 12às vezes necessitamos confirmação,
que silenciei e por que me decido. Não conservo notas: algumas
apelamos para reminiscências alheias, convencemo-nos de
que tomei foram inutilizadas, e assim, 16com o decorrer do tempo,
que a minúcia discrepante não é ilusão. Difícil é sabermos a
ia-me parecendo cada vez mais difícil, quase impossível, redigir
causa dela, 8desenterrarmos pacientemente as condições que a
esta narrativa. Além disso, julgando a matéria superior às minhas
determinaram. Como isso variava em excesso, era natural que
forças, esperei que outros mais aptos se ocupassem dela. Não vai
variássemos também, apresentássemos falhas. Fiz o possível por
aqui falsa modéstia, como adiante se verá. 2Também me afligiu
entender aqueles homens, penetrar-lhes na alma, sentir as suas
a ideia de jogar no papel criaturas vivas, sem disfarces, com os
dores, admirar-lhes a relativa grandeza, enxergar nos seus defeitos
nomes que têm no registro civil. Repugnava-me deformá-las,
a sombra dos meus defeitos. Foram apenas bons propósitos:
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dar-lhes pseudônimo, fazer do livro uma espécie de romance;
devo ter-me revelado com frequência egoísta e mesquinho. E
mas teria eu o direito de 5utilizá-las em história presumivelmente
esse desabrochar de sentimentos maus era a pior tortura que
verdadeira? Que diriam elas se se vissem impressas, realizando
nos podiam infligir naquele ano terrível.
atos esquecidos, repetindo palavras contestáveis e obliteradas? GRACILIANO RAMOS
(...) Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2002.