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04/01/22, 14:51 Resenha 26: Banquete (Platão) | Fares Camurça Furtado

Resenha 26: Banquete (Platão)

19 DE JUNHO DE 2017 / FARESCAMURCAFURTADO

(https://farescamurcafurtado.wordpress.com/2017/02/15/resenha-
07-apologia-de-socrates-platao/apologia-socrates/)

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BANQUETE[i]

Autor: Platão

Coleção: A Obra-prima de cada autor.

Apologia de Sócrates/Banquete (20). São Paulo: Martin Claret,


1999, 176 pp.

Tradução: Jean Melville

Texto Introdutório: Paul Tannery

Categoria: Filosofia

O Banquete é uma obra muito bem escrita e dentre os diálogos de


Platão é aquele que se destina a tratar sobre o amor. Novamente a
personagem central é Sócrates, já celebrado no diálogo por sua
notória inteligência mesmo no meio de pessoas como Aristófanes
e Ágaton.
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Um tema tão badalado e tão mal entendido quanto o “amor” é


descortinado nesta obra, da perspectiva das relações amorosas
entre os seres, bem como o deus regente desta virtude na
mitologia grega chamado “Eros”.

A obra começa com  um encontro entre dois discípulos de


Sócrates: Apolodoro e Glaucon. Glaucon deseja saber como fora o
banquete em que Sócrates e outros participantes discursaram
sobre “amor”. O banquete ocorrera muito tempo antes deste
encontro; Apolodoro foi notificado deste evento por meio de
Aristodemo, outro discípulo de Sócrates que participara do
banquete, que ocorrera na casa de Ágaton (em comemoração a
um prêmio literário ganho por ele).

Antes de iniciar a obra, a dicotomia matéria/espírito muito


comum em Platão já é explicitada na fala de Aristodemo a
Glaucon:

 Aliás, é para mim um inexcedível prazer falar ou ouvir falar


de filosofia, o que creio ser de grande utilidade. Existem
outras conversas, as vossas, as dos ricos e comerciantes, que
me enchem de aborrecimento. Deploro a vossa cegueira e a de
vossos amigos, que servis absolutamente para nada! Talvez
neste momento estejas a dizer intimamente que sou infeliz. É
possível que acredites estar com a verdade; eu, porém, não
penso; sei com certeza que vós é que sois infelizes! (pp. 96,97)

Apolodoro é tido como doido por Glaucon, pelo desprezo ao


material (p. 97), uma demonstração de que havia divergências
interpretativas entre os discípulos de Sócrates quanto a esta
relação. Esta dicotomia levada ao extremo poderia fazer o
indivíduo fugir da realidade de suas práticas e deveres
cotidianos, por outro lado o foco no outro espectro da dicotomia
poderia levar o indivíduo a ter uma visão medíocre da
espiritualidade e do sentido da vida. Todos nós, por mais que não
percebamos, estamos entre os dois polos e nos cabe um
diagnóstico preciso sobre nossa posição e a ciência necessária
para viver a realidade da existência, tomando cuidado para não
descambar para o materialismo ou cair em um idealismo
extremado.

Iniciemos a trama. No caminho para o banquete Sócrates encontra


Aristodemo e o convida para ir também. Ocorre que Sócrates para
ao longo de sua jornada para meditar. Aristodemo vai na frente.
Mandaram buscá-lo, mas Sócrates não atendeu. Aqui, o princípio
a ser extraído é a necessidade de meditar quando exposto a uma
situação que nos convida à reflexão. Muitas vezes, temos
preciosos insights e grandes reflexões quando uma imagem se
projeta diante de nós ou quando ouvimos algum discurso, frase,
etc. Aquela meditação parece sublime e por confiarmos em nossa

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memória, findamos esquecendo, atarefados com nossos afazeres


diários. Porém, quando tentamos resgatar aquele precioso
pensamento somos surpreendidos com o fato de que eles não
estão mais lá. Quando o pensamento aparecer registre-o em seus
escritos, não se volte para seus afazeres enquanto não tiver
certeza que apreendeu aquele momento com a linguagem
adequada devidamente registrada em uma fonte acessível em
ocasiões futuras. Eis o que as múltiplas reflexões de Sócrates
podem nos ensinar.

Uma fala de Sócrates pode causar confusão sobre sua suposta


identidade bissexual: “deve-se ir bem vestido à casa de um belo
rapaz” (p. 98). Porém, a leitura atenta da obra nos mostrará que
Sócrates apenas se adequa aos costumes de sua época sem, no
entanto, deixar-se levar pela prática da pederastia. (Será?).

Entretanto, Roger Scruton parece perceber a presença da


homoafetividade na pessoa de Sócrates (pelo menos em pulsão).
Observe o que nos diz Scruton:

Segundo Platão, em sua forma comum o desejo sexual envolve


o desejo de possuir o que é mortal e transitório e, portanto,
também a escravização do aspecto inferior da alma, aquele
que está imerso na imediação sensorial e nas coisas deste
mundo. O amor à beleza é na verdade um sinal que nos
instiga a deixar para trás esse apego sensitivo e a iniciar a
ascensão da alma rumo ao mundo das ideias (…) É esse o
verdadeiro amor erótico, o qual se manifesta no casto apego
entre homem e menino – apego em que o homem assume o
papel de professor, supera seus sentimentos voluptuosos e
encara a beleza do garoto como objeto de contemplação, isto é,
como um exemplo, no aqui e no agora, da ideia eterna do belo.
[ii]

Parece-se assumir que o desejo sexual por pessoas do mesmo sexo


era uma constante no meio da cultura grega (e talvez o próprio
Sócrates tivesse esta pulsão primária pelo sexo oposto), mas que
deveria ser suplantada pelo verdadeiro amor entre professor e
aluno que ao invés de se entregarem a paixões pueris passam a
contemplar o belo que está para além da bela fisionomia e do
amor erótico entre pessoas do mesmo sexo. Ou seja, a
homossexuliadade incipiente deveria ser sufocada pela
verdadeira amizade entre aluno e professor (pode-se depreender
que seria natural no campo meramente físico a atração entre dois
homens, mas que no campo natural ela deveria ser deixada de
lado, mesmo que o desejo carnal o convidasse a consumar a
prática da homossexualidade – processo similar à luta de um
homossexual que se converte à fé cristã, mas que vive em eterna
tensão com seus desejos sexuais. Só que no caso da cultura grega,

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todos (pelo menos a maioria) tinham esta atração incipiente por


jovens do mesmo sexo. Sobre isto, Scruton arremata dizendo
sobre a visão platônica expressa nas palavras de Sócrates:

Como um mesmo estado de espírito poderia ser tanto amor


sexual por um menino quanto (após uma dose de
autodisciplina) a contemplação deleitosa de uma ideia
abstrata? Isso é o mesmo que afirmar que a vontade de comer
um bife poderia ser satisfeita (após um pouco de aplicação
mental) pela foto de uma vaca.[iii]

Faço uso destas palavras de Scruton para elucidar melhor O


Banquete. É uma obra que versa sobre estética e sexualidade,
tomando como chave interpretativa para as diversas correntes já
presentes na época a teodiceia erótica. Como o desejo e o
verdadeiro amor surgiu e qual é sua essência. É visando
responder esta pergunta que Platão escreveu esta obra no formato
de discursos.

Voltando à trama, Erixímaco propõe que os participantes não se


entregassem ao vinho, para que todos, cada um em sua vez,
entoassem louvores a Eros. Todos concordaram: Aristófanes,
Sócrates, Pausânias, Fedro, o próprio Erixímaco, Aristidemo,
Ágaton (o anfitrião). Depois chegaria Alcibíades, o suprassumo
da homoafetividade descrita na trama.

Fedro proferiu o primeiro discurso, assumindo que Eros


(movimento) era um deus muito antigo, sem menção de
progenitores, tendo seu nascimento junto com a Geia (terra), logo
após o Caos. Por ser antigo possuía virtudes. Virtudes
comunicáveis aos seres humanos: a virtude de amar. No exemplo
descrito, o amor tem como objeto um jovem mancebo: “não sei de
bem maior que se pode proporcionar a um mancebo do que amá-
lo virtuosamente, nem para um amante do que amar um objeto
virtuoso.” (p. 103). O amor está ligado com a ética – ações boas (e
aqui ele tenta fazer uma ligação de bom com o anfitrião – Agaton,
que significa “bom” em grego). As coisas boas e o amor levam à
prática do bem e do belo. Se soubessem o poder do amor, os
homens fariam um exército de amantes (dá pra lembrar o Exército
dos tebanos, cuja frente estava Pelópidas e Epaminondas em 371
a.C.), pois isto os tornaria mais compromissados entre si durante
as batalhas.

A homoafetividade explícita de Fedro é vislumbrada no seguinte


excerto de seu discurso: “ninguém é tão covarde que sucumba ao
medo, fuja e não auxilie o seu amado, abandonando-o nos
perigos! Eros inspira coragem a seus adeptos e os torna
semelhantes aos que por natureza são bravíssimos.” (p. 104). A

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Coragem é insuflada por Eros nos amantes. De maneira que os


deuses honrarão aqueles que tiveram coragem de morrer por seus
amantes (ex.: Aquiles e Pátroclos).

A suma do discurso de Fedro é: o amor deve ser cultuado porque


torna os homens mais virtuosos e felizes durante a vida após a
morte. Tal amor leva o homem a se entregar pelo amado. Aqui o
amado faz menção a um mancebo. Existem valores eternos em
questão que precisam ser expressos numa plataforma hodierna de
base homoafetiva.

Pausânias foi  o segundo a discursar. Ele começou contrariando


Fedro (estratégia discursiva para levar vantagem em relação aos
adversários, numa tentativa de desmerecer as considerações
previas) ao afirmar que existem vários Eros. Ele modifica a
mitologia para reforçar seu argumento. Eros é filho de Afrodite e
os dois são inseparáveis (p. 107). Existem duas Afrodites, logo
existem dois Eros. Existe a Afrodite filha de Urano e a Afrodite
filha de Zeus. Existe um Eros vulgar (filho de Zeus) e um Eros
celeste (filho de Urano).

A Afrodite popular apresenta um amor inferior. Aqueles que


apresentam este amor “amam antes de tudo as mulheres e
também os mancebos” (p. 108). Trata-se de um amor de
concupiscência, baixo, que participa tanto do masculino quanto
do feminino, porque a Afrodite de Zeus tinha pai e mãe.

O Eros superior (celestial), onde Afrodite é filha só de um


homem, corresponde ao amor dos mancebos (um amor superior,
sem concupiscência). Nitidamente, observa-se um desprezo às
mulheres. E observa-se a “superioridade” deste Eros descrita nas
palavras de Pausânias como um amor destinado aos adolescentes
que começam a ter barba (e pelo no sovaco). Era um amor
genuíno e não um amor de interesse e passageiro, como o
devotado às crianças. Na Jônia, o amor pelos moços era tido como
algo vergonhoso. Tiranos não gostam do amor entre homens, por
isso os proíbem. Mas foram dois amantes que depuseram uma
tirania (Aristogíton e Harmódio).

Percebe-se claramente um reflexo do discurso de Pausânias nos


promotores e ativistas LGBT, os quais consideram qualquer
cultura que exalte a heterossexualidade como tirana e opressora e
tomam como modelo de cultura aquela voltada para a prática da
homossexualidade. O ódio à cultura judaico-cristã do deputado
Jean Wyllys de Matos Santos em seu ativismo pró-homoafetivo
em detrimento da cultura opressora da heterossexualidade é um
reflexo do discurso de Pausânias.

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Mas Pausânias não tem um discurso baixo, vil e imediatista como


a maioria dos militantes pró-LGBT que fazem pouco caso dos
símbolos cristãos e entregam-se a prazeres vis, utilizando os
objetos sagrados da religião que os “reprime”. Não! Em Pausânias
há uma repreensão quanto à fugacidade do amor baixo entre os
amantes homoafetivos:

É o amante vulgar que prefere o corpo ao espírito, pois o seu


amor não é duradouro por não se dirigir a um objeto que
perdure. A flor do corpo que ama vem um dia a murchar – e
então ele ‘se retira ligeiro como as asas’ esquecendo-se das
declarações e muitas juras que fez. (p. 111)

A Teogonia de Pausânias traz uma explicação mais complexa e


desenvolvida que a de Fedro, mostrando um Eros vil e rasteiro (a
ser evitado) e um Eros bom e celestial (a ser buscado). Os amantes
devem cultivar as virtudes celestiais e procurar desenvolvê-las
num misto de cumplicidade, fidelidade e cultivo do virtuoso,
fugindo do amor por interesse financeiro ou meramente corporal.
Não é um mero entregar-se pelo objeto da paixão, mas uma busca
pelo virtuoso e moral. Se o amante atual não satisfaz esta
condição pode ser deixado até que seja encontrado o amante
virtuoso pelo qual se possa viver e morrer.

Pausânias termina o seu discurso. Era a vez de Aristófanes (que


estava com soluços), mas ele a cede para Erixímaco (médico).

Então, o terceiro a discursar é Erixímaco, o qual elogiou o começo


do discurso de Pausânias, mas reconhece que não foi bem
desenvolvido. (Perceba que cada discurso vai melhorando e
complementando os anteriores). Concorda com os dois Eros, os
quais são representados por duas forças atuantes no ser do
homem, mas não somente no homem, mas também na Medicina
(p. 114).

Assim, segundo Erixímaco, existe um Eros que reina sobre o que


é são e outro sobre o que é doente. A prática da boa Medicina
consiste em privilegiar o que há de bom no corpo (o Eros bom).
Uma definição mais ampla de Medicina feita por ele é a seguinte:
“a medicina (…) é a ciência do amor nos corpos relativamente à
sua repleção e evacuação, e aquele que nesses movimentos
consegue estremar o bom do mau amor, esse é um bom médico”
(p. 115).

O médico estabelece amor nas amizades entre os opostos do


corpo: quente e frio; amargo e doce, seco e molhado. Aponta
Asclépio como o pai da Medicina, segundo era cantado pelos
poetas (Agathon e Aristófanes são poetas, e esta referência a eles
visa mostrar a superioridade da Medicina em relação à poesia).

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Ao mostrar o verdadeiro equilíbrio entre os opostos do corpo


como ideal da Medicina, ele passa a mostrar que isto está presente
em todas as áreas do conhecimento, como por exemplo a música. 
A música é a ciência do amor quanto à harmonia e ao ritmo.
Erixímaco não vê um mau inerente ao Eros vulgar. Apenas nos
excessos. Para ele, a verdadeira expressão do Eros é o meio-termo.
Neste sentido, temos o Eros anárquico e o Eros regular. Devemos
mover-nos pelo regular. Apesar de salientar o entrelaçamento dos
dois e a sua necessidade, paradoxalmente, Erixímaco pende para
a mesma conclusão de Pausânias, ao salientar a proeminência do
Eros regular. Todo o relativista possui um ponto de apoio
absolutista para firmar o seu relativismo! (Ecos de uma ideologia
de gênero que trata a determinação da sexualidade como uma
construção social para combater a prática heterossexual, mas que
para se defender utiliza-se de um determinismo sexual, que
designa a sexualidade na genética). Erixímaco ao passo que tenta
evitar a demonização do Eros anárquico, ao definir pecado finda
demonizando-o, entrando em contradição:

 pois realmente todos os nossos pecados não são outra coisa


senão a nossa recusa em ceder às inspirações do Eros bem
ordenado, de honrá-lo, de reverenciá-lo em todos os nossos
atos, pois prestamos culto ao outro Eros, o desregrado em
nossas relações tanto com os nossos vivos, como com os
mortos e até com os próprios deuses. (p. 118)

Passa a palavra a Aristófanes que estava soluçando e este mostra


os meios feios que o corpo usa para corrigir o soluço (através dos
espirros), numa tentativa de mostrar a anarquia do Eros como
elemento resolutivo de um mal. Uma incontestável refutação da
explicação de Erixímaco, que fica extremamente chateado com
esta intervenção primária de Aristófanes.

Assim, Aristófanes incia o quarto discurso. Pra ele, Eros é um


deus desprezado injustamente (p. 119), posto ser dentre os deuses
o melhor amigo do homem. Com este preâmbulo em mente, ele
passa a explicar uma teoria que certamente encontra ecos na ideia
do determinismo genético da sexualidade humana, pela qual cada
pessoa já nasce com seu gênero sexual determinado pela genética.

Segundo Aristófanes, antes havia três sexos humanos e não dois:


masculino, feminino e o andrógino (amálgama). Cada ser
humano tinha dois corpos e dois genitais (o masculino era
constituído por dois homens; o feminino, por duas mulheres; e o
andrógino por um homem e uma mulher). Revoltaram-se contra
os deuses e por isso foram separados em sua essência. Uma parte
deu origem a um ser e a outra parte a outro ser. Quando foram
separados entre si, procuravam desesperadamente a sua outra
parte. Assim, Aristófanes define o sexo como o desejo de se
unirem novamente. Se a espécie primitiva era constituída de dois
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homens, então estes seres têm a senha para procurar sua outra
metade em homem (são os homossexuais masculinos); se a
espécie primitiva era feminina, então estes seres divididos têm a
senha para procurar sua outra metade em mulheres (são os
homossexuais femininos, chamadas na obra de hetairístria ou
tríbade); se, porventura, a criatura primitiva era um andrógino
(constituída pelo feminino e o masculino), então, estes seres
procuram sua outra metade no sexo oposto (heterossexuais,
procriadores).

Os homens são loucos por mulheres e a esta espécie pertencem os


adúlteros (p. 122). Observe o preconceito de Aristófanes com a
heterossexualidade! Pessoas adúlteras, que vivem de casamento
em casamento, fazendo filhos com várias mulheres e gerando
desordem social são heterossexuais desordenados.

Os homossexuais masculinos, por sua vez, são provenientes do


antigo gênero masculino – só se deleitam e deitam com homens.
Porém, não fazem isto por sem-vergonhice como pretendem
alguns, mas por natureza. Servem bem o Estado, mas gostam é de
homens e só se casam por conveniência social. Veja a defesa muito
bem arquitetada, apesar de ser baseada num mito criado por ele
mesmo para dar vazão à sua homossexualidade, explicando a
variedade de gêneros, tratando o casamento como conveniência
social para manter as aparências e apresentando a
homossexualidade como o  suprassumo da experiência humana
em termos de amor.

A frase “eu nasci gay” não é uma construção recente. Baseia-se na


teoria do determinismo sexual a qual já se encontra muito bem
desenvolvida e apresentada no discurso de Aristófanes, claro que
com outras palavras: “Um homem desta espécie, portanto, terá
sempre de ser pederasta, e sempre enamorado da parte que lhe
corresponde.” (p. 123). “e a razão disto é que assim era nossa
antiga natureza, pelo fato de havermos formado anteriormente
um todo único. E o amor é o desejo e a ânsia dessa completação,
dessa unidade.” (p. 124).

Assim, para Aristófanes, o desejo dos homens é de ser fundido no


amado e ser feito um com ele; para ele isto  não advém de uma
relação a posteriori no casamento (como diz em Gênesis 2); mas
de uma relação a priori da natureza dúplice do ser humano. Desta
maneira, os homens deveriam seguir Eros e os deuses, em suas
inclinações sexuais, para não serem castigados (perceba a
completa deturpação da sexualidade humana, tornando o anti-
natural em natural e o natural em anti-natural).

Um detalhe curioso no discurso de Aristófanes, deixa aberto


explicitamente que PAUSÂNIAS e AGATHON eram masculinos
(gays). Mas afirma que o seu discurso não visa atingi-los (apesar
das evidências apontarem o contrário), mas que falava de maneira
genérica sobre o gênero humano
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A súmula do discurso de Aristófanes é: “Se formos piedosos para


com os nossos deuses, Eros nos conduzirá ao antigo estado
natural, nos há de curar e nos assegurará perfeita felicidade.” (p.
125). E ser piedoso aqui trata-se de dar livre vazão aos desejos
sexuais do indivíduo. A revolução sexual já encontra prenúncios
nas palavras de Aristófanes.

Após terminar Sócrates faz um breve comentário pelo que é


interrompido por Fedro, que de maneira enraivecida parece
apontar para uma suposta homossexualidade de Sócrates:  “Pois
nada lhe agrada tanto como ter com quem dialogar, e sobretudo
se o outro é um belo mancebo.” (p. 126).

Então, a palavra é cedida a Ágaton, o anfitrião, que profere o


quinto discurso. Para ganhar vantagem entre seus antecessores
afirma que nenhum deles chegou a elogiar Eros, mas apenas falou
da felicidade proporcionada por ele; não falaram do autor, mas
das dádivas (enalteceram mais as bênçãos de Eros que o Eros das
bênçãos).

Para Ágaton, Eros é o melhor, o mais feliz e o mais belo dos


deuses (p.127). Em antítese a Fedro, afirma que seus atributos
decorrem do fato de ser o mais jovem dos deuses, em uma
verdadeira fuga da velhice e do antigo. Ágaton desmerece a
tradição de Hesíodo e aponta para a tradição Homérica. Atribui a
Eros todas as boas virotes (é o mais sábio, o mais prudente, o mais
belo, etc.). Ensinou estas boas virtudes aos outros deuses. Passa a
descrever Eros como um poeta (uma sutileza para enaltecer sua
arte), um verdadeiro pai da arte criativa e da sabedoria. Por
possui estes atributos é que pode expressá-los em sua criação até
porque é “impossível a qualquer pessoa doar aquilo que não tem
nem ensinar aquilo que não sabe.” (p. 130).

Para demonstrar as qualidades poéticas de Ágaton (na verdade


de Platão), observe como ele termina seu discurso descrevendo
esplendorosamente a pessoa de Eros:

Onde ele está há doçura, desaparece a rudeza. É pródigo de


bondade e avaro de ódio. Propício aos bons, admirado pelos
sábios, agradável aos deuses. Objeto do desejo dos que ainda
não o possuem; tesouro precioso para aqueles que o possuem;
a ele cabe a paternidade das riquezas, das delícias, dos doces
encantos e dos ternos desejos, das paixões. Vigia os bons e
esquece os maus. Nos nossos trabalhos, nos nossos temores,
nas nossas tristezas é ele o nosso conselheiro e nosso salvador.
É a glória dos deuses e dos homens, o nosso mais belo e
melhor guia. Todo o mortal deve segui-lo e entoar em sua
honra os hinos que dirige aos deuses e aos homens. (p. 131)

 
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Ágaton foi aplaudido por todos pelo seu belo discurso.

Porém, fora muito genérico e esquivou-se de falar do objeto do


amor. Por tal motivo, Sócrates passa a inquirir Agaton. Pergunta
se Eros deseja o objeto de seu amor e Agaton diz que sim.
Sócrates afirma que só se ama aquilo que se falta em si, mas como
Eros é amor à beleza e não à fealdade, logo Eros não possui
beleza. A partir de seu método maiêtico Sócates apresenta a
contradição no discurso de Ágaton – uma verdadeira
desconstrução do edifício meramente esteticista). Assim, o Eros
de Ágaton não é belo. Veja que belas palavras não imprimem
verdade ao discurso. Em seguida, Sócrates aponta que um deus
sem beleza não possui bondade, pois: “Ora, se a Eros falta beleza,
e se o que é belo também é bom, segue-se que a Eros também falta
bondade.” (p. 136)

Tomando como base o que já fora falado e as contradições do


discurso de Ágaton, Sócrates passa a tratar de um diálogo que
teve com Diotima (uma mulher, que segundo o revisor é uma
criação do próprio Sócrates para ensinar modéstia aos seus
colegas), iniciando o sexto discurso do qual se depreende as
seguintes ideias que ele aprendeu com a sábia Diotima (imbatível
em debates, esta aplicou o método maiêutico no próprio
Sócrates):

Alguém pode estar certo sem ser tolo ou sábio (meio-termo);


Eros por não ser bom e não ser belo não possui a qualidade
dos deuses. Logo não é Deus;
Mas não é deus nem mortal, é um meio-termo entre um deus e
um mortal. É um gênio (um mediador entre deus e ser
mortal). Por ser um mediador é graças à ele que existe a
profecia e os sacrifícios sacerdotais. Eros é um dos gênios (não
queira ver aqui prenúncios de Cristo, pois Cristo é divino-
humano, também é bom e belo).

Com estes pressupostos determinados, Sócrates passa a


apresentar sua própria versão da Cosmogonia erótica (o
nascimento de Eros). No nascimento de Afrodite (de Zeus) foi
dado um banquete. Compareceram Poros, Prudência e chegou-se
Penia (pobreza). Penia deitou-se perto de Poros e dele teve Eros.
Eros tornou-se servidor de Afrodite, pois foi concebido no dia de
seu nascimento. Eros é pobre e feio, um grande feiticeiro, mago e
sofista. Por ser poroso, o objeto de sua busca logo passa. Então
não fica por muito tempo na opulência e nem na miséria.

Uma vez ciente dos atributos de Eros (o que destoa totalmente de


Ágaton), é-nos apresentada a premissa de que “nem sábios nem
tolos filosofam”.

Quem são os que filosofam, então? Quem está entre um e outro e


destes fazem parte Eros.
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Quem ama o belo e o bom (que não possui) deseja felicidade.

Certamente vamos encontrar ecos desta porção do diálogo entre


Sócrates e Diotima em Agostinho, no que tange ao desejo pela
felicidade:

“Diotima: – Mas, essa vontade e esse amor, não crês que sejam comuns a
todos os homens? Não te parece que todos desejam possuir o que é bom?
Qual é a tua opinião a esse respeito? (p. 142)

Sócrates – De fato, creio também que é sentimento comum a todos os


homens.”

“e não só possuir, mas possuir sempre” (p. 143).

Sócrates parece criar termos e lendas somente para refutar seus


colegas que o antecederam. Ninguém ama a sua metade, nem o
que é seu, mas ama-se aquilo que é bom. Com isto em mente,
Sócrates chega à definição de amor que consiste em “desejo de
possuir sempre o que é bom”. Mas para alcançar esse amor os
homens devem criar beleza, segundo o corpo e segundo o
espírito. É por isso, então, que os homens possuem o desejo de
procriação no que é belo. Como o amor também é desejo de
imortalidade, esta também é buscada por meio da procriação.

Só que este indivíduo que tanto busca a imortalidade está sempre


se modificando tanto no corpo quanto no espírito. Assim, as
pessoas fazem grandes feitos por causa do desejo de imprimir
mortalidade às suas memórias (Aquiles, Admeto). Uma vez que
seu ser morrerá, elas continuam vivas nas memórias de seus
grandes atos.

Ocorre que a alma é mais fecunda que o corpo, por isso as


práticas da alma devem ser priorizadas às do corpo. Levando-se
em conta que a beleza é a mesma nos diversos corpos e de que
não existem diversas belezas, apenas uma beleza repartida entre
os corpos, de degrau a degrau, o homem chegará ao
conhecimento da beleza em Si. Uma vez encontrada esta beleza,
tal homem nunca mais desejará dinheiro, mulher, ou outras coisas
materiais.

Ao término do seu discurso, Sócrates foi grandemente aplaudido.

Neste momento, chega Alcibíades, embriagado, para homenagear


Ágaton e isto causa um riso geral entre os presentes. Ágaton o
convida para reclinar-se com eles e Alcibíades se posiciona entre
Ágaton e Sócrates. Ao tomar ciência de que Sócrates lá está, fica
surpreso. Sócrates deixa claro que sua atitude de espanto era uma

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04/01/22, 14:51 Resenha 26: Banquete (Platão) | Fares Camurça Furtado

clara demonstração de ciúmes, uma vez que Sócrates (querido por


Alcibíades) estava ao lado do jovem anfitrião Ágaton. Esta parte
do texto parece apontar para a homoafetividade de Sócrates.

Erixímaco propôs que Alcibíades falasse sobre o amor, mas


Alcibíades resolve fazer um elogio a Sócrates (visando atacá-los
por meio de um elogio fingido).

Alcibíades compara Sócrates aos silenos, com feia aparência


eterna, mas quando aberto, cheio de ricos tesouros. Aponta para a
capacidade de musicista e de orador que Sócrates possuía, ao
ponto de hipnotizar todos com o seu discurso.

Na “Apologia de Sócrates” vimos muitos paralelos entre Sócrates


e Jesus. Aqui, temos outro, encontrado na frase dos soldados,
referindo-se a Jesus, “ninguém nunca falou como este homem”.
Alcibíades, ao referir-se a Sócrates, diz:

 Quando se ouve um discurso, mesmo de um grande orador,


ninguém presta muita atenção; mas quando ouvimos a tua
voz, ou se ouve a recitação de um discurso teu, feita por outro
– mesmo que este seja fraco em retórica -, todos, homens,
mulheres, jovens, ficam absorvidos e entusiasmados. (p. 155)

Os efeitos dos discursos voltados para a virtude foram muito


intensos na vida de Alcibíades. Era político e não se dedicava
tanto à Filosofia e  por isso começou a criticar Sócrates. Mas o
motivo da crítica é a tentativa de fuga de sua vergonha em não
cumprir sua palavra, pois havia prometido a Sócrates que nunca
mais se envolveria com política, mas não o conseguiu (p. 156).

Aqui temos uma possível visão de Alcibíades, pela qual Sócrates


já tinha suplantado seus desejos por mancebos e agora se
deliciava apenas com os desejos superiores da Filosofia. Por mais
que insistisse em seus galanteios para alcançar o amor de
Sócrates, Alcibíades.

Alcibíades relata quantas investidas intentou contra Sócrates:


convidou-o para a ginástica e Sócrates não quis nada; certa vez,
ficou a sós com Sócrates, mas este negou o amor erótico a
Alcibíades. Alcibíades ofereceu dinheiro a Sócrates, mas este
novamente recusou. O máximo que Alcibíades conseguiu foi
dormir abraçado com Sócrates. É a fala de um apaixonado,
tomado pelos excessos discutidos anteriormente e que
simbolicamente aponta para o desprezo de Sócrates às paixões
baixas.

O livro fala da busca pelo virtuoso, tentando mostrar que o amor


é esta busca pela felicidade, que reside na contemplação de coisas
superiores, mesmo que primeiramente vislumbrado a partir de
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04/01/22, 14:51 Resenha 26: Banquete (Platão) | Fares Camurça Furtado

uma plataforma homoafetiva; porém, verdadeiramente


vislumbrado no que transcende o amor de um ancião por um
mancebo.

Este aspecto da elevação das virtudes, da busca pelas coisas


superiores, pelo equilíbrio e fuga dos excessos é notável na obra,
mas o uso de uma plataforma homoafetiva apenas mostra a
deturpação da cultura grega, berço e nascedouro das múltiplas
ideias que fomentam o movimento LGBT e as diversas revoluções
sexuais existentes em nossa sociedade atual. Tais princípios
seriam perfeitamente aplicáveis no casamento heterossexual
(aliás, o único tipo de casamento) como figuras das verdades
eternas a serem desfrutadas pela igreja no convívio com o seu
eterno deleite: o Senhor Jesus Cristo.

A descrição de Eros, como um Deus que busca estas virtudes


faltantes em si, mais uma vez apontam para a criação de um deus
a imagem dos homens e não de um Deus completo em si, belo,
bom, verdadeiro, autossuficiente, nada-faltante! Que as riquezas
literárias, culturais, históricas e mitológicas nos façam perceber
que a Filosofia Grega com todas as suas contribuições, sem a
revelação proveniente das Escrituras não conseguiu ver o que
Paulo viu em Romanos 1 nem o que os judeus viram no
Pentateuco: a negação de qualquer plataforma homossexual como
tipificadora do amor, o antítipo destas relações primárias. Não. O
modelo bíblico é o de Gênesis 2, por meio do qual o amor, o
deleite e a completude entre o homem e a mulher apontam para
uma satisfação e uma felicidade que transcende a realidade do
casamento: a salvação em Cristo Jesus, aquele que é Amor!

__________________________________________________

[i] Para detalhes introdutórios sobre os diálogos de Sócrates,


consulte minha resenha da obra Apologia de Sócrates, disponível
em:
https://farescamurcafurtado.wordpress.com/2017/02/15/resenha-
07-apologia-de-socrates-platao/
(https://farescamurcafurtado.wordpress.com/2017/02/15/resenha-
07-apologia-de-socrates-platao/)

[ii] SCRUTON, Roger. Beleza. São Paulo: É Realizações, 2013, p.


50.

[iii] SCRUTON, Roger, Op. cit., p. 51.

Reflexões

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