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Concepção de “Amor” segundo Aristófanes em “O Banquete” de Platão.

Por: Juliano Gustavo Ozga.

Introdução à obra:

O Banquete não pode ser considerado um diálogo; tende muito mais para um duelo no
qual os participantes pretendem fazer, cada qual, o melhor discurso sobre a amizade. O início
da obra lembra-nos outras de Platão: alguns estão em caminho para a cidade quando são
interrompidos por outros e se colocam a discutir determinado assunto. Desta mesma forma
acontece em A República (Sócrates e Glauco estão descendo do Pireu e terminam na casa de
Céfalo) e no Fedro (Fedro, depois de ouvir Lísias, encontra Sócrates no caminho para a
cidade e se colocam a debater o discurso retórico de Lísias). No Banquete, Apolodoro e seu
Companheiro (a obra não revela o nome dele) estão indo de casa, em Falero, para a cidade
quando são interrompidos por Glauco:

Recentemente, quando eu subia de casa, em Falero, para a cidade, um conhecido que


me tinha visto por de trás, gritou de longe, em tom de brincadeira: Ó cidadão de Falero, de
nome Apolodoro! Por que não esperas? Então, me detive para esperá-lo. E ele: Apolodoro,
me falou, andava à tua procura, porque desejo obter informações precisas a respeito da
conversa de Agatão com Sócrates, Alcibíades e os demais convivas do banquete dado por ele,
em que proferiram vários discursos sobre o amor. (172a-b)

Aristodemo havia estado presente no banquete no qual se deu a discussão a respeito da


amizade. Esse contou o que ali se passara para Apolodoro e esse, por último, se empenha em
relatar o acontecido na presença do seu Companheiro e de Glauco.

Assim como em A República, O Banquete tem lugar certo e público identificável:


ocorreu na casa de Agatão, discípulo de Sócrates. Lá discursaram sobre o amor, ou sobre a
amizade (philia), esses dois, além de Fedro, Pausânias, Erixímaco (o médico) e Aristófanes (o
poeta).

O que realmente se passou na casa de Agatão começa a ser relatado por Apolodoro em
174a. Sócrates chega por último, quando todos já estavam acomodados e o banquete já havia
se iniciado, estando pelo meio (cf. 175c). Frente ao banquete, Pausânias lembra que deveriam
beber com moderação: faz referência ao dia anterior, no qual havia bebido exageradamente e
ficado abalado fisicamente.

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ARGUMENTO DE ARISTÓFANES:

Tópicos:

Origem da Natureza Humana: Antigamente eram três os gêneros da Humanidade:

1- Masculino: descendentes do Sol;


2- Feminino: descendentes da Terra;
3- Andrógino: descendentes da Lua, “pois também a lua tem de ambos”.

Sobre a divisão do ser humano devido à sua prepotência perante Zeus:

1- Homens cortados do tipo comum (Andrógino): gostam de mulheres e são


adúlteros;
2- Mulheres cortadas do tipo comum (Andrógino): gostam de homens e são adúlteras;
3- Mulheres cortadas do tipo Feminino: dirigem sua atenção para as mulheres;
4- Homens cortados do tipo Masculino: gostam de homens.

Definição de Amor: “O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós
éramos um todo; é, portanto ao desejo e procura do todo que se dá o nome de Amor”.

Findada a fala do médico Erixímaco, Aristófanes já tem por cessado o seu soluço e
começa a expor o que tem a falar sobre o amor.

O discurso do poeta Aristófanes é menos extenso que o do Erixímaco, mas maior que
o de Fedro. Percebe-se que a discussão vai avançando e se aproximando de definições mais
claras para o que seria o amor, ou a amizade, ou Eros. Para Aristófanes, Eros é um anseio,
uma busca metafísica do homem por uma totalidade do Ser, inacessível sempre à natureza do
indivíduo. Uma das coisas que revela isso é a saudade dos amantes que desejam não se
separar em tempo algum: não se trata somente de algo corporal, mas de algo que une as suas
almas ou, dizendo de outra forma, complemento que uma alma busca na outra. Diz-nos
Aristófanes:

Quando acontece encontrar alguém a sua metade verdadeira, de um ou de outro sexo,


ficam ambos tomados de um sentimento maravilhoso de confiança, intimidade e amor, sem
que se decidam a separar-se, por assim dizer, um só momento. Essas pessoas, que passam
juntas a vida, são, precisamente, as que não sabem dizer o que uma espera da outra. [...] E a
razão disso é que primitivamente era homogêneo. A saudade desse todo e o empenho de
restabelecê-lo é o que denominamos amor. (192b-e)

Não se deve esquecer que Aristófanes é poeta e apresenta uma visão mais romantizada
da definição de Eros, de amor e amizade. Ele quer deixar evidente que não se trata de apenas
uma conexão corporal, muito mais de essência e de complementaridade.

Não é, evidentemente, a união física que faz com que um sinta um prazer tão grande
com a presença do outro e a ela aspire com tanta força, mas é indubitavelmente uma coisa
diferente o que a alma de ambos quer, uma coisa que ela não pode exprimir e que só palpita
nela como obscura intuição do que é a solução do enigma da sua vida. (JAEGER, 2001, p.
732.)

Aristófanes termina seu discurso sobre o amor de forma belíssima, profetizando que o
homem só terá uma vida feliz se tomado por Eros:

Falo em tese, tanto do homem como da mulher, para afirmar que nossa espécie só
poderá ser feliz quando realizarmos plenamente a finalidade do amor e cada um de nós
encontrar o seu verdadeiro amado, retornando, assim, à sua primeira natureza. (193c).
ARGUMENTO DE SÓCRATES: Sócrates faz uso do mito de Diotima: segundo ele, em
determinado tempo, havia perguntado à profetisa Diotima, de Mantinéia, coisas sobre Eros.
Isso revela que o discurso de Sócrates aparece não como uma sabedoria dele, mas como uma
verdade que ele desvendou. De acordo com esse mito, Eros é filho de Poros (riqueza) e de
Penia (Pobreza). Isso coloca Eros em uma posição intermediária: ele não é nem feio e nem
belo, nem participa da bem-aventurança, característica essencial da divindade. Eros é um ser
duplo, herdado da diferença de seus pais, o que o coloca numa posição intermediária.

O Eros de Platão revelado por Sócrates no Banquete é o próprio filósofo: está na


posição intermediária, entre o saber e a ignorância, é aquele que aspira algo. O Eros em Platão
é a aspiração do ser humano ao bem.

O Eros socrático é o anseio de quem se sabe imperfeito por se formar espiritualmente


a si próprio, com os olhos sempre fitos na Idéia. É, em rigor, o que Platão entende por
"filosofia": a aspiração de conseguir modelar dentro do homem o verdadeiro Homem. (Id.
Ibid., p. 740)

O discurso de Diotima, na fala de Sócrates, está na tradição grega e coloca na idéia de


Eros toda a atividade de criação espiritual. Eros é um poder educador e que matem unido todo
o cosmo espiritual, isso porque ele é a aspiração comum a todo homem de buscar e se apossar
por completo do belo.

Recordemos que Diotima definia acima a essência do Eros como a aspiração a


apropriar-se 'para sempre' do Bem. [...] o Bem constitui o amor humano de si próprio, no seu
mais alto sentido, então é evidente que o objeto sobre o qual ele recai, o eternamente belo e
bom, não pode ser senão a substância deste mesmo eu. (Id. Ibid., p. 744-746)

Banquete encerra com a chegada de Alcibíades e seu bando: todos bêbados.


Alcibíades põe fim aos louvores a Eros e inicia elogios a Sócrates. A passagem final de
Banquete pode ser despercebida em uma leitura corrente, mas é de grande significado. Com o
encerramento das honrarias a Eros e o início dos elogios a Sócrates, esse encarna o próprio
Eros, ou seja, encarna a filosofia. Se não bastasse, Alcibíades anuncia ter grande amor por
Sócrates: como pode um jovem de beleza exuberante fazer elogios e anunciar o seu amor
(philia) a um velho tão desfeito como Sócrates? Insere-se aí a valoração da filosofia e um
novo valor: a beleza interior superior à beleza exterior, perecível.

O Banquete trata da amizade, do amor e é um dos diálogos de Platão da categoria


política. Mas como a discussão sobre a amizade pode inserir essa obra na problemática
política?

Para Platão, a amizade é uma força educadora e nexo que mantém o Estado. A
amizade é "forma fundamental de toda comunidade humana que não seja puramente natural,
mas sim uma comunidade espiritual e ética.”. Não é possível existir uma comunidade que não
seja baseada na amizade, pois essa tende para aquilo que é o bem e este une os homens. O
bem é aquilo que é supremo, está impresso na alma, é o primeiro amado, aquilo que permite a
admiração pelas demais coisas, em outras palavras, antes de tudo vem o bem, para o qual o
ser humano deve voltar-se, aquilo que tudo une, ente unificador.

Depois de tantas exposições a respeito de Eros no Banquete, começando por Fedro,


depois Pausânias, Erixímaco, Aristófanes e Agatão, Sócrates bem o caracteriza, como
compêndio da aspiração humana ao bem.

Ao contrário do que diziam seus discípulos, a amizade (ou amor, representado pelo
deus Eros) não é o próprio belo e próprio bem. Eros é originado de duas oposições, filho da
riqueza e da pobreza. Isso o coloca numa situação intermediária, não fazendo estar de nenhum
lado oposto e extremo. A posição intermediária de Eros atribui-lhe movimento, sendo o
mesmo movimento do homem em busca do bem supremo.

O bem é o que há de mais supremo, é o divino, como Platão expressa literalmente em


A República e no próprio Banquete. É a forma unificadora, é o que harmoniza e unifica o
cosmos e o homem; é o que todo ser humano deve buscar.

Toda forma de sociedade deve se voltar também para o bem e essa busca do bem, do
supremo e divino, Platão a caracteriza como amizade, como Eros.

Por isso dizemos que Eros (philia, amor e amizade) é movimento, a busca incessante
do homem pelo bem e que tanto o homem quanto a sociedade não pode existir sem esse
movimento em direção ao que o bom e belo.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

1- Leandro Anésio Coelho . Universidade Federal de São João del-Rei –


(UFSJ);

2- Platão. Diálologos. “O Banquete”. Os Pensadores. Tradução: José. C de Souza.


Ed.: Victor Civita. São Paulo. 1972.

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