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Kierkegaard1.
Resumo
Figura-se como proposta aqui, analisar a obra Mênon, de Platão, de modo a dar
destaque ao problema geométrico que se insere por Sócrates ao demonstrar a rememoração
ou anamnese. Será discutido também, à luz do pensamento kierkegaardiano, a diferença entre
o Sócrates real e o Sócrates platônico, chegando a uma conclusão de método.
1. Introdução
No diálogo dramático Mênon, a questão principal levantada pelo discípulo de Górgias
é “a virtude é coisa que se ensina?” sendo logo delimitado, de maneira mais coerente por
Sócrates, para “que é a virtude?”.
É sabido que a figura do Sócrates histórico é inquestionável, de fato. O problema, no
entanto, é que, não tendo deixado escritos, seus interlocutores se responsabilizaram em elevar
Sócrates ao nível de personagem principal em suas obras por meio de diálogos, entre eles o
mais famoso, e autor do diálogo Mênon, é Platão. Torna-se difícil então dissociar o que é
Platão e o que é Sócrates.
A dissociação do Sócrates poético para o Sócrates real é um problema que já era
levantado desde a Antiguidade “e que Diógenes Laércio já apresenta uma divisão dos
diálogos entre dramáticos e narrativos (dramatikoí - diegematikoí), dando assim uma certa
resposta a questão” (KIERKEGAARD, 2018 (1841), p.46).
“Os diálogos narrativos deveriam, portanto, ser os que estavam mais
próximos da concepção histórica de Sócrates. A estes pertencem então o
Banquete e Fédon, e até sua forma exterior recorda sua significação neste
aspecto, conforme a correta observação de Baur (p. 122, nota): ‘Exatamente
por isso, os diálogos do outro tipo, os narrativos, nos quais o diálogo
propriamente dito só é dado numa narração, como Platão no Banquete,
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Trabalho submetido à disciplina de História da Filosofia I. Discente: Prof. José Wilson da Silva
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Graduanda do curso de Filosofia/Licenciatura - UECE. Email: nascimento.andrade@aluno.uece.br
através de Apolodoro, no Fédon, por meio de Equécrates e de alguns outros
que nos contam tudo aquilo que Sócrates disse aos seus amigos nos seus
últimos dias e o que lhe aconteceu, tais diálogos dão a compreender por sua
própria forma que possuem em si um caráter mais histórico”
(KIERKEGAARD, 2018 (1841), p.46).
Sendo Platão claramente um devoto dessa arte, afinal, o mesmo tinha afixado em sua
academia os dizeres "não se aproxime quem não for geômetra", é curioso que essa importante
parte do diálogo venha acompanhada de um exercício de geometria.
A questão geométrica percorre outras sessões do diálogo de Sócrates com Mênon,
como por exemplo na digressão de Sócrates sobre a figura (73e-76a), mas vai ganhar
contornos matemáticos precisamente depois da digressão de Mênon sobre "a aporia sofística
da impossibilidade de adquirir conhecimento" (80d) seguida pela resposta de Sócrates do
"aprendizado como rememoração (ou anamnese); e o conhecimento como reconhecimento"
(80e). Logo, então, inicia-se o problema matemático com o interrogatório do menino
(82c-85b).
Sobre esse menino escravo, Iglésias escreve que era “personagem anônimo, escolhido
por ‘ser qualquer um’, alguém que jamais passou por um ensinamento sistemático, mas,
como ‘qualquer um’ fala uma língua (no caso, grego), instrumento da dialética” (IGLÉSIAS,
2001, p.16). Sócrates, sem nada ensinar, mas apenas provocar por meio do diálogo, leva o
menino a aporia (83a-84a) para provar para Mênon que a aporia não é o fim, mas o princípio
da busca (86b-86c).
Logo, chegamos à conclusão que, acusado por Mênon de induzir os debates à aporia,
Sócrates precisou demonstrar, desvencilhando-se da aporia erística colocada por Mênon, que
a aporia nada mais é que o princípio da busca, não o final ou fechamento do diálogo. O
problema geométrico imposto ao menino era a maneira pedagógica de demonstrar à Mênon
os efeitos disso pela anamnese ou rememoração.
O que há entre Sócrates e Platão é uma substância que Fernando Pessoa sob o
heterônimo de Álvaro de Campos conhecia muito bem. Era sobretudo cansaço que existia no
poeta em um certo ponto em que ele já não sabia distinguir o que era cansaço e o que era
poeta. Assim, entre Sócrates e Platão, há ali uma geometria, ou como diria Sócrates no
diálogo com Mênon, uma figura de redondez, e semicerrado nessa esfera íntima, seria árduo
distinguir o que era Platão e o que era Sócrates.
Cabe então, ao filósofo e a sua maneira descolar “o que pertence a Sócrates, na
filosofia platônica, e o que pertence a Platão; [...] por mais doloroso que seja separar aquilo
que está unido tão intimamente”. Chegamos então a um problema de método. “[...] o
significado essencial de Sócrates consistia no método. [...] Em que relação estava Sócrates
com o método de Platão?” (KIERKEGAARD, 2018 (1841), p.47).
“O método consiste propriamente em simplificar as múltiplas combinações
da vida, reconduzindo-as a uma abreviatura cada vez mais abstrata; e já que
Sócrates começa a maioria de seus diálogos não no centro, mas na periferia,
na colorida variedade da vida infinitamente entrelaçada em si mesma, é
preciso um alto grau de arte para desenvolver não somente a si mesmo, mas
também o abstrato não apenas a partir das complicações da vida, mas também
das dos sofistas. Esta arte, que aqui descrevemos, é naturalmente a bem
conhecida arte socrática de perguntar, ou, para recordar a necessidade dos
diálogos para a filosofia platônica, a arte de conversar. [...] Se é correto o que
desenvolvemos até aqui, então se vê que a intenção com que se pergunta pode
ser dupla. Pois a gente pode perguntar com a intenção de receber uma
resposta que contém a satisfação desejada de modo que, quanto mais se
pergunta, tanto mais a resposta se torna profunda e cheia de significação; ou
se pode perguntar não no interesse da resposta, mas para, através da pergunta,
exaurir o conteúdo aparente, deixando assim atrás de si um vazio. O primeiro
método pressupõe naturalmente que há uma plenitude, e o segundo, que há
uma vacuidade; o primeiro é o especulativo, o segundo é o irônico. Era este
último o método que Sócrates praticava frequentemente. Quando, numa boa
companhia, os sofistas se tinham embriagado a si mesmos com os vapores de
sua própria oratória, aí Sócrates tinha o prazer em produzir, da maneira mais
cortês e modesta do mundo, uma pequena corrente de ar, que em pouco
tempo dissipava os vapores poéticos. [...] como a filosofia de Sócrates
iniciava com a pressuposição de que ele nada sabia, assim ela terminava no
resultado de que os homens em geral nada sabiam [...]. Como Sansão,
Sócrates se agarra às colunas que sustentam o conhecimento e faz cair tudo
no nada da ignorância. Que isto é autenticamente socrático, certamente
qualquer um considerará; mas platônico, ao contrário, isto jamais será”
(KIERKEGAARD, 2018 (1841), p.48-53).
4. Considerações Finais
Por fim, acredito que a resposta tenha sido obtida, ainda que o exercício de separação não
seja absolutamente possível, ao meu ver. Sócrates, por meio da anamnese ligava o homem ao divino,
assim Platão se ligava a Sócrates, como dá a entender Kierkegaard: “Como Sócrates, por conseguinte,
ligava de maneira tão bela os homens ao divino ao mostrar que todo o conhecimento é recordação”,
ou anamnese, “assim também Platão se sente, numa unidade espiritual, indissoluvelmente fundido
com Sócrates”. O problema matemático surge como saída a aporia de Mênon, como um início.
5. Referências
CARNEIRO, Oscar de Lira. Aprender é recordar: conhecimento e aprendizagem por
reminiscência no Mênon de Platão. Tese (Doutorado – Programa de Pòs-Graduação em Letras
Clássicas. Área de Concentração: Letras Clássicas) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2008.