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Universidade Federal de Alagoas - UFAL

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU


Curso de Arquitetura e Urbanismo
Teoria do Urbanismo
Lúcia Tone Ferreira Hidaka

JANAÍNA COSTA
MAYA NEVES
WEMERSON SOARES

“CIDADES DO AMANHÔ
Texto Dissertativo Científico sobre a “A Cidade no Jardim”, “A Cidade na Região” e “A
Cidade dos Monumentos” de Peter Hall

MACEIÓ – AL
ABRIL DE 2017
JANAÍNA COSTA
MAYA NEVES
WEMERSON SOARES

“CIDADES DO AMANHÔ
Texto Dissertativo Científico sobre a “A Cidade no Jardim”, “A Cidade na Região” e “A
Cidade dos Monumentos” de Peter Hall

Trabalho desenvolvido no 6º período


do curso de Arquitetura e Urbanismo, da
Universidade Federal de Alagoas, solicitado
pela professora Dra. Lúcia Tone Ferreira
Hidaka, como atividade avaliativa da
disciplina de Teoria do Urbanismo.

MACEIÓ – AL
ABRIL DE 2017

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………………….…….. 4
2. PLANEJAMENTO E IDEÁRIO URBANO …….……………………………………..... 5
2.1. A Cidade no Jardim…….……………………………….....................................…..... 5
2.1.1. Howard e a aliança Cidade-Campo …….…………..……………….............. 4-5
2.1.2. Esquemas e formas da Cidade-Jardim ….………………………….......…..... 5-6
2.1.3. Desdobramentos …….……………………........................………..................6-8
2.2. A Cidade na Região …….……….…………..............................………….......…..... 10
2.2.1. Geddes e a Tradição Anarquista …………………….........................…....... 10-1
2.2.2. A Regional Planning Association of America ………………........................11-2
2.2.3. RPAA versus Plano Regional de Nova York ……………….........................12-3
2.2.4. A TVA……………….................................................................................... 13-4
2.3. A Cidade dos Monumentos …………….................................................................. 14-5
2.3.1. Burnham e o movimento City Beautiful na América………………............. 15-7
2.3.2. O City Beautiful sob o Raj Britânico………………...................................... 17-9
2.3.3. Camberra: o excepcional em City Beautiful………………......................... 19-20
2.3.4. O City Beautiful e os grandes ditadores………………............................... 20-22
3. CONCLUSÃO……..................................…………..................................................... 22-23
4. REFERÊNCIAS .……...……………….………...………………………………….......23-4

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1. INTRODUÇÃO

O presente texto consiste em uma resenha dissertativa de trechos do livro “Cidades do


Amanhã”, do urbanista e geógrafo inglês Peter Hall (1932-2014). Estruturado em treze
capítulos, a obra consiste em um aprofundado estudo acerca de importantes conceitos que
impactaram significativamente na construção do espaço urbano, na teoria ou na prática, bem
como seus idealizadores, contextos e as consequências que provocaram ao longo do tempo.
No entanto, serão evidenciados apenas três dos capítulos constituintes: o capítulo 4, Cidade
no Jardim; o capítulo 5, A Cidade na Região; e o capítulo 6, A Cidade dos Monumentos. Em
cada um deles é apresentada uma linha de pensamento voltada ao planejamento, que se
propuseram a idealizar características físicas formais, socioeconômicas e políticas, para o
território urbano.
O autor destaca que a maior parte desses conceitos teve origem no movimento
anarquista, desenvolvido em princípios do século XIX, outros, em contraposição, seguiram
uma ideologia progressista. Cabe ressaltar que tais teorias de planejamento, desenvolvidas no
século XX, representam reações aos problemas sociais, territoriais e econômicos que
caracterizavam a cidade do século XIX, um produto da Revolução Industrial.
Com o objetivo de amenizar adversidades como a superlotação, a baixa qualidade de
habitação, a insuficiência de emprego e renda, e a especulação imobiliária nas grandes
cidades, desenvolveu-se o conceito de “Cidade-Jardim”. Idealizado por Ebenezer Howard
(1850-1928), foi a primeira e uma das mais importantes ideias propostas no cenário
urbanístico, evidenciado no Capítulo 4: Cidade no Jardim. Ao analisar as intenções, os
aspectos e os reflexos dessa teoria, é possível observar que a solução proposta à saturação
populacional, por meio da Cidade-Jardim, consistia, geográfica e conceitualmente, em um
programa bem estruturado de planejamento regional. Cada urbe desenvolver-se-ia, em
equilíbrio com o meio natural, dentro de um sistema de crescimento regional.
Esse planejamento em rede é a temática pela qual permeia o Capítulo 5, intitulado “A
cidade na Região”. Elaborado pelo biólogo escocês Patrick Geddes (1854-1932), este modelo
de planejamento equaliza as novas e antigas cidades, tornando-as partes de um esquema
regional integral. Nesse sistema, cada uma delas deveria retirar dos seus recursos naturais
locais a base para o desenvolvimento econômico, respeitando o equilíbrio ecológico e a troca
comercial com os outros centros.
Outra tradição, que mescla características formais das duas linhas anteriores, porém
ideologicamente contraditória é tratada no Capítulo 6: A Cidade dos Monumentos. O
movimento manifesta-se promovendo o capitalismo na América, exprimindo o poder imperial
na Índia e África Britânicas com a instauração de novas capitais, dando orgulho a recém
independência na Austrália, e a manifestação de supremacia dos governos totalitários da
Europa, por intermédio da tradição higienista e monumental empregada por Haussmann, em
Paris, e Cerda, em Barcelona, no século anterior.

2. PLANEJAMENTO E IDEÁRIO URBANO: Cidade-Jardim, Planejamento Regional e


o Movimento City Beautiful

2.1. A Cidade no Jardim

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“A pergunta simples a ser feita, e resolutamente, é esta: Podem ser
obtidos melhores resultados se partirmos de um plano ousado do que se
tentarmos adaptar nossas velhas cidades a nossas novas necessidades,
que são cada vez maiores? Se fizermos assim a pergunta, só poderemos
responder afirmativamente; e assim que este simples fato estiver bem
compreendido, a revolução social começará rapidamente” (CHOAY,
1992, p. 228)

2.1.1. Howard e a aliança Cidade-Campo

Os momentos de reconstrução da sociedade, devido a crises ou conflitos, são propícios


à concepção de planos e programas urbanos inovadores. Assim aconteceu com a proposta da
cidade-jardim - conceito de urbanização culturalista, estabelecido como resposta ao
capitalismo crescente, em um período entre guerras e revolução industrial. Preconizada por
diversos teóricos desde meados do século XIX, foi devido a Ebenezer Howard (1850-1928)
que a cidade-jardim trajou-se de forma e conteúdo.
Howard foi militante no movimento socialista inglês, e segundo Hall (2005, p. 104)
foi fazendeiro na época em que foi promulgada a Lei de Distribuição de Terra nos Estados
Unidos da América - que garantia a concessão de campinas e planícies, de forma gratuita, aos
pioneiros e direcionava o sistema educacional para o progresso da técnica da agricultura e
mecânica, tendo em vista a conquista de uma sociedade cuja economia se baseasse na vida
campestre e se organizada em pequenas cidades. Choay (1992, p. 219) aponta duas leituras
que marcaram o pensando de Howard: “Progress and Poverty” (1881) de Henry George e
Looking Backward (1889) de Edward Bellamy.
Entre as demais fontes das quais bebeu para conceber sua teoria, está o Movimento
Regresso à Terra – “alimentado pelo espírito saudosista, por motivos aparentemente
religiosos e convenções antivitorianas” (HALL, 2005, p. 108); além de Edward Gibbon
Wakefield, quando atesta que ao atingir-se um número de habitantes estabelecido dentro da
cidade, outra deveria ser construída nos arredores, separando-as por um cinturão verde.
Quanto à forma, foi James Silk Buckingham quem “deu-lhe a maioria dos traços básicos para
o seu diagrama de cidade-jardim: a praça central, as avenidas radiais e as indústrias
periféricas” (HALL, 2005, p. 106). Ademais, o raciocínio de Alfred Marshall ofereceu-lhe o
propósito de que transferir parte da população de grandes centros para os campos, provocaria
benefícios econômicos a longo prazo.
Ao propor a implantação de comunidades cooperativas autogeridas, Howard
evidenciara a busca por soluções aos problemas urbanos da época, tais como o êxodo rural, a
superlotação dos grandes centros, a precariedade da habitação, a geração de emprego e renda,
entre outros. A cidade-jardim consistia, portanto, em “uma combinação sadia, natural,
econômica, da vida da cidade com a vida do campo, e tudo isso num terreno que pertence à
municipalidade.” (CHOAY, 1992, p. 222)

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Figura 1 - Os três ímãs.
Fonte: TOMIELLO, 2009

2.1.2. Esquemas e formas da Cidade-Jardim

A cidade proposta tem forma circular, atingindo 400 hectares, a ser implantada no
centro de uma circunferência maior, 2400 hectares. Sua organização é prevista em seis
seções, cortadas por seis bulevares que se interligam compondo o centro cívico - este,
reunindo em dois hectares, um extenso jardim central circundado pelos maiores prédios
públicos. Ainda no centro, localizar-se-ia um grande parque público, 58 hectares, encerrado
pelo “Palácio Cristal” voltado para atividades de lazer, comércio artesanal e exposições.
Ademais, haveria a “grande avenida” cuja largura corresponde à sua denominação.
Em sua extensão deveriam constar escolas públicas, espaços destinados à prática esportiva,
jardins e igrejas, custeadas por doações da população. Já o setor de habitação estruturava-se
em anéis concêntricos de lotes com uma área média de 286 m2. Com relação à população,
Howard estabelecia que cada cidade-jardim poderia comportar até 32.000 pessoas, sendo
30.000 no espaço urbano e 2.000 na região agrícola.

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Figura 2 - Seção da cidade-jardim.
Fonte: SABOYA, 2008

Instalações industriais e comerciais de maior porte estariam no anel mais externo da


cidade, dispostos ao longo da estrada de ferro intermunicipal. Esta estratégia facilitava a
circulação de mão de obra, bem como de produto, além de permitir uma redução de custos
com embalagem e transporte. Outro importante aspecto era o afastamento da poluição por
fumaça nos espaços de circulação e permanência dos moradores. Envolvendo este anel, na
região circundante, seria disposto uma extensa área de cinturão verde perene, de até 2.400
hectares. Segundo Hall (2005, p. 109), este compreenderia áreas de lazer além de instalações
como casas de repouso e reformatórios.
O planejamento de uma cidade-jardim estaria atrelado a um planejamento regional,
dentro do qual estariam dispostas seis áreas urbanas ao redor de uma grande cidade central,
respeitando uma distância de até 16 km entre uma cidade a outra. Proporcionando a ligação
entre elas, haveria uma rede de transporte rápido ferroviário intermunicipal, além de uma
linha de transporte que ligasse cada cidade a cidade central, esta não deveria ultrapassar 5 km
de distância.

Figura 3 - Esquema da cidade-jardim


Fonte: SABOYA, 2008

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“Esse princípio de crescimento — princípio que consiste em conservar
sempre um cinturão de campo ou de jardim em volta das nossas
cidades — seria mantido em vigor até que, com o correr do tempo,
tivéssemos um grupo de cidades, evidentemente dispostas não de
acordo com a forma geométrica rígida do meu diagrama, mas
agrupadas em redor de uma cidade central [...]” (CHOAY, 1992, p.
227)

2.1.3. Desdobramentos

Os conceitos apresentados compõem o arcabouço do que Howard apresentou como


cidade-jardim, em 1898, em seu livro “Amanhã: um caminho pacífico para a reforma social”.
Reeditada em 1902, a obra passou a receber o título “Cidades-jardim do amanhã”. Tamanho
foi o êxito da publicação, que já em 1899, Howard fundou a “Associação das Cidades-
Jardim”, enquanto as primeiras materializações da teoria sucederam em 1903 e 1919,
projetadas por Raymond Unwin e Barry Parker - Letchworth e Welwyn.
Parker e Unwin não possuíam habilitação formal em arquitetura: o primeiro como
decorador de ambientes e o segundo como engenheiro, ambos desenvolveram projetos nos
quais destaca-se o pensamento em que “o arquiteto e o planejador urbano eram os guardiões
da vida social e estética, mantendo e acentuando os valores tradicionais da comunidade para
gerações futuras” (HALL, 2005, p. 115)
Dentre seus projetos, destaca-se Hampstead, na Inglaterra. Apresentado a pretexto de
avanços sociais, no sentido de reunir habitantes de diferentes classes para, por meio da
convivência, sanar tais desavenças. Duas das três corporações encarregadas da implantação de
casas eram cooperativistas. No entanto, como não havia serviços nem indústrias próximas
inicialmente, perdeu-se o propósito de prover habitações adequadas às classes trabalhadoras
próximo aos seus locais de trabalho. Logo, com a criação do subúrbio-jardim, Hampstead
caiu na questão da elitização. Vale ressaltar que essa não foi o primeiro, tampouco o único
exemplo registrado, entretanto, “Hampstead significou uma guinada decisiva” para o
movimento jardim no contexto inglês. Unwin produzira “um esquema tipicamente informal,
com ruas sinuosas e irregulares, becos e grande variedade de tipos de moradia” (HALL, 2005,
p. 122) para, com isso, frear o tráfego de veículos. A qualidade física de Hampstead
sobreviveu após a sua implantação.

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Figura 4 - Vista aérea da primeira cidade-jardim construída “Letchworth”
Fonte: URBANIDADES, 2008

Os conceitos apresentados por Howard foram reverberados para outros países,


havendo, em cada lugar, um protagonista pronto para defendê-lo. No entanto, o olhar de cada
um sobre a ideia de cidade-jardim imprimiu modificações significativas sobre a original. Na
espanha, com o conceito “La Ciudad Lineal”, o engenheiro Arturo Soria y Mata (1844-1920)
realizou uma publicação e um projeto (1892), sugerindo, a partir dee, alcançar o
desenvolvimento de uma cidade-jardim linear planejada. Contudo, Hall (2005, p. 131) afirma
que o máximo alcançado devido a aplicabilidade da teoria de Soria y Mata fora “um subúrbio-
dormitório urbanizado”. Na França, foi concebida a “Cité Industrielle”, por Tony Garnier
(1869-1948), arquiteto de Lion. Embora informe-se que data de 1898, apenas em 1918 foi
publicada. Sob fortes influências anarquistas, abordava a propriedade comum apoiado em um
desenvolvimento culturalista antimetropolitano capaz de reunir até 3.000 cidadãos. Já em
1902, na Alemanha, após o contato com a obra de Howard, Heinrich Krebs providenciou uma
“Associação das Cidades-Jardim” em sua versão germânica. Por julgarem esclarecidas
algumas de suas principais preocupações - as relações trabalhistas na indústria, a
receptividade ao conceito foi empolgante. (HALL, 2005, p. 135)
Vale ressaltar que a cidade-jardim de Howard, apesar dos aspectos geomorfológicos,
consistiu, predominantemente, em um processo de transformação social. Ao prever que
organizações privadas ou cooperativas e sindicatos seriam financiadores dos cidadãos, sendo
estes proprietários da terra e servidores da cidade, Howard apresentava uma solução, pela
própria sociedade, à recessão econômica “quarenta anos antes de John Maynard Keynes ou de

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Franklin Delano Roosevelt” (HALL, 2005, p. 111). Observa-se que os avanços na economia,
comércio e serviços, de cada cidade-jardim, reclamariam a ampliação e melhoramento dos
sistemas de comunicação e transporte intermunicipais, sistemas estes já caracterizados na
teoria. Com isso, um processo de desenvolvimento e expansão planejados era desencadeado,
culminando no que passaria a ser conhecido como planejamento regional.

2.2. A Cidade na Região

Neste capítulo o autor continua abordando sobre modelos de planejamento para a


cidade. Com base nas livres confederações de regiões autônomas, vindas do comunismo
anarquista, em junção ao planejamento de Cidades-Jardim, estruturado por Howard, o
polímata Patrick Geddes (1854-1932) criou o planejamento regional. Este modelo, apesar de
predominantemente norte-americano, formou-se na França e Escócia.

“Biólogo escocês, discípulo de T. H. Huxlez, foi primeiro professor de


botânica (Dundee, 1883) e autor de trabalhos sobre A evolução do sexo
(1900); depois estudou, sempre de um ponto de vista evolucionista, a
transformação das comunidades humanas.” (CHOAY, 1992, p. 273)

2.2.1. Geddes e a Tradição Anarquista

Em uma viagem para Nova York, em 1923, Geddes encontra Lewis Mumford (1895),
um jornalista-sociólogo, aquele que, apesar de algumas confusões, sem saber tornar-se-ia o
escrivão das suas propostas. Geddes extraiu seus conceitos básicos da cultura escocesa e da
geografia francesa, de geógrafos como Elissé Reclus (1830-1905) e Paul Vidal de la Blanche
(1845-1918), como a ideia de região natural, exemplificada pela seção de vale, em que a
região é analisada longe da metrópole, de forma mais pura.
Segundo ele, o planejamento deveria iniciar a partir do levantamento dos recursos de
uma determinada região natural, dos meios produzidos pelo homem e das complexidades
culturais, para ter uma perspectiva ampla e clara da região geográfica. Utilizou também o
método de levantamento de Vidal e seus seguidores, criou um modelo de um centro local de
levantamento que podia ser reproduzido em toda parte. Assim, para o levantamento urbano
concreto, é feito um corte vertical que desce as montanhas até o mar, para perceber com
nitidez as peculiaridades de cada local e visualizar seu passado encoberto, os quais são a base
para reconstrução total da vida social e política. Para Geddes “O levantamento precede o
plano” (HALL, 2005, p. 166) e a qualidade arcaica da investigação propicia o entendimento
das relações da sociedade com o ambiente.
A ilustração abaixo demonstra os tipos de ocupações e suas respectivas localidades,
exemplificando sua tríade: Povo-Trabalho-Lugar. São respectivamente: Mineiro - Lenhador -
Caçador - Pastor - Camponês - Jardineiro - Pescador.

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Figura 5 - A seção de Vale
Fonte: StudyBlue, [s.d]

Recebeu influência do geógrafo anarquista francês, Pierre-Joseph Proudhon (1809-


1865), que defendia a posse individual da propriedade para a manutenção de uma sociedade
livre, desde que não houvesse excessos particulares, desenvolvendo um sistema
descentralizado e não hierárquico de governo federal. Piotr Kropotkin (1842-1921),
anarquista russo, que compartilhava da mesma ideia, desenvolveu a filosofia anarquista, a
qual tinha como base a cooperação entre indivíduos livres e influenciou tanto Howard quanto
Geddes.
No século XVI, quando as concentrações industriais começaram a se difundir na
cidade, Geddes, já em 1899, percebeu a necessidade de estimular as indústrias pelo país, para
que as fábricas fossem para o campo e se aliassem à agricultura. Essa nova era da
descentralização industrial foi denominada de “neotécnica”, com o desenvolvimento de novas
técnicas (energia elétrica, motor de combustão interna), o termo “paleotécnico” refere-se aos
elementos primários da Era Industrial. A aplicação desses novos recursos resultaria na
conservação pública do capital, não seriam tomadas medidas governamentais violentas como
a abolição da propriedade privada, mas sim, por intermédio da “ordem neotécnica”, a cidade
recuperaria sua independência federativa.
A partir de 1915, as novas tecnologias dispersaram as grandes cidades, formando
conurbações. Entretanto, esses municípios de expansão ainda eram resultado da velha e
desorientada ordem paleotécnica, fazendo com que a cidade desperdiçasse recursos e energia,
piorando a qualidade de vida da população, tendo como foco o lucro e a mais-valia, o que
gerava desemprego, enfermidade e violência. Adotando as ideologias de Howard, era preciso
trazer o campo à cidade, com ruas sombreadas e arborizadas para que a população citadina
crescesse, o planejamento de toda a região-município foi uma contribuição de Geddes.

2.2.2. A Regional Planning Association of America

Em 1922, Mumford se associou com outros arquitetos (Stein, Wright, Ackerman e


MAcKaye) para formar a RPAA, Regional Planning Association of America, programa que
buscava englobar:

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“[...] criação de cidades-jardim dentro de um esquema regional;
desenvolvimento de relações com os planejadores britânicos, sobretudo
com Geddes; desenvolvimento de projetos e esquemas regionais para
promover a Trilha Apalachiana; colaboração com o comitê de AIA sobre
Planejamento Comunitário para propagar o regionalismo; e
levantamentos de áreas-chave, com especial atenção para a bacia do Vale
do Tennesse” (HALL, 2005, p. 174).

Em 1925, a RPAA teve a oportunidade de expor o manifesto do grupo, na The


Curvey, revista prestigiada de Nova York, sobre o planejamento regional. O economista do
grupo, Stuart Chase, defendia a grande produção de alimentos, tecidos e materiais de
construção na região de origem; um mínimo de trocas inter-regionais, baseadas somente no
que determinada região não pudesse produzir; mais subestações de energia elétrica; pequenos
percursos de caminhão e distribuição descentralizada da população. Para o saudável
crescimento da cidade, seria necessário o planejamento regional, o qual não especificava uma
quantidade de área para o excedente, mas sim como a população e os serviços poderiam ser
divididos, gerando boa qualidade de vida.

“O planejamento regional vê o povo, a indústria e a terra como uma


única unidade. Ao invés de tentar, mediante um ou outro artifício
desesperado, tornar a vida mais tolerável nos centros superpovoados,
procura determinar que espécie de equipamento necessitarão os novos
centros.” (MUMFORD, 1925b, p. 151 apud HALL, 2005, p. 177)

Para Geddes, com o auxílio da tecnologia neotécnica, poderia ser obtida melhor
eficiência da máquina e melhor qualidade de vida. Enquanto que o planejamento regional
fornece a estrutura, a cidade-jardim, do Howard, fornece o objetivo cívico, ou seja, aquele
representa a manutenção dos valores humanos atrelados aos recursos naturais. Benton
MacKaye, integrante da RPAA, formulou a caracterização de duas Américas em contraste: a
metropolitana, formada para mistura entre urbana e industrial com grande amplitude, e a
nativa, aglomeração primária com a colonial. Entretanto, estas entraram em conflito não só
psicológico, mas também territorial. Para solucionar este problema, MacKaye utilizou a nova
tecnologia, controlando seu impacto no ambiente, criou autovias para ampliar as áreas
metropolitanas, além de estradas secundárias que iriam interligar as cidades, mantendo áreas
verdes para garantir lazer ao ar livre. No entanto, pouca coisa foi concretizada na América de
1920. Somente com o empreendedorismo de Alexander Bing, a RPAA pôde executar duas
comunidades experimentais: Sunnyside Gardens, em Nova York, e Radburn, em Nova Jersey.

2.2.3. RPAA versus Plano Regional de Nova York

Thomas Adams (1871-1940) fora um dos fundadores do planejamento urbano


britânico e se mudou para os EUA, em 1988. Segundo ele, o plano deveria representar os
homens de negócios por meio da criação de um conjunto de controles contra os abusos do
mercado e construir novas estradas, parques e praias. Robert Murray Haig defendia para
economia urbana a mudança de atividades que podem ser realizadas fora do centro urbano, e

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a criação de um zoneamento para garantir uma distribuição uniforme de custos, arcados pelo
próprio usuário. Acreditava que o problema estava na concentração excessiva de meios de
transporte e atividades econômicas, suscitando o desperdício econômico. Mumford condenou
este plano, mostrando que a filosofia de Adam e seu grupo estava equivocada. A partir do
momento em que se define a forma da região, adotando pequenos acréscimos, como desvio de
anéis viários; na construção de arranha-céus intercalados com espaços verdes; na sugestão de
recentralização do comércio e da indústria em sub-centros; rejeição de um plano que
englobasse a região inteira; e a falta de proposta para realocação das pessoas extraídas do
centro de Nova York. Para Mumford, consistia um desvio orientado para uma centralização
ainda maior. No entanto, apesar das críticas, o plano de Nova York foi aprovado por uma elite
de homens de negócio, enquanto a proposta daquele continuava na teoria.

“Sua falha básica estava em apresentar-se como sustentação para tudo:


concentração e dispersão, controle de planejamento versus especulação,
subsídio estatal versus regras de mercado.” (HALL, 2005, p. 184).

Em 1933, Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, criou o Plano
New Deal, que englobava algumas ideias do RPAA, favorecendo a descentralização da
indústria, levando-a para pequenas aglomerações e zonas rurais, bem como a melhoria da
qualidade de vida no campo por meio das novas tecnologias (eletricidade, cinema, rádio).
Estabelecendo um planejamento cooperativo em prol do bem comum, que encaminhava firma
para locais com alto nível de desemprego. Concebeu um Projeto de Obras Públicas, em 1933,
que propusera o reassentamento do trabalhador no campo, garantindo boa terra e empregos
permanentes, mas ninguém saiu de onde estava e nada se concretizou, só reproduzindo
inúmeros papéis.

2.2.4. A TVA

A TVA (Tennesse Valley Authority) é a realização concreta do Planejamento New


Deal, localizada um local desértico pelo clima, recursos e pobreza, nos Apalaches. Seria um
plano incomum próximo à uma bacia hidrográfica, o qual pretendia melhorar a qualidade de
vida com a construção de barragens, tais quais ampliariam os recursos naturais da região. Mas
na prática, acabou se tornando uma cidade para produção de energia elétrica e serviços de
extensão agrícola, como produção de fertilizantes. Assim, a pequena cidade de 1500
habitantes, enterrada entre bosques, recebeu apenas uma pequena porcentagem do
investimento para urbanização comunitária, serviços de saúde e educação. Representa um
exemplo interessante de cidade-jardim, mas na visão da RPAA, não passa de uma anomalia.
Apesar de contraditório, veio de Londres, o maior exemplo dos ideais da RPAA. O
arquiteto Leslie Patrick Abercrombie (1879-1957), influenciado por Geddes, sugeriu
pequenas cidades, locando-as espaçadas dentro de um cinturão verde contínuo. Este relatório
foi posteriormente o qual guiou o Plano para a Grande Londres. Houve fracasso na
implementação, pois dependia de várias autoridades, estas, porém, estavam mais preocupadas
com o alastramento suburbano. Assim como o plano de Adams, o de Abercrombie também

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exercia controle por meio do zoneamento rural, com densidade muito baixa, e apesar das
autoridades terem recursos para comprar os terrenos, nada concretizou-se.
Raymond Unwin foi escolhido como conselheiro do Comitê de Planejamento
Regional para a Grande Londres, em 1927. Ele propôs uma revisão do plano vigente, em que
os planejadores demarcariam as áreas de construção, conservando espaços livres como pano
de fundo. O principal objetivo do plano seria proporcionar melhor distribuição de moradias,
do trabalho e áreas de lazer. Ao redor da Grande Londres haveria uma estreita cinta verde,
onde passaria uma parkway orbital, e as indústrias se localizariam distantes da capital como
cidades-satélites. Apesar de constituir o plano mais completo dentre os já apresentados,
omitiu-se sobre densidade e descentralização; Londres vivenciou a descentralização
“simbólica”, restrita a uma parcela da população.
Dividido em dois volumes, metade do plano regional único, O Plano do Condado, já
era suficiente para se denominar descendente do RPAA, no qual utilizou os métodos de
levantamento geddesiano e combinou com a unidade de vizinhança de Wright. Prescrevia um
novo sistema viário orgânico, assim como estrutura orgânica, cuja base dos anéis concêntricos
indica a densidade decrescente da população e atividade, denominado Interno; em seguida, o
Externo ou suburbano; o Cinturão verde e a Periferia Rural. O espaço livre verde foi utilizado
novamente como componente estruturador, através de um grande cinturão verde ao redor de
Londres e cintas menores para pequenas comunidades.
O novo ministro de Planejamento Urbano, Lewis Silkin, aprovou a Lei das Novas
Cidades, em 1946; a localização das oito novas cidades fora definida, em 1949; e já
finalizando na década de 60. O Grande crescimento populacional e industrial dentro e ao
redor de Londres exigiu a execução de mais três cidades, maiores que as anteriores. No
entanto, não demorou para que o Plano de Abercrombie fosse absorvido por um processo
político e econômico, fazendo com que algumas cidades fossem abandonadas e substituídas.
A região de Londres é um dos poucos locais do mundo que reúne a visão de mundo de
Howard-Geddes-Mumford. Demonstrando que é possível pôr em prática organizações que
entrem em consonância entre diversos interesses políticos e que produzam bons lugares para
viver, onde se possa crescer. Produziu-se, portanto, uma boa vida, mas não uma nova
civilização.
Observa-se que os ideais estruturados por Geddes difundiram-se por todo o mundo
ocidental, especialmente a América, com destaque para o New Deal, na década de 30. Além
deste, tornaram-se evidentes capitais da Europa, nos anos de 40 e 50, período entre e pós
grandes guerras. Todavia, nessa sucessão de expansões a qualidade verdadeira da mensagem
foi diluída, perdendo-se no caminho, sem haver obras que respeitassem com fidelidade a
ideologia original.

2.3. Cidade dos monumentos

“Não planejem miúdo. Pequenos projetos não possuem aquele toque


mágico que esperta o sangue dos homens e provavelmente sequer
chegarão a realizar-se. Planejem grande; mirem alto na esperança e no
trabalho, lembrando que, uma vez registrado, um diagrama nobre e

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lógico jamais morrerá, mas, bem depois de nos termos ido, será um
objeto vivo, afirmando-se com insistência sempre crescente. Lembrem-
se de que nossos filhos e netos irão fazer coisas que nos assombrariam.
Tenham por lema a ordem e como guia a beleza.” (MOORE, 1921 apud
HALL, 2005, p. 206)

Em contraste com as linhas de pensamento anteriormente abordadas sobre a forma da


cidade, baseando-se no movimento anarquista - que além de prever uma alternativa
configuração física construtiva, também evidenciava as relações entre estas comunidades - o
movimento retratado neste item mantém-se no conceito progressista, que procurou atender ao
capitalismo financeiro, o imperialismo e, também, ditadores totalitários.
O movimento City Beautiful teve sua base formada nas reconstruções das cidades da
Europa do século XIX, Paris, por Haussmann, e Barcelona, com Cerda. A partir do século
XX, essas manifestações ocorreram em diferentes ambientes, mas com propósitos
semelhantes, partindo, inicialmente, da América, seguindo para o Império Britânico e, por
fim, voltando ao seu lugar de origem, a Europa. Apesar de seus contextos de implantação
serem múltiplos, a intencionalidade permanece similar.

2.3.1. Burnham e o movimento City Beautiful na América

Na década de 1890, a América passava por intensa mudança urbana decorrida do


crescente debate quanto a estrutura social urbana. Em uma onda conservadora, tinha-se a
concepção de que a pluralidade urbana e ideais socialistas, como orientadores para a
organização do espaço urbano, eram sinônimos de desordem. Ademais, questões como
higienização, segurança, prostituição foram discutidas. Na América, Daniel Hudson Burnham
(1846-1912) destacou-se no movimento City Beautiful como resposta ao ordenamento
almejado.
Arquiteto norte-americano, Burnham foi autor de projetos de arranha-céus na cidade
de Chicago entre 1880 e 1890, sendo também chefe de obras da Exposição Mundial
Colombiana na cidade (HALL, 2005, p. 208). Em seu início de carreira, adquiriu seu apego
ao planejamento urbano graças a pequenas experiências que teve oportunidade de realizar.
Hall (2005, p. 208-215) destaca 4 projetos em cidades americanas da carreira de Burnham:
Washington DC em 1901, Cleveland em 1902, São Francisco em 1905 e o Plano de Chicago
de 1909, sendo este último o mais importante.
Em Washington, Burnham reformulou o projeto de Pierre Charles L’Enfant para o
“National Mall”, que não houvera sido completado, liderando uma equipe juntamente com os
arquitetos Frederick Law Olmsted Junior e Charles McKim, e o escultor Augustus St.
Gaudens. O objetivo era restaurar o significado magnificente cerimonial da capital americana,
já que o passeio público estava tomado pelos cortiços e comércio improvisado. A resolução
do novo projeto foi a retomada aos conceitos originais de L’Enfant, porém, acrescido. Em
1922, o projeto foi concluído, juntamente com a consagração ao Monumento a Lincoln.
Posteriormente, em Cleveland, cidade tipicamente industrial, Burnham foi escolhido
para produzir um plano para a cidade, pois esta tinha casos excessivos de violência, doenças,
e um crescimento exacerbado e descontrolado. Sua proposta foi a criação de um novo centro

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cívico, cuja instalação necessitara da demolição de, aproximadamente, 40,5 hectares dotados
de cortiços e prostituição.

“Os dirigentes locais aplaudiram o projeto e puseram-se ao trabalho


com toda a energia. [...] Ao que parece, ninguém deu nenhuma
importância ao destino dos moradores dos cortiços; presumivelmente,
as leis de mercado cuidariam deles.” (HALL, 2005, p. 211)

Em São Francisco, a semelhante modo, Burnham também propôs a criação de um


novo centro cívico, que irradiaria para o resto da cidade o comércio local através de um
conjunto de avenidas irradiantes repartidas em “sub-vias” radiais. Em decorrência do
terremoto, seguido de um incêndio, em 1906, o Plano Burnham não foi efetivado, resultando
na distribuição da malha urbana atual.
Como último exemplo, Chigaco, sua cidade de origem, obteve um projeto realizado
em maior escala. Burnham realizou o Planejamento de toda malha urbana de Chicago que, ao
decorrer dos anos, passara a ser um pólo multinacional, caracterizada por seu forte mercado,
crescendo rapidamente e sem planejamento. Logo, o propósito almejado era “devolver à
cidade sua perdida harmonia visual e estética, criando, assim, o pré-requisito físico para o
surgimento de uma ordem social harmoniosa” (BOYER, 1978, p. 272 apud HALL, 2015, p.
212) por intermédio de taxativas medidas, como a remoção de cortiços, aberturas de grandes
avenidas - como em suas propostas para outras cidades -, criação e ampliação de parques
públicos - como efeito estético - sustentados e empenhados pela classe média e alta,
influenciada pelo Movimento Progressista. Burnham justificava seu projeto de reestruturação
baseado no retorno financeiro, tratando os patrocinadores dessa mudança como investidores.
Essa justificativa baseava-se na historicidade da reforma de Haussman em Paris,
classificando-a como impulsionador do turismo no local.

“[...] A City Beautiful de Napoleão demonstrara ter sido um bom


investimento. ‘As transformações por ele efetuadas tornaram aquela
cidade famosa e, como resultado, a maioria dos ociosos detentores de
grandes fortunas do mundo têm por hábito passarem ali longas
temporadas, e eu pessoalmente fui informado de que os parisienses
lucram por ano com os visitantes mais do que o Imperador gastou com
as mudanças’.” (McCARTHY, 1970, p. 229-231 apud HALL, 2005, p.
212)

Ainda mais, Burnham propôs a restauração do “Lake Front”- como meio de


compensar a cidade para os menos abastados - e a locação de grandes prédios públicos, em
seu aspecto simbólico de poderio, nas principais vias que davam para o parque.

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Figura 6 - Plano de Burnham para Chicago, em 1909
Fonte: BURNHAM, 1909

Por fim, em 1909, numa Conferência Nacional de Planejamento Urbano, os


patrocinadores da reforma urbana perceberam que a proposta de Burnham sairia mais caro do
que o pensado, fazendo, assim, com que a City Beautiful utópica fosse reformulada para
ideias funcionais de organização.
Burnham morreu em 1912, sendo reconhecido mundialmente como arquiteto do
movimento City Beautiful, reverberando seus princípios. Em sua proposta para Chicago, ele
declara: “Como povo, precisamos, se pudermos, fazer por nós mesmos o que, em outros
lugares, foi feito por um único dirigente.” (BURNHAM, 1909, p. 111 apud HALL, 2005, p.
215)

2.3.2. O City Beautiful sob o Raj Britânico

Em busca da solidificação do colonialismo e da materialização do domínio,


simbolicamente e visivelmente, o Movimento City Beautiful alcançou o Raj Britânico, entre
meados de 1910 e 1935, antes de voltar para a Europa. Nessa época, o Departamento
Britânico para a Índia e o Departamento das Colônias contrataram consultores para o
planejamento das capitais de seus respectivos principais pólos, cujos locais já dispunham de
assentamentos urbanos, porém, considerados precários. Vale ressaltar que grande parte dessas
novas capitais não tiveram grande valor financeiro investido como em cidades americanas
outrora citadas. Contudo, Nova Delhi excedeu-se e foi caracterizada como “a jóia da coroa”
para Jorge V, então rei do Reino Unido e Imperador.
A equipe do projeto para a nova capital da Índia Britânica foram os arquitetos Herbet
Baker (1862-1946), arquiteto já renomado perante o império cujas ideias eram “nacionalistas
e imperialistas, simbólicas e rituais” (STAMPER, 1982, p. 34 apud HALL, 2005, p. 217), e
Edwin Lutyens, “então mais conhecido como arquiteto de casas de campo” (HALL, 2005, p.
217), sendo este último o “arquiteto-chefe”. Ambos arquitetos tinham visões distintas a
respeito do planejamento, posteriormente gerando conflitos.

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Nova Delhi foi escolhida como nova capital da Índia Britânica, tomando o antigo
posto da cidade de Calcutá, uma vez que apresentava um clima salubre e posição geográfica
centralizada, facilitando o controle da região. Além do mais, a nova capital seria desprovida
de qualquer conflito político, tendo a monumentalidade como intermediador entre autoridade
e orgulho público.
A cidade era dividida em duas zonas: a “antiga cidade”, cuja densidade
demográfica/espacial era exorbitante, e a “cidade britânica”, longinquamente distante como
medida de prevenção higienista. O novo assentamento escolhido ficaria na colina conhecida
como Raisina, onde instalar-se-ia o eixo monumental com o palácio do Vice-rei em plano de
fundo juntamente com o edifício do secretariado.
Contudo, por engano de Lutyens, a perspectiva do palácio ficou prejudicada,
comprometendo a concepção inicial do projeto. Em suas propostas, Lutyens apresentava uma
notável preferência ao equilíbrio geométrico formal, muitas vezes desprezando qualquer
limitação financeira. Baker, porém, conseguia manter o equilíbrio entre proposta recursos e
gerar os efeitos simbólicos exigidos para a cidade. Muitas das desavenças entre os dois
projetistas sucederam-se ou por engano, ou pela dissemelhança do ponto de vista projetual,
entardecendo o planejando de Nova Delhi e, posteriormente decorrente, também, de outros
fatores, a construção da mesma.
Por certo, o planejamento imperial em Nova Delhi teve sua importância para o
entendimento da imposição de domínio, por mérito da arquitetura, ali travada. Reverbera-se a
apreensão dessa estratégia em outras colônias, momentâneamente dominadas, localizadas no
sul e leste da África, onde instalaram “minicapitais” seguindo o modelo higienista da City
Beautiful. O propósito ali não seguia a exuberância geométrica formal da cidade de Lutyens,
mas mantinha-se o ordenamento como princípio.
A instalação da sede do governo dar-se-ia em uma região central, onde sairiam amplas
avenidas permeando áreas residenciais europeias em baixa densidade e lançando-se a anéis de
tráfego. Num outro lado da cidade, instalar-se-ia o complexo africano denominado
“Compound” em uma área densa e primitivamente abastecida por equipamentos urbanos e
comerciais.

“[...] Em todas, os consultores elaboraram projetos baseados na ficção


de que tais cidades fossem completamente brancas, quando muito com
um área separada para o bazar indiano, evidentemente situada a
distância respeitosa: quanto aos africanos, ou eram tidos como
inexistentes, já que oficialmente se presumia que trabalhassem como
lavradores, ou arrebanhados dentro de reservas destinadas aos sem-terra
invasores com a ajuda de deportações em massa e sistemas de salvo-
conduto.” (HALL, 2005, p. 222)

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Figura 7 - Plano de Lutyens-Baker para Nova Delhi
Fonte: BAKER, 1920.

Com o fim do Imperialismo, admira-se que a estrutura social e a segregação espacial


dessas cidades mantiveram-se, todavia, com outros protagonistas. A elite africana tomou o
lugar do branco europeu e o governo, ao se deparar com os mesmos problemas do Império,
tomou providências semelhantes aos líderes antecessores. Em algumas cidades, os
assentamentos informais se proliferaram em espaços outrora propostos para o puro
embelezamento, reafirmando a decadência simbólica do domínio europeu.

2.3.3. Camberra: o excepcional em City Beautiful

Permanecendo, ainda, em um contexto de Imperialismo, porém ex-colonial, o City


Beautiful apresenta uma “exceção honrosa” (HALL, 2005, p. 224) em sua implementação:
Camberra, projeto para a nova capital da Austrália.
A partir da instauração do novo governo da “Commonwealth” da Austrália em 1901,
procurou-se criar a nova capital para o país, cujo local escolhido foi Camberra, em 1908. Em
1911, foi realizado um concurso para o projeto da cidade que não teve aderência de grandes
escritórios de planejamento urbano, cujo vencedor foi Walter Burley Griffin (1876-1937),
arquiteto norte-americano, que trabalhava no escritório Frank Lloyd Wright, juntamente com
a sua esposa, Mary Mahoney.
Em 1913, Griffin iniciou o projeto para a cidade, porém, desistiu 7 anos mais tarde
após diversas tentativas de completar o projeto, sem êxito, por ter sido sabotado no processo,
desde de extravio de plantas até a rejeição às propostas apresentadas por ele. Todavia, 44 anos
mais tarde, surpreendentemente, o projeto retomou e em 1980, estaria perto da sua conclusão
(HALL, 2005, p. 225).

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Em sua concepção, Griffin denomina seu projeto como um grande anfiteatro irregular
para compor com a complexa trama governamental da época. A partir de um eixo
monumental, que atravessa toda a cidade, seguido da colina à planície, o relevo formaria o
palco, em sua parte mais baixa, espacializando o centro governamental - foco do drama da
cena -, e na parte mais alta o complexo civil para assistir de ao alto o espetáculo da cidade.
Ao projeto ser retomado, o parlamento tomou a posição da colina para ganhar
destaque diante da malha urbana, sendo este semi-enterrado com uma escultura proeminente
em seu topo. Embora os edifícios dispostos na cidade não terem sido projetos de autoria do
Griffin, eles cumprem uniformemente o papel da grandiosidade e nobreza da City Beautiful
do arquiteto.
Surpreendentemente, além da poética harmoniosa do centro cívico, Griffin destaca-se
na criação dos subúrbios residenciais circundantes da cidade. Ele prezava pelo movimento da
cidade-jardim e com isso trouxe para essas zonas princípios do movimento.

“E vejam como isso se concretizou nas vizinhanças dos anos 80: o


passeante matinal pode sair do portão de sua casa, caminhar desde a
trilha que envereda pelo parque linear, até um vasto espaço central de
campos para jogos, e assim percorrer um circuito de uma milha ou mais
sem nunca ver tráfego.” (HALL, 2005, p. 229)

Figura 8 - Ilustração do Plano Piloto de Griffin para a Camberra.


Fonte: Arquivo Nacional da Austrália, [s.d]

Sem dúvida, contraditório aos exemplos anteriores do movimento City Beautiful,


Camberra exibe um traçado mais humano e menos rígido quanto aos ideais de embelezamento
puramente estéticos, constituindo um exemplo de cidade a ser homenageada.

2.3.4. O City Beautiful e os grandes ditadores

Ao retornar à Europa, o City Beautiful transcorre no período dos Grandes Ditadores


em resposta à filosofia de restauração da dignidade civil, ao ordenamento das capitais que
cresciam descontroladamente (contrariando a política de retorno à terra típico do Fascismo e
Nazismo, que tinham a cidade como fonte de todos os males), e a monumentalidade - símbolo
de poder.

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Em Roma, Mussolini, desejava que a reformulação da metrópole retomasse a glória da
Antiga Roma Imperial, realçando panoramicamente os edifícios históricos da época.
Contrariamente ao esperado, o novo projeto, que exigia a criação de um novo centro cívico e
o alargamento de ruas, dissiparia a antiga cidade. Todavia, o projeto, publicado em 1931,
sofreu modificações, dando lugar a novos terrenos onde antes havia as grandes avenidas.
Ao mesmo tempo, a cidade de Berlim contava com Albert Speer, arquiteto-chefe do
“Terceiro Reich” e, curiosamente, o próprio Hitler como inspetor assíduo para a readequação
da malha urbana da capital do Império Nazista. Esse plano tinha a cidade como meio de
promoção do nazismo, destruindo bairros antigos e construindo grandes espaços para reuniões
públicas, eixos cerimoniais compostos de arranha-céus e prédios públicos, criando uma
“cidade de ostentação e espetáculo, totalmente mecanizada, totalmente anti-humana.”
(SCHORSKE, 1963, p.114 apud HALL, 2005, p. 231). Hitler, que sonhara ser arquiteto por
formação, era obcecado pela monumentalidade e empenhava-se na cobrança da criação da
avenida majestosa onde assentaria seus benquistos edifícios exuberantes, enquanto Speer
buscava levar os princípios fundamentais do City Beautiful, exortados por Burnham, à
periferia da cidade, aborrecendo o Ditador.

“Em seus princípios básicos - senão em sua roupagem de superfície - o


projeto de Speer patenteava qualidades bastante convencionais: usos
incompatíveis do solo foram segregados, excluiu-se o tráfego direto das
áreas residenciais, havia ar, luz e espaço à vontade [...].” (LARSSON,
1978, p. 112-113 apud HALL, 2005, p. 233)

Em 1937 as obras do eixo leste-oeste foram iniciadas, com um orçamento considerado


oneroso, sendo concluídas parcialmente em 1939. Apenas em 1941, período durante a
Segunda Guerra Mundial, as obras do projeto piloto foram iniciadas, mas nunca concluídas
(HALL, 2005, p.233).

Figura 9 - Maquete da proposta de Speer para Berlim.


Fonte: GARCIA BARBA, [s.d.]

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Paralelamente, Moscou sofria bombardeamento de soluções urbanísticas partindo a
ideias de Le Corbusier propunha uma nova cidade reconstruída em outro local, e May, que
propunha a criação de cidades satélites. (HALL, 2005, p. 235). Vale ressaltar que o motivo de
tais mudanças se deve ao fato da população citadina haver crescido quase que o dobro em
menos de duas décadas desde a Revolução de 1917 e a infra-estrutura urbana permanecendo a
mesma. Em 1935, a Comitê Central excluiu a participação de urbanistas estrangeiros na
construção do projeto piloto e delimitou diretrizes para a expansão da cidade baseadas na
higienização da cidade e criação de unidade urbana, princípios do City Beautiful.
Basicamente, o projeto consistiu no realce arquitetônico dos edifícios disposto perante
grandes corredores urbanos, para que os moradores da “nova Moscou” se impressionassem
com o comprometimento do governo em tornar a cidade uma capital mundial.

“E Stalin sabia do que gostava. ‘Daí em diante, a arquitetura teria que


ser expressiva, representacional, retórica. Cada edifício, por mais
modesta que fosse sua função, devia, doravante, ser um monumento’.”
(HALL, 2005, p. 236)

Seja no regime totalitário, imperial ou como ferramenta do capitalismo financeiro,


observa-se que o City Beautiful, mesmo peculiar em cada esfera, expressa completa
objetificação do poder centralizador, dotado de monumentalidade e suntuosidade. Com isso,
na materialização deste plano se atinge superficialmente, e até mesmo se esquece por
completo, o que o planejamento urbano tem de mais indispensável: os aspectos cultural e
social da cidade.

3. CONCLUSÃO

Com relação às teorias apresentadas, Hall (2005, p. 4) comenta que “Transplantadas


no tempo e no espaço, bem como no meio sociopolítico, não é de admirar que produzissem
resultados amiúde bizarros e, vez por outra, catastróficos”. Tal é, pois, o ocorrido com a ideia
de “cidade-jardim”, cuja interpretação distorcida conferiu aspectos contraditórios aos projetos
discutidos e materializados mundo afora. Suas variações encontraram espaço em países como
a Grã-Bretanha, com Unwin, Parker e Osborn, na França, Alemanha, e expressivamente nos
Estados Unidos, onde destacou-se Clarence Stein e Henry Wright. Ademais, outras duas
teorias foram concebidas a partir da “cidade-jardim”, foram elas: a “Cidade Linear” de Arturo
Soria, e a “Broadacre City” de Frank Lloyd Wright. Destaca-se que ambas representam o
entremeio entre a primeira e outras teorias posteriores.
O mesmo sucedeu ao planejamento regional que, foi amplamente discutido,
especialmente em meados de 1920 pelos membros fundadores da Regional Planning
Association of America: Lewis Mumford, Clarence Stein, Henry Wright, Benton MacKaye e
Stuart Chase. Bem como pelos planejadores norte-americanos do New Deal: Howard Odum e
Rexford Tugwell, e indiretamente Frank Lloyd Wright, no entanto foi um conceito tão pouco
aplicado.

22
Por fim, o City Beautiful uniu-se às duas vertentes anteriores, não em concordância
filosófica, mas como em uma junção de partes de interesse, para formar a tradição do
movimento moderno em ascendência popular pós-guerra, criada pelo arquiteto-urbanista Le
Corbusier.

4. REFERÊNCIAS

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BURNHAM, D. Plano de Burnham para Chicago, em 1909. [s.l.] 2009. Disponível em:
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161-203.

HALL, P. A Cidade dos Monumentos: O Movimento City Beautiful: Chicago, Nova Delhi,
Berlim, Moscou (1900-1945). In: ______. Cidades do Amanhã: Uma história intelectual do

23
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