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A Tradicional Ordem Martinista – EB

POR PROF. FELIPE AQUINO 9 DE DEZEMBRO DE 2010 CATEQUESE  

Revista: PERGUNTE E RESPONDEREMOS


D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 534 – Ano: 2006 – Pág. 571

Em síntese: A Tradicional Ordem Martinista foi fundada por Louis-Claude de


Saint-Martin (1743-1803). Pretende propor um programa de restauração do
gênero humano no estado de amizade com Deus, que ele perdeu pelo pecado.
Os martinistas estudam a história da humanidade desde a sua pretensa
emanação da imensidade divina até sua presente condição. Estão ligados à
Ordem Rosa-Cruz, que é panteísta e reencarnacionista. Não é claro o
pensamento martinista, que, apesar de se distanciar da linha cristã
propriamente dita, professa constituir uma Ordem iniciática e uma escola de
cavalheirismo moral com base na mística cristmísticasã.
Entre as correntes “místicas” de nossos dias está a Tradicional Ordem
Martinista, ligada à AMORC ou à Ordem de Rosa-Cruz. Pergunta-se: Qual a mensagem martinista para o homem de
nossos dias? A esta interrogação vai, a seguir, apresentada uma resposta extraída de escritos martinistas.

O Fundador

Louis-Claude de Saint-Martin nasceu em Amboise (França) de família nobre aos 18 de janeiro de 1743 e faleceu em
1803 com sessenta anos de idade.

Desde cedo manifestou interesse por assuntos religiosos. Estudou Direito e tornou-se advogado. Mas não se deu
satisfatoriamente nessa profissão. Entrou para a carreira militar, que lhe deixava certo tempo livre para efetuar
estudos esotéricos. Tomou conhecimento da Ordem dos Sacerdotes Eleitos de Martines de Pasqually, na qual
ingressou; todavia também não permaneceu aí, pois não aceitava a teurgia1  praticada pelos ditos Sacerdotes.

Em 1771 Saint-Martin deixou o exército a fim de se dedicar inteiramente à filosofia religiosa, seguindo sua linha própria
de  pensamento, sem depender de alguma chefia. Viajou pela Inglaterra, a Alemanha e a Itália para estudar o ser
humano; descobriu então as obras de Jacob Boehme (1575-1624), místico famoso na época. Finalmente Saint-Martin
compreendeu que não há necessidade de rituais e cerimônias complexas para se iniciar no conhecimento do ser
humano; a iniciação se faz, segundo o filósofo, por “via cardíaca” ou no coração do homem.

Os últimos decênios do século XVIII, na França, foram muito agitados pela famosa revolução de 1789. Saint-Martin não
foi impedido de exercer suas atividades; foi mesmo convocado para lecionar na Escola Normal de Paris, que tinha em
mira formar professores para a Nova França.

Publicou várias obras, entre as quais “O Livro do Homem”, que para Saint-Martin é o livro essencial; julga o autor que o
ser humano é o único livro escrito pela mão de Deus. É no homem que estão escritas todas as leis do universo e todas
as verdades importantes. É, antes do mais, em si mesmo que o homem deve buscar. De acordo com este modo de
pensar, Saint-Martin exprimia a sua missão nos seguintes termos:

“Minha missão neste mundo foi a de guiar o espírito humano por uma senda natural para as coisas sobrenaturais que
lhe parecem de direito, mas de que ele perdeu toda noção, seja pela degradação, seja pela falsa instrução de seus
instrutores”.

A Mensagem

Os escritos de Saint-Martin têm em vista explicar a natureza mediante o conhecimento do homem. O espírito humano
deve tornar-se o centro de todos os nossos conhecimentos. Segundo Saint-Martin, é preciso abandonar “o velho
homem” para tornar-se “o Homem de Desejo” e fazer nascer no coração de cada um “o novo Homem”. Quando chegar
a esse estado, o estudioso passará por um segundo nascimento e voltará a ser “o Homem-Espírito” que era na origem
da história ou quando foi criado. Realizará assim o “Ministério” que o Invisível lhe confiou na origem do mundo: assim
poderá trabalhar para a reintegração de todas as criaturas na Unidade.

Ao estudioso são propostos os Ensinamentos Martinianos como alimento pelo qual cresce o gérmen recebido na
iniciação. Tal é a lista desses Ensinamentos encontrados nos escritos de Saint-Martin e propostos à reflexão do
estudioso:

Os símbolos místicos.

A natureza tríplice do homem.

O estudo esotérico do Gênesis.

O livre-arbítrio e o destino.

A lei quaternária.

Reconciliação e reintegração.

Os mundos visível e invisível.

Os sonhos e a iniciação.

A ciência dos números.

A prece.

Os ciclos da humanidade.

A civilização e o Estado ideal.

Arte, música e linguagem.

A regeneração mística.

O mundo elementar.

O mundo dos Orbes.

O mundo do Empíreo.

Angelologia.

A Cabala.

Meditações sobre as sefirot.

Saint-Martin se associou à Ordem Rosa-Cruz, que também propõe o desenvolvimento da mente até chegar aos cumes
do misticismo; a Rosa-Cruz, porém, adota a concepção panteísta (o homem seria uma centelha da Divindade) e a
reencarnacionista. Não parece que
estes dois pontos doutrinários tenham passado para o martinismo, pois Saint-Martin fala da criação – o que supõe
Deus distinto do homem. O que interessa numa e noutra sociedade é o desenvolvimento da mente. Quem segue uma
das duas vias (a Rosa-Cruz ou a martiniana) está no bom caminho e pode atingir avançado estágio de evolução mística.
Mas quem combina os dois roteiros (o rosacruciano e o martinista) pode ganhar mais eficácia no processo místico.

São palavras de Saint-Martin, que reforçam a interiorização do conhecimento:

“A porta pela qual Deus emerge de Si mesmo, é a porta pela qual Ele entra na alma humana”.

Que dizer?
Uma reflexão sobre quanto acaba de ser exposto, sugere os três seguintes pontos:

1) O Martinismo é mais uma das sociedades que pretendem responder aos anseios, do homem, de conhecer doutrinas
secretas, que conferem grandes poderes a quem tem o privilégio de as conhecer. Associa-se à Rosa-Cruz neste intento.
Essas doutrinas secretas são propostas sem sólida fundamentação, de modo que não tem força de persuasão; aceita-
as quem abstrai de espírito crítico. Aliás se dizia entre os antigos romanos: “Vulgus vult decipi. O povo quer ser
enganado”; a ilusão de um sonho é mais agradável do que a dura realidade de cada dia; daí uma propensão, muitas
vezes inconsciente, a crer no maravilhoso sem exercer senso crítico ou sem pedir credenciais.

2) A filosofia de Saint-Martin parece guardar um fundo cristão. O filósofo fala da Bíblia, pondo em relevo a tese de que
o homem foi criado à imagem de Deus. Parece guardar o esquema bíblico segundo o qual o gênero humano, nas suas
origens, decaiu de um estado de harmonia e honestidade para chegar à desordem de costumes hoje existentes. Saint-
Martin julga ser, de certo modo, o Messias ou o Revelador das práticas que podem levar o ser humano de volta ao seu
estado inicial. Os escritos de Saint-Martin pretendem mostrar ao homem o lugar central que ele ocupa no conjunto das
criaturas; fazem que ele compreenda as relações existentes entre Deus, o homem e o universo. Saint-Martin era
movido pelo anseio de que os homens tomassem consciência da posição especial que Deus lhes
tinha assinalado no seu estado originário; ponderassem a realidade em que caíram com o passar do tempo e a
maneira de reconquistar aquele glorioso status primitivo. Àqueles que eram dignos, o filósofo acesso. Para o conseguir,
devem “transformar-se”; essa “transformação” tem por base a iniciação martiniana. Tal conhecimento foi logo
designado como Martinismo.

Saint-Martin foi muito elogiado em seu tempo. O escritor francês Joseph de Maistre o tinha na conta de “o mais sábio, o
mais instruído e o mais elegante filósofo moderno”. Seus discípulos julgam ser ele “um grande místico cristão e um
grande iluminista”.

Na verdade, porém, Saint-Martin se desvia da clássica mensagem cristã, pois silencia a obra redentora de Jesus Cristo e
a prática dos sacramentos que comunicam ao ser humano as graças necessárias à sua “transformação” ou conversão.
Ademais a pregação cristã nada tem de esotérico ou secreto.

3) Seria para desejar mais clareza sobre o estado inicial do gênero humano, estado inicial que também é a meta a que
os homens devem retornar mediante a iniciação e o estudo martinianos.

***

1 Teurgia vem de Théos (Deus) e ergon (obra). Procura utilizar os poderes da divindade mediante certos ritos que
devem levar o homem ao êxtase ou a um estado pretensamente místico.

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