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1. Introdução
É fato que uma das mais importantes peças do processo de elaboração do disco
Cheio de Dedos, lançado em 1996 através da Gravadora Velas pelo cantor, violonista e
compositor Guinga, foi o produtor Paulinho Albuquerque, que também foi um diretor,
iluminador e advogado, sendo que a partir do final dos anos 1970, esteve envolvido com
diversas gravadoras e editoras. Ou seja, antes do trabalho com Guinga e com a Gravadora
Velas ao lado de Ivan Lins e Vitor Martins, Paulinho Albuquerque esteve ligado à diversos
outros projetos envolvendo produção musical, mas é fato que teve um papel fundamental
não só na elaboração deste disco, mas no começo da carreira do compositor Guinga de
forma geral. Segundo depoimento dado pelo pianista Itamar Assiere, responsável pela
gravação do piano na faixa Ária de Opereta, o convite para participar deste projeto veio pelo
próprio Paulinho, já que Itamar participou da maioria das produções dele tanto da época em
que trabalhou com a Gravadora Velas como depois de ter fundado seu próprio selo, o
Carioca Discos.
Itamar ressalta que, para o disco Cheio de Dedos, inicialmente iria gravar a faixa
Inventando Moda, p ara que este arranjo tivesse piano e violão, mas que durante o processo
de gravação foi muito difícil sincronizar os dois instrumentos, já que não foram gravados
juntos em uma situação em rubato. Paulinho, que costumava ser bastante sistemático em
suas produções, gostava de gravar tudo com metrônomo, a não ser que fosse uma situação
como a descrita. Incomodado com a imprecisão rítmica, achou melhor complementar a
gravação com saxofone, deixando o piano de lado, caso contrário Guinga teria que refazer a
sua parte. Assim, acabou ficando acertado que Itamar faria a faixa Ária de Opereta para este
disco, inicialmente com teclados. O pianista ressalta que Paulinho mostrou uma prévia da
gravação, já com a voz de Ed Motta e um violão gravado por Guinga. Itamar não soube
precisar se Paulinho Albuquerque enviou para ele uma fita antes da gravação para que
pudesse se preparar ou se harmonizou a música diretamente no estúdio, ou ainda se Lula
Galvão disponibilizou uma cifra, já que Guinga não escreve as suas composições. De
qualquer forma, evidencia que a percepção foi a ferramenta mais importante para a sua
performance, tanto pela ausência de partituras quanto pela dificuldade de se cifrar as
composições do violonista.
Neste período, era comum que Itamar trabalhasse com Paulinho em discos de
samba no Estúdio Discover, no Rio de Janeiro, onde o Cheio de Dedos foi gravado,
principalmente usando teclado, já que este estúdio não possuía um piano disponível. Porém,
como o pianista Chano Dominguez havia sido convidado para gravar na faixa Rio de
Exageros, também presente em Cheio de Dedos, a produção reservou duas sessões na
Companhia dos Técnicos, antigo Estúdio da RCA, que segundo Itamar, era um dos poucos
lugares, naquele contexto, onde se poderia ter um bom piano disponível. Como o produtor
não teria ficado satisfeito com a introdução que havia sido composta com teclado, onde
Itamar fazia uma citação de Carmen, solicitou que Itamar elaborasse uma outra opção de
introdução com piano, para ser gravada na Companhia dos Técnicos. Ainda segundo Itamar,
no processo de produção dos trabalhos do Guinga, tudo partia do violão dele. Primeiro se
gravava a sua performance, para que depois novas idéias fossem adicionadas. Na peça
aqui analisada, Ária de Opereta, não existe um violão na gravação final, mas Itamar usou
para elaborar a sua parte no piano um violão guia que Guinga havia gravado mas que não
entrou no fonograma resultante. Sobre as aberturas dos acordes utilizados em seu
acompanhamento, Itamar em seu depoimento destacou ter seguido a harmonia proposta por
Guinga a partir da guia de violão gravada anteriormente, mas que foi totalmente responsável
pelo desenvolvimento da introdução presente no arranjo.
2. Análise formal
O segundo fragmento se inicia com o acorde E7M. Vale observar também que
temos novamente um cromatismo, desta vez a partir do Ré#, que está na cabeça do
compasso, indo em direção ao Ré natural e depois Dó#, sendo o Ré natural apenas uma
nota de passagem. Neste momento, é possível observar uma picardia no acorde E7M.
Como se pode observar, no caso do E7M citado, temos um caso de picardia na Mediante
Maior. Onde a princípio deveria estar o acorde Em7, Guinga utilizou o E7M, seu oposto,
portanto. E como este acorde é abandonado logo em seguida, temos um procedimento
muito próximo ao citado por TINÉ (2011) para o caso da picardia no acorde C7M existente
na peça Luiza, de Tom Jobim. O próximo acorde, A#m7(5b), pode ser classificado como
SubII/II, sendo que a sua escala é o lócrio 9. Sobre esta tipologia de acorde, TINÉ (2011)
afirma que:
Entretanto, vale ressaltar que este acorde, no contexto da peça, não está em
uma situação cadencial conforme descrito na citação acima, porém a classificação SubII/II
seria uma forma de situar este acorde dentro da tonalidade. O próximo acorde, E7(b13),
analisado como V/VI, tem o modo mixo 9b/13b como escala-acorde. De maneira geral, é
comum que esta escala seja escolhida para dominantes secundários que se direcionam
para acordes menores, que é o que acontece neste caso:
O acorde Am7(9), que é o VI, tem como escala-acorde o modo eólio. O próximo
acorde, E7(9b)/A, apesar de manter o pedal na nota lá, pode ser analisado como V/VI,
sendo que sua escala também é o modo mixo 9b/13b, apesar de diferentemente do acorde
de mesma tipologia citado há pouco, não se resolve no VI. Nesta segunda frase, podemos
observar um salto de 7M entre as notas Mi e Ré Sustenido através de um anacruse. Logo
depois temos um cromatismo entre as notas Ré Sustenido, Ré e Dó Sustenido, ou seja, a
exemplo do que acontece no início da primeira frase, entre a 7M e 6M da escala do acorde
do momento, que é Mi Lídio, porém com uma nota de passagem cromática entre elas, que é
o Ré natural. Entre o final do primeiro compasso deste segmento e o início do segundo
podemos observar novamente um salto, porém de 6M. Na sequência, temos as notas Dó e
Sol#, respectivamente, 6m e 3M do acorde E7(13b). Posteriormente, temos as notas Lá, Dó
e Fá que vão compor uma bordadura, que se direciona para o Sol#, 3M do acorde E7(9b)/A.
e que é bastante próxima em termos de contorno com a que se pode encontrar no final da
primeira frase. Vamos ao terceiro fragmento:
Fragmento 3 de Ária de Opereta
Ian Guest apresenta em seu livro “Arranjo” três funções para o acorde
diminuto: as funções dominante, auxiliar e a cromática. Para alguns deles
eu dei um segundo nome a fim de se especificar melhor sua função. Assim
como o acorde dominante é aplicado como preparação dos demais graus do
campo harmônico, o acorde diminuto pode fazer o mesmo. Neste caso, o de
função dominante, o acorde diminuto sempre acontece ½ tom abaixo do
acorde “alvo” que pode ser antecedido por seu diminuto individual ou ele
pode acontecer após o alvo. Nesses dois casos o diminuto sempre ocorre
nos tempos ou compassos fracos do ritmo harmônico (TINÉ, 2011:30)
O acorde Am/E, é aqui analisado como VI. Na sequência, temos o Am7M/E, cuja
escala-acorde é o dórico7M4, e depois Cadd9/E, analisado como I. Depois temos o acorde
B7(9b/11+), que tem a função de V/III, e no final da parte A temos uma resolução de certa
forma inesperada em um acorde maior no II, que acontece através de uma picardia, ou seja,
quando o grau é atingido com a terça alterada, em sentido oposto ao existente no campo
harmônico, sendo abandonado logo após ter sido atingido. Assim, como se pode observar,
na parte A de Ária de Opereta, apesar da utilização de alguns dominantes secundários e da
sua finalização no acorde maior no segundo grau, de forma geral este trecho
predominantemente está dentro da tonalidade de Dó maior. É interessante observar que
este segmento é bastante diferente dos três anteriores em termos de contorno. No início
deste segmento, temos um salto de 4J, logo depois temos um intervalo de 3M. Observe a
relação com a mudança das cifras: no primeiro círculo, o primeiro movimento termina na
fundamental do acorde, no segundo, o movimento termina na 7M do mesmo. No terceiro
compasso, é importante observar uma quebra do esquema motívico proposto pelas frases
anteriores. Posteriormente, iremos perceber que no final da parte B acontece um movimento
semelhante. Na sequência vamos prosseguir analisando a melodia da parte B:
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Essa opção é considerada aqui por ser o modo com menos notas evitadas disponível.
Do ponto de vista harmônico, esta seção pode ser considerada menos estável
do que a primeira, o que pode certamente ser considerado como um elemento de contraste
entre as partes. Assim, a parte B começa na tonalidade de Si bemol e termina em uma
tonicização no acorde B7M, o que pode viabilizar duas possíveis análises, como veremos
logo mais. O primeiro acorde dessa parte, Bb7M/F, analisado aqui como I do novo tom, Si
bemol, foi atingido sem nenhuma preparação modulatória prévia. Entretanto, é possível
fazer uma analogia com o processo da Picardia, pois o que seria o VII do tom inicial da parte
A, um acorde meio-diminuto, aparece totalmente alterado para um acorde maior com sétima
maior. Porém, não encontramos nessa sequência, os processos de digressão ou modulação
propriamente ditas conforme descrito anteriormente. O que se pode encontrar nesse trecho
é uma sequência quase total de acordes dominantes: logo depois do acorde Bb7M/F, temos
o acorde G7(11+)5, analisado aqui como V/II e logo depois o acorde Eb7M/G, analisado
como IV. Na sequência, temos um acorde D7(b13), considerado aqui como V/VI.
Neste quinto segmento, primeiro da parte B, podemos observar algumas
recorrências: A melodia se inicia na 7M do acorde Bb7M, sendo que podemos perceber a
repetição da nota lá, que funciona neste ponto como uma antecipação, recurso este que
será repetido outras vezes como poderemos perceber adiante. Podemos perceber também
neste trecho um movimento cromático entre as notas Lá, Lá bemol e Sol, sendo que o Lá
bemol pode ser classificado como uma nota de passagem cromática. No acorde Eb7M(6),
onde a nota Ré representa a 7M deste acorde, não temos a repetição da nota como no
começo deste segmento, mas temos novamente o intervalo de 7M na cabeça do compasso,
assim como novamente um movimento cromático, desta vez entre as notas Ré, Ré bemol e
Dó, sendo que o Ré bemol é uma nota de passagem cromática. Vale ressaltar também que
os dois fragmentos da melodia presentes neste segmento são similares, estando apenas
transpostos umas 4J acima um do outro, com exceção da primeira nota. Vamos agora para
a análise do sexto fragmento:
Este fragmento se inicia no Db7(9), que traz algo de certa forma inusitado em
sua estrutura: apesar de ser analisado aqui como SubV/II, sua escala-acorde é mixolídio, e
não mixo 11+ ou alterado, como frequentemente acontece nestes casos. Analisamos esse
acorde como sendo mixolídio devido ao uso na melodia da nota Sol bemol, 4J de Ré bemol.
O próximo acorde, E7(9), pode ser considerado aqui como subV/IV, sendo que o seu modo
é o mixo11+. Na sequência, o acorde Eb7(9), será analisado aqui como subV/-VII, sendo
que a exemplo do que acontece com o acorde anterior, também tem como escala acorde o
modo mixo11+. Consideramos esta possibilidade de análise como a que melhor se encaixa
neste caso em particular, já que efetivamente o acorde Eb7(9) se direciona ao Ab7(9b), que
como veremos a seguir, é o -VII. Entretanto, é importante ressaltar que caberiam para este
caso pelo menos duas análises alternativas, já que o Eb7(9) poderia ser considerado o
IVblues, ou ainda como SubV/III, mas consideramos que são menos adequadas estas
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É importante lembrar que no songbook da Ed. Gryphus, neste ponto, se encontra uma cifragem
diferente para este acorde. Considerando a transposição que fizemos para esta análise, conforme
descrito anteriormente, no referido material neste ponto temos o acorde A+/G. Entretanto, a nossa
percepção nos leva a crer, por mais que isso possa ser algo subjetivo, que a cifragem G7(11+) e a
respectiva análise V/II e escala-acorde mixo11+ é mais adequada.
abordagens pois não condizem com o caminho feito pela harmonia. De qualquer forma,
seria o caso de uma diferenciação mais conceitual do que prática, pois nestas três
possibilidades de análise a escala-acorde seria mixo11+. O próximo acorde, Ab7(9b), se
direciona para o Db7(4/9), e será analisado aqui como V/-III, já que, apesar da 9b presente
na cifragem, tem como escala de acorde o mixo 9b/13b, pois na melodia deste momento é
possível encontrar o Mi bemol, 5J do acorde, o que seria incompatível com a escala
alterada.
Neste segmento, logo no primeiro acorde, Db7(4/9), podemos observar
novamente, a utilização de notas repetidas na melodia funcionando como uma antecipação,
conforme aconteceu no segmento anterior. Pode-se ressaltar também a utilização da 4J e 5J
na melodia, o que caracteriza, conforme descrito anteriormente na análise harmônica, a
configuração do modo mixolídio para este acorde. Com relação à análise melódica, vale
lembrar que este contorno não aparece anteriormente na peça. Já o fragmento existente no
segundo acorde, E7(9), traz o desenho bastante próximo aos dois presentes no fragmento
anterior, apresentando ligeiras diferenças intervalares apenas. É importante ressaltar mais
uma vez a utilização de um cromatismo, representado aqui pelas notas Fá sustenido, Fá e
Mi, sendo que o Fá natural pode ser analisado como uma nota de passagem cromática. No
último fragmento melódico deste segmento, que começa no acorde E7(9) e termina no
acorde Ab7(b9), temos uma nota de passagem não cromática caracterizada pelo Fá e
terminamos com um salto de 6m entre as notas Sol, que é a 3M do acorde Eb7(9) e o Mi
bemol, que é a 5J do acorde Ab7(b9). Vamos agora para a análise do sétimo fragmento:
No Db7(4/9) que dá início a este fragmento, é importante frisar que, assim como
o acorde Db7(9) de alguns compassos atrás, este também tem como escala de acorde o
modo mixolídio, já que a 4J está presente na melodia deste ponto. Na sequência,
encontramos o C7(9/11+), que é V/V e possui como escala de acorde o mixo11+. No
próximo acorde, A7M temos o que, de certa forma, poderia ser interpretado como uma
picardia no VII. Uma eventual modulação para os espaços tonais mais distantes
normalmente é atingida utilizando uma dupla interpretação de um acorde napolitano ou de
um subV, mas estes processos não foram verificados neste trecho. Entretanto, devo
destacar que no acorde A7M acontece apenas uma picardia, não existindo digressão ou a
modulação propriamente dita, o que caracterizariam processos mais complexos envolvendo
cadências para no novo tom através dos procedimentos citados. A meu ver, a partir do
acorde G#7(9b/11+), podemos ter dois caminhos de interpretação, sendo que uma
possibilidade não necessariamente exclui a outra. Em uma primeira perspectiva, o
G#7(9b/11+) é analisado como SubV/VI, sendo que seu modo é a escala alterada. Neste
penúltimo segmento, podemos observar no primeiro acorde novamente a utilização do
recurso da nota repetida, funcionando como uma antecipação, conforme foi evidenciado nos
segmentos anteriores da parte B. Já no final do primeiro compasso temos um movimento
cromático descendente, que se inicia na 4J do acorde Db7, Sol bemol, e vai até a 9M do
próximo acorde, C7(9/11+). Assim, a nota Mi funciona aqui como uma nota de passagem
cromática. No final do segundo compasso, podemos verificar um salto de 6+ entre as notas
Si bemol e Sol sustenido, o qual, sendo enarmonizado em um intervalos de 7m, mostra uma
recorrência, já que este salto está presente na melodia em diversos pontos dos fragmentos
anteriores de forma destacada. No quarto terceiro compasso, é possível verificar um
contorno melódico parecido com o encontrado no primeiro compasso do segmento anterior,
ou seja, mais uma recorrência que acaba trazendo coesão para esta melodia. No quarto
compasso deste segmento, temos um contorno que também pode ser considerado uma
recorrência, pois apesar das diferenças entre os intervalos dos acordes, podemos dizer que
está relacionado com o fragmento evidenciado no último compasso do segmento anterior.
Neste ponto, vale ressaltar também que o material presente na melodia é essencial para
caracterizar a escala de acorde deste G#7(9b/11+) como alterada. Finalmente, vamos ao
último fragmento desta análise:
O acorde G7M/D, é o VI, entretanto aconteceu uma digressão para que este VI
alterado fosse atingido, já que na tonalidade de si bemol maior o VI seria um acorde menor
com sétima a princípio. Na sequência, encontramos novamente o C7(9/11+), que a princípio
seria V/V, possuindo como escala de acorde o mixo11+. Entretanto, deve-se observar que
nesta progressão ele acaba funcionando como um SubV do acorde B7M, portanto o
C7(9/11+) pode então ser analisado como SubV/-II. Assim, o último acorde, B7M, é
analisado como a NAP do tom de Si bemol maior, ou seja, -II. Sobre o acorde napolitano, é
importante observar que:
4. Considerações finais
5. Referências
ASSIERE, Itamar. Entrevista a Ivan Daniel Barasnevicius em 11/04/2018. São Paulo - SP.
Áudio por Skype.
CABRAL, Sérgio. A Música de Guinga. Col. Songbook. Rio de Janeiro, RJ: Editora Gryphus,
2003.
Cheio de Dedos. Carlos Altier de Sousa Lemos Escobar, Guinga. Gravadora Velas, Rio de
Janeiro, 1996.
LIMA, Marisa Rosa Ramires de. Harmonia. Uma abordagem prática. São Paulo, SP:
Embraform Formulários, 2011.
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No caso da primeira opção de análise harmônica descrita para este trecho.