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Trabalho Individual da disciplina Análise II (2020)

IL BANCHETTO
Premiata Forneria Marconi

Prof. Paulo de Tarso Salles


Gustavo Santhiago Costa Pinto
10303921
Forma Geral (partitura de escuta)

PRÓLOGO 0:00 - 2:03


Introdução / Verso / Ponte A / Interlúdio Guitarra / Verso / Ponte B / Interlúdio Flauta

CAPÍTULO 1 2:03 - 4:07


Intro (violão) / Tema (v+synth) / Tema (v+s+baixo+bateria+harpa) /
Tema (v+s’+bx+bt+h+mellotron)

CAPÍTULO 2 4:07 - 5:31


Contraponto Atonal / Melodia (“duo de sopros”)

CAPÍTULO 3 5:31 - 7:12


Gestos Atonais / Melodia / Gestos Atonias / Motivo / Ponte / Padrão Cromático

EPÍLOGO 7:12 - 8:39


Ponte (piano+bx+bt) / Ponte A (trecho) / Interlúdio Guitarra / Verso (pn+voz) /
Verso (+violão) / Verso (+baixo+bateria) / Desfecho

Comentários Iniciais
A peça que estamos tratando aqui é a canção Il Banchetto do grupo italiano Premiata
Forneria Marconi (PFM), lançado em 1972 no álbum Per Un Amico, considerado por
muitos o melhor álbum do grupo e uma das obras primas da musica popular italiana. Mas,
como em muitas bandas do gênero “rock progressivo”, não encontramos muitos elementos
do que ficou conhecido como “rock“: as guitarras distorcidas, baterias agitadas e vocais
expressivos. Aqui temos uma mistura de canção popular, jazz, música atonal,
eletroacústica e outras pitadas da tradição europeia, como dos períodos clássico e
romântico.
No encarte do álbum encontramos uma descrição da narrativa dessa peça: trata-se
de um Rei que convida três amigos para um banquete, esses três são, nessa ordem, o
Poeta, o Assassino e o Papa. Em dado momento eles olham pela janela do palácio e vêem
uma multidão de pessoas paupérrimas e, em meio a risadas, se perguntam porquê essas
pessoas não estão tão alegres quanto eles. Isso resume a letra da canção que parece
apenas nas partes Prólogo e Epílogo. Os três “capítulos” que compõe o “desenvolvimento“
da peça me parecem ser cada um dos convidados, na ordem em que são apresentados: o
Poeta, o Assassino e o Papa.

Antes de olharmos cada uma das partes, é bom entendermos a instrumentação da


banda nessa música:

- Mauro Pagani: flauta, voz - Franz di Cioccio: bateria, voz

- Franco Mussida: violões, guitarra, voz - Giorgio Piazza: baixo, voz

- Flávio Premoli: piano, órgão, minimoog, mellotron, voz

Esta canção, em particular, é fortemente dominada pelos teclados de Premoli,


especialmente o minimoog e o piano.

Prólogo
A primeira parte da peça é uma canção baseada em uma estrutura ternária de Verso-
Ponte-Interlúdio que é repetida uma vez e é delimitada por uma breve Introdução antes
do primeiro Verso:

> Introdução / Verso / Ponte / Interlúdio / Verso / Ponte / Interlúdio . . .

Introdução: o violão de 12 cordas inicia a musica com uma sequência de arpejos:


| C6 | B | Am | B | C-D-Dsus4 | O último acorde é acompanhado de um ataque do baixo e
algum prato da bateria, provavelmente o chimbal.

Verso: entram os vocais. A harmonia é um simples pêndulo entre G e F, e a melodia


se constrói em sol mixolídio. Nesse momento o violão é dobrado é cada um é colocado
para um dos lados da mixagem (direito/esquerdo). O vocal também parece ser dobrado
mas optou-se por manter ambos os takes no centro da mixagem. Isso dá uma força para a
voz se equiparar com os violões.

Ponte A: este é um pequeno trecho que decidi separar como uma ponte por ser
tratado pelos compositores de forma independente do verso, mas é também uma
continuação coesa e muito orgânica do verso. Um órgão Hammond entra sutilmente no
canal direito e um crescendo de vozes constrói a atmosfera para a entrada do resto da
banda na próxima seção.

Interlúdio Guitarra: uma pequena frase de guitarra com timbre muito suave e
encorpado é acompanhada por acordes de piano (canal esquerdo) e agora com a presença
do baixo e bateria completando a formação padrão da banda. A guitarra é dobrada, assim
como o violão, mas o interessante é que a nota final de cada frase é diferente em cada lado.
Assim, ocorre um contraste de união e separação entre os canais muito sutil e
enriquecedor.

Verso: praticamente igual ao primeiro verso mas com a presença dos instrumentos
que chegaram no interlúdio anterior.

Ponte B: aqui é retomada a sequência de acordes da introdução, mas que, ao invés


de levarem para o verso, levam para o interlúdio de flauta, cujos materiais não serão
utilizados novamente na peça.

Interlúdio Flauta: uma sequência simples é a base para a construção dos arpejos da
flauta: ||: C G | Am Bb | C G | Am G :|| Nesse primeiro ciclo, os violões somem e ficam
apenas piano, bateria, baixo e flauta, criando uma espécie de vácuo sonoro que logo é
preenchido pela retomada vigorosa dos violões. O interlúdio termina com o mesmo acorde
que termina a Ponte A, criando a expectativa de que voltaremos para a harmonia do verso.
Mas na verdade a musica parte para outro ambiente.

Capítulo 1: o poeta
Essa seção é muito simples harmônica e melodicamente, mas o arranjo contrapontístico e
timbrístico é muito bem construído. O violão de 12 cordas é o responsável por sustentar a
continuidade da seção anterior para esta. Aqui é repetida uma célula nas notas ré-mi-fa
com baixo pendular entre sol-ré.

Sobre isso entra o protagonista deste “capítulo“, que é o sintetizador minimoog.


Novamente a técnica de mixagem da dobra (overdub) é empregada, colocando cada pista
ligeiramente para um lado da imagem estéreo. Isso funciona muito bem com um
sintetizador, pois é possível manipular de várias formas, sutis ou não, o timbre enquanto é
tocado, enriquecendo os detalhes sonoros da peça. Durante esse trecho todo, Premoli
manipula o filtro do synth, permitindo que os harmônicos agudos soem mais ou menos.

A estrutura é uma simples repetição do tema dessa seção três vezes, sendo que
novos instrumentos vão entrando na seguinte ordem: sobre o violão e synth entram
glissandos de harpa que anunciam o baixo e a bateria. Esta vai crescendo gradualmente ao
longo de todo este capítulo. O sintetizador também vai crescendo, com o seu timbre
tornando-se mais brilhante e um mellotron, com timbre de cordas. Esse crescendo é
subitamente cortado para a entrada do capítulo seguinte.

Capítulo 2: o assassino
Essa é uma das partes mais únicas e inesperadas da música. É uma seção inteiramente
eletrônica, e imagino que tenha sido gravada inteiramente com o minimoog. Vale ressaltar
que esse instrumento é um sintetizador monofônico, ou seja, cada linha teve que ser
gravada independentemente, uma de cada vez. Além dessa instrumentação inusitada, a
passagem toda é predominantemente atonal.
Até os 4:50 temos uma textura bem densa sem métrica definida com diversos
timbres programados no moog. Tenho a impressão que houve uma tentativa de se
produzir timbres que lembrassem os naipes de uma orquestra, como metais, madeiras e
cordas. No entanto, alguns sons soam totalmente novos e não remetem a instrumentos
acústicos. Quanto ao material harmônico, não tratarei aqui pois exigiria uma exaustiva
transcrição já que não consegui localizar nenhuma partitura deste trecho.

A partir de 4:50, uma única voz é mantida, realizando uma melodia aparentemente
tonal, que logo é acompanhada por um contraponto, criando algo semelhante a um dueto
de madeiras (clarinete e fagote?). Sobre essa textura leve e tranquila são atacados longos
acordes maiores que se assemelham a cordas em forte ou metais. O último desses acordes
lentamente cai em fade-out para dar lugar ao piano da seção seguinte.

Uma observação: não é tão incomum que bandas dos anos 1960-70 citassem peças
do repertório erudito, e algumas vezes o faziam sem dar os devidos créditos. Este trecho é
tão incomum e inusitado que cheguei a cogitar a possibilidade de ser uma citação. No
entanto, meu repertório de música atonal/dodecafônica não é amplo o suficiente para que
possa identificar se é ou não. Por outro lado, a qualidade dos músicos da PFM e seu
ecletismo são totalmente apropriados para imaginar que pelo menos um deles tenha
estudado composição contemporânea.

Capítulo 3: o papa
Trata-se de um trecho contínuo de piano solo. Tenho a impressão de que muito aqui é
improvisado, mas parecem haver motivos previamente escritos. O que me leva à hipótese
da improvisação são os curtos intervalos entre cada ideia, como se o pianista estivesse
digerindo o que acabou de tocar e planejando sua próxima ideia. Mas também é
inteiramente possível que o trecho todo tenha sido criado nota por nota. Novamente,
tratar da harmonia aqui está fora do escopo desta análise.

Mas ela apresenta uma micro-forma que se assemelha em alguns aspectos a do


capítulo 2. Dos 5:33 até 5:52, temos uma estrutura sem métrica definida e
predominantemente atonal e gestual. A partir de 5:52, inicia-se um trecho mais melódico e
comportado que logo dá lugar às explosões gestuais novamente que retomam o início do
capítulo. Em seguida, um motivo rítmico no baixo serve como base para uma linha rápida
monofônica no agudo. Isso leva a uma sequência de frases atonais que leva a um padrão
que se repete com uma sequência cromática no baixo, gerando uma espécie de tensão
dramática que será suspendida em 7:12.

Epílogo
Dando continuidade à suspensão criada logo antes, há uma transição com o piano, baixo e
bateria, já sugerindo que voltaremos a uma sonoridade do início da peça. Outra questão
interessante da mixagem aparece aqui quando a suspensão é cortada. O piano do capítulo
3 foi mixado em estéreo, com o timbre bem equilibrado, mas nessa transição o piano
“pula“ drasticamente para o canal esquerdo e agora ele aparece com uma equalização
diferente, que será necessária para acompanhar os demais instrumentos. Geralmente
busca-se uma continuidade nas mixagens e evitam-se quebras muito evidentes como essa,
mas aqui ela parece fazer sentido, pois estamos tratando de “personagens“ e para não
confundir o “piano do Papa” com o “piano do epílogo”, optou-se por essa transformação
brusca no timbre, resultando em uma percepção instantânea da mudança de seção que
ocorreu.

Essa breve transição leva diretamente ao mesmo trecho da ponte que apareceu
duas vezes no prólogo para então voltar com o interlúdio de guitarra. É a primeira vez que
uma seção anterior é retomada, depois de passados 7:26 minutos de música. Esse
interlúdio aparece de forma exatamente igual ao do prólogo com exceção da ausência do
piano. No epílogo o piano para durante esse interlúdio. O epílogo todo está na mesma
tonalidade do prólogo, mas o andamento está ligeiramente mais rápido.

Então, assim como no prólogo, o interlúdio leva ao verso. Mas dessa vez o vocal é
acompanhado apenas do piano e com um arranjo vocal de várias vozes e mais sofisticado.
O piano, no entanto, mantém a mesma harmonia que fora usada antes. A letra é uma
continuação da que aparece no verso.

O verso é repetido três vezes no epílogo: a primeira apenas com piano e vocal. Na
segunda, o violão entra com arpejos e, na terceira, a bateria e o baixo completam a
formação convencional da banda. Diferentemente do prólogo, aqui não há mais pontes
nem interlúdios. A terceira repetição do verso leva ao desfecho da peça, com a repetição
da frase “chissa perche”, e de uma progressão descendente, um tanto cromática, que
finaliza com um acorde de violão mais vocais.

Conclusão
A forma dessa peça não segue uma estrutura convencional de uma canção, mas me remete
à certos recursos do cinema, quando a cena é temporariamente suspensa para explorar
outros aspectos dos personagens. Um exemplo é quando a personagem se lembra de algo e
a cena é suspensa para reproduzir os pensamentos e as lembranças dela. Em Il Banchetto,
interpreto a forma como uma representação do contraste entre aspectos externos e
internos das personagens. No prólogo e epílogo, as personagens são representadas em seu
aspecto externo, social, um encontro entre amigos. Já cada um dos capítulos parecem
explorar os pensamentos ou emoções ou personalidade de cada personagem. Aqui não há
relação nenhuma com os leitmotifs e suas aplicações narrativas. Parece muito mais um
mergulho na psique de cada personagem, e não suas ações, aparições, etc. dentro de um
contexto narrativo.

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