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Análise da textura de um excerto do primeiro andamento da Sinfonia nº5 em Dó menor de


Beethoven

Análise Musical IV

2022/2023

Maria da Graça Oliveira Antunes l52570

Contextualização:

A quinta sinfonia de Beethoven data o ano de 1808, inserindo-se desta forma na


segunda fase da sua vida como compositor, apesar deste ter iniciado a sua composição cerca
de quatro anos antes. Esta é a sua primeira sinfonia escrita numa tonalidade menor e é
considerada uma das mais influentes sinfonias na história da música ocidental, marcando a
transição de Beethoven para uma linguagem musical mais ousada e expressiva. A estreia deu-
se no Theater an der Wien, Áustria, contando com outras peças icónicas do compositor que se
apresentou como maestro principal.

São quatro os andamentos que compõem a quinta sinfonia também apelidada de “A


sinfonia do destino”. O primeiro, Allegro com brio, ostenta desde o primeiro compasso um
grande dramatismo e inquietação. Estas características são principalmente evidentes no
motivo inicialmente apresentado pelas cordas e que nos é reintroduzido ao longo de toda a
peça. Assim, o primeiro andamento pode ser caracterizado como forma sonata já que a ideia
musical central é explorada e repetida ao longo do mesmo. Os restantes três andamentos são:
Andante com moto – Piú mosso, Scherzo Allegro – Trio e Allegro- Presto.

Quanto à instrumentação da sinfonia, o primeiro andamento conta com a secção de


madeiras composta por: duas flautas, dois oboés e dois fagotes. Já nos metais são-nos
apresentadas duas trompas e dois trompetes. Relativamente às cordas temos os primeiros
violinos, segundos, violas, violoncelos e contrabaixos. Estão também presentes os tímpanos,
afinados um em sol e outro em dó, respetivamente.

Na sua época, o público não recebeu esta obra de forma unânime. Como esta explorava
a dualidade de emoções, rompendo com as convenções musicais, a sinfonia era considerada
radical e revolucionária. As texturas, mudanças drásticas de dinâmicas e a complexidade
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harmónica são alguns exemplos que conferem à sinfonia do destino a sua tão marcada
individualidade. Assim, opiniões contrastantes surgiram. Enquanto alguns críticos aclamavam
a originalidade do compositor outros desprezavam-na. Contudo, a popularidade da peça
aumentou com o passar dos anos e atualmente é uma das obras mais populares e icónicas do
repertório sinfónico.

Assim, a quinta sinfonia é símbolo e exemplo da capacidade de transcensão da música


através do tempo e da representação musical das emoções humanas.

Análise:

A primeira secção da peça conta com cinco


compassos, tal como podemos verificar na figura 1. Nesta
estão presentes as cordas: violinos 1 e 2, violas, violoncelos
e contrabaixo e contamos, também, com a intervenção do
naipe dos clarinetes.

O clarinete é um instrumento transpositor que,


neste caso, se encontra em Sib. Para chegar a esta
conclusão devemos comparar a tonalidade original da peça
(dó menor) com a tonalidade em que o respetivo
instrumento está escrito (ré menor). Como podemos
verificar, estas duas tonalidades encontram-se a uma
segunda maior de distância. Um instrumento que se
encontre transposto uma segunda maior de distância da Figura 1- Secção 1

tonalidade original é um instrumento transpositor em sib.

Esta secção é um ótimo exemplo da textura que o início desta sinfonia enverga: o
uníssono orquestral. Apesar de ainda não estarem presentes todos os instrumentos, os que
estão apresentam a mesma série de notas: sol, sol, sol, mi. Tal como nos explica W. Piston no
seu livro Orchestration o uníssono orquestral ocorre “when a texture is composed of but one
element, this is most frequently in the nature of a melodic phrase delivered by anywhere from
one to all the instruments of the orchestra”.
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Relativamente ao aspeto estrutural deste excerto, podemos afirmar que


quantitativamente estamos perante seis vozes. Isto porque o número de vozes quantitativas
diz respeito ao total de componentes sonoras existentes.

Por sua vez, o aspeto qualitativo é referente à relação existente entre os diversos
componentes. Estes agrupamentos são realizados com base no ritmo, direção e intervalos.
Como nos primeiros compassos da quinta sinfonia de Beethoven os instrumentos presentes
tocam a mesma melodia com o mesmo ritmo, encontramo-nos perante uma voz qualitativa.
Isto porque, a secção é inteiramente homorrítmica, homodirecional e homointervalar.
Contudo, é importante notar que para existir uma voz qualitativa não será necessário o
acumular destas três características

A segunda secção dá início com a entrada


do fagote, evidente na figura 2.

Neste excerto podemos verificar que o


motivo inicial de quatro notas ainda se encontra
presente nas vozes do violino 1, violino 2 e viola.

O fagote e o violoncelo funcionam como


uma nota pedal que cunha o grau harmónico em
que nos encontramos. Nos primeiros 5 compassos
ambos instrumentos mantêm a nota dó,
evidenciando a presença do primeiro grau. Algo
semelhante acontece nos quatro compassos
seguintes sobre a harmonia do quinto grau, com a
Figura 2- Secção 2
permanência da nota si nos dois instrumentos.

Tal como podemos verificar através da figura 3, os instrumentos distribuem-se da


seguinte forma pelas respetivas notas: Mib- violino 1; Láb- viola; Sol- violino 2 e Dó- fagote e
violoncelo. Mib: violino 1

Láb: viola
Sol: violino 2

Dó: fagote e violoncelo

Figura 3- Notas secção 2


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Aqui encontramos cinco vozes quantitativas: o fagote, dois violinos, viola e violoncelo.
Relativamente ao aspeto estrutural qualitativo podemos agrupar o fagote e o violoncelo numa
voz, uma vez que tocam em uníssono fazendo deste um
agrupamento homorrítmico, homodirecional e
homointervalar. As restantes cordas (violinos 1, violinos 2
e violas) repetem desfasadamente o motivo inicial e
sobre notas diferentes. Algo importante a notar é que as
imitações reforçam a independência das vozes, pelo que,
qualitativamente não as podemos agrupar. Através do
esquema apresentado na figura 4 facilmente inferimos que as Figura 4- Nº de vozes quantitativas e
qualitativas da secção 2
entradas destas imitações acontecem num intervalo de um
compasso de distância. Assim sendo, estamos neste excerto perante quatro vozes qualitativas.

São estas vozes independentes que conferem a textura contrapontística a este excerto
da obra tal como nos apresenta W. Piston na sua obra Orchestration: “The contrapunctual
texture consists entirely of melodic elements. The melodic lines may be designed in imitative
counterpoint, or they may be quite independent as melodies. The texture may be fugal, or it
may present a combination of melodies thematically significant, perhaps previously heard
singly, and so not new to the ear.”

Sobre este mesmo excerto, podemos ainda expor a sua natureza homofónica.
Segundo W. Berry no seu livro Structural Functions in Music: “Homophonic would literally
denote a condition of interdependent voices, but its traditional connotation is that of texture
in which a primary voice is accompanied by a subordinate fabric sometimes interactive in
tentative ways, the bass normally in a contradirectional or other contrapuntal relation to the
primary voice or voices!”.
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A terceira e quarta secções, apresentadas na


figura 5, contam com a presença de todos os
instrumentos nos seus primeiros quatro compassos
(secção 3) e seguidamente reduz para dez instrumentos
(secção 4).

Neste caso o trompete, instrumento transpositor


vulgarmente em Sib, encontra-se em Dó. Contudo, as
trompas apresentam-se na tonalidade de Mib. Como a
trompa não apresenta armação de clave não devemos
utilizar o método anteriormente empregue em relação
à tonalidade dos clarinetes. Assim, deveremos atentar
no motivo que as trompas realizam e comparar com os
Figura 5- Secção 3 e 4
restantes.

O motivo inicial é reiterado nestes compassos, dando novamente evidência ao


uníssono orquestral.

Este excerto conclui numa meia cadência e a distribuição das notas através dos
instrumentos é a que se pode verificar na figura 6:

Figura 6- Notas secção 3

Representando cada parágrafo uma oitava distinta temos:

Sol- Flauta 1

Oboé 1 + Violino 1

Trompa, Trompete 1, Violino 2, Viola

Clarinete 2, Trompete 2

Tímpanos
6

Ré- Flauta 2

Oboé 2

Si- Clarinete 1 + Fagote + Violoncelo

Contrabaixo

Tanto a secção 3 como a secção 4 são


maioritariamente homorrítmicas,
homointervalares e homodirecionais. Assim,
podemos agrupar qualitativamente todos os
instrumentos que tocam em cada uma das
secções. Já quantitativamente existe apenas
uma mudança entre secções. Na terceira
secção, todos os instrumentos estão presentes
Figura 7- Nº de vozes quantitativas e qualitativas na secção
havendo doze vozes quantitativas. Por sua vez, 3e4
na quarta secção as trompas e os tímpanos não
atuam pelo que estamos perante dez vozes quantitativas, tal como podemos verificar na figura
7.

Bibliografia:

Piston, W. (1969). Orchestration

Berry, W. (1976). Structural Functions in Music

Sadie, S., & In Grove, G. (1980). The New Grove Dictionary of Music and Musicians

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