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DIFERENTES TIPOS DE TEXTURA NOS SÉC.

XX, XXI

ESML
Carlos Marecos
2004-12
 
DIFERENTES TIPOS DE TEXTURA NOS SÉC. XX, XXI

O conceito de textura musical pode ser visto como a modo em que a música é
estruturada verticalmente, conforme a combinação das diferentes linhas, vozes ou
camadas, estão organizadas, e estas se relacionam entre si e com o todo na
partitura.
A distribuição das linhas ou vozes, bem como o estabelecimento de funções para
cada uma delas, formam uma “teia” que, a par dos elementos melódicos, rítmicos,
tímbricos, etc., possibilitam diferentes caracterizações musicais.
Para ajudar a distinguir diferentes texturas pode-se observar as diversas funções
das diferentes linhas no todo, a sua densidade, o registo utilizado, o âmbito do
registo, a distribuição pelo timbre, a dinâmica, a sua vida interior, etc.

Classificação dos diferentes tipos de textura nos séc. XX, XXI

1. Textura predominantemente Contrapontística.


2. Textura do tipo Melodia Acompanhada
3. Efeito Textural.
4. Textura por Camadas / Forma Mosaico
5. Textura por Pontos e Grupos.
6. Técnica de Textura.
7. Técnica de Textura por Camadas de texturas
8. Cantus Firmus / Baixo Fixo / Linha fixa

Esta classificação das diferentes texturas é obviamente subjectiva, pois poder-se-á


optar por diferentes divisões ou criar ainda mais subdivisões. Optei por esta
classificação porque penso que assim se consegue chamar a atenção para
determinadas texturas que ajudam a clarificar alguns dos principais aspectos da
música do séc. XX/XXI.

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1. Textura predominantemente Contrapontística.

Elementos definidores:
- Textura com diversas linhas de igual importância hierárquica;
- Forte predominância da horizontalidade;
- O controlo da verticalidade, não sendo deixado ao acaso, fica no entanto, para
segundo plano;
- Propícia por exemplo, também para a música dodecafónica onde tudo é estrutural.

São típicas estruturas contrapontísticas livres, sobretudo em Alban Berg, e


estruturas como cânones de alturas por inversão, rítmicos, tímbricos, dinâmicos e
até do modo de articulação sobretudo em Anton Webern.

Exemplos:

• Suite Lírica [1925-26], de Alban Berg (1885-1935) [exemplo 1]

• Sinfonia Op. 21 [1928], de Webern (1883-1945)

I andamento [exemplo 2]
No I andamento temos uma estrutura contrapontística, um duplo cânon por
inversão, onde foi aplicado o conceito de melodia de timbres, embora seja
discutível se o contraponto estruturante é realmente percecionado como tal.

I variação [exemplo 3]
Na 1ª variação temos uma estrutura contrapontística com um duplo cânon nas
cordas, sendo este último exemplo ainda mais claro em termos de clareza
contrapontística.

Assim, pode-se estabelecer um paralelo com o passado através da polifonia


renascentista, porque em termos de textura a função das vozes era aí extremamente
clara.

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2. Textura do tipo Melodia Acompanhada

Textura onde existe uma voz ou linha hierarquicamente mais importante que as
outras - a voz principal com uma função melódica.
As restantes vozes ou linhas têm uma função de acompanhamento.

Indicações de H e N, típicas de compositores da 2ª escola de Viena como


Schoenberg e Berg, ajudam precisamente a clarificar essa função.

(voz principal), (voz secundária),

Exemplos:

• Quarteto de Cordas nº 4, Op. 37, [1936] de Schoenberg [exemplo 4]

Quatro instrumentos com funções hierárquicas claramente diferentes. É uma


obra dodecafónica onde a série começa por ser exposta horizontalmente,
num único instrumento que assume uma função melódica, como a voz
principal, a função mais importante
Schoenberg coloca a indicação de H (voz principal), clarificando a função
desse instrumento.
Muito evidente a maneira como os outros três instrumentos articulam acordes
homofonicamente, assumindo claramente a função de acompanhamento.

Não é irrelevante para a clarificação deste tipo de textura o uso de figuração


característica e de um ritmo claramente tonal onde a música se organiza em função
da barra de compasso, contemplando sem dúvida as funções de anacruse, acento e
de ricochete, características da música tonal.

Estas texturas na música do séc. XX estão nalguns casos associadas a uma música
de cariz neoclássico, principalmente devido ao ritmo. Pode-se também por isso

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estabelecer um claríssimo paralelo com o passado através de qualquer quarteto de
Haydn ou Mozart.

• Sinfonia Op. 21 - II and., Tema [1928], de Webern [exemplo 5]

Não sendo esta textura muito característica de Webern, mas mais de Berg e
Schoenberg, logo na apresentação do tema temos claramente uma melodia
acompanhada onde uma versão da série é apresentada no clarinete e a outra
versão está apresentada pela harpa e pelos diversos instrumentos de sopro.
Neste caso Webern poderia mesmo ter colocado no clarinete a indicação de
H; apesar de a textura revelar uma melodia acompanhada a sua perceção é
subtil, também devido a um ritmo atonal.

• Quarteto para o Fim dos Tempos [1940] de Olivier Messiaen (1908-1992)


V. Louange à l’Éternirté de Jésus [exemplo 6]

Música escrita no 2º modo de transposição limitada de Messiaen e que


claramente apresenta uma melodia acompanhada. Os acordes repetidos do
piano, com um desenho claro de acompanhamento não deixam dúvidas sobre
o tipo de textura. Este exemplo é muito importante em comparação com o de
Schoenberg, porque neste caso não existe um ritmo tonal com um compasso
regular, nem uma figuração rítmica do tipo neoclássica.

Também as formas barrocas com textura do tipo 2+1 podem servir de comparação,
pois aparece muitas vezes na música neoclássica mais do que uma melodia
principal, ou então uma melodia principal e outra secundária, em contraponto e em
oposição a um acompanhamento realizado por diversos instrumentos.

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3. Efeito Textural

Pode-se dizer que temos um efeito textural numa música onde nenhuma das vozes
adquire uma preponderância sobre as outras, a textura tende a valer pelo todo onde
nenhuma linha se destaca claramente.
Apesar das funções de cada linha serem de igual importância, por isso equivalentes,
o resultado acaba por não ser uma música contrapontística.

Exemplos:

• Quarteto de cordas, Op. 5 - I and., [1909], de Webern [exemplo 7]

Obra correspondente ainda a um período pantonal inicial, onde as diversas


linhas, apesar de independentes não chegam a definir uma música
contarpontística.

• Quarteto Op. 28 – I and., [1937-38], de Webern [exemplo 8]

Quarteto já dodecafónico num estilo atonal.

Estas duas obras, com um tipo de escrita muito diferente, são um bom
exemplo deste tipo de textura na sua música de Webern; a primeira com
figuração mais curta e andamentos mais rápidos e a segunda com uma
figuração muito simples; no entanto em ambas o resultado é um efeito
textural.
Em Webern o efeito do seu contraponto acaba por resultar numa música onde
a textura se sente como um todo, existindo muitas vezes mais um efeito
textural do que contrapontístico.

• Sinfonia Op. 21, II and., VI e VII variações [1928], de Webern [exemplo 9]

Existem também algumas variações com o mesmo tipo de textura, como por
exemplo, nas variações III, IV, VI e VII. É curioso notar que estas variações
são por princípio contrapontísticas, pois são todas estruturalmente cânones,
no entanto o resultado é textural.

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• Quartetos de Cordas [1908-34], de Bela Bartók (1881-1945) [exemplo 10]

Dum modo geral existe também um efeito textural, onde se sente a textura
como um único composto. Os 4 instrumentos têm igual importância na textura
onde existe uma figuração característica de que contribuem em conjunto para
o todo.

4. Textura por Camadas, justaposição e sobreposição de Blocos -


A Forma Mosaico

Nesta categoria a textura é estratificada, ou seja, é constituída pela sobreposição de


diferentes camadas; esta textura é típica da música escrita por blocos, onde cada
bloco é constituído por diversas camadas sobrepostas de tipo diferente, existindo
ainda a justaposição e sobreposição dos diversos blocos constituindo a Forma
Mosaico.

As diferentes camadas que integram cada bloco não são necessariamente camadas
melódicas. Qualquer tipo de camada, predominantemente vertical ou horizontal,
pode ser estruturante.

Os vários planos misturados não perdem regra geral, as suas características


individuais, essencialmente por causa do ritmo ou desenho utilizados (por exemplo
um harpejo). Os diversos planos têm também, quase sempre trajectórias diferentes
e independentes. Existe a sensação de pequenas estruturas, de pequenas células
muito reconhecíveis, misturadas ou não, que depois são deslocadas no tempo ou
sobrepostas de maneira diferente.
O contraste entre blocos e a sua progressiva justaposição e sobreposição tendem a
ser a principal técnica de desenvolvimento de material musical.

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Em determinados momentos cada camada pode adquirir uma maior importância do
que as outras, no entanto procura-se um resultado que se sinta a textura como um
todo.
Podem-se ainda criar por vezes texturas por sobreposição de camadas, onde por
grande acumulação de material musical, os diferentes elementos percam ou não a
sua identidade própria, e criem uma textura única.

Exemplos:

• Sagração da Primavera [1911-13] de Igor Stravinsky (1882-1971).

Movimento inicial [exemplo 11]

e “Dança das Adolescentes”.

No início da obra existe uma sobreposição de diferentes camadas


predominantemente melódicas, de origem modal, cromática e pentatónica,
apresentada numa sucessão de diferentes blocos.

Dança das Adolescentes [exemplo 12]

Na dança das adolescentes as camadas existentes num primeiro bloco, são


constituídas com a sobreposição de acordes de tonalidades diferentes,
MibM7ª e FábM, articulados com um ritmo igual num interessante jogo de
acentos.
No segundo bloco vezes apresentam-se três camadas em diferentes
desenhos harpejados por 3 instrumentos diferentes; à colcheia o corne-inglês
num harpejo em MibM7ª, à semicolcheia o fagote num harpejo descendente
em DóM e descendente em Mim, e o violoncelo à colcheia com um harpejo
ascendente em MiM e descendente em DóM. Assim 3 instrumentos na textura
mas em termos dos acordes apresentados temos mesmo 4 camadas:
MibM7ª, DóM, Mim e MiM.

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Na continuação aparecem também camadas melódicas cromáticas,
diatónicas, acordes por 5ªs, etc., em justaposição e sobreposição com os
blocos anteriores.

• Sinfonia dos Salmos [1930], de Stravinsky [exemplo 13]

A obra inicia-se numa forma mosaico, com a alternância entre dois blocos; um
primeiro constituído por um acorde de mi menor e um segundo bloco
constituído por um conjunto de harpejos em diferentes camadas harmónicas,
justapondo o acorde de sib 7ª dominante no estado fundamental com sol 7ª
dominante na primeira inversão.

• Tragoedia [1965], de Harrison Birtwistle (1934)

Prologue [exemplo 14]


No andamento inicial temos uma pequena introdução onde os instrumentos
apenas apresentam diferentes pulsações regulares de regularidades
diferentes a funcionar em conjunto; temos assim 3 camadas de regularidades
diferentes apesar de os instrumentos terem uma função igual - a de marcar
uma pulsação regular.
A flauta de 7 em 7 colcheias; o vc de 6 em 6 colcheias (3 de som + 3 de
pausa) e a trompa e a harpa como um par instrumental de 5 em 5 colcheias (4
trompa + 1 harpa).
A partir daí temos agora outra sobreposição de diferentes camadas:
- a trompa e o violoncelo mantêm uma pulsação regular.
- a harpa apresenta-se com uma função de maior destaque, com uma
função de algum modo intermédia, entre uma função melódica, apesar
das duas linhas, com intervalos muito abertos, com grande obliquidade.
No final volta a aparecer a camada da pulsação regular da flauta, agora mais
rápida, de 3 em 3 colcheias, retomando a instrumentação inicial, sobrepondo
esta camada rítmica às que já se vinham desenvolvendo.

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Stasimon [exemplo 15]
Em Stasimon a música aparece novamente organizada por diferentes
camadas; umas melódicas e outras que apresentam diversas pulsações
regulares.

Os instrumentos estão organizados com diferentes funções na textura: alguns


com função melódica, outros com uma função exclusivamente rítmica e outros
uma função intermédia.
Aqui poder-se-ia pensar que as camadas melódicas teriam maior importância
do que as rítmicas, mas não o têm de facto pois a música vive muito da
exploração da polirritmia criada pelas diferentes regularidades.
Existe na instrumentação a ideia de um contínuo ao nível do timbre e do
modo de execução dos instrumentos, numa progressão desde os
instrumentos de carácter mais melódico até aos instrumentos de percussão
sem altura definida, constituindo assim diferentes camadas na textura.
Mesmo com esta ideia de contínuo as funções apresentadas desde o
princípio do andamento não se alteram.
A flauta e o primeiro violino têm a principal função melódica, sendo a harpa
um dos instrumentos centrais que funciona mesmo como uma ligação entre
os outros dois instrumentos que tocam alternadamente em
complementaridade.
O clarinete e o segundo violino tocam apenas (quase sempre) três notas
cada, o clarinete com dó, si e sol e o segundo violino com mib, fá# e lá#,
reduzindo assim o papel melódico que a flauta e o primeiro violino tinham.
O fagote toca sempre láb, a viola toca sempre lá e sol “subido”, precisamente
as notas que faltam à harpa para completar o total cromático, estando ambos
a realizar pulsações, quase sempre regulares de dimensão diferente.
A trompa, embora forme ao nível rítmico um par com a viola, já não toca um
som definido, pois usa uma clave e também tem uma pulsação regular ao
mesmo tempo que a viola.
O violoncelo e o oboé formam o último par de instrumentos que apenas
executam sons de altura indefinida, pois o violoncelo toca sempre para além
do cavalete e o oboé toca sempre com uma clave. Também executam
pulsações que neste caso, resultam como diferentes ritardandos por escrito.

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5. Textura por Pontos e Grupos

A textura por pontos e grupos serve um pensamento musical onde cada nota, o
ponto, tem a mesma importância que todas as outras. Pode ser vista como o ponto
alto do pensamento serial, onde se alargam as séries de notas a séries de objectos
musicais constituídos por pontos e por grupos sendo, neste caso, esses objectos
que são serializados.
Este tipo de música pode resultar numa textura pontilhista no caso de serem usados
apenas os pontos. Alargando o mesmo tipo de pensamento a grupos e pontos, pode
resultar num tipo de textura com uma maior possibilidade do controlo vertical,
através da constituição dos grupos com um determinado critério intervalar.

Exemplos:

• Structures Ia [1952] de Pierre Boulez (1925) [exemplo 16]


Apesar desta obra possuir uma organização linear com diferentes versões de
uma série sobrepostas, os saltos muitíssimo amplos no registo e a constante
quebra das linhas estruturantes, a par das consequências do serialismo
integral, a quase ausência de hierarquias em todos os parâmetros, causa uma
dispersão sonora na escuta, onde o resultado é uma textura por pontos.

• Kontra-Punkte [1952-53], de Karlheinz Stockhausen (1928) [exemplo 17]


Stockhausen escreve em 1952 uma obra intitulada Punkte, que como o
próprio título indica, chama a atenção para o tipo de textura mais emblemática
do serialismo integral, o pontilhismo. No mesmo ano o compositor trabalha
também um tipo de alternativa e alargamento ao conceito da textura por
pontos, introduzindo o conceito de grupos, onde os sons individuais têm já
dentro de cada grupo uma importância secundária em relação ao todo e onde
os pontos e grupos se opõem em contraponto a si mesmo e uns aos outros.

• Gruppen [1955-57], de K. Stockhausen [exemplo 18]


Obra para três orquestras, que ficou mais conhecida pela sua exploração do
espaço e pela serialização de diferentes andamentos, é no entanto, a sua
obra mais ambiciosa na sua composição por grupos.

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• Eclat [1965], de Pierre Boulez [exemplo 19]
Obra baseada numa série de 5 grupos de sons e não de 12 sons. São 5
agregados constituídos por diversas densidades de notas, desde 1 a 5 sons,
totalizando os 12. Neste tipo de organização acaba por existir um maior
controlo vertical, pela organização prévia dos referidos grupos. Os
procedimentos acabam por caracterizar mesmo a textura da obra, e
possibilitar o desenvolvimento da técnica de multiplicação de acordes.

• Magyar Etüdök [1983] - I Spiegelkanon, de György Ligeti (1923-2006)


[exemplo 20]
Interessante estrutura contrapontística, pois estamos perante um cânon, mas
que resulta numa textura pontilhista, pelo menos no início da peça, que se vai
tornando progressivamente numa técnica de textura muito próxima do tipo de
textura seguinte.

Estas obras servem como exemplos para descrever este tipo de procedimento, se
bem que a sua influência no resultado da textura é desigual de obra para obra.

6. Técnica de Textura

A técnica de textura é uma denominação que se aplica a um tipo de música, em


geral com características heterofónicas, onde o resultado individual de cada linha é
imperceptível, devido sobretudo à sobreposição excessiva das diversas linhas.
O que de facto se passa não é apenas um simples efeito textural; o que acontece é
que com as diversas sobreposições o resultado individual torna-se imperceptível ou
menos relevante e, o que tende a ouvir-se é mesmo a textura no seu todo.

Assim, neste tipo de textura os parâmetros musicais convencionais não são os mais
importantes. Não há ritmo, melodia e harmonia no sentido convencional do termo;
neste caso esses elementos são interiores à textura e subjugados a ela e às suas
sobreposições onde o resultado se torna uma massa homogénea.

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O desenvolvimento deste tipo de música é conseguido com as progressivas
alterações, graduais ou abruptas, das diferentes qualidades que a textura pode
sofrer.

O que mais conta para a textura é a sua mobilidade ou imobilidade, as suas


metamorfoses lentas, a gesticulação ou não de acontecimentos no seu interior, a
densidade de diferentes massas, as suas possíveis misturas, a dinâmica, a
exploração do registo e o seu âmbito, o timbre, ou o tipo de efeito heterofónico mais
ou menos evidente. É dum modo geral uma música contínua sem forma definida
convencionalmente – o contínuo sonoro.
A construção da textura é muitas vezes criada à custa de complexos cânones onda
a individualidade das linhas aparece ao serviço do todo - a micropolifonia.

Neste tipo de música ganha também especial importância o conceito de focagem e


desfocagem de um certo elemento, num determinado momento de transformação da
textura.
O objecto focado pode ser um uníssono em diversos instrumentos, várias oitavas, ou
mesmo um determinado agregado, que depois progressivamente pode ser
desfocado com material cromático ou outro num processo de incremento sucessivo.

Como objecto de focagem e desfocagem podemos ter também o ritmo ou uma


pulsação num jogo de regularidade versus irregularidade de ataques encontrados e
desencontrados.

A técnica de textura também pode ser heterofónica quando existe a sobreposição


diversas linhas, dependentes uma das outras do ponto de vista melódico (ou seja,
com os mesmos sons), mas independentes do ponto de vista rítmico (com diferentes
ritmos).

Exemplos:

• Lux Aeterna [1966], de György Ligeti (1923-2006) [exemplo 21]

Nesta obra a técnica de textura é trabalhada de forma muito clara sendo


particularmente representativa da estética do contínuo sonoro onde existe

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uma evolução lenta e continuada da textura, sem retorno; a barra de
compasso não tem qualquer significado, não tem qualquer função, o tempo
musical é um tempo liso, o que dá uma sensação de mobilidade na
imobilidade. As vozes extremas movimentam-se por pequenos intervalos de
graus conjuntos enquanto as vozes interiores modificam-se insensivelmente.
Existem três pontos de articulação formal que balizam as três fases da obra,
que são pontos de focagem relacionados com o texto, onde aparecem de
forma homofónica uníssonos, oitavas, e agregados de 2 e 3 sons de relação
diatónica (3ª menor e 2ª maior).
Neste caso, para a construção da textura foi utilizada a técnica do cânon.

• Concerto para Violoncelo e Orquestra [1966], de G. Ligeti [exemplo 22]

Tendo por base uma técnica de textura, no I andamento temos logo de início
focado um uníssono em mi, em diversos instrumentos, e outro momento
focado em sib, em diversas oitavas. Entre estes pontos e a nota final num
sol grave, existe o referido efeito de desfocagem com a aplicação
heterofónica de diversas linhas que inicialmente partem todas do mesmo mi, e
progressivamente vão introduzindo e sobrepondo com esse som um número
crescente de cromatismo.
De referir a clara exploração no registo neste andamento como forma de
caracterizar esta textura, pois o andamento começa no registo médio,
atinge depois o extremo de registo sobrepondo um som muito agudo e outro
muito grave que aparecem só isolados perto do final e depois acaba com o
som muito grave isoladamente.

• Quarteto de Cordas nº 2 - 3º and. [1968], de G. Ligeti [exemplo 23]

No 1º e 2º andamentos deste quarteto de cordas acontecem também o


mesmo tipo de procedimentos dos exemplos anteriores, se bem que
conseguidos obviamente com menos instrumentos.

No 3º andamento o factor de focagem e desfocagem na textura é o ritmo e a


pulsação. É um andamento quase todo realizado em pizz. que começa com
um ritmo igual em todos os instrumentos que progressivamente se vão
desencontrando, como que num acelerando por escrito. Depois de um

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momento de ruptura passa-se a sentir melhor a pulsação e as diferentes
subdivisões a que é sujeita, que entretanto se volta a perder. Um acelerando
por escrito acompanhado de um diminuendo conduz a textura de um
desencontro a um ritmo igual muito rápido em todos os instrumentos.

As obras de György Ligeti, sobretudo as escritas nos anos 60, são o melhor exemplo
para ajudar a perceber este tipo de técnica de textura, mas muitos outros
compositores usaram este tipo de textura.

• De natura sonoris [1971], de Krzysztof Penderecki (1933) [exemplo 24]

Penderecki é outro compositor que utiliza a técnica de textura, nos anos 60-
70. Nesta obra existem inúmeras secções escritas com a técnica de textura,
mas neste caso com uma notação livre, com durações sugeridas.
Numa música onde o universo cromático está sistematicamente presente é
pois no controlo das diferentes qualidades que a textura pode adquirir que se
joga todo o discurso musical.

• Quarteto de Cordas [1964], de Witold Lutosławski (1913-1994)


1º andamento [exemplo 25]
2º andamento [exemplo 26]

O quarteto apresenta à partida um efeito textural, mas mais do que em


Webern ou em Bartók, esse efeito aproxima-se, no seu resultado (apesar de
ter apenas 4 instrumentos), de uma técnica de textura heterofónica.
As células de cada instrumento são muito reconhecíveis, sem no entanto
existir uma figuração do tipo “neo”. No quarteto cada instrumento possui muita
individualidade, tendo os 4 instrumentos uma função de igual importância,
mas que contribuem para um todo muito sólido e consistente que é no fundo
uma textura complexa. De notar que a técnica de textura neste caso é muitas
vezes construída através da escrita em contraponto aleatório, técnica que
consegue um extraordinário efeito com uma relativa simplicidade ao nível da
execução instrumental.

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7. Técnica de Textura por Camadas de texturas

A textura por camadas de texturas foi incluída como uma categoria independente do
tipo de técnica exposta no número anterior, para melhor poder chamar à atenção
para a existência de um procedimento verdadeiramente diferente que parte da
técnica de textura, mas que apresenta pressupostos e resultados diferentes.
Este tipo de textura é constituído pela sobre posição de camadas de tipo diferente
onde cada camada, já constitui por si uma textura heterofónica construída por
relativamente poucos instrumentos. Cada uma dessas diferentes texturas é
normalmente constituída por instrumentos do mesmo tipo, são pois unidas pelo
timbre, que se sobrepõem com outras texturas de tipo e de timbre diferentes.

As referidas texturas, constituídas como camadas independentes, são destinadas a


sobreporem-se e justaporem-se entre si, formando um todo ainda mais complexo. O
paralelo com a forma mosaico é evidente, só que aí cada camada era apenas
constituída por uma melodia ou um acorde e, neste caso, cada camada aparece
escrita de modo a funcionar só por si, já como uma textura heterofónica.

Exemplos:

• 3ª Sinfonia [1981-83], de Witold Lutosławski (1913-1994) [exemplo 27]

Esta obra, logo após o gesto inicial de uníssono orquestral, inicia apenas com
3 flautas aquilo que se pode ver como uma camada onde as flautas (1 picc. +
2fl.) tocam os mesmos sons com ritmos diferentes, neste caso em
contraponto aleatório, e que só por si já constituem uma textura heterofónica.
Com outros sons e outro tipo de ritmo sobrepõe com a camada textural das
flautas, 3 oboés que também constituem só por si outra camada textural.
Sobrepõe ainda outra camada, com outros sons agora em 4 trompas, com o
mesmo tipo de procedimento.
Continua com o mesmo tipo de procedimento justapondo de seguida (as
camadas texturais anteriores param) agora com uma textura constituída por 3
clarinetes e 3 fagotes, formando um par com a textura constituída pela harpa
e pelo piano; neste caso o desenho textural é único mas constituído por dois

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tipos de instrumentos as madeiras (cl.’s e fg.’s) e a harpa com piano
(instrumentos de percussão/ressonância).
Depois aparece um novo uníssono orquestral, que aparece como que um
ponto de articulação formal a delimitar diferentes secções daquilo que
também se pode chamar de uma forma mosaico, marcando o início do
aparecimento de novos acontecimentos musicais. Neste caso aparece outra
camada com um timbre diferente, pois aparecem as cordas com 12 vni.I e 9
vni.II a constituírem outra camada textural que se apresenta primeiro,
desenvolve depois, se justapõe com outros blocos de camadas texturais
constituídas ora pelas madeiras e harpa, ora outros sopros, justapondo e
sobrepondo diferentes combinações.

Deste modo temos uma técnica de textura constituída através da sobreposição de


diferentes camadas de texturas, a funcionar como uma forma mosaico.

• Concerto para Violoncelo e Orquestra [1969-70], de W. Lutosławski


[exemplo 28]

Depois de um enorme solo introdutório do violoncelo, aparece em confronto


como o solista um grupo instrumental muito preciso de 3 trompetes. De certa
forma é esperado, num concerto para solista e orquestra, que se estabeleça o
confronto ou o diálogo entre grupos instrumentais da orquestra e o solista.
Mas, neste caso, os trompetes constituem, só por si, imediatamente uma
pequena textura no seu efeito, funcionando com uma camada unida
timbricamente que se mistura, mais à frente, com o violoncelo solo e com
outras camadas também elas texturais, como no caso da camada constituída
pelos clarinetes, na camada constituída pelas cordas (também ela outra
textura diferente) e, a outra constituída pelas percussões.
Neste caso, ao contrário da maioria da música com técnicas de textura, existe
uma camada mais importante do que as outras que é entregue ao solista, o
violoncelo. As outras camadas texturais tendo uma importância diferente em
termos hierárquicos não são, no entanto, um mero acompanhamento;
parecem funcionar como tal, mas no fundo são essas camadas texturais que
estão na origem desta música e da sua estética.

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É interessante também verificar que o critério do compositor, em ambas as
peças, para a construção de cada textura a funcionar como camada é o
timbre, pois além das texturas já referidas atrás podemos encontrar ainda
mais resumindo assim as diferentes texturas, constituídas pelos seguintes
instrumentos:
- Metais (variando a sua instrumentação por diversas trompas
trombones e trompetes isoladamente ou em conjunto);
- Clarinetes com cordas;
- Cordas (violino I e II, violas e violoncelos; por vezes também com
contrabaixos);
- Madeiras (flauta, oboé, clarinete e fagote);
- Piano, harpa e celesta;
- Contrabaixos;
- Tutti’s de sopros e cordas.

É pois com base na sobreposição e justaposição de diferentes texturas, que se joga


todo o tipo de desenvolvimento desta música, muitas vezes realizada em
contraponto aleatório.

Neste tipo de textura é complicado obter um paralelo com o passado, no entanto, é


possível obter um paralelo com o passado recente, com a música por blocos e
camadas de Stravinsky, onde as camadas em questão não eram propriamente
texturas heterofónicas, mas cujo princípio apresenta de facto algumas semelhanças.

• Five Songs [1957], de W. Lutosławski

1ª Canção [exemplo 29]

2ª Canção [exemplo 30]

Nesta obra, para voz e 30 instrumentos solistas, aparece este conceito de


textura por camada de texturas de uma forma muito interessante, pois neste
caso a linha vocal é obviamente (não só por ser a solista mas por conter o texto)
a linha hierárquica mais importante.
Assim, os restantes instrumentos acabam por constituir diferentes camadas
hierarquicamente de menor importância. Mas o que é interessante (sobretudo na

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primeira canção) é que o resultado não é o de uma melodia acompanhada, mas
sim o de uma técnica de textura, onde todos os instrumentos funcionam dentro
do mesmo campo harmónico, sendo possível distinguir as diferentes camadas
que constituem essa textura e definir diferentes funções para cada uma delas,
apenas através do timbre e do diferente tipo de desenho que apresentam.
Temos pois, basicamente 3 camadas diferentes: - a voz, as cordas e as 2
harpas com piano.
As cordas constituem a camada que se apresenta como uma textura
heterofónica mais evidente, apresentando cada instrumento de corda, as
mesmas notas com ritmos diferentes e em expansão de um agregado estrutural.
As harpas e o piano unidos por uma figuração à tercina, apresentam de maneira
diferente o mesmo campo harmónico em expansão nas cordas.
A voz com uma figuração de valores mais longos, expõe também os mesmos
sons do mesmo campo harmónico dos restantes instrumentos.

8. Cantus Firmus / Baixo Fixo / Linha fixa

Esta categoria pode ser vista como uma música que é construída a partir de uma
linha de base, resultando uma textura constituída por diferentes camadas com
funções e hierarquias claramente diferentes.

A linha de base poderá ser a partir de um baixo ostinato (como uma passacaglia ou
uma chaconne), uma estrutura isorritmia (com um talea e color), ou a partir de um
cantus firmus.

Exemplos:

• Quarteto para o Fim dos Tempos [1940] de Olivier Messiaen (1908-1992),

I andamento [exemplo 31]

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Existe no piano um talea (figuração rítmica) e um color (neste caso um
conjunto de acordes). No violoncelo existe também um talea e color com
poucos elementos cada, que quase se assemelha a um ostinato.
As outras vozes têm uma função melódica e ornamental (cantos de
pássaros).
Pode-se estabelecer de imediato um paralelo com o passado, com a música
da Idade Média de G. Machaut e P. Vitry, e com o uso da isorritmia com o
recurso aos talea e color.

VI andamento [exemplo 32]


Neste caso todo o andamento é apenas uma linha com forte vigor e pendor
rítmico, dobrada à 8ª como num uníssono orquestral, constituindo um timbre
composto.

Outro paralelo que se pode estabelecer é com a música barroca escrita a


partir de baixos ostinato como a ária de Purcell em Dido e Eneias construída a
partir de um baixo cromático que se constitui como uma chaconne.

• Sinfonia Turangalîla, IX andamento, [1946-48] de O. Messiaen (1908-1992)


[exemplo 33]
Mais um exemplo na música de Messiaen onde uma rica textura orquestral se
desenvolve em torno de uma melodia fixa que repete ao longo do andamento.

• Points on the curve to find [1974], de Luciano Berio (1925-2003)


[exemplo 34]

Em Points, Berio tem também uma linha de base, que é uma série
dodecafónica, que repete constantemente a sua versão inicial, mas que no
entanto não está no grave; pode estar no topo da textura, no grave, bem
como ao centro. A restante instrumentação funciona como uma requintada
paleta tímbrica que procura colorir a linha de formas diferentes.

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Bibliografia

BERRY, Wallace, Structural Functions in Music. New York: Dover Editions, 1987.

BOCHMANN, Christopher, A Linguagem Harmónica do Tonalismo, 1ª Edição,


Lisboa: Juventude Musical Portuguesa, 2003.

MURAIL, Tristan, Modèles & Artifices, textes réunis par Pierre Michel, Presses Universitaires
de Strasbourg, 2004.

TOOP, Richard, “L’illusion de la surface”, Contrechamps, nos 12-13, pp. 61-97, Editions
L’Age D’Homme, Paris, 1990.

WISHART, Trevor, Audible Design, Orpheus the Pantomine Ltd: 1994.

WISHART, Trevor, On Sonic Art, Routledge, New York, 1996.

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