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XX, XXI
ESML
Carlos Marecos
2004-12
DIFERENTES TIPOS DE TEXTURA NOS SÉC. XX, XXI
O conceito de textura musical pode ser visto como a modo em que a música é
estruturada verticalmente, conforme a combinação das diferentes linhas, vozes ou
camadas, estão organizadas, e estas se relacionam entre si e com o todo na
partitura.
A distribuição das linhas ou vozes, bem como o estabelecimento de funções para
cada uma delas, formam uma “teia” que, a par dos elementos melódicos, rítmicos,
tímbricos, etc., possibilitam diferentes caracterizações musicais.
Para ajudar a distinguir diferentes texturas pode-se observar as diversas funções
das diferentes linhas no todo, a sua densidade, o registo utilizado, o âmbito do
registo, a distribuição pelo timbre, a dinâmica, a sua vida interior, etc.
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1. Textura predominantemente Contrapontística.
Elementos definidores:
- Textura com diversas linhas de igual importância hierárquica;
- Forte predominância da horizontalidade;
- O controlo da verticalidade, não sendo deixado ao acaso, fica no entanto, para
segundo plano;
- Propícia por exemplo, também para a música dodecafónica onde tudo é estrutural.
Exemplos:
I andamento [exemplo 2]
No I andamento temos uma estrutura contrapontística, um duplo cânon por
inversão, onde foi aplicado o conceito de melodia de timbres, embora seja
discutível se o contraponto estruturante é realmente percecionado como tal.
I variação [exemplo 3]
Na 1ª variação temos uma estrutura contrapontística com um duplo cânon nas
cordas, sendo este último exemplo ainda mais claro em termos de clareza
contrapontística.
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2. Textura do tipo Melodia Acompanhada
Textura onde existe uma voz ou linha hierarquicamente mais importante que as
outras - a voz principal com uma função melódica.
As restantes vozes ou linhas têm uma função de acompanhamento.
Exemplos:
Estas texturas na música do séc. XX estão nalguns casos associadas a uma música
de cariz neoclássico, principalmente devido ao ritmo. Pode-se também por isso
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estabelecer um claríssimo paralelo com o passado através de qualquer quarteto de
Haydn ou Mozart.
Não sendo esta textura muito característica de Webern, mas mais de Berg e
Schoenberg, logo na apresentação do tema temos claramente uma melodia
acompanhada onde uma versão da série é apresentada no clarinete e a outra
versão está apresentada pela harpa e pelos diversos instrumentos de sopro.
Neste caso Webern poderia mesmo ter colocado no clarinete a indicação de
H; apesar de a textura revelar uma melodia acompanhada a sua perceção é
subtil, também devido a um ritmo atonal.
Também as formas barrocas com textura do tipo 2+1 podem servir de comparação,
pois aparece muitas vezes na música neoclássica mais do que uma melodia
principal, ou então uma melodia principal e outra secundária, em contraponto e em
oposição a um acompanhamento realizado por diversos instrumentos.
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3. Efeito Textural
Pode-se dizer que temos um efeito textural numa música onde nenhuma das vozes
adquire uma preponderância sobre as outras, a textura tende a valer pelo todo onde
nenhuma linha se destaca claramente.
Apesar das funções de cada linha serem de igual importância, por isso equivalentes,
o resultado acaba por não ser uma música contrapontística.
Exemplos:
Estas duas obras, com um tipo de escrita muito diferente, são um bom
exemplo deste tipo de textura na sua música de Webern; a primeira com
figuração mais curta e andamentos mais rápidos e a segunda com uma
figuração muito simples; no entanto em ambas o resultado é um efeito
textural.
Em Webern o efeito do seu contraponto acaba por resultar numa música onde
a textura se sente como um todo, existindo muitas vezes mais um efeito
textural do que contrapontístico.
Existem também algumas variações com o mesmo tipo de textura, como por
exemplo, nas variações III, IV, VI e VII. É curioso notar que estas variações
são por princípio contrapontísticas, pois são todas estruturalmente cânones,
no entanto o resultado é textural.
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• Quartetos de Cordas [1908-34], de Bela Bartók (1881-1945) [exemplo 10]
Dum modo geral existe também um efeito textural, onde se sente a textura
como um único composto. Os 4 instrumentos têm igual importância na textura
onde existe uma figuração característica de que contribuem em conjunto para
o todo.
As diferentes camadas que integram cada bloco não são necessariamente camadas
melódicas. Qualquer tipo de camada, predominantemente vertical ou horizontal,
pode ser estruturante.
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Em determinados momentos cada camada pode adquirir uma maior importância do
que as outras, no entanto procura-se um resultado que se sinta a textura como um
todo.
Podem-se ainda criar por vezes texturas por sobreposição de camadas, onde por
grande acumulação de material musical, os diferentes elementos percam ou não a
sua identidade própria, e criem uma textura única.
Exemplos:
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Na continuação aparecem também camadas melódicas cromáticas,
diatónicas, acordes por 5ªs, etc., em justaposição e sobreposição com os
blocos anteriores.
A obra inicia-se numa forma mosaico, com a alternância entre dois blocos; um
primeiro constituído por um acorde de mi menor e um segundo bloco
constituído por um conjunto de harpejos em diferentes camadas harmónicas,
justapondo o acorde de sib 7ª dominante no estado fundamental com sol 7ª
dominante na primeira inversão.
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Stasimon [exemplo 15]
Em Stasimon a música aparece novamente organizada por diferentes
camadas; umas melódicas e outras que apresentam diversas pulsações
regulares.
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5. Textura por Pontos e Grupos
A textura por pontos e grupos serve um pensamento musical onde cada nota, o
ponto, tem a mesma importância que todas as outras. Pode ser vista como o ponto
alto do pensamento serial, onde se alargam as séries de notas a séries de objectos
musicais constituídos por pontos e por grupos sendo, neste caso, esses objectos
que são serializados.
Este tipo de música pode resultar numa textura pontilhista no caso de serem usados
apenas os pontos. Alargando o mesmo tipo de pensamento a grupos e pontos, pode
resultar num tipo de textura com uma maior possibilidade do controlo vertical,
através da constituição dos grupos com um determinado critério intervalar.
Exemplos:
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• Eclat [1965], de Pierre Boulez [exemplo 19]
Obra baseada numa série de 5 grupos de sons e não de 12 sons. São 5
agregados constituídos por diversas densidades de notas, desde 1 a 5 sons,
totalizando os 12. Neste tipo de organização acaba por existir um maior
controlo vertical, pela organização prévia dos referidos grupos. Os
procedimentos acabam por caracterizar mesmo a textura da obra, e
possibilitar o desenvolvimento da técnica de multiplicação de acordes.
Estas obras servem como exemplos para descrever este tipo de procedimento, se
bem que a sua influência no resultado da textura é desigual de obra para obra.
6. Técnica de Textura
Assim, neste tipo de textura os parâmetros musicais convencionais não são os mais
importantes. Não há ritmo, melodia e harmonia no sentido convencional do termo;
neste caso esses elementos são interiores à textura e subjugados a ela e às suas
sobreposições onde o resultado se torna uma massa homogénea.
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O desenvolvimento deste tipo de música é conseguido com as progressivas
alterações, graduais ou abruptas, das diferentes qualidades que a textura pode
sofrer.
Exemplos:
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uma evolução lenta e continuada da textura, sem retorno; a barra de
compasso não tem qualquer significado, não tem qualquer função, o tempo
musical é um tempo liso, o que dá uma sensação de mobilidade na
imobilidade. As vozes extremas movimentam-se por pequenos intervalos de
graus conjuntos enquanto as vozes interiores modificam-se insensivelmente.
Existem três pontos de articulação formal que balizam as três fases da obra,
que são pontos de focagem relacionados com o texto, onde aparecem de
forma homofónica uníssonos, oitavas, e agregados de 2 e 3 sons de relação
diatónica (3ª menor e 2ª maior).
Neste caso, para a construção da textura foi utilizada a técnica do cânon.
Tendo por base uma técnica de textura, no I andamento temos logo de início
focado um uníssono em mi, em diversos instrumentos, e outro momento
focado em sib, em diversas oitavas. Entre estes pontos e a nota final num
sol grave, existe o referido efeito de desfocagem com a aplicação
heterofónica de diversas linhas que inicialmente partem todas do mesmo mi, e
progressivamente vão introduzindo e sobrepondo com esse som um número
crescente de cromatismo.
De referir a clara exploração no registo neste andamento como forma de
caracterizar esta textura, pois o andamento começa no registo médio,
atinge depois o extremo de registo sobrepondo um som muito agudo e outro
muito grave que aparecem só isolados perto do final e depois acaba com o
som muito grave isoladamente.
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momento de ruptura passa-se a sentir melhor a pulsação e as diferentes
subdivisões a que é sujeita, que entretanto se volta a perder. Um acelerando
por escrito acompanhado de um diminuendo conduz a textura de um
desencontro a um ritmo igual muito rápido em todos os instrumentos.
As obras de György Ligeti, sobretudo as escritas nos anos 60, são o melhor exemplo
para ajudar a perceber este tipo de técnica de textura, mas muitos outros
compositores usaram este tipo de textura.
Penderecki é outro compositor que utiliza a técnica de textura, nos anos 60-
70. Nesta obra existem inúmeras secções escritas com a técnica de textura,
mas neste caso com uma notação livre, com durações sugeridas.
Numa música onde o universo cromático está sistematicamente presente é
pois no controlo das diferentes qualidades que a textura pode adquirir que se
joga todo o discurso musical.
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7. Técnica de Textura por Camadas de texturas
A textura por camadas de texturas foi incluída como uma categoria independente do
tipo de técnica exposta no número anterior, para melhor poder chamar à atenção
para a existência de um procedimento verdadeiramente diferente que parte da
técnica de textura, mas que apresenta pressupostos e resultados diferentes.
Este tipo de textura é constituído pela sobre posição de camadas de tipo diferente
onde cada camada, já constitui por si uma textura heterofónica construída por
relativamente poucos instrumentos. Cada uma dessas diferentes texturas é
normalmente constituída por instrumentos do mesmo tipo, são pois unidas pelo
timbre, que se sobrepõem com outras texturas de tipo e de timbre diferentes.
Exemplos:
Esta obra, logo após o gesto inicial de uníssono orquestral, inicia apenas com
3 flautas aquilo que se pode ver como uma camada onde as flautas (1 picc. +
2fl.) tocam os mesmos sons com ritmos diferentes, neste caso em
contraponto aleatório, e que só por si já constituem uma textura heterofónica.
Com outros sons e outro tipo de ritmo sobrepõe com a camada textural das
flautas, 3 oboés que também constituem só por si outra camada textural.
Sobrepõe ainda outra camada, com outros sons agora em 4 trompas, com o
mesmo tipo de procedimento.
Continua com o mesmo tipo de procedimento justapondo de seguida (as
camadas texturais anteriores param) agora com uma textura constituída por 3
clarinetes e 3 fagotes, formando um par com a textura constituída pela harpa
e pelo piano; neste caso o desenho textural é único mas constituído por dois
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tipos de instrumentos as madeiras (cl.’s e fg.’s) e a harpa com piano
(instrumentos de percussão/ressonância).
Depois aparece um novo uníssono orquestral, que aparece como que um
ponto de articulação formal a delimitar diferentes secções daquilo que
também se pode chamar de uma forma mosaico, marcando o início do
aparecimento de novos acontecimentos musicais. Neste caso aparece outra
camada com um timbre diferente, pois aparecem as cordas com 12 vni.I e 9
vni.II a constituírem outra camada textural que se apresenta primeiro,
desenvolve depois, se justapõe com outros blocos de camadas texturais
constituídas ora pelas madeiras e harpa, ora outros sopros, justapondo e
sobrepondo diferentes combinações.
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É interessante também verificar que o critério do compositor, em ambas as
peças, para a construção de cada textura a funcionar como camada é o
timbre, pois além das texturas já referidas atrás podemos encontrar ainda
mais resumindo assim as diferentes texturas, constituídas pelos seguintes
instrumentos:
- Metais (variando a sua instrumentação por diversas trompas
trombones e trompetes isoladamente ou em conjunto);
- Clarinetes com cordas;
- Cordas (violino I e II, violas e violoncelos; por vezes também com
contrabaixos);
- Madeiras (flauta, oboé, clarinete e fagote);
- Piano, harpa e celesta;
- Contrabaixos;
- Tutti’s de sopros e cordas.
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primeira canção) é que o resultado não é o de uma melodia acompanhada, mas
sim o de uma técnica de textura, onde todos os instrumentos funcionam dentro
do mesmo campo harmónico, sendo possível distinguir as diferentes camadas
que constituem essa textura e definir diferentes funções para cada uma delas,
apenas através do timbre e do diferente tipo de desenho que apresentam.
Temos pois, basicamente 3 camadas diferentes: - a voz, as cordas e as 2
harpas com piano.
As cordas constituem a camada que se apresenta como uma textura
heterofónica mais evidente, apresentando cada instrumento de corda, as
mesmas notas com ritmos diferentes e em expansão de um agregado estrutural.
As harpas e o piano unidos por uma figuração à tercina, apresentam de maneira
diferente o mesmo campo harmónico em expansão nas cordas.
A voz com uma figuração de valores mais longos, expõe também os mesmos
sons do mesmo campo harmónico dos restantes instrumentos.
Esta categoria pode ser vista como uma música que é construída a partir de uma
linha de base, resultando uma textura constituída por diferentes camadas com
funções e hierarquias claramente diferentes.
A linha de base poderá ser a partir de um baixo ostinato (como uma passacaglia ou
uma chaconne), uma estrutura isorritmia (com um talea e color), ou a partir de um
cantus firmus.
Exemplos:
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Existe no piano um talea (figuração rítmica) e um color (neste caso um
conjunto de acordes). No violoncelo existe também um talea e color com
poucos elementos cada, que quase se assemelha a um ostinato.
As outras vozes têm uma função melódica e ornamental (cantos de
pássaros).
Pode-se estabelecer de imediato um paralelo com o passado, com a música
da Idade Média de G. Machaut e P. Vitry, e com o uso da isorritmia com o
recurso aos talea e color.
Em Points, Berio tem também uma linha de base, que é uma série
dodecafónica, que repete constantemente a sua versão inicial, mas que no
entanto não está no grave; pode estar no topo da textura, no grave, bem
como ao centro. A restante instrumentação funciona como uma requintada
paleta tímbrica que procura colorir a linha de formas diferentes.
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Bibliografia
BERRY, Wallace, Structural Functions in Music. New York: Dover Editions, 1987.
MURAIL, Tristan, Modèles & Artifices, textes réunis par Pierre Michel, Presses Universitaires
de Strasbourg, 2004.
TOOP, Richard, “L’illusion de la surface”, Contrechamps, nos 12-13, pp. 61-97, Editions
L’Age D’Homme, Paris, 1990.
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