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Segurança em Eventos de Grande Porte

Brasília-DF.
Elaboração

Luiz Henrique Horta Hargreaves

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE ÚNICA
SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS...................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DE PROBLEMAS CRÍTICOS DE SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS.......................... 9

CAPÍTULO 2
AMEAÇAS E VULNERABILIDADES MAIS COMUMENTE ENCONTRADAS........................................ 46

CAPÍTULO 3
TIPOS DE EVENTOS.................................................................................................................. 50

CAPÍTULO 4
CONTROLE DE ACESSO.......................................................................................................... 54

CAPÍTULO 5
CONTROLE DE MULTIDÃO....................................................................................................... 58

CAPÍTULO 6
MANIFESTAÇÕES, TUMULTOS E DISTÚRBIOS CIVIS...................................................................... 61

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 65

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 66
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Os eventos de grande público possuem características próprias e considerações a serem
feitas em diversas áreas do conhecimento. Nessa disciplina, estudaremos os aspectos
de segurança relacionados a essas situações, apresentando problemas ocorridos em
diferentes locais e épocas, bem como propondo soluções e medidas de mitigação,
prevenção e preparação.

O Brasil tem sediado importantes eventos, como os Jogos Panamericanos, Copa das
Confederações, Copa do Mundo de Futebol, campeonatos mundiais de diferentes
modalidades, Jogos Olímpicos de 2016, dentre muitos outros.

É fundamental que os profissionais que lidam com grandes eventos estejam preparados
para atuar e conhecer as nuances e peculiaridades da segurança, aplicados.

Objetivos
»» Apresentar os conceitos adotados na segurança de grandes eventos.

»» Contextualizar a importância do tema na segurança e preparação para


emergência em grandes eventos.

»» Apresentar conceitos e instrumentos para prevenção e resposta de


segurança em grandes eventos.

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SEGURANÇA EM UNIDADE ÚNICA
GRANDES EVENTOS

CAPÍTULO 1
Histórico de problemas críticos de
segurança em grandes eventos

Aqueles que não conhecem os erros da História estão condenados a repeti-los.

George Santayana

A História está repleta de exemplos de eventos de grande porte que resultaram em


tragédias. As épocas são distintas, mas o absurdo é verificarmos que muitas mortes e
ferimentos ocorreram pela repetição de erros e em razão de problemas de segurança
encontrados em eventos ocorridos em diferentes partes do mundo, ao longo dos anos.
Veremos a seguir que importantes fatores levaram à morte mais de duzentos jovens na
Boite Kiss em Santa Maria, em 2013, já haviam sido verificados no incêndio do teatro
Iroquois em 1903, na cidade de Chicago. Mais de 100 anos após, problemas semelhantes
ainda são causas de novas tragédias.

Antes de começarmos a analisar as tragédias relacionadas aos eventos de grande porte,


é necessário que possamos abordar alguns conceitos e definições.

O que é um evento de grande porte? Na língua inglesa, encontramos a palavra “mass


gathering” para se referir a esse tipo de evento. Não há um conceito fechado que diga
que assim seriam chamados os eventos com um número mínimo de pessoas. Há na
verdade dois fatores que precisam ser analisados. O primeiro diz respeito ao número
de pessoas presentes, nesse aspecto tem sido comum a aceitação de que plateias e
concentrações superiores a mil pessoas, para um determinado local, constituem-se em
um evento de grande porte. Mas não é só isso. Há necessidade de verificarmos também
qual será o espaço destinado a essas pessoas.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

É também bastante utilizada a ideia de que para cada metro quadrado, podemos ter cerca
de 3 pessoas em pé, ou 1-2 sentadas. Eventos muito cheios, podem ter até 4 pessoas/
metro quadrado e em situações extremas, até 6 ou 7. Assim, se as mil pessoas de um
evento estiverem espalhadas por uma área muito grande, o conceito de concentração
de público fica perdida, portanto, deixa de existir a ideia, nesse caso, de um evento de
grande porte. Como exemplo, temos as manifestações em via pública, onde podemos
ter duas mil pessoas se dirigindo a um determinado local, mas enquanto não estão
de fato concentradas, não temos ainda um evento de grande porte. Por outro lado, se
temos um ambiente com capacidade reduzida, onde há uma concentração de 4 pessoas/
metro quadrado, ainda que não tenhamos mil pessoas, podemos ter uma situação de
evento de grande porte. Uma danceteria com 600 pessoas em um espaço de 150 metros
quadrados, pode ser considerado um evento de grande público.

É desta forma, que os órgãos de segurança fazem a estimativa de público em eventos. A


partir do conhecimento das dimensões de determinada área, verifica-se a quantidade
de área ocupada (que pode ser visualizada por imagens aéreas obtidas de helicóptero ou
drones) e a partir do cálculo já referido acima, tem-se a estimativa de público.

Por que algumas estimativas são tão diferentes, dependendo de quem as realiza?
Geralmente os organizadores informam um número inflacionado de público para
valorizar o evento. Por outro lado, em eventos onde não há venda de ingressos, a
estimativa passa a ser visual e, sobretudo em eventos noturnos, por vezes fica difícil
definir se há uma concentração de 3 ou de 4 pessoas/metro quadrado. Ou seja, uma
área de 20.000 metros quadrados, estando lotada, pode ter de 60.000-80.000 pessoas,
conforme a análise do observador.

Na figura 1, vemos um exemplo de mass gathering, no entanto controlado, onde


podemos ver claramente que os corredores de saída não foram ocupados e apesar da
grande quantidade de pessoas presentes, há um eficiente sistema de prevenção, com
baixo risco para mass casualty.

Figura 1. Jogo decisivo de futebol americano, com estádio lotado.

Fonte: Foto do autor.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Contudo, a definição do que é ou não um evento de grande porte, para fins de segurança,
deve ser particularizado conforme o local (cidade) onde o evento será realizado. Para
grandes capitais, públicos de 1.000 pessoas podem ser facilmente controlados por
diferentes técnicas e medidas de controle de multidões, enquanto para cidades de
pequeno porte, públicos de 400 pessoas podem ser um grande desafio. Assim, cabe
às secretarias de segurança estaduais e órgãos congêneres nos municípios, a definição
do que constitui um evento de grande público e as medidas a serem tomadas nestas
circunstâncias.

Assim, uma vez entendido o conceito de mass gathering, vamos tratar do conceito
de mass casualty. Todo evento de grande porte, chamamos de mass gathering, mas
apenas aqueles que resultam em grande número de mortos e/ou feridos, são chamados
de mass casualty. Assim, todo mass casualty era inicialmente um mass gathering,
mas o inverso não é verdadeiro. A tradução para mass casualty pode ser a de incidente
com múltiplas vítimas. É importante, no entanto, que se conheça a nomenclatura em
inglês, para estudos complementares, uma vez que a maioria dos artigos nesta área é
escrita nesse idioma. Qualquer incidente com várias vítimas é um mass casualty. Nesse
contexto, iremos apenas abordar aqueles de alguma forma decorrentes de eventos de
grande público. Um exemplo de mass casualty foi o atentado terrorista à maratona de
Boston em 2013, com três mortos e mais de 260 feridos.

Outro conceito que precisamos estabelecer é o da segurança. Em inglês, há dois tipos


de segurança: Safety e Security. O conceito de safety está mais relacionado à prevenção
de acidentes e primeiros socorros enquanto que security está mais ligado à segurança
propriamente dita, no que diz respeito à proteção de pessoas, áreas e instalações.
Os bombeiros e equipes de emergência cuidam do safety enquanto que a polícia, do
security. Nesse curso, usaremos o termo segurança, tanto para incluir o safety quanto
o security.

Há basicamente dois tipos de eventos de grande público. Os eletivos (programados


previamente) e os espontâneos. Como exemplo de eventos eletivos, temos as
competições esportivas, enquanto que os espontâneos podem ser exemplificados pelas
manifestações de rua, como as verificadas em junho de 2013, que atraíram milhares
de pessoas às ruas. O fato de serem espontâneas não significa que não possam ser
monitoradas e controladas, de tal forma a proteger os manifestantes, agir nos termos
da lei quando necessário, isolar e deter os baderneiros ou até mesmo criminosos que
possam estar infiltrados e com base no trabalho de inteligência, poder estar sempre
um passo a frente do que pretende ser realizado. Manifestações são demonstrações
genuínas de contentamento ou de protesto, em democracias e de forma alguma devem
ser impedidas. Contudo, devem ser realizadas de forma ordeira, pacífica e de acordo

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

com as normas emanadas dos órgãos de segurança, de tal forma a não comprometer o
direito da população de ir e vir (não bloqueando rodovias) bem como seguindo trajeto
previamente acordado.

Figura 2. Manifestação na Avenida Paulista em 2013, com milhares de pessoas.

Fonte: Agência Brasil. <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:ABr200613_MCA2268.jpg>

Diversos eventos de grande público resultaram em tragédias. Para estudo nesse curso,
analisaremos alguns ocorridos desde o início do século XX, até os dias atuais.

Em 1903, na cidade de Chicago, USA, um luxuoso teatro, localizado em uma importante


região da cidade, se preparava para uma apresentação de matinê, estava completamente
lotado, na verdade estava superlotado, acima de sua capacidade estimada de público.
A maioria das pessoas era composta por crianças. Algum tempo antes da abertura
do teatro, um graduado bombeiro da cidade resolveu fazer uma vistoria informal no
estabelecimento e ficou realmente preocupado ao verificar que não havia condições
mínimas de segurança, sobretudo voltadas para a prevenção e combate a incêndio. O
bombeiro relatou suas observações para os seus superiores, mas nada foi feito e ele
instruído a não se manifestar sobre o assunto, uma vez que havia um laudo assinado
por um profissional da área atestando que o local era seguro. Os proprietários do teatro,
inclusive, divulgaram que o estabelecimento possuía sistema antichamas, o que não era
verdade.

O oficial do corpo de bombeiros de Chicago havia verificado, por exemplo, que não havia
extintores, sistemas de extinção automáticos ou qualquer outro tipo de mecanismo
voltado para o combate a incêndio, exceto, seis tubos de uma substância à época
conhecida por “kilfyre”, que era composta essencialmente por bicarbonato de sódio e
voltada para apagar pequenos focos de incêndio em chaminés domésticas.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

O teatro possuía três andares, o térreo era onde também estava o palco e nos demais
o acesso se dava por escadas. Em situações de emergência, quem estava nos andares
superiores, necessitava descer para o térreo para então conseguir escapar.

Dentre as deficiências estruturais, não havia adequadas saídas de emergência, que


eram confusas e mal sinalizadas. Durante as apresentações, portões de ferro eram
utilizados para impedir que as pessoas pudessem ter acesso a diferentes áreas do teatro.
As cortinas de asbesto não eram periodicamente testadas e não eram adequadas para
impedir a propagação de chamas.

No dia 30 de dezembro de 1903, véspera do réveillon, o teatro estava com sua capacidade
de 1.700 lugares, bastante ultrapassada. A estimativa era de que havia pelo menos
2.200 pessoas; a maioria, crianças. Pela falta de assentos, muitas pessoas resolveram
sentar-se nos corredores, dificultando a saída e o deslocamento dos demais. Por volta
das 15h, no início do segundo ato, um curto-circuito atingiu uma cortina altamente
inflamável e o incêndio começou. Um funcionário tentou apagar as chamas com os
frascos de Kylfire, mas rapidamente o incêndio atingiu o andar de cima e espalhou-se
pelo teatro. As pessoas tentaram encontrar saídas de emergência, que, no entanto, ou
estavam escondidas por tapeçarias, ou eram mal localizadas, ou ainda, possuíam um
sistema de basculante desconhecido pela maioria das pessoas. A tentativa de abrir uma
janela ampla, para ventilar o local, produziu uma enorme “bola de fogo” causando mais
vítimas. Durante o incêndio, um ator mirim tentou controlar o pânico, subindo ao palco
e pedindo calma à multidão.

Como resultado, houve 602 mortos e centenas de feridos. Foi o pior incêndio em um
edifício na história dos Estados Unidos, até os dias atuais.

Figura 3.Teatro Iroquois destruído pelo incêndio.

Fonte: <http://journeytofirefighter.com/602-lives-the-iroquois-theater-fire-of-1903/#sthash.tvOxDB37.dpuf>

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Assim, temos como causas principais para esse incêndio, os seguintes elementos:

»» infraestrutura e equipamentos de proteção contra incêndios inadequados


ou inexistentes;

»» saídas de emergência mal localizadas, mal sinalizadas e/ou inexistentes


ou ainda, bloqueadas;

»» superlotação;

»» não havia condições mínimas de segurança;

»» os bombeiros que liberaram o local e assinaram o laudo de inspeção


foram acusados de corrupção.

Como medidas de segurança que passaram a ser adotadas nos Estados Unidos após
esta tragédia, podemos citar a obrigatoriedade das barras de pânico nas saídas de
emergência, a obrigatoriedade de que as portas de emergência abram para fora e que
todo teatro passasse a ter uma cortina de asbesto ou cortina antichamas, testada antes
do início dos espetáculos, para isolar o palco do público.

Como veremos mais a frente, essas mesmas causas de incêndio se repetiram muitas
vezes ao longo da história, inclusive por ocasião da tragédia da boate Kiss, em Santa
Maria, mais de 100 anos depois.

Em 1918, em Hong Kong, durante uma corrida de cavalos, um incêndio também foi
responsável pela morte de pelo menos 618 pessoas, podendo ter chegado a 670 vítimas,
além de centenas de feridos.

O hipódromo de Happy Valley realizava, à época, um evento anual de corrida de cavalos


que atraía toda a sociedade local. As pessoas vestiam suas melhores roupas e era uma
tradição o comparecimento em massa das famílias.

Havia um prédio principal onde ficavam as pessoas com maior poder aquisitivo e onde
também estavam as arquibancadas e a cozinha principal, localizada no andar térreo. A
construção era toda de bambu. O incêndio teve início nas dependências da cozinha, que
rapidamente se alastrou, provocando o colapso dos prédios. Não havia equipamentos de
proteção contra incêndio e nem saídas de emergência. Havia aproximadamente 10.000
pessoas no local. Não havia uma única construção, mas várias delas, com capacidade
cada uma de cerca de 300 espectadores. O fogo e a fumaça no entanto rapidamente
tomaram conta do local. Havia cerca de 50 policiais designados para a segurança, dos
quais apenas 8 estavam próximos à pista de corrida e nenhum voltado para fiscalizar as
condições de segurança das instalações.
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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Figura 4. Incêndio no Happy Valley, 1918.

Fonte: <http://www.macstudies.net/2013/01/14/fire-at-the-races-the-true-story-of-the-1918-fire-at-happy-valley-race-course/>

Causas do incêndio:

»» infraestrutura inadequada;

»» ausência de equipamentos de proteção e combate a incêndios;

»» ausência de saídas de emergência;

»» uso de material altamente inflamável em local com nenhuma proteção


para incêndios e alto grau de combustibilidade.

Em 1942, na cidade de Boston, uma nova tragédia seria conhecida. Eram anos difíceis,
em plena II Guerra Mundial, e um bar que oferecia espaço para as pessoas ouvirem
música, namorar e dançar, era conhecido na região. Chamava-se Cocoanut Groove
e havia pertencido, anteriormente, a pessoas ligadas ao crime organizado e o dono
mantinha estreitos laços de amizade tanto com a máfia, como com o prefeito da cidade.
O ambiente do clube noturno era caribenho. Para isto, havia muitas palmeiras artificiais,
de plástico, assim como, cadeiras e mesas de bambu e outros materiais que remetiam
ao Caribe.

Naquele ano, o feriado de Thanksgiving Day (Ação de Graças), a mais popular


celebração americana, depois do Natal, havia sido comemorado no dia 26/11; dois dias
antes do incêndio, que ocorreu no sábado, dia 28/11. O local tinha capacidade máxima
de 460 pessoas, mas naquela noite havia próximo ou mais de mil pessoas. O ambiente
era refinado e muitas pessoas da sociedade frequentavam o local. Uma das vítimas
fatais naquela noite foi o ator de Hollywood, famoso por filmes de western, Buck Jones.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Por causa da guerra, era necessário que as luzes externas estivessem sempre apagadas
(blackout), com vistas a evitar um ataque aéreo do inimigo. Os Estados Unidos ainda
estavam traumatizados com o ataque surpresa ocorrido em Pearl Harbor, menos de
um ano, antes (dezembro de 1941), quando milhares de americanos foram mortos, por
aviões japoneses.

Assim, a decoração da boate não era perceptível na área externa, mas o interior estava
bastante decorado, com muitas luzes, enfeites de plástico e papel e embora estivesse
muito bonita, também era bastante inflamável.

Muito se especulou sobre a causa imediata do incêndio, mas a versão mais aceita foi a
de que durante uma apresentação musical, um dos frequentadores, na vontade de criar
um clima mais intimista, teria tirado uma das lâmpadas de uma luminária, escurecendo
o local onde estava namorando. Na tentativa de ser recolocada a lâmpada, um rapaz
de 16 anos, deixou-a cair e teria acendido um fósforo para enxergar. A lâmpada foi
recolocada e o fósforo apagado. Minutos depois, no entanto, fumaça e fogo foram vistos
próximos ao local, fazendo com que acredite-se que o incêndio tenha tido origem nesse
episódio, embora alguns dos presentes tenham negado.

Houve grande pânico na tentativa de fuga. O fogo rapidamente se alastrou, sobretudo


pela quantidade enorme de material plástico, que produz fumaça extremamente
tóxica. As saídas de emergência não existiam em quantidade adequada e a maioria
delas estava fechada, obstruída ou camuflada sob a decoração. O dono da casa noturna
havia bloqueado as saídas para evitar que pessoas pudessem entrar no local sem pagar.
A maioria das pessoas tentou sair por onde entrou; um comportamento comum em
incêndios em locais fechados. A porta da entrada, contudo, era giratória, impedindo as
pessoas de saírem e uma pilha de corpos foi encontrada no local.

Outras poucas saídas que estavam desbloqueadas e que poderiam ter sido utilizadas,
abriam apenas para dentro, dificultando a rápida evacuação. O resultado foi a morte de
492 pessoas e centenas de feridos. Como veremos mais a frente, os incêndios ocorridos
no clube noturno The Station (2003 - RHODE ISLAND), na República Cromagñon
(2004-Buenos Aires) e na Boite Kiss (2013-Santa Maria) são praticamente a cópia
dessa tragédia. Causas parecidas e problemas semelhantes.

Como consequência desse incêndio, além da obrigatoriedade de barras de pânico, nas


portas, houve uma grande evolução no tratamento de queimados a partir de então. À
época, o principal hospital utilizado para receber os feridos, era o Boston Memorial
Hospital, o mesmo que socorreu as vítimas do atentado a bomba ocorrido em 2013,
na maratona de Boston. O atendimento a queimados era feito com curativos a base de

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

ácido tânico, o que foi substituído, naquela noite, por compressas de gaze embebidas
em um gel derivado de petróleo, utilizado até os dias atuais. Houve grande avanço no
atendimento intensivo na área de ventilação (muitas vítimas morreram em decorrência
de intoxicação ou queimaduras pulmonares), foi a primeira vez que a penicilina era
utilizada em larga escala no meio civil, bem como a primeira vez que um banco de
sangue era utilizado para o atendimento de incidente de massa.

Cocoanut Grove, the movie (inglês). Disponível em: <https://www.youtube.


com/watch?v=QdSk8i9Yx9M>

Livros:

SCHOROW, Stephanie. The Cocoanut Grove Fire. 2005. ISBN 978-1-889833-88-0.

KEYES, Edward. Cocoanut Grove. 1984. ISBN 978-0-689-11406-9.

ESPOSITO, John. Fire in the Grove: The Cocoanut Grove Tragedy And Its
Aftermath. 2005. ISBN 978-0-306-81423-5.

Figura 5. Socorro de feridos no incêndio do Cocoanut Grove, em 1942.

Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/Cocoanut_Grove_fire#/media/File:Cocoanut_Grove_victims.jpg>

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Logo após o término da II Guerra Mundial, havia uma ansiedade muito grande para
que “tudo voltasse ao mais normal possível”. Isso incluía a reconstrução das áreas
destruídas, bem como a realização de eventos e a participação do público. A Inglaterra
em particular foi duramente atingida durante a guerra.

Assim, em 9 de março de 1946, em Burden Park, Manchester, na Inglaterra, uma


partida de futebol atraiu milhares de pessoas; cerca de 85.000 torcedores. O
estádio não estava esperando e nem preparado para receber tanta gente. Assim,
pouco tempo depois de iniciado o acesso dos torcedores e a entrada de um grande
número de pessoas, o sistema de roletas foi deixado de lado e muitas pessoas
passaram a entrar de qualquer jeito. Rapidamente o estádio estava com a sua
capacidade máxima ultrapassada e como ocorre com frequência nessas situações,
houve o desabamento de uma parte do estádio, causando 33 mortes e centenas de
feridos.

O jogo foi suspenso, as vítimas retiradas do local e apesar da tragédia, a partida foi
reiniciada, mesmo sem qualquer condição de segurança, terminando empatada em 0
a 0. Veremos que mais tarde na história, situações semelhantes se repetiram. Não é
difícil encontrarmos quem advogue que em situações como esta, o melhor realmente
é seguir com a partida, pois a suspensão do jogo poderia causar tumultos e novas
vítimas. Esse tipo de afirmação não encontra respaldo nem na literatura especializada
e nem na história, muito pelo contrário. Se houve uma tragédia, alguma coisa está
errada. E se já aconteceu uma situação crítica, as chances de que seja agravada são
ainda maiores. O correto, nestes casos (não estamos falando agora em prevenção,
mas sobre algo que já aconteceu), é informar aos presentes o que está acontecendo,
pedindo calma e as melhores rotas de evacuação (que devem de fato existir e estarem
desobstruídas). Informe também que o jogo será remarcado e que todos os presentes
poderão acessar o novo jogo sem precisar pagar novo ingresso. Informe ainda, que a
partida está sendo encerrada diante da necessidade de socorro de feridos e em razão
da insegurança do local. Em situações como esta, onde o risco está na superlotação e
parte do estádio comprometida, mas sem que haja um incêndio ocorrendo ou o risco
de desabamento do local, pode-se perfeitamente proceder à evacuação do estádio
com calma. Se o jogo envolve torcidas rivais, deve-se proceder a evacuação seletiva,
liberando-se os torcedores de tal forma que não haja confronto. Se necessário reforço
policial deve ser providenciado. No caso, de Bradford, o número de policiais era muito
inferior ao necessário.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Figura 6. Superlotação em Burden Park, 1946.

Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Burnden_disaster.jpg>

Os fãs de automobilismo certamente conhecem o chamado circuito de Le Mans, na


França, onde anualmente, desde 1923, ocorre a prova das 24 horas de Le Mans, uma
competição de resistência para os competidores. Em 1955, contudo, ocorreu a maior
tragédia de todos os tempos, com 83 mortos e cerca de 120 feridos.

A plateia acompanhava a corrida, em diversos pontos, mas a grande maioria dos


espectadores estava na arquibancada localizada na “reta” principal e foi justamente
nesse local que, em decorrência de uma colisão em alta velocidade, um dos carros
“voou” para cima da multidão, atingindo as pessoas com peças do automóvel e pedaços
da estrutura do local que agiram como verdadeiras guilhotinas para algumas vítimas.
Para piorar a situação, um incêndio teve início, com o fogo envolvendo metais, como o
magnésio, que requer conhecimento especializado para o combate às chamas. Contudo,
os bombeiros no local não tinham experiência e nem treinamento adequado para este
tipo de extinção de incêndio, provocando demora considerável e agravando a situação.

Os organizadores da prova optaram por continuar com a disputa, para evitar que os
espectadores, ao deixarem o local, pudessem congestionar as ruas e rodovias ao redor do
autódromo e com isso, prejudicar o deslocamento de socorro. Agiram certo? Depende.
Era uma situação diferente da do estádio de Burden Park. Não havia superlotação e
nem problemas com as saídas de emergência. De fato, a saída dos espectadores poderia
retardar o socorro, em virtude de não haver estradas largas no local. A questão de

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

decidir quanto à continuidade ou não de um evento, diante de uma tragédia, deve levar
em conta diversos fatores:

»» Há condições de segurança para que o evento continue?

»» Caso haja o encerramento do evento, o socorro ou o deslocamento das


pessoas pode agravar a situação das vítimas ou da segurança do local?

»» Qual a vantagem em se continuar o evento? Se for apenas financeira, em


detrimento da segurança das pessoas, a resposta é fácil. A segurança das
pessoas está sempre em primeiro lugar.

Figura 7. Tragédia em Le Mans, 1955.

Fonte: <http://www.sportscardigest.com/1955-24-hours-of-le-mans-race-profile/>

O ano era 1961. A cidade, Niterói-RJ. Àquela época, os circos sempre atraíram multidões
por onde passavam e era comum que chegassem às cidades, onde ficariam alguns
dias ou semanas, fazendo um desfile no local, com a presença das principais atrações.
Não foi diferente em Niterói, quando o Gran Circo Norte-Americano chegou à cidade,
estreando em 15 de dezembro de 1961. Tinha como atrações diversos animais, como
elefantes, girafas, leões, tigres, ursos, além de artistas de diferentes localidades. No dia
da estreia, o circo estava tão cheio que houve necessidade de suspensão da venda de
mais ingressos.

O dia 17 de dezembro daquele ano, era um domingo, dois dias após a estreia, era um dia
quente que atraiu centenas de pessoas, sobretudo crianças para o espetáculo daquela
tarde (matinê). O local estava completamente lotado, com a capacidade máxima de 2.500

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

pessoas atingida. Por volta das 15:34h, já nos momentos finais da apresentação, quando
um trio de trapezistas iria se apresentar, o grito de “fogo” foi ouvido e rapidamente as
pessoas começaram a correr, tentando escapar. Como já vimos no teatro Iroquois, em
Chicago, e no Cocoanut Grove, em Boston, não havia saídas de emergência e as pessoas
buscavam sair pela mesma porta de entrada, fazendo com que muitos morressem
pisoteados, bem como intoxicados pela fumaça que rapidamente tomou conta do local.
Como é de se esperar em um incêndio em um circo, não demorou para que a lona em
chamas desabasse sobre as pessoas em fuga. O desespero de uma elefanta que saiu em
disparada, abrindo um enorme buraco na lona, acabou salvando vidas, pois diversas
pessoas conseguiram sair por ali. Não havia equipamentos de extinção de incêndio
adequados e apesar dos donos do circo terem feito propaganda sobre a lonam, que seria
resistente ao fogo, a tragédia mostrou que não era bem assim.

Para piorar a situação, o hospital mais próximo estava em greve e não havia à época, a
ponte que liga o Rio de Janeiro à Niterói. A causa do incêndio foi criminosa e motivada
por vingança. É muito comum que os circos contratem pessoas locais para ajudarem na
montagem da estrutura e para trabalharem temporariamente, durante a permanência
do circo na cidade. Uma dessas pessoas foi contratada, mas rapidamente demitida por
ter um comportamento que não era adequado para o trabalho a ser feito, causando
problemas. Ele tentou entrar no circo durante a estreia, sem ingresso, e foi impedido,
jurando vingança.

O resultado do incêndio foi a morte de 503 pessoas (saldo oficial), onde pelo menos
70% eram crianças e centenas de feridos.

Figura 8. Consequências do incêndio no Gran Circo Norte-americano, 1961.

Fonte: <http://botequimcultural.com.br/em-meio-a-tragedia-em-santa-maria-o-espetaculo-mais-triste-da-terra/>

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O escritor Mauro Ventura escreveu o “O espetáculo mais triste da Terra”, com


um trabalho primoroso ao contar em detalhes a tragédia do Gran Circo Norte-
americano.

Muitas pessoas desconhecem esse incêndio, até mesmo moradores de Niterói. Um


jornal famoso no país, ao entrevistar pessoas da cidade sobre as lembranças do incêndio
ou mesmo para que pudessem indicar o local onde o circo havia se instalado, teve muita
dificuldade em encontrar quem de fato se lembrava da tragédia e um dos entrevistados
resumiu bem porque o Brasil tem tanta dificuldade em atuar na prevenção e na
preparação para desastres. Segundo a moradora entrevistada, as tragédias devem ser
esquecidas. Nada mais equivocado do que esta afirmação. Este tipo de pensamento é o
que leva à ocorrência de novos desastres.

Em 24 de maio de 1964, ocorreu a maior tragédia em estádios de futebol, quando 312


pessoas morreram e centenas de pessoas ficaram feridas, durante a partida entre a
seleção do Peru e a da Argentina, pelas eliminatórias das Olimpíadas. O estádio estava
superlotado e o jogo ocorria no Estádio Nacional de Lima, no Peru. Faltando dois
minutos para o fim da partida, um gol peruano foi anulado, quando a Argentina vencia
por 1 a 0. Houve invasão de campo com o objetivo de agressão ao árbitro, contida pela
ação policial que incluiu cães, seguida de uma confusão generalizada. Havia poucos
policiais no estádio e muitas portas de saída e/ou de emergência estavam fechadas. Na
tentativa de se conter o tumulto, a polícia resolveu agir da pior forma possível, usando
gás CS (lacrimogêneo) contra uma população que não tinha para onde correr e nem
fugir. À medida que os torcedores conseguiram sair, houve um distúrbio violento na
cidade, com o uso exagerado da força por parte da polícia, segundo informações da
imprensa, com relato de mortes e ferimentos por arma de fogo decorrente de disparo
realizado pelos policiais. Na contagem oficial de mortos, contudo, não foi incluída
nenhuma por arma de fogo, o que levou muitas pessoas a acreditarem que o número
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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

de mortos tenha sido subestimado. Esta foi a pior tragédia em estádios de futebol, até
o momento.

Figura 9. Torcedores tentando fugir do gás lacrimogêneo no Estádio Nacional do Peru, em 1964.

Fonte: <http://elcomercio.pe/deporte-total/futbol-peruano/tragedia-estadio-nacional-cumple-50-anos-y-habra-concierto-
noticia-1730638>

Em 1968, no que ficou conhecido como a “tragédia da porta 12”, 71 pessoas morreram e
150 ficaram feridas durante um jogo de futebol entre os times mais rivais da Argentina,
Boca Juniors e River Plate, no estádio Monumental (do River). Na metade do segundo
tempo, a torcida visitante (Boca Juniors), localizada próxima ao portão número 12,
ao tentar deixar o estádio, teve grande dificuldade em sair por razões que não foram
completamente esclarecidas. Uma das versões é de que havia catracas na frente do
portão enquanto outras testemunhas afirmam que a saída estava fechada. Houve grande
tumulto e as pessoas se comprimindo umas às outras. A repressão policial agravou a
situação, que produziu vários mortos e feridos. O estádio estava completamente lotado.

Figura 10. Imagem do filme “Puerta 12”, documentário de Pablo Tesoriere, sobre a tragédia de Buenos Aires.

Fonte: <http://www.videoflims.com.ar/catalogo/puerta12.html>

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Em 1971, no estádio de Ibrox, em Glasgow, na Escócia, 66 pessoas perderam


suas vidas e cerca de 200 ficaram feridos, durante uma partida de futebol,
entre times rivais, com o estádio superlotado (aproximadamente 80.000
espectadores). Há duas versões para esta tragédia. A primeira é de que ao
final do jogo, quando vários torcedores já deixavam o estádio, um grupo que
já havia saído, resolveu retornar, pois havia ocorrido um gol (empatando a
partida), fazendo com que diversas pessoas caíssem e fossem pisoteadas e/ou
prensadas, morrendo de asfixia. A outra versão é de que na saída do estádio,
uma criança teria caído e as pessoas ao redor ao pararem o seus deslocamentos
para ajudá-la teriam provocado, um efeito dominó, derrubando as que vinham
atrás. O estádio já havia sido palco de outra tragédia em 1908, quando 25
torcedores morreram.

Em 1972, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Munique, na Alemanha, 17 pessoas foram
mortas em razão de um atentado terrorista. Era a primeira vez que a Alemanha sediava
um evento de grande porte após o fim da II Guerra Mundial e havia uma preocupação
muito grande com a imagem do país. Assim, não havia um esquema muito rígido de
segurança e nenhum alerta em especial foi dado pela comunidade de inteligência,
quanto à iminência de um ataque. As Olimpíadas haviam iniciado no dia 26 de agosto,
e em 5 de setembro terroristas do grupo palestino conhecido como Setembro Negro
invadiram as instalações dos atletas israelenses, fazendo reféns e exigindo a libertação
de 200 prisioneiros palestinos que estavam presos em Israel (prontamente rejeitado
pela primeira-ministra israelense Golda Meir) e um avião para fuga. Em uma operação
considerada como desastrada, onde ficou claro que a polícia à época não estava
devidamente preparada para lidar com situações como esta, 11 reféns foram mortos,
bem como 1 policial e 5 terroristas, em uma troca de tiros no aeroporto. Três terroristas
foram presos.

Após este episódio que ficou conhecido como “massacre de Munique”, a


Alemanha criou unidades especializadas de contraterrorismo e passou a ser
uma das mais eficientes do mundo, nessa área. Contudo, é importante nos
lembrarmos que o mais importante mecanismo de prevenção contra atentados
terroristas, é a conscientização da população para que reconheça atividades
suspeitas, bem como a atuação dos serviços de inteligência. Quando uma
unidade de contraterrorismo se faz necessária, a situação já se faz crítica e na
iminência de uma tragédia.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Filme - Um dia em Setembro (1999)

Vencedor do Oscar de melhor documentário de 1999, com direção de Kevin


Macdonald.

Filme- Munique (2006)

Direção de Steven Spielberg.

Vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=jWUAMqpw-hs>

Em 1985, uma tragédia foi transmitida ao vivo. No estádio de Valley Parade, em


Bradford, Inglaterra, o que era para ser uma partida festiva de futebol, completamente
lotada de torcedores que estavam comemorando a conquista, pelo Bradford City (donos
do estádio), do título de campeão da terceira divisão da liga de futebol inglesa. O local
era bastante problemático, uma vez que era um estádio antigo, com várias deficiências,
em particular, com uma área da arquibancada de madeira que estava “condenada”,
cercada por entulho acumulado há mais de vinte anos. Acredita-se que um cigarro aceso

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tenha sido a causa do incêndio que foi observado aos 40 minutos do primeiro tempo. O
fogo se alastrou rapidamente e embora muitos torcedores tenham ido para o gramado,
houve 56 mortos e cerca de 265 feridos. Não havia extintores no local, pois haviam sido
retirados para evitar vandalismo e, se não todas, a grande maioria dos portões de saída
e/ou de emergência, estava fechada. Para que possamos ter uma ideia clara da violência
das chamas, os bombeiros chegaram ao local em menos de 5 minutos, mas não havia
mais nada a ser feito.

Figura 11. Incêndio no estádio de Bradford (Inglaterra).

Fonte: <http://www.snipview.com/q/Bradford%20City%20stadium%20fire>

No vídeo abaixo, é possível assistir alguns instantes da partida, quando então


o incêndio tem início. Observem que a duração total do vídeo é de 7 minutos
e 21 segundos e que em menos de 5 minutos o fogo já havia se alastrado
completamente.

<https://www.youtube.com/watch?v=v6iTSAwGo1Y>

Ainda em 1985, no mesmo mês da tragédia em Bradford, outra extremamente grave


ocorreu na Bélgica, no Heysel Stadium, na capital Bruxelas. O jogo era entre o Juventus
e o Liverpool, duas torcidas que já haviam se enfrentado anteriormente e que tinham
a violência como uma de suas características. Era um jogo que sob o ponto de vista
da segurança, necessitava ser muito bem planejado, tendo em vista o alto risco de
confronto de torcidas.

Apesar disso, o local escolhido para a decisão do campeonato europeu (UEFA) era
antigo e defasado e estava completamente lotado.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Os torcedores de ambos os times começaram a se provocar e arremessar objetos uns


contra os outros e o clima de animosidade era grande já antes da partida.

Cerca de uma hora antes do final da partida, torcedores do Liverpool conseguiram


acessar uma zona neutra onde havia muitos torcedores do Juventus, após abrirem um
“buraco” na grade que isolava o local. Os chamados hooligans (torcedores violentos)
foram ao encontro dos que torciam para o Juventus que tentaram recuar e fugir
daquela situação. Houve então uma pressão muito grande contra um muro que dividia
as torcidas, que colapsou e caiu sobre os torcedores. No total, houve 39 mortos (na
maioria, torcedores do Juventus) e cerca de 600 feridos. Mesmo com a tragédia, a
partida continuou, com o Juventus vencendo por 1 a 0. A decisão de continuar a partida
foi tomada pelos organizadores com medo de mais violência, caso fosse interrompida.
Os capitães dos dois times pediram calma às suas torcidas e o jogo foi reiniciado. O
que você faria se tivesse que tomar esta decisão? Suspenderia o jogo ou continuaria a
partida?

Ao final da partida, com a saída dos espectadores, a torcida do Juventus iniciou uma
confusão, que se estendeu para as ruas e causando enfrentamento com a polícia.

A consequência deste episódio foi a suspensão por 5 anos de todos os clubes ingleses,
de competições da UEFA, o que fez com que os ingleses aprimorassem o sistema
de segurança e proteção para jogos de futebol e hoje possuem um protocolo que é
considerado como referência de boas práticas.

Videos: (filmagens mostrando em tempo real a tragédia no estádio)

<https://www.youtube.com/watch?v=ClegJGD2zfE> (inglês)

<https://www.youtube.com/watch?v=7IEEoPvtT-0> (espanhol)

Em 1988, no National Stadium, em Katmandu, no Nepal, 93 pessoas morreram e


centenas ficaram feridas, durante uma partida de futebol. A maior parte das mortes foi
em decorrência de asfixia por pessoas que foram pisoteadas ou prensadas na tentativa
de escapar do estádio. O que causou a “correria” foi uma forte chuva de granizo, em um
estádio que não era completamente coberto. Quando a chuva teve início, os torcedores
começaram a correr em busca de abrigo ou para deixar o estádio. Muitos que correram
em direção a uma área coberta foram violentamente impedidos por policiais. Das oito
saídas de emergência disponíveis, apenas uma estava aberta. As tempestades de granizo
não são comuns no Nepal e particularmente no período em que o jogo foi realizado, no
entanto nenhum alerta meteorológico foi emitido e nenhuma providência foi tomada,
mesmo com as nuvens “carregadas” que se formavam sobre o Himalaia.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Em 1988, no Estádio Mané Garrincha em Brasília, um show da banda Legião Urbana,


acabou com o saldo de dezenas de feridos (mais de 200). Esse é um evento que posso
narrar a vocês como ocorreu, pois à época eu era o diretor de socorro da Cruz Vermelha
Brasileira-DF e coordenava as equipes de socorro no local. O estádio estava lotado e
desde a entrada dos primeiros fãs e espectadores já havia um “certo clima no ar” de que
algo não estava indo bem. O show ainda não havia começado e já havíamos registrado
vários casos de pessoas feridas em confronto com policiais, além de cenas de provocação
gratuita e relatos de consumo de drogas.

O estádio possuía um fosso, separando o gramado da área chamada de “geral”, onde


em dia de jogo, ficavam as pessoas com ingressos mais baratos. No dia do show, muitos
que estavam na “geral” resolveram acessar o gramado, tentando saltar sobre o fosso. O
problema é que elas não calculavam corretamente nem a altura do fosso e nem a distância
até o gramado e invariavelmente caiam. A distância até o gramado não permitia um
salto a partir da “geral” obrigando as pessoas a descerem pelo fosso. Ocorre que quando
os seguranças e policiais perceberam o que estava ocorrendo, foram para lá com vistas
a evitar mais invasões e novos confrontos ocorreram. Vários torcedores apresentaram
traumatismos e lesões de tecidos moles e suspeitas de fraturas, em virtude da tentativa
de invasão. Muitos, no entanto, conseguiram acessar o local e contribuíram para
aumentar a lotação na área em frente ao palco.

A altura do palco não era adequada para aquele tipo de show e a segurança ao redor
tampouco estava bem dimensionada. Com facilidade, um fã invadiu o palco e “pulou”
sobre o cantor da banda, o que foi filmado e pode ser encontrado na internet. Não se
sabia naquele momento se era uma demonstração de carinho ou uma agressão e o fã
foi tirado do palco e em seguida agredido, o que levou à interrupção do show, com o
cantor repreendendo os seguranças. A essa altura do evento, que já havia começado
com atraso, os ânimos começaram a ficar mais acirrados. No que foi considerado por
muitos como uma provocação ou no mínimo uma “fala” infeliz, o cantor fez comentários
sobre a cidade e sobre o público, que resultou em vaias e agitação. Um pequeno artefato
explosivo, como os encontrados em festas juninas, foi lançado sobre o palco e nesse
momento já estava claro, que não seria possível continuar o show, que de fato foi
encerrado pela banda, que abandonou o palco.

Os momentos seguintes foram de vandalismo, com vários espectadores destruindo tudo


que encontravam pela frente e a dificuldade da polícia em prender os mais exaltados. De
uma forma geral, os confrontos no gramado eram mais fáceis de serem controlados, pois
era área aberta, que permitia tanto a atuação da polícia de choque como da cavalaria.
No entanto, nas arquibancadas e cadeiras, a ação foi bem mais complicada.
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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Nosso sistema de emergência era composto por postos avançados nas arquibancadas,
no setor de cadeiras, equipes volantes e um posto central no fosso, em frente ao centro
do gramado, pois era onde a maior parte dos problemas ocorria e ali tínhamos fácil
acesso tanto ao gramado como para a geral, além de deslocamento rápido com as
ambulâncias.

O número de feridos foi muito elevado, bem como de intoxicação por consumo de bebidas
alcóolicas e relato de uso de drogas. Poucos casos, no entanto, precisaram ser de fato
removidos para atendimento hospitalar, o que incluiu uma suspeita de traumatismo
craniano decorrente de queda no fosso. Policiais também foram atendidos.

Não havia à época um atendimento pré-hospitalar estruturado nos moldes do SAMU,


que não existia, e cada cidade tinha um sistema de emergências diferente. No Distrito
Federal, o socorro era realizado por ambulâncias do Corpo de Bombeiros, à época por
unidades do Grupamento de Busca e Salvamento e eram viaturas mistas que realizavam
resgate e socorro das vítimas. Os hospitais não possuíam (e muitos ainda não possuem)
um plano para emergências e desastres, e o Sistema de Comando de Incidentes, embora
utilizado nos Estados Unidos desde a década de 1970, ainda não havia sido amplamente
implementado no Brasil.

Figura 12. Imagem mostrando as pessoas tentando acessar o gramado a partir da “geral”, passando pelo fosso.

Observem a altura que separava do fosso e a distância até o gramado.

Fonte: <http://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/legiao_urbana_ronaldodeoliveira_0_0.jpg>

Em 1989, no Hillsborough Stadium, em Sheffield, Inglaterra, uma partida de futebol de


semifinal do campeonato inglês, resultou em 96 mortos e 766 feridos. O jogo era entre
o Liverpool e o Nottingham e como eram torcidas rivais, ficaram separadas. Houve
grande confusão na entrada, com acessos que habitualmente eram realizados em um

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

setor, sendo mudados para outros setores, com um número insuficiente de catracas e
uma multidão do lado de fora querendo ter acesso rápido, pois o jogo já estava sendo
iniciado. O chefe de polícia no local decidiu, então, abrir um portão de saída, para
que os torcedores entrassem por ele. O problema foi que todos tentaram entrar por
esse mesmo local, correndo e tendo acesso a uma das áreas do estádio que já estava
completamente lotada, fazendo com que o deslocamento da massa, empurrasse quem
estava à frente contra as cercas de proteção.

Muitas críticas foram feitas com relação ao controle da multidão realizado pela polícia
bem como pela demora na chegada das ambulâncias e equipes de emergência ao local.
O sistema de incidentes múltiplos (com a mesma finalidade do Sistema de Comando de
Incidentes) não foi utilizado e o socorro aos feridos, por muito tempo, foi realizado por
outros torcedores, como pode ser visto nas imagens da tragédia.

Vídeos:

<https://www.youtube.com/watch?v=bUuSHrhPQyk> (Inglês)

<https://www.youtube.com/watch?v=esyxX0iVnYc> (Inglês)

<https://www.youtube.com/watch?v=b1Y9FEZxVr4> (legendado português)

Figura 13. Torcedores sendo pressionados contra a cerca de proteção, resultando em diversas mortes e

ferimentos.

Fonte: <http://eastlondonnews.co.uk/justice-for-hillsborough-is-near/>

Em 1991, na África do Sul, no Oppenheimer Stadium, torcedores atacaram membros


de outra torcida, com facas e outros objetos, causando pânico generalizado, em um

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

amistoso pré-temporada, provocando a morte de 42 pessoas. Não havia separação


entre as torcidas e o estádio estava superlotado.

Em 1996, em Atlanta, Estados Unidos, ocorreram os Jogos Olímpicos em sua centésima


versão. Havia uma enorme preocupação com a segurança e foi montado um esquema
“gigantesco” de proteção, com cerca de 30.000 policiais nas ruas. Ainda sim, no que
foi um ato solitário de um terrorista (“lone wolf” como são chamados esses tipos de
ataques) explodiu uma bomba provocando a morte de duas pessoas e cerca de 100
feridos. Foi um caso de terrorismo doméstico, ou seja, sem a participação de grupos ou
governos estrangeiros.

Ainda em 1996, no estádio Mateo Flores, na Guatemala (Estádio Nacional), em um


jogo das eliminatórias da Copa do Mundo entre as seleções da Guatemala e Costa Rica,
uma nova tragédia foi conhecida. O estádio estava superlotado, com a capacidade
máxima em muito excedida. Acredita-se que havia cerca de 60.000 torcedores para
uma capacidade máxima de cerca de 30.000 a 34.000 lugares. Muitos ingressos
foram falsificados (estima-se que cerca de 7.000), aumentando ainda mais o número
de espectadores. As versões sobre as reais causas da tragédia foram desencontradas.
Alguns afirmam que foi em decorrência da queda de uma parede enquanto que outros
pela entrada de pessoas de forma súbita, em um local já superlotado.

Vídeo:

<https://www.youtube.com/watch?v=3zvL2bhVpE8> (espanhol)

No ano 2000, no estádio São Januário no Rio de Janeiro, por ocasião da Copa João
Havelange, disputavam a final, o Vasco da Gama contra o São Caetano. Essa era a
partida decisiva, no campo do Vasco. O estádio estava superlotado e em decorrência de
uma queda de alambrado, mais de 160 pessoas se feriram. O socorro foi realizado no
gramado, com muita dificuldade.

Video:

<https://www.youtube.com/watch?v=qFlayR_WUwc>

<https://www.youtube.com/watch?v=htS3BbLY-V0>

Em 2001, novamente na África do Sul, no estádio Ellis Park superlotado (estima-se que
havia cerca de 120.000 pessoas em um local com capacidade máxima de 60.000 pessoas),
houve uma confusão generalizada que foi repelida com uso de gás lacrimogênio (CS)
pela polícia, provocando 43 mortes. Membros da segurança também foram acusados

31
UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

de corrupção permitindo a entrada de pessoas além da capacidade do estádio, sem


ingressos ou com ingressos falsificados. Os times eram os mesmos da tragédia de 1991
e da mesma forma houve a crítica de que nenhum aprendizado surgiu a partir daquele
evento onde 42 pessoas morreram.

Video:

<https://www.youtube.com/watch?v=SQvEHSKNsFw> (inglês)

Também em 2001, em Gana, em uma partida de futebol de grande rivalidade, 126 pessoas
morreram e várias ficaram feridas após o uso de gás lacrimogênio (CS) pela polícia para
coibir torcedores que estavam jogando objetos no gramado. As saídas de emergência
estavam fechadas e estima-se que havia superlotação em um estádio com capacidade
máxima de 40.000 lugares. Para agravar a situação, como os problemas ocorreram
já ao final da partida, as ambulâncias e equipes de socorro já haviam deixado o local
(antes mesmo do final do evento). Fica a lição, de que a desmobilização das equipes de
socorro e de segurança só podem ocorrer quando o estádio está vazio e sem riscos ao
redor (em muitos eventos, ocorre dos torcedores deixarem o estádio e enfrentarem a
polícia nos arredores do local ou provocarem depredação nas instalações).

Alguns anos mais tarde, uma grande tragédia abalaria o mundo. Uma boate lotada de
jovens, com capacidade acima do permitido, sem saídas de emergência adequadas,
sem equipamento de extinção de incêndios, forrada com espuma altamente tóxica e
inflamável, incendiou-se em poucos minutos, após um dos integrantes de uma banda
que se apresentava ao vivo, utilizar-se de fogos de artifício durante a sua performance.
Foram mais de 100 mortos.

Não estamos falando da boate Kiss, mas da Station, em 2003, em Long Island, nos
Estados Unidos. Percebam como todos os elementos que causaram o incêndio, 10
anos mais tarde, na boate Kiss, estiveram presentes nessa tragédia. Vejam como é
fundamental conhecer o passado para não repetir os mesmos erros no futuro.

O incêndio da casa noturna “The Station” foi filmado desde os primeiros instantes por
quem estava dentro e conseguiu se salvar. O vídeo tem cerca de 12 minutos e podemos
ver que os bombeiros chegaram em cerca de 4 minutos após o início do incêndio, no
entanto em poucos minutos as chamas já haviam tomado completamente o local.

Vídeo:

<https://www.youtube.com/watch?v=GymIhaxV7VE>

32
SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

É difícil acreditar que as lições não foram aprendidas. Há algumas autoridades que
simplesmente não acreditam que tragédias podem ocorrer em qualquer lugar. Depois
do ocorrido em 2003, na boate Station, era para ser proibido em qualquer lugar do
mundo, o uso de fogos de artifício em locais fechados, bem como não ser permitido
o funcionamento de estabelecimentos sem as saídas de emergência devidamente
operacionais (instaladas, sinalizadas e em quantidade e local adequados), bem como a
instalação de equipamentos de incêndio compatíveis com o local, o que inclui sprinklers
no teto, que é um sistema que ao detectar a presença de calor no ambiente, dispara
jatos de água. Existem leis para tudo o que foi acima descrito (ou quase tudo), mas os
estabelecimentos não são devidamente fiscalizados, há a certeza da impunidade, bem
como a corrupção, ainda plenamente presente em muitos casos.

Pois bem. Um ano depois do ocorrido em Long Island, uma tragédia quase idêntica
ocorreu em Buenos Aires, Argentina, na casa noturna República Cromagnon. Todos
os elementos estavam presentes: superlotação, saídas de emergência bloqueadas, uso
de artefato pirotécnico no interior do local, superlotação, ausência de equipamentos
de combate a incêndio. O resultado foi a morte de 194 pessoas, na maioria jovens, às
vésperas do Ano Novo. Houve cerca de 1432 feridos e a maior parte das mortes se deu
por asfixia.

Video:

<https://www.youtube.com/watch?v=icP1bOKRTX0>

Figura 14. Imagem aérea da boate República Cromagnon destruída pelas chamas

Fonte: <quenoserepita.com.ar>

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Em 2007, a queda de parte da arquibancada no estádio da Fonte Nova em Salvador,


provocou a morte de 8 torcedores e deixou 30 feridos.

Em 2012, no estádio Port Said no Egito, uma partida de futebol terminou com o saldo de
79 mortos e mais de 500 feridos. Houve invasão do campo, obrigando o time visitante a
fugir. Sua torcida foi atacada com garrafas, fogos de artifício e armas brancas. A polícia
foi acusada de manter os portões fechados, agravando a situação, bem como houve
relatos de que pouco fizeram para evitar a tragédia, que foi por muitos entendida como
tendo motivações políticas, também.

Vídeo:

<https://www.youtube.com/watch?v=Pxz0fNI-EQQ>

O ano de 2013 iniciou com uma grande tragédia no país. Em 27 de janeiro daquele
ano, um clube noturno superlotado (jovens na maioria) incendiou-se, matando 242
pessoas e ferindo outras centenas. Esse incêndio é quase uma cópia de outros ocorridos
anteriormente, alguns dos quais estudados nesse capítulo. Teve, por exemplo,
praticamente as mesmas causas e problemas encontrados na boate The Station (2003),
em Rhode Island, USA e a República Cromagnon (2004), em Buenos Aires, Argentina.
Mas também, o incêndio no Wuwang Club (China), em 2009, com 43 mortos e 88
feridos, no Santika Club, em Bangkok (2009), com 66 mortos e mais de 200 feridos (a
causa oficial não foi reconhecida, mas tudo indica que foi decorrente do uso de fogos de
artifício no interior da boate), bem como na Lame Horse, também em 2009, na Rússia,
com 150 mortos e mais de 160 feridos.

O incêndio na boate Kiss foi uma tragédia anunciada e as autoridades sabiam que
poderia ocorrer a qualquer momento, uma vez que a casa noturna não possuía alvará
de funcionamento. Ainda assim, funcionava normalmente. No dia do incêndio,
estava superlotada, com um forro de espuma bastante tóxico e inadequado para o
local, conforme relatado por especialistas. Não dispunha de sistema de sprinklers
para o combate a incêndios e os extintores existentes ou não funcionavam ou eram
insuficientes. Não havia sinalização de emergência e apenas uma saída, mal iluminada.
A causa do incêndio foi o uso de fogos de artifício pela banda que se apresentava no
local. Os elementos pirotécnicos utilizados são completamente inadequados para
serem utilizados em ambiente fechado. Em minutos, uma fumaça negra e tóxica já
havia tomado conta de todo o estabelecimento e sem luz, as pessoas buscavam fugir em
pânico.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

O socorro foi caótico e ficou claro pelas imagens, que os bombeiros não possuíam
recursos materiais, pessoal e nem treinamento adequado para lidar com aquela situação.
Importante dizer que nesses casos, a presença de fumaça altamente tóxica (cianeto) pela
combustão da espuma, fez com que o incidente fosse também uma emergência química
(em inglês HAZMAT) que requer a adoção de protocolos específicos e equipamentos
especializados, além evidentemente de treinamento.

Não houve isolamento e nem contenção do local, o que é um princípio básico no


gerenciamento de crises. Um posto de comando não foi estabelecido e mesmo com
a chegada do SAMU, o socorro não foi organizado. Não houve triagem das vítimas e
as imagens do incidente mostram que as pessoas eram atendidas por populares e de
forma aleatória pelas equipes de emergência. O sistema de comando de incidentes não
foi implementado.

Muitos sobreviventes passaram a atuar na tentativa de socorro aos amigos e pessoas que
ainda encontravam-se no interior do estabelecimento. Tentaram, de todas as formas,
abrir buracos na parede e alguns ainda retornaram à boate. Outros compartilharam
de equipamentos dos bombeiros que permitiram que eles ali permanecessem. As
consequências, no entanto, foram mais trágicas ainda, com a morte e intoxicação
severa de muitos que já haviam saído do local e não poderiam de forma alguma ter ali
permanecido.

O uso de voluntários em operações de socorro é muito bem vindo, quando são pessoas
devidamente treinadas e pertencentes a organizações especialmente voltadas para esta
finalidade, como a Cruz Vermelha. Os papéis, de cada um, são bem definidos e fica claro
como e de que forma cada um deve agir. Foi inclusive relatado, que vários profissionais
da Cruz Vermelha tiveram importante papel no período após a tragédia, sobretudo na
área da psicologia.

O voluntariado, contudo, deve ser evitado a todo custo. Por esse termo compreende-se
aos populares e pessoas que não fazem parte de organizações de socorro ou que apenas
querem ajudar, mas não possuem treinamento. Nesses casos, as pessoas podem sofrer
ferimentos sérios e até morrer, ou ainda colocar em risco a operação de socorro e a vida
das vítimas e dos outros socorristas.

Quem tentou ajudar na boate Kiss, ainda durante o incêndio, agiu com voluntarismo.
Fizeram de tudo o que estava ao alcance deles para ajudar. Agiram como heróis. No
entanto, nem todos conseguiram sobreviver, dentre esses heróis. Nenhum socorro deve
precisar de atos heroicos, que só existem quando o sistema falha. Ou seja, se houvesse
bombeiros com pessoal adequado e recursos necessários, os heróis não precisariam ter

35
UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

agido e aqueles jovens que sacrificaram suas vidas para ajudar os amigos, poderiam
estar vivos.

Todas as cidades, ainda mais do porte de Santa Maria, devem possuir planos de
emergência e desastre. Não há justificativa para que não estejam atuando na prevenção
e preparação de tragédias como a que foi verificada. Ficou evidente nesse episódio,
conforme as investigações demostraram, que claramente houve falhas graves na
prevenção e na fiscalização da boate. Como consequência, foi solicitado o indiciamento
de 8 bombeiros. No campo da preparação, é um absurdo que uma cidade com mais de
200.000 habitantes não possua bombeiros de plantão, em quantidade e com recursos
que sejam adequados ao porte da cidade. O mais grave é sabermos que na região há o
comando da 3 Divisão do Exército, com milhares de militares, bem como uma base área
da Aeronáutica, que dentre as diversas unidades, possui uma destinada ao combate
de chamas, que inclusive auxiliou no socorro. Por que este comentário? Porque se os
bombeiros não possuem pessoal e nem recursos, mas estão em uma área com grande
presença de unidades militares, é fundamental que exista um planejamento de pronto-
emprego para auxílio em situações de incidentes com múltiplas vítimas e desastres. As
Forças Armadas por diversas vezes já demonstraram sua capacidade e vocação para
auxílio do poder público em situações críticas e com certeza podem e devem fazer parte
de um planejamento desta natureza. Essa cooperação ficou clara e se mostrou efetiva
nos dias seguintes à tragédia, mas teria sido muito bom, que pudesse também ter
ocorrido durante o resgate e que possa ser parte de um planejamento para evitar novas
situações futuras.

Será que a partir de agora, tudo irá mudar e novas tragédias como essas deixaram de
acontecer? Infelizmente, é pouco provável se tomarmos como exemplo o que de fato
mudou após a tragédia. Para que possa haver uma diferença na política de prevenção,
preparação e resposta é fundamental que haja profissionais devidamente capacitados,
planejamento bem realizado e, sobretudo, que as lições passadas não sejam esquecidas.

O ano de 2013 ainda foi palco de outra tragédia. Durante a maratona de Boston, nos
Estados Unidos, um atentado terrorista provocou a morte de três pessoas, incluindo
uma criança e cerca de 260 feridos, muitos em estado grave. O atentado foi perpetrado
por dois irmãos, mulçumanos, de origem chechena, que residiam nos Estados Unidos e
inspirados por crenças extremistas islamistas. Foram utilizados dois artefatos explosivos,
improvisados em panelas de pressão, deixados dentro de mochilas, colocadas próximas
à linha de chegada, programadas para explodir com pequena diferença de tempo entre
elas. A crueldade do atentado, ainda foi maior, uma vez que foram colocados pregos
junto aos explosivos e as mochilas colocadas no chão, de tal forma que com a explosão,
muitos ferimentos foram provocados nos membros inferiores dos atletas (corredores),

36
SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

tendo ocorrido diversas amputações. As consequências só não foram ainda mais graves,
porque havia muitos médicos e outros profissionais de saúde no local, em barracas
destinadas ao atendimento das ocorrências da maratona e em razão de Boston ser uma
cidade referência na área de saúde e especialmente preparada para lidar com desastres
e atentados. Cerca de 27 hospitais foram mobilizados para atender as vítimas do ataque,
incluindo o Massachusetts General Hospital, o mesmo utilizado no atendimento das
vítimas do incêndio do Cocoanut Grove em 1942.

Figura 15. Atentado na maratona de Boston.

Fonte: <http://www.flickr.com/photos/hahatango/8652831303/in/set-72157633252445135/>

Vídeos:

<https://www.youtube.com/watch?v=vJHzKOsd2EU>

<https://www.youtube.com/watch?v=fWk3LrR0rUk>

Por ocasião da Copa das Confederações em 2013 e da Copa do Mundo em 2014, ambas
no Brasil, foi montado um grande aparato de segurança, com proporções jamais vistas
no país.

A abertura da Copa das Confederações foi marcada por manifestações em Brasília, à


frente do Estádio Nacional, onde ficou evidente que, mesmo com todos os recursos
materiais e humanos destinados para a segurança, houve grande falha na condução dos
protestos.

37
UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Em toda democracia, é livre o direito de expressão e de manifestação. Assim, as pessoas


devem ter amplo direito de demonstrarem publicamente seu contentamento ou protesto
com relação ao governo e cabe à força pública, no caso, a polícia, assegurar que os
manifestantes possam exercer esse direito, que é constitucional. Contudo, cabe também
à Segurança Pública, definir onde as manifestações podem ocorrer, em que horário,
local e até mesmo exigir que sejam previamente informados. Nada disso aconteceu.
Nem os manifestantes tiveram o seu direito respeitado e nem a Segurança Pública foi
previamente informada. Também não se sabe por que a inteligência não detectou o
movimento. A condução da crise também foi mal conduzida, uma vez que no local havia
muitas famílias e torcedores, e apesar dos manifestantes estarem muito próximos da
entrada do estádio, o protesto era pacífico. Houve emprego da tropa de choque e da
cavalaria com uso de gás lacrimogêneo e munição não letal, provocando vários feridos.

Nos dias seguintes, várias manifestações passaram a ocorrer em todo o país, por razões
diversas, mostrando, contudo, um descontentamento generalizado com diversas
questões, sobretudo com relação aos custos da realização da Copa do Mundo.

A primeira grande manifestação ocorreu dois dias após a abertura da Copa das
Confederações e se deu em frente ao Congresso Nacional. Foi um evento de grande
porte, do tipo espontâneo. Ou seja, não estava previamente agendado e contou com a
presença de milhares de pessoas. As barreiras policiais contavam com poucos policiais
diante do expressivo número de manifestantes que acabaram por ter acesso ao prédio
do Congresso e ocuparam a área externa da Câmara dos Deputados, a rampa de acesso,
incluindo as cúpulas. Foi por pouco que não houve uma invasão e confrontos com a
polícia. Nos dias seguintes, a situação ficou ainda mais tensa em seguidas manifestações
no país, com estimativa de público de até um milhão de pessoas, sendo as maiores
registradas em São Paulo e Rio de Janeiro.

Nas manifestações em Brasília, as que reuniram as maiores concentrações de pessoas


ocorreram em frente ao Congresso Nacional, onde em uma delas havia cerca de 60.000
pessoas. Com relação a essas manifestações em frente ao Congresso, posso falar de
forma mais detalhada, pois estava à frente da coordenação de emergência. Havia uma
preocupação muito grande com relação à proteção dos manifestantes, bem como dos
policiais ali presentes. Muitos policiais estavam trabalhando seguidamente neste tipo de
evento e o stress era visível. As provocações ocorriam com muita frequência, sobretudo
por parte de pequenos grupos.

Havia uma grande multidão querendo realizar uma manifestação democrática e pacífica
e um pequeno grupo de pessoas com o único objetivo de provocar baderna e confusão.
Essas pessoas, com frequência, agrediam os policiais com palavrões, jogavam água em

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

seus uniformes, bem como fogos de artifício. Foi montado um esquema de emergência
que incluía, postos móveis com profissionais de saúde, em frente ao Congresso, na
Chapelaria (que fica no subsolo e por onde entram os parlamentares), com retaguarda
do serviço médico da Câmara dos Deputados e com o Posto de Comando e área de
concentração de vítimas (triagem e atendimento) em local estrategicamente definido
e coordenado pelo SAMU-DF. Todas as vítimas que eram resgatadas pelos bombeiros
eram transportadas para a área de triagem onde também recebiam o atendimento
conforme a gravidade e transportadas para o Departamento Médico da Câmara dos
Deputados, para realização de exames complementares e atendimento especializado,
ou então, nos casos mais graves, eram removidos para os hospitais. O sistema de
comando de incidentes foi parcialmente utilizado, dele fazendo parte os bombeiros,
o SAMU e o departamento médico da Câmara dos Deputados. Nenhuma ocorrência
grave sob o ponto de vista médico, que tenha requerido internação, foi verificada em
todos os dias de manifestação. Sob a perspectiva da segurança, contudo, o ataque ao
Palácio do Itamaraty com uso de coquetéis Molotov merece destaque, sobretudo pela
agressividade dos manifestantes envolvidos no episódio.

Com relação à segurança, as áreas interna e externa do edifício do Congresso Nacional,


em particular da Câmara dos Deputados, estavam a cargo da Polícia Legislativa, que
empregou suas diversas unidades, incluindo a de controle de distúrbios, uma vez
que, constitucionalmente, a responsabilidade legal pela segurança do local compete à
polícia legislativa (da Câmara e do Senado). Policiais legislativos do Senado atuaram,
em diversos momentos, de forma conjunta com os da Câmara. Um gabinete de crise foi
instalado, contando com representantes de diversos órgãos de Segurança Pública, além
da Câmara e Senado.

No controle do perímetro externo, fora da área de atuação das Polícias Legislativas,


estava a Polícia Militar, que empregou na linha de frente, policiais da Companhia
Independente do Congresso Nacional, com apoio e retaguarda do Batalhão de Polícia
de Choque e do Regimento de Polícia Montada. O Detran estava a cargo do controle do
trânsito.

Havia sempre a orientação para que o Batalhão de Polícia de Choque fosse usado apenas
se estritamente necessário, o que de fato ocorreu em alguns momentos, sobretudo
quando manifestantes passaram a utilizar fogos de artifício como armas. Algumas
prisões foram realizadas e houve grande integração das unidades envolvidas.

Assim, em eventos de grande porte, quando espontâneos, é fundamental que haja o


trabalho da inteligência para a identificação de manifestações, de tal forma a permitir
ao gestor de crises e encarregados da Segurança Pública que definam juntamente

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

com os organizadores da manifestação, os trajetos a serem seguidos, horários, locais


permitidos e minimizar as chances de conflitos.

Figura 16. Manifestação em frente ao Congresso Nacional, 2013. Observem a linha de frente da Polícia Militar e

na entrada da rampa, a unidade de controle de distúrbios da Polícia Legislativa.

Foto: Laycer Thomaz/Câmara dos Deputados

Figura 17. Multidão em frente ao Congresso Nacional, 2013.

Foto: Luiz Marques/Câmara dos Deputados

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Figura 18. Resgate de ferido em manifestação em frente ao Congresso Nacional, 2013.

Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Todo e qualquer evento de grande porte, espontâneo ou eletivo (previamente agendado)


deve possuir o Sistema de Comando de Incidentes implementado, em que todas as
organizações envolvidas devem estar presentes em sua estrutura. A Defesa Civil deve
ser parte ativa, em todos esses eventos. Infelizmente, no entanto, em diversos estados
e cidades brasileiras, a Defesa Civil está desvirtuada de sua verdadeira função, que é,
sobretudo, a de planejar, prevenir e preparar as comunidades e órgãos de segurança,
para emergências e desastres. Defesa Civil não é órgão executor e muito menos cargo
para ser usado com finalidades políticas.

As manifestações de junho de 2013, tiveram problemas em algumas cidades,


sobretudo em decorrência do uso de balas de borracha, de spray de pimenta (OC) e
de gás lacrimogêneo (CS). O uso dessas armas ditas não letais, deve seguir critérios
bastante específicos. Por exemplo, como vimos em várias tragédias acima descritas,
não se usa de forma alguma gases (nem pimenta e nem lacrimogêneo) em ambientes
fechados ou em locais onde a multidão não tem como escapar ou se evadir. O risco de
intoxicação passa a ser grande, assim como o de pânico, pisoteamentos, asfixia, dentre
outras lesões. Tanto o gás lacrimogêneo como o de pimenta podem causar problemas
respiratórios e alérgicos, dependendo da concentração e do tempo de exposição.
O uso deve ser restrito a situações (ao ar livre), por exemplo, onde há a tentativa de
invasão de local não permitido (spray) ou para dispersar multidão (bomba de gás). Há
países que não utilizam o gás de forma alguma. Há meios alternativos para a mesma

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

finalidade, sem os mesmos riscos, como o uso de canhão de som, que emite um ruído
sonoro bastante desconfortável e alto, de tal forma que ninguém à frente do canhão
consegue ali permanecer. Mas, precisa também saber ser operado para que não cause
lesões no tímpano. O uso de balas de borracha deve ser empregado apenas para atingir
os membros inferiores e tão somente quando na iminência de um ataque, ou seja, em
legítima defesa. A ideia de disparos aleatórios contra manifestantes é absurda, assim,
como a curtas distâncias (pode ser fatal) e jamais direcionado para o abdome, tórax ou
cabeça. Há países que não as utilizam de forma alguma. Contudo, bem indicado, pode
ser útil em situações específicas.

Casos em que o policial sai de formação e corre em perseguição a um manifestante,


demonstra falta de controle e não deve jamais ser tomado como um procedimento a
ser seguido. Nessas situações, o policial se coloca em risco desnecessário, compromete
a formação e se alcança o manifestante, pode agir com força desmedida. Para essa
finalidade, deve existir nas tropas de Choque as chamadas equipes de busca e
apreensão, que visam detectar e deter os agitadores ou que estão realizando ataques.
Em alguns países, são empregadas equipes com filmadoras que registram os ataques e
posteriormente realizam a identificação dos agressores, possibilitando a prisão.

Ou seja, não basta ter equipamentos ou armas ditas não letais, se não é seguido um
protocolo internacional para emprego, de acordo com o escalamento de força (force
continnum) e sempre com a lembrança de que, embora o risco seja menor, ainda
assim, as armas ditas não letais podem provocar mortes e lesões graves, sobretudo
se mal empregadas. Da mesma forma, policiais devem ser rigorosamente treinados
antes de participarem de controle de distúrbios, principalmente para que não reajam a
provocações.

A Copa do Mundo foi realizada em junho e julho de 2014. Sob o ponto de vista da
segurança, foi um sucesso?

Há diversas formas de se responder a essa pergunta. A primeira delas é com base nos
resultados. De uma forma geral, houve algum episódio grave que tenha sido registrado,
que tenha colocado em risco a vida dos atletas ou dos espectadores nos estádios?
Não. Então podemos concluir que o sistema foi adequado? Também não. Por quê?
Só podemos afirmar que um sistema foi eficiente quando ele foi capaz de detectar,
identificar e neutralizar uma ameaça. Nada indica que isso tenha ocorrido. Em outras
palavras, se em uma empresa que nunca tenha tido um princípio de incêndio podemos
afirmar que a brigada de incêndio é eficiente? Não. Porque o sistema de fato nunca foi
testado. Podemos tão somente afirmar, sob este ponto de vista, que felizmente nada
de mais grave aconteceu, o que pode ser comemorado, mas não autoriza ninguém a

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

afirmar que o sistema foi adequado e deve ser referência para eventos futuros sem uma
análise crítica. Não há nenhum registro e nem informação dos órgãos de segurança, que
uma grave ameaça tenha sido detectada, identificada, neutralizada e explorada, que são
os princípios da contralinteligência.

Vamos então analisar os preparativos e os sistemas preventivos. Sob este aspecto,


devemos antes de tudo entender o que chamamos de prevenção.

Prevenção é um conjunto de ações que visa identificar e adotar medidas que visem
diminuir (mitigar) as vulnerabilidades de um local frente a ameaças prováveis, possíveis
e também as improváveis. Para isso são elaborados mapas de vulnerabilidade onde
são relacionadas todas as vulnerabilidades existentes e confrontadas com as ameaças.
Por exemplo. Qual o risco de um estádio em Brasília ser atingido por um tornado?
É vulnerável a isto? Os engenheiros devem responder, identificando se a estrutura
é suficientemente segura para enfrentar ventos que podem chegar a centenas de
quilômetros por hora. A ameaça de tornado é possível? Sim. Brasília já teve tornados. É
provável? Pouco provável. Qual o risco que essa ameaça possa ocorrer? É quando então
é realizado o mapeamento ou inventário de riscos e medidas voltadas para a mitigação
são apresentadas.

Por exemplo, em um caso como esse, há necessidade de verificarmos de que forma


os serviços meteorológicos podem informar quanto à formação de nuvens que
propiciam a ocorrência de tornados e com que antecedência. Com esta informação
(tornado watching em inglês) podem ser tomadas medidas com vistas a proteger os
espectadores. Você se lembra do que houve no estádio do Nepal, acima descrito, por
causa de uma tempestade de granizo? Ainda nesta análise. E furacão? É possível? Não.
Furacões só ocorrem sobre o mar e quando atingem a terra, perdem muito a sua força,
transformando-se rapidamente em tempestade tropical. Nesse caso então, furacão não
é uma ameaça para Brasília. Entenderam o raciocínio?

A questão é que, com relação à Copa do Mundo, o terrorismo era uma ameaça
extremamente importante que precisava ser levada em consideração e o sistema
preparado para a detecção, identificação, neutralização e exploração de qualquer
elemento que pudesse estar relacionado com tal ameaça. Aí começam os problemas.
O Brasil não tem uma lei que puna o terrorismo. Não é um crime previsto no código
penal, apesar de o país ser signatário de diversos acordos e convenções internacionais e
da própria Constituição Federal afirmarem que o crime é imprescritível. Mas que crime
se ele não existe no código penal? É preciso, antes de tudo, chegar a uma definição
do termo. Como combater algo que não se sabe o que é? As medidas voltadas para
a prevenção dos ataques são chamadas de antiterrorismo, enquanto aquelas voltadas

43
UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

para o combate a terroristas já identificados e que estão em curso de uma operação


ou ataque, chama-se contraterrorismo. As autoridades se apressaram em apresentar
unidades policiais dessa natureza, como se fosse esta a linha principal de defesa contra
ataques. Países com excelentes unidades contraterroristas são por vezes atingidas
por ataques, pelo simples fato de que o mais importante elemento contra esse tipo de
violência é obtido pela Inteligência, o que implica em legislação adequada, integração
das agências, bem como compartilhamento de informações com governos aliados.

Em pelo menos dois episódios, tivemos sinais claros de que algo não esteve bem e que
poderia ter resultado em um problema mais grave, apesar de todo o aparato policial.
O policiamento ostensivo funciona bem para inibir ações criminosas comuns, como
furto, roubo e eventualmente o tráfico de drogas, mas para o combate a crimes mais
complexos, não. O conhecimento e detecção pela população, de elementos que podem
ser suspeitos de uma movimentação terrorista, requerem treinamento e campanhas
voltadas para esta finalidade.

Foi dessa forma que vendedores de rua, sinalizaram para policiais em New York, que
uma atividade suspeita estava ocorrendo em uma van, no movimentado Times Square
e de fato, um atentado foi descoberto e abortado. Policiais precisam ser exaustivamente
treinados no reconhecimento desses sinais. Os policiais brasileiros estão treinados para
isto? Foram orientados como identificar tais sinais? E os hospitais? Os profissionais de
saúde foram treinados para o recebimento de vítimas de atentados, incluindo os que
possam envolver substâncias químicas e/ou radioativas? Treinamento não é fazer uma
palestra ou colocar um folder. Isso também é importante, mas vai muito mais além. Os
simulados foram realmente realizados para identificar os erros do sistema de resposta
ou apenas uma representação teatral para mostrar para a população e autoridades de
que estava tudo bem? Simulado onde tudo dá certo, deve ser realmente colocado sob
suspeita. O imponderável sempre ronda eventos críticos.

Pois bem. Me referi a dois episódios que poderiam ser críticos, mas gostaria de acrescentar
mais um. Foi amplamente divulgado pela imprensa e confirmado posteriormente
pelas autoridades, que na cerimônia de abertura da Copa de 2014 houve uma situação
potencialmente crítica, decorrente de um erro de comunicação inadmissível, quando
um atirador de elite da Polícia Civil, ao perceber a presença de um policial militar em
uma área não autorizada, próxima às autoridades, pensou estar diante de um possível
criminoso ou terrorista. Ao entrarem em contato com a central, solicitando autorização
para neutralizar a ameaça, houve a informação de que nenhum policial militar estava
autorizado a estar ali. Felizmente alguém reconheceu que se tratava de um policial e ao
se buscar mais informações, foi dito que ele estaria ali para apurar uma possível ameaça
de bomba. Ou seja, podemos dizer que foi um sucesso porque o policial militar não foi

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

atingido? E que protocolo é esse que um policial vai sozinho, verificar uma possível
ameaça de bomba em um estádio lotado, sem que a central de controle tivesse sido
avisada? Bom, estou comentando em cima de fatos que foram publicados pela imprensa
e que não foram negados pelas autoridades, no que diz respeito ao erro de comunicação
existente (FOLHA DE SÃO PAULO, 2014).

Em outro episódio, foi relatado que um argentino, que deveria ter sido proibido de
ingressar no país e mais ainda em estádios, teria sido preso pela polícia, mesmo estando
usando máscara. Ele seria um membro violento de torcidas organizadas e que poderia
trazer risco para os espectadores. De fato ele foi preso. O problema é saber como ele
entrou no Brasil e como teve acesso aos estádios (ele ficou postando imagens nas redes
sociais antes de ser preso, desafiando a polícia, deixando claro que se disfarçava para
entrar nos estádios). Felizmente foi preso, mas já dentro de outro estádio (BONFANTI,
2014). E se fosse um terrorista?

O terceiro episódio que merece ser comentado é o referente à invasão de torcedores


chilenos ao Maracanã, pouco antes do jogo entre as seleções de Espanha e Chile. Cerca
de 100 chilenos que estavam sem ingresso invadiram o centro de imprensa, alcançando
outras áreas (COELHO, 2014). A pergunta é: e se fossem criminosos? E se fossem
terroristas?

A segurança e o atendimento médico dentro do estádio eram terceirizados. Houve


treinamento conjunto com os órgãos de Segurança Pública na eventualidade de um
desastre ou atentado? Se houve, com que antecedência? Como foi este treinamento?

Houve outras invasões e outros problemas. Um grande problema no Brasil é que


há uma séria dificuldade por parte das autoridades e das organizações em realizar a
autocrítica, como também em perceber na crítica, uma oportunidade de melhora
para eventos futuros. O que vemos com frequência é que se tudo “deu certo” então o
modelo funciona, não precisa ser modificado e está pronto para o próximo evento. Você
como especialista em segurança de eventos de grande porte, não caia nessa tentação
e armadilha ao mesmo tempo. A vaidade e o orgulho não combinam com a gestão
de segurança. Aceitem as críticas e sempre, mas sempre mesmo, façam reuniões de
avaliação após os eventos , sejam críticos e convidem pessoas de outras áreas para que
apontem também as críticas. Só dessa forma, o sistema pode ser de fato melhorado.

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CAPÍTULO 2
Ameaças e vulnerabilidades mais
comumente encontradas

Prevenção
Como vimos no histórico das tragédias ocorridas desde 1900 até os dias atuais, houve
uma repetição de problemas em boa parte dos incidentes relatados.

Todo evento requer planejamento, e o primeiro passo a ser dado neste processo, é a
obtenção, no mínimo, das seguintes informações:

»» natureza do evento;

»» tamanho do público (número de ingressos vendidos, número de pessoas


que terão acesso sem ingresso, locais onde o público terá acesso, relação
de metro quadrado/público (não deve ser superior a três pessoas em pé/
metro quadrado, respeitada ainda a capacidade máxima do local);

»» local do evento, acesso e distância para hospitais;

»» relação tamanho de público/espaço;

»» tipo de público;

»» infraestrutura, inclusive médica;

»» instituições participantes;

»» acesso do público, rotas de fuga e escoamento;

»» previsão meteorológica;

»» duração do evento;

»» data/horário/dia da semana do evento (férias?);

»» características especiais.

Vocês viram acima que dissemos que a relação de três pessoas/metro quadrado deve ser
respeitada em eventos eletivos. Isso se deve a uma questão não apenas de segurança,
como também de conforto e de acesso das equipes de emergência. Contudo, há que se
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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

respeitar a capacidade máxima do local. Por que estou fazendo essas considerações?
Imagine um ginásio com capacidade máxima para 500 pessoas, mas apenas uma
área está disponível para o público, fazendo com que haja uma relação de quatro ou
mais pessoas/metro quadrado. Não há a presença de pessoas em número maior que
a capacidade do local inicialmente prevista, mas ao haver a modificação do espaço
destinado ao público, a capacidade foi alterada e dessa forma, deve-se fazer a estimativa
máxima de público a partir das dimensões da nova área a ser utilizada e aplicando-se a
regra de três pessoas/metro quadrado.

Em eventos públicos (não eletivos) como as grandes manifestações, quando há uma


massa de pessoas se deslocando, com grande dificuldade, podemos chegar a 6 ou 7
pessoas/metro quadrado, o que é um número crítico e inimaginável para um evento
eletivo, conforme já havia sido explicado anteriormente.

Tendo por base as informações preliminares que foram acima apresentadas, referentes
aos dados básicos do evento, devem ser adotadas as medidas de prevenção propriamente
dita, compostas dos seguintes elementos:

»» informações preliminares;

»» mapa e reconhecimento do local;

»» levantamento de ameaças, vulnerabilidades e riscos;

»» mitigação para danos conhecidos;

»» Estimativa Médica de Situação;

»» treinamento;

»» briefing.

Nós já apresentamos as informações preliminares e vamos então tecer algumas


considerações sobre o mapa e o reconhecimento do local. Atualmente, há diversas
formas de obtenção de mapas de qualquer localidade. São mapas de alta qualidade,
com imagens obtidas por satélites e que permitem a aproximação ao nível da rua, nas
principais cidades. É fundamental que o gestor de segurança de grandes eventos esteja
familiarizado com essas ferramentas, bem como com o uso de GPS para a adequada
localização do evento e planejamento das rotas de fuga, dos acessos principais, da
localização dos hospitais de referência e rotas de acesso, bem como local para pouso
de helicópteros, dentre outras informações, o que inclui a identificação de pontos
que podem representar ameaça, como áreas cobertas de vegetação, por exemplo, que
estejam muito próximas do evento e podem ser usadas por criminosos para se esconder.
47
UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

É importante lembrar que da mesma forma que os mapas são de grande utilidade para
os gestores de segurança, também são úteis para os criminosos pelas mesmas razões.

Por vezes vemos mapas de eventos, com detalhamento de infraestrutura de emergência


e policiamento serem divulgados com muita antecedência na internet e na mídia. Isso
é um grande problema, pois são informações críticas e sensíveis. As pessoas devem
ter conhecimento dos locais de atendimento, mas não há necessidade do fornecimento
de mapas detalhados, com informações que não sejam imprescindíveis e divulgadas
com tanta antecedência, sobretudo se o evento possui autoridades e Chefes de Estado
estrangeiros, como nas posses presidenciais.

O reconhecimento do local é outra questão importante. Conhecer não é a mesma coisa


que reconhecer. Você pode conhecer uma pessoa e não reconhecê-la quando a encontra
usando uma roupa diferente, um cabelo ou maquiagem que normalmente não utiliza
ou mesmo porque os anos passaram e a pessoa mudou fisicamente. O mesmo deve ser
dito com relação aos locais de evento. Você pode conhecer um determinado estádio,
mas modificações podem ter sido realizadas ou mesmo a montagem da estrutura de
um evento pode ter modificado o local. Assim é fundamental que o estádio seja visitado
com antecedência e todos os pontos verificados, incluindo as vulnerabilidades. Isso é
reconhecimento! E deve ser repetido diversas vezes até a véspera do evento, incluindo,
uma visita no mesmo horário em que o evento irá ocorrer, sobretudo se for a noite, para
que o sistema de iluminação seja testado e possam ser verificados pontos de sombra.

Toda vulnerabilidade encontrada deve ser descrita, e medidas de mitigação relacionadas,


ou seja, o que necessita ser feito para reduzir aquela vulnerabilidade. A partir da
identificação da vulnerabilidade e da ameaça a ela relacionada, pode ser estimado o risco.
Nem toda vulnerabilidade pode ser mitigada, por essa razão, em algumas situações, é a
partir desse levantamento que se pode concluir se determinado evento pode ou não ser
realizado devido ao alto risco que o envolve. Por exemplo, é identificado que o local não
possui saídas de emergência. Enquanto essa questão não é sanada, o local não pode ser
utilizado.

A Estimativa Médica de Situação compreende uma série de análises, realizada pela


equipe médica responsável pelo evento, com vistas a identificar as vulnerabilidades,
ameaças e mitigações necessárias. A estimativa pode ser favorável à realização do
evento, ou não.

O treinamento é fundamental, como já dito anteriormente, e para algumas situações


como grandes eventos, incluindo competições esportivas internacionais (Copa do
Mundo, Olimpíadas etc.), há a necessidade de realização de treinamentos em conjunto
com todas as agências envolvidas. Os simulados só podem ser realizados após o

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

treinamento básico, do contrário, o que será verificado no simulado? Da mesma


forma, há a necessidade de que haja um plano previamente preparado e conhecido por
todos os envolvidos, destinado ao evento. É com base nesse plano, que o simulado é
realizado, sempre com foco crítico. Simulado é para descobrir falhas e não para agradar
autoridades ou impressionar a imprensa.

Antes de todo evento, toda equipe deve receber um briefing que são as instruções para
o que será feito. Naturalmente, o briefing realizado momentos antes do início do evento
não tem o objetivo de substituir o plano, mas tão somente de fazer os últimos ajustes.
É recomendável que após o evento, haja também o debriefing onde serão avaliadas as
falhas, dificuldades e oportunidades de melhora. Não faça debriefing no mesmo dia
do encerramento do evento, logo após o término, como já vi muitas vezes ser feito.
Não funciona. As pessoas estão cansadas e estressadas. Há necessidade de um mínimo
de descanso para que todos possam processar adequadamente todas as considerações
que precisam ser feitas. O ideal é que seja realizado entre 24 e 48h após o evento. O
debriefing, em alguns casos, requer a presença de profissional de saúde mental, que
não seja membro da equipe e de preferência que conheça a técnica, quando há uma
tragédia envolvida.

Em eventos que se transformaram em tragédias, por exemplo, toda a equipe de resgate


e de segurança necessita passar por este tipo de debriefing, de preferência nas primeiras
72h após o ocorrido, para atuar de tal forma a evitar problemas futuros, que incluem o
stress pós-traumático, a frustração, dentre outras diversas manifestações.

49
CAPÍTULO 3
Tipos de eventos

Eventos ao ar livre e eventos em locais


fechados
Há diferentes tipos de eventos como já discutido anteriormente.

Os eventos realizados de forma eletiva são aqueles onde há um agendamento ou notícia


prévia de que irá ocorrer. Pode ser um evento público ou privado, ao ar livre ou em
locais fechados.

Os eventos espontâneos são aqueles realizados, como o próprio nome sugere, sem
que houvesse sido agendado e assim noticiado. Há um cuidado aqui. Muitas das
manifestações ocorridas em junho de 2013 reuniram milhares de pessoas nas ruas não
foram espontâneas. Houve um planejamento prévio de pessoas que se apresentaram
como organizadores, sobretudo nas mídias sociais e o que houve foi tão somente a
adesão de mais pessoas. A adesão pode ter sido espontânea por parte de muitas pessoas,
mas não o evento. Qual a importância disso?

Um evento totalmente espontâneo é aquele que surge de um momento para o outro, sem
que haja tempo de planejamento, como quando algo crítico ou situação catalisadora
ocorre, e as pessoas imediatamente seguem em passeata para um local sem prévio
planejamento. Um exemplo é o resultado de uma partida de futebol que não é do
agrado de uma das torcidas e os torcedores resolvem sair em passeata pelas ruas, de
forma pacífica ou não. Outra situação é a de artistas que sem aviso prévio resolvem se
apresentar em determinado local e atraem pessoas para assistir a performance. Esses
eventos realmente espontâneos requerem um trabalho muito rápido dos órgãos de
Inteligência, a fim de detectar precocemente o que está para ocorrer e despachar para o
local o melhor contingente possível e adequado para a situação.

As manifestações de junho de 2013, contudo, à medida que iam ocorrendo, já eram


agendadas outras pelas redes sociais e não é admissível que qualquer órgão de segurança
afirme ter sido apanhado de surpresa.

Os eventos eletivos, no entanto, permitem e requerem planejamento prévio e em


conjunto com os organizadores de representantes de todos os órgãos envolvidos,
incluindo segurança e atendimento médico privados, se for o caso. Recordo-me, certa
vez, de uma reunião estar sendo realizada por profissionais de Segurança Pública para
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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

um grande evento, quando a equipe médica chegou. Para minha surpresa, o coordenador
da reunião disse que eles poderiam ir embora porque o assunto era só de segurança.
Como assim? Os assuntos de segurança envolvem a equipe médica e vice-versa. O
que fazer, por exemplo, se uma autoridade é vítima de um atentado? E se ocorre uma
situação envolvendo arma de fogo? E se ocorre uma explosão? E se há um desastre
natural? Como lidar com todas essas situações sem a equipe médica presente? Cada vez
mais, em países como os Estados Unidos, a equipe médica está presente no dia-dia das
operações policiais e equipes da SWAT com frequência possuem profissionais de saúde
nas unidades de entrada dinâmica e em resposta a eventos críticos.

Qual a diferença entre eventos ao ar livre e eventos


em local fechado?

Há várias diferenças entre eventos ao ar livre e eventos em local fechado. Eventos ao ar


livre estão mais sujeitos a problemas relacionados com fenômenos meteorológicos, por
exemplo. Um evento (que tenha sido iniciado ou não) que esteja ocorrendo em local onde
haja um alerta para tornados ou que esteja com previsão de tempestades e, sobretudo,
se houver raios, deve ser imediatamente cancelado. O Brasil é o país com maior número
de descargas elétricas do mundo e raios podem ocorrer em qualquer lugar, sobretudo
próximos a árvores e estruturas metálicas, comumente encontradas em eventos. As
pessoas não devem abrigar-se debaixo de árvores e nem em locais molhados, devendo
ser abrigadas dentro de estruturas de concreto de preferência e longe das janelas. Em
regiões onde há previsão de tornados, protocolos específicos devem ser adotados.

Infelizmente, no Brasil, não é comum que haja mobilização da Segurança Pública


diante de alertas meteorológicos e tampouco tais alertas são emitidos com a frequência
e precisão adequados. Nos Estados Unidos, em estados como a Flórida, por exemplo,
quando há a possibilidade de tempestades ou tornados, as pessoas são avisadas por
alertas nos telefones celulares, nas redes de TV a cabo, nos rádios e é informado,
inclusive, o horário de início e de fim do alerta. Como qualquer fenômeno da natureza,
por vezes, há uma mudança no curso da tempestade, mas em geral, são bastante
próximos da realidade. Quando tais alertas ocorrem, na mesma hora são cancelados os
eventos ao ar livre.

Outra questão referente aos eventos ao ar livre, diz respeito ao risco advindo do ar.
Cada vez mais, drones estão sendo utilizados pelas mais variadas razões, o que inclui
a invasão de privacidade em eventos com acesso restrito, para obtenção de imagens
que serão comercializadas posteriormente, bem como para mapeamento de regiões que
podem ser alvo de criminosos ou ainda carregando armas e drogas. Drones podem,
ainda, causar sérios problemas se caírem em cima de uma multidão.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Eventos em ambiente fechado requerem um excelente sistema de iluminação, pois se


há um blecaute ao ar livre, em muitos casos ainda é possível se guiar pela luz natural da
lua, especialmente nas noites de lua cheia. Já em locais fechados, isso não é possível.
De qualquer forma, seja em local aberto ou fechado, é fundamental que haja luzes de
emergência e geradores para situações que exijam a rápida evacuação. Elevadores não
devem ser usados, a menos para situações específicas como transporte de deficientes e
pessoas com dificuldade de locomoção. Nesses locais, a equipe de segurança deve estar
em condições de rapidamente proceder a retirada das pessoas que se encontrem dentro
de um elevador com problemas ou parado.

Em locais abertos, geralmente a separação do público se dá pela colocação de cercas,


que devem ser montadas para abrirem para fora. Ou seja, se forçadas não impedem o
público de sair e abrem sempre na direção do fluxo, de dentro para fora. Cercas que
não foram feitas para ceder, representam um sério problema em caso de tumulto. Em
situações de confronto com a polícia, é comum que partes das cercas sejam utilizadas
como escudos ou são atiradas contra estabelecimentos para causar danos.

Rotas de fuga devem ser sempre previstas tanto em


eventos ao ar livre, como fechados

Eventos em local fechado devem possuir saídas de emergência conforme o desenho


e dimensionamento do local, bem como as saídas devem estar localizadas no mesmo
piso. Se é uma casa de shows com dois ou três andares, deve haver soluções adequadas
de saída, que não requeiram que as pessoas tenham que descer degraus em situações
de emergência, como na instalação de escadas externas de incêndio, portas corta-
chamas, com barra de pânico, abrindo sempre para fora, além de sprinklers, extintores
de incêndio adequados, com equipe treinada e pronta para utilizá-los. Todas as saídas
devem ser iluminadas e sem obstáculos que bloqueiam a passagem, além de estarem
permanentemente abertas. Pode ser instalado alarme que soe, quando abertas.

Em todos os eventos, há necessidade de comunicação prévia com os órgãos de segurança


que devem estar cientes e de acordo com a realização do evento.

O uso de drogas e o consumo de bebidas alcóolicas por menores devem ser rigorosamente
coibidos, pois constituem crime, além de serem um fator de risco a mais, em caso de
problemas. Da mesma forma, quando autorizado, o uso de bebidas alcóolicas deve ser
sempre moderado. Os chamados open bars, em que o consumo de bebidas alcóolicas
se faz de forma liberada, podem ser uma fonte de problemas para a segurança e para a
equipe médica.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Figura 19. Exemplo de evento em local fechado. Jogo de basquete.

Fonte: Foto do autor.

Figura 20. Evento em local aberto. Manifestações de Junho de 2013.

Fonte: autor Marcelo Camargo/Agência Brasil.

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CAPÍTULO 4
Controle de acesso

O controle de acesso deve seguir os seguintes princípios:

1. Identificação.

2. Autenticação.

3. Autorização.

4. Controle de acesso propriamente dito.

O modelo acima segue os mesmos princípios daqueles adotados em segurança


cibernética.

Identificação
A identificação é o primeiro passo a ser obtido. Toda e qualquer pessoa que pretenda
ingressar ao local de um evento deve ser devidamente identificada. Isso deve ser
realizado. Há diversas formas.

Identidade dentro da validade. Não basta ter um documento de identidade. Os dados


constantes na identidade devem corresponder à pessoa que se apresenta como tal.
Há pessoas que obtiveram suas identidades quando crianças ou com fisionomia
completamente diferente da atual. Esses documentos precisam ser devidamente
verificados. A identidade não tem por objetivo permitir o acesso ao local do evento,
mas para a obtenção de credencial que irá autenticar a identidade. Assim, na dúvida,
deve ser realizada a identificação biométrica por digitais, por exemplo, que podem ser
comparadas com documento oficial. Como pode ser um processo lento, a melhor opção
é a utilização de outra forma de identificação, como passaporte ou carteira de motorista
válida. Uma vez identificada, a pessoa passa a ter direito a uma credencial, que pode ser
a de espectador, de alguém que irá trabalhar no local, dentre outras. Mesmo policiais,
bombeiros e servidores públicos, devem portar credenciais, sobretudo em eventos
com alto grau de risco, o que inclui aqueles que possuem autoridades protegidas no
ambiente. A credencial do espectador pode ser o próprio ingresso, como pode ser o
ingresso e a digital, como é feito em parques temáticos nos Estados Unidos. Assim, a
identificação de qualquer pessoa no dia do evento, como também nos que o antecedem,
deve ser realizada com credencial. Quanto maior o grau de segurança na identificação
para obtenção da credencial, menor a vulnerabilidade.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

Autenticação

A autenticação é o processo voltado a validar a identificação. Ou seja, confirma que a


pessoa é quem ela afirma ser. Deve ser realizado de tal forma a responder as seguintes
perguntas:

»» Quem é você? Biometria (digitais, reconhecimento de voz, leitura de íris


etc.)

»» O que você tem? Crachá, cartão de proximidade, ingresso.

»» O que você sabe? Senha, pin etc.

A autenticação de dois fatores é aquela que emprega dois tipos de autenticação, como
biometria e crachá por exemplo. Crachá e ingresso não correspondem a sistema de
dois fatores. Quanto mais fatores utilizados, maior a segurança. Dependendo do
evento, por exemplo, pode ser solicitado a quem adquire o ingresso, que registre sua
impressão digital no momento da compra e no dia do evento, a digital deve coincidir
com a mesma de quem apresenta o ingresso. Essa seria uma autenticação de dois
fatores. O procedimento poderia não ser realizado com espectadores e sim com os que
irão trabalhar no dia do evento, por exemplo. Tenha em mente que crachás podem ser
perdidos e/ou falsificados, assim como credenciais e ingressos. Outra opção é que o
ingresso ou credencial seja em forma de cartão de proximidade (chip) e para ingresso,
seja necessário também a inserção de pin ou senha, a exemplo do que é feito em muitos
condomínios fechados que possuem portões na entrada e necessidade de que a senha
seja digitada. O mais frágil sistema a ser utilizado é o do ingresso do portador que
não foi previamente identificado, pois deixa de ser autenticação e passa ser a própria
identificação. No entanto ele é apenas identificado como espectador ou visitante e nada
mais se conhece a respeito dele. Esta é uma situação de alta vulnerabilidade.

Autorização

A autorização é o passo seguinte. Aquela pessoa que já foi identificada e possui fatores
que autenticaram a identidade, está autorizada a fazer o que? Espectadores não podem
acessar áreas privativas. Quem ocupa a área geral não pode ir para a VIP. Nem todos os
funcionários tem acesso livre. É então definido pelos organizadores, em conjunto com
a segurança, os critérios de autorização e como identificá-los. No caso de cartões de
proximidade, por exemplo, eles não irão proceder à abertura de portas de áreas restritas,
por exemplo. Se a autenticação é feita por ingresso, pode haver cores diferentes para
identificação dos locais que requerem autorizações especiais. Uma forma simples de
verificação de autorização de quem trabalha no evento ou está em determinada área

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

é, em determinados momentos a serem definidos pela segurança, um adesivo que só


é de conhecimento deles, é aplicado e trocado periodicamente, com cores diferentes e
colocado sob a credencial por exemplo. Quem não possui aquele adesivo, com aquela
cor, naquele momento, não está autorizado a permanecer naquele local.

Controle de acesso
A partir das medidas acima adotadas, é realizado o controle de quem pode acessar o
local, a partir da autenticação da identidade e autorizações concedidas. Para tal, devem
ser empregados procedimentos de segurança física do local e devem incluir os seguintes
meios, dentre tantos:

»» Iluminação adequada que permita verificar que ninguém está tentando


acessar o local de forma não autorizada.

»» Sistema de monitoramento de câmeras.

»» Grades que permitam o estabelecimento de perímetros de segurança.


O mais externo é aquele onde são realizadas as primeiras verificações,
ou seja, a partir dali, apenas os que possuem credencial/ingresso,
podem ter acesso às demais áreas. Esse perímetro deve também ser
adotado no controle de estacionamento. A barreira seguinte é aquela
destinada a verificar se a pessoa está entrando com algum material ou
objeto proibido. Podem ser utilizados para este fim, esteiras de raios-X,
pórtico de metais, revista manual de bolsas ou de mochilas, conforme
previamente informado aos participantes e dentro das normas legais. A
barreira seguinte é a da apresentação da credencial/ingresso para acesso
ao local autorizado. Outras barreiras podem ser instaladas conforme a
necessidade.

»» Catracas para acesso controlado do público e contagem de todos que


entraram, que deve coincidir com o número dos que deixaram o local.

»» O perímetro externo deve não apenas ser vigiado como ter mecanismos
de barreira que impeçam o acesso não autorizado.

»» Como regra geral, ninguém está autorizado a entrar com armas em


eventos, exceto, os profissionais de segurança em serviço, previamente
autorizados. Policiais que não estejam em serviço e devidamente
autorizados, não podem ingressar portando arma de fogo e deve haver um
sistema de custódia das armas para tal finalidade ou deixar previamente
claro, que nessas situações o acesso não será permitido, sempre em
conformidade com a lei.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

»» O dimensionamento da segurança deve ser previamente discutido com a


Secretaria de Segurança para definição de efetivos a serem empregados e
colaboração mútua e protocolos a serem seguidos pela segurança privada
e os profissionais de Segurança Pública.

»» Deve ser garantido acesso fácil, rápido, bem como estacionamento e rápida
saída para viaturas de socorro médico e bombeiros. Uma ambulância
não pode estar posicionada em local onde o acesso à viatura requeira a
utilização de escadas, por exemplo.

»» Dependendo do evento, pode ser necessária a utilização de um heliponto


para descida de helicópteros de autoridades, por exemplo. Isso deve
ser previamente definido, assim como locais para eventuais pousos de
helicópteros para fins de socorro. Não basta apenas a definição do local.
Deve estar claro o papel de cada um na eventualidade de serem utilizados
para auxílio na segurança e balizamento da aeronave.

»» O uso de cercas (currais) para forçar a formação de filas indianas na


passagem pelas catracas deve ser visto com muita cautela. Tais cercas,
se utilizadas, devem ser facilmente abertas e cair para fora, quando
pressionadas do lado de dentro, com vistas a permitir rápida evacuação
em caso de emergência.

»» O uso de detectores de metais deve ser avaliado como importante


ferramenta para evitar o ingresso de armas no local do evento.

»» Todo evento deve possuir acesso e infraestrutura adequados, para deficientes.

Figura 21. Controle de Acesso

Fonte: <www.dailyfinance.com>

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CAPÍTULO 5
Controle de multidão

Diversos eventos estudados nesse curso mostram que em grande parte das tragédias,
a falta de um controle de multidões bem realizado levou a situações de pânico, a
superlotação em determinados setores e em mortes e ferimentos decorrentes de
pisoteamentos, bem como por asfixia em decorrência da pressão exercida pela massa
humana.

Há diversas formas e métodos de controle de multidão, no entanto alguns elementos


devem sempre estar presentes nessas situações, de tal forma a permitir o adequado
planejamento:

1. Número de entradas dimensionado e compatível com o número de


espectadores.

2. Entradas com fácil acesso para os convidados (mas não para quem não
está autorizado a entrar) e bem sinalizadas.

3. Largura das entradas adequada e compatível com diferentes tipos de


compleição física (obesos, magros, pessoas de estaturas variáveis).

4. Pontos de fuga e de rápida evacuação se houver emergência na entrada.

5. Ingressos e credenciais com informações claras a respeito do setor/


entrada que devem ser utilizados (de preferência com uso de cores
diferentes).

6. Setores e áreas internas facilmente identificados com sinalização


adequada.

7. Facilidade de acesso de deficientes.

8. Em casos de disputas desportivas, onde haja torcidas rivais, deve haver


separação das torcidas em diferentes setores.

9. Dentro do local do evento, as saídas de emergência devem estar sinalizadas


e iluminadas durante todo o evento.

10. O número de saídas de emergências deve estar dimensionado e ser


compatível com o número de espectadores.

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

11. A capacidade total do local deve ser rigorosamente observada.

12. Todas as saídas de emergência devem permanecer abertas durante todo o


evento, todas devem ser dotadas de barras antipânico e sempre abrirem
para fora.

13. Nenhum obstáculo pode estar presente no trajeto até as saídas de


emergência e nem a partir delas, o que inclui escadas e desníveis no solo.

14. Em caso de falta de energia, luzes de emergência devem ser acionadas


imediatamente, de tal forma a evitar o pânico e permitir a saída dos
espectadores.

15. Todo e qualquer revestimento no interior do local do evento deve ser


previamente aprovado pelos bombeiros, assim como o dispositivo de
prevenção e combate a incêndio, que deve ser periodicamente verificado.

16. Locais fechados devem ser dotados de sistema de sprinkler.

17. Armas e objetos que possam causar ferimentos não podem ser admitidos
em eventos. Policiais em serviço (e apenas eles) devem estar previamente
credenciados. Os demais, não podem entrar armados.

18. De preferência, antes do início de cada evento, informações a respeito de


saídas de emergência devem ser fornecidas para os presentes.

19. Ambulâncias devem estar localizadas em área de fácil acesso e


deslocamento, assim como os Postos de Atendimento Médico.

20. Os portões de saída devem ser abertos antes do encerramento do evento,


de tal forma a permitir que as pessoas possam ir saindo aos poucos. Se a
sua preocupação é que ao abrir as saídas, alguém não autorizado possa
entrar, o problema não está na abertura dos portões, mas no seu controle
de acesso.

21. As saídas das pessoas devem ser direcionadas em ângulos diferentes, de


tal forma a não haver um único destino para todas as saídas.

22. Brigas e conflitos devem ser imediatamente contidos e os responsáveis


devem ser retirados do local pela força policial que, se necessário, efetuará
a prisão dos responsáveis, nos termos da lei.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

23. A questão das bebidas alcóolicas é a seguinte. Quanto mais bebidas são
consumidas, maior a chance de problemas. Dito isso, cabe ao profissional
de segurança verificar junto aos coordenadores do evento, qual será a
política a ser adotada durante o evento, lembrando que em hipótese
alguma, bebidas alcóolicas podem ser vendidas a menores de idade.

24. A revista na entrada do evento visa identificar a tentativa de ingresso com


armas, objetos que possam ser perigosos a outras pessoas (bandeiras,
mastros, bastões etc.), bebidas alcóolicas (sobretudo em garrafas),
drogas ilícitas, artefatos explosivos e outros objetos que possam não ser
permitidos. Em alguns eventos, o ingresso de alimentos não é permitido.

25. Equipes de segurança, socorro, resgate e bombeiros devem estar


devidamente identificados e uniformizados de tal forma a serem
facilmente identificados.

26. Os hospitais de referência devem estar informados a respeito do evento e


os trajetos previamente definidos.

Figura 22. Saída ordeira de estádio em Londres-2012

Fonte: <www.digitalspy.com.uk>

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CAPÍTULO 6
Manifestações, tumultos e distúrbios
civis

Nos casos estudados, vimos que em diversas situações houve graves conflitos entre as
torcidas, assim como, confrontos com a polícia e sempre com resultados trágicos. Há
diversas situações relacionadas com tumultos e confrontos em eventos de grande porte:

»» brigas entre torcidas ou gangues rivais;

»» brigas por outras razões;

»» brigas por questões ideológicas (manifestações por exemplo);

»» provocações;

»» infiltração de baderneiros, criminosos;

»» ações premeditadas, terrorismo.

Infelizmente, o Brasil tem presenciado ao longo dos anos, frequentes enfrentamentos


entre torcidas organizadas rivais ou com a polícia. Da mesma forma, é comum que haja
danos ao patrimônio após resultados desfavoráveis, sobretudo nas partidas de futebol.
É curioso verificarmos que as maiores tragédias em estádios estão relacionadas a
conflitos de torcidas e em jogos de futebol. Não há registros de eventos com numerosos
mortos e feridos em outras modalidades, nem mesmo naquelas em que se considera
como sendo mais violentos, como rúgbi, futebol americano e hockey. É difícil entender
o comportamento de algumas torcidas, que por vezes, se assemelham mais a gangues.

O fator mais importante no que diz respeito a brigas de torcidas, é a prevenção. É


fundamental que haja monitoramento das torcidas e que as medidas abaixo sejam
adotadas:

»» Proibição de entrada no estádio com mastros de bandeiras e objetos que


possam ser usados como armas.

»» Proibição de entrada de garrafas e toda e qualquer bebida deve ser servida


em copos de papel ou plástico.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

»» A questão da bebida alcóolica já foi discutida. Se autorizada, deve se ter


em mente que o risco cresce de forma exponencial conforme o consumo
aumenta.

»» Torcidas rivais devem estar separadas, embora haja estádios no Brasil


que vendam ingressos independentemente das torcidas, o que é bastante
temerário. Basta colocar no momento da venda, um número destinado a
cada torcida e o espectador escolhe onde ficar. Dependendo da rivalidade,
pode ser necessário que determinada partida ocorra com apenas a torcida
do time da casa, a exemplo do que ocorre em alguns países.

»» O princípio da unidade deve estar sempre presente. Quanto mais unida


uma aglomeração de pessoas, menor a identidade pessoal e maior a de
grupo. Massas tendem a agir de acordo com a liderança presente. O
anonimato faz com que a percepção fique alterada e haja uma sensação
maior de impunidade. Pessoas em grupos tem maior propensão a realizar
ações que individualmente não fariam. O que fazer com um grupo que
parece estar cada vez mais violento (da agressão verbal para a física é um
passo)? Divida o grupo. Quanto mais dividido, menor a possibilidade de
agirem como massa descontrolada.

»» Se você trabalha na Segurança Pública, vale um lembrete. Não se usa gás


lacrimogêneo em hipótese alguma em direção à população confinada,
nem em ambientes fechados. Ou seja, gás lacrimogêneo em estádios, casas
de show, ginásios... nem pensar. Se usar e houver pânico (com certeza
haverá) não haverá justificativa plausível para o uso. Em várias tragédias
estudadas, vimos que o gás lacrimogêneo foi o agente que precipitou a
situação de pânico. Muitas famílias estão em eventos, incluindo crianças,
idosos e deficientes. Em manifestações que se tornam violentas, o uso do
gás jamais deve ser realizado em local onde não haja uma trajetória de
fuga que possa ser utilizada. Em cidades como o Rio de Janeiro, com várias
ruas estreitas, é um problema sério usar gás, pois as pessoas correm, mas
o gás permanece e invade os apartamentos e casas da região. A indicação
para gás lacrimogêneo é precisa. Somente pode ser usado por órgãos de
Segurança Pública, quando há um movimento de massa agindo de forma
violenta, que não possa ser controlada de outra forma e que precisa ser
afastada daquele local, desde que haja uma trajetória de fuga segura e
viável. O uso de gás pimenta (CS) ou mesmo de gás lacrimogêneo (CS) em
frascos para aspersão ou espuma somente deve ser utilizado em situações
extremas, para evitar uma agressão iminente e não para dissipação de

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SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS │ UNIDADE ÚNICA

público, pois o seu alcance é limitado e acaba atingindo também o policial


e as pessoas que estão ao redor. O gás de pimenta, sobretudo, pode causar
reações anafiláticas severas em algumas pessoas.

»» O uso de balas de borracha, também só pode ser realizado por agentes


de Segurança Pública e em situações extremamente específicas. É o caso
de alguém que vem em direção ao policial, com um bastão ou uma faca
na mão, por exemplo, com a intenção de causar ferimentos. O tiro deve
sempre ser dado a distância (nunca a queima-roupa) e sempre para
baixo, com a intenção de atingir a perna. Jamais pode ser utilizado contra
o torso, face ou cabeça, dado o risco de lesões graves, inclusive, morte.
Atirar contra manifestantes a esmo ou em fuga é sinal de despreparo e
crime.

»» Em todas as manifestações deve-se estar atento com relação ao uso de


coquetel molotov que pode causar queimaduras graves, uso de pedras
ou bolas de gude, atiradas por estilingue, bem como o uso de fogos de
artifício (morteiros); todos capazes de provocar mortes. Em toda equipe
de segurança destinada a coordenar manifestações, em que possa haver
confronto, deve haver seguranças/policiais posicionados com extintores
de incêndio.

» » Seguranças privados não devem participar de controle de distúrbios


civis da mesma forma que a polícia. Uma vez que a situação indica
que as condições para um conflito estão presentes, a polícia deve
intervir imediatamente. O papel da segurança privada é, sobretudo,
preventivo. Em eventos onde haja a presença de seguranças privados
e policiais, como na Copa do Mundo de 2014, é fundamental que
haja treinamentos em conjunto e que os seguranças estejam
especialmente capacitados a lidar com multidões e a reconhecer
situações críticas que possam levar a confrontos mais sérios,
dentre outras possibilidades. Os seguranças também devem estar
preparados para lidar com o atendimento de emergência médica,
providenciando os primeiros socorros e conduzindo a situação até
a chegada do suporte avançado de vida, bem como estarem prontos
para atuar em incêndios e operações mais complexas que exijam a
evacuação do recinto.

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UNIDADE ÚNICA │ SEGURANÇA EM GRANDES EVENTOS

Figura 23. Confronto de torcidas com a polícia

Fonte: <esportesr7.com>

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Para (não) Finalizar

A organização e coordenação de segurança em eventos de grande porte requer minucioso


planejamento e atuação de forma multidisciplinar, compreendendo tanto o safety
(prevenção de acidentes e atendimento de emergência), como o security (proteção
propriamente dita).

A elaboração de todo e qualquer planejamento deve ser baseada, dentre outros


elementos, no estudo de situações ocorridas no passado, de tal forma que as tragédias
e erros possam servir de lição, para que não se repitam no futuro.

A análise de eventos ocorridos desde 1900 até 2015 mostra que, infelizmente, as lições
não foram aprendidas e os mesmos erros foram repetidos por diversas vezes.

Esse material é tão somente um guia de referência para estudos, que devem ser
complementados pela leitura e pesquisa em outras fontes do conhecimento e é
fundamental que os profissionais de segurança, pública e privada, tenham o hábito de
buscar informações pormenorizadas de situações complexas envolvendo a prevenção,
preparação e resposta em eventos de grande porte.

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Referências

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Norte-Americano. São Paulo, SP: Companhia das Letras.

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São Paulo: Revista Veja.

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