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Abordagens

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Carolina Martins
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Tais Camargo Daniela Miwa

Martins, Carolina

Abordagens da economia criativa em territórios histórico-


culturais [livro eletrônico]./ Carolina Martins. – São Luís:
UEMAnet, 2021.

36 f.

ISBN:

1. Economia Criativa. 2. Desenvolvimento. 3. Patrimônio.


I. Título.

CDU: 72.025 (812.1)


APRESENTAÇÃO

Caro(a) cursista,

Neste módulo, iremos estudar a Economia Criativa, propondo inicialmente uma


definição básica do conceito, bem como discorreremos sobre algumas características,
exemplos e dados gerais. Propomos também a apresentação de uma discussão sobre a
importância dessa economia enquanto proposta alternativa diante dos modelos globais
de mercados que se pautam unidimensionalmente pela lógica econômica da produção
de mercadorias. No caso da Economia Criativa, propomos descrever e discutir algumas
iniciativas e experiências evidenciadas no Centro Histórico de São Luís do Maranhão,
tendo por base o contexto da cidade enquanto Patrimônio da Humanidade, notando-
se as possibilidades que este título gera, bem como as representações que envolvem
a identidade cultural local como um dos principais capitais culturais acionados e
agregados nos circuitos e fluxos das experiências vivenciadas.

Boa leitura!
SUMÁRIO

1 UMA INTRODUÇÃO SOBRE ECONOMIA CRIATIVA ...................................................... 7

1.1 Introdução ......................................................................................................................... 7

RESUMO ......................................................................................................................... 16

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 16

2 PRODUTOS E SERVIÇOS CRIATIVOS ........................................................................... 17

2.1 Fatores que impulsionam a economia criativa em todo mundo ............................................ 19

2.2 Diálogos com múltiplas partes interessadas ........................................................................ 20

RESUMO ......................................................................................................................... 21

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 21

3 AS DIMENSÕES DA ECONOMIA CRIATIVA .................................................................. 23

3.1 Subsetores da economia criativa – intersecções .............................................................. 24

RESUMO ......................................................................................................................... 25

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 25

4 REFLEXÕES SOBRE PATRIMÔNIO E ECONOMIA CRIATIVA ........................................ 27

4.1 Reflexões sobre patrimônio e economia criativa .................................................................. 27

4.2 Comércio e artesanato local ............................................................................................... 27

4.3 O cotidiano do Centro ........................................................................................................ 30

RESUMO ......................................................................................................................... 32

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 32

5 ARTICULANDO O PATRIMÔNIO IMATERIAL E A ECONOMIA CRIATIVA NO CENTRO


HISTÓRICO DE SÃO LUÍS .............................................................................................. 33

5.1 A economia criativa dos barracões de Bumba meu boi ........................................................ 35

RESUMO ......................................................................................................................... 39

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 39



UMA INTRODUÇÃO SOBRE ECONOMIA


1 CRIATIVA

Objetivos:

Compreender o conceito de Economia Criativa e estabelecer uma definição;

Caracterizar a Economia Criativa e sua dinâmica no contexto global;

Analisar e propor questões e problemáticas da Economia Criativa articuladamente entre os


contextos globais e locais.

1.1 Introdução

Você conhece o conceito de Economia Criativa?

Ela pode ser compreendida como um conjunto de ações e relações socioeconômicas e culturais
voltadas para a produção de renda de indivíduos e/ou grupos sociais organicamente institucionalizados
(associações, cooperativas, ONGs, movimentos sociais, coletivos etc.) ou não. Estas ações podem ser
mobilizadas a partir dos anseios e demandas da sociedade civil de um modo geral, mas também podemos
mencionar experiências de parcerias entre organizações da sociedade civil e iniciativas de políticas
governamentais que juntos podem incrementar, fortalecer e dinamizar este tipo de economia.

O Relatório de Economia Criativa (2010, p. XVI), seguindo a Conferência das Nações Unidas para
o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), estabelece que Indústrias Criativas podem ser definidas como:

[...] ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam a criatividade e
o capital intelectual como principais insumos. Elas compreendem um conjunto de atividades
baseadas no conhecimento que produzem bens tangíveis e intangíveis, intelectuais e artísticos,
com conteúdo criativo e valor econômico [...].1

Embora seja um conceito em construção, como adverte o documento acima, a concepção abarca
uma grande diversidade de iniciativas que envolvem tanto os indivíduos e/ou grupos nas atividades de
produção, bem como o processo de beneficiamento e de comercialização de determinados produtos,
e também no setor de serviços que podem ser inseridos na categoria de Economia Criativa.
No mesmo relatório (2010) encontramos uma importante crítica aos modelos de desenvolvimento
econômico que se restringem às teorias econômicas convencionais, que são não somente incompatíveis
com as novas realidades socioeconômicas e culturais em diferentes contextos, como também são
incapazes de responder às reais demandas das sociedades contemporâneas. Os modelos explicativos,
1
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. Pg. XVI

    




 7
assim como a forma de aplicação de projetos e planos de desenvolvimento descolados da realidade,
têm gerado prejuízos incalculáveis para comunidades, grupos e sociedades inteiras na medida em
que o modo de vida e as dimensões socioculturais são desconsideradas, e isto se torna mais grave
quando os tomadores de decisão deslocam importantes somas de recursos públicos para atividades
incompatíveis com as respectivas vocações locais.
Como observa Alves (2016), sobre a cidade de São Luís, os modelos estatais e privados de
planejamento e de execução de projetos de desenvolvimento colocam frontalmente em questão os
diferentes modos de vidas e suas lógicas de reprodução, em vez de políticas de valorização dos mesmos,
justamente por serem exemplares nos processos de preservação e de equilíbrio com a natureza. No
que diz respeito a esse aspecto, Alves (2016, p. 2) destaca o seguinte:

No início do século  XXI, constata-se na Amazônia brasileira, a retomada de ações estatais


de planejamento e de execução de grandes projetos com obras de infraestrutura que
colocam em questão os territórios ocupados historicamente por “populações  tradicionais”.
Concomitantemente, a expansão do mercado e, por conseguinte, da produção de valor de
troca que se impõe sobre a lógica de produção e reprodução social destes grupos sociais e
seus territórios. Tal imposição tem gerado profundas alterações socioambientais, submetendo
os grupos sociais em situações de vulnerabilidade social e insegurança jurídica quanto ao
controle social do território. Para compreender esse processo, torna-se relevante considerar
as políticas de desenvolvimento do Governo Federal para a Amazônia Oriental, que desde os
anos de 1960 estabeleciam como meta a “integração” da região à economia nacional, assim
como seus desdobramentos, sobretudo nas duas últimas décadas com a retomada de grandes
investimentos em obras de infraestrutura no país.2

ATENÇÃO
Essa questão mostra o quanto a economia criativa inerente às comunidades é invisibilizada
em nome de um suposto progresso baseado em teorias econômicas convencionais

Ao estabelecermos um paralelo entre o que adverte Alves (2016) e o Relatório de Economia


Criativa (2010), observamos o distanciamento dos grandes investimentos para as reais demandas das
comunidades e economias locais, pois, num quadro histórico que retoma aos anos de 1960, Alves (2010)
assinala o quanto as prioridades são não somente canalizadas aos grandes empreendimentos, como são
viabilizadas as decisões políticas que favorecem a sistemática destruição da autonomia de comunidades
cujos saberes e práticas socioeconômicas criativas poderiam estar sendo incentivadas e garantindo
renda para várias centenas de famílias que não têm acesso a estes mesmos investimentos públicos.

O Relatório de Economia Criativa (2010) descreve o seguinte:

Modelos de desenvolvimento estritamente baseados em teorias econômicas convencionais


não foram capazes de reparar essas assimetrias. Chegou o momento de ir além da economia
e procurar uma abordagem holística que leve em consideração as realidades específicas dos
países, reconhecendo suas diferenças culturais, identidades e necessidades reais. A teoria e
a prática do desenvolvimento precisam se adaptar a novas circunstâncias ao trazer questões
relacionadas à cultura e à tecnologia para o foco principal. As estratégias de desenvolvimento
devem ser atualizadas a fim de se adaptarem a mudanças culturais, econômicas, sociais e
tecnológicas de longo alcance que estão transformando nossa sociedade rapidamente. A
2
ALVES, Elio de Jesus Pantoja Alves. Modos de vida, territórios e uma cidade em questão: resistências políticas de comunidades rurais
no município de São Luís – Maranhão, Brasil », L’Ordinaire des Amériques [En ligne], 221 | 2016, mis en ligne le 18 novembre 2016.

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


8 Carolina Martins



coerência das políticas deve ser reforçada com a introdução de políticas multidisciplinares
e multiculturais harmonizadas. No resultado da crise financeira global de 2008 e de suas
consequências econômicas e sociais negativas – em especial, o efeito dominó com o qual a
qualidade de vida se deteriorou para milhões de pessoas – fica ainda mais vital que abordagens
neoliberais sejam revisitadas. O mundo precisa de uma reorientação fundamental dos modelos
econômicos para promover mudanças estruturais nos modos de produção e consumo. O mundo
precisa de melhor governança global, não somente nas políticas financeiras e monetárias,
mas também nas políticas comerciais, tecnológicas e ambientais. É vital reinserir a ética na
economia, ampliar as lições aprendidas e introduzir novas abordagens. Esses passos ajudarão a
restaurar a confiança de investidores e consumidores, assegurar maior coerência nos processos
globalizados e restabelecer um caminho sustentável para o crescimento econômico.3

Partindo da crítica apontada aos modelos hegemônicos de desenvolvimento econômico,


importa destacar que seus processos não somente desconsideram as outras lógicas econômicas, como
também é de praxe desses modelos econômicos globalizantes a ação de subsumi-las e/ou destruí-las
em nome de um progresso unidimensional pautado nas teorias econômicas clássicas. Dessa forma,
a concepção de progresso subjacente aos mercados globalizados das grandes economias mundiais
está configurada na lógica neoliberal, que por sua natureza intrínseca prioriza exclusivamente os
mercados e fluxos de capitais especulativos globalizados em detrimento da autonomia e soberania
das comunidades e governos locais.

Figura 1 - Parte do Centro Histórico de São Luís com vista para as áreas de bairros e comunidades
populares ao fundo

Fonte: https://www.google.com/
search?q=centro+historico+sao+luis+ma+e+anjo+da+guarda&rlz=1C1CHBD_pt-PTBR903
BR903&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwi-uYKRvv3yAhV_r5UCHUzTB60Q_
AUoAXoECAEQAw&biw=1366&bih=657#imgrc=82iOmbFmCyXGsM

3
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. p. 37

    




 9
Ademais, a economia criativa tem por base a produção de condições para melhoria na produção
de valor voltada para o sustento de indivíduos e/ou grupos, esta, por sua vez, tem sido caracterizada
não somente pela mobilização de recursos e interesses exclusivamente materiais, mas principalmente
pela mobilização de capital intelectual e cultural que envolve fatores como a produção de matérias-
primas, o beneficiamento, a distribuição de bens e de serviços em um determinado território onde a
produção circula e, dessa forma, gera novos e diversificados rearranjos produtivos e mercadológicos,
com autonomia e princípios que priorizam uma nova relação entre a produção de valor e os recursos
naturais, bem como o contexto sociocultural e as formas de sociabilidade e de coesão social que lhes
são peculiares.

Importa destacar a dimensão ambiental que a economia criativa agrega, se comparada aos
modelos econômicos predatórios que atingem de forma desigual os diferentes países, culturas,
comunidades, povos e classes sociais. Problemas como a falta de acesso a água e a fragilidade na
soberania alimentar de comunidades em diferentes regiões do mundo, revelam a importância crucial
das formas de economias alternativas, entre elas a economia criativa que pressupõe a produção de
novas percepções na relação com a natureza.

Seguindo essa ótica, retomemos o Relatório de Economia Criativa (2010):

A criatividade tem sido apoiada por políticas públicas e tratada como o principal insumo da
inovação. É a dimensão simbólica da produção humana que passa a ser o elemento fundamental
na definição do valor desses novos bens e serviços. Ao mesmo tempo que produz riqueza,
a economia criativa demonstra tendência para construir solidariedade, reunindo e incluindo
comunidades e indivíduos, coletivos e redes. No caso do Brasil, a temática da economia criativa
surge a partir de 2004, com a realização, durante a XI Conferência da Unctad em São Paulo, de
um painel dedicado exclusivamente à questão das indústrias criativas na perspectiva dos países
em desenvolvimento.4

O caso do Centro Histórico de São Luís ilustra a dinâmica que as iniciativas de economias
criativas ganharam nos últimos anos, com a ascensão da cidade ao receber o título de Patrimônio da
Humanidade da UNESCO. Embora o Centro Histórico tenha atravessado duas crises subsequentes
de 2008, e posteriormente a Pandemia da Covid-19, notam-se inúmeras iniciativas que foram criadas
através de pequenos e médios estabelecimentos de vendas de artesanato, bares, restaurantes (destaque
para a gastronomia local), cafés, lanchonetes, brechós, produção artística, museus, espetáculos,
microempreendimentos criativos.

Há também iniciativas da gestão municipal como a Feira do Mercado das Tulhas e a presença
de grupos de samba e de Tambor de Crioula, as barracas de artesanato e comidas típicas na rua da
Feira da Praia Grande, a Feirinha da Praça Benedito Leite, promovida pela Prefeitura de São Luís e que
ocorre aos domingos contando com atrações musicais.

4
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. Pg. XVI

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


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Figura 2 – Mercado das Tulhas

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2018/03/mercado-das-tulhas-um-mundo-de-historias-e-coisas/
Acesso em: 20 set. 2021.

Há também inúmeras atividades que estão agregadas aos circuitos do Bumba meu boi, os grupos
de Tambor de Crioula, Cacuriá, Festa do Divino, Carnaval e outras manifestações culturais locais que
acontecem anualmente, com objetivo de ocupar a área do Centro Histórico, como é o caso do Projeto
Serenata Histórica, cujo cortejo pelas ruas do Centro apresenta performances, poesias, literatura e música,
contando com grupos de teatro que interpretam personagens da história de São Luís e os eventos de
Reggae, que também acontecem nas ruas do centro e atraem um significativo número de pessoas.

Figura 3 – Tambor de Crioula

Fonte: https://oimparcial.com.br/entretenimento-e-cultura/2018/12/tambor-de-crioula-para-
comemorar-o-dia-de-santa-luzia/
    


 11
Figura 4 – Cacuriá

Fonte: https://oimparcial.com.br/entretenimento-e-
cultura/2017/06/5-curiosidades-sobre-o-sao-joao-do-
maranhao/

Figura 5 – Projeto Serenata Histórica Figura 6 – Carnaval

Fonte: https://saoluis.ma.gov.br/projeto/16/ Fonte: https://www.ma.gov.br/


projeto-serenata-historica/ agenciadenoticias/?p=163855

Figura 7 – Reggae

Fonte: https://imirante.com/namira/sao-luis/noticias/2020/05/11/em-sao-luis-dia-nacional-do-reggae-e-
comemorado-por-artistas.shtml

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SAIBA MAIS

A Economia Criativa, dependendo do contexto, apresenta suas especificidades, mas em


geral, pode ser compreendida pelos ciclos/etapas dentro das dinâmicas e processos
de criação locais. Dessa forma, ela pode incluir os ciclos de criação, de produção, de
distribuição de bens e de serviços que apresentam o capital cultural como um dos
insumos fundamentais.

Conforme o Relatório da Economia Criativa (2010),

[...] existe a necessidade de melhor conhecimento das dinâmicas da economia criativa em nosso
mundo globalizado. Uma abordagem mais holística ao desenvolvimento se faz necessária. É
hora de nos distanciarmos do foco global e olharmos mais profundamente por um prisma
local, identificando especificidades e identidades dos países e reconhecendo suas diferenças
culturais e econômicas, de modo a capturar suas reais necessidades e ambiente circundante.
Parece crucial explorar a interligação entre as capacidades criativas, o comércio, o investimento
e a tecnologia, percebendo como ela pode ser traduzida em uma vibrante economia criativa que
seja capaz de contribuir para a prosperidade econômica e a redução da pobreza [...]5

No caso do Centro Histórico de São Luís, vale notar que a cadeia produtiva de alguns produtos
de origem artesanal envolve comunidades e povos tradicionais do continente (comunidades ribeirinhas,
quilombolas, povos indígenas, entre outras) que se inserem no processo de comercialização a partir do
extrativismo vegetal e de outras formas de produção artesanal.

Figura 8 – Casarões do Centro Histórico de São Luís

Fonte: https://www.turismo.ma.gov.br/roteiro-sao-luis/

5
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. p.XX.

    




 13
Embora não tenhamos um panorama mais real da inserção das comunidades tradicionais
do Maranhão na cadeia produtiva da Economia Criativa, a nossa experiência de participação e as
observações das festas juninas em São Luís, especificamente nas sedes de Bumba meu boi, nos revela
a riqueza da diversidade e da complexidade das relações que se estabelecem entre as comunidades
e a economia que gira em torno das festividades do mês de junho no Maranhão, com destaque para o
resultado dessa produção apresentada nos arraiais da cidade e em especial do Centro Histórico, local
onde se concentra o maior número de pessoas que vivem na cidade e principal circuito de atrações
para turistas na capital maranhense. Esta economia envolve a produção de festas, com instalação
de palcos, cenários, decoração e pequenas edificações de barracas à base de palhas de diferentes
espécies de palmeiras, produção artesanal de roupas e indumentárias variadas feitas à mão por
artesãs, bordadeiras e costureiras, tudo isto conectando bairros populares de São Luís e comunidades
extrativistas do município de São Luís e de outras regiões próximas.

Figura 9 – São João no Centro Histórico de São Luís

Fonte: https://www.ma.gov.br/agenciadenoticias/?p=249121

Esta economia tem importância crucial para a geração de renda e para a valorização e o
fortalecimento da cultura maranhense no cenário nacional e internacional. Nas páginas seguintes
iremos explorar melhor esses pontos.

Conforme dados apresentados no Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil (Firjan, 2016), a


Economia Criativa gerou uma riqueza de R$ 155,6 bilhões para a economia brasileira em 2015.6 Este
documento indica também que, na ocasião, a participação do PIB Criativo estimado no PIB brasileiro
foi de 2,64% em 2015, quando a Indústria Criativa era composta por 851,2 mil profissionais formais.

6
https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa-Firjan2016.pdf

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Vale destacar dois pontos importantes do Relatório de Economia Criativa (2010) entre as Dez
mensagens principais sobre pontos característicos da Economia Criativa, informação referente ao
item V, que diz o seguinte:

Um grande desafio para a moldagem de políticas para a economia criativa está relacionado aos
direitos de propriedade intelectual: como medir o valor da propriedade intelectual, redistribuir
os lucros e regular essas atividades. A evolução da multimídia criou um mercado aberto para
a distribuição e o compartilhamento de conteúdo criativo digitalizado, e o debate acerca da
proteção ou compartilhamento de Direitos de Propriedade Intelectual (DPI) se tornou altamente
complexo, envolvendo governos, artistas, criadores e empresas. Chegou o momento de
os governos analisarem as limitações dos regimes de DPI atuais e os adaptarem às novas
realidades, assegurando um ambiente competitivo no contexto do discurso multilateral.7

Este aspecto é importante no cenário maranhense, sobretudo na cidade de São Luís, enquanto
cidade patrimônio, porque inexiste uma política consolidada de valorização e de reconhecimento dos
mestres e mestras, assim como dos artesãos e artesãs que de fato dedicam suas vidas à arte popular.
Sobre esse ponto, é importante observar que a cultura se constitui como a menor área com a presença
de trabalhadores formais no Brasil e o Maranhão apresenta um dos menores salários atribuídos a
esses trabalhadores.8

Não são raros os casos de peças artesanais produzidas por artistas que não lhes são dados
os devidos créditos. Observamos que grande parte da produção é divulgada sob a bandeira da
identidade cultural maranhense, seja por empresas, seja por órgãos de governos, porém, a comunidade
artística, artesãos, artesãs, cantadores e compositores, sobretudo de origem popular, permanecem na
invisibilidade.

O mesmo ocorre com as composições de toadas de bois que, embora na atualidade, em alguns
casos tenham ganhado notoriedade quanto ao Direito de Propriedade Intelectual, ainda carecem de
cuidados e respeito aos seus compositores.

Figura 10 - Detalhes de um bordado de couro de Bumba meu boi do Maranhão

Fonte: https://www.google.com/search?q=bordadeiras%20de%20couro%20de%20boi%20no%20
Maranh%C3%A3o&tbm=isch&hl=pt-BR&tbs=rimg:CbkhhqvlhFVEYWO. Acesso em: 12 set..2021.
7
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. p XXIV
8
https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa-Firjan2016.pdf

    




 15
Figura 11 - Cazumbá, personagem do Bumba meu Boi do Maranhão, Boi de Pindaré

Foto: Carolina Martins (2018)

RESUMO

Neste primeiro momento, vimos uma definição acerca da economia criativa e as suas
relações com as atividades desenvolvidas nas comunidades rurais da cidade de São Luís.
Além disso, observamos como determinadas ações promovidas pelo poder público são
importantes para esse tipo de economia, pois promovem, entre outras coisas, geração de renda,
reconhecimento e fortalecimento da cultura local.

REFERÊNCIAS

ALVES, Elio de Jesus Pantoja Alves. Modos de vida, territórios e uma cidade em questão: resistências
políticas de comunidades rurais no município de São Luís – Maranhão, Brasil », L’Ordinaire des
Amériques [En ligne], 221 | 2016, mis en ligne le 18 novembre 2016.

Mapeamento da Indústria Criativa. FIRJAN. Dezembro, 2016. Disponível em: https://www.firjan.com.


br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa-Firjan2016.pdf. Acesso em: 22 set.
2021.

ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010.

    




16 



2 PRODUTOS E SERVIÇOS CRIATIVOS

Objetivos:

Discutir os impulsionadores da Economia Criativa;

Compreender o papel dos atores sociais na dinâmica da Economia Criativa;

Analisar os fatores que impulsionam a economia criativa.

O escopo da economia criativa está diretamente associado e determinado pela extensão


das indústrias criativas. Aqui se faz necessária uma distinção básica entre a chamada “indústria
criativa”, cujo conceito remete à noção de economia criativa discutida acima, e o conceito de “indústria
cultural”, que por sua vez está intrinsecamente relacionada à ideia de reprodução da arte no mercado
consumidor e de forma massificada. Isto significa que, diferentemente da indústria criativa, a indústria
cultural pressupõe a venda e compra de produtos artísticos independentemente do valor artístico, uma
vez que a arte está submetida à técnica de produção e de consumo e ao processo de massificação e
uniformização cultural com um valor exclusivamente mercadológico.

Foi nessa perspectiva que um grupo de sociólogos e filósofos alemães da chamada Escola
de Frankfurt produziram a crítica à indústria cultural massificada, através dos meios de comunicação
em ascensão nos meados do século XX. O processo de padronização e de massificação se manifestou
em todos os campos da vida social, política e cultural.

Na obra “A indústria cultural: O Iluminismo como mistificação das massas” Theodor Adorno
e Max Horkheimer (2002, p. 8) descrevem o seguinte:

A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádios e semanários


constituem um sistema. Cada setor se harmoniza entre si e todos entre si. As manifestações
estéticas, mesmo a dos antagonismos políticos, celebram da mesma forma o elogio do ritmo do
aço. As sedes decorativas da administração e das exposições industriais são pouco diferentes
nos países autoritários e nos outros [...] A unidade visível de macrocosmo e de microcosmo
mostra aos homens o modelo de sua cultura: a falsa identidade do universal e do particular.
Toda cultura de massa em sistema de economia concentrada é idêntica, e o seu esqueleto, a
armadura conceptual daquela começa a delinear-se. Os dirigentes não estão mais interessados
em escondê-la; a sua autoridade se reforça quanto mais brutalmente é reconhecida. O cinema
e o rádio não têm mais necessidade de ser mais empacotados como arte. A verdade de que
nada são além de negócios lhe serve de ideologia. Esta deverá legitimar o lixo que produzem
de propósito.

O processo de industrialização, em grande medida, determina quando e o que deve ser


produzido criando uma cisão entre a arte e o artista e, dessa forma, a perda do sentido artístico num
frenético processo de produção para atender à crescente demanda do mercado. Assim, a indústria
não tem espaço para a criatividade artística.

    




 17
Uma forma de abordar o conceito de “produtos culturais”, numa perspectiva e caminhos
diferentes da indústria cultural, pode ser articulada à noção de “cultura” no sentido que lhe é atribuído
antropologicamente. Ou seja, trata-se de uma construção social que define o modo como os sujeitos
irão viver e se portar. Nesse sentido, a produção cultural é indissociável do modo de vida, da identidade
cultural que sedimenta as representações e a produção artística em um determinado território, pois,
conecta a produção da arte com a vida cotidiana.

O Manual de Economia Criativa (2010) diz o seguinte:

Uma definição adicional ou alternativa de “produtos e serviços culturais” deriva da consideração


do tipo e do valor que eles englobam ou geram. Ou seja, é possível sugerir que esses produtos
e serviços possuam valores culturais além de quaisquer valores comerciais que possam ter, e
que tal valor cultural pode não ser totalmente mensurável em termos monetários. Em outras
palavras, as atividades culturais de vários tipos de produtos e serviços que eles produzem são
valorizadas – tanto por aqueles que os fabricam quanto por aqueles que os consomem – por
razões sociais e culturais que, provavelmente, complementam e transcendem uma valorização
puramente econômica. Essas razões podem incluir considerações estéticas ou a contribuição
das atividades para a compreensão comunitária de identidade cultural. Se tal valor cultural pode
ser identificado, ele poderá servir como uma característica observável pela qual os produtos
e serviços culturais podem ser distinguidos em relação a diferentes tipos de commodities [...]
Definidos em uma dessas formas ou em ambas, os produtos e serviços culturais podem ser
vistos como um subconjunto de uma categoria maior, que pode ser chamada de “produtos
e serviços criativos”, cuja produção exige um nível razoavelmente relevante de criatividade.
Sendo assim, a categoria “criativa” vai além dos produtos e serviços culturais definidos acima,
incluindo, por exemplo moda e software.1

Seguindo o Relatório de Economia Criativa (2010), podemos elencar que diferentes produtos
e serviços culturais compartilham características similares:

• Sua produção demanda alguma contribuição da criatividade humana;

• Eles são veículos de mensagens simbólicas para aqueles que os consomem; isto é, eles
são mais do que simplesmente utilitários, na medida em que também servem a um
propósito comunicativo mais amplo;

• Eles contêm, pelo menos potencialmente, alguma propriedade intelectual que possa
ser atribuída ao indivíduo ou grupo que esteja produzindo o produto ou serviço.

Sugestão de Leitura

Relatório da Economia Criativa da ONU, disponível no link abaixo:


https://unctad.org/system/files/official-document/ditctab20103_pt.pdf

1
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. p. 4-5

    




18 



2.1 Fatores que impulsionam a economia criativa em todo mundo

Podemos destacar alguns fatores para o impulsionamento da economia criativa e que são
importantes para o seu crescimento.2

2.1.1 Tecnologias (TICs)

A inovação de produtos tecnológicos e de processos é uma constante na economia


criativa, na qual métodos de pesquisa e desenvolvimento são diversificados com apoio de agências
de fomentos governamentais e/ou privados, entre os exemplos estão as multimídias envolvendo
produção, divulgação e comercialização.

2.1.2 Demanda

A ampliação da Economia Criativa implica na compreensão do novo padrão de consumo


de cidades criativas em ambientes urbanos com relativo desenvolvimento industrial. Tomemos como
exemplo a cidade de São Luís, embora ainda seja notoriamente tímida a dinâmica e difusão das iniciativas
de economias criativas se a compararmos com os padrões de grandes cidades, é perceptível algumas
mudanças no perfil do consumidor, principalmente das novas gerações, que em grande medida têm
sido orientadas e influenciadas pelas mídias e redes sociais que, de certa forma, acabam dinamizando
padrões de consumo diferenciado das formas tradicionais. O consumo de produtos criativos, tais como
vídeos, músicas, videoclipes, mídias digitais, jogos, materiais didáticos, mapas culturais interativos,
entre outros, geram novos padrões e perfis de consumidores destes produtos numa sociedade que
se pauta por ferramentas, comunidades e indivíduos conectados virtualmente em escala globalizada.

2.1.3 Turismo

Uma vez que o turismo envolve uma complexa rede de agentes, tais como governos, atores
locais (artesãos, comerciantes, agências de viagens e de turismo, empreendedores, trabalhadores do
mercado informal de modo geral), bem como a rede hoteleira regional, redes de pousadas alternativas,
restaurantes e serviços em geral, é possível observar nesta cadeia uma rica e diversificada dinâmica
de produção de serviços de entretenimento, produção de eventos, espetáculos, música, arte, feiras
de artesanatos, divulgação de gastronomia, passeios, etc. Este complexo reflete os saberes, as
criatividades e a cultura local engendradas nas experiências cotidianas que, dadas as suas dinâmicas
de funcionalidade, inevitavelmente exige a presença dos governos por meio de políticas públicas
sustentáveis e ecologicamente criativas.

2
ONU. Relatório da Economia Criativa. 2010

    




 19
As políticas públicas devem ter como ponto de partida a valorização da organização local,
considerando as formas pré-estabelecidas de relações, de solidariedade e de saberes que sedimentam
as redes comunitárias locais. Nessa perspectiva, o Estado deve fomentar, apoiar, incentivar, divulgar e
fortalecer as iniciativas por meio de parcerias, criando canais institucionais de interlocução e, sobretudo,
de participação com os setores da sociedade civil inseridos na cadeia produtiva do turismo.

No mundo todo, o turismo é um negócio que totaliza $ 3 bilhões por dia, do qual potencialmente
podem usufruir países em todos os níveis de desenvolvimento. Ele é a principal fonte de câmbio
estrangeiro para um terço dos países em desenvolvimento e de metade dos países menos
desenvolvidos, nos quais ele corresponde a até 40% do PIB.36” (Relatório de Economia Criativa,
2010, p. 21).

Entretanto, é importante destacar as preocupações colocadas no âmbito das agências


internacionais quanto aos efeitos do turismo sobre as culturas e o ambiente nos diferentes contextos
de expansão deste tipo de atividade, como adverte o referido Relatório.

Nos últimos anos, contudo, tem havido uma mudança na abordagem do turismo cultural.
Temerosa de que as mais belas e importantes áreas culturais estejam sendo prejudicadas
por multidões de visitantes, a Unesco está insistindo com os governos para que estabeleçam
um melhor equilíbrio entre o turismo e a preservação. Organizações internacionais como a
Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas e a Unctad têm promovido ativamente
uma mudança na atitude dos governos em direção à formulação de políticas para o turismo,
focando o conceito de que a política do turismo deve preservar tanto a cultura quanto o meio
ambiente, beneficiando a população local. (Relatório de Economia Criativa, 2010, p. 21)

2.2 Diálogos com múltiplas partes interessadas

O Relatório de Economia Criativa (2010) aponta a necessidade de diálogo com os


seguintes setores:

• Setor público (instituições culturais públicas, tais como museus, galerias,


organizações de transmissão de serviços públicos etc.);

• Setor privado com fins lucrativos (uma ampla variedade de operações comerciais
em todos os campos da cultura e da produção e distribuição criativas);

• Setor sem fins lucrativos (companhias de teatro e dança, festivais, orquestras e


outros grupos musicais, cooperativas artesanais etc., alguns dos quais podem
receber incentivos financeiros governamentais);

• Sociedade civil (organizações não governamentais – ONGs, fundações, instituições


acadêmicas, associações profissionais de artistas e criadores, organizações
setoriais etc.)

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


20 Carolina Martins



Dado o caráter multidimensional das partes interessadas que compõem a complexa rede
de atores envolvidos e respectivos interesses da economia criativa, se faz necessária a presença das
agências governamentais no sentido de contribuir na gestão compartilhada das decisões sobre o
direcionamento das ações empreendedoras e, dessa forma, priorizar uma abordagem integrada e que
fortaleça o espírito de cooperação e de parcerias visando o fortalecimento mútuo das partes.

Enfatizamos também a importância de ações coletivas locais da sociedade civil engajada


neste tipo de economia, na perspectiva de exigir políticas públicas. Entre estas, citamos como exemplo
as linhas de créditos e/ou de financiamento de projetos através de editais voltados para iniciativas de
economias criativas. Os governos devem também estimular a participação dos atores em fóruns e em
processos de decisões coletivas que possam democratizar os processos de decisões que lhes dizem
respeito.

RESUMO

Nesta seção, discutimos a cultura e a indústria cultural no âmbito da economia


criativa, além dos fatores que impulsionam a economia criativa, como as tecnologias, o turismo
e a demanda por um novo padrão de consumo. Da mesma forma, buscamos compreender o
papel dos atores sociais envolvidos nesses processos. Também trabalhamos a partir de uma
perspectiva mais geral, articulando o Centro Histórico às outras áreas da cidade, utilizando
exemplos na realidade local.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2002.

ALVES, Elio de Jesus Pantoja Alves. Modos de vida, territórios e uma cidade em questão: resistências
políticas de comunidades rurais no município de São Luís – Maranhão, Brasil. In: L’Ordinaire des
Amériques [En ligne], 221 | 2016, mis en ligne le 18 novembre 2016.

Mapeamento da Indústria Criativa. FIRJAN. Dezembro, 2016. https://www.firjan.com.br/


EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa-Firjan2016.pdf. Acesso em: 22 set. 2021.

ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010.

    




 21



3 AS DIMENSÕES DA ECONOMIA
CRIATIVA

Objetivos:

Compreender as diferentes dimensões da economia criativa;

Identificar os subsetores da economia criativa e suas conexões;

Reconhecer a função social da economia criativa.

A economia criativa se apresenta em diferentes dimensões, tais como a dimensão social,


econômica, simbólica e ambiental. Em todos esses aspectos, ela constitui-se como uma estratégia
importante para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos que possuem riquezas naturais e
culturais.

Com relação aos aspectos econômicos da economia criativa, ela é importante, pois possibilita
a diversificação econômica e, consequentemente, produz receita e movimenta o comércio. A abertura
que ela oferece auxilia na movimentação econômica de áreas urbanas consideradas periféricas, bem
como promove o desenvolvimento de áreas rurais e a preservação dos recursos ambientais e dos
patrimônios culturais.1

Nesse sentido, a movimentação e a abertura que a economia criativa promove às pessoas


que estão nela envolvidas também influenciará no desenvolvimento social dos países. Assim, os
aspectos sociais podem ser lidos a partir da geração de empregos que ela promove assim como no
favorecimento da inclusão social. As atividades desenvolvidas em comunidades, por exemplo, auxiliam
no fortalecimento de vínculos e contribuem para a coesão social. É o que evidencia o relatório da ONU:

Frequentemente, as comunidades que sofrem com tensões sociais e conflitos de vários tipos
podem ser unidas por meio da participação compartilhada em rituais culturais. Iniciativas
como programas artísticos comunitários constroem capital social ao estimular a habilidade e
motivação das pessoas em se envolverem na vida da comunidade e ao incutir habilidades que
podem ser utilmente empregadas nas indústrias criativas locais. Além disso, a atividade criativa
é comprovadamente importante para a saúde e o bem-estar psicológico de um indivíduo.2

Assim, é possível observar que, quanto aos aspectos sociais, há vantagens inclusive para o
bem-estar psicológico dos indivíduos, promovendo a inclusão de artistas marginalizados e a inclusão de
mão de obra feminina, já que parte significativa da produção relacionada a atividades como artesanato
e moda é realizada por mulheres, contribuindo, nesse sentido, para uma equidade de gênero.

1
ONU, Relatório da Economia criativa, 2010. p. 23
2
ONU, Relatório da Economia criativa, 2010. p. 24

    




 23
Sobre os aspectos culturais, a economia criativa contribui na atribuição de valor econômico
e cultural às atividades culturais. Um exemplo é a produção artesanal, principalmente aquelas que são
consideradas patrimônio imaterial.

ATENÇÃO

Pode-se observar a relação dos aspectos sociais, econômicos e culturais, pois geralmente
essas produções são feitas no interior das comunidades promovendo e fortalecendo os
laços entre os sujeitos envolvidos. Além disso, contribuem para a economia local, já que
demandam a compra de matéria-prima para a confecção das peças artesanais e por fim,
atribuem valor econômico às atividades culturais.

É importante destacar que um dos grandes diferenciais da economia criativa é a promoção


do desenvolvimento sustentável e humano e não somente econômico. A economia criativa lida com
recursos renováveis e por isso é importante para a sustentabilidade e para a preservação da natureza.

3.1 Subsetores da economia criativa – intersecções

Segundo o Caderno de Economia Criativa, produzido pelo SEBRAE e publicado em 2008,


para se observar a abrangência do papel e da importância da economia criativa, é preciso considerar
as conexões entre os diferentes subsetores da economia criativa, destacando, sobretudo, o papel das
atividades realizadas nas comunidades e pela economia informal. De acordo com George Yúdice e
Sylvie Durano, há de um lado o que se denomina de “núcleo das Artes e do Patrimônio Material”, que
envolve as artes cênicas e visuais, o patrimônio e a música. Este núcleo se expande para a Indústria
Cultural e, esta por sua vez, para as chamadas culturas criativas (moda, design, internet, etc.).3

Por outro lado, há o núcleo da Cultura Popular e do Patrimônio Imaterial, que por sua vez
se expande para as atividades ligadas ao corpo e à performance midiática e aos espaços públicos.4
Outro núcleo é o que se refere à Indústria do Entretenimento, que tem interface com os outros núcleos.
Todos estes núcleos, ou subsetores, apresentam pontos de intersecção através dos quais ganham
uma relevância maior e apresentam outros sentidos. A afirmação de Lala Dehazeilin é esclarecedora:
“quanto mais interação houver entre os subsetores originados das artes e indústrias criativas e aqueles
que se originam da vida comunitária e cultura tradicional, mais rica e diferenciada será a produção em
Economia Criativa” (p. 30).

3
REIS, Ana Karla Fonseca; DEHEINZELIN, Lala. Caderno de Economia Criativa: economia criativa e desenvolvimento local. Vitória, ES:
SEBRAE/SECULT, 2008. Pg. 29
4
Reis; DEHEINZZELIN. p. 29

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


24 Carolina Martins



Um exemplo sobre as interfaces entre estes subsetores é o carnaval, que é uma expressão
da cultura popular realizada pelos populares, mas que tem intervenção estatal e empresarial e se
transforma em uma grande performance que impacta as localidades envolvidas tanto a nível cultural
quanto a nível econômico.5

Seguindo estas reflexões, Yúdice destaca os quatro pontos que integram o universo da
economia criativa: o turismo, que tem intrinsecamente um caráter cultural; a vida comunitária, pois a
economia criativa não se restringe somente aos aspectos econômicos, mas também tem um forte apelo
social; a educação não formal, visto que a economia criativa está fortemente baseada nos saberes e
fazeres tradicionais; e por fim, o setor produtivo de ponta, responsável pela criação de novos modelos,
assim como pela distribuição e acesso aos produtos.6

RESUMO

Esta seção teve como objetivo apresentar um panorama mais geral sobre os
diferentes aspectos da economia criativa e como eles se articulam. Além disso, mostramos a
importância da Economia Criativa para o desenvolvimento social dos países subdesenvolvidos.

REFERÊNCIAS

ONU, Relatório da Economia criativa, 2010.

REIS, Ana Karla Fonseca; DEHEINZELIN, Lala. Caderno de Economia Criativa: economia criativa e
desenvolvimento local. Vitória, ES: SEBRAE/SECULT, 2008.

5
ONU, Relatório da Economia criativa, 2010. p. 30
6
ONU, Relatório da Economia criativa, 2010. p. 30

    




 25



4 REFLEXÕES SOBRE PATRIMÔNIO E


ECONOMIA CRIATIVA

Objetivos:

Refletir sobre a relação entre patrimônio e economia criativa;

Identificar pontos da economia criativa no Centro Histórico;

Refletir sobre as atividades periódicas no Centro Histórico para o fortalecimento da Economia


Criativa.

4.1 Reflexões sobre patrimônio e economia criativa

São Luís do Maranhão foi tombada como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO pela
riqueza de seus bens materiais que se expressam no casario colonial repleto de azulejos portugueses
e pedras de cantaria, de valor cultural inestimável. Os bairros situados na região do Centro, e que fazem
parte da região tombada, apresentam uma dinâmica social interessante que reflete bem a presença de
uma economia criativa. Iremos explorar alguns elementos dessa dinâmica a seguir.

4.2 Comércio e artesanato local

O Centro Histórico de São Luís é um espaço repleto de casarões antigos que tem a parte
térrea ocupada por inúmeros comércios, órgãos públicos, bares e restaurantes. Devido ao valor histórico
e cultural do local, todos os anos, as ruas do Centro Histórico atraem turistas de diferentes partes do
país e do mundo que vêm conhecer o conjunto arquitetônico. Nesses passeios, geralmente, os turistas
levam souvenirs para suas casas afim de terem uma lembrança do local onde passaram suas férias.1
Dessa forma, dentro da dinâmica do Centro Histórico, iremos destacar, em primeiro lugar,
a presença das inúmeras lojas situadas no local e que são voltadas para a venda de produtos que
atendem essa demanda turística. A maioria das peças vendidas são produtos artesanais que têm
como matéria-prima recursos renováveis como, por exemplo, peças feitas a partir de cascas de coco,
ou, para dar um caráter mais regional a elas, feitas com cascas de coco babaçu, palmeira abundante
no Maranhão. Essas peças são produzidas, em grande parte, por artesãos e artesãs que trabalham em
cooperativas, ou não, e que se dedicam a suprir esse mercado.

1
Souvenir = lembrança

    




 27
Figura 12 - Reocupação pode ser saída para o Centro Histórico

Fonte: O Imparcial, 2017.https://oimparcial.com.br/noticias/2017/07/reocupacao-pode-ser-saida-para-o-


centro-historico/ Acesso em: 07 set. 2021.

Entre as peças artesanais produzidas no Maranhão, é importante destacar as que são feitas
a partir da fibra do buriti, palmeira também abundante em terras maranhenses. Este tipo de artesanato
é produzido em grande parte nas cidades do interior, mais especificamente na região dos lençóis
maranhenses. O destaque maior fica para Barreirinhas, onde se observa a presença de inúmeros(as)
artesãos e artesãs que se dedicam à atividade, mulheres em sua maioria.

Figura 13 – Buritizal em Barreirinhas

Fonte: https://barreirinhas.wordpress.com/2012/11/28/artesanato-de-barreirinhas/

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


28 Carolina Martins



Elas dominam a técnica não só de fabricar as peças com a fibra, mas realizam todo o processo
de produzir a matéria-prima, desde a escolha da palmeira, obtenção do olho da palmeira (folha mais
jovem), extração do linho, tratamento, pigmentação e preparação do linho. Só a partir daí é que produzem
inúmeras peças como bolsas, sacolas, chinelos, colares e o que mais a imaginação permitir.

SAIBA MAIS

No site Artesanato com Design há o passo a passo sobre a preparação da fibra do


buriti. Disponível em: http://artesanatocomdesign.blogspot.com/2011/11/
processo-de-extracao-e-beneficiamento.html

A produção artesanal com a fibra do buriti demonstra como os aspectos da economia


criativa estão interligados. A nível social, possibilita a inclusão de mulheres no mercado de trabalho e
a maioria delas garante o sustento das suas famílias por meio dessa atividade que lhes dá autonomia
e independência financeira.
Com relação aos aspectos culturais, podemos dar destaque à utilização da fibra do buriti. A
palmeira do buriti é abundante no Maranhão e possui um valor cultural pelos usos sociais diversificados
que dela se faz: o uso da palha para diversas atividades; uso do fruto para alimentação e para a produção
de doces que também são comercializados, o tronco, utilizado para pequenas edificações e também
para a fabricação de peças artesanais, entre elas, a estrutura dos bois-brinquedo do Bumba Meu Boi.
Quantos aos aspectos econômicos, destacamos a venda dessas peças nas lojas do Centro
Histórico que, de certa forma, acabam conferindo uma identidade ao artesanato local. Já fazem parte
do cenário do Centro Histórico as bolsas, sacolas, chinelos e outras peças coloridas feitas de fibra
de buriti e penduradas na porta das lojas, conferindo, assim, um charme e uma atração a mais para
aqueles que o visitam. Também podemos observar um outro ponto interessante, a sustentabilidade,
pois a fabricação dessas peças é completamente artesanal. Há um cuidado das artesãs com relação
à extração da matéria-prima das palmeiras, pois é uma atividade que exige conhecimento para não
causar prejuízos às buritizeiras.

Figura 14 - Ilustração de bolsa feita em fibra de buriti

Fonte: Agnes Guerra, 2021.

    




 29
Voltando à presença das lojas no Centro Histórico de São Luís, elas se constituem enquanto
espaços a partir dos quais há a possibilidade de escoamento da produção artesanal feita a partir
do Maranhão. Infelizmente, observa-se ainda a falta de uma articulação maior entre os lojistas e os
artesãos do estado, já que essa articulação seria necessária para haver um maior desenvolvimento da
economia criativa local.

4.3 O cotidiano do Centro

Assim como as lojas fazem parte do cotidiano do Centro e são espaços importantes
para o desenvolvimento e a consolidação da economia criativa no estado, existem outras iniciativas
igualmente importantes para a compreensão das diferentes dinâmicas que a integram. O espaço
do Centro Histórico tem sido bastante utilizado para a realização de atividades que promovem a
criatividade e a inclusão das pessoas envolvidas. Iremos destacar algumas delas.

A primeira atividade é a Feirinha de São Luís, promovida desde o ano de 2017 pela
Prefeitura da cidade através da Secretaria Municipal de Agricultura, Pesca e Abastecimento em parceria
com o Banco do Nordeste e Governo do Estado.2 A feirinha tem se mostrado como um importante
espaço para a movimentação da economia local, pois disponibiliza mais de 100 barracas através das
quais são comercializados produtos da agricultura familiar, artesanato, vestuário, lanches e comidas
típicas.3 A programação ocorre aos domingos das 07 às 16h e, além da venda de uma diversidade de
produtos, há a apresentação de grupos culturais como, por exemplo, grupos de tambor de crioula,
bumba meu boi e shows de bandas locais.

Figura 15 - Feirantes de São Luís serão qualificados para atuação com foco empreendedor

Fonte: G1. 25/05/2021 https://g1.globo.com/ma/maranhao/especial-publicitario/sebrae-maranhao/


empreenda/noticia/2021/05/25/feirantes-de-sao-luis-serao-qualificados-para-atuacao-com-foco-
empreendedor.ghtml. Acesso em: 07 set. 2021.

2
SÃO LUÍS (Município). Prefeitura Municipal. Feirinha de São Luís com atrações. São Luís, 2020. Disponível em: http://agenciasaoluis.
com.br/foto/27144. Acesso em: 10 mar. 2020
3
DOS SANTOS, Karolyne da Luz; DOS SANTOS, Saulo Ribeiro; MARQUES, Ana Rosa. Percepção dos atores sobre a Feirinha São Luís
como espaço de incentivo à economia solidária e ao turismo Ciência Geográfica - Bauru - XXIV - Vol. XXIV - (3): Janeiro/Dezembro - 2020

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


30 Carolina Martins



Há um estímulo à economia local e, consequentemente, um resgate e valorização do


Centro Histórico, pois a feirinha atrai uma grande quantidade de pessoas à região central da cidade,
movimentando assim um espaço que antes era pouco frequentado aos domingos. Com o retorno das
atividades presenciais no contexto da pandemia, os lucros gerados pelas atividades da feirinha foram
de 24 mil reais de arrecadação para o setor de alimentação; 22 mil reais para o setor de artesanatos;
e de 10 mil para o setor agroecológico.4 A feirinha articula as dinâmicas social, cultural e econômica
da economia criativa que são evidenciadas a partir das atividades desenvolvidas pelos atores sociais
envolvidos.

Figura 16 - Ilustração da feirinha

Fonte: Agnes Guerra, 2021.

O Centro Histórico também tem sido palco de outras iniciativas igualmente importantes
nesse sentido. Os encontros de brechós promovidos por donos e donas de brechós constituem-se
como espaços importantes para o fortalecimento da economia criativa na cidade. Segundo Salvalayo
e Ashton (2017), os brechós são lugares que têm como objetivo a venda de peças vestuárias second
hand, ou vendas e trocas realizadas pelos próprios consumidores.5 No passado, predominava uma
imagem negativa com relação aos brechós, vistos como espaços onde se comercializavam produtos
de qualidade inferior, pois eram de segunda mão. Observa-se na atualidade uma mudança de
mentalidade dos consumidores brasileiros, por meio de uma preocupação cada vez maior em se fazer
um consumo da moda de maneira consciente, reutilizando peças que estão em bom estado.6

Em São Luís, pelo menos desde 2017, tem ocorrido o Encontro de Brechós nas praças do
Centro Histórico. Com o retorno das atividades presenciais no contexto da pandemia, os encontros
de brechós têm voltado a acontecer reunindo em média mais de 30 expositores que levam peças de
roupas, calçados, moda praia e alimentação natural para aqueles que prestigiam o evento.

4
Jornal Pequeno. 21/07/2021
5
SALVALAIO, Raquel Denise Salvalaio; ASHTON, Mary Sandra Guerra. “O consumo de moda em brechós no contexto da indústria
criativa”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, ( julio-septiembre 2017). p. 1
6
SALVALAIO; ASHTON. p. 2

    




 31
Figura 17 - Encontro de Brechós

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2017/08/encontro-de-brechos-promove-moda-sustentavel-em-sao-
luis/. Acesso em: 07 set. 2021.

Além dos encontros que são organizados nos espaços públicos do Centro, há brechós
instalados nos casarões antigos e que tem dinamizado o setor da moda local. Estes dois exemplos são
importantes para se compreender a dinâmica da economia criativa nas áreas do Centro Histórico de
São Luís, evidenciando assim a importância dos atores sociais envolvidos.

RESUMO

Nesta seção, vimos como a economia criativa esta articulada ao cotidiano do Centro
Histórico, através das lojas onde se comercializam peças produzidas por artistas locais e através
das atividades periódicas como a Feirinha de São Luís e os brechós. A ideia foi pensar as interfaces
entre as ações que têm sido realizadas no Centro Histórico e a produção econômica local.

REFERÊNCIAS

MARTINS, Carolina. Bumba meu boi e festas populares na ilha do Maranhão: entre negociação e
conflito. Tese (Doutorado). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2020.

NEWBIGIN, John. A economia criativa: um guia introdutório. British Council, 2010.

SALVALAIO, Raquel Denise Salvalaio; ASHTON, Mary Sandra Guerra. O consumo de moda em
brechós no contexto da indústria criativa. In: Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales. Julio-
septiembre 2017.

ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010.

    




32 



5 ARTICULANDO O PATRIMÔNIO
IMATERIAL E A ECONOMIA CRIATIVA
NO CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS

Objetivos:

Analisar o papel da economia criativa no âmbito do Patrimônio Imaterial;

Refletir sobre as articulações entre a cultura popular maranhense e o Centro Histórico.

As dimensões da economia criativa são conectadas e esses meandros podem ser


observados no âmbito da cultura popular, principalmente nas expressões culturais patrimonializadas,
como é o caso do Bumba meu boi do Maranhão. Importa aqui destacar a importância do bumba para
a economia criativa de São Luís e do Centro Histórico, visto que ele é uma das principais expressões
culturais do estado e, além de tudo, influencia e inspira a produção artesanal e também de outros
serviços nas comunidades. Essa articulação entre economia e cultura é fator determinante que
diferencia a economia criativa de outros setores. Como afirma Newbigin:

Esta ampla e complexa herança cultural é o que diferença a economia criativa de qualquer
outro setor da economia. De fato, a atividade cultural não esteve incluída como um componente
da economia durante uma boa parte da história humana. Abrangia aquelas atividades nas quais
as pessoas pensavam quando deixavam de trabalhar, mas não faziam parte da sua vida laboral.1

Nesse sentido, é necessário incluir as atividades desenvolvidas no âmbito dos barracões


de Bumba meu boi da cidade e como elas impactam o cotidiano do Centro Histórico.

O Bumba meu boi do Maranhão recebeu o título de Patrimônio Cultural Brasileiro pelo
IPHAN em 2011 e no ano de 2019 o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Na
atualidade, é considerado como a principal expressão da cultura popular maranhense, sendo sua
imagem utilizada pelos órgãos de turismo como maneira de atrair turistas para as festas juninas. A
ideia de tradição, originalidade, autenticidade e exotismo das diferentes expressões do Bumba meu
boi é evidenciada por estes órgãos como o que tornaria o Maranhão peculiar ao restante do país.
Estas quatro características são exaltadas durante as festas de São João pelos arraiais da capital
maranhense, onde inúmeros grupos de Bumba meu boi se apresentam todas as noites, obedecendo a
um calendário organizado pelas secretarias de cultura municipal e estadual e sob o pagamento de um
cachê, recebido pelos grupos após o término da temporada junina. Entre esses espaços destinados
à apresentação dos grupos, destacam-se os que são organizados no interior do Centro Histórico, as
ruas e praças do local.

1
NEWBIGIN, John. A economia criativa: um guia introdutório. British Council, 2010. Pg. 13

    




 33
SUGESTÃO DE VÍDEO

Para saber mais sobre o Bumba meu boi, veja o vídeo produzido pelo IPHAN “Bumba
meu boi candidato a Patrimônio da Humanidade”. Disponível em: https://youtu.be/
hP8im981u4MA

Observa-se que há uma organização pré-estabelecida pelos próprios órgãos de cultura de


forma a dinamizar e fazer a gestão das festas juninas, promovendo o acesso dos turistas e do público
em geral aos grupos de Bumba meu boi, que se apresentam por cerca de uma hora em palcos com
estrutura de som e iluminação. O Bumba meu boi, hoje em dia, mobiliza milhares de pessoas entre
os próprios boieiros e agentes públicos, além de impulsionar a cultura, o turismo, a economia e o
comércio do estado. Podemos afirmar que atualmente a cultura popular maranhense e os grupos
de Bumba meu boi são elementos indissociáveis e intrínsecos, sobretudo, pelo reconhecimento,
visibilidade e relevância que estas expressões culturais passaram a ter com as políticas de valorização
da manifestação.2

Nos meses de junho, o Bumba meu boi se transforma em uma performance midiática
bastante utilizada pelos órgãos de turismo e ganha significativa relevância na Indústria do Entretenimento,
além de movimentar as comunidades ligadas à manifestação com a produção maciça de peças
artesanais a partir da produção das indumentárias. No processo de patrimonialização pelo IPHAN em
2011, o Bumba meu boi foi considerado como “Complexo Cultural” pela notoriedade e compreensão da
riqueza e da variedade nas formas de expressão que esta manifestação abarca, tais como artesanato,
música, dança, religiosidade, teatro, rituais e mitos. Entre esses elementos, interessa-nos o artesanato.

SAIBA MAIS

Sotaques do Bumba meu boi do Maranhão

Importante falar também da diferença de estilos de bumba meu boi do Maranhão.


Convencionou-se afirmar que existem cinco sotaques de boi e as denominações de cada
um evidenciam o suposto local de origem e o instrumento que ganha maior destaque.
São eles: sotaque da ilha/matraca; sotaque de costa de mão/Cururupu, sotaque de
zabumba/Guimarães; sotaque da baixada/Pindaré; sotaque de orquestra, considerado
o mais recente em comparação com os outros. Contudo, essa caracterização deve ser
considerada somente para São Luís, pois no Maranhão há regiões em que se observa
outros estilos que não podem ser enquadrados nessa classificação.

2
MARTINS, Carolina. Bumba meu boi e festas populares na ilha do Maranhão: entre negociação e conflito. Tese (Doutorado). Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2020.

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


34 Carolina Martins



Figura 18 – Bumba meu boi do Maranhão

Fonte: http://portal.iphan.gov.br/ma/noticias/detalhes/5229/festival-de-bumba-meu-boi-no-maranhao-
homenageia-iphan-em-2019

5.1 A economia criativa dos barracões de Bumba meu boi

A produção artesanal do Bumba meu boi envolve, geralmente, grupos e comunidades que
realizam as atividades em conjunto. Grande parte das peças de vestuário que são utilizadas no interior
dos grupos é feita de forma artesanal, como por exemplo, as roupas dos personagens dos vaqueiros,
índias, índios, cazumbás, caboclos de fita e o próprio boi-carcaça. São realizados trabalhos de costura
das indumentárias e também de bordado e montagem de peças, como por exemplo, os chapéus de fita
dos caboclos dos bois denominados de sotaque da baixada. Estes chapéus possuem uma estrutura de
ferro, além de partes costuradas, bordadas e com penas de ema. As peças são produzidas de maneira
separada e juntadas no final do processo. Abaixo, é possível visualizar algumas destas etapas, a partir
da produção do artesão Simião Reis, no barracão do Bumba meu boi de Pindaré.

Figura 19 - Fabricação do chapéu do caboclo de fita


Artista: Simião Reis
Local: Sede do Boi de Pindaré
Bairro de Fátima, São Luís/MA

Foto: Carolina Martins (2019)

    




 35
Figura 20 – Artesanato do Bumba meu boi

Artista: Simião Reis


Local: Sede do Boi de Pindaré
Bairro de Fátima, São Luís/MA

Foto: Carolina Martins (2019)

As peças que exigem um processo mais elaborado são produzidas por artesãos mais
experientes que podem ser do próprio grupo de Bumba boi ou contactados para confeccionar
indumentárias sob encomenda. Outras atividades são feitas por pessoas da própria sede dos grupos,
como por exemplo, os bordados de peças menores, como chapéus e braceletes das indumentárias
dos índios e índias dos bois de sotaque da baixada. Peças maiores, como as batas dos cazumbás e o
couro do boi geralmente exigem a mão de obra de um artesão mais qualificado, dada a complexidade
da elaboração delas. Abaixo, algumas etapas da produção de uma bata de cazumbá produzida pela
artesã Joice Melo, do barracão do Bumba meu boi de Pindaré.

Figura 21 – Confecção de bata de Cazumba


Artista: Joic eMelo
Local: Sede do Boi de Pindaré
Bairro de Fátima, São Luís/MA

Foto: Carolina Martins (2020)

Abordagens da Economia Criativa em territórios histórico-culturais


36 Carolina Martins



Figura 22 - Bata de cazumbá


Artista: Joic eMelo
Local: Sede do Boi de Pindaré
Bairro de Fátima, São Luís/MA

Foto: Carolina Martins (2020)

Esses trabalhos fortalecem os laços de solidariedade da comunidade envolvida com os


grupos, contribuindo para a consolidação de uma economia criativa no âmbito do patrimônio imaterial.

Figura 23 - Ilustração Careta de Cazumbá

Fonte: Agnes Guerra, 2021.

Nos meses de junho, os bois ocupam as ruas do Centro Histórico e as indumentárias


chamam a atenção dos visitantes que para lá se deslocam a fim de prestigiar os grupos. A economia
da cidade é movimentada nesse período gerando renda e lucro sobretudo para aqueles(as) que se
dedicam às atividades do âmbito da economia criativa. Além das indumentárias e do próprio boi-
carcaça, o Bumba meu boi tem inspirado inúmeros artistas que produzem miniaturas de peças que

    




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representam personagens que integram os cordões. A peça do boizinho, feita da talha do buriti, é um
dos principais produtos que são vendidos nas lojas do Centro Histórico e é produzida pelos inúmeros
artistas locais que se dedicam à atividade, gerando fonte de renda e trabalho para as pessoas. Esse é
um tipo de trabalho que agrega valor cultural à produção artesanal.

Figura 24 - Ilustração da peça do boizinho

Fonte: Agnes Guerra, 2021.

SAIBA MAIS

Para pesquisar mais sobre artesãos que se dedicam à atividade, acesse: https://
www.turismo.ma.gov.br/nosso-artesanato-projeto-mobiliza-artesaos-locais-
produzirem-em-epoca-crise/

A partir de todos esses aspectos ligados aos bumbas do Maranhão, podemos afirmar que
as atividades voltadas para a produção artesanal dos grupos são importantes por diversos fatores.
Entre eles, destacamos a inclusão de minorias socialmente marginalizadas e a geração de rendas para
as pessoas ligadas à manifestação. De acordo com o relatório da ONU:

Nos países em desenvolvimento, especialmente naqueles menos desenvolvidos, a economia


criativa pode ser uma ferramenta para atenuar as tensões sociais. As atividades criativas,
especialmente aquelas associadas às artes e às festividades culturais, contribuem para a
inclusão de minorias normalmente excluídas. Além disso, as políticas da economia criativa
podem facilitar maior absorção da juventude marginalizada, facilitada, em parte, pelo fato de
que muitas já se encontram envolvidas em atividades criativas no setor informal da economia.3

3
ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010. p. 38

    




38 



Nesse sentido, observa-se a importância de todos esses aspectos ligados à produção de


peças artesanais nas comunidades envolvidas com a manifestação cultural e suas articulações com
o Centro Histórico da cidade.

RESUMO

Nesta seção, vimos como a abordagem acerca da economia criativa é importante


para a compreensão sobre as dinâmicas de produção no âmbito do patrimônio imaterial,
enfatizando o Bumba meu boi, e como essa manifestação impacta também o Centro Histórico,
por meio da venda de peças inspiradas na expressão cultural, gerando fonte de renda para os
atores sociais envolvidos.

REFERÊNCIAS

MARTINS, Carolina. Bumba meu boi e festas populares na ilha do Maranhão: entre negociação e
conflito. Tese (Doutorado). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2020.

NEWBIGIN, John. A economia criativa: um guia introdutório. British Council, 2010.

ONU. Relatório da Economia Criativa, 2010.

SALVALAIO, Raquel Denise Salvalaio; ASHTON, Mary Sandra Guerra. O consumo de moda em
brechós no contexto da indústria criativa. Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales. Julio-
septiembre 2017.

    




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