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OS IMPACTOS DA LEI

SARBANES-OXLEY ACT
E A GOVERNANÇA CORPORATIVA
NO NOVO MILÊNIO

LILIANA HORÁCIO SILVA REZENDE

Resumo: o governo norte-americano criou a Sarbanes-Oxley


Act, com abordagem jurídica internacional, atingindo tam-
bém as empresas estrangeiras que atuam no mercado de
capitais no exterior. A lei levou as empresas e os países a
atentar para a maneira pela qual os conceitos de governança
corporativa estariam sendo modificados, buscando a justi-
ça e responsabilidade social. Este artigo procura, portanto,
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.

no âmbito do Direito Internacional, analisar as mudanças


trazidas pela Sarbanes-Oxley Act e a forma como o mercado
financeiro internacional se adapta às suas exigências,
focando na governança corporativa e na atuação das
empresas brasileiras no mercado de capitais.

Palavras-chave: Lei Sarbanes-Oxley, Governança


Corporativa, Mercado de Capitais, Controles Internos

globalização e a facilidade de atuação no sistema fi-

A nanceiro internacional atraíram muitos investidores


para o mercado de capitais, propiciando uma melhor
inserção em mercados no exterior.
Os acionistas das empresas delegam certa autonomia aos
administradores, propiciando que eles cuidem da gestão e das
tomadas de decisão. Entretanto, pode haver assimetria de 651
informações, o que quer dizer que a atuação do gestor não esteja
alinhada com os desejos do investidor. Assim, decorre a divisão de
poderes na empresa e conseqüentemente, interesses divergentes.
Este trabalho trata das mudanças trazidas pela Lei Sarbanes-
Oxley Act e a forma como o mercado financeiro internacional se
adapta às suas exigências, focando na governança corporativa e
na atuação das empresas brasileiras no mercado de capitais, já que
para as tornou-se exigência também para as empresas estrangei-
ras que negociam ações na bolsa norte-americana.
Como metodologia, foi utilizado como referencial teórico o pós-
positivismo de Dworkin, baseado na análise de que além da utili-
zação das regras é preciso se valer de outros padrões normativos,
como por exemplo, os princípios.
Haja vista a necessidade de uma pesquisa completa e espe-
cífica, o método dedutivo apresenta-se adequado para o desenvol-
vimento do tema em pauta. Ademais, foi realizado um estudo de
material disponível sobre o assunto, ressaltando que ainda há uma
bibliografia escassa sobre o tema.
O artigo está segmentado em tópicos que facilitam a exposi-
ção do trabalho. Inicialmente, é apresentada uma discussão sobre
o mercado financeiro internacional e sua história. Em seguida, há
uma exposição sobre conceitos e aplicação de governança
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corporativa, seguida do assunto acerca os controles internos.
Ademais, foi analisada a Lei Sarbanes Oxley Act e seu impacto
para as empresas brasileiras.
A análise da legislação norte-americana mostra-se pertinente
à luz do Direito Internacional, pois apresenta uma abordagem ju-
rídica que se estende além de suas fronteiras, já que atinge não
apenas as empresas daquele país, mas também as brasileiras que
atuam no mercado de capitais no exterior.

O MERCADO FINANCEIRO INTERNACIONAL

O mercado financeiro está em constante transformação, causa-


da pela dinâmica da globalização e da alta competitividade. Cada país
passou a desenvolver sistemas de governança corporativa, permitindo
a sua modernização, de acordo com o seu desempenho econômico.
O mercado é altamente competitivo, o que leva empresas a
652 tentarem expandir-lo como uma estratégia para sobrevivência no
mundo corporativo. Entretanto, o mercado internacional apresenta
várias regras que podem tornar a atuação dessas empresas cada
vez mais complexa. De acordo com a definição de Andréia Andrezo,
podemos entender como mercado de capitais aquele em que:

As operações são normalmente efetuadas diretamente entre


poupadores e empresas, ou por meio de intermediários fi-
nanceiros não-bancários, diferenciando-se, do mercado
financeiro, no qual os bancos atuam como parte na
intermediação, interpondo-se entre aqueles que dispõem
de recursos e aqueles que necessitam de crédito
(ANDREZO, 1999, p. 1).

Para os países em desenvolvimento, o mercado de capitais


pode ser um instrumento de grande valia para a sua economia, já
que os recursos aplicados pelos investidores possibilitam às em-
presas o financiamento de seus projetos. Assim, a economia se
desenvolve positivamente, propiciando vantagens para as empre-
sas e para o país.
As transformações do mercado atual foram geradas pela alta
competitividade e pela globalização. As organizações têm que se
adaptar às novas legislações, que buscam demonstrar a credibilidade
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social além da maximização do retorno dos acionistas.


A globalização influencia diretamente neste mercado e com
as peculiaridades de cada empresa ou país, faz-se necessário seguir
regras para que os interesses dos investidores sejam preservados.
Assim, apenas são negociados no mercado papéis de empresas
que aderiram a certas práticas de governança corporativa.
Para a empresa, estar inserida no mercado externo é muito im-
portante, já que o fluxo internacional proporciona o acesso a vários
investidores. Todavia, para se beneficiar deste mercado, a empresa
deve atentar para que haja uma boa compreensão de sua gestão.
Ainda que o acesso a novos financiamentos esteja facilitado,
levando à modernização da gestão, é preciso estar atento para a
segurança e as formas de controles internos das empresas,
monitorando a relação entre acionista e administrador.
Os regulamentos, convenções culturais e instituições regem o
relacionamento entre os acionistas e os gestores, formando um
sistema de governança corporativa. Os acionistas delegam auto- 653
nomia aos administradores, entretanto, pode haver assimetria de
informações, que decorre da divisão de poderes na empresa e
consequentemente, interesses divergentes.
O que fica claro é que o mercado precisa ter regras claras, que
protejam os interesses dos investidores. A falta de transparência
das empresas em seus demonstrativos financeiros pode compro-
meter, portanto, o bom funcionamento do mercado internacional.
A globalização foi responsável por aumentar o fluxo interna-
cional de capital, produto e serviço, gerando a interdependência
econômica entre os países.
O mercado financeiro passou a apresentar estratégias para
diminuição de riscos a partir da década de 1980, em especial com
o Comitê da Basiléia, que estabeleceu um acordo que apresentava
um cálculo de capital regulamentar mínimo para as instituições
financeiras. Na década seguinte, o acordo de 1988 foi reformulado,
permitindo a inclusão de fatores ligados à transparência do merca-
do. Passou a haver uma maior exigência quanto às gestões das
instituições financeiras, já que os colapsos de algumas empresas
demonstraram como os riscos precisavam ser controlados.
Através de um erro estratégico de hedge, ligado a contratos
futuros de petróleo a curto prazo que protegiam os contratos de
venda a longo prazo, a empresa alemã Mettalgesellschaft impactou
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o mercado com o escândalo de seu colapso. Neste mesmo sentido,
em 1998, a norte-americana Long Term Capital Management
também foi abalada, com destaque para a falta de transparência,
que conseqüentemente atingiu todos os investidores, levando às
perdas aos cotistas do fundo de derivativos.
Um dos casos mais críticos foi a falência do banco britânico
Barings Bank em 1995, que foi abalado devido a falta de controle
operacional, por uma estratégia errada adotada por um de seus
executivos. Operações não autorizadas e de fraudes foram prati-
cadas no mercado de derivativos da Bolsa de Cingapura pelo gerente
do banco que acumulava funções tanto de operador de pregão,
como de back office. Outras empresas norte-americanas foram
envolvidas em grandes escândalos que envolviam relatórios
contábeis e suspeitas de fraudes, como a Xerox, a WorldCom e a
Enron, fragilizando a confiança dos investidores.
Com tantos problemas ligados à gestão de grandes corporações
654 atingindo o mercado financeiro norte-americano, passou-se a dis-
cutir quais seriam as melhores formas de regular o mercado, de
propiciar segurança aos acionistas, diminuindo a fragilidade dos
controles, mitigando as práticas antiéticas e responsabilizando os
administradores. Neste contexto, o conceito de Governança
Corporativa passou a se destacar, enquanto o Congresso norte-
americano buscava normas para proteger os investidores.

OS IDEAIS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA

A governança corporativa, em sentido mais amplo, pode estar


ligada a um conjunto de agentes envolvido com os negócios direta
ou indiretamente, ou seja, a todos aqueles que são atingidos pela
atuação da empresa.
Os princípios de governança apresentados pela Organization
for Economic Cooperation and Development (OCDE) são de
enorme importância pois demonstram uma abrangência dos as-
pectos tratados e uma difusão internacional, chegando a influen-
ciar a prática da boa governança em alguns países.
Vale ressaltar que não existe um modelo perfeito ou único de
governança corporativa, entretanto é possível identificar algumas
práticas e elementos que são favoráveis a diversos sistemas.
Os princípios de governança devem apresentam característi-
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cas dinâmicas, buscando se adaptar às peculiaridades do mercado


e inovar a gestão, a fim de gerar novos negócios através desta
modernização.
A governança corporativa busca conciliar os interesses dos
gestores com os dos proprietários, através de estratégias e deci-
sões em que ambos sejam beneficiados. O conceito de governança
está ligado ao bom desempenho da empresa, a uma performance
positiva, alinhando os interesses das duas partes contratantes. Assim,
os acionistas controladores das empresas passam a fazer parte de
um sistema de monitoramento e controle, em que as decisões to-
madas pelos administradores passam a estar alinhadas com os
interesses dos acionistas.
Várias teorias tentam explicar a governança. A teoria clássica
da firma apresenta como principal agente o entrepreneur, que atua
tanto como gerente quanto como tomador de risco, diferentemente
das corporações modernas em que o controle é feito pelos gestores,
separadamente dos acionistas. 655
A teoria neoclássica ressalta que as firmas não eram afetadas
pelo direito de propriedade ou por sua constituição legalmente, já
que eram responsáveis pela função de produção e agiam de forma
passiva. Vale ressaltar que se trata de um modelo conceitual, não
se trata de um tipo específico de empresa. A única preocupação
para as firmas, como unidade autônoma, era aumentar o lucro, de
forma mecânica, transformando insumos em produtos.
A nova economia institucional passou a analisar as empresas de
forma mais complexa, ligando-as ao mercado e à variação de custos
de operação e competência. É possível perceber que as empresas
atuais são diferentes das firmas conceituadas pela teoria econômica
clássica, especialmente no tocante ao aspecto organizacional.
As divergências causadas pela separação entre a propriedade
e a gestão são conceituadas como teoria da agência. O proprietário
delega a um executivo o poder de decisão sobre sua propriedade,
todavia os interesses de cada um deles podem ser divergentes,
gerando o conflito de agência.
A governança corporativa busca, portanto, que tal conflito seja
solucionado através de mecanismos de monitoramento, controles
e incentivos para as partes contratantes, de maneira tal que os
gestores se comportem segundo interesses dos proprietários.
Existem vários modelos sobre sistemas de governanças de acordo
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com os tipos de propriedade e peculiaridades. Dois modelos
abrangentes são apresentados pela economia para superar tal
conflito, ou seja, como uma boa governança corporativa: o nipo-
germânico e o anglo-saxão.
O modelo nipo-germânico tinha como objetivo a construção
de estrutura produtiva de acordo com as necessidades dos países
envolvidos, com uma visão coletiva. Ele apresenta propriedades
mais concentradas, ou seja, um mecanismo interno em que há uma
participação cruzada, uma interação entre instituições financeiras,
governo e empresas com estratégias a longo prazo.
O modelo anglo-saxão é caracterizado pela pulverização do
controle acionário, as bolsas de valores garantem a liquidez das
operações e o preço das ações reflete o julgamento do mercado.
Nota-se que neste modelo se sobressai a valorização do interesse
individual, privilegiando os acionistas “anônimos”.
No tocante ao mercado brasileiro, os problemas de agência
656 são minimizados pelos controladores, ou seja, não há tanto conflito
entre acionistas e administradores, ao contrário do que ocorre no
mercado norte-americano. Assim, é preciso refletir se o modelo
aplicado às empresas estrangeiras seria o sistema mais adequado
a ser adotado por empresas brasileiras.
A Governança Corporativa é a união de práticas que aperfei-
çoam o desempenho das empresas, protegendo os investidores,
credores e empregados. Quando analisada frente ao mercado de
capitais, a boa governança envolve um tratamento igualitário aos
acionistas, responsabilidade na prestação de relatórios contábeis e
transparência.
Independente do modelo de governança, para que os interes-
ses dos acionistas estejam em consonância com as decisões do
gestor, as informações fornecidas devem apresentar transparên-
cia e equidade, bem como devem estar de acordo com as normas.

ANÁLISE DE RISCOS E REGULAMENTAÇÃO


DE CONTROLES INTERNOS

Toda empresa está sujeita aos riscos. Para lidar com


corporações, é preciso aceitar que os riscos estão inerentes às
operações e aprender a gerenciá-los, já que o administrador é o
responsável pelo sucesso da empresa e por obter lucratividade para
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seus acionistas. Os grandes retornos são obtidos com riscos mais


elevados, já que há uma proporcionalidade entre o risco e a alocação
de ativos.
Os riscos podem ser originados externamente, pelo próprio
mercado, assim como podem ter origem interna, na própria empre-
sa. Os segundos podem ser avaliados pelo gestor, que tentará
minimizá-los através de controles.
Os controles são processos implementados pela administra-
ção da empresa, focando suas estratégias, buscando garantir efi-
ciência operacional, confiabilidade nos processos de comunicação
através da transparência de informações e de relatórios contábeis.
Há uma tentativa de seguir os princípios de compliance, basean-
do-se nas legislações em vigor.
Em 1977, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA), que apresentava cláusulas de
processo regulatório referente a controles internos. A intenção era
mitigar riscos, em especial os relativos aos pagamentos duvidosos 657
no exterior. Assim, os auditores, administradores e contadores
passaram a pesquisar e estabelecer padrões para os processos de
controle.
A Tredway Commission foi responsável por desenvolver
conceitos de controle interno, de acordo com o processo, em 1985,
através do Committee of Sponsoring Organizations of The
Treadway Commission (COSO). Com a visão apresentada em
1992, o controle interno foi definido e passou a ser analisado como
um sistema, tornando-se uma ferramenta administrativa. A res-
ponsabilidade do processo cabe ao conselho diretor, à administra-
ção e aos funcionários envolvidos, que geraria eficiência operacional,
relatórios financeiros confiáveis e cumprimento dos normativos
pertinentes (PETERS, 2007).
Alguns colapsos de grandes empresas estavam relacionados
à falta de um controle interno eficaz, já que havia manipulação dos
relatórios financeiros, apresentando resultados falsos aos investi-
dores. Com a regulamentação sobre a matéria, as informações são
mais confiáveis, possibilitando uma melhor tomada de decisão.
O responsável pelo controle interno é o próprio administrador
da empresa, já que se trata de um processo de fiscalização que
pode ser: corretivo, detectivo ou preventivo.
Entende-se que um melhor desenvolvimento da governança
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está ligada aos controles internos propiciando uma maior eficácia
das operações da empresa, respeitando a legislação em vigor e
conseqüentemente, traria uma confiabilidade maior no tocante aos
relatórios financeiros.
As informações apresentadas pelas empresas servem como
fontes para tomadas de decisões, que têm influências econômicas e
financeiras. As normas existem para que tal comunicação seja feita,
transparecendo confiança, segurança aos gestores e acionistas.
A Sarbanes Oxley Act evidencia que as informações acerca
de uma empresa podem ser relevantes para os interessados e, antes
de divulgadas, devem passar por certificações fornecidas pelos
gestores e pela auditoria.
Um dos pontos mais rígidos da lei diz respeito ao controle interno.
A segurança é passada ao acionista através de relatórios financei-
ros que sejam fiéis à situação da empresa, de adequação às normas
vigentes e em especial, à eficácia das operações de acordo com
658 as regra estabelecidas. Tais ações geram credibilidade para os
envolvidos, permitindo uma confiança nos números apresentados
pelas demonstrações financeiras da empresa.

A IMPLANTAÇÃO DA LEI SARBANES-OXLEY ACT

Pela necessidade de regular o mercado, foram criadas várias


leis para proteger investidores e empresas, na tentativa de dar mais
segurança a todos os envolvidos no processo.
Em 2002, os membros do congresso norte-americano Paul S.
Sarbanes e Michel G. Oxley foram responsáveis por uma lei que
pudesse proteger o mercado, através de uma boa governança das
empresas e de segurança nas informações contábeis divulgadas,
protegendo a empresa, os consumidores e acionistas.
No dia 30 de julho daquele ano, o presidente do Congresso
norte-americano, George Arbusto, assinou a Sarbanes Oxley Act
2002, uma grande reforma da legislação societária do país.
O surgimento da Sarbanes Oxley transformou em lei a pre-
missa da ética no mercado e a boa gorvernança corporativa, em
especial no tocante aos controles internos, à emissão e divulgação
de relatórios financeiros. O objetivo era disponibilizar para os aci-
onistas, de maneira confiável, informações contábeis da empresa.
Devido às crises do mercado financeiro e as divergências
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apresentadas nos livros das companhias, o congresso norte ame-


ricano considerou necessária a criação de legislação que ofere-
cesse maior segurança aos clientes e investidores, dificultando as
atividades duvidosas praticadas por empresas sob alegação de
desconhecimento por parte dos executivos. Assim, haveria maior
rigidez no tocante aos controles internos e uma maior responsabi-
lidade para os executivos.
A evolução do mercado financeiro internacional demonstra
como as empresas têm se tornado cada vez mais complexas, já foi
superado o modelo familiar e a estrutura passou a ser uma divisão
de propriedade, como ocorre através da emissão de ações. Para
que tal estrutura pudesse se manter de forma lucrativa para os
acionistas, foi preciso buscar novas maneiras de administrar e
controlas tais empresas, garantindo uma participação positiva para
o acionista.
A Sarbanes Oxley Act é fiscalizada e regulada pela Securities
and Exchange Commission (SEC), que funciona a exemplo da 659
CVM no Brasil. Ademais, foi criada uma comissão que permite
fiscalizar e regulamentar as atividades – Public Company
Accounting Oversight Board (PCAOB).
A lei é extensa e apresenta 11 títulos, num total de 69 seções, com
1.107 artigos que transformaram em lei os princípios de Governança
Corporativa. Cada seção aborda um tema específico, sendo que cada
título é composto por seis seções, em média. As partes da lei que in-
teressam a este trabalho serão apresentadas a seguir.
O primeiro título, por exemplo, versa acerca da auditoria, tra-
tando da formação do comitê e de seus deveres. O Comitê de
Auditoria é o representante dos interesses dos acionistas e de todas
as demais pessoas atingidas pelas decisões da empresa. As regras
são rígidas e exigem padrões propostos por profissionais de con-
tabilidade, sendo que as normas do comitê devem ser anteriormen-
te aprovadas pela SEC. Ademais, as empresas de auditoria
estrangeira também estão sujeitas a estes procedimentos.
O comportamento do auditor é matéria descrita no segundo
título da Sarbanes Oxley Act, proibindo certos serviços e estabe-
lecendo suas responsabilidades e funções. Tal título sofreu algu-
mas alterações práticas posteriormente, com as novas regras
instituídas pela SEC.
Os artigos que geram maior discussão pela Sarbanes Oxley
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.
Act estão entre os relacionados no terceiro e quarto títulos, que
tratam da responsabilidade corporativa e da divulgação de infor-
mações financeiras, respectivamente.
A seção 301 versa sobre a criação de um comitê de auditoria
apenas para fiscalizar todos os passos de elaboração e divulgação
das demonstrações financeiras. A seção 302 da referida lei disser-
ta sobre a exigência da declaração pessoal dos diretores executi-
vos e financeiros das empresas, se responsabilizando pelos
procedimentos e controles de divulgação, de maneira que trimes-
tralmente deve estar certificado que tais responsáveis avaliaram
e divulgaram as deficiências dos controles detectados pela audito-
ria, evitando influências fraudulentas (seção 303).
Em casos de fraudes, o presidente e diretor da companhia devem
devolver os valores recebidos como bônus, durante os 12 meses após
a publicação dos relatórios financeiros (seção 304). E os advogados,
ao descobrirem qualquer tipo de ação fraudulenta ou irregularidade,
660 devem informá-la ao diretor do departamento jurídico (seção 307).
As questões de controles internos são tratadas no quarto título.
Ficou estabelecido que a SEC fizesse a avaliação dos relatórios
contábeis, que devem ser elaborados pelas empresas de acordo com
os princípios contábeis determinados pela própria SEC (seção 401).
A seção seguinte, ao seguir princípios éticos, discorre sobre a proi-
bição de empréstimos pessoas para os executivos das companhias.
Na seção 404, a lei exige uma avaliação anual dos procedi-
mentos e controles para que os relatórios financeiros sejam emi-
tidos, ressaltando que deve ser atestada pelo administrador a
asserção sobre a eficácia de seus controles. Tal normativo impede
que o gestor da companhia alegue desconhecimento de alguma
informação, já que estará ciente de todo controle interno.
Neste aspecto, os executivos passam a ser responsáveis pela
avaliação e monitoramento dos controles internos e pelos relató-
rios divulgados pela empresa, a fim de evitar o chamado “crime do
colarinho branco”. Assim, os diretores ficam obrigados a certificar
e assinar os relatórios financeiros, como sinônimo de responsabi-
lidade corporativa.
O gestor passa a ter maiores responsabilidades, podendo ser
punido com pagamento de multas e inclusive sofrer pena de reclu-
são, como ocorre nas situações de fraudes contábeis, falsificação
e alterações documentais (Título VII).
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.

As regras da Sarbanes Oxley Act são direcionadas para os


executivos como presidentes e diretores, todavia, extendem-se para
os analistas de mercado, auditores e até advogados.
Nota-se que a rigidez da lei, com regras de gestão, busca gerar
um controle rigoroso acerca dos processos internos das empresas,
evitando fraudes e atitudes antiéticas, buscando a obrigatoriedade
da boa governança corporativa.
A lei passou a ser obrigatória para as companhias de capital
aberto, incentivando seus administradores a inovar e buscar um
melhor desempenho operacional e negocial. Todavia, as demais
companhias também podem se espelhar neste modelo a fim de
gerar uma maior eficiência.

A ADEQUAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS

Na conquista de novos mercados e aumento da lucratividade,


várias empresas brasileiras atuam no mercado de capitais no ex- 661
terior. Para isso, devem estar atentas à legislação estrangeira e se
adequarem aos padrões exigidos por outros países.
A Sarbanes Oxley Act é uma tentativa norte-americana de
regular seu mercado financeiro, atingindo as suas companhias
abertas e as subsidiárias de suas multinacionais registradas na bolsa
americana, mas que operam em outros países. Sua aplicabilidade
ultrapassa a fronteira, já que a exigência de adequação a suas
diretrizes é estendida a todas as empresas estrangeiras que têm
acesso ao mercado de capitais norte-americano.
Tal exigência pode parecer bastante rigorosa para empresas de
alguns países, que ainda apresentam modelo de governança baseado
numa estrutura familiar ou que ainda não absorveram princípios de
governança corporativa. Por outro lado, é uma oportunidade para
adequar as companhias a valores éticos, de responsabilidade social
e que visem comprometimento e respeito ao investidor, em especial
no que tange aos controles internos e informações divulgadas.
Enquanto a SEC controla e fiscaliza as diretrizes traçadas para
o mercado norte-americano, no Brasil a CVM também ressalta a
necessidade de preservar a boa prática de Governança Corporativa.
Algumas regras abordadas pela Lei Sarbanes Oxley já esta-
vam presentes na legislação brasileira, na Lei 10.303/01, que trata
do direito societário. Como exemplo, nota-se que a responsabilida-
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.
de do administrador no que tange aos balanços financeiros está
presente nos artigos 142 e 176 da Lei n. 6404/1976.
Quanto à questão do auditor não poder realizar consultorias à
empresa que audita, também já era previsto no Brasil, com a fina-
lidade de evitar a perda da objetividade e independência, de acordo
com I. N. – CVM 308/1999. Enquanto a legislação norte-ameri-
cana exige a criação de um comitê de auditoria, as empresas bra-
sileiras podem substituí-lo por um Conselho Fiscal (SANTOS, 2004,
p. 9-10). Vale ressaltar que, no mercado brasileiro, esta estrutura
não é obrigatória.
A Cartilha de Governança Corporativa da CVM indica que
seja realizado trimestralmente pela empresa um relatório com a
análise dos resultados e os riscos que o influenciaram. Neste sen-
tido, a Sarbanes Oxley Act é rígida ao exigir relatórios trimestrais
com certificação dos gestores.
No Brasil, os administradores respondem civilmente pelos
662 prejuízos que causarem à empresa quando atuam além de sua
função. A legislação americana impõe, além da responsabilidade
civil, penas de reclusão e multas.
A aprovação da lei nos Estados Unidos evidentemente impactou
as empresas brasileiras que têm ações lançadas no mercado de
capital norte-americano, levando a discussão sobre a melhor ma-
neira de adequação. As companhias que ainda pretendem adentrar
neste mercado também procuram se adaptar às exigências.
As grandes empresas brasileiras de capital aberto já estão se
adequando às práticas apontadas pela CVM na Cartilha de
Governança Corporativa, que sugere princípios éticos e de gestão.
Para aquelas que já seguiam os ideais de boa governança, a Sarbanes
Oxley Act não impactaria tanto, gerando apenas algumas mudanças
que poderiam ser implementadas com mais facilidade.
O desafio estaria com as empresas que ainda mantêm outras
estruturas, que não optaram por uma gestão que privilegie a boa
governança corporativa, a responsabilidade social, a transparência
e o respeito aos investidores.

CONCLUSÃO

Uma nova estrutura econômica, política e cultural surgiu


mediante o fenômeno da globalização, que se iniciou com a libera-
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.

ção ampla do comercio exterior e posteriormente foi possível per-


ceber que o foco passou para os mercados financeiros. Nota-se
que o investimento internacional está relacionado com a globalização
das instituições financeiras e bancárias, o que proporciona fusões
e aquisições transnacionais.
Apesar de todos os benefícios que a globalização financeira
traz, incluindo a possibilidade e as facilidades de investir no mer-
cado externo e conquistar novos clientes e investidores, é preciso
ressaltar que as realidades são diferentes em cada país. As polí-
ticas financeiras das instituições e empresas que atuam neste
mercado nem sempre seguem quesitos de ética, preocupação social
ou respeito aos investidores, podendo gerar enormes discrepânci-
as e prejuízo a todos aqueles envolvidos com suas atividades.
Ainda que as empresas devam seguir uma visão que busque
resultados positivos para os investidores, tal fato não impede que
tal atuação seja voltada para a boa governança corporativa, inde-
pendente do mercado que atua. A realidade mundial tem demons- 663
trado que é preciso atentar para a responsabilidade social. Neste
sentido, Stiglitz (2002, p. 265) destaca:

O maior desafio não está apenas nas instituições propri-


amente ditas, mas nas mentalidades: para que se alcan-
cem os benefícios potenciais da globalização, é necessário
cuidar do meio ambiente, garantir que os pobres tenham
voz nas decisões que os afetam e promover a democracia
e o justo comércio.

As grandes empresas, bem como as multinacionais, são um


dos principais atores da manutenção do capitalismo globalizado.
Isso significa que a gestão das empresas pode fazer uma grande
diferença na realidade de vários países.
As decisões de uma companhia podem influenciar diretamen-
te a economia mundial, especialmente quando são divulgados os
escândalos sobre fraudes ou erros que levam uma empresa à fa-
lência, causam a uma perda de capital por parte dos acionistas,
geram instabilidade econômica, prejuízos para os credores e um
crescente número de desempregados.
Os colapsos apresentados por grandes companhias na década
de 90 estimularam a criação de uma melhor regulamentação para
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.
o mercado financeiro. A Sarbanes Oxley Act surgiu como conse-
qüência deste contexto, mas não pode ser vista apenas como uma
legislação para o mercado norte-americano. Inúmeras empresas
atuam diretamente no mercado externo, em especial o americano,
e devem seguir tal regulamento.
A legislação norte-americana pode parecer rígida, até se tor-
nar um obstáculo para algumas empresas estrangeiras que preten-
dem atuar no mercado externo de capitais. Entretanto, os princípios
éticos e da boa governança corporativa deveriam ser seguidos por
todas as companhias, independente de seu interesse em atuar no
mercado externo. Isso porque a incredibilidade gerada pelas com-
panhias desestabiliza a economia e afasta investidores.
A transparência é a melhor forma de tratar as tomadas de
decisões com toda a seriedade que lhe é devida, permitindo uma
gestão baseada na boa governança corporativa, com uma visão
ampla. Assim, a Sarbanes Oxley Act é um avanço para o mercado
664 de capitais, trazendo mais seguranças aos acionistas e impactando
os demais países, exigindo a adequação aos seus princípios. Ao
mesmo tempo em que a lei restringe a participação de algumas
empresas por não se adequarem, proporciona uma elevada discus-
são acerca do tema.

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orientação dos investidores para o desenvolvimento do mercado de valores
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Abstract: the U.S. government created of the Sarbanes-Oxley Act, with


international legal approach. It affects all those foreign companies who serve in
the capital market abroad. The ideals of the Sarbanes-Oxley encourage
companies and countries to look at the way the concepts of corporate governance
are being modified, seeking justice and social responsibility. This research
intends, under international law, to exanimate the changes brought with
Sarbanes-Oxley Act and how the international finance fits their needs, focusing
on corporate governance and the performance of Brazilian companies in the
financial market.

Key words: Sarbanes-Oxley Act, Corporate Governance, Financial Market,


Internal Control

estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 651-666, jul./ago. 2008.

LILIANA HORÁCIO SILVA REZENDE


Especializanda em Direito Internacional na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Bacharel em Direito pela UFG e Relações Internacionais pela Universidade Ca-
666 tólica de Goiás. E-mail: liliana.horacio@gmail.com

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