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Iuri Pinheiro
@iurippinheiro
Sumário
1
Governança corporativa: notas introdutórias
A governança corporativa tem como objetivo instituir um modelo de gestão no qual as empresas
procuram, voluntariamente, cumprir as regras e tomar decisões no interesse comum de longo
prazo da organização, com adoção de medidas de transparência e sustentabilidade financeira,
adotando um modelo de autorregulação.
O americano Robert Monks, formado em direito pela Universidade de Harvard, ficou conhecido
como o “pai da governança”, por ter percebido, a partir da segunda metade da década 80, que
havia inúmeras distorções na gestão das companhias, uma vez que que os destinos destas não
eram delineados por seus proprietários e acionistas, mas sim pelos seus dirigentes e
administradores, ocasionando os denominados conflitos de agência.
Ele criticava a omissão dos acionistas, que apenas se preocupavam com a manutenção de seus
privilégios e com o valor das ações, passando a ser o principal defensor da necessidade de uma
mudança de tal postura, propugnando que os investidores institucionais de todo o mundo se
unissem para tornar as corporações mais responsáveis perante seus acionistas.
Um dos primeiros documentos sobre governança corporativa de que se tem notícias no mundo
foi o relatório Cadbury (Cadbury Report), elaborado no Reino Unido em 1992, para definir
responsabilidades de conselheiros e executivos, objetivando a prestação responsável de contas
e transparência, em atenção aos interesses legítimos dos acionistas. O referido relatório
1
Cf. site da Comissão de Valores Mobiliários - CVM: <www.cvm.org.br>.
2
abordou dois valores fundamentais do atual modelo de governança: a prestação de contas
responsável (accountabiliy) e a maior transparência (disclosure).
A partir dos princípios da OCDE, a cultura de boas práticas de governança corporativa difundiu-
se por vários países, com a implantação de códigos nacionais, não apenas em países
desenvolvidos, mas também em países emergentes.
No referido documento, restou consignado que a boa governança corporativa ajuda a construir
um ambiente de credibilidade, transparência e responsabilidade necessárias para fomentar o
investimento a longo prazo, a estabilidade financeira e a integridade dos negócios, apoiando um
crescimento mais sólido e inclusivo.
Entretanto, a adoção de boas práticas de governança não impediu que ocorressem diversas
fraudes e escândalos corporativos no início do século XXI, dentre as quais podemos citar as que
envolveram grandes empresas norte americanas: World.com, Xerox e Enron.
No Brasil, ocorreram escândalos envolvendo as empresas dos grupos EBX, JBS e da Petrobrás,
demonstrando falhas na implementação de políticas de governança corporativa e a necessidade
de revisão das práticas de mercado.
2
OECD (1999), OECD Principles of Corporate Governance, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/9789264173705-en.
3
OECD (2004), OECD Principles of Corporate Governance 2004, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/9789264015999-en.
4
http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/Publicacoes/Publicacao-IBGCCodigo-
CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf
3
relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos
de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de
governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações
objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o
valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a
recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua
longevidade e o bem comum 5.
Em 1998, foi a aprovada a Lei de combate aos crimes de lavagem de dinheiro (Lei no 9.613), que
criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e foi editada a Resolução n. 2.554
do Banco Central do Brasil (BCB), que passou a disciplinar a criação de estruturas e mecanismos
de controles internos de riscos para as instituições financeiras.
Em 2013, foi publicada a Lei n. 12.846, denominada Lei de Combate à Corrupção ou Lei da
Empresa Limpa, com a previsão de redução das sanções pecuniárias para empresas que
passassem a adotar programas de integridade, in verbis:
(...)
5
Cf. o site http://www.ibgc.org.br.
4
I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os
conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
5
XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu
aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos
lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e
6
Em 2015, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia federal vinculada
ao Ministério da Justiça, que tem como objetivo orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos do
poder econômico, publicou o “Guia de Programas de Compliance”, com orientações sobre
estruturação e benefícios da adoção dos programas de compliance concorrencial.
Por fim, está em trâmite em nosso Congresso Nacional, o Projeto de Lei 7.149/2017, que contém
a previsão de que "as pessoas jurídicas que celebrarem contrato com a administração pública
deverão desenvolver programas de compliance”.
Após os escândalos contábeis e de corrupção, os mercados, sensíveis aos reflexos das mudanças
ocorridas em decorrência da implantação de programas de governança, passaram a adotar ágio
por ações de empresas com sistemas mais apurados de governança e deságio nos casos opostos,
conforme índices adotados por agências de avaliação.
O que se nota, portanto, é a inegável tendência de que todos os segmentos, sejam públicos ou
privados, se preparem para essa nova realidade de agir em conformidade, tanto para cumprir o
dever que vêm sendo imposto pelas leis como para evitar litígios, formação de passivo e cuidar
adequadamente da imagem e função social da empresa.
Não se pode ignorar que o retorno da filosofia liberal abre espaços públicos para o segmento
privado (concessões, privatizações, dentre outras perspectivas), mas com esse alargamento de
espaço também surgem mais responsabilidades, afinal, direitos e deveres são faces da mesma
moeda.
Importante destacar que a adoção de boas práticas de governança corporativa não se restringe
às empresas de capital aberto, com ações negociadas em bolsas de valores, podendo ser
implementadas em empresas de pequeno e médio porte, ainda que familiares, sempre com o
foco na excelência empresarial, com a diminuição de riscos e obtenção de vantagens
concorrenciais.
7
Governança corporativa: princípios fundamentais
6
Cf. o site http://www.ibgc.org.br.
8
prazo, uma vez que estariam mais preparadas para enfrentar os desafios
futuros 7.
Pela prestação de contas, os gestores devem cumprir a obrigação de prestar contas de seus atos
ligados à administração da sociedade, como medida de transparência e de comprometimento
com os princípios institucionais a serem perseguidos. Trata-se de uma importante ferramenta
de controle e prevenção de desvios de conduta/finalidade.
Segundo o Código das Melhores Práticas do IBGC, os “agentes de governança devem prestar
contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo
integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e
responsabilidade no âmbito dos seus papéis” 8.
Por fim, temos o princípio da conformidade ou do compliance, sendo este último termo
amplamente utilizado em ambientes de negócios em nosso país. O compliance, objeto do
presente curso, é apenas uma das facetas da governança corporativa, mas de extrema
relevância para prevenção de litígios e criação de oportunidade de expansão negocial.
O termo compliance deriva do verbo inglês: “to comply”, que significa cumprir, realizar ou
satisfazer o que foi imposto. E, no âmbito de uma organização, as obrigações a serem
observadas são extremamente diversificadas (ambientais, cíveis, empresariais, consumeristas,
trabalhistas, dentre outras).
O compliance pode ser definido com o princípio de governança corporativa que tem por objetivo
promover a cultura organizacional de ética, transparência e eficiência de gestão, para que todas
as ações dos integrantes da empresa estejam em conformidade com a legislação, controles
internos e externos, valores e princípios, além das demais regulamentações do seu seguimento.
7
CHAGAS, Ana Paula; OLIVEIRA, Luís Gustavo Miranda de. Governança Corporativa e Sustentabilidade: A
Importância do Compliance Ambiental. In: OLIVEIRA, Luis Gustavo Miranda de (Org.). Compliance e
integridade: aspectos práticos e teóricos. V. 2. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, pp. 65/66.
8
Cf. o site http://www.ibgc.org.br.
9
Todavia, doutrinariamente, há quem defenda que os termos não são coincidentes, sendo que o
compliance abrangeria todos os aspectos legais e de conformidade aplicáveis à atividade
empresarial e, por sua vez, o programa de integridade seria restrito ao combate à corrupção.
Além disso, no mesmo documento, o IBGC salienta a importância da distinção entre “estar em
compliance” e “ser compliant”, in verbis:
9
CARDOSO, Alessandro Mendes; MELO, Anthéia Aquino. Compliance tributário e a responsabilização
pessoal dos gestores. In: OLIVEIRA, Luis Gustavo Miranda de (Org.). Compliance e integridade: aspectos
práticos e teóricos. V. 2. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 123.
10
OLIVEIRA, Marcos Vasconcelos Rodrigues de; OLIVEIRA, Luiz Gustavo Miranda de. In: OLIVEIRA, Luis
Gustavo Miranda de (Org.). Op. Cit. pp. 111/112.
11
Compliance à luz da governança corporativa / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São
Paulo, SP9: IBGC, 2017. (Série: IBGC Orienta), p. 9.
10
Há uma grande tendência de caracterizar o compliance como uma atividade
operacional (“estar em compliance”) e não estratégica (“ser compliant”),
alinhada à identidade organizacional e a comportamentos éticos. Estar em
compliance é cumprir a legislação e as políticas internas por mera obrigação
ou para reduzir eventuais penalidades, caso a organização sofra uma
punição. Ser compliant é o cumprimento consciente e deliberado da
legislação e de políticas internas, guiado pelos princípios e valores que
compõem a identidade da organização, visando sua longevidade.
As políticas de metas e a necessidade de obtenção e lucro a qualquer preço não podem ser
utilizadas como argumento para justificar desvios de conduta ética, sendo que as empresas
devem considerar, em seus planejamentos estratégicos, a responsabilidade social e ambiental,
reduzindo interferências negativas e promovendo os aspectos positivos no mercado em que
estão inseridas.
Para implantação dos programas de compliance, algumas medidas podem ser adotadas, dentre
as quais citamos:
- Mapeamento/Gestão de riscos;
- Realização de treinamentos;
- Auditorias;
Neste aspecto, o IBGC estabelece que: “Entre as categorias de riscos de compliance destacam-
se: corrupção e suborno; práticas anticoncorrenciais; assédio (moral, sexual e abuso de
12
Op. Cit., pp. 12/13.
11
autoridade); discriminação; vulnerabilidades cibernéticas; desrespeito a direitos humanos e
trabalhistas; conflito de interesses; roubos e desfalques; fraudes contábeis; lavagem de dinheiro;
impactos socioambientais; e evasão fiscal e tributária” 13.
O código de conduta, por sua vez, atua na promoção de princípios éticos, refletindo a identidade
e a cultura organizacional, propugnando por questões de responsabilidade e de respeito:
ambientais e sociais. São comportamentos esperados de sócios, administradores,
colaboradores, fornecedores e demais partes interessadas.
A elaboração do código de conduta, para ter maior legitimidade, deve contar com a participação
de todos os envolvidos: administradores, colaboradores e demais interessados.
Além disso, para o sucesso da implantação do código, é necessário que exista coerência entre
as práticas adotadas pela direção da empresa e as posturas propugnadas no código de ética, sob
pena de esvaziamento do seu sentido e perda de eficácia.
Deve existir o envolvimento da alta direção da empresa (tone from the top), com a inserção do
programa de integridade como valor fundamental da cultura corporativa, com a inclusão do
tema com uma das prioridades estratégicas e com o comprometimento de todos. A alta
administração deve, muito além do que elaborar os manuais de boas condutas e regulamentos,
segui-los fielmente, estimulando denúncia, aplicando correta e tempestivamente as punições.
Nesse sentido, destaca SNYDER, em seu artigo “Compliance is a Culture, Not Just a Policy”:
13
Op. Cit., p. 33.
14
Cf. o site: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf/view
15
IBGC, Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 2015, p. 93.
16
SNYDER, Brent. Compliance is a culture, not just a policy. DOJ. 2014. Disponível em:
https://www.justice.gov/atr/file/517796/download. Acesso em: 24/03/2019 (Tradução livre).
12
Os treinamentos são extremante importantes para implementação e para o bom desempenho
dos programas de conformidade, com a divulgação das boas práticas e das ferramentas de
compliance. Tais treinamentos devem possuir certa regularidade e envolver todos os setores da
empresa (desde a alta administração até os mais baixos cargos), com diferentes enfoques e
conteúdos, a depender do setor de atuação.
Por fim, especial relevância assumem os mecanismos de auditoria, internas ou externas, uma
vez que estes atuam no monitoramento da efetividade e eficiência dos programas de
integridade, investigando, certificando, ou apontando inconsistências, proporcionando
subsídios para a tomada de decisões estratégicas.
17
Cf. o site: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf/view
13
As vantagens de implementação de programas de compliance e a viabilidade de implementação
em pequenas e médias empresas
14
leis, assim como para procurar assistência caso identifiquem possíveis
questões sensíveis;
Na introdução do guia elaborado pela Society of Corporate Compliance and Ethitcs (SCCE),
especificamente para programas de compliance com orçamentos reduzidos, está registrado
que:
Assim, muitas das medidas de prevenção, acompanhamento e execução que serão tratadas na
presente obra serão plenamente aplicáveis às empresas com menor porte, desde que realizadas
as devidas adaptações às respectivas realidades.
Compliance Trabalhista
18
Cf. o site: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf/view
19
SCCE – A Compliance & Ethics Program on a Dollar a Day: How Small Companies Can Have Effective
Program (Tradução livre).
15
organização, com reflexos sobre a sua cultura. A boa reputação contribui
para redução dos custos tanto de transação quanto de capital, favorecendo
a preservação e criação de valor econômico pela organização.
Tal prática, acabou por provocar a desnacionalização das empresas, com o crescimento dos
índices de desemprego nos países desenvolvidos e precarização do trabalho nos países
subdesenvolvidos.
Nesse quadro, o combate ao denominado “dumping social” passa a ter grande importância para
garantia de isonomia entre os atores internacionais, conforme preconizado pela Organização
Mundial do Comércio – OMC, com a previsão de inclusão de cláusulas sociais, com o objetivo de
combater condições de trabalho degradantes, com a imposição de restrições comerciais aos
países que não observem os padrões mínimos laborais.
Assim ressalta ROJAS, em seu artigo “¿Es posible un cumplimiento normativo laboral ético y
responsable?”:
20
http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/Publicacoes/Publicacao-IBGCCodigo-
CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf
16
estándares internacionales existentes en el ámbito laboral y de la protección
social de los trabajadores a nível global 21.
Além disso, mesmo em se tratando de empresas que não estão inseridas em mercados globais,
é necessária a conscientização de que o capital humano é um importante pilar das organizações
e que o descumprimento da legislação trabalhista, além de poder gerar grandes passivos
financeiros, pode prejudicar o clima organizacional, com altos índices de absenteísmo,
interferindo na produtividade, ocasionando problemas interpessoais e prejuízos para imagem e
reputação da empresa.
Em matéria de compliance, é importante sempre nos lembrar que, conforme já salientado neste
trabalho, esta é uma ferramenta de redução e controle de riscos da atividade.
Como bem destacam ANDRADE e FERREIRA, tais riscos vão muito além da esfera patrimonial
das ações trabalhistas individuais, in verbis:
21
ROJAS, Raul. http://ecija.com/wp-content/uploads/2017/07/ebook-compliance-laboral.pdf
22
http://compliancebrasil.org/compliance-trabalhista/
17
de perder recursos materiais por não cumprir alguma norma pagando
indenizações, a empresa, eventualmente, acabará sendo obrigada a cumprir
tal norma.
(...)
23
ANDRADE, Flávio Monteiro de; FERREIRA, Isadora Costa. Compliance trabalhista: Compreendendo a
Prevenção de Risco trabalhista por Meio de Programa de Integridade. Revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, nº 331, janeiro, 2017, pp. 81/82.
18
complejidad en su interpretación. Es en este contexto de incertidumbre
jurídica donde la función del compliance laboral se revela como una
herramienta eficaz que, incorporando una serie mecanismos y sistemas de
control, tanto internos como externos, tiende a evitar o minimizar los riesgos
derivados de un eventual incumplimiento normativo, procurando con ello un
apetito de riesgo aceptable para la organización 24.
Considerando o caráter privilegiado dos créditos trabalhistas (art. 100 da CF/88), a importância
de um compliance nesse segmento se revela como medida racional de uma saudável
sobrevivência, além de se configurar conduta essencial para consecução da função social da
empresa (art. 170, III, da CF/88).
Ante o retorno das perspectivas liberais com enxugamento da máquina e privatizações, o novo
cenário traz maiores responsabilidades porque com o bônus sempre se agrega o ônus. A
perspectiva contemporânea passa a ser o setor privado com deveres públicos.
Dentre algumas práticas que podem ser adotadas, destacam-se o mapeamento de riscos,
implantação do código de conduta, realização de treinamentos, abertura de canais para
apuração de desconformidades e aplicação correta de medidas disciplinares.
O programa envolve a elaboração de medidas a serem tomadas no que se refere ao controle interno da
organização, bem como relacionadas a mão de obra (empregados, terceirizados e terceiros em geral),
devendo prever mecanismos para a padronização e o controle de condutas por parte dos trabalhadores e
também do empregador.
Não existe um modelo único de compliance, sendo que cada empresa deve desenvolver
abordagens adequadas às peculiaridades do negócio e da empresa, conforme ressalta SNYDER:
24
ROJAS, Raul. http://ecija.com/wp-content/uploads/2017/07/ebook-compliance-laboral.pdf
19
Os programas de conformidade devem ser projetados para considerar a
natureza dos negócios da empresa e para os mercados em que opera. Uma
multinacional fabricante de autopeças com plantas e vendas em todo o
mundo provavelmente requer uma abordagem diferente para a
conformidade do que um empreiteiro de construção de estradas que opera
em um único estado. Ambas as empresas precisam deconformidade efetiva,
mas a abordagem necessária pode ser muito diferente 25.
Sob o viés trabalhista, é muito importante que sejam avaliados os processos adotados pelo
departamento pessoal, os registros documentais dos contratos de trabalho e a verificação de
conformidade com a legislação trabalhista e demais normativos aplicáveis aos contratos de
trabalho.
Após o mapeamento dos riscos, ressalta ASSI: “passa-se à fase de desenvolvimento das regras
que deverão ser seguidas por todos os membros da corporação como forma de mitigá-los,
evitando quebras nos processos e na legislação vigente” 27.
25
SNYDER, Brent. Compliance is a culture, not just a policy. DOJ. 2014. Disponível em:
https://www.justice.gov/atr/file/517796/download. Acesso em: 24/03/2019.
26
ASSI, Marcos. Compliance: como implementar. São Paulo: Trevisan Editora, 2018. E-book.
27
Op. Cit.
20
O sistema de controle interno deve também trabalhar com a antecipação de riscos, com a
adoção de medidas preventivas.
Neste aspecto, papel importante assume a auditoria interna, que tem como responsabilidade
monitorar, avaliar e realizar recomendações objetivando a melhoria dos sistemas de controles
internos e das normas e procedimentos estabelecidos pelos administradores.
Além disso, o Comitê de Auditoria teria função de manter relacionamento com os auditores
independentes, com empresas coligadas, controladas e terceiros.
28
http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/Publicacoes/Publicacao-IBGCCodigo-
CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf
21
Mais adiante, trataremos das ferramentas e atuação da auditoria e da gestão riscos trabalhistas.
Um programa de compliance bem-sucedido começa com uma base sólida, em que todos os
funcionários são treinados para entender completamente o significado de ética e integridade
fortes e, em contrapartida, passem a aplicar esses valores em suas atividades.
22
responsáveis regionais ou setoriais pela observância do programa. Já se a
empresa é de pequeno porte, esse tipo de iniciativa costuma fazer menos
sentido. Uma vez mais, o essencial é que aquele que coordenará o programa
e monitorará sua implementação tenha suficiente independência para que
suas decisões atinjam a alta diretoria da companhia e efetivamente sejam
levadas em consideração quando da tomada de decisão nos níveis
hierárquicos superiores 29.
Para que as funções sejam fielmente desempenhadas, com a garantia de eficácia do programa,
é indispensável que lhe sejam atribuídos os requisitos de independência e autonomia.
ROJAS 30, em seu artigo “Hacia el nuevo Estatuto Laboral del Compliance Officer”, indica algumas
condições necessárias para a garantia de tais requistos: i) perfil profissional com conhecimentos
jurídicos, conformidade regulatória e gerenciamento de risco corporativo; ii) pacto de
remuneração suficiente e de acordo com as responsabilidades assumidas; iii) detalhamento
do conteúdo das responsabilidades e funções a serem desenvolvidas, com designação
expressa de recursos suficientes e adequados para o desenvolvimento da função de
compliance, concedendo os poderes necessários para desempenhar suas funções; iv) posição
diferenciada no organograma funcional da organização, reportando-se diretamente ao corpo
administrativo da pessoa jurídica, mas ao mesmo tempo garantindo uma separação
operacional; v) pacto sobre a cadeia e processo de relato de informações de conformidade;
vi) pacto de garantia de indenização e proteção contra possíveis demissões arbitrárias sem
justa causa; e, vii) pacto de extinção indenizada do contrato de trabalho em caso de
descumprimento da pessoa jurídica das medidas estabelecidas pelo compliance officer em
matéria de conformidade regulatória.
Embora o papel assumido pela diretoria e pela alta administração da empresa seja muito
importante, seguindo a linha “tone from the top” (o exemplo vem de cima), não podemos
desconsiderar a importância de toda a equipe na composição do clima organizacional.
29
Cf. o site: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf/view
30
ROJAS, Raul. http://ecija.com/wp-content/uploads/2017/07/ebook-compliance-laboral.pdf
23
colaborações dos demais empregados e demonstrem o efetivo compromisso com os valores
éticos.
Auditoria trabalhista
A auditoria pode ser interna, quando realizada por pessoas vinculadas à própria empresa, ou externa,
quando realizada por uma empresa de auditoria independente.
A auditoria não se confunde com compliance, conforme salientam LAMBOY, RISEGATO e COIMBRA:
31
BOSCO, Marcelo Tadeu Alves. Auditoria Trabalhista.
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI110151,41046-Auditoria+Trabalhista
24
atividades de comunicação e treinamento, com vistas à criação de uma cultura de
compliance.
A auditoria atua preventivamente, objetivando evitar erros, ineficiências, desvios, fraudes, pagamentos
indevidos e outras irregularidades, tais como pagamentos a maior ou menor de salários, tributos, descontos,
benefícios, diminuição das reclamatórias trabalhistas e multas.
Antes da implementação de um programa de compliance trabalhista, a auditoria ser uma ferramenta muito
útil para identificação dos riscos e desconformidades que deverão ser objeto de especial atenção no
programa.
E, ainda, mesmo após a implementação, a auditoria mostra-se extremamente relevante para a avaliação e
melhoria da eficácia dos processos de gerenciamento de riscos, de controle, governança corporativa e
compliance.
32
Introdução ao Corporate Compliance, Ética e Integridade - Christian K. de Lamboy / Giulia G.A.
Pappalardo Risegato / Marcelo de Aguiar Coimbra – p. 31 in Christian Karl de Lamboy Manual de
Compliance 1° edição, 2018 – São Paulo: Ed. Ética.
25
Dentre os procedimentos citados anteriormente, o auditor deve, exemplificativamente, verificar práticas ou
critérios discriminatórios na admissão; proteção de dados dos trabalhadores; condutas antissindicais; falhas
nos sistemas de avaliação de desempenho; a regulamentação de participação nos lucros e resultados;
pagamentos extrafolha; regularidade dos pagamentos e correto enquadramento jurídico das parcelas;
rotatividade de mão-de-obra (turn-over), absenteísmo e gestão documental.
Poder empregatício
O poder empregatício decorre da lei (art. 2º da CLT) e do contrato de trabalho, possuindo diferentes feições:
poder diretivo, poder regulamentar, poder fiscalizatório e poder disciplinar.
O poder regulamentar, por sua vez, seria o conjunto de prerrogativas conferidas ao empregador para o
estabelecimento de regras gerais a serem observadas no empreendimento. A legislação pátria não trata
especificamente da figura do regulamento de empresa, delimitando o seu alcance e conteúdo, existindo,
todavia, jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sobre a temática.
O código de conduta, do qual trataremos no próximo tópico, apresenta-se como uma importante
ferramenta para programas de compliance, como norteador de comportamentos na empresa,
33
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 592.
26
representando a formalização das expectativas a respeito do comportamento e da conduta dos sócios,
administradores, empregados, fornecedores e demais partes interessadas.
Por sua vez, o poder fiscalizatório confere ao empregador a prerrogativa de controle e fiscalização das
atividades de seus empregados.
Por fim, o poder disciplinar assegura ao empregador o direito de impor sanções aos empregados, com o
objetivo de garantir o bom funcionamento da organização, coibindo-se desvios de conduta que possam vir
a ser praticados pelos empregados.
O exercício dos referidos poderes, desde que observados os limites estabelecidos por nossa legislação, está
intrinsicamente ligado ao bom desempenho de programas de compliance ou integridade.
Todavia, importante destacar que os referidos poderes não são ilimitados, encontrando limites internos e
externos.
Conforme o disposto no art. 187 do Código Civil, ao tratar da figura do abuso de direito: “Também comete
ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
O poder de direção não é um direito absoluto. Só por ser um direito, tem limites.
Limites externos: Constituição, leis, norma coletiva, contrato. Limites internos: boa-fé
objetiva e exercício regular do direito. Se for irregular, o negócio jurídico é ilícito (art.
188, I, do Código Civil).
Preliminarmente, importante salientar que há doutrinadores que fazem a distinção entre o código de ética
e o código de conduta.
DAINESE, em seu artigo "Códigos de Ética Empresarial e as Relações da Organização com Seus Públicos",
salienta a diferença:
27
uma questão fundamental: a ética está diretamente ligada à escolha; sem a liberdade
para escolher, não se pode falar em ética, só se pode falar em lei34.
Para tanto, o código deve ser discutido e elaborado com a participação mais ampla
possível de seus administradores, colaboradores e representantes de partes
interessadas relevantes. A ampla participação no processo de elaboração do código
de conduta pode trazer maior engajamento, prevenindo o descumprimento dos seus
preceitos por falta de identificação com o conteúdo ou incompreensão35.
Importante que o código seja elaborado com extrema cautela, uma vez que suas disposições
passarão, sob o aspecto trabalhista, integrar os contratos de trabalho e, eventuais alterações
34
DAINEZE, M. A. Códigos de Ética Empresarial e as Relações da Organização com seus Públicos.
Universidade de São Paulo. Prêmio Ethos-Valor. Categoria graduação. v. 3. 2003. Disponível em:<
http://www.uniethos.org.br>. Acesso em: 30 mar. 2019.
35
https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/23486/Publicacao-IBGCOrienta-
ComplianceSobaLuzDaGC-2017.pdf
28
futuras, poderão encontrar barreira no princípio da inalterabilidade contratual lesiva, conforme
previsão do art. 468, caput, da CLT 36.
Além disso, o código deverá ter especial atenção à garantia de tratamento igualitário entre os
empregados (isonomia), evitando-se discriminações, garantido a privacidade, a preservação da
honra e dos demais atributos constitucionais inerentes à pessoa humana.
Embora a CLT trate das faltas que poderiam ensejar a ruptura motivada do contrato de trabalho,
esta não é autossuficiente, uma vez que os requisitos para aplicação da penalidade mais grave
ao trabalhador não se esgotam em seu texto, dependendo de outros fatores.
Determinadas condutas, embora caracterizem a violação dos deveres contratuais, não são
suficientes, por si só, para ensejar a resolução contratual por culpa do empregado, como, por
exemplo, o caso de falta injustificada. Somente na hipótese de ocorrência de faltas reiteradas é
que seria possível a aplicação da penalidade mais gravosa ao trabalhador, com a configuração
de ato de desídia (art. 482, “e”, da CLT).
Tal ferramenta pode ser extremamente útil para auxiliar no processo decisório, com a garantia
de isonomia entre os empregados e como estimulo para a prática de comportamentos éticos na
organização, tornando-se claras as responsabilidades de cada indivíduo e consequências em
caso de desobediência, cumprindo-se, portanto, os deveres anexos da boa-fé objetiva,
principalmente, o de informação.
36
Art. 468, da CLT: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições
por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao
empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.
29
ROSCO, em seu artigo “Labour Compliance: Una nueva generación de códigos éticos”, apresenta
quais seriam os cuidados ou elementos que devem ser observados para assegurar a força
vinculante de um código de conduta e sua validade probatória em eventual processo judicial, in
verbis:
Uma outra ferramenta de extrema relevância para eficácia dos programas de compliance é a
utilização de canais para o recebimento de denúncias de condutas indesejáveis e em
desconformidade com os padrões éticos da organização.
O IBGC registra, em seu “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, que:
37
ROSCO, Raul Rojas. Labour Compliance: Una nueva generación de códigos éticos.
https://elderecho.com/labour-compliance-una-nueva-generacion-de-codigos-eticos
38
http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/Publicacoes/Publicacao-IBGCCodigo-
CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf
30
Os canais de denúncia devem ser disponibilizados aos funcionários, clientes, fornecedores e
terceiros que possuam alguma relação com a empresa. A empresa poderá fazer uso de
diferentes canais para o recebimento das denúncias: telefone, email e intranet.
Para que cumpra o seu papel, o canal deve ser público e amplamente
divulgado, seja na internet e intranet, seja por email, ofícios dedicados ou
durante os treinamentos de compliance ministrados 39.
Recebida a denúncia, a empresa deverá realizar, de forma tempestiva, a apuração dos fatos,
com a devida documentação das investigações para posterior aplicação de medidas disciplinares
ou corretivas, se for o caso.
39
Op. Cit.
31
Compliance e Prevenção de Litígios Trabalhistas
Embora a redução de litígios não seja o mais importante aspecto dos programas de compliance,
não há dúvidas de que a efetiva implementação das ferramentas de conformidade implica em
sensível redução de litígios na seara trabalhista das empresas.
Sabemos que, na prática, muitas empresas deixam de cumprir a legislação em nosso país por
falta de conhecimento sobre o alcance das previsões legais, má interpretação das obrigações ou
falta de orientação preventiva.
Em que pese nossa cultura ainda estar muito voltada para o contencioso judicial, com pouco
enfoque e valorização do trabalho preventivo/consultivo, atualmente, existe uma forte
tendência de modificação deste cenário, com a incipiente e crescente onda de conformidade
empresarial, seja em decorrência das alterações legislativas, seja em decorrência das exigências
dos mercados internacionais e de capitais.
Em razão das profundas alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017, que tratou da reforma
trabalhista em nosso país, inúmeras dúvidas e controvérsias foram instauradas, aumentado
ainda mais da insegurança para tomada de decisões pelos gestores, com grande demanda por
opiniões consultivas.
32