Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RIO DE JANEIRO
27 E 28 DE MAIO
UFRJ
2021
2
3
SUMÁRIO
Apresentação………………………………………………………………………………5
Programação………………………………………………………………………….……7
Resumos Expandidos…..………………….……………………………………..….….10
Índice Remissivo……………………………………………………………………..…149
4
APRESENTAÇÃO
5
questão, além da orientação de trabalhos de graduação, mestrado e doutorado por
parte dos professores pesquisadores que participam do grupo e atuam em programas
de pós-graduação. Este é o primeiro de muitos encontros do grupo. Temos como
objetivo também divulgar as pesquisas, projetos e resultados para além da academia,
por isso todas as mesas serão gravadas e disponibilizadas no canal do IMAM-UFRJ
do YouTube. Isso também repercutirá na formação de um quadro de especialistas e
contribuirá para a consolidação dos estudos históricos sobre a imagem, a memória, a
arte e a metrópole dentro e fora da Universidade.
6
PROGRAMAÇÃO
MANHÃ
Sessão 1 - 9h - 12:30h - VISUALIDADES E Sessão 2 - 9h-12:30h - URBANIDADES
RESISTÊNCIAS E POLÍTICAS
7
TARDE
Sessão 3 - 14h-18hh Sessão 4 - 14h-18h - GEOPOLÍTICAS E
ESPACIALIDADES E CULTURAS IMAGÉTICAS
A COMUNIDADE TRADICIONAL
CAIÇARA DO BONETE – PENSANDO AS FONTES E A METODOLOGIA NO
SOBRE AS PALAVRAS E A CULTURA ESTUDO SOBRE OS MEGAEVENTOS NO
INDÍGENA. (Carla Teodoro Costa) RIO DE JANEIRO E A
SOCIOESPACIALIDADE DO CONFLITO
AYAHUASCA, IMAGENS E MUNDOS (Ingrid Gomes)
(Wladimyr Sena Araújo)
Apresentação de Vídeos:
Tempo Suspenso: Mulheres em tempo de pandemia através de um registro
audiovisual (Luciene Carris)
Em março de 2020, fomos surpreendidos com o novo coronavírus que atingiu
o Brasil, batizado de Covid-19, e alterou as nossas relações pessoais e de
trabalho, afetou o nosso cotidiano, aprofundando as desigualdades
socioeconômicas e de gênero. Nesse sentido, pretendemos apresentar o olhar
feminino de onze mulheres através do teaser de um minuto do documentário
“Tempo Suspenso” produzido em 2020.
Link: https://youtu.be/n41oZdsmifo
8
Dia 28 de maio, sexta-feira
MANHÃ TARDE
9
RESUMOS EXPANDIDOS
10
MEMÓRIAS DE UMA INTELECTUAL: A HISTÓRIA DE VIDA DE VERA
Entrevistei Vera Lúcia de Carvalho Casa Nova, poeta, tradutora, professora aposentada da
Faculdade de Letras da UFMG, minha mãe. Foi para um livro de história oral sobre
envelhecimento e pandemia que será lançado em breve. Porém, antes de realizar o recorte
temático proposto para a história oral, aproveitei a oportunidade para realizar uma pequena
inserção na trajetória de vida dela. Passeamos por suas lembranças de infância e lá
reencontramos memórias de outro Rio de Janeiro, dos anos 1940, 1950 e de bairros do
centro, como a Gamboa e o Santo Cristo. Também redescobrimos a família de imigrantes
portugueses, as tradições, as brincadeiras e o início dos estudos.
A menina vai se tornando moça e passa a estudar no Colégio Pedro II, realizando estudos
clássicos... conhece a literatura francesa também pelos estudos na Aliança Francesa.
Atravessamos memórias de leituras, de livros, de professores, de namoros, de bailes e todas
as possibilidades dos “anos dourados”. Mas rapidamente a entrada na Universidade do
Estado da Guanabara faz ampliar a consciência política, a descoberta de um outro Brasil,
mesmo que também, muito, através da literatura brasileira, com as leituras de Machado de
Assim, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa e tantos outros.
Além de estudar, lembra do início do trabalho de lecionar para jovens dos colégios da classe
alta da zona sul da cidade... Mas também, rememora os “anos de chumbo”, os escritos
proibidos, a militância política, o dia que depôs no DOPS... Conta da viagem para a França,
quando vendeu o piano e do retorno para se casar. E veio a primeira filha, o mestrado na
UFRJ sobre Mário de Andrade. A separação e o novo casamento... Outra cidade aparece em
sua vida e permanece: Belo Horizonte.
11
filha. Amamentação escrevendo tese de doutorado, defendendo tese entre uma troca de
fralda e outra. Ser mulher, ser mãe e ser pesquisadora e professora universitária.
A descoberta do fazer poesia, do pensar o texto e a imagem. O retorno à França, desta vez
para o pós-doutorado com aquele que viria a ser seu amigo, Georges Didi-Huberman e o
início de um longo caminho de leitura de sua obra, tornando-se sua principal tradutora no
Brasil. Outros projetos, sempre no encontro da imagem e do texto, poesia e imagem de Lygia
Clark, Hélio Oiticica, mas também tantos outros artistas evocados, conhecidos, aproximados
e feito amigos no trabalho de criação coletivo como Marcelo Kraiser e Wilson Avelar.
Falarei um pouco nesta comunicação sobre como pode ser rico o uso da metodologia da
História oral na elucidação de como Vera é uma potência de criatividade e dedicação ao
ensino, mas também como conseguiu conciliar a vida acadêmica com o cuidado com os filhos
e como ainda consegue, em meio a esse caos todo que estamos vivendo, produzir poesia e
nos lembrar sempre em seus livros, gestos e falas que é possível manter o horizonte utópico
e que a arte é ainda a saída. Vera continua a nos lembrar sobre a potência da arte em suscitar
levantes por um mundo mais colorido, de maior solidariedade e respeito pelas diferenças.
Numa mesa sobre memória, gênero e impressos, será muito bom refletir sobre seu
depoimento, suas memórias de mulher e também seus debates sobre os impressos, entre
livros e almanaques.
Referências
BOSI, Éclea. Memória e sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo: T.A. Queiroz Editor,
1979.
12
E SE TIETA FOSSE TRAVESTI? A REPRESENTAÇÃO DAS
TRANSGENERIDADES NAS TELENOVELAS DOS ANOS 1980 E 1990
13
padrões de gênero no Brasil na primeira metade do século XX.” (GREEN, 2019, p.
32).
Ainda de acordo com Xavier (2007, p. 186), o público ficou chocado quando
Ney Latorraca, Marco Nanini e Antônio Pedro se travestiram na telenovela Um Sonho
a Mais, exibida pela Globo em 1985 na faixa das 19 horas. Embora se tratasse de
personagens cômicas, “a censura da Nova República não gostou do rumo que as
personagens estavam tomando. Anabela, a personagem de Ney, permaneceu na
novela, mas as moças vividas por Nanini e Antônio Pedro tiveram de sair”. (XAVIER,
2007, p. 186).
14
A aparição da travesti na telenovela se deu apenas alguns anos após o fim da
Ditadura Militar e a redemocratização. Durante o regime militar, a homossexualidade
e tudo a que ela se relacionava era alvo de censura oficial. Quase vinte anos após a
primeira exibição da telenovela, já não havia censura oficial, embora o
conservadorismo nos costumes estivesse novamente em alta. Desse modo, o
discurso inflamado de Tieta contra a transfobia do amante foi deslocado no tempo,
para uma época em que o mesmo preconceito manifestado por Ricardo ainda se fazia
presente nos setores mais conservadores da sociedade.
15
Kornis (2007, p. 2), por sua vez, defende que “a televisão firmou-se como
um meio de narração de nosso tempo, não só no telejornalismo mas também na
teleficção e nos programas de viés documental.” Portanto, como fonte histórica, as
narrativas televisivas são a representação de uma comunidade imaginada que tem
como aspectos fundamentais “a língua, a paisagem, os hábitos e costumes, os
problemas e os dilemas contemporâneos além de aspectos da própria história
do país” (KORNIS, 2007, p. 2).
Por esse motivo, visando a uma história do tempo presente, a telenovela é uma
fonte documental audiovisual de suma importância, enquanto registro de um cotidiano
socialmente mediado e historicizado. Isso é o que nos leva a considerar a telenovela
como uma fonte que possibilite a análise das representações das transgeneridades,
bem como a sua inclusão ou exclusão no cotidiano dos brasileiros após a
redemocratização, nas décadas de 1980 e 1990.
Referências
MOTTER, Maria Lourdes. A telenovela: documento. In: Revista USP, São Paulo,
n.48, fev. 2001. p. 74-87.
16
RAMOS, Marcos. As telenovelas brasileiras como fontes históricas: uma análise
audiovisual acerca das religiões. Revista Jesus Histórico, [S.l.], n. XI, v. 21, 2018.
p. 79-93.
17
PERTURBAÇÕES TEMPORAIS
1
Allan Corsa, artista-pesquisadora do curso de Artes Visuais – Escultura, da Escola de Belas Artes, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
18
formas de pensar o mundo através da concepção de temporalidade linear, neste caso
ela propõe a noção da Sequencialidade, onde a partir do programa filosófico
desenvolvido por Hegel, expõem a noção dominante de movimento do corpo e
espírito no espaço-tempo.
19
Figura 2. urbanocoreográfico, 2017. vídeo 59:00’, in
https://vimeo.com/user70780494
2
Traduzido como “linha do tempo”, é o nome dado a esta ferramenta presente entre os softwares de edição de
vídeo, onde a linha temporal da janela de edição corre para um único lado.
20
policiais na cidade do Rio de Janeiro. O espaço urbano direciona os corpos em seus
fluxos construídos e pensados para o movimento ordenado dentro da cidade, na
maioria das vezes escoltado pelos agentes de segurança do Estado, criando uma
espécie de coreografia (LEPECKI. 2011. p.46) diária vivenciada pelos corpos que
assim circulam. Essa experiência urbana, e, ou, social é desde sempre performada
por quem constrói as categorias de subjugação e por quem ocupa, não por vontade
própria, essas categorias, criando assim uma “ocupação colonial” (MBEMBE. 2016.
p.135), que se atualiza no tempo, sempre acionando as mesmas maneiras de
intervenção, que distribui papéis de atuação no espaço social em que vivemos, tendo
o corpo racial sempre no papel do outro. Neste caso o corpo se mostra como
“inatemporal” refletindo sempre a forma como o valor que foi dado a ele reverbera de
forma reformulada em nossa contemporaneidade, unindo presente e passado em um
mundo implicado.
Referências
21
USOS DO ERÓTICO COMO PODER: REPRESENTAÇÕES DO ERÓTICO
FEMININO NAS ARTES VISUAIS EM DIÁLOGO COM O BOLETIM
CHANACOMCHANA3
Introdução
3
Um artigo completo com este tema será publicado em breve pela Zines Journal, em inglês, no dossiê Embodied
DIY: Feminist and Queer Zines in a Transglobal World.
4
Bacharel em Letras, com ênfase em Estudos de Edição (UFMG), e mestranda em Artes na linha de pesquisa
Artes Plástica, Visuais e Interartes pelo Programa de Pós Graduação da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais (PPG-Artes/EBA/UFMG). Bolsista CAPES.
Licenciada em Letras (UFMG), bacharel em Artes Plásticas (Guignard/ UEMG) e mestranda em Artes na linha
de pesquisa Artes Plástica, Visuais e Interartes pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais (PPG-Artes/EBA/UFMG). Bolsista FAPEMIG
Historiadora, doutora em História pela UFMG, professora de Teoria e História da Arte da EBA/UFMG, trabalha
com temáticas de história da arte, patrimônio cultural, estudos urbanos e história das mulheres. Coordena o Grupo
de Pesquisa Estopim, Núcleo de Estudos Interdisciplinares de Patrimônio Cultural e é co-coordenadora do
Laboratório de Curadoria de Exposições Bisi Silva.
22
moralismo e o conservadorismo heterocispatriarcais da sociedade, além da presença
constante de charges e tirinhas, por meio das quais suas editoras e redatoras
expressavam seu ponto de vista sobre determinados assuntos. O erotismo no
ChanacomChana, ademais, extrapolava o campo da representação de sexualidades
femininas, após reapropriá-lo e ressignificá-lo.
Assim, buscamos desenvolver uma análise do erótico contido na lesbianidade
manifestada nos boletins como locus de afirmação dessas mulheres, em contraponto
político à construção do corpo da mulher na sociedade, no discurso midiático,
veiculado sobretudo em mídia impressa e na história da arte como objeto de desejo
por e para o sistema heterocispatriarcal. Apontamos, ainda, rupturas que ocorreram
na forma como corpos e desejos femininos foram apresentados a partir do momento
em que mulheres passam a se autorrepresentar.
23
apresenta em seu livro Formas de ver, os homens são o expectador ideal e “a imagem
da mulher é desenhada para lhe dar prazer” (Berger, 1972, p. 64).
24
No fazer do Boletim, é recorrente a presença de figuras femininas sozinhas ou
compostas, charges, tirinhas, e de símbolos como o lábris e o espelho de Vênus,
sobretudo a figura de dois espelhos de Vênus entrelaçados lateralmente, utilizados
pela militância lésbica. O próprio símbolo do GALF, reproduzido no topo da capa de
cada edição, é o de dois espelhos de Vênus entrelaçados, com suas cruzes formando
o “LF” de “lésbica feminista” (Figura 1)
25
Figura 2. Montagem feita a partir de algumas das várias representações de
afetividade e sexualidade femininas lesbocentradas que observamos ao longo de
nossa análise dos números do boletim (ChanacomChana, n. 0-12, 1981-1987).
26
sujeitos e não simplesmente como objetos de desejo de outros, explicitando o caráter
político-erótico do Boletim.
REFERÊNCIAS
BBC. Quem foi Cassandra Rios, a escritora mais censurada da ditadura militar. BBC
News, 31 mar. 2019. Disponível em: <https://glo.bo/3gdBTZZ>. Acesso em: 19 ago.
2020.
BORTOLOTTO, Thaís Helena. O retrato da mulher na publicidade. Anuário 2004,
Leme. Disponível em:
<https://repositorio.pgsskroton.com.br/bitstream/123456789/870/1/artigo%2035.pdf>
. Acesso em: 6 ago. 2020.
DE LAURETIS, Teresa. A tecnologia de gênero (1994). In: HOLLANDA, Heloisa
Buarque de (Org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro:
Bazar do Tempo, 2019. p. 120-155.
BUTLER, Judith. Os atos performativos e a constituição do gênero: um ensaio sobre
fenomenologia e teoria feminista. In: Caderno de Leituras n. 78. Belo Horizonte:
Edições Chão da Feira, 2018.
CARDOSO, E. da P. Imprensa feminista brasileira pós-1974. 2004. 132 f. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004
FEDERICI, S. Calibã e a bruxa. São Paulo: Elefante, 2017.
FOSTER, G. “Queermuseu”: o que são e o que representam as obras que causaram
o fechamento da exposição. GaúchaZH Artes, Porto Alegre, 11 set. 2017. Disponível
em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-
lazer/artes/noticia/2017/09/queermuseu-quais-sao-e-o-que-representam-as-obras-
que-causaram-o-fechamento-da-exposicao-9894305.html>. Acesso em: 7 ago. 2020.
GALF. Não me envolvam, eu me envolvo. ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 0,
1981.
GALF. Mulher de chuteira | Festival Tem Mulher no Palco | A questão homossexual.
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 1, dez. 1982.
GALF. Sandra Mara Bigode: a queda para o alto. ChanacomChana, São Paulo,
GALF, n. 2, 1983.
27
GALF: a história de um grupo de mulheres lésbicas (edição de aniversário).
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 3, 1983.
GALF. Ferro’s Bar, dia 19 de agosto: uma vitória contra o preconceito.
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 4, 1983.
GALF. Ser ou estar homossexual?. ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 5, nov.
1984.
GALF. Mães lésbicas | E mais poesias, informes, correspondências.
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 6, 1984.
GALF. Lésbicas e família e mais poesias, informes, correspondência.
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 7, abr. 1985.
GALF. Lésbicas e trabalho. ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 8, ago. 1985.
GALF. Lésbicas e sexualidade: aids, constituinte, poesia, troca de cartas.
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 9, dez. 1985/ fev. 1986.
GALF. Conferência Lésbica em Genebra: poesia, troca-cartas, assumindo,
homossexualidade nas leis. ChanaComChana, São Paulo, GALF, n. 10, jul.-set. 1986.
GALF. Entrevista com candidatas: Irene Cardoso, Dulce Cardoso, Cassandra Rios.
ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 11, out. 1986/jan. 1987.
GALF. Entrevista com “Sexualidade e saúde”: feminismo, eleições, linguagem,
poesias, troca-cartas, informes. ChanacomChana, São Paulo, GALF, n. 12, fev./maio
1987.
LONDERO, Rodolfo Rorato. Intelectuais envergonhados: censura de romances
populares pornográficos e lutas de classes durante o regime civil-militar brasileiro
(1964-1965). Revista Eletrônica Literatura e Autoritarismo, Santa Maria, n. 21, p. 134-
149, jan.-jun. 2013. Disponível em:
<https://periodicos.ufsm.br/LA/article/view/9618/5751>. Acesso em: 14 ago. 2020.
LONGO, Ivan. Censura: Câmara Legislativa do DF aprova projeto que proíbe nudez
em exposições. Revista Fórum, 19 ago. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/3ghgjUi>.
Acesso em: 20 ago. 2020.
LORDE, A. A transformação do silêncio em linguagem e em ação (1977). In: LORDE,
A. Irmã Outsider: ensaios e conferências. Tradução de Stephanie Borges. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 51-55.
LORDE, A. Usos do erótico: o erótico como poder (1978). In: LORDE, A. Irmã
Outsider: ensaios e conferências. Tradução de Stephanie Borges. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2019. p. 67-74.
28
LORDE, A. Idade, raça, classe e sexo: mulheres redefinindo a diferença. In: In:
LORDE, A. Irmã Outsider: ensaios e conferências. Tradução de Stephanie Borges.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 143-155.
MAFRA, J. O riso de artistas feministas nas décadas de 1970/1980. MODOS: Revista
de História da Arte, Campinas, v. 2, n. 1, p. 84-109, jan. 2018. Disponível em:
˂http://www.publionline.iar.unicamp.br/ index.php/mod/article/view/860˃. Acesso em:
14 ago. 2020.
MOSQUEIRA, Débora de Souza Bueno. “Então chegamos”: representações do
feminino nas páginas d’O Lampião da Esquina (1978-1981). Albuquerque - Revista
de História, Dourados, v. 7, n. p, 25-43, 3, jan.-jun. 2015. Disponível em:
<https://periodicos.ufms.br/index.php/AlbRHis/issue/view/241/181>. Acesso em: 15
jul. 2020.
MUZART, Zahidé Lupinacci. Uma espiada na imprensa das mulheres do século XIX.
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 225-233, jan.-jun. 2003. Disponível
em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2003000100013>. Acesso em: 14 ago. 2020.
NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas?. São Paulo: Edições
Aurora, 2016. Disponível em: <http://www.edicoesaurora.com/ensaios/Ensaio6.pdf>.
Acesso em: 20 ago. 2020.
PEREIRA, J. Levante ao Ferro’s Bar: o Stonewall brasileiro. Aventuras na História –
UOL, 28 jun. 2019. Disponível em: <https://bit.ly/3en8sE2>. Acesso em: 28 maio
2020.
PERROT, Michelle. O silêncio que “fala” pelo corpo da mulher, Entrevista concedida
a Marco Antônio Corteleti, web. Boletim Informativo UFMG, n. 1279, ano 26, p. 4, 07
jun. 2000. Disponível em: <https://www.ufmg.br/boletim/bol1279/pag4.html>. Acesso
em: 7 ago. 2020
PERROT, Michelle.. Minha História das Mulheres. 2a ed. São Paulo: Contexto: 2015.
POLLOCK. Griselda. Modernity and the Spaces of Feminity. In: MIRZOEFF, Nicholas
(Ed.). Visual Culture Reader. London: Routledge, 1998. p. 76.
SATURNINO, Luana. Rosários e vibradores: interferências feministas na arte
contemporânea. In: RAGO, Margareth; FUNARI, Pedro Paulo A. Subjetividades
antigas e modernas. Annablume: São Paulo, 2008.
29
SILVA, Eduardo Cristino Hass da; SILVA, Bárbara Virgínia Groff da. Cena de Interior
II e Queermuseu: cartografias das diferenças na arte brasileira silenciadas em Porto
Alegre (2017). Políndromo, v. 11, n. 25, p. 246-265, set.-dez. 2019.
30
RAÇA, GÊNERO E CLASSE NAS CAPAS DA REVISTA PRESENÇA DA
MULHER
5
Beatriz Monteiro Lemos. Mestranda em História Social no PPGHIS-UFRJ. Licenciada e Bacharela em História
pela Universidade de Brasília. É pesquisadora colaboradora do Laboratório de Imagem, Memória, Arte e
Metrópole do Instituto de História da UFRJ. E-mail para contato: biamonteirolemos@gmail.com
31
variadas atenções.
Nessa conjuntura da Constituinte e com a proposta de interlocução entre
essas duas lutas que pareciam incompatíveis, vêm à público a revista Presença da
Mulher em julho/agosto de 1986. A revista surge em um novo momento para a
imprensa alternativa, agora direcionada especificamente à militância de
organizações ou partidos políticos - a Presença era composta majoritariamente por
mulheres do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB.
Este trabalho analisa as capas das primeiras 25 edições da revista, entre 1986
e 1993, assumindo que por meio delas é possível constatar sobre o público-alvo da
revista e apreender quais foram, naquele momento, as principais demandas da
corrente elaborada pelas criadoras da Presença da Mulher, o feminismo
emancipacionista. Essa teoria buscava a correspondência da luta pela emancipação
das mulheres com a luta de classes, em uma elaboração baseada no que alguns
autores marxistas como Mészáros (2002, 2016) e Marcuse (1975) nomeiam de
emancipação humana, e também defendia
a mobilização das massas de milhões de mulheres –
principalmente operárias, camponesas, trabalhadoras em
geral, estudantes, intelectuais progressistas para abraçar a
causa da emancipação da mulher em sua especificidade, mas
interligada com a luta revolucionária rumo ao socialismo, único
caminho capaz de acabar com toda a exploração e opressão
(VALADARES, 1990, p.5).
32
Referências
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. Brasil: uma Biografia / Lilia Mortiz Schwarcz e Heloisa
Murgel Starling - 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
PERIÓDICOS
33
“EU POSSO FALAR QUALQUER COISA COM ESSA VOZ”: O ENGAJAMENTO
POLÍTICO DE NINA ROSA NO SAMBA CARIOCA
Nina Rosa foi criada na cidade do Rio de Janeiro e desde cedo se envolveu
com a música. Quando estudou no Colégio Franco-Brasileiro teve uma professora
que lhe ensinou sobre músicas indígenas, africanas e outros ritmos brasileiros, além
de ter sido aluna da Escola de Música Villa-Lobos, onde aprimorou seus
conhecimentos de percussão. A família teve sua parcela de influência para a cantora:
o pai tinha uma loja de discos e a avó era mangueirense de coração e levava a neta
aos ensaios da Mangueira e a blocos de carnaval. Contudo, Nina começou a cantar
profissionalmente apenas quando estava estudando na Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ), no início dos Anos 2000. Nesse período ela fundou com alguns
amigos o grupo Samba de Maria, que se apresentava em regiões próximas à UERJ,
como o bairro de Vila Isabel.
6
Bruna Aparecida Gomes Coelho é doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Desenvolve pesquisas sobre as mulheres do samba, dando visibilidade ao seu engajamento político e
cultural. Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES). E-mail para contato: bruna.agcoelho@gmail.com.
34
construindo seu nome musical e no universo sambista das rodas, blocos e escolas de
samba, sendo hoje uma das expoentes do samba carioca.
É evidente que a cantora avalia que sua música é uma forma de defender
seu espaço na sociedade. Em outro momento, a entrevistadora levantou a questão
sobre existir uma resistência às mulheres dentro do samba e questionou Nina sobre
como a artista lida com tal problema. A cantora fez a seguinte análise:
35
gente canta mais uma música, a gente ganha o samba. (Nina
Rosa, 4 ago. 2020).
A música Pra Matar Preconceito já diz a que veio nos primeiros versos: “Na
rua me chamam de gostosa / E um gringo acha que eu nasci pra dar / No postal mais
vendido em qualquer loja / Tô lá eu de costas contra o mar”. Após essa abertura que
fala da objetivação do corpo feminino, especialmente negro, a letra centraliza a
condição da mulher negra e a visão que a sociedade tem sobre elas. Posteriormente,
ao citar importantes nomes como Ciata, Dandara e Quelé, a poesia remete a
importantes figuras femininas da resistência negra. A canção afirma que ninguém
pode dizer o lugar dessas mulheres, e que sua história de resistência é muito antiga.
Há como objetivo conseguir demonstrar a força e altivez dessas personagens que
sobreviveram ao longo dos séculos, construindo suas histórias e contribuindo para a
libertação de seu povo não apenas das correntes físicas, mas também das correntes
sociais e culturais.
36
coro no fundo evidenciam o clima de roda de jongo, reforçando a imagem das raízes
africanas presentes na canção ao mencionarem elementos que compõem as religiões
de matriz africana e citarem povos que foram trazidos da África. É uma música que
remete ao ouvinte um sentimento de empatia e reconhecimento da luta do povo
negro.
Durante a entrevista, Nina pontuou que sua obra artística também tem
relação com o amor, que é um componente principal da última canção mencionada
neste texto. Vale Saída é um samba cadenciado escrito por Ivan da Gamboa e
gravado por Nina em 2020, narrando o possível fim de uma história de amor: “Não
me procura mais, se quer olha pra mim / Nenhuma graça faz, não sei amar assim /
Decide o que fazer: se vai dar atenção / Ou dar um vale saída das garras do teu
coração”. Como a própria artista afirmou em sua entrevista, ela também gosta de
cantar sobre a natureza, o amor e outros temas que atravessem a sua sensibilidade.
Conclusão
37
lutas sociais e culturais, pois o palco se tornou um momento para conversar com o
público e ampliar sua voz, fazendo com que outras pessoas ouçam seu discurso e
entendam suas lutas. Desta forma, as fontes apresentadas neste breve texto
exemplificam o seu olhar sobre questões que permeiam o seu cotidiano, como essa
luta contra o machismo e o racismo. É importante ressaltar também a busca dessas
mulheres por recontar a história pela ótica de suas ancestrais, as quais foram
relegadas muitas vezes ao esquecimento ou até mesmo ao silenciamento na
construção desse importante universo cultural que é o samba carioca7.
Referências
GRILLO, Bárbara Rodrigues Silva. Um samba que elas querem: A voz das mulheres
sambistas no Rio de Janeiro. 2019. 130 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia com
concentração em Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2019.
7
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. [Tradução Ângela M. S. Côrrea]. – São Paulo : Contexto,
2007.
38
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro – 2ª edição – Rio
de Janeiro; Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1995.
39
“DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”, OS PILARES DA NAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE
CARECAS INTEGRALISTAS
Introdução e metodologia
8
Camila Maria Silva Cavalcante, formada em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
mestranda em História Social pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
hist.cami@homail.com.
9
Cabeça raspada
10
Toma-se aqui identidade como o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou
ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados. o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de
significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. Cf.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade.; Tradução Klauss Brandini Gerhardt." A era da informação:
economia, sociedade e cultura” v2.1999. p.22.
11
Grupo de Skinheads da cidade de São Paulo. A sigla ABC faz menção às cidades que originalmente
formavam a região industrial da cidade. Santo André (A), São Bernardo do Campo (B) e São Caetano do Sul (C)
12
Na primeira fase a AIB pode ser interpretada, em acepção gramsciana, como um aparelho privado de
hegemonia que aglutinou segmentos políticos de tendências variadas: antissemitas, simpatizantes e seguidores
do fascismo italiano, e nacionalistas ligados ao catolicismo social. Cf. BARBOSA, Jefferson Rodrigues.
Chauvinismo e extrema direita: crítica aos herdeiros do sigma. UNESP,2015,p. 324.
40
Principalmente a partir da década de 1980, há uma intensificação e
diversificação dos discursos políticos dos Skinheads, sendo o nacionalismo uma
característica comum a eles, principalmente aos que possuem associações
ideológicas com a extrema direita. Historicamente o nacionalismo consiste em uma
ideologia surgida na chamada idade moderna e possui como marco de sua ascensão
o rompimento com as estruturas de poder das monarquias absolutistas. Como um
processo econômico e político passa a ser teorizado principalmente após a revolução
Francesa nas mais diversas abordagens. As primeiras teorias focavam em identificar
elementos subjetivos e objetivos que compunham a nação. A partir do século XX
foram surgindo novas abordagens que buscam ir além, para uma compreensão mais
completa do que seria a nação. (BREUILLY, 2000)
13
Disponível em: <http://carecasdoabc.wix.com/carecasdoabc>
14
Disponível em:<https://www.facebook.com/CarecasdoABC/?epa=SEARCH_BOX>
15
Aglomerado ideológico semi-coeso onde se misturam ideias do conservadorismo, do libertarianismo e do
reacionarismo, somadas a ideais que fazem apologia ao eugenismo e à segregação racial. Flertam por vezes de
maneira direta ou indireta aos constructos do nazismo e do fascismo. Esses ideais circulam frequentemente
defendidos sob a justificativa da liberdade de expressão. MIGUEL, Felipe. A reemergência da direita Brasileira
In: SOLANO, Esther (Ed.). O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. Boitempo Editorial, 2018.
16
O documento é o registro da expressão da experiência humana, em suas mais variadas manifestações,
independentemente de seu suporte material. Podemos considerar que “documento digital” é aquele documento
de conteúdo tão variável quanto os registros da atividade humana possam permitir-codificado em sistemas de
dígitos binários, implicando na necessidade de uma máquina para intermediar o acesso às informações. Tal
máquina é, na maioria das vezes, um computador. Cf. DE ALMEIDA, Fábio Chang.
41
músicas, vídeos e sites relacionados ao principal que se incluem como parte auxiliar
dessa mesma documentação, criando-se assim um banco de dados (Ibidem, p, 25).
Fazem parte da metodologia desta pesquisa planilhas, banco de sites, divisões
temáticas afim de acompanhar os conteúdos que mais se repetem.
Quadro teórico
42
imediato do mundo e em particular do mundo social o que contribui para a reprodução
da ordem, a lógica moral. As disputas pelas narrativas, a imposição de instrumentos
de conhecimento, é uma luta para o monopólio “da violência simbólica legítima”
(BORDIEU, 1989, p.12). Assim a linguagem é compreendida como uma forma de
legitimar o poder.
43
17
que atua na “periferia da política” (CALSALS apud VIÑAS, 2013, p. 38) e é
protagonizado pelo próprio grupo.
Resultados parciais
Referências
17
Termo utilizado pelo historiador Xavier Calsals para fazer referência aos espaços que os
skinheads atuam ou ocupam em seus respectivos coletivos políticos. “Periferia de la política”.
CALSALS, X. Neonazis en España (1966-1995), tesi doctoral, Barcelona. Apud VIÑAS,
Carles, Gràcia."Skinheads"a Espanya:Orígens, implantació i dinàmiques internes (1980-
2010). 2013.Tese(Doutorado)- Faculdat de geografia e història, Universitat de
Barcelona.p,38.
44
BREUILLY, John. Abordagens do nacionalismo. Um mapa da questão nacional.
Rio de Janeiro: Contraponto, p. 155-184, 2000.
CALSALS, X. Neonazis en España (1966-1995), tesi doctoral, Barcelona. Apud
VIÑAS, Carles, Gràcia."Skinheads"a Espanya:Orígens, implantació i dinàmiques
internes (1980-2010). 2013.Tese(Doutorado)- Faculdat de geografia e història,
Universitat de Barcelona
COSTA, Márcia Regina da. Os carecas do subúrbio: caminhos de um nomadismo
moderno. Vozes, 1992. Disponível em:<https://tede2.pucsp.br>. Acesso em: 27 de
set. 2020.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade.; Tradução Klauss Brandini Gerhardt." A
era da informação: economia, sociedade e cultura v2.1999.
DE ALMEIDA, Fábio Chang. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca
da internet como fonte primária para pesquisas históricas. Aedos, v. 3, n. 8, 2011.
Disponível em: <https://seer.ufrgs.br>. Acesso em: 10 ago. 2020.
GALLEGO, Esther Solano et al. O ódio como política: a reinvenção das direitas no
Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
ÖZKIRIMLI, Umut. What’s Nationalism? In: Contemporary Debates on Nationalism.
A critical Engagement. New York. 2005.
45
A COMUNIDADE TRADICIONAL CAIÇARA DO BONETE – PENSANDO SOBRE
AS PALAVRAS
18
Carla Teodoro Costa foi professora em comunidade tradicional, é fromada em História pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e agora é mestranda no Programa de Pós Graduação em História
Social da UFRJ. carla.teo.costa@gmail.com .
46
para responder pela comunidade ou se posicionar para defender políticas públicas,
mas é preciso reconhecer que o Bonete não é um lugar isolado, nem único e o
relacionar com as demais comunidades tradicionais fortalece o movimento contra
todos os ataques sofridos, desde a falta de políticas públicas que garantam o bem
estar dos povos tradicionais, até a invasão deliberada dos territórios por
empreendimentos privados ou até pelo Estado, como no caso dos Parques Nacionais
e Estaduais. Dessa forma, sabemos que o termo precisa ser expandido para ampliar
seu poder de alcance, por isso no processo de escolha consideramos essa
ampliação. Nesse sentido, concordamos com Guilherme Lima Pachoal, que escreveu
sobre o Bonete, defendendo o uso do termo comunidade tradicional por suas relações
comuns de convivência (LIMA, 2015) e sobre a definição de conceitos afirma:
47
Consideramos que a definição de conceitos não é fechada, por isso
partimos de Bonete e boneteiros e boneteiras, ampliando para outras possibilidades
sem perder o lastro com a especificidade. A questão de serem boneteiros e não
apenas caiçaras ressalta sua ligação com o território e podemos considerar também
sua colocação como indígenas no sentido de estarem ligados à sua terra de origem.
48
(DIEGUES, 2008), porantanto reconhecemos a definição como comunidades
tradicionais, mas nos atemos aos perigos de considerar os caiçaras com visões
idealizadas que os colocam como guardiões da natureza ou como remanescentes de
um passado idealizado em favor da cultura hegemônica, como alerta Cristina Adams.
49
hegemônica, ignorando a forma de vida das comunidades, o que seria no conceito de
Pierre Nora (1993), um “local de memória”, mas criado com a comunidade inteira
como atração.
Referências
STANICH NETO, Paulo (org). Direito das comunidades tradicionais caiçaras. São
Paulo: Editora Café com lei, 2016
NORA, Pierre. Entre memória e história a problemática dos lugares. Projeto História,
São Paulo, n.10, 1993.
50
BLOCKBUSTERS, CENSURA E PROPAGANDA – INTERFERÊNCIAS DO
DEPARTAMENTO DE DEFESA DOS EUA NO CINEMA DO SÉCULO XXI
A concepção do filme como agente histórico (FERRO, 2010, pp. 15 – 21) refere-
se às possibilidades de uso do produto cinematográfico com fins ideológicos,
suscetíveis a estimularem e/ou moldarem percepções e compreensões de seus
públicos-alvo; tais interferências podem ser representações que tanto dialogam com
os poderes constituídos quanto atuem como resistência a eles (BARROS, 2012, p.
63), mesmo que seu caráter ideológico não seja explícito (FURHAMMAR, ISAKSSON,
1976, p. 227). Morettin (2003) destaca que, para analisar o produto cinematográfico,
é preciso que o(a) historiador(a) tenha cuidado com o aporte documental e
historiográfico para entender como a(s) obra(s) selecionada(s) dialoga(m) com seu
contexto de produção e recepção (pp. 39 – 40). Com tais considerações salientadas,
é necessário compreendermos em qual contexto os filmes que selecionamos para
esta comunicação estão inseridos, sendo eles Hulk (Hulk, 2003, Ang Lee) e
Transformers III – O Lado Oculto da Lua (Transformers: Dark of the Moon, 2011,
Michael Bay), blockbusters baseados em personagens de sucesso mundial em outras
mídias, como as histórias em quadrinhos e séries animadas.
O início do século XXI nos EUA foi marcado pela Guerra ao Terror, a campanha
militar deflagrada pelo então presidente estadunidense George W. Bush (2001 – 2009)
em resposta aos ataques terroristas cometidos no território daquele país em 11 de
setembro de 2001. Um dos recursos utilizados pelo presidente para mobilizar a opinião
pública de forma favorável às ações militares e seus necessários esforços econômicos
e humanos foi recorrer aos conglomerados de mídia e seus diversos meios de
comunicação de massa, dentre os quais a televisão, a imprensa escrita e o cinema.
Os diálogos com representantes dos estúdios de cinema logo começaram a se
concretizar: dois meses após os atentados, o presidente da Motion Picture Association
of America - MPAA, Jack Valanti, se reuniu com o delegado-chefe da Casa Civil da
19
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, sob orientação do Prof. Dr. José D’Assunção Barros.
51
Presidência, Karl Rove, no intuito de estruturar de que forma a associação poderia
apoiar a campanha de combate ao terrorismo (VALANTIN, 2005, p. 102). Simon
Redstone, acionista majoritário do Viacom, um dos principais conglomerados
midiáticos contemporâneos e proprietário da Paramount Pictures, também se
prontificou a produzir em seus veículos de comunicação de massa conteúdo favorável
à investida militar e condizente com o aspecto de “autodefesa” que a Guerra ao Terror
simbolizaria (DICKENSON, 2006, p. 109). Como consequência, nos primeiros anos
da administração de W. Bush diversos filmes, em sua maioria do gênero ação e
drama, abordaram de variadas maneiras os Estados Unidos ou símbolos em sua
alusão em contextos que remetiam à necessidade de engajamento militar do país,
dentre os quais Fomos Heróis (We Were Soldiers, 2002, Randall Wallace) e Lágrimas
do Sol (Tears of the Sun, 2003, Antoine Fuqua), que evocavam a figura do soldado
como um “guerreiro ético” e obstinado (DODDS, 2008, p. 1626).
52
mundial. Nye Jr. (2005) nos auxilia a compreender tais possibilidades com seu
conceito de soft power, que consiste na habilidade de um Estado em atrair
indiretamente outros Estados e corpos políticos a partir de seus recursos culturais e
ideológicos, reconhecendo também os filmes como elementos constituintes desse
conceito (pp. 10 – 12). Kellner (2001) reforça essa noção ao apontar que, além da
leitura desses produtos culturais em seus contextos sociopolíticos, é necessário
compreender “de que modo os componentes internos de seus textos codificam
relações de poder e dominação” (p. 76), reconhecendo ainda que os filmes, como
outros espetáculos de mídia, podem demonstrar quem são os que detentores de
poder, autorizados a utilizar a violência, e quem são os que devem se sujeitar (p. 2)
Portanto, ao abordarmos filmes estadunidenses produzidos durante o contexto da
Guerra ao Terror, devemos considerar não somente os possíveis diálogos dessas
narrativas com o público de seu mercado interno, mas também as pretensões voltadas
aos públicos dos mercados externos que contam com ampla presença dessas
produções.
53
U.S. Marine Corps para fins de elaboração de algumas cenas do filme. Um relatório
de seis páginas, datado de 3 de fevereiro do mesmo ano, foi enviado em resposta,
orientando alterações narrativas bastante significativas no roteiro. Dentre as
alterações, o DoD solicitou que o roteiro especificasse que o laboratório responsável
por causar a mutação no herói não tinha ligações com órgãos militares, além de
retratar Glenn Talbot, antagonista das narrativas de Hulk desde as histórias em
quadrinhos e então oficial da Força Aérea dos EUA, como um ex-militar e especificar
que ele não estava sob ordens de qualquer força armada. Outra mudança significa foi
a alteração do nome da operação que tinha por objetivo capturar o personagem Hulk:
originalmente chamada “Operation Ranch Hand”, após a solicitação o nome
“Operation Angry Man” foi utilizado no filme. A solicitação no relatório fundamenta a
mudança citando que Operation Ranch Hand foi uma “operação da era do Vietnã”,
mas não especifica que foi o programa responsável pelo despejo de milhões de litros
de produtos químicos, dentre os quais o agente laranja, ao longo da maior parte do
período no qual os EUA estiveram em conflito contra os vietnamitas. Por fim, diversas
alterações pontuais foram solicitadas no intuito de ampliar a importância dos militares
na solução dos problemas que a narrativa apresentava.
54
bilheteria em 2009, é expressa a suposição de que o filme “auxiliará nos esforços de
recrutamento do Exército”.
Referências
ALFORD, Matthew; SECKER, Tom. National security cinema: the shocking new
evidence of government control in Hollywood. Drum Roll Books: 2017.
DODDS, Klaus. Hollywood and the popular geopolitics of the War on Terror. Third
World Quartely, 29: 8, December 2008. pp. 1621 – 1637.
55
JENKINS, Tricia. Get smart: a look at the current relatioship between Hollywood and
the CIA. Historical Journal of Film, Radio and Television. Vol. 29, No. 2, June
2009. pp. 229 – 243.
NYE JR., Joseph. Soft Power: the means to sucess in world politics. New York:
Public Affairs, 2005.
ROBB, David L.. Operation Hollywood: How the Pentagon shapes and censors the
movies. New York: Prometheus Book, 2004.
56
O RIO SAMBA EM BRASÍLIA: A ENCENAÇÃO DA CAPITALIDADE PELAS
CHANCHADAS
RESUMO
O trabalho propõe uma análise da chanchada Samba em Brasília (Watson Macedo, 1960),
abordando o modo como o filme tematiza a disputa pela capitalidade entre Rio e Brasília.
Embora todo o enredo se desenvolva na antiga capital, a representação de Brasília ocorre
pela menção a imagens associadas à modernização e ao modernismo, valores agregados à
capital recém-inaugurada. Em contraste, o Rio é equiparado ao samba e à cultura popular de
modo geral. Essa dicotomia se manifesta na trajetória da protagonista, moradora de uma
favela e empregada doméstica, cortejada pelos patrões (pai e filho), que tentam seduzi-la com
elementos atrelados à modernidade (os mesmos relacionados a Brasília). No fim da trama,
ao rejeitar a sedução e preferir ficar na favela, a moça abraça os elementos culturais
associados ao Rio, capital de fato.
PALAVRAS-CHAVE
Rio de Janeiro; Brasília; capitalidade; chanchadas; Watson Macedo.
57
Parque do Flamengo, concebido em sintonia com os valores da arquitetura e do
urbanismo modernistas. Contudo, no filme analisado o caminho seguido para reforçar
a capitalidade do Rio é outro: a ênfase de elementos da cultura carioca que não
poderiam ser encontradas em Brasília. O samba, alçado ao posto de “ritmo nacional”
pelo Estado Novo (CAPELATO, 2013), foi um dos mais mobilizados.
Tendo essas observações no horizonte, é possível perceber o tensionamento que
Samba em Brasília tematiza, já que o ritmo musical inserido no título representa
também a capitalidade carioca. Ainda que na aparência a modernidade da nova capital
seja louvada pelos diálogos e números musicais, há uma disputa entre dois modos de
conceber a nacionalidade, com preferência pelo Rio, conforme demonstrarei ao longo
do texto.
Samba em Brasília é um dos últimos trabalhos de Watson Macedo, que havia se
formado profissionalmente no estúdio Atlântida nos anos 1940, tendo contribuído para
a criação do gênero chanchada. Tributárias das comédias carnavalescas dos anos
1930 realizadas pela Cinédia – denominadas filmusicais –, as chanchadas tiveram sua
estrutura consolidada na década seguinte. Além dos números musicais e dos
comediantes, já presentes na Cinédia, os enredos ganharam um casal de mocinhos,
cujo enlace era prejudicado por vilões. Estes poderiam ser personagens
sentimentalmente interessadas num dos polos do casal de protagonistas ou pessoas
ambiciosas que, por algum motivo, precisavam sabotar o romance para alcançar seus
objetivos – casar-se com um/a ricaço/a, receber uma herança ou assumir o controle
de uma empresa.
Watson Macedo, enquanto ainda atuava na Atlântida nos anos 1940, acrescentou às
chanchadas as conexões com o cinema estadunidense, por meio da paródia de filmes
hollywoodianos de sucesso (VIEIRA, 2018, e-book). Além disso, adicionou aos
roteiros os jogos de inversões, em que pessoas pobres se passavam por ricas,
ignorantes por sábias, desconhecidas por celebridades e assim por diante. Essa
lógica estava sintonizada com a cultura carnavalesca, que já era a base das comédias
da Cinédia e permaneceu ativa nas chanchadas. Como nos festejos de Momo, os
papéis sociais poderiam ser invertidos, sem que tais inversões sofressem as sanções
que lhe eram dedicadas no restante do ano. Ao fim das tramas, os enganos eram
desfeitos, os vilões castigados (sem muito rigor) e o casal de mocinhos finalmente se
unia.
Samba em Brasília foi realizado fora da Atlântida, já na fase independente do diretor,
em que tinha maior liberdade de criação (RAMOS; MIRANDA, 2004). Ainda assim, a
sinopse disponibilizada pela Cinemateca Brasileira confirma a estrutura tradicional,
conforme se pode ler abaixo:
Tereza, porta-bandeira da Escola de Samba do Salgueiro, briga com
a rival Ivete. Após a briga, Valdo, compositor da escola, a convida para
uma feijoada. A mãe de Tereza ajuda sua irmã Clotilde numa casa
burguesa. Prepara-se uma grande festa para a recepção de Ricardo,
filho de Wladimir e Eugênia, que chegou da Europa. Tereza vai ajudar
a mãe no trabalho de cozinha. Durante a recepção. todos reclamam
da comida, preparada com muita pimenta por Tereza. Wladimir manda
chamá-la para a despedir, mas desiste e passa a cortejá-la. Eugênia
quer despedir Tereza, mas pai e filho a protegem. Como Tereza diz
que seu santo é forte, Eugênia acha que ela é macumbeira e pede um
trabalho para entrar na “lista das dez mais”. Ricardo começa a se
58
interessar por Tereza. Pai e filho marcam um encontro com ela para
um drinque, no mesmo horário e local, sendo manobrados por Tereza.
Ela passa a frequentar menos o morro, e Valdo começa a sentir
saudades. Tereza passeia de carro ou barco com Ricardo, apesar das
recriminações da mãe, preocupada com Virgínia e o desnível social.
Eugênia tenta subornar Tereza para que abandone o filho, mas ela
afirma que só não se casa com ele porque não sabe se o ama. Beatriz
propõe que apresentem Tereza à sociedade como uma grande dama.
Eugênia manda os convites, enquanto Tereza é preparada por
maquiadores e cabeleireiros. Beatriz e Virgínia armam para que a festa
dê errado, mas são derrotadas. Quando Valdo faz sucesso com um
samba e anuncia na televisão que a escola não vai mais sair por falta
de uma porta-estandarte, Tereza resolve voltar ao morro. Na avenida,
Tereza desfila com a escola, enquanto Virgínia e Ricardo
aparentemente ficarão juntos (FUNDAÇÃO..., 2021).
Apesar de bastante detalhada, esta descrição do enredo deixa escapar alguns dados
relevantes para a análise proposta aqui, justamente por trazerem alguns traços de
novidade à estrutura narrativa das chanchadas. O primeiro diz respeito ao fato de que
a atriz que interpreta Terezinha ser Eliana, a principal estrela das chanchadas.
Sobrinha de Watson Macedo, era uma “mocinha” branca e loira, seguindo os padrões
fenotípicos privilegiados por Hollywood (VIEIRA, 2018, e-book). A maioria de seus
papéis era de meninas bem-nascidas encasteladas em mansões ou garotas bem-
comportadas de classe média, como em Sinfonia carioca (Watson Macedo,1955) e
Depois eu conto (Watson Macedo e José Carlos Burle, 1956). Em menor número,
estavam as migrantes pobres, como em Amei um bicheiro (Jorge Ileli e Paulo
Wanderley, 1953) e Rio fantasia (Watson Macedo, 1956), sendo o primeiro um dos
poucos dramas que protagonizou.
A sua escalação para interpretar Terezinha, moradora de uma favela e porta-bandeira
do Salgueiro, estabelece uma tensão racial que não aparece nas outras personagens
pobres de sua carreira. Aqui, a pele branca de Eliana, que é também a de sua
personagem, gera incômodo entre alguns componentes da escola de samba,
sobretudo Ivete, sua concorrente pelo posto de porta-estandarte. Interpretada por
Carmen Montel, uma atriz negra, Ivete explicita seu inconformismo com a necessidade
de ter que competir com uma mulher branca. Durante uma briga ocasionada por esta
situação, uma vizinha interfere afirmando que ali, na favela, se vivia em uma
sociedade democrática, sem preconceitos. A reação violenta de Ivete a essa fala
permite inferir que ela discorda e, de fato, se sente preterida por conta da presença
de uma branca ocupando lugar de destaque numa escola de samba, locus de tradição
afro-brasileira.
Esse tema está diretamente conectado com o segundo ponto que a sinopse ignora –
a representação de Brasília, presente já no título, conforme comentei. O filme foi
produzido e lançado no ano da inauguração da Novacap – corruptela de “nova capital”,
que havia batizado a empresa responsável pela construção de Brasília e, por
extensão, passou a referenciar a própria cidade – e a utiliza como chamariz de público.
Ainda que Brasília objetivamente só apareça em números musicais e nas falas dos
personagens, o filme se refere a ela também ao tematizar a modernização e o
modernismo, tão em voga naquele contexto. Há menções à Bossa Nova nas falas e a
59
presença de pinturas e esculturas modernistas na mansão em que Terezinha trabalha,
além de aparelhos de cozinha modernos.
Em contraste, toda a ação do filme se passa na Belacap, “apelido” adotado para o Rio
em resposta à Novacap. No modo como se dá a representação da ex-capital ocorre o
reforço de traços associados à cultura afro-brasileira que, pela lógica da capitalidade,
haviam sido alçados ao patamar de “cultura nacional”, com destaque para o samba,
especificamente aquele produzido nas favelas pelas escolas de samba.
Importante salientar que Samba em Brasília é uma chanchada tardia, lançada quando
o gênero passava por uma crise – entre outros fatores, a consolidação do TV no país
havia diminuído as bilheterias dos cinemas, sobretudo de filmes brasileiros. Talvez
como estratégia para enfrentar a crise, Macedo entabula um diálogo com outras
vertentes do cinema brasileiro, introduzindo algumas modificações na estrutura básica
do gênero.
Para o tema abordado aqui, o elemento mais significativo é a resposta do roteiro ao
cinema independente carioca, sobretudo a Rio, 40 graus (Nelson Pereira dos Santos,
1955). Considerada obra inaugural do cinema moderno no Brasil, o filme narra o
percurso de cinco meninos negros, moradores de uma favela, ao longo de um dia no
Rio de Janeiro. O diálogo com o neorrealismo italiano aplicado à então capital do Brasil
marcou o modo como se dava a representação das favelas, sobretudo ao ter sido
proibido pelo chefe do Departamento Federal de Segurança Pública, Meneses Cortes:
“O que se disputava nessa batalha era, enfim, o direito à imagem da cidade. Mais
especificamente, o direito a decidir qual aspecto da capitalidade do Rio deveria figurar
nas telas” (PINTO, 2015, p. 130).
A reverberação desse fato pode ser notada em Samba em Brasília: diferente da
maioria das chanchadas, em que as favelas eram representadas de modo estilizado
em números musicais (FREIRE; FREIRE, 2018), o filme apresenta sequências
gravadas – parcialmente – em locações. Além disso, seu roteiro busca, ainda que de
modo limitado, debater questões sociais vinculadas às favelas, como o racismo. O
samba, portanto, acaba conotando mais do que a “carioquice”, sendo usado também
para se referir às favelas, de onde se origina.
Ao fim, ao unir o Rio a Brasília, a película encena a tensão entre capitalidades,
sobretudo durante a execução do samba que batizou o filme, de autoria de Bené
Nunes e Mariano Pinto. Num cenário repleto de referências à arquitetura e às
esculturas modernistas da Novacap, Eliana performa acompanhada por figurantes
vestidos como baianas e “malandros”, figuras típicas da cultura popular carioca (LEAL,
2018; NORONHA, 2003). Se aqui a relação entre as duas cidades e seus índices
parece amigável, o desfecho do filme – com Terezinha preferindo o morro e o samba
à riqueza e modernidade dos patrões – reforça a defesa da capitalidade carioca.
Afinal, os elementos rejeitados pela protagonista estavam agrupados no mesmo
conjunto de valores associados à nova capital – modernização e modernismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge;
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves Delgado (orgs.). O Brasil republicano. vol 2. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
60
FREIRE, Rafael de Luna; FREIRE, Letícia de Luna. As favelas cariocas nas chanchadas: de
berço do samba a problema público. Comun. Mídia Consumo, São Paulo, n. 43, v. 15,
maio/ago. 2018. p. 276-301.
GAVA, José Estevam. Momento Bossa Nova. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006.
LEAL, Léa Maria Schmitt. A performance da baiana: traje, corpo e persona (1890-1938). Anais
do 14º Colóquio de Moda, 2018. Disponível em: <encurtador.com.br/dgJ19>. Acesso em: 18
out. 2020.
MOTTA, Marly. Rio, cidade-capital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
PINTO, Carlos Eduardo Pinto de. Rio, 40 graus: a disputa pela imagem da capital do Brasil
nos anos dourados. Acervo, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 120-131, 2015.
RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe A. de (orgs.). Enciclopédia do Cinema
Brasileiro. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
VIEIRA, João Luiz. A chanchada e o cinema carioca (1930-1955). In: RAMOS, Fernão Pessoa;
SCHVARZMAN, Sheila (orgs.). Nova história do cinema brasileiro, vol 1. São Paulo:
Edições Sesc, 2018. Edição Kindle.
61
QUILOMBOLAS NA CIDADE: MEMÓRIA E ANTROPOLOGIA URBANA NA
DIÁSPORA
Neste trabalho, que é fruto de uma consultoria coletiva para a Prefeitura de Belo
Horizonte e para IPHAN-MG, iremos ver a influência de uma comunidade quilombola
na construção da capital mineira e, mais além, a importância desta comunidade
quilombola como memória e patrimônio da cidade de Belo Horizonte. Trata-se do
Kilombo Souza.
Outro aspecto importante a sublinhar é que este estudo contempla para além
de sua imaterialidade, uma discussão sobre aspectos materiais existentes no território
da Família Souza, por sua vez tem um leque de possibilidades para se ler a cidade a
62
partir de uma ótica dos ancestrais, principalmente aqueles que vieram para a
construção da cidade, exemplo disso, a Família Souza, que até os dias de hoje
permanece em seu território original. O Kilombo Souza ilustra a relevância de um
excepcional bem cultural para a capital mineira, e mais ainda, sob a perspectiva dos
negros na construção da cidade nos tempos remotos de sua história. Tendo em vista
que a família Souza, que se instalou em Santa Tereza no início do Século XX,
prestaram seus trabalhos para a capital recém formada, tanto para o trabalho da
agricultura quanto para o trabalho da construção da nova catedral da capital.
Por fim, gostaria de mencionar o papel da diáspora desta comunidade pois ela
tem uma forte ascendência no que concerne à memória coletiva da comunidade e da
capital mineira.
Referências
63
TRANSMISSÕES DE UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
21
Professora e pesquisadora do Ensino Superior na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, no curso de Bacharelado em Artes Visuais/Escultura. Doutora em Artes Visuais pela EBA-UFRJ, Mestra
em Artes Cênicas e Bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO, é associada do Corpo Freudiano do Rio de Janeiro.
Contato: dinahcesare@gmail.com.
64
trabalhos de arte. A pesquisa alia ainda o caráter destrutivo (BENJAMIN, 1986) como
contraponto pulsional fragmentário à aglutinação racional da determinabilidades do
sentido, em uma dialética infinita de forças. Interessa a expressão de outras formas
narrativas para ir além dos discursos massivos que confinam as subjetividades e a
ameaça que eles representam. Será que conseguimos inventar outros modos de
presença, recriar a dimensionalidade a partir de experiências poéticas?
65
bantu, cujo sentido se abre esgarçando a categoria temporal: “Kalunga é a fonte do
poder universal que faz todas as coisas acontecerem no passado, faz as coisas
acontecerem hoje, e, sobretudo, fará as coisas acontecerem amanhã” (SANTANA,
2019, p. 68). No entanto, a reflexão institucional que engendra o discurso criador do
evento da racialidade (FERREIRA SILVA, 2019) não concebe o real por meio desses
saberes como epistemes, alicerçada pela lógica homogeneizante do capital que
precisa mapear muito precisamente a construção de seus consumidores em um
constante processo de hierarquia de culturas, práticas discriminatórias e violências
assimétricas.
Sob a ótica epistêmica que nos aponta Tiganá Santana, não podemos
pensar então em um real da linguagem naquilo renovado incessantemente enquanto
falamos? A poética da artista Castiel Vitorino Brasileiro na série Corpo-flor22
materializa o caráter da linguagem como inscrição corporificada da constante
transformação implicada no mundo humano e extra-humano. Em sua diferença
radical, Corpo-flor denuncia como os discursos comunicacionais são produtores de
políticas de globalização camufladas de epistemes. Corpo-flor nos interpela de tal
modo com sua liminaridade e efemeridade! Exaustão é o que vai aparecer no fracasso
de toda linguagem como sistema totalizante de sentidos – circunscrição simbólica, no
entanto agressiva, justamente na medida em que quer dar conta com seu processo
de significar, em detrimento do caráter pulsional da linguagem que é o mostar seu
caráter sempre liminar. O modelo construtor da cultura imposto pela invasão do
europeu, engendrado pela aniquilação do Outro ameaçador, se mantém de pé pela
destruição de todo um regime discursivo e visual.
22
Site da artista: https://castielvitorinobrasileiro.com/sobre. Faço notar que o que escrevo aqui sobre o trabalho
da artista pertence mais ao que o trabalho provoca e menos a qualquer possibilidade de autoria minha.
66
noção de Pachamama, constituinte da cosmologia das pessoas do povo anauta
quíchuas e das pessoas do povo yatiris aimarás, se contrapõe a separação natureza
e cultura – fenômeno cristão ocidental disseminado pelos padres Jesuítas.
Pachamama é fenômeno em que humanos e extra-humanos se atravessam, ou seja,
não se concebe a distinção entre a natureza e a cultura.
Os espíritos das águas, eles são como o vento. Você não vê,
mas você sente. Você vê o vento? Mas você sente. É o espírito
das águas. Você não vê, mas você sente. Às vezes a gente tá
sentado assim na porta de casa, e ele faz assim, bem na sua
perna, devagarzinho. Aqui na nuca, fazendo um carinho,
fazendo alguma coisa. Ou agradecendo por algo que você fez.
E você sente algo. Uma vez, mas você sente. Coisa boa ali, lhe
abençoando. Quem sabe até lhe cuidando. A pessoa tristinha
olhando para lá, aquele ventinho vem, você olha para baixo,
para um lado para outro, você vê um escorpião, você vê uma
cobra. Ele tá te avisando. Entendeu como é? O Xingu é isso.
67
Referências
MOMBAÇA, Jota. A plantação cognitiva. São Paulo: Edição 2020 @ Museu de Arte
de São Paulo Assis Chateaubriand e et al.
68
O PÁTHOS DA CÂMARA: UMA ANÁLISE DAS REAPROPRIAÇÕES DA ANTIGUIDADE
DOS GRUPOS ESCULTÓRICOS DO PALÁCIO TIRADENTES
Com sua construção iniciada em 1922 para ser a nova sede da Câmara dos
Deputados do Brasil no Rio de Janeiro (então capital federal), o Palácio Tiradentes
teve sua inauguração realizada no dia 6 de maio de 1926, integrando as
comemorações do Centenário do Poder Legislativo Brasileiro. Projetado pelo
arquiteto Archimedes Memoria em parceria com o Franscique Couchet, o novo
Palácio da Câmara foi um dos ícones do Ecletismo tardio carioca, mantendo o furor
das formas arquitetônicas remanescentes da Exposição Internacional do Centenário
da Independência em 1922 e apresentando grandes inovações, como o uso do
concreto armado em sua estrutura.
Localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, no eixo conhecido como
Centro Antigo, o Palácio Tiradentes se localiza no sítio da antiga Casa de Câmara e
Cadeia, edifício que abrigou o Senado da Câmara e a Cadeia da Relação do Rio
Colonial entre os séculos XVII e XIX. O prédio também foi sede da Assembleia Geral
Legislativa durante o Império e a Câmara dos Deputados nos primeiros anos
republicanos. A “Cadeia Velha” - como veio a ser conhecido o espaço - notabilizou-
se por ter sido o local da prisão do alferes Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792),
- o Tiradentes - devido ao seu envolvimento no movimento contestatório a Portugal,
conhecido como Conjuração Mineira. Tal fato ensejou que o Palácio fosse nomeado
em sua homenagem após a demolição do casarão colonial, em 1922. O Palácio
Tiradentes funcionou como o espaço do poder legislativo federal até 1960, sendo
palco de eventos de relevante importância política como as Assembleias Nacionais
Constituintes de 1934 e 1946 e as posses dos Presidentes da República. Com a
transferência da capital federal para Brasília, abrigou a Assembleia Legislativa da
Guanabara (Aleg) entre 1961 e 1963. Após a fusão do estado da Guanabara com o
23
Douglas de Souza Liborio é bacharel e licenciado em História pela UFRJ, Mestrando em História pelo Programa
de Pós Graduação em História da UFF. Atualmente desempenha as funções de Historiador e Pesquisador na
Subdiretoria-Geral de Cultura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), sendo um dos
responsáveis pela Exposição Permanente “Palácio Tiradentes: ugar de memória do parlamento brasileiro”. E-
mail: douglasdesouzaliborio@gmail.com.
69
estado do Rio de Janeiro, em 1975, o Palácio, se tornou a sede da nova Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), criada em 197514, função que
mantém até a presente data (BELOCH; FAGUNDES, 1996).
Sendo um dos primeiros prédios de autoridade republicana construído no
início do século XX, o Palácio foi concebido como uma arquitetura narrativa, típica
da linguagem historicista do ecletismo, com grande destaque para os elementos
decorativos. O programa artístico do Palácio teve grande relevância no âmbito
artístico carioca de então, por constituir uma ampla gama de artistas, da pintura à
escultura, além de contar com a contribuição dos Estados da Federação para erguer
o novo espaço. A fachada do edifício foi coroada com grupos escultóricos colossais
e com abundância de relevos ornamentais, com a ideia de narrativa com pompa do
Poder Legislativo Brasileiro:
Figura SEQ Figura \* ARABIC 1. Palácio Tiradentes. Fonte: Acervo Alerj. Fotografia: Thiago Lontra,
2017
70
Há na fachada, uma abundância de elementos típicos de uma iconografia do
poder republicanizada como barretes frígios e alegorias femininas da República. Os
motivos, porém, ressaltam uma excessiva referência ao mundo romano: a alcunha
“Lex”, duas colunas com gigantescas Vitórias aladas, de autoria de Paulo
Mazzucchelli e uma presença intensa dos fasces lictores romanos, nos ornatos,
relevos escultóricos e desenhos dos mosaicos.
Referências
WINCKELMANN, J. J.. Reflexões sobre Arte Antiga. Porto Alegre: Movimento, 1975.
72
CORPO-MEMÓRIA: RESISTÊNCIA AO TEMPO E ESPAÇO ATRAVÉS DA
TRANSMISSIBILIDADE
24
Gabriel Vieira, graduando em Artes Visuais/Escultura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. contato: gabblazar@gmail.com.
73
empobrecer com o silenciamento que a guerra trouxe, e com as evoluções culturais e
tecnológicas da modernidade. Já em O Narrador (1996), discorre sobre a narrativa
oral nos contos de Nikolai Leskov e indica em passos históricos como o sistema
capitalista, em especial com o aparecimento da burguesia que implicará no
desaparecimento desse narrador oral dando lugar a outro tipo de narrador mais atual,
os romancistas.
Além disso, existe uma outra camada da colonização que o teórico apresenta,
que é a do tempo e do espaço:
74
Entre os dois cenários descritos acima surgiu a ideia da
“modernidade”. Apareceu primeiro como uma colonização dupla,
do tempo e do espaço. Estou também argumentando que a
colonização do espaço e do tempo são os dois pilares da
civilização ocidental. A colonização do tempo foi criada pela
invenção renascentista da Idade Média, e a colonização do
espaço foi criada pela colonização e conquista do Novo Mundo.
(DAGENAIS, 2004 Apud MIGNOLO, 2017, p. 4)
Dessa maneira, pela América não ser um lugar a ser descoberto, então esse
lugar explorado e apropriado violentamente, alicerçado na bandeira da missão cristã,
foi um cenário em que a modernidade veio junto com a colonialidade. Quijano irá
pensar no MCP (patrón colonial de poder – matriz colonial de poder) como quatro
domínios inter-relacionados em que seus interesses são as instâncias da economia,
da autoridade, do gênero e da sexualidade, e por fim do conhecimento e da
subjetividade. Contudo, podemos considerar um quinto domínio da matriz colonial,
separando-a da economia: a natureza. Há diferentes lutas políticas e elaborações
epistêmicas pela retomada ou desvinculação da MCP, contudo, vemos na
Constituição da Bolívia e do Equador um pensamento que não está associado a um
partido ou uma luta social em específico, mas sim é imanente à visão dos povos
nativos, líderes e intelectuais indígenas, a seguinte manifestação descolonial:
76
mil anos atrás, terminará mesmo por reencontrá-lo (...).
(DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo,
2014, p. 17)
Referências
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. Trad: Sergio
P. Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1996.
77
DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio
sobre os medos e os fins / Déborah Danowski, Eduardo Viveiros de Castro. -
Desterro [Florianópolis] : Cultura e Barbárie : Instituto Socioambiental, 2014. 176p.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo / Ailton Krenak. – 1ª ed. – São
Paulo : Companhia das Letras, 2019. ISBN: 978-85-359-3241-6
78
AS FONTES E A METODOLOGIA NO ESTUDO SOBRE OS MEGAEVENTOS NO
RIO DE JANEIRO E A SOCIOESPACIALIDADE DO CONFLITO
25
Graduada em História (Universidade Federal Fluminense- UFF) e mestranda em História Social pelo Programa
de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS/UFRJ). E-mail:
igomes020@gmail.com.
26
As fontes utilizadas contendo a valor dos gastos dos empreendimentos da Copa do Mundo e Olimpíadas,
acrescidos dos dados sobre as desapropriações e realocações oficiais por conta de tais interferências foram
retirados do Portal da Transparência, disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/programas-de-
governo/20-copa-----?ano=2014>, Rede Nacional do Esporte, disponível em: <http://www.brasil2016.gov.br> e
Prefeitura do Rio de Janeiro, disponível em: <http://prefeitura.rio/web/transparenciacarioca>. Acesso em: 20 dez.
2018.
79
observando a sua espacialidade, os seus agentes e as estratégias/táticas por eles
empregadas. Nas outras quatro tabelas seguintes ocorreu uma divisão entre os gastos
e intervenções para eventos específicos, Copa e Olimpíadas, enquanto o restante do
material foi direcionado para as intervenções urbanas, as remoções e os despejos27.
Essa sistematização dos dados obtidos permitiu criar tipologias condizentes
com as categorias de investimentos, a espacialidade e de empreendimentos
construídos. É importante destacar que essa parte da análise foi correspondente a
documentos como matriz de responsabilidades (copa e olimpíadas), plano de políticas
públicas- legado (olimpíadas) e o relatório de situação dos jogos olímpicos (elaborado
pelo Tribunal de Contas da União).
Tomando como ponto de partida a temática trabalhada, buscou-se entender a
relação entre espaço e ações sociais, em especial o papel desempenhado pelos seus
agentes produtores, observando com atenção as práticas e estratégias adotadas
pelos protagonistas na dinâmica da disputa pelo espaço geográfico, nesse contexto
caracterizado pelo urbano, e também, por direitos frente aos seus antagonistas.
Articulou-se essa relação com a severa interferência na vida urbana de milhares de
brasileiros, a partir das intervenções no campo da mobilidade, moradia e renovação
urbana, que se colocaram no epicentro da estrutura para receber esses megaeventos
em detrimento do tão prometido “legado”.
Os conflitos decorrentes das intervenções sócio-espaciais por conta dos
megaeventos esportivos28 no país realizados em forma de protestos, manifestações,
remoções e os despejos compuseram esta parte inicial da pesquisa. O referido
conjunto de fatores foi observado como diretamente ligado ao período de surgimento
de um novo panorama na conjuntura política do país, contendo uma conflitividade29
27
A exposição da apuração do material será dividida em três segmentos: o primeiro é concernente aos projetos,
às intervenções urbanísticas, as remoções e aos despejos restritos a cidade do Rio de Janeiro baseado nas
Olimpíadas de 2016. Enquanto, que o segundo traz uma abordagem em escala nacional, levando em consideração
as doze cidades que receberam as partidas de futebol da Copa do Mundo de 2014, observando as tipologias dos
gastos, os motivos dos conflitos e modalidades das obras. Já o terceiro, por fim, irá dialogar com os aspectos gerais
e específicos verificados promovendo o entendimento dos pontos comuns e das diferenças tanto em escala local
quanto em escala nacional, enfatizando os executores dos papéis de protagonismo e antagonismo que levaram aos
conflitos no Brasil contemporâneo (2013-2016).
28
Os Megaeventos aqui analisados são os referentes à Copa das Confederações- 2013, a Copa do Mundo FIFA-
2014 e aos Jogos Olímpicos de Verão- 2016. Contudo, vale ressaltar a realização de outros eventos no Brasil de
grande porte e mobilização, localizados principalmente na cidade do Rio de Janeiro, como o Rock in Rio-2013 e
Jornada Mundial da Juventude Católica- 2013.
29
Cf. RAMOS, Tatiana Tramontani. A geografia dos conflictos sociais da América Latina e Caribe. In:
Informe final del concurso: Movimientos sociales y nuevos conflictos en América Latina y el Caribe. Programa
Regional de Becas CLACSO. 2003.
80
que até os dias atuais pode ser percebida na expansiva polarização da sociedade
brasileira.
Toda a reflexão foi produzida a partir do modelo teórico-metodológico advindo
da articulação que se deu entre os campos da Geografia Histórica e Geografia dos
ativismos sociais, assim as categorias de tempo e espaço, por serem elementos
indissociáveis, são colocadas como primordiais para a tentativa de elucidação da
dinâmica das ações humanas na produção e modificação do espaço. A opção pelo
diálogo com a Geografia dos ativismos sociais permitiu a ruptura com a análise
comum voltada para o setor econômico que acaba, por muitas vezes, privilegiando os
componentes das altas classes sociais e detentores do capital, para amplificar a voz
emanada de uma considerável parcela da população que é silenciada e marginalizada
em diversas esferas não só da sociedade, mas também na pesquisa acadêmica.
Portanto:
É da experimentação concreta das condições objetivas e
subjetivas de existência que homens e mulheres formulam
ideias e noções de direitos que acreditam ser legítimas de serem
instituídas e conquistadas. Dessa experiência concreta e
cotidiana são construídos projetos políticos e identidades que
dinamizam a ação social e impulsionam esses protagonistas
para o campo dos conflitos e lutas sociais, constituindo os
ativismos sociais. É desse processo crítico e conflituoso que
surge a possibilidade do surgimento do novo, da realização de
transformações conjunturais e estruturais nas relações de poder
e na organização sócio-espacial (RODRIGUES, 2015, p. 243).
81
observa-se que 42% dos investimentos se concentraram no campo da mobilidade,
sendo que este setor concentrou a captação dos recursos financeiros, justamente, por
conta da abertura de 153 quilômetros para o funcionamento dos novos serviços de
transporte, 29% em renovação urbana e 21% em instalações esportivas e não
esportivas.
Referências
82
FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO: INTERNACIONALIZAÇÃO E MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA
RESUMO
A música popular brasileira, em sua imensa trajetória, teve muitas fases e níveis de
internacionalização. Desde os tempos da colonização, a música formada no Brasil a partir da
confluência de diferentes culturas encontrou aceitação em outros países. Cada vez mais
consolidada e com uma identidade fortalecida, ainda que híbrida e diversa, a música popular
brasileira se internacionalizou de diferentes modos e através de diferentes gêneros. Estes
pontos de convergência são encontrados na modinha, no maxixe, no samba, na bossa nova
e também na MPB que, notadamente, teve nos festivais da canção um lugar privilegiado e
plataforma de lançamento para países estrangeiros, em especial, por meio da fase
internacional do Festival Internacional da Canção, como pretendemos comprovar.
PALAVRAS-CHAVE
Música Popular Brasileira; MPB; Internacionalização; Festiva Internacional da Canção; fase
internacional do FIC.
30
José Fernando Saroba Monteiro, Pós-Doutorando em História Social pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Doutor em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, com período sanduíche pelo Centro
de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa, Mestre em História do Império
Português [e-learning] pela Universidade Nova de Lisboa, Licenciado em História pela Universidade de
Pernambuco, autor dos livros Modinha Brasileira: Trajetória e veleidades (sécs. XVIII-XX) (2019) e Mini História da
Música Popular Brasileira (2016), jfmonteiro2@hotmail.com.
83
assimilar a ópera italiana. Para o famoso Jornal de Modinhas, editado em Portugal no
século XVIII, contribuíram músicos italianos, ingleses e franceses. Há diversos
registros de viajantes (ingleses, alemães, russo, entre outros) que incluem a modinha
em seus escritos e também foram encontradas partituras de modinhas na até mesmo
na Biblioteca Nacional de Paris. Há referências ainda de que a modinha teria
influenciado na formação da música de Cabo Verde, à exemplo da morna. E o lundu
teria seguido o mesmo caminho, surgido entre os negros escravos no Brasil, mas
depois indo para Portugal onde, devidamente adaptado, foi praticado e apreciado pela
corte portuguesa
Da fusão entre o samba e o jazz temos a criação da bossa nova, sem dúvidas um
outro grande expoente da internacionalização da Música Popular Brasileira. A tríade
Vinícius de Moraes, Antônio Carlos Jobim e João Gilberto, foi responsável pela
composição de obras conhecidas e reconhecidas em todas as partes do mundo.
Garota de Ipanema, de Vinícius e Tom, tornou-se a segunda canção mais executada
de todos os tempos, perdendo apenas para Yesterday, dos Beatles. Outras como
Felicidade, Chega de Saudade, Desafinado e Eu Sei que Vou te Amar, também são
facilmente identificadas mundo a fora. Contribuiu bastante para o princípio da
internacionacionalização da bossa nova, a apresentação de artistas brasileiros no
Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, facilitando a troca de informações com artistas
estrangeiros e a mimese por parte destes. Vale destacar que a internacionalização
da bossa nova gerou uma contra-ofensiva dos militantes da chamada canção de
protesto, percebidas em canções como Marcha da Quarta-Feira de Cinzas e Influência
do Jazz, ambas de Carlos Lyra, dissidente da bossa nova.
Em meio a estes embates emerge uma musicalidade nova, que procurava maior
aproximação com a tradição popular brasileira, sem deixar de ser moderna, uma
canção ao mesmo tempo erudita e popular, crítica e comercial, que se caracterizou
como uma música autenticamente nacional, mas que rapidamente se
internacionalizou, encontrando nos festivais da canção seu lugar comum e uma
plataforma de lançamento para essa internacionalização.
85
o esforço de compositores populares, e até, se bem encaminhada, projetará o Brasil
no exterior.” (Folha de São Paulo [Acervo Online], 08 abr. 1965).
86
Dentre os primeiros estrangeiros, que chegavam ao Rio de Janeiro para participar no
FIC, era unânime a ideia de que a bossa nova e o samba se caracterizavam como a
mais autêntica representação da música brasileira. Alguns, até um pouco saudosos,
lamentavam que o Brasil não produzisse mais João Gilberto’s (Correio da Manhã, 26
out. 1966, p. 09). Aos poucos, entretanto, percebe-se uma alteração nos discursos
dos visitantes que, cada vez mais anseavam por conhecer os artistas que surgiam e
representavam uma nova música popular brasileira, muito mais moderna que o samba
e muito mais enraizada na tradição popular que a bossa nova. Os estrangeiros
chegavam atempadamente para acompanhar a fase nacional do FIC e auscultar o
que se estava produzindo de mais recente na música brasileira. Em linhas gerais, o
FIC terminava “trazendo ao Rio uma quantidade de nomes”, que seguramente
promoveriam “a música popular brasileira no exterior.” (Veja, 16 out. 1968, p. 60).
87
Referências
ARAÚJO, Mozart de. A modinha e o lundu no século XVIII: Uma pesquisa histórica e
bibliográfica. São Paulo: Ricordi, 1963.
“‘Arrastão’ venceu facil festival, mas outra musica de Vinicius não convenceu. Folha de São
Paulo [Acervo Online], 08 abr. 1965. Disponível em:
http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_08abr1965.htm Acesso em: 20 maio de 2015.
“Com Eles é Briga na Certa”. Veja, nº 06, 16 out. 1968, pp. 58-60.
“Dori não esperava vencer, mas agora vai comprar casa”. Correio da Manhã, 26 out. 1966,
1º Caderno, p. 09.
FLÉCHET, Anaïs. Por uma história transnacional dos festivais de música popular: Música,
contracultura e transferências culturais nas décadas de 1960 e 1970. Patrimônio e Memória,
UNESP-FCLAs-CEDAP, vol. 7, nº 1, junho de 2011.
GALVÃO, Walnice Nogueira. Ao Som do Samba: Uma Leitura do Carnaval Carioca. São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.
MELLO, José Eduardo (Zuza) Homem de. A Era dos Festivais: Uma parábola. São Paulo:
Editora 34, 2003.
MONTEIRO, José Fernando S.. História Global e Festivais da Canção: Brasil e Portugal. In:
anais [eletrônico] do 28º Simpósio Nacional de História – ANPUH-SC. Florianópolis:
ANPUH, 2014. Disponível em: http://www.snh2015.anpuh.org/site/anaiscomplementares
Acesso em: 20 nov. 2015.
MONTEIRO, José Fernando S.. Festivais RTP e Festivais da MPB: Entre a tradição e a
modernidade (1964-1975). 2020. 467 p. Tese (Doutorado em História - Programa de Pós-
Graduação em História (PPHR), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
Seropédica, RJ, 2020. Disponível em:
https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/12320/1/PercepcaoAmbientalMuseus_Costa
_2014.pdf. Acesso em: 29 março 2021.
“O Mundo verá A Banda passar”. Correio da Manhã, 30 out 1966, Feminino, p. 01.
“Quero ver isso de Maxixe! Das origens na Cidade Nova à internacionalização do maxixe”.
por José Fernando Monteiro. Musica Brasilis [portal], s/d. Disponível em:
http://musicabrasilis.org.br/temas/quero-verisso-de-maxixe-das-origens-na-cidade-nova-
internacionalizacao-do-maxixe Acesso em: 06 mai. 2018.
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. 6ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.:
Editora UFRJ, 2007.
88
COVID-19, DISCURSO E IDEOLOGIA: REFLEXÕES ACERCA DA PANDEMIA E
AS DISPUTAS POLÍTICO-IDEOLÓGICAS NO AMBIENTE DAS REDES SOCIAIS
APRESENTAÇÃO
31
Aluna da graduação em História na Universidade Federal de Minas Gerais.
32
Aluno da graduação em História na Universidade Federal de Minas Gerais.
89
Ades, Dr. Fernando Gomes, Dr. Julio Pereira, Dr. Lair Ribeiro e Dra. Lucy Kerr) que
produzem conteúdo nas redes Instagram e Youtube, principalmente os que se
referem ao engajamento e repercussão em suas publicações. Neste sentido,
buscamos compreender através destes dados e da bibliografia as implicações dos
perfis de tais médicos com relação à pandemia de COVID-19 no Brasil, tendo em vista
sua posição de autoridade em saúde assimilada pela população, tornando-se líderes
de opinião no referente contexto de crise sanitária global.
90
conformação dos chamados líderes de opinião. Assim, a formação discursiva a partir
de tais controvérsias (MANNHEIM apud MAZUCATO, 2020, p. 109) bem como a
multiplicidade de leituras que se tem sobre a realidade pandêmica e que, conforme
Mannheim e Berger apontam, do conflito e disputas entre estes diferentes meios, seja
por mudança ou permanência daquilo que predomina no momento, é criada uma
“crise de sentido” em meio a politização da pandemia, em narrativas que são
construídas não mais no âmbito científico, e sim político da situação (MAZUCATO;
ANTÔNIO, 2020, p. 109-122).
91
instrumento fundamental para a aplicabilidade e desenvolvimento de pesquisas
(COSTA; GARCÍA, 2017, p. 1167).
No entanto, esta comunicação pode ser dificultada por conflitos que possam
vir a se estabelecer na articulação ciência-governo. Neste sentido, o teor ideológico e
político de uma epidemia influem na comunicação dos emissores autorizados sobre
medidas de prevenção, combate e controle da doença, seja pela desvalorização e
deslegitimação pública da ciência, pela disseminação de informações falsas, pela
tomada de decisões desarticuladas, entre outras situações que tendem a agravar a
situação epidêmica do local e que caminham conforme a disputa de discursos em
relação aos acontecimentos e a polarização virtual da pandemia.
92
legitimam suas comunicações, como a Organização Mundial de Saúde e
universidades, como no caso do Dr. Dráuzio Varella.
Referências
93
MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. - São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MAZUCATO, Thiago Pereira da Silva; DE ANTÔNIO, Gabriel Henrique Burnatelli.
Ideologias, utopias e cultura política-elementos para a compreensão da disputa
ideológica no Brasil em tempos de Coronavírus. Simbiótica. Revista Eletrônica, v. 7,
n. 1, p. 107-126, 2020.
LUZ, Madel T. Natural, racional, social: razão médica e racionalidade moderna
[recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Fiocruz; Edições Livres, 2019. 184 p. (Coleção
Memória Viva).
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. Tradução Angela M. S. Corrêa. 2ª ed.,
2ª reimpressão. - São Paulo: Contexto, 2013.
94
O ESPAÇO PÚBLICO COMO REPRESENTAÇÃO PARA OS SKATISTAS:
COLETIVO XV-RJ E SALVE O VALE-SP EM PERSPECTIVA COMPARADA.
Mais detidamente, propõe-se aqui uma pesquisa sobre dois casos em que a
prática do skate em espaços públicos sofreu interdição. Serão considerados os casos
da Praça XV de Novembro33, no Rio de Janeiro e o Vale do Anhangabaú, em São
Paulo. Em ambos os casos se pode inferir que as ações dos gestores urbanos, bem
como dos skatistas, seguiu alguns padrões, os quais se demostrará mais adiante.
33
Doravante Praça XV.
95
seu uso predominante. Isto é, espaço de intensa circulação de pessoas que
embarcam e desembarcam dos diferentes meios de transporte que a servem34.
34
Trata-se de intervenção no âmbito do projeto Rio Cidade (1993-2000).
35
Conforme depoimento de David Toledo, o primeiro skatista a utilizar-se das arquibancadas no Vale do
Anhangabaú (PRIETO, 2020, P.26).
36
Segundo relatos de alguns skatistas locais.
37
“...Na virada do século, o Bank Of Boston assumiu temporariamente a manutenção e conservação dos degraus.
Durante alguns meses, enormes seguranças, trajando ternos pretos, ficavam postados em diversos pontos,
mesmo debaixo de sol intenso, impedindo qualquer tentativa de sessão no local. Foi a única época que o skate
foi proibido no Anhangabaú...” (CEMPORCENTOSKATE, 26 de setembro de 2017)
38
Art. 4° O exercício de atividades recreativas e esportivas tais como ciclismo, jogos de bola, "skate", dentre
outras, nas praças, parques e jardins da Cidade do Rio de Janeiro, está limitado aos espaços especialmente
destinados e sinalizados pelo Poder Público a tais fins, quando houver (RIO DE JANEIRO, 2012 [1999])
96
vez mais um pico cobiçado e teve sua frequentação paulatinamente intensificada.
Assim, a repressão por parte da Guarda Municipal se tornou igualmente mais intensa,
culminando em episódios de violência e de apreensão dos skates.
39
De acordo com Olic (2010), session é o termo nativo que designa o ato de andar de skate.
40
Data em que se realizam internacionalmente confraternizações e sessions de skate. No site da
organização Go skateboarding day o evento é definido como: “uma cooperativa de eventos
descentralizados que acontecem ao redor do globo (...) Skatistas ao redor do mundo criam seus
próprios eventos e tradições para celebrar o skate” (tradução do autor).
97
skatistas, autoconstruídos ou financiados com recursos de empresas atuantes no
mercado do skate. O skate segue liberado na Praça XV.
41
A considerar o ano de 1993 como marco inicial das publicações na mídia especializada de imagens de skatistas
no Vale do Anhangabaú.
42
A transformação do espaço público do Vale do Anhangabaú se insere no bojo de um conjunto de obras de
adequação subterrânea de cabeamentos de energia e de comunicação na área central da cidade de São Paulo.
Assim, todos os novos atributos materiais não são, a rigor, mais do que obras de acabamento da reforma infra
estrutural levada a termo. (Gestão Urbana SP – Prefeitura Municipal de São Paulo, disponível em
https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/projetos-urbanos/anhangabau/processo-participativo/).
43
Trata-se de uma mobilização convocada nas redes sociais, que contou com a participação de skatistas
internacionalmente reconhecidos. A mobilização teve grande repercussão, reunindo mais de 6 mil assinaturas e
milhares de compartilhamentos do vídeo no qual se faz uma paródia das publicidades de lançamentos imobiliários
(https://www.youtube.com/watch?v=Gjy1CnqDbcc).
98
vidas. No espaço público da nossa casa, o Vale do Anhangabaú
é a nossa sala. É a nossa escola. É a nossa história. Nenhum
de nós foi sequer comunicado antes da destruição desse lugar.
Agora nos resta pedir o mínimo e o óbvio:
1. Não queremos uma pista padrão, queremos uma obra de
arte "skatável" que homenageie o projeto da arquiteta Rosa
Kliass, utilizando-se das pedras originais e que tenha caráter de
espaço público. Nos confinar em uma pista - um espaço artificial
feito somente para skate é diminuir não só a nossa prática, mas
também a função social que exercemos. E também ignorar a
história da cidade e sua cultura. Queremos uma homenagem ao
projeto original, estética e conceitualmente. Queremos o Vale
com o valor que nós, cidadãos paulistanos e skatistas, demos a
ele através da nossa reinterpretação de sua arquitetura e do
espaço público. E isso que o torna especial não só para nós,
mas também aos olhos de urbanistas, arquitetos e amantes de
skate do mundo inteiro. É isso que o coloca ao lado do Museu
de Arte Contemporânea de Barcelona, da Court House na
Filadélfia, do South Bank em Londres... A sua pedra marrom é
não só nossa memória afetiva da cidade, como também a
garantia material que dará o devido valor ao novo projeto.
2. Queremos que haja instrução e estratégia na retirada de
todas as pedras que restam para que não ocorram perdas
irreparáveis que representariam um total descaso com tudo dito
até aqui.
3. É essencial que haja skatistas frequentadores do local
encarregados de ajudar na implementação dessa obra. A
especificidade da prática de skate no Vale torna indispensável
essa medida, sendo impossível qualquer resultado satisfatório
que não adote essa postura. (Klaus Bohms, skatista profissional
em sua fala na audiência na Secretaria de Municipal de São
Paulo, junho de 2019, In: PRIETO, idem, pp.98-99)
99
Os skatistas representantes do movimento Salve o Vale participaram do
processo de elaboração e construção do Memorial, que teve a abertura para o público
realizada na segunda quinzena de fevereiro de 2021.
Referências
OLIC, Mauricio Bacic. Entre o liso e o estriado: skatistas na metrópole. São Paulo:
PUC-SP (Dissertação de Mestrado), 2010.
SILVA, Luciano Hermes da; DINIZ, Nelson; CAMPOS, Maicon Gilvan Lima. A
apropriação do espaço público pelo skateboarding no centro do Rio de Janeiro:
o Coletivo I Love XV e a conquista do direito à cidade. Lima: XIV Encontro Latino-
Americano de Geógrafos, 2013.
100
SILVA, Luciano. Hermes da; DINIZ, Nelson. O skate e a produção social do espaço
público. Vitória: VII Congresso Brasileiro de Geógrafos, 2014a. disponível em:
http://www.cbg2014.agb.org.br. Acesso em: 16 jan. 2017
101
Tempo Suspenso:
Mulheres em tempo de pandemia através de um registro audiovisual
44
Luciene Carris é Doutora em História pela UERJ com estágios pós-doutorais em Geografia Política FFLCH/USP
e pelo Departamento de História da PUC-Rio. Pesquisadora associada do Laboratório de Imagem, Memória, Arte
e Memória (IMAM) do Instituto de História da UFRJ. É historiadora, pesquisadora e documentarista. Produziu os
documentários Recanto (2019) e Tempo Suspenso (2020), é também uma das idealizadoras do canal no Youtube
Entreconexões e do podcast Sarau da Casa Azul. Correio eletrônico: lucienecarris2016@gmail.com
102
A ideia era compreender o olhar feminino de onze mulheres de diferentes formações,
de gêneros e de origens socioeconômicas distintos sobre a pandemia. Mulheres dos
estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, que apontaram olhares
sobre as suas cidades e sobre como o cotidiano foi afetado com a nova divisão do
trabalho doméstico e com o teletrabalho. A metodologia empregada para registrar os
seus depoimentos partiu de um questionário previamente elaborado, seguindo a
História Oral.
O ponto em comum a essas mulheres é que praticamente todas trabalham ou
trabalharam, excluindo a mais jovem que havia acabado de se graduar. O perfil
escolhido foi variado. Mulheres casadas ou solteiras com profissões diversas:
professoras universitárias, advogadas, psicólogas, biólogas, historiadoras,
comissárias de bordo, artistas, cuidadora de idosos e aposentadas. Das onze
mulheres, apenas uma delas abertamente relatou como a quarentena interferiu na
relação com a rotina religiosa, que se restringia aos encontros virtuais e aos cultos
através de plataformas digitais. Em todos os depoimentos, a fala se repete sobre a
divisão das tarefas domésticas, a prática de exercícios físicos ou não, o desafio de
aprender a cozinhar para si ou para a toda família ou ainda a impossibilidade de
encontrar pais, filhos, netos e amigos, bem como a insatisfação com a conjuntura
política. Um período que aprofundou reflexões existenciais como o enfrentamento da
solidão e do cansaço. Aliás, sentimento vivido por uma delas que tinha acabado de
ser mãe solo, uma situação vivida por mais de onze milhões de mulheres no território
nacional.
A pandemia da Covid-19 afetou diretamente a economia mundial e as relações
interestados. Naquele primeiro semestre de 2020, pouco se sabia sobre o
funcionamento do vírus e a vacinação não estava ainda no horizonte possível. As
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) se restringiam à adoção
de determinados protocolos como a quarentena, o distanciamento social, o uso de
máscaras e do álcool gel. De fato, tais precauções não foram tão bem assimiladas
por muitos indivíduos.
O certo é que o vírus acentuou as desigualdades socioeconômicas do Brasil
como comentado inicialmente. Uma das nossas entrevistadas é moradora de uma
comunidade da zona sul do Rio de Janeiro, a Rocinha, que possui mais de cem mil
habitantes e perdeu naqueles primeiros meses um parente próximo. O seu
depoimento e as imagens por ela gravadas demonstram como ali foi e é praticamente
103
impossível de serem adotados rigidamente as recomendações médico-sanitárias por
razões diversas. Assim, evidencia-se a necessidade de sair de casa para ganhar o
sustento de cada dia e a dificuldade de manter o distanciamento social em casas
pequenas com poucos cômodos e com muitos familiares de idades diversas
convivendo sob o mesmo teto.
A aviação comercial foi um dos setores econômicos atingidos, a interrupção do
tráfego aéreo, bem como a redução de demanda dos voos, atingiu milhares de
trabalhadores e trabalhadoras do ramo. Podemos constatar a consequência desse
acontecimento nas vidas de três mulheres que atuam como comissárias de bordo e
acumulam outras profissões como historiadora e artista de lettering. Uma delas é
solteira e optou por se mudar para o sítio de seus pais octogenários em outra cidade,
apesar de possuir uma família extensa. A sua condição como mulher e solteira,
aparentemente, determinou a sua condição como cuidadora de seus progenitores. As
outras duas formam um casal. Os seus depoimentos revelam que vivenciaram a
quarentena unidas e compartilhando fraternalmente as tarefas domésticas e o
cuidado com o animal de estimação. São falas que manifestam uma certa resiliência
ou que escondem em seus meandros a realidade daquele melancólico momento
vivido.
De todo modo, as falas femininas apontam para os olhares sobre o momento
vivido no Brasil naquele momento, por outro lado, revelam as dificuldades já
conhecidas pelas mulheres. A pandemia acentuou as dificuldades enfrentadas como
a divisão dos papéis domésticos, ou seja, a tradicional divisão sexual do trabalho, o
aumento da violência doméstica e do feminícidio, amplamente difundidos pelos
jornais e nas diversas mídias digitais. Muitas mulheres perderam seus empregos ou
tiveram redução salarial. Além disso, o aumento da sobrecarga de trabalho tem
causado problemas de saúde mental.
104
particularmente as das camadas menos privilegiadas (Bueno,
2021, p. 1548).
Contudo, a cenas foram gravadas a partir dos celulares de cada uma das
participantes, o que pode conferir aspectos interessantes e particulares de suas
narrativas. A nossa intenção é divulgar o teaser de um minuto do documentário
“Tempo Suspenso” apresentar um registro histórico da pandemia, que ainda assola o
país, e discutir o papel do historiador nesse momento, o que nos permite repensar as
atividades possíveis de atuação profissional, a relação da história e o universo do
audiovisual como um registro do tempo presente. O curta-metragem é uma produção
independente e foi produzido, dirigido e roteirizado em parceria com a jornalista Leila
Meirelles. A responsabilidade pela edição e montagem coube ao videomaker Luis
Felipe Mano.
A relação entre o cinema e a história foi abordado no estudo clássico do
historiador francês Marc Ferro em Cinema e História, que ressaltou que o filme é um
documento histórico, mais do que uma obra de arte, pode contribuir na construção de
uma contra-história, de uma história considerada não oficial. Assim, como um produto
da história constitui:
105
Figura 1. Cartaz do documentário com os nomes das entrevistadas e da equipe.
106
Referências:
BUENO, Wilma de Lara. História das mulheres em tempos de pandemia. In: Filosofia
e Educação. Campinas, São Paulo, v.12, n.3, p. 1544-1564, set./dez. 2020.
Disponível em
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rfe/article/view/8661985/25879
Acesso em: 05 maio 2021.
107
REPRESENTAÇÕES DO RIO DE JANEIRO NAS HQS DO ZÉ CARIOCA
Mario Brum(UERJ)45
RESUMO
O presente resumo trata das representações sociais sobre a cidade do Rio, especificamente
sobre sua população mais pobre, que habita os morros e periferias da cidade, a partir das
histórias em quadrinhos do “Zé Carioca”, personagem dos Estúdios Disney. Para tal,
analisamos toda a trajetória de criação e produção do personagem, desde a sua origem norte-
americana, passando pelas diversas fases de publicação dos quadrinhos no Brasil com foco
principalmente na produção da década de 1970 quando as visões sobre os hábitos e os
cenários do personagem, arquétipo do malandro carioca, são refletidas nas histórias de
alcance nacional, que nos servem de exemplo das representações sociais e do universo
cultural do período e, dentro dele, do lugar das favelas, da cidade do Rio e dos mais pobres
nele.
45
Professor de Teoria e Ensino de História da UERJ, Doutor em História pela UFF com Pós Doutorado em Educação (UERJ) e
Planejamento Urbano (IPPUR-UFRJ), pesquisador associado do IMAM-UFRJ e do INCT Proprietas. Contato:
mario.brum@uerj.br
108
Muita riqueza, luxos e romance! / Mas, como em todas as cidades, existe uma parte
que leva outro tipo de vida.” (1). Nessa tira vemos no primeiro quadrinho o Pão de
Açúcar, cartão postal da cidade; no segundo, o calçadão de Copacabana com seus
restaurantes; e no terceiro, os famosos barracos da cidade, que convivem ao fundo
com chaminés de fábricas e ‘o outro tipo de vida’. E é sobre as tentativas desse outro
tipo de vida participar da sociedade de ‘luxo e riqueza’ que se desenvolve todo o
enredo dessas primeiras tiras. A malandragem e a pouca ou nenhuma aptidão para
o trabalho são características presentes nessa primeira fase, que Santos (2002)
classifica como a fase americana, composta pelas tiras semanais e mais histórias
fechadas ocasionais publicadas em gibis nos Estados Unidos e exportadas para
outros países. O papagaio fazia sucesso em países latinos e, particularmente, no
Brasil.
A capa foi ilustrada por Luis Destuet, argentino, que foi o autor das capas e das
primeiras histórias Disney produzidas no Brasil a partir de 1951, inclusive as do Zé
Carioca. Nas mãos de Destuet, entretanto, Zé Carioca perde as primeiras
características de malandragem e vadiagem da fase americana. Da mesma forma, o
Rio de Janeiro ou qualquer de seus elementos a ele associado não fazem parte das
histórias. Em “A Volta do Zé Carioca”, publicada originalmente em 1955, por exemplo,
Zé Carioca abre uma loja de instrumentos musicais e convida os amigos para virem
à inauguração, avisando-os que os esperará no ‘Aeroporto de Congonhas’. (1) Esse
Zé Carioca ‘trabalhador’ e ‘correto’ será mantido também nas primeiras histórias
escritas por brasileiros, principalmente, as primeiras do paulista Jorge Kato.
109
personagem, agora com um olhar brasileiro, retomando então a trilha das primeiras
tiras de Zé Carioca.
Nesse período, a Vila Xurupita tem uma arquitetura altamente irregular, com
barracos à beira do abismo e precariamente equilibrados. Mas a ideia de pobreza e
irregularidade das moradias da favela não eram apenas o fundo da cena ou o
ambiente das histórias. O barraco de Zé Carioca, embora não fosse desenhado
uniformemente nas histórias, era caracterizado como apertado e/ou de material
110
precário. Essa imagem da pobreza e precariedade era largamente difundida no
período, alimentando os desejos por parte de setores mais abastados da sociedade
carioca de eliminar totalmente a favela da paisagem carioca. Emblematicamente, o
tema da remoção ligado ao da especulação imobiliária é tratado em algumas histórias
desse período.
111
barracos precariamente pendurados no morro. Numa história comemorativa dos 40
anos do personagem que trataria de sua infância, o personagem como narrador de
sua própria biografia conta aos sobrinhos: “Vivi num dos mais belos locais do Rio de
Janeiro”. Essa frase, num recordatório, era acompanhada da visão do Pão de Açúcar
do alto do morro sendo visto por um Zé ainda bebê. No quadro seguinte, o
recordatório complementa “Dependendo do ângulo do qual a gente olhava, é claro...”
sendo esse ‘outro ângulo’ os barracos da favela.(8)
1 “Como Almoçar de graça” Zé Carioca: 70 anos – volume 1. Ed. Abril, 2012. pp.12- 16
2Pato Donald n 165. Ed. Abril, janeiro de 1955. Ver http://coa.inducks.org/story.php?c=B+PD++165-D Consultado
em 11/09/2014
3 “O sucessor” Zé Carioca n. 1423, fevereiro de 1979. pp. 3 - 9
4“Zé Carioca e o Coroné Zé Buscapé” Zé Carioca n. 1649, junho de 1983 pp. 3 - 12
5
“O campeão da feijoada” Zé Carioca n. 1663, setembro de 1983 pp. 3 - 10
6Vemos isso, por exemplo, na história “Agência Moleza de Investigação” Zé Carioca n. 1233, junho de 1975, pp.
3 - 11
7“Como mudar uma casa” Zé Carioca n. 1581, fevereiro de 1982. pp. 3-9
8 “A infância do Zé Carioca” Zé Carioca n. 1589, abril de 1982. pp. 3-12
Bibliografia:
112
LEITE, Sidney Ferreira. O filme que não passou: Estados Unidos e Brasil na
Política da Boa Vizinhança – a diplomacia através do cinema. 389 p.Tese
(Doutorado em História) – Programa de Pós Graduação em História Social,
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, 1998.
SANTOS, Roberto Elísio dos. Para Reler os Quadrinhos Disney. Rio de Janeiro:
Paulinas, 2002.
113
A BATALHA PELO IMAGINÁRIO POPULAR: OS ACADÊMICOS REBELDES DE
1890
46
Historiador graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atualmente mestrando do Programa de Pós-
Graduação em História Comparada (PPGHC – UFRJ)
114
Belas Artes. Dotados de certa autonomia na demarcação de suas demandas como
uma classe, os professores Rodolpho Bernadelli e Rodolfo Amoedo erigiram o
documento em formato de Projeto de Reforma que viria a estabelecer os parâmetros,
métodos, regulamentos e objetivos da nova sede simbólica da classe de artistas
oficializados e brasileiros. A velocidade com a qual o projeto foi demandado e
aprovado (menos de um ano havia se passado desde a proclamação) demonstra a
possível compreensão, especialmente do ministro responsável (Benjamin Constant),
de que uma reforma educacional e artística era extremamente necessária.
Foi em meio a esse estado das coisas (e ainda esperando pela aprovação do
Projeto de Reforma escrito por Bernadelli e Amoedo), que um grupo de alunos
resolveu inaugurar um “barracão”, de acordo com Frederico Barata, que funcionasse
como um “Ateliê Livre” onde aulas gratuitas seriam ministradas por professores como
Zeferino da Costa e os próprios Rodolpho Bernadelli e Rodolfo Amoedo. Esse
barracão, que servia como local de exposição e sala de aula ao ar livre, foi escolhido
por ter sido o local onde Aurélio de Figueiredo (ironicamente, um dos “opositores” do
projeto de reforma oficial) expusera pela primeira vez sua obra “A Redenção do
Amazonas”. E ali, no Largo São Francisco de Paula, por baixo da estátua de José
Bonifácio, aquele Ateliê, (inspirado certamente nas experiências que muitos daqueles
115
acadêmicos obtiveram em países como França e Itália) funcionou por dois meses, até
que a prefeitura o proibisse de funcionar por motivos de segurança. Ao invés de
desistirem da empreitada, os rebeldes foram se reunir na rua do Ouvidor, mantendo
viva a fagulha de suas demandas.
É possível afirmar que a fundação daquele “Ateliê Livre” era mais do que uma
simples forma de propagandear suas produções artísticas. Quando analisamos esse
evento em consonância com as manifestações de outros membros relevantes e
influentes da comunidade artística e acadêmica carioca daquele último quarto de
século, é possível perceber uma tendência sociocultural quase generalizada: de uma
forma ou de outra, os descontentamentos daquela parcela da população brasileira
encontravam suas raízes na exclusão do universo das artes da sociedade brasileira.
Desde os anos de Manoel de Araújo Porto-Alegre como diretor da AIBA, na década
de 50, é essa a principal, a mais latente demanda da classe dos artistas oficializados
no Brasil: expandir a esfera de influência das doutrinas artísticas (fossem elas quais
fossem) e penetrar as almas de uma sociedade pouco familiarizada com elas. Essas
doutrinas, ou métodos e estilos, transformar-se-iam durante as décadas, e os meios
com os quais desejou Porto-Alegre expandir a influência de sua instituição eram
radicalmente distintos daqueles propostos por Amoedo e Bernadelli, mas obedeciam
ao mesmo descontentamento: o Brasil não era uma nação devidamente educada por
seus líderes políticos, e a única forma de fazer expandir o universo do qual retiravam
legitimidade (o universo artístico acadêmico carioca dos finais do séc. XIX), era por
meio de um sistema educacional e artístico que pudesse englobar todas as classes
que compunham a sociedade brasileira. O Ateliê Livre de 1890 representava o
apogeu desse desejo, pelo menos naquele século, e inaugurava uma tendência que
jamais regressaria ao seu estado original: a demanda por educação imbricava-se
agora, inegavelmente, a uma demanda por liberdade.
116
ideias de Brasil que iriam confluir durante as décadas na direção do que podemos
reconhecer hoje como a República sul-americana da qual fazemos parte, a utilidade
dessa ferramenta é imprescindível. “Substituir um Governo e construir uma nação,
esta era a tarefa que os republicanos tinham de enfrentar” (CARVALHO, 2007, P. 25),
afirmou o historiador José Murilo de Carvalho, e a segunda parte de sua afirmação é
que mais nos interessa. Não foi a primeira vez que uma nação teve de ser inventada
nessas terras, e a cada reinvenção do que significa ser e estar no Brasil, soldados
são convocados. Mas não se tratam de soldados convencionais, munidos de armas
e canhões. Não: a época de construir nações é também a época da manipulação dos
símbolos, das transformações de representações, de formação das almas, da
transfiguração do imaginário popular. É a época dos soldados ideológicos, providos
de armas capazes de penetrar o coração dos homens e fazê-los perceberem-se não
só como Brasileiros, mas como súditos de D. Pedro I, de D. Pedro II ou como cidadãos
de uma República.
Referências.
117
TOUJURS PERDRIX!: PENSAR A AMAZÔNIA BRASILEIRA POR MEIO DAS IMAGENS
47
Coordenador do Núcleo de Pesquisa Semiótica da Amazônia e Curso de Comunicação Social-jornalismo
(UFRR-RR), Membro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação; Líder do Grupo Linguagem, Cultura e
Tecnologia – Linha de pesquisa Visualidades Amazônicas, Mestre em Psicologia Social (UCB) e Doutor em
História Social (UFRJ). Cursos: Seeing Through Photographs - The Museum of Modern Art (MoMA - USA),
Understanding Research Methods - University of London (UK), membro do Laboratório de Imagem, Memória, Arte
e Metropole.
118
circumstantĭa4 de uma distância, que pode ser subjetiva, o que percebemos e a
imagem que, por sua vez, transforma a circunstância em uma skēnē5. Confinamo-
nos, então, a nossa capacidade interpretativa e/ ou imaginativa provocada por meio
da imagem. A partir de tal distanciamento surge o que Wittgenstein (1889-1951)
nomeou de Sachverhalt6 e Heidegger (1889-1976) batizou de verhältnisse7. Então,
as imagens passam a ser uma espécie de mediação8 da circunstância. Com a
mediação assomam tanto a capacidade de representar quanto a de ocultar9 a
circunstância. E, quando a imagem assume a postura de deturpar o que precisamos
imaginar, imaginamos imaginar. Id est, a alienação10 se manifesta.
119
A técnica utilizada na xilogravura requer habilidade, paciência e concentração.
Conhecimento dos tipos de madeiras, instrumentos de entalhe, tintas etc. Tais
qualidades humanas revelam a imisção do artista/criador na obra. Então, acredito que
concordamos... neste paradigma a ação humana direta, na elaboração do signo
imagético, é considerável. Seja para instigar a imaginação ou para poupar o esforço
do imaginário no sentido de aproximação com a realidade16.
Imagem 001 - Toujurs perdrix! (Rio Madeira). Gramatura do papel 110g/m2, tons de
cinza, porém, com o envelhecimento do papel a tonalidade se modifica - Dimensões:
9cm x 12cm. Autor - Franz Keller-Leuzinger in “The Amazon and Madeira Rivers:
Sketches and Descriptions from the Note-Book of an Explorer” - 1875, p. 87. Fonte:
Acervo particular.
120
os molhos, inteiras ou em fragmentos, em sopa ou assadas, de
panella, ao espeto, ou como se podia melhor desejar. Um banho
no rio imediatamente depois da comida, passou para todos
estes indios ao estado de segunda natureza; não vi um unico
que sofresse por isto o mais ligeiro incommodo. (Keller-
Leuzinger, 1875, pgs. 88,89).
121
fotográficas aquela que melhor possui a capacidade de ser a vorslellung da
circunstância.
Considerações finais
Notas
122
-Imagem fotografia = conteúdo, representação do que foi fotografado. Fotografia = objeto
palpável, materialidade.
2-Para este trabalho entendemos por Amazônia brasileira a divisão territorial conhecida
em 1850 por Amazonas e Grão Pará. E a divisão regional estabelecida em 1945 para a
Região Norte que compreende: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima.
3-Vilém Flusser (1920-1991).
4-Do grego: περίστασις - Combinação de acontecimentos em dado momento.
5-Cena e/ou construção de cena.
6-Para Wittgenstein, Sachverhalt, é o que entendemos por uma proposição
elementar, ou se esta é uma verdade. E, o conjunto de proposições elementares, foi
definido como Tatsache.
7-Envolvimento e organização do cidadão com as circunstâncias próprias de seu
mundo.
8-Do grego διαμεσολαβητής - diamesolavitís ou do latim “mediatio”, (para ambas as
formas = intervir).
9-Do latim occultāre - “dissimular, reservar, manter secreto”, formado por ob-, “sobre”,
mais cellare, “esconder, tirar da vista”.
10-Do lat. alienatĭo,ōnis 'alienação, transmissão do direito de propriedade, delírio etc.
Conforme o pensamento hegeliano, processo essencial à consciência através do qual
o observador comum da realidade vislumbra o mundo como sendo constituído de
coisas independentes umas das outras.
11-Do latim magia, proveniente do grego antigo mageía (μαγεία) que por sua vez do
antigo persa magush, possuidora da raiz magh- ("ser capaz", "ter poder"). Conforme
Paracelsus, (Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim 1493-
1541) a imaginação (imaginatio) é uma ferramenta que mobiliza à vontade e adequa
a exteriorização da magia no universo.
12-Do grego antigo: λόγος (trad. – lógos). Conforme os escritos heraclitianos: lógos
pode ser entendido como justa medida ou razão.
13-Gravura em relevo sobre madeira
14-(lat. Repraesentatio; ingl. Representation; franc. Représentation; al. Vorslellung).
Vocábulo de origem medieval para indicar a imagem (v.) ou a ideia ([v.] no 2." sentido),
ou ambas as coisas. O uso do termo foi sugerido aos escolásticos pelo conceito de
conhecimento como "semelhança" do objeto. "Representar algo, dizia S. Tomás,
123
significa conter a semelhança da coisa" (De Veríi., q.. 7, a.5). (ABBAGNANO 1970,
pg. 820).
15-“O substantivo Vorstellung não é termo de uso culto e vernacular, nem pertence
ao jargão especializado da filosofia ou da psicologia. Trata-se de termo de uso
coloquial, para designar a palavra "idéia" ou "concepção" (no sentido de "idéia
visualizada"/ "imagem")”. (HANNS 1996, pg. 386).
16-Algumas interessantes inquirições de Charles Sander´s Peirce sobre realidade
podem ser encontradas no The Collected Papers of Charles S: CP, 4.28; CP, 5.65;
CP, 5.310 a 5.317; CP, 8.12
17-Um dos aprendizes, sobre fotografia, mais famosos de Keller foi Marc Ferrez
(1843-1923) que possivelmente foi igualmente incumbido de ensinar ao jovem Walter
Hunnewell (1844-1921), integrante da expedição de Jean Louis Rodolph Agassiz
(1807-1873), a técnica de fotografar.
18-“A longa história de uso da tartaruga permite identificar pelo menos quatro fases.
Na primeira fase (1700-1860), estima-se que foram colhidos 12-48 milhões de ovos
por ano para a produção de óleo. Na segunda fase (1870-1897), a produção caiu para
1-5 milhões de ovos por ano”. (REBELO 2000, pg. 01)
19-Tartaruga do mar
20-Espécie com carapaça e pele negras e possui manchas amarelas na cabeça
21-Tartaruga, fêmea e jovem que ainda não pôs ovos.
22-Espécie de casco relativamente fino e a cabeça com pequenas manchas
vermelhas e amarelas.
23-Espécie de casco alto e patas cilíndricas.
24-Explorador/naturalista inglês. Viajou pelo norte brasileiro entre 1848 e 1859
25-Palavra alemã para designar o termo Inconsciente (do latim inconscius) concebida
por Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) na obra System des
transzendentalen Idealismus (1800)
124
Referências
125
MEMÓRIA E DIREITOS EM CIDADES MINERADORAS
Nesta perspectiva, seguindo o que conceitua Milton Santos, falar de território é ter em
mente um "território usado, utilizado por uma população" (Ibidem). Seu
desenvolvimento pode ter distintos graus de sustentabilidade ambiental, econômica,
social, político-institucional e cultural. A conjunção desses fatores internos e as
condições exógenas podem contribuir para essa sustentabilidade e para um
desenvolvimento territorial equilibrado e integral. Para entender o território
precisamos antes entender os fluxos, e para entender os fluxos, precisamos
compreender as redes - as relações entre os objetos que compõem a multiplicidade
do município. A Cartografia Social que temos em mãos consiste numa proposta
conceitual e metodológica que se propõe a construir um conhecimento integral de um
território, utilizando-se de diferentes instrumentos técnicos e vivenciais. Trata-se de
um instrumento que privilegia a construção de um conhecimento simbólico e cultural
da população do território que pode expressar seus diversos anseios e desejos, além
das diferentes percepções sobre assuntos que se mostram relevantes para a
construção social do território. A ideia e a prática desse tipo de cartografia social
compreendem o estudo de como um determinado lugar se organiza tanto espacial
quanto temporalmente.Trata-se, assim, de pensar a geografia pela história e a história
pela geografia dos territórios em formação. Tal relação entre as ciências do espaço e
do tempo é atravessada por uma série de interfaces e de controvérsias sociais entre
diferentes atores humanos (indivíduos, famílias, instituições) e não humanos
(elementos da fauna, da flora e do espaço “natural”) (LATOUR, 2012). Ainda que as
políticas públicas sejam focadas em territórios-zona, nos quais é possível
territorializar programas institucionais e recursos do Estado, os espaços vivenciais e
relacionais devem ser vistos como territórios-rede, espaços gerados por interações
humanas com significado e que são recorrentes ao longo do tempo.
126
Uma questão fundamental para uma cartografia de um território é sua
multiescalaridade: a) os territórios-zona podem ser locais, municipais ou estaduais e
também podem ser associados a bacias ou sub-bacias hidrográficas, regiões de
planejamento, unidades político-administrativas, ou regiões transfronteiriças e/ou
grupos de países (como nas proposições que criaram os ODM e os ODS) b) os
territórios-rede têm alcances sociais e espaciais muito variados, desde redes
territoriais muito localizadas, baseadas em relações presenciais, e/ou com outras
coberturas, como as possibilidades de existir a partir das tecnologias da informação
e da comunicação (por exemplo, vimos em todo o mundo várias dessas redes
atuarem durante a pandemia como forma de minimizar o impacto do isolamento).
127
Como a História é dinâmica, novas controvérsias podem surgir dessas caixas-pretas,
questionando determinações já tidas como certas. São situações em que os atores
discordam e, para fechá-las, deve surgir um consenso entre eles. A noção de
sustentabilidade é um desses tensionadores da “caixa-preta” da economia extrativa
no mundo.
Ela lança diferentes desafios: é possível uma economia extrativa que leve em
consideração a preservação ambiental? É possível um desenvolvimento territorial
sustentável em regiões de mineração como Minas Gerais? Qual tipo de
sustentabilidade é fundamental para a economia? Qual o papel dos atores para o
desenvolvimento sustentável? Para Latour, as “polêmicas são os fenômenos mais
dinâmicos da vida coletiva” e “precisam ser exploradas no tempo” (Idem). As
controvérsias instaladas em disputas revelam incertezas e convocam à cena pública
novas linhas de pesquisa e proposições para o futuro.
128
Uma cartografia parte de perguntas gerais, desafios a serem respondidos. Com
relação ao município de Paracatu, algumas questões se impõem: a) quais os desafios
típicos de um desenvolvimento territorial sustentável? b) como potencializar, em
diversas escalas, as sinergias do município levando em consideração seus elementos
de diversidade? c) quais programas e projetos são importantes e viáveis para
valorizar e reconhecer, econômica e socialmente, as potencialidades de diversos
tipos do território? d) o que é necessário e possível de ser feito para que se
estabeleça, efetivamente e de maneira generalizada, uma relação dialógica entre o
conhecimento técnico-científico e o conhecimento tecnológico local para que se possa
promover processos de inovação com sustentabilidade, apropriados ao território? e)
de que modo os conflitos e tensões socioterritoriais surgem, estabilizam-se e
renascem ao longo do tempo e manifestam-se atualmente? Quais os grupos e
antigrupos envolvidos no sistema?
Referências Bibliográficas
129
POR QUE UMA IMAGEM SEMPRE FALTARÁ?
MEMÓRIA E CONTRA-HISTÓRIA EM RITHY PANH
48
Roberta Veiga – Professora Dra. do Dep. Comunicação e do PPGCOM (UFMG); editora da Devires – Cinema
e Humanidades; coordenadora do Poéticas Femininas, Políticas Feminista (UFMG-Cnpq). Introduziu e leciona
Cinema e Feminismo (graduação) e Estéticas Feministas (pós); traduziu o livro Nothing Happens: Chantal
Akerman’s Hyperrealist Everyday, de I. Margulies, escreve artigos sobre “cinema: memória, escritas de si,
feminismo”, e capítulos (Feminismo e Plural: mulheres no cinema brasileiro e Mulheres de Cinema).
49
50
“Benjamin exige, primeiro, a humildade de uma arqueologia material: o historiador deve se tornar trapeiro (...)
da memória das coisas. Simetricamente, Benjamin exige a audácia de uma arqueologia psíquica: pois é com o
ritmo dos sonhos, dos sintomas ou dos fantasmas, e com o ritmo dos recalcamentos e do retorno do recalcado, das
latências e das crises, que o trabalho da memória se afina, antes de tudo” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 117).
130
própria ao esquecimento como condição de ser da memória e outra negativa pois
imposta pelo fora.
Consciente da falta fundamental que constitui a memória, o cineasta que faz
de seu cinema dispositivo de rememoração precisa lidar também com a natureza “isso
foi” (passada) do acontecimento violento (do crime contra a humanidade) que quer
reconstruir. Após fracassar na busca por uma imagem concreta de crianças
trabalhando forçadamente nos campos liderados pelo Partido Comunista da
Kampuchea (CPK), entre 1975 e 1979, no Camboja, Rithy Panh retorna a esses
campos, onde, nos anos 70, viveu parte de sua infância e adolescência, submetido à
repressão do regime comunista. Uma vez na aldeia, Panh não é capaz de conectar
sua lembrança de um espaço povoada de terror ao território que seus pés tocam 40
anos depois. Diante dessa dupla falta de imagens – a foto das crianças e a que guarda
dos campos - como manter seu projeto de filme, como filmar o evento passado e
rememorar o trauma? Filmar os campos que não mais correspondem à força de seus
piores afetos? Buscar outros arquivos?
Para Panh, a saída será a invenção pelo cinema. Se o espaço é só ausência,
não há como encenar a terrível vivência dos cambojanos, é preciso criar imagens a
partir do jogo da memória entre lembrança e imaginação. O cineasta vai reconstruir o
território perdido de parte de sua vida, onde sua família foi morta, povoá-lo de
bonequinhos feitos de argila, e dispô-los para a câmera. Se, do ponto de vista dos
arquivos, a imagem que Panh perseguia também não está lá, mais uma vez a falta
que o impulsiona a buscar outras imagens. Não é nenhuma surpresa que em meio a
rolos e rolos de película (como os que vemos na abertura do filme) só haja imagens
produzidas pelos ditadores do CPK, e que os arquivos sejam aqueles feitos para
maquiar o sofrimento dos cambojanos submetidos a várias formas de tortura, exibindo
o trabalho forçado como um esforço engajado para uma sociedade igualitária. Resta
novamente ao cineasta a invenção pelo dispositivo cinematográfico, o uso dos
arquivos a contrapelo, ou seja, para desconstruir a história dos dominantes (os líderes
do movimento comunista ditatorial do Camboja) era preciso montar as imagens com
outras cenas e textos que as interpelassem em sua contradição, em seu engodo, em
sua farsa.
Além dessa dupla falta imagética que move o filme, vimos que a imagem “real”
de um trauma coletivo vivido na infância sempre faltará, não só aquela que é a origem
de tudo – a cena primitiva irrecuperável -, mas qualquer imagem que se arrogue capaz
131
de representar o absurdo dos fatos vividos no massacre da ditadura comunista no
Camboja. Como diz Robert Antelm sobre a desproporção entre a realidade no campo
de concentração nazista e a realidade das formas de comunicação: “parecia-nos
impossível preencher a distância que descobrimos entre a linguagem de que
dispúnhamos e essa experiência que, em sua maior parte, nos ocupávamos ainda em
perceber nos nossos corpos” (1957, p 9). Todavia, outras imagens involuntárias ou
inconscientes - convocadas e desencadeadas pelo processo cinematográfico de
narrar, montar e colocar em cena - vêm atender ao chamado político de Panh de
reencontrar os seus pais, irmãos e companheiros mortos, e salvá-los do apagamento
completo. Tais imagens só podem surgir quando a falta potencializa a imaginação. “A
imaginação é chamada como arma que deve vir em auxílio do simbólico para
enfrentar o buraco negro do real do trauma. O trauma encontra na imaginação um
meio para sua narração” (SELIGMANN-SILVA, 2008, p. 70), tamanha a irrealidade e,
portanto, o coeficiente de incomunicabilidade do vivido.
Nessa perspectiva, a hipótese aqui lançada é a de que imagens outras surgem
na medida em que a ativação da memória e a reencenação das lembranças
aconteçam através de um dispositivo cinematográfico que também parta da falta. Isto
é, um cinema que se reconhece incompleto, portanto, que seja humilde para se deixar
levar tanto pelos vestígios e como pelas ruínas da memória material e imaterial. Se
por um lado a falta é a ausência da ou na imagem, por outro, como dissemos, ela é
produtiva, pois pode fazer do filme devir memória.
A imagem que falta (2013) foi feito após a trilogia do massacre, os filmes:
Bophana, uma tragédia cambojana (1996), S21, A máquina de morte do Khmer
Vermelho (2003), Duch, o mestre das forjas do inferno (2011). Todos eles abordam a
experiência do totalitarismo no Camboja, da tortura e do genocídio promovido pelo
governo de Pol Pot, o líder máximo do Khmer Vermelho [nome dado aos seguidores
do Partido Comunista da Kampuchea (CPK) ou do Angkar, a organização], que tomou
o poder naquele país do ano de 1975 até 1979. Trata-se de uma das histórias mais
terríveis de ditadura violenta. Nessa época, estima-se que 1,7 milhões de pessoas
foram mortas (25% da população cambojana) e que milhares foram torturadas.
Em Bophana, uma tragédia cambojana, Rithy Panh investiga uma jovem
torturada e executada por ter enviado cartas de amor a seu noivo que aderiu aos
khmers vermelhos. Durante a filmagem de Bophana acontece o encontro entre um
sobrevivente do massacre cambojano, o pintor Vann Nath, e um de seus antigos
132
torturadores, Him Houy, e é esse confronto que se tornará o projeto do próximo filme:
S21, codinome do centro de detenção de Tuol Sleng onde 14 mil pessoas foram
interrogadas, torturadas e executadas. Através de Nath, Panh solicita aos carrascos
da época que reencenem suas ações contra os prisioneiros e falem de seus motivos
incitados por documentos e fotografias. Em Duch, o mestre das forjas do inferno, o
cineasta busca entender - através de um documentário também feito de entrevistas
incitadas por arquivos da época, dessa vez conduzidas por ele mesmo - o que levou
um “homem culto” como Duch se tornar um dos líderes do Khmer Vermelho e chefe
do centro de tortura S21.
A imagem que falta assim como os outros filmes da trilogia também remonta
história coletiva do regime ditatorial comunista no Camboja, porém é o primeiro que o
faz com um acento claramente autobiográfico, um exercício mnemônico através do
qual o cineasta se coloca em obra. Panh conta que durante a realização de Duch
encontrou a confissão do cinegrafista do regime, Ang Sarun, de que ele teria filmado
as crianças cambojanas de modo a denunciar a tortura (até então escamoteada nas
filmagens) constante nos campos de trabalho, e que o desejo por essas imagens o
moveu em direção ao próximo filme. Ele imaginava que alguns desses filmes velados
tivessem sido guardados como prova da traição do cinegrafista, e foi em busca de
uma imagem concreta que, ao final, constituiria a falta que o levaria se voltar para a
própria infância. Porém, ele deflagra a ausência da imagem do massacre cambojano,
e coloca o cinema como um processo, uma busca por outra, aquela que irá “fabricar”,
a que o cinema “permite”.
Para que dessa falta surja algo é preciso recontar a história e ao mesmo tempo
criar o mecanismo que a faça existir – daí a possibilidade de que vidas apagadas
ressurjam e se possa dar voz as vítimas, e por aí elaborar um trauma vivido
coletivamente. Perscrutamos, pois, dois aspectos metodológicos nos quais a falta (e
sua multiplicação) se insinua nos procedimentos fílmicos de abordagem do passado
e se faz sentir no filme, provocando uma escrita a contrapelo: 1) pelos arquivos: se
durante a ditadura do Khmer Vermelho não se filmou as doenças, as torturas, as
mortes, será preciso interpelar os filmes de propaganda do governo de forma que
essa falta se faça sentir e que o embuste do registro seja denunciado; 2) pelas
miniaturas: os bonequinhos de argila que Panh usa como personagens de sua história
ao preencher as ausências do povo cambojano acenam para falta em suas diversas
formas, entre elas a da infância.
133
Referências
134
O ONTEM SEM FIM: HISTÓRIA
E NOSTALGIA NA SÉRIE DE TV - COISA MAIS LINDA
RESUMO
Este trabalho é uma pesquisa, ainda inconclusa, sobre nostalgia na série “Coisa
mais Linda”. Tomando como partida a ênfase das sociedades atuais nos assuntos
da memória, essa proposta pretende discutir brevemente o conceito de nostalgia e
apresentá-lo como hipótese para interpretar a série em tela. A nostalgia tem sido
considerada um tipo de memória, que têm cada vez mais atraído os pesquisadores
sem, contudo, fixar sem entendimento. No caso da série, que se situa nos anos de
“50”, os aspectos nostágicos se mesclam às questões sobre a modernização
brasileira, produzindo um quadro social da época que provavelmente responde mais
aos tempos atuais do que a aspectos de tom realista.
PALAVRAS-CHAVE
51
Professora do Programa em Pós-graduação em Comunicação Social da PUCMinas.
Pesquisadora do tema da memória e materialidade, especialmente na mídia. Participa
do Grupo de Pesquisa (DGP-CNPq) Mídia & Memória, com várias publicações na
área.
135
ascensão das novas formas de comunicação, o tema tem se colocado de forma
crescente.
Nesse contexto, a televisão ocupa um papel muito importante, não apenas por
sua capacidade de imaginar, evocar, citar, mostrar ou repetir aspectos do passado,
inclusive os seus, mas também porque é simultaneamente um meio de esquecer. Não
há memória total. A TV também pratica o jogo da memória, onde o esquecimento faz
o par com a lembrança. No entanto, a televisão pode renovar imagens passadas
"reais", se forem arquivadas, e inventar um passado imaginado através da estética e
das narrativas de uma série. O armazenamento de mídia o salva e, portanto, torna-o
repetível e memorizável hoje em dia. A televisão, nesse sentido, é uma máquina do
tempo complexa que oscila entre um presente efêmero, um futuro desconhecido e um
curioso passado (NIEMEYER, 2011).
Nas últimas décadas a TV, que se imaginava teria sua audiência espoliada pelas
plataformas sociais, se renovou dramaticamente. Não apenas soube se conectar com
as Novas Mídias Sociais, como também se alterou profundamente em relação à sua
própria forma de fazer TV. Ao longo desse período as séries de TV têm alcançado um
sucesso sem precedentes, tanto em termos de audiência como de crítica.
136
Aqui também a questão da história, com nuances nostálgicas, podem apontar para
algo mais do que uma simples estratégia da indústria cultural. Assim, seja pelas
lacunas que não podem ser preenchidas, ou pela sua estrutura serial narrativa, a
nostalgia pode ser entendida não apenas a preservação do passado, mas pode ser
dirigida também para o futuro ou mesmo para o presente (BOYM, 2001) instável.
O sujeito nostálgico se volta para o passado para encontrar / construir fontes
de identidade, agência ou comunidade, que são sentidas como ausentes, bloqueadas,
subvertidas ou ameaçadas no presente. A nostalgia, tal como a entendemos aqui, se
situa dentro dos estudos sobre memória e identidade social. Lembrando de Huyssen,
que afirma que o “boom da memória” nos alerta para efemeridade do moderno, a
nostalgia também se localiza nesse espaço, sendo ao mesmo tempo, efeito colateral
da modernidade quanto uma causa potencial de hostilidade ao esquecimento.
Apesar dessa inegável importância, os estudos sobre as séries televisivas, no
geral, e aquelas de cunho nostálgico em particular, não correspondem na mesma
dinamicidade. Seja em função da rapidez com que o sucesso dos seriados se fez, ou
talvez por serem esses programas, muitas vezes, considerados produtos triviais e
ideológicos da cultura de massa moderna, o fato é que os estudos acadêmicos ainda
se ressentem de um certo aprofundamento nessas pesquisas.
A maioria das pesquisas sobre o tema da nostalgia, no âmbito das questões
afetas aos processos sociais de memória ainda são tímidos. No tocante aos estudos
comunicacionais também não são escassos. O debate sobre a nostalgia surge nas
Ciências Sociais, ainda na década de 70 do século passado, com o clássico trabalho
de Davis (1979). Nessa pesquisa, o sociólogo analisou as rupturas sociais dos anos
1960 na sociedade americana, principalmente com relação aos rápidos desafios às
crenças sobre aquilo que se considerava ‘natural’ (raça, gênero, sexualidades e estilos
de vida). Davis argumentou que as reações nostálgicas se deviam às percepções que
consideravam certas mudanças como ameaças à continuidade da identidade. Mais
recentemente o trabalho de Boym (2001) tem sido considerado também uma obra de
referência. Na história das ideias, Stauth & Turner (1988) produziram artigos em
relação ao pensamento intelectual na sua conotação nostálgica, como resposta às
configurações sociais do que chamamos de Alta-modernidade ou pós modernidade.
E na área dos Estudos Comunicacionais, mais recentemente surgiram trabalhos que
tentam compreender o fenômeno nostálgico na sua relação específica com as novas
mídias.
Tentando compreender a nostalgia em tempo contemporâneos, a proposta
desse trabalho é estudar o tema da nostalgia como uma prática de memória singular,
que deve ser estudada no âmbito dos fenômenos globais da cultura. Esse processo
será pesquisado através da série de TV brasileira Coisa mais Linda (2019). A pesquisa
contemplará uma análise quantitativa e qualitativa sobre a recepção da série, com o
objetivo de verificar a presença e a dinâmica de regimes de temporalidade (HARTOG,
2014), que geram, por sua vez um sentimento de nostalgia. Contudo, nesse trabalho
apresentaremos apenas uma breve introdução ao debate sobre o conceito de
nostalgia, tentando mostrar sua pertinência à cultura atual, bem como associá-lo como
mote elucidador para a série “Coisa mais Linda”.
_______________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
137
BOYM, Svetlana. The Future of Nostalgia. New York: Basic Books. 2001
BURKE, Peter. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora
UNESP. 1992
COOK, Pam. Screening the Past: Memory and Nostalgia. London and New York:
Routledge, 2005
DAVIS, Fred. Yearning for Yesterday: A Sociology of Nostalgia. New York: Free
Press, 1997.
DIJCK, José van. Mediated Memories in the Digital Age Cultural memory in the
presente. Stanford: Stanford University Press, 2007.
HARTOG, François. Regimes de Historicidade: Presentismo e experiências do
tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória. Arquitetura, monumento, mídia. Rio
de Janeiro: Aeroplano. Editora. 2000.
MITTEL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea.
Revista Matrizes, nº2. 2012. Disponível em:
http://www.journals.usp.br/matrizes/article/viewFile/38326/41181
MITTELL, Jason, Complex TV: The Poetics of Contemporary Television Storytelling.
New York: New York University Press, 2015.
NIEMEYER, K. Media and Nostalgia: Yearning for the Past, Present and Future.
London: Palgrave Macmillan, 2014.
SILVA, Marcel Vieira Barreto. Cultura das séries: forma, contexto e consumo de
ficção seriada na contemporaneidade. Revista Galáxia (São Paulo, Online), n. 27.
2014. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/viewFile/15810/14556. Acessado
em 03/05/ 2021.
STAUTH, Georg, TURNER, Brian S. Nostalgia, Postmodernism, and the Critique of
Mass Culture, Theory, Culture & Society 5(2–3): 509–26, Television, Memory and
Nostalgia, 1998
I “TV de qualidade” não é um termo consensual (Mitell, 2015). Seu uso tornou-se associado à TV a
cabo ou por assinatura, quando da publicidade da HBO, em 1996, com seu logo “Não é TV. É HBO” –
It’s Not TV. It’s HBO. (Akass; Mccabe, 2018).
II O termo “virada” (turn) tem sido usado nas Ciências Humanas para designar ênfases em
determinados assuntos, como, orginalmente, a “virada linguística”.
138
IMAGENS E TEXTOS, CORPOS E PROPAGANDAS NAS REVISTAS ILUSTRADAS EU SEI
TUDO (BRASIL) E NA JE SAIS TOUT (FRANÇA)
RESUMO
A revista Eu Sei Tudo começou a circular no Brasil em 1917, encerrando-se em 1958. Estava
integrada à realidade urbana do Rio de Janeiro e era composta de artigos, contos, romances,
ilustrações e propagandas. Sua inspiração talvez tenha sido a revista francesa Je Sais Tout,
criada em Paris e que circulou entre 1905 e 1939. Este trabalho procura discutir o papel da
revista na propagação de determinados padrões de comportamento para a sociedade
brasileira na Primeira República, com ênfase na circulação de ideias, suporte de memória e
formação de opinião pública e sensibilidades sociais, já que iremos compará-la com a revista
de mesmo nome publicada na França. Analisaremos as características das revistas em
sintonia com às transformações da imprensa da época e o papel dos textos e imagens, não
somente de propaganda, mas também de outras ilustrações.
PALAVRAS-CHAVE
Eu Sei Tudo; Je Sais Tout; Revistas Ilustradas; Primeira República.
O PROJETO DE PESQUISA
52
Suzana Barreto de Oliveira é graduanda em licenciatura e bacharel em História pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro e bolsista de iniciação científica do CNPq (PIBIC) na pesquisa “História e imagem em Eu Sei Tudo
(Brasil) e Je Sais Tout (França): sobre circulação de ideias e cultura visual em duas revistas ilustradas na primeira
metade do século XX”, sob orientação da Profª. Drª. Andréa Casa Nova Maia. E-mail: suzanalisa@hotmail.com.
53
Lucas Lourenço Rodrigues é graduando em licenciatura e bacharel em História pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro e bolsista de iniciação científica da universidade (PIBIC) na mesma pesquisa e orientação. E-
mail: lucas200921@gmail.com
139
de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IH-UFRJ).
AS REVISTAS
Enquanto a revista Je Sais Tout foi criada em 1905 por Pierre Lafitte circulando até
1939, embora tenha deixado de ser impressa entre Agosto e Dezembro de 1914 e
tenha saído posteriormente, em novo formato, publicada pela Editora Hachette entre
1969 e 1970. O periódico francês também apresentava-se enquanto enciclopédia
ilustrada. Je Sais Tout é um marco de uma transformação cultural e de marketing do
140
período, na medida em que foi repentinamente um sucesso popular e adotado na
França, logo replicado ao redor do mundo.
A fim de trabalhar as revistas em uma leitura que articule seus elementos internos,
imagéticos e discursivos, a seus contextos materiais de produção, contamos com uma
base teórico metodológica heterogênea: no campo da análise dos discursos, das
noções de representação, e dos signos verbais e não-verbais presentes na revista,
utilizamos os trabalhos de Roland Barthes (1992) e Roger Chartier (1990); além disso,
baseados nos estudos de Georges Didi-Huberman (1994) e Walter Benjamin (1987),
utilizamos o método de leitura das imagens como montagem e remontagem do tempo
vivido; por fim, também evocamos os estudos acerca da imprensa e a circulação de
ideias em uma perspectiva transnacional, como trabalhados por Tânia de Luca (2005),
bem como a pesquisa sobre a revista francesa Je Sais Tout realizada por Daniel
Couégnas (2018).
Para este trabalho o recorte temporal será o período entre guerras, que se extende
do fim da Primeira Guerra Mundial até o início da Segunda Guerra Mundial, entre os
anos de 1918 a 1939. Este é o único momento de comum disponibilidade dos
exemplares digitalizados tanto da Eu Sei Tudo, quanto da Je Sais Tout e que facilita
a comparação entre as revistas. Todo o acervo destas revistas ilustradas encontra-se
digitalizado pelas hemerotecas digitais da Biblioteca Nacional no Brasil e pela Gallica
e RetroNews, biblioteca digital da BnF (Bibliothéque Nationale de France) e IRIS, a
biblioteca digital da Universidade de Lille. A ferramenta é um facilitador, pois, depois
de escolhidos os dois periódicos que serão analisados, basta realizar a pesquisa na
base de dados de ambos sítios acessíveis pela internet.
Referências
BENJAMIN, Walter. Rua de Mão Única. Obras Escolhidas vol.2. São Paulo: Brasiliense,
1987.
141
DE LUCA, Tania Regina. “A grande imprensa na primeira metade do século XX”. In:
MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania Regina (orgs.). História da imprensa no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2008.
FEYEL, Gilles. La Presse en France des origines à 1914. Histoire politique et. matérielle. Paris,
1999, Éditions Ellipses.
MAIA, Andréa Casa Nova. "Eu sei tudo: cultura, ciência e história em uma revista ilustrada
na época de Vargas". In: FERREIRA, Jorge. (Org.). O Rio de Janeiro nos jornais:
ideologias, culturas políticas e conflitos sociais (1930-1945). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.
OLIVEIRA, Cláudia de; VELLOSO, Monica Pimenta; LINS, Vera. O Moderno em revistas.
Representações do Rio de Janeiro de 1890 a 1930. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
142
DIREITOS HUMANOS E TERRITÓRIOS: GEOGRAFIAS PLURAIS EM OMÃ
Resumo
A reflexão busca nexos entre direitos humanos e territórios à luz de estudos realizados
entre 2019 e 2020 no Oriente Médio, fronteiras de transformações socioculturais,
econômicas e políticas materializadas em espaços em mutação do novo urbano
industrial. Nestas paisagens, temas como gênero, migração internacional, mudanças
climáticas, ativismos sociopolíticos e processos de reassentamento humano
involuntário são atravessados por sistemas particulares do mundo árabe (kafala
System) vis a vis preconizações à princípios e guidelines multilaterais internacionais
em direitos humanos.
54
Geógrafo (IGC/ UFMG), Mestre Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/ UFRJ) e Doutor pela FAU/
USP.
143
¡ A formação de partidos políticos e organizações, assim como a liberdade para
participar deles é considerada crime pelo Código Penal de Omã (art. 116). Não
existem organizações independentes de Direitos Humanos no país, exceto uma
organização governamental não parcial (não nomeada no OCHR, 2019);
¡ Omã não assinou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1976),
documento que confere legitimidade internacional aos direitos humanos e às
premissas democráticas, entre elas, o direito à autodeterminação; a liberdade de
associação e expressão; o direito de não ser submetido à prisões arbitrárias; à
tortura, entre outros (OCHR, 2019).
Segundo o OCHR, a situação dos direitos humanos em Omã se deteriorou ainda mais
desde 2011, depois do evento da “Primavera Árabe” no país, como resultado de
restrições impostas pelo governo em assuntos vinculados à liberdade de opinião,
expressão e associação (OCHR, 2019).
No entanto, existem grupos em posições e situações de maior vulnerabilidade no país.
Representando 44% da população nacional, o coletivo migrante em Omã tem os seus
direitos básicos ameaçados pela ausência de proteção legal específica – Omã não
ratificou as principais Convenções Internacionais de Direitos Humanos para a
população migrante –; pela vigência do sistema de patrocínio (Kafala) e a prática de
retenção de passaportes; assim como pela intensificação nos últimos anos do
processo de Omanização da força de trabalho.
Com respeito às mulheres, avanços foram realizados na garantia de direitos – direito
ao voto, ao estudo, ao trabalho, à propriedade privada, licença maternidade – mas
falta muito ainda para alcançar a equidade de gênero, com destaque para a baixa
participação laboral e política.
Com relação à liberdade de sindicalização dos trabalhadores e trabalhadoras,
avanços significativos foram realizados desde a entrada do país na Organização
Mundial do Comércio (OMC) em 2000, e com a posterior aprovação da Lei Trabalhista
em 2003. Ainda assim, a não ratificação de normas internacionais fundamentais e
144
específicas representa um risco à garantia e proteção ao direito de livre associação e
organização sindical.
Por outro lado, o meio ambiente vem sofrendo diversas alterações desde o início do
processo de industrialização na década de 1970. O complexo industrial e portuário de
Sohar é a maior unidade portuária do país e compreende em sua estrutura diversas
indústrias emissoras de gases poluentes que afetam a qualidade do ar local
repercutindo sobre a saúde dos habitantes do entorno. O rebaixamento do lençol
freático como consequência da atividade industrial no local; a contaminação e os
distúrbios marítimos também geram impactos diretos às comunidades e às práticas
tradicionais de agricultura e pesca.
O processo de industrialização também acarretou êxodo rural e adensamento das
cidades omanis, em especial no eixo Liwa-Sohar aumentando o risco de expulsão dos
agricultores e das práticas tradicionais, alterando o uso e ocupação do solo das áreas
localizadas próximas ao desenvolvimento industrial. Omã, pela sua formação múltipla
em termos étnicos, possui em seu território uma diversidade de comunidades
nômades. A não ratificação da Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho, que trata do respeito e proteção das tradicionalidades dos povos originários,
representa um risco adicional à manutenção e ao bem-estar desses grupos.
A seguir, apontam-se com mais detalhe esses temas mais sensíveis para os direitos
humanos no país
A história recente da migração em Omã está marcada por um intenso fluxo imigratório
associado à descoberta de poços de petróleo exploráveis em território nacional em
1964 e a sua subsequente produção em 1967, a partir da criação da Petroleum
Development (Oman) Ltd. (PDO).
Até os dias de hoje, a economia do país continua fortemente apoiada no trabalho
migrante. Em novembro de 2018, a população total de Omã era estimada em
4.655.366 habitantes, dos quais 2.047.690 (44%) eram migrantes estrangeiros. A
maioria dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes provém do continente asiático,
principalmente de países como Índia, Bangladesh e Paquistão que, juntos,
representam 86% da força de trabalho migrante no país. O setor empresarial é o que
145
mais emprega mão de obra migrante: em 2018, 86% dos trabalhadores e
trabalhadoras migrantes foram empregados/as no setor, somando 90% dos homens
empregados e 17% das mulheres (DE BEL-AIR, 2018).
O segundo setor com maior empregabilidade de mão de obra migrante é o setor
doméstico. Desses trabalhadores, mais de 80% são mulheres (HRW, 2018).
Entretanto, a relevância da migração laboral no país não vem acompanhada de um
projeto nacional e políticas locais de proteção e garantia dos direitos humanos dessa
população. Ao contrário, o Estado tem contribuído à sua vulnerabilização a partir da
não ratificação de normas internacionais fundamentais à garantia dos direitos
migrantes55.
Apesar do país ratificar as principais convenções internacionais sobre o trabalho
forçado – Convenção sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório (n.º 29) e Convenção
sobre a Abolição do Trabalho Forçado (n.º 105) – e integrá-las parcialmente à
legislação nacional56, o sistema e os mecanismos de fiscalização e responsabilização
ainda não estão de acordo com os padrões internacionais57.
Além do mais, a punição não se aplica no caso dos e das trabalhadoras domésticas,
uma vez que a lei nacional de Regulamentação do Trabalho Doméstico de 2004 não
menciona o trabalho forçado. O trabalho forçado também não é criminalizado pelo
Código Penal de Omã (HRW, 2016).
Outro elemento que vulnerabiliza a situação e a condição migratória no país é
a vigência do sistema de patrocínio, mais conhecido como Kafala (Lei
Trabalhista/Royal Decree No. 35, 2003: arts. 18, 19, 20). Assim como em outros
países da região do Golfo, a migração de trabalhadores e trabalhadoras de baixa
renda e baixa qualificação é viabilizada por meio de patrocínios de seus
empregadores para emissão de vistos, transporte, moradia e trabalho regular (KHAN,
2011).
55
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (OHCHR, 1990);
Convenção relativa aos Trabalhadores Migrantes (n.º 97) e Convenção relativa às Migrações em Condições Abusivas e à Promoção da Igualdade
de Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes (n.º 143)
56
Art. 12 of Oman’s Basic Statute of the State, issued by Royal Decree no. 96/101, provides: “It is not permissible to impose any forced labor on
anyone except by virtue of a law, for rendering a public service, and for a fair remuneration.” See text at Ministry of Legal Affairs website,
http://mola.gov.om/eng/basicstatute.aspx (accessed June 21, 2016).
Royal Decree no. 74/2006 amending some provisions of the Labor Law, adds art. 3(bis) under chapter 2 of the Labor Law: “The employer is
prohibited to impose any form of compulsory or coercive work,” and art. 123: “Failure to observe article 3(bis) will result in imprisonment of a maximum
of one month and/or a fine of 500 OMR. The penalty will be doubled in case of recurrence.”
57
Estudo da Human Rights Watch de 2017 destaca penas muito leves para quem impõe trabalho forçado, como a pena de prisão de um mês e o
pagamento de multa no valor de 500 reais omanis (HRW, 2017a).
146
A lei omani ainda estabelece punições àqueles que deixam o trabalho
sem o consentimento do empregador/patrocinador, através de multas, deportações e
proibições de regressar ao país de trabalho (DE BEL-AIR, 2018).
Em 2011, o governo de Omã reportou ao UN Human Rights Council que está
buscando alternativas ao sistema (HRW, 2018) e fazendo esforços para proibir a
prática da retenção dos passaportes58. Dados de 2013 apontam que apenas uma
minoria da população (14,7%) migrou sob o sistema de Kafala (DE BEL-AIR, 2015),
porém, especialistas em direitos humanos confirmam a continuidade da prática de
retenção de passaportes (HRW, 2018, 2019).
A vigência do sistema de Kafala no país abre espaço para relações de trabalho
abusivas, inclusive relações análogas ao trabalho escravo, principalmente dos
trabalhadores mais vulnerabilizados e invisibilizados como os terceirizados (cadeia de
valor) e os trabalhadores domésticos.
A mão de obra estrangeira em Omã não está presente somente nos setores de baixa
qualificação. Há também um ressentimento latente de omanis em relação ao papel
desempenhado pelos estrangeiros na economia nacional (WORRAL, 2012). Desde
2003, o governo vem intensificando o processo de omanização da força de trabalho,
por meio de políticas de substituição de mão de obra estrangeira pela força de trabalho
local59.
Apesar dessas medidas, as insatisfações dos omanis endossaram a Primavera Árabe
de Sohar em 2011, que culminaram em 2013 na determinação pelo Conselho de
Ministros do limite populacional do país de 33% de migrantes, dentre outras medidas
de pressão pela omanização do setor privado60.
Complementarmente, a garantia do direito à sindicalização, organização e negociação
coletiva se vê limitada pela ausência de ratificação e compromisso com as principais
convenções internacionais sobre o tema61. A Lei Trabalhista de Omã não dispõe
58
Em 2003, Omã introduziu uma lei que tornou ilegal o “empréstimo” de empregados a outros empregadores, mas ela foi insuficiente para promover
uma mudança desse sistema. A Decisão Ministerial N°2 de 2006 emitida pelo Ministério do Trabalho de Omã proíbe empregadores de reter
passaportes de trabalhadores estrangeiros. Em relação a permissões de saída, é requerido pelo governo de Omã que o empregador envie para a
autoridade competente um pedido de saída patrocinada do trabalhador duas semanas antes da expiração da permissão de residência do
trabalhador, no caso da não-renovação ou cancelamento da permissão. Caso haja a não-renovação nem o cancelamento, o empregador é obrigado
a pagar o empregado pelo período em que estava sob sua tutela, e nestes casos, as cortes de Omã tem sido estritas contra terminações injustas
de vínculos, e em processos onde hão a falta de evidências para o fim do contrato, em muitos casos, tem determinado a compensação financeira
ao empregado igual ao mínimo de três meses do salário bruto com máximo indefinido, dependendo de cada caso. Em 2011, o governo de Omã
reportou ao UN Human Rights Council que está buscando alternativas ao sistema kafala (HUMAN RIGHS WATCH, 2018).
59
Através da criação de cargos de trabalhos para a população local e da imposição de cotas às empresas para a contratação de omanis (DE BEL-
AIR, 2018). Em 2003, a Lei Trabalhista de Omã (ROYAL DECREE NO. 35/2003) estabelece uma multa de 250 a 500 OMR às empresas que não
cumprirem com as porcentagens de omanização estipuladas (art.114).
60
O Conselho de Ministros além da determinação dessas medidas, estipulou leis com o objetivo de desincentivar a migração, como as que preveem
o aumento da taxação das remessas transnacionais, por exemplo. Em 2016, o Ministro do Comércio e da Indústria inicia uma pressão para que as
empresas privadas aprovem a meta de 35% da omanização da sua força de trabalho (DE BEL-AIR, 2018). O Conselho de Ministros estabeleceu o
salário mínimo para os nacionais que trabalhem no setor privado. Os trabalhadores migrantes foram excluídos dessas regulações (HRW, 2016).
61
Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização, 1948 (OIT, No. 87) e Convenção sobre o Direito de Organização e de Negociação
Coletiva, 1949 (OIT, No. 98).
147
sobre o direito à sindicalização de trabalhadores/as migrantes e domésticos62, o que
restringe ou até mesmo impede a sua participação (HRW, 2017a); e ainda concede
ao Ministério do Desenvolvimento Social poderes para negar o registro de
associações sem a necessidade de uma fundamentação formal.
62
Omã não ratifica a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas
Famílias (OHCHR ,1990), que em seu art. 26 dispõe sobre o direito dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes à associação e organização
sindical. A Regulamentação do Trabalho Doméstico de 2004 não regula a participação sindical das trabalhadoras e trabalhadores domésticos.
63
A Convenção sobre a Proteção da Maternidade, 2000 (OIT, No.183) estabelece o período não inferior a 14 semanas de licença maternidade
(art.4). Omã, até o presente momento, não ratificou a Convenção.
148
Outro ponto crítico relativo ao direito das mulheres em Omã é o que se refere ao
trabalho doméstico. O trabalho doméstico não está regulamentado pela Lei
Trabalhista de Omã (Royal Decree No. 35/2003). Sendo majoritariamente exercido
por mulheres (mais de 80%), o trabalho doméstico não está amparado e protegido
legalmente, o que permite a exposição dessas trabalhadoras a relações de trabalho
abusivas.
No caso das trabalhadoras domésticas, o elemento de discriminação de gênero se
articula com o de raça/etnia e potencializa ainda mais a sua vulnerabilização, já que
grande parte do trabalho doméstico é realizado por mulheres migrantes (HRW, 2016).
Além do mais, as Diretrizes de Omã para os Empregadores sugerem que os
trabalhadores domésticos homens devem receber mais que as trabalhadoras
mulheres (HRW, 2016).
Também são identificadas outras situações que põe em risco os direitos das mulheres
no país, quais sejam:
¡ Participação política limitada: apenas uma mulher eleita dos 85 membros do
Conselho Consultivo (Shura), em 2015 (UNICEF, 2018);
Como resultado dos processos econômicos recentes, muitos parques industriais que incluem
indústrias petroquímicas, metalúrgicas e siderúrgicas emergiram em Omã, sendo o principal
deles a Zona Industrial de Sohar.
149
Essa Zona Industrial estabelecida em 2006 inclui complexo industrial e portuário. Tais
indústrias potencialmente emitem poluição atmosférica com gases tóxicos, como dióxido de
enxofre (SO2), óxidos nítricos (NOx) e compostos orgânicos voláteis (VOC). Tais gases, em
concentrações e taxas de exposição acima de certos limites, podem causar efeitos nocivos à
saúde de pessoas residentes em áreas poluídas incluindo aumento da morbidez e mortalidade
por causa de doenças respiratórias e cardiovasculares.
Por outro lado, os adensamentos urbanos relacionados ao setor industrial são primariamente
abastecidos por águas subterrâneas. A redução da quantidade e qualidade de água doce
subterrânea representa um risco inerente premente na região de Sohar que pode ser
agravada pelas atividades da empresa.
A taxa de intrusão salina pode ser exacerbada pelas abstrações destinadas ao abastecimento
de populações e trabalhadores da empresa (SCHOUT, 2012). A contribuição da empresa a
tal risco pode afetar primordialmente os modos tradicionais de vida da região, especialmente
das comunidades que praticam a agricultura tradicional.
A população de pescadores tradicionais e comerciais da região de Al-Batinah foi estimada em
10.028 sendo 1892 em Sohar e 473 em Liwa. Os riscos inerentes da atividade portuária sobre
os recursos pesqueiros podem ser exacerbados pelas atividades da empresa por potenciais
liberações de efluentes químicos advindos das instalações terrestres, derramamentos de óleo
e fluxo de embarcações ao longo das áreas de pesca tradicionais (ALBHASI, 2012).
Na formação do sultanato de Omã tanto a agricultura costeira quanto o comércio marítimo
contribuíram para a ocupação do litoral do país e a formação de suas principais cidades.
O adensamento das cidades, unido ao processo de industrialização, promove o risco de
expulsão voluntária e involuntária das populações tradicionais agricultoras desses espaços.
As cidades cresceram historicamente em torno dos aquíferos costeiros, que permitiam o
acesso à escassa água doce e a prática da agricultura. Como resultado, o país tem se
mostrado menos autossuficiente na produção de alimentos e dependente de importações. Por
esse motivo, desde a década de 1980, o Sultanato de Omã está estimulando práticas
produtivas mais intensivas em tecnologias de irrigação, fertilização e de defensivos agrícolas,
tornando menos representativas as práticas produtivas tradicionais.
A convenção 169 da OIT, não ratificada pelo Estado de Omã, aplica-se aos povos tribais e
indígenas (descendentes de populações tradicionais, que mantenham suas tradições
integralmente ou parcialmente) de países independentes, e estabelece diretrizes para que os
governos destes países, objetivando igualdade, efetividade de direitos e auxílio no combate
de diferenças socioeconômicas, dentre outros mecanismos de proteção e garantia da
perpetuação da tradicionalidade destes povos. A não-ratificação, consequentemente, põe em
risco diversas esferas de patrimônio material e imaterial constituído pelos costumes, ritos e
tradições componentes da vida desses povos.
150
A tribo Harasis (Beduínos), por exemplo, vem se deslocando continuamente desde o início da
exploração petrolífera e de gás no país (CHATTY, 1994). Eles foram impedidos
progressivamente de acessar áreas de pastagem como o Santuário Órix da Arábia, região
desértica de grande biodiversidade de Omã. Embora o governo atual tenha reconhecido o
direito de mobilidade dessas tribos, as dificuldades encontradas por suas famílias ao longo
das décadas de manutenção da produção de subsistência têm levado muitas famílias
nômades a buscarem empregos e se fixarem nas cidades.
BIBLIOGRAFIA
AL'OMAIRI, Turkiya and AMZAT Ismail Hussein (2012). Women in Omani Society: Education
and Participation. Oida International Journal of Sustainable Development, Qaboo, 3(5), 63-68.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2007631>. Acesso em:
12 dez. 2019.
AL-OUFI, Hamed; PALFREMAN, Andrew and MCLEAN, Ewen (2000). Observations upon the
Al-Batinah artisinalfishery, the Sultanate of Oman. Marine Policy, 24, 423-429.
AL-RAHBI, Ibrahim Abdullah (2008). An empirical study of key knowledge economy factors for
sustainable economic development in Oman.
AL-SUBHI, Khalid Khalifa Nasser; SHEKAR Bose and HUSSEIN Samh Al-Masroori (2013).
Fisher’s compliance motivations: A case study of the Sultanate of Oman. Marine Policy, 37,
141-148.
AL-WAHAIBI, Adil and ZEKA, Ariana (2015) Health impacts from living near a major industrial
park in Oman. BMC Public Health, 15, 524. DOI 10.1186/s12889-015-1866-3
ANNISA, Shaharin Elham (2018). Understanding the housing needs of low-skilled bangladeshi
migrants in Oman. N-AERUS XIX Stuttgart, 08th – 10th. Disponível em http://n-
aerus.net/wp/wp-content/uploads/2019/01/N-AERUS_XIX-Migration-Annisa.pdf. Acesso em:
10 jan. 2020.
BAJRACHARYA, Rooja and SIJAPATI, Bandita (2012). The Kafala System and Its
Implications for Nepali Domestic Workers. Center for the Study of Labour and Mobility: Policy
Brief, 1.
BELWAL, Rakesh and BELWAL, Shweta (2017). Employers’ perception of women workers in
Oman and the challenges they face. Employee Relations, 39 (7), 1048-1065. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1108/er-09-2016-0183. Acesso em: 10 jan. 2020.
BENKARI, Naima (2017). Urban development in Oman: an overview. WIT Transactions on
Ecology and the Environment, 226, 143-156.
CEDAW, Comitê para a Eliminação de todas as formas de Descriminação contra as Mulheres
(2017). Oman Periodic Review.
CHATTY, Dawn (1994). Petroleum exploitation and the displacement of pastoral nomadic
households in Oman, In S. Shami (ed.), Population Displacement and Resettlement:
151
Development and conflict in the Middle East, New York: Center [BB4] for Migration Studies,
89-106.
DE BEL-AIR, Françoise (2015). Demography, migration, and the labour market in Oman.
ESCWA, United Nations, Economic and Social Commission for Western Asia (2007). Trade
and environment dimensions of the fisheries sector in the Arab Countries the case of Yemen
and Oman.
GHOUSE, Suhail et al. (2017). Barriers to rural women entrepreneurs in Oman. International
Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, [s.l.], 23 (6), 998-1016.
GOOGLE. Google Earth website. http://earth.google.com/, 1984; 2003; 2019. Acesso em 11
de dezembro de 2019
GLOBAL LEGAL INSIGHTS. Employment & Labow Law | Oman. Disponível em:
<https://www.globallegalinsights.com/practice-areas/employment-and-labour-laws-and-
regulations/oman#chaptercontent18>. Acesso em: dez. 2019.
GULF LABOUR MARKET AND MIGRATION. Demographic and economic module. Disponível
em: <https://gulfmigration.org/glmm-database/demographic-and-economic-module/>. Acesso
em: 10 dez. 2019.
IMO, International Maritime Organization (1972). A Convenção para a Prevenção da Poluição
Marinha por Despejo de Resíduos e Outras Matérias.
IUCN, União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Protocolo para a
Proteção do Ambiente Marinho contra Poluição de fontes terrestres.
KHAN, Azfar and HARROFF-TAVEL Hélène (2011). Reforming the kafala: Challenges and
opportunities in moving forward. Asian and Pacific Migration Journal, 20, (3-4), 293-313.
MARPOL. (1973 as modified by the Protocol of 1978). International Convention for the
Prevention of Pollution from Ships.
MAWLONG, Banshaikupar. L. (2014). Redefining Casteism and Communalism: Indian
Democracy and National Integration, In B. Myrboh and A.W. Rani, Parliamentary Democracy
in India. New Delhi: Akansha Publishing.
PETERSON, John E. (2004). Oman's diverse society: Northern Oman. The Middle East
Journal, 58 (1), 32-51.
RAMADAN, Elnazir. (2015). Sustainable Urbanization in the Arabian Gulf Region: Problems
and Challenges. Arts and Social Sciences Journal, 6(2), 2-4.
SCHOUT, Gilian (2012) Towards Sustainable Water Management in Sohar, Oman Master of
Hydrology. Thesis, Universiteit Utrecht.
UN, United Nations (2015). Periodical State Review Oman.
152
AYAHUASCA, IMAGENS E MUNDOS
O “vinho dos mortos”, a “liana dos espíritos” ou, ainda, “cipó com uma alma”,
significados para a palavra quechua ayahuasca, são apenas alguns dentre inúmeros
sentidos para a bebida que produz forte visões/imagens aos que fazem o seu
consumo de forma sagrada.
64
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Doutorando em História
Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Autor da obra “Navegando sobre as
Ondas do Daime: História, Cosmologia e Ritual da Barquinha (Campinas: EDUNICAMP, 1999). Co-organizador da
Coletânea “o Uso Ritual da Ayahuasca” (Campinas: Mercado de Letras, 2002). Coordenou e trabalhou como
técnico em inventários nacionais de referências culturais, ZEEs, Identificação e Delimitação de Territórios para
comunidades tradicionais, meio ambiente e mudanças climáticas, dentre outros campos de atuação.
153
e Caridade, da linha de Daniel Pereira de Mattos, a Barquinha, como se popularizou
a partir da década de 70 (ARAÚJO, 1999).
Este Centro foi instituído em 1967 por Juarez Martins Xavier, natural de Capim
Grosso – CE e Maria Rosa de Almeida, nascida no sertão de Jacobina – BA. Ambos
migraram para Rio Branco, capital do antigo Território Federal do Acre durante o
período da Segunda Guerra Mundial, quando homens eram recrutados para trabalhar
como soldados da borracha nos confins amazônicos. Eles se conheceram no Acre
onde se casaram e frequentaram uma religião, criada na zona rural da capital do
Território, entre 1958 à 1963, pelo maranhense Daniel Pereira de Mattos. Ele era
negro, filho de escravos, oriundo da Freguesia de Vargem Grande – MA e pertenceu
à Marinha Mercante brasileira.
154
O Daime (nominação desta religião para ayahuasca) é usado em vários rituais.
Porém, farei um recorte para as Obras de Caridade, onde se pratica limpeza,
orientações espirituais e procedimentos voltados à cura. O enteógeno possibilita
acessar três tipos de êxtase durante os trabalhos no terreiro: miração, irradiação e
incorporação.
O astral rege os planos da terra e do mar. É na terra onde vivem não apenas
os humanos, mas em realidade paralela, é permeado por entidades tais como exus,
caboclos e pretos velhos, além de espíritos de pessoas já desencarnadas. No mar há
vários encantos que incluem, dentre outros seres, as sereias.
BIBLIOGRAFIA
156
MERCANTE, Marcelo. Imagens de Cura: ayahuasca, imaginação, saúde e doença
na Barquinha. Rio de Janeiro: Editora da FIOCRUZ, 2012.
157
CULTURA FERROVIÁRIA SOB O VIÉS COMPARATIVO: OS IMPACTOS
DA PRIVATIZAÇÃO DA RFFSA EM CORINTO E DIVINÓPOLIS - 1975 A
2010.
65
Willian Santos Pereira, mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,
graduado em História pela Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail para contato:
williansantoshistoria@gmail.com.
158
ferroviário e movimentaram as cidades. As greves, as lutas por direitos e os entraves
políticos locais também marcaram a classe de trabalhadores que, apesar do prestígio
entre os cidadãos, tinha condições de trabalho desfavoráveis, sofria com atrasos em
seus pagamentos e com acidentes rotineiros (CORGOZINHO, 2013, p. 197).
159
Apesar disso, a complexidade da questão vai além da comparação entre as
cidades e seus trabalhadores. Ainda existe certa comparação dentro de um mesmo
recorte temporal, já que um dos problemas da proposta de pesquisa é o antes e o
depois da RFFSA e como a cultura ferroviária foi influenciada por este acontecimento.
Este projeto propõe não apenas a comparação entre duas culturas ferroviárias em
espaços diferentes, mas também propõe a análise a partir de dois momentos
diferentes dentro do mesmo recorte temporal.
Referências
BARROS, José D'Assunção. História Comparada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. 181
p.
BLOCH, M. Para uma História Comparada das Sociedades Europeias. In: História e
Historiadores. Lisboa: Teorema, 1998. p. 119-150.
160
BURKE, P. Métodos e modelos: comparação. In: História e teoria social. São
Paulo: Editora UNESP, 2002. p. 39-46.
PAIVA, João Cirino de. Crônicas - História de Corinto: Projeto Cristo Rei. 1. Ed.
Belo Horizonte: Gráfica Literatura Ltda., 2006. 368 p. v. 1.
161
ÍNDICE REMISSIVO DOS AUTORES
163