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PALAVRAS 11

Teste de avaliação – 11.º ano novembro 2021

Educação Literária

Grupo I (110 pontos)

A (80 pontos)

Lê atentamente o seguinte texto e consulta as notas apresentadas.

Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm
os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem, e não falam. Uma só cousa pudera
desconsolar ao Pregador, que é serem gente os peixes, que se não há de converter. Mas
esta dor é tão ordinária que já pelo costume quase se não sente. Por esta causa não
5 falarei hoje em Céu, nem Inferno; e assim será menos triste este Sermão, do que os meus
parecem aos homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins.
Vos estis sal terrae. Haveis de saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós,
tem duas propriedades, as quais em vós mesmos se experimentam: conservar o são, e
preservá-lo, para que se não corrompa. Estas mesmas propriedades tinham as pregações
10 do vosso Pregador S. António, como também as devem ter as de todos os Pregadores.
Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conservar, e
repreender o mal, para preservar dele. Nem cuideis, que isto pertence só aos homens,
porque também nos peixes tem seu lugar. Assim o diz o grande Doutor da Igreja São
Basílio (…) Não só há que notar, diz o Santo, e que repreender nos peixes, senão
15 também que imitar, e louvar. Quando Cristo comparou a sua Igreja à rede de pescar,
Sagenae missae in mare, diz que os pescadores recolheram os peixes bons, e lançaram
fora os maus: Colegerunt bonos in vasa, malos autem foras miserunt. E onde há bons, e
maus, há que louvar, e que repreender. Suposto isto, para que procedamos com clareza,
dividirei, peixes, o vosso Sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas
20 virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios. E desta maneira satisfaremos às
obrigações do sal, que melhor vos está ouvi-las vivos, que experimentá-las depois de
mortos.
Começando, pois, pelos vossos louvores, irmãos peixes, bem vos pudera eu dizer,
que entre todas as criaturas viventes, e sensitivas, vós fostes as primeiras que Deus
criou.
Padre António Vieira, Sermões, II (Obras Escolhidas, vol. XI), 2.ª ed., Lisboa: Sá da Costa, 1997.
[“Sermão de Santo António (aos Peixes)”, cap. II, pp. 161-162.].

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Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
1. Contextualiza o excerto transcrito na estrutura interna da obra a que pertence,
justificando.
2. Identifica a crítica e o seu alvo presentes no primeiro parágrafo.
3. O pregador apresenta neste excerto a divisão do sermão.
3.1. Mostra como procedeu a essa divisão.
4. Liga os elementos das colunas A e B, de modo a obteres afirmações verdadeiras sobre o
“Sermão de Santo António (aos Peixes)”, de Padre António Vieira.

A B
1. O conceito predicável a) destaca que a terra está corrupta porque
ou o sal não salga ou a terra não se deixa
salgar.
2. Metaforicamente, devemos entender o sal b) recursos como a interrogação retórica, a
antítese, a metáfora, entre outros.
3. Vieira tomou como exemplo Santo c) simbolizam a soberba, o parasitismo, a
António, arrogância e a vaidade.
4. Entre as principais virtudes dos peixes, d) permite ao orador explorar o tema através
tomados na generalidade, da metáfora do sal.
5. A nível estilístico, Vieira emprega com e) que trocou o púlpito e as praças, onde os
frequência homens não o ouviam, pelas praias, para
falar aos peixes.
f) como a doutrina difundida pelos
pregadores.
g) referem-se a qualidade de bons ouvintes e
a obediência a Deus.

B (30 pontos)
CENA III
Madalena, Telmo, Maria

Maria (entrando com umas flores na mão, encontra-se com Telmo, e o faz tornar
para a cena)
- Bonito! Eu há mais de meia hora no eirado passeando — e sentada a olhar
para o rio a ver as faluas e os bergantins que andam para baixo e para cima — e já
5 aborrecida de esperar… e o senhor Telmo, aqui posto a conversar com minha mãe,
sem se importar de mim! — Que é do romance que me prometestes? não é o da
batalha, não é o que diz:
Postos estão, frente a frente,
Os dois valorosos campos;
10 é o outro, é o da ilha encoberta onde está el rei D. Sebastião, que não morreu e que
há de vir, um dia de névoa muito cerrada… Que ele não morreu: não é assim,
minha mãe?

Madalena
- Minha querida filha, tu dizes coisas! Pois não tens ouvido, a teu tio Frei
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15 Jorge e a teu tio Lopo de Sousa, contar tantas vezes como aquilo foi? O povo,
coitado, imagina essas quimeras para se consolar na desgraça.

Maria
- Voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe: eles que andam tão
crentes nisto, alguma coisa há de ser. Mas ora o que me dá que pensar é ver que,
20 tirado aqui o meu bom velho Telmo (Chega-se toda para ele, acarinhando-o),
ninguém nesta casa gosta de ouvir falar em que escapasse o nosso bravo rei, o
nosso santo rei D. Sebastião. — Meu pai, que é tão bom português, que não pode
sofrer estes castelhanos, e que até às vezes dizem que é de mais o que ele faz e o
que ele fala… em ouvindo duvidar da morte do meu querido rei D. Sebastião…
25 ninguém tal há de dizer, mas põe-se logo outro, muda de semblante, fica pensativo
e carrancudo: parece que o vinha afrontar, se voltasse, o pobre do rei. — Ó minha
mãe, pois ele não é por D. Filipe; não é, não?

Madalena
- Minha querida Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas
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que são tão pouco para a tua idade! Isso é o que nos aflige, a teu pai e a mim;
queria-te ver mais alegre, folgar mais, e com coisas menos…

Maria
- Então, minha mãe, então! — Veem, veem?… também minha mãe não
gosta. Oh! essa ainda é pior, que se aflige, chora… ela aí está a chorar… (Vai-se
35 abraçar com a mãe, que chora.) Minha querida mãe, ora pois então! — Vai-te
embora, Telmo, vai-te: não quero mais falar, nem ouvir falar de tal batalha, nem de
tais histórias, nem de coisa nenhuma dessas. — Minha querida mãe!
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa (Ato I)

5. Apresenta a perspetiva de Maria sobre a figura de D. Sebastião e aponta os dois


argumentos usados por D. Madalena para contrapor as afirmações da filha.
6. Refere três traços caracterizadores do perfil psicológico de Maria, evidenciados
nesta cena.

Grupo II (50 pontos)


Leitura | Gramática

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção
escolhida.
I have a dream1

Há cem anos, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos, assinou a
Proclamação da Emancipação. (…) Contudo, cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem
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Martin Luther King (1929-1968), ativista norte-americano pelos direitos dos negros, pronunciou este discurso no
Lincoln Memorial, em Washington D. C., em 28.08.1963, aquando de uma Marcha Nacional em que participaram 250 000
pessoas. Este discurso é conhecido pelo título: “I have a dream”.

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anos depois, a vida do Negro é ainda lamentavelmente restringida pelas algemas da segregação
e pelas correntes da discriminação. Cem anos depois, o Negro continua a viver numa ilha
isolada de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o
5 Negro ainda definha nas margens da sociedade americana, exilado na sua própria terra. E por
isso viemos aqui hoje para chamar a atenção para esta condição vergonhosa. (…)
Mas há uma coisa que eu devo dizer ao meu povo, que se encontra no caloroso limiar que
conduz ao palácio da justiça: ao conquistar o nosso legítimo lugar, não façamos o mal. Não
tentemos satisfazer a sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. Teremos sempre
10 de travar a nossa luta ao nível mais elevado da dignidade e da disciplina. Não podemos deixar
que o nosso protesto construtivo degenere na violência física. Teremos de nos erguer uma e
outra vez às alturas majestosas para defrontar a força física com a força da consciência. (…)
Há quem pergunte aos militantes dos direitos civis: “Quando é que ficarão satisfeitos?”
Nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade
15 policial. Nunca estaremos satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados das fadigas da
viagem, não puderem ser alojados nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Nunca
estaremos satisfeitos enquanto a mobilidade social do Negro se limitar à passagem de um gueto
pequeno para um gueto maior. Nunca poderemos estar satisfeitos enquanto um Negro no
Mississipi não puder votar e um Negro em Nova Iorque achar que não há nada por que valha a
20 pena votar. Não, não, não estamos satisfeitos, e nunca estaremos satisfeitos até que “a justiça
corra como água e a retidão como uma corrente poderosa”. (…)
Não nos percamos no vale do desespero, digo-vos hoje, meus amigos. E, por isso, embora
enfrentemos as dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho. É um sonho
profundamente enraizado no sonho americano.
25 Tenho um sonho de que um dia esta nação se vai erguer e viver o verdadeiro significado do
seu credo: consideramos estas verdades por si só evidentes – todos os homens nascem iguais.
(…)
Tenho um sonho de que os meus quatro filhos pequenos vivam um dia num país onde serão
julgados não pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu caráter.
30 Tenho um sonho, hoje!
(…)
E quando isto acontecer, quando deixarmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos
ressoar de cada aldeia e de cada lugar, de cada estado e de cada cidade, poderemos apressar o
dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos,
35 poderão dar as mãos e cantar as palavras do velho espiritual negro:
“Finalmente livres! Finalmente livres!
Louvado seja Deus Todo-Poderoso, somos livres, finalmente!”
Chris Abbott, 21 Discursos que mudaram o mundo, Lisboa: Bertrand, 2011, pp. 51-55.

1. O texto apresenta características específicas do género


(A) apreciação crítica.
(B) discurso político.
(C) texto de opinião.
(D) artigo de divulgação científica.

2. O orador recorre várias vezes à repetição


(A) de uma forma intencional.
(B) de forma aleatória.
(C) por hesitação.
(D) por engano.

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3. O tema do texto é
(A) a história da escravatura nos Estados Unidos.
(B) a denúncia da corrupção política.
(C) a liberdade.
(D) a igualdade entre negros e brancos.

4. O orador
(A) dirige-se, na terceira pessoa, a todos os negros presentes.
(B) relembra um sonho que teve.
(C) dirige-se, na primeira pessoa do plural, a toda a humanidade.
(D) apela a uma sociedade mais justa e mais livre.

5. O texto apresenta
(A) várias marcas de terceira pessoa nas formas verbais, nos pronomes e nos
determinantes.
(B) caráter persuasivo, informação seletiva e dimensão ética e social.
(C) caráter demonstrativo, concisão e objetividade.
(D) título, subtítulo, notas de rodapé, epígrafe e bibliografia.

6. A repetição da palavra “Negro” contribui para a coesão


(A) gramatical referencial.
(B) lexical.
(C) gramatical interfrásica.
(D) gramatical frásica.

7. O segmento “Há cem anos, um grande americano (…) assinou a Proclamação da


Emancipação” (ll. 1-2) veicula o valor aspetual
(A) perfetivo.
(B) imperfetivo.
(C) habitual.
(D) genérico.

8. Classifica a oração “que eu devo dizer ao meu povo” (l. 8).


9. Identifica as funções sintáticas desempenhadas pelas expressões sublinhadas na frase:
“digo--vos hoje, meus amigos” (l.22).
10. Identifica o referente do pronome presente em “quando a deixarmos ressoar de cada
aldeia e de cada lugar” (ll.32-33).

Grupo III (40 pontos)


Escrita
Redige um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 180 e um máximo de 240
palavras, sobre o respeito pelos direitos humanos na atualidade. Para fundamentares o teu
ponto de vista, recorre a dois argumentos, ilustrando cada um deles com um exemplo
significativo.
Não te esqueças de planificar previamente o teu texto e de o rever. Deves ter em conta as
marcas específicas deste género textual.

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Bom trabalho!

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