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Sátira do engenho ou o engenho da sátira?

João
Adolfo Hansen compõe, em A Sátira e o Engenho, um
vasto painel da vida literária e cultural da Bahia no
século x v ii. Aborda os poemas satíricos de Gregório de
Matos, os tratados retóricos da época e os documentos
históricos, como as delações de pecados e heresias ao
Santo Ofício e as atas da Câmara de Salvador. Entre tais
papéis, encontram-se as cartas endereçadas a um certo
dr. Gregório de Matos e Guerra, procurador da Bahia
em Lisboa em 1673.
É a poesia de Gregório revolucionária, transgressora,
libertária? João A dolfo Hansen mostra que não: “ a sátira
não está, de modo algum, contra a moral” . A sátira
barroca fala mal de tudo e de todos, do governador
despótico aos mulatos atrevidos, passando pelos padres
sodomitas, comerciantes safados, mulheres adúlteras e
cornos conformados. M as essa crítica retórica e poética
de costumes se faz, segundo Hansen, para corrigir
excessos e desvios e preservar as normas e hierarquias
sociais. O riso da sátira é assim incidental, colocando
as convenções do ridículo a serviço da prudência e da
moderação.
Para chegar a essa visão radical e inovadora da poesia
barroca brasileira, João Adolfo Hansen analisou a sátira
de Gregório de M atos a partir da tradição retórica do
século x v ii, em que a obscenidade e a maledicência estão
previstas por regras precisas. Convida o leitor a um
fascinante mergulho na poética clássica de Aristóteles e
Quintiliano, e na barroca de Gracián e Tesauro.
Rompendo com a crítica biográfica, Hansen se afasta
dos clichês românticos sobre a suposta vida do poeta,
o Aristófanes das mulatas, retratado habitualmente
como ébrio, boêmio, louco, mordaz, vadio, obsceno e
libertino. Em A Sátira e 0 Engenho, emerge a figura difusa
do dr. Gregório de Matos e Guerra, a quem se atribuiu a
autoria dos poemas satíricos compilados no século xvm :
E mais não digo; que a Musa topa/Em apa, em epa, em
ipa, em opa, em upa” .

Roberto Ventura

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