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Criminologia: Breve Renovação Histórica

Des. Honildo Amaral de Mello Castro*

A Constituição Federal de 1988 disciplinou no seu artigo 98, caput e inciso que "a
União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: Juizados Especiais,
providos por juizes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o
julgamento e a execução de ... infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante
os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a
transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau" razão pela
qual foi editada e promulgada a Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1.995 e
que entrou em vigência após vacatio legis de sessenta dias.

Alguns professores de renomada asseveram que este diploma legal é o resultado da


preocupação do jurista brasileiro com um "...processo penal de melhor qualidade com o
intuito de alcançar um processo de resultados" ou seja um processo que disponha de
instrumentos adequados à tutela de todos os direito, com o objetivo de assegurar
praticamente a utilidade das decisões. Trata-se do tema da efetividade do processo,
em que se põe em destaque a instrumentalidade do sistema processual em relação ao
direito material e aos valores sociais e políticos da nação significando, assim,
verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro, corajosa inovação sem
similar no direito comparado".

Assim é, na verdade, certo ainda que estabelece o seu campo de abrangência ante a
natureza da infração de menor potencialidade ofensiva, onde se fazem presentes dois
componentes: o primeiro, positivo, quando estabelece a duração da pena até um ano -
art. 61 - e, o segundo, negativo, quando exclui os casos em que a lei preveja
procedimento especial, contido na parte final do mesmo artigo.

Entretanto, curiosamente, no estudo da "Criminologia" na sua concepção histórica


constata-se não ser esta nova forma de aplicação do Direito Penal nenhuma novidade
perante a humanidade.

A criminalidade tem sido uma constante a partir do início dos tempos, eis que o delito
acompanha o homem desde sua existência como conseqüência inevitável da vida em
sociedade e da circunstância normativa da espécie, nascendo desse fato a "essencial
relatividade de la noción crimen en el tiempo y en el espacio", como nos ensina o Prof.
Uruguaio MIGUEL LANGON CUÑARRO, reportando-se a HEUYER, G, (Cfr.
Criminologia Historia Y Doctrinas, Ediciones Jurídicas Amalio M. Fernandez,
Montevideo, p.13).

O eminente Professor assevera que qualquer que seja o sistema que se adote para o
estudo desta ciência autônoma que é a Criminologia, "implica necessariamente el
conocimiento del desarrollo histórico da la misma, a través del cual resulta una especie
de presentación general de la materia y sua problemas, ya sea por el conocimiento de
las grandes concepciones que rivalizaren em ardua polémica de escuelas, como de los
maestros, ya clásicos, que formaron la disciplina cientificamente, así como del
pensamiento criminológico diferenciado por áreas geográficas y sistemas politicos" (ob.
cit. p. 12-13).

Após analisar alguns aspectos das várias escolas, louvando-se em HEUYER, G. in


Histoire des doctrines en criminologie, Revue International de Criminologie et de Police
Technique, Genebre, Suiza, 1950 nos ensina, resumidamente, que "uma pesquisa,
ainda que superficial, sobre os direitos que tenham sido considerados delitivos pelo
legislador de épocas e civilizações distintas, nos informa, quase intuitivamente, a
essencial relatividade da noção de crime no tempo e no espaço e ao manifesto
fracasso a que foram levadas as indagações feitas na pesquisa de uma noção 'natural'
de delito, independentemente da valoração efetuada por determinado legislador" (cfr.,
ob. cit. p. 13).

Elucidativa também é a referência feita a EXNER, F, in Biologia Criminal en sus rasgos


fundamentales, traducción de JUAN DEL ROSAL, Ed. Bosch, Barcelona, 1946,
afirmando que após definir Criminologia como sendo "una ciencia del ser cuyo objeto
de conocimiento se halla determinado por una valoración jurídica", preleciona que a
Criminologia, enquanto ciência, se ocupa unicamente dos direitos - "los hechos" - que
no estado atual de nossa cultura são considerados como delitos (cfr. ob. cit. pág. 23-
14).

Nasce desse princípio a essencial relatividade da noção de crime no tempo e no


espaço, realidade inconteste na evolução da humanidade.

A cultura jurídica-brasileira ao colocar no mundo a chamada Lei dos Juizados


Especiais, simplesmente externou à sociedade uma valoração jurídica da noção de
crime àqueles delitos que considerou como de menor potencialidade ofensiva,
excluindo a punição corporal decorrente da restrição da liberdade através do chamado
"sursis processual" considerando ou transformando a penalidade tradicional em
algumas restrições de direito, em trabalhos comunitários ou indenização pecuniária,
mas em verdade nada criou de novo, senão apenas renovou princípios já conhecidos
da humanidade, com uma forma procedimental atualizada.

O Professor MIGUEL LANGON CUÑARRO nos informa que no Código de Leis mais
antigo conhecido, promulgado pelo REI SUMERIO UR-NAMMU no ano 2.050 ANTES
DE CRISTO- AC "encontram-se constâncias de que a férrea lei de Talião havia cedido
lugar a uma jurisdição mais humana segundo a qual multas e indenizações substituíam
os castigos e penas corporais".

Por seu turno, KRAMER, S.N., in "La Historia Empieza en Sumer, Aymá S.A.,
Barcelona 1.961", assevera que "la tableta de arcilla nº 3191 de la colección de Nippur
del Museo de Antigüidades Orientales de Estambul, por él descifrada em 1952, de 10
cm. por 20, contentiva de ocho columnas (cuatro en el anverso y cuatro en el reverso),
de 45 compartimentos minúsculos cubiertos de caracteres sumarios cada una, encierra
el texto 'jurídico' más antigo descubierto. De las tres leyes descifradas claramente,
mencionamos una: SI UN HOMBRE A UN HOMBRE, COM UN ARMA, LOS HUESOS
HA ROTO, UNA MINA DE PLATA DEBERÁ PAGAR" (LA MINA VALIA 60 CICLOS O
SEA UNA LIBRA).

Demonstra essa breve história que nada se criou de novo, mas simplesmente se
renovou o princípio fundamental da transformação da pena corporal, e a restrição da
liberdade é uma pena corporal, dentro de uma nova sistemática procedimental, mas
cuja essência é a mesmíssima DEL REY SUMERIO UR-NAMMU: a transformação da
pena corporal em pecúnia.

Reafirmando a essencial relatividade da noção de crime no tempo e no espaço,


encontramos ainda no contexto da sociedade atual aquilo que poderia ser havido como
outro retorno a antigos princípios legais que já vigiram na humanidade, comprobatórios
de que se trata apenas de novos procedimentos decorrentes da evolução da história e
do pensamento de um povo segundo a normatividade de cada época.

O eminente Professor Espanhol ANTÔNIO GARCIA-PABLOS DE MOLINA nos ensina


que "a Criminologia é uma ciência do 'ser', empírica; o Direito, uma ciência cultural, do
'dever ser', normativa. Em conseqüência, enquanto a primeira se serve de um método
indutivo, empírico, baseado na análise e na observação da realidade, as disciplinas
jurídicas utilizam um método lógico, abstrato e dedutivo".

E, mais:

"saber empírico e saber normativo são duas categorias antagônicas". Que a


Criminologia pertença ao âmbito das ciências empíricas significa, em primeiro lugar,
que seu objeto (delito, delinqüente vítima e controle social) se insere no mundo do real,
do verificável, do mensurável, e não nos valores. Que conta com um sólido substrato
ontológico, apresentando-se ao investigador como um fato mais, como um fenômeno
da realidade. Estruturalmente isso descarta qualquer enfoque normativo. Porém a
natureza empírica da Criminologia implica, antes de tudo, que esta se baseia mais em
fatos que em opiniões, mais na observação que nos discursos ou silogismos. O
proceder dos juristas e criminólogos, assim, difere substancialmente. O jurista parte de
umas premissas "corretas" para "deduzir" delas as oportunas conseqüências. O
Criminólogo, pelo contrário, analisa uns dados e induz as correspondentes conclusões,
porém suas hipóteses se verificam - e se reforçam - sempre por força dos fatos que
prevalecem sobre os argumentos subjetivos, de autoridade. (in CRIMINOLOGIA, UMA
INTRODUÇÃO A SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS, Trad. De LUIZ FLÁVIO
GOMES, Editora RT, 1992, pág.26).

Sem querer traçar paralelos entre Criminologia e Direito, mas partindo dos princípios de
que a "Criminologia pretende conhecer a realidade para explicá-la" e de que "se
aproxima do fenômeno delitivo sem prejuízos, sem mediações, procurando obter uma
informação direta deste último" e "como é a realidade - a realidade em si mesma, tal e
como se apresenta -, para explicá-la cientificamente e compreender o problema do
crime" (Cfr. GARCIA-PABLOS DE MOLINA, ob. cit. P. 26), constata-se a preocupação
sempre evolutiva e marcante da realidade social e o retorno a uma fenomenologia
histórica através das chamadas Leis Especiais, tais como a Lei n.º 4.898, de 1965, que
trata do Abuso de Autoridade, da Lei n.º 8.072, de 1.990 que trata dos Crimes
Hediondos, da Lei n.º 7.6561, de 1945, que trata das Falências e seus crimes, o
Decreto Lei n.º 201, de 1967, que trata da Responsabilidade dos Prefeitos e
Vereadores, e em especial a Lei n.º 7.492, de 1986, relativa aos Crimes contra o
Sistema Tributário, onde os conceitos para decretação da prisão preventiva estão
condicionados a magnitude da lesão, artigo 30, sem fiança ainda que haja
primariedade - art. 31 - além de possibilitar a multa em décuplo - art. 33 - onde se
verificam que os critérios valorativos e tipificadores estão, ainda que indiretamente,
condicionados às condições sociais e profissionais do indivíduo na vida em sociedade.

Com efeito, louvando-se na história nos ensina o Prof. Miguel Langon Cuñarro que
vigia no CÓDIGO DE HAMMURABI - 1.700 AC - que ele conceitua como mais do que
um código porque o entende como "una colección de decisiones de equidade del rey
encargado de establecer la justicia, distribuidos en 250 articulos de lei, en 46 columnas
que contienem cerca de 3.600 líneas de textos, y los cuales, además de la ley talional
propria de la época, y las composiciones que obligam al hombre libre una moral más
elevada que la del esclavo y la del mushkino (ciudadano de humilde condición colocado
entre las otras dos categorias), cuyas infraciones a la ley, en ocasiones, son penas mas
duramente que las del pobre. DELAPORTE, L, Mesapotamia:Las civilizaciones
babilónicas y asíria, Cervantes, Barcelona, MCLXX V, pág. 51, 81, 111" (cfr. ob. cit.,
nota 11, pág. 14), o que nos leva a certeza de que a valoração, conceituação ou
tipificação criminal está condicionada ao pensamento da sociedade em determinado
momento, e de que, também hoje, a atribuição da pena está condicionada à condição
social, obrigando a uma moral mais elevada quanto seja a posição social, comercial ou
financeira do cidadão.

Pode-se assim afirmar, conclusivamente, que na limitação natural da sociedade


humana exsurge a essencial relatividade da noção de crime no tempo e no espaço e
consequentemente "y el fracaso manifiesto a que han llevado cuntas indagaciones se
han realizado en procura de una noción "natural" de delito, independiente de la
valoración efectuada por el legislador determinado de que se trata".(Ob. cit. p. 13).

Retirado de: http://cf6.uol.com.br/consultor/arti.cfm?numero=1785


http://www.direitoejustica.com/criminologia/

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