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edições câmara

1823
A CONSTITUINTE
INTERROMPIDA
Obra comemorativa dos 200 anos da Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil –
a primeira experiência parlamentar nacional

José Theodoro Mascarenhas Menck

Prefácio de Lafayette de Andrada


Câmara dos Deputados
57ª Legislatura | 2023-2027

Presidente Comissão especial curadora destinada


Arthur Lira a elaborar e viabilizar a execução das
1º Vice-Presidente comemorações em torno do tema “Os
Marcos Pereira 200 anos da Câmara dos Deputados”
2º Vice-Presidente Lafayette de Andrada (coordenador)
Sóstenes Cavalcante
Aécio Neves
1º Secretário
Afonso Motta
Luciano Bivar
Arlindo Chinaglia
2ª Secretária
Maria do Rosário Caroline de Toni
3º Secretário Joaquim Passarinho
Júlio Cesar Laura Carneiro
4º Secretário Luiz Philippe de Orleans e Bragança
Lucio Mosquini Mauro Benevides Filho
Orlando Silva
Suplentes de secretários
Patrus Ananias
1º Suplente Paulo Magalhães
Gilberto Nascimento
Roberta Roma
2º Suplente
Roseana Sarney
Pompeo de Mattos
Soraya Santos
3º Suplente
Beto Pereira
4º Suplente
André Ferreira

Secretário-Geral da Mesa
Luís Otávio Veríssimo Teixeira
Diretor-Geral
Celso de Barros Correia Neto
Câmara dos
Deputados

1823
A CONSTITUINTE
INTERROMPIDA
Obra comemorativa dos 200 anos da Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil –
a primeira experiência parlamentar nacional

José Theodoro Mascarenhas Menck

Prefácio de Lafayette de Andrada

edições câmara
CÂMARA DOS DEPUTADOS
Diretoria-Geral: Celso de Barros Correia Neto
Consultoria-Geral: Wagner Primo Figueiredo Júnior
Consultoria Legislativa: Geraldo Magela Leite
Centro de Documentação e Informação: João Luiz Pereira Marciano
Coordenação Edições Câmara: Ana Lígia Mendes

Edição: Mariana Moura e Rachel De Vico


Preparação de originais: Seção de Revisão/Coedi
Revisão: Ana Viana
Projeto gráfico, diagramação e capa: Fabrizia Posada

2023, 1ª edição.

Linha Legado.

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)


Coordenação de Biblioteca. Seção de Catalogação.
Bibliotecária: Fabyola Lima Madeira – CRB1: 2109

Menck, José Theodoro Mascarenhas, 1963-.


1823 : a Constituinte interrompida [recurso eletrônico] / José Theodoro Mascarenhas
Menck ; prefácio de Lafayette de Andrada. – 1. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2023.
“Obra comemorativa dos 200 anos da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Im-
pério do Brasil – a primeira experiência parlamentar nacional”.
Versão e-book.
Modo de acesso: livraria.camara.leg.br
Disponível, também, em formato impresso.
ISBN 978-85-402-0918-3
1. Brasil. Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa (1823). 2. Brasil. Constituição (1824),
projeto. 3. Deputado federal, Brasil, Império (1822-1889). 4. Proposição legislativa, Brasil, Im-
pério (1822-1889). I. Título.
CDU 342.4(81)“1823”

ISBN 978-85-402-0917-6 (papel) ISBN 978-85-402-0918-3 (e-book)

Direitos reservados e protegidos pela Lei n. 9.610, de 19/2/1998.


Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem prévia autoriza-
ção da Edições Câmara, exceto nos casos de breves citações, desde que indicada a fonte.
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C’est la cendre des morts qui créa la Patrie.
Alphonse de Lamartine

O que me dá grande satisfação no meio de tudo é ver a


tranquillidade da Assembleia.
João Severiano Maciel da Costa, futuro marquês
de Queluz (Brasil, 1884a, p. 308)

Eu desafio: não há em qualquer livro didático ou de nível


superior qualquer referência à ação do Poder Legislativo
no Brasil. E este foi um Poder tão ou mais importante que
o Poder Executivo.
José Honório Rodrigues, historiador (Brasil, 2015, p. 19)
O Estado nacional brasileiro constituiu-se, na segunda
década do século XIX, como uma monarquia constitucio-
nal e, portanto, sensível ao ideário político dessa época
de transformações. Primeiramente, o país espelhou-se na
experiência inglesa do século XVIII, que logrou contro-
lar a Coroa por meio de uma atuação parlamentar que
tornava o Poder Executivo uma expressão da hegemonia
conquistada no âmbito do Poder Legislativo. A eficácia
dessa operação residia justamente no princípio do cons-
titucionalismo, com a adoção de uma divisão racional dos
poderes e das atribuições dos entes políticos. Assim, o
modelo do antigo regime, de orientação despótica, deu
lugar ao modelo liberal, que enfatizava a ampliação do
princípio da representação. Ao consultar o arquivo da
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império
do Brasil de 1823, vemos o trabalho de deputados que,
orientados pelo referido ideário político, buscaram de-
finir os princípios institucionais do jovem país, como a
soberania nacional, os direitos e deveres dos cidadãos e
a organização e o funcionamento do Estado.
Maurício Vicente Ferreira Júnior, diretor do Museu
Imperial e sócio titular do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (Brasil, 2015, p. 23)
SUMÁRIO
Apresentação............................................................................................................................................................................. 9
Prefácio..............................................................................................................................................................................................11

Introdução
A Constituinte interrompida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Capítulo I
Convocação da Constituinte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Capítulo II
Abertura da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do
Império do Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

Capítulo III
Dos deputados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Capítulo IV
Das proposições legislativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

Capítulo V
Projeto de Constituição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

Capítulo VI
Dissolução da Constituinte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

Apêndice
Nominata dos deputados da Constituinte de 1823 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

Anexos
Anexo I – Legislação referente às cortes convocadas no Rio de
Janeiro por D. João VI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Anexo II – Legislação referente ao Conselho de
Procuradores‑Gerais das Províncias convocado por D. Pedro I . . . . . . . . 189
Anexo III – Legislação referente à Constituinte de 1823 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
Anexo IV – Extrato dos Anais da Constituinte de 1823. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Anexo V – Projeto de Constituição para o Império do Brasil . . . . . . . . . . . . . . 251
Anexo VI – Documentos referentes à dissolução da Assembleia. . . . . . . . 279

Referências............................................................................................................................................................................ 287
9

APRESENTAÇÃO
Esta obra faz parte do ciclo de homenagens ao bicentenário da Câmara
dos Deputados, que ocorrerá em 2026. A primeira legislatura brasileira foi
instaurada no ano de 1826, em conformidade com a Constituição de 1824,
que estabeleceu uma monarquia constitucional representativa. Antes, no
entanto, em 1823, instaurou-se a primeira Assembleia Constituinte de
nossa história.
Fruto da pesquisa e do empenho do consultor legislativo e doutor em
História José Theodoro Mascarenhas Menck, o presente livro ilumina as-
pectos pouco discutidos de um momento riquíssimo para se compreender a
gênese da formação política nacional.
A publicação é uma honra para esta Casa. Em seu trabalho, o autor des-
creve a convocação da Constituinte, o perfil dos deputados, as proposições,
os projetos apresentados e, por fim, a dissolução da Constituinte pelo im-
perador D. Pedro I.
Com detalhes que esmiúçam o contexto político e social da época, Menck
nos apresenta as bases da formação do nosso Estado, de forma a franquear
a todos os cidadãos o acesso ao conhecimento histórico acerca das negocia-
ções ocorridas na primeira iniciativa de se escrever uma Constituição genui-
namente brasileira.
Assim, esta obra nasce como leitura fundamental para todos os que de-
sejam compreender o Brasil desde os primórdios de sua concepção como a
grande nação democrática em que nos transformamos.

Arthur Lira
Presidente da Câmara dos Deputados

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


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PREFÁCIO
No ano em que se comemora o bicentenário da nossa primeira Assembleia
Nacional Constituinte, a Edições Câmara, em boa hora, traz a lume 1823: a
Constituinte interrompida, excelente contribuição fruto de minuciosa pes-
quisa do historiador José Theodoro Mascarenhas Menck. A publicação é
parte do ciclo comemorativo do bicentenário da Câmara dos Deputados, que
teve sua primeira legislatura instalada em 1826, nos moldes da primeira
Constituição, a do império, de 1824, e que em 2026 comemorará, portanto,
dois séculos da data de sua existência.
A Constituinte de 1823 representava a consolidação da Independência,
cujo processo havia se iniciado, efetivamente, em 9 de janeiro do ano ante-
rior, com o Fico.
À guisa de contextualização, em agosto de 1820 acontecia em Portugal
a Revolução do Porto, ou Revolução Constitucionalista, que rapidamente
se espalhou por todo o país. Os revolucionários tomaram o poder, convoca-
ram uma Assembleia Constituinte que ganhou o pomposo nome de “Cortes
Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa”, a qual simplesmente cha-
mamos de “cortes de Lisboa”. Elevadas ao poder, as cortes iniciaram seus
trabalhos em janeiro de 1821 e assumiram não só o papel de Assembleia
Constituinte, mas também de órgão governamental que passou a ditar or-
dens para toda a monarquia portuguesa, em ambos os lados do Atlântico.
Com amplo apoio popular, em Portugal e também no Brasil, as cor-
tes passaram a exigir de D. João VI o regresso a sua terra natal, para
onde acabou partindo a contragosto em 24 de abril de 1821, e também
o juramento prévio à Constituição que seria elaborada. Em Portugal, o
soberano transformou-se em quase um prisioneiro no próprio palácio,
posto que o poder de fato havia sido tomado na revolução e agora era
exercido pelas cortes.
Como desde 1815 o Brasil tivesse sido elevado à categoria de Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, representantes daqui foram também
convidados a participar da Constituinte de Lisboa. Cada província brasileira
elegeu sua delegação de deputados para compor as cortes. Contudo, os por-
tugueses compunham numericamente imensa maioria naquela Assembleia.
Ao longo de 1821, foram aos poucos chegando as deputações brasileiras
de cada província, separadamente, que eram recebidas de forma fraterna em

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


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ambiente de pura harmonia no seio da Assembleia. Entretanto, no final de


setembro daquele ano, ainda com pouquíssimos representantes brasileiros
nas cortes, aprovaram-se dois decretos, que foram promulgados em 1º de
outubro e significaram profundos golpes na soberania brasileira: determi-
navam que as províncias elegeriam novas juntas provisórias que passariam
a se reportar diretamente a Lisboa e extinguiam os tribunais do Rio de Ja-
neiro e toda a alta burocracia governamental instalada no Brasil. Deliberou-
-se também que o príncipe regente deveria retornar para a Europa.
Somente em dezembro de 1821 tais notícias chegaram ao Brasil. Causou
indignação geral o teor desses decretos, sobretudo o encerramento das re-
partições públicas e o retorno do príncipe para a Europa.
A reação foi imensa e imediata. As províncias de São Paulo, Minas Gerais
e Rio de Janeiro enviaram proclamações ao príncipe apelando para que per-
manecesse no Brasil e descumprisse as determinações das cortes. No Rio de
Janeiro, organizou-se imenso abaixo-assinado com mais de 8 mil assinatu-
ras pedindo pela não partida do príncipe. De São Paulo, chegou, em 1º de
janeiro de 1822, uma delegação que representava a Junta Provisória de São
Paulo, levando uma aclamação da junta escrita por José Bonifácio, concla-
mando em tom enérgico que D. Pedro desobedecesse a ordem das cortes e
ficasse no Brasil. O texto se encerrava nestes termos:

Se V.A. Real estiver (o que não é crível) pelo deslumbrado e inde-


coroso decreto de 29 de setembro, além de perder para o mundo a dig-
nidade de homem e de príncipe, tornando-se escravo de um pequeno
número de desorganizadores, terá também que responder, perante o céu,
do rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil [...].

D. Pedro atendeu aos apelos dos brasileiros e decidiu ficar. Em 9 de ja-


neiro de 1822, aconteceu a solenidade do Dia do Fico, primeiro ato de rebel-
dia do príncipe contra Lisboa em direção à Independência.
Logo a seguir, D. Pedro nomeou José Bonifácio como ministro dos Negó-
cios do Reino e Estrangeiros, uma espécie de primeiro-ministro que acumu-
lava também as funções de chanceler. José Bonifácio convenceu D. Pedro e
sua esposa da necessidade de se fundar o Império do Brasil, independente,
sob as bases de uma monarquia constitucional, que mantivesse a dinastia de
Bragança tendo D. Pedro como imperador.
À frente do ministério, no comando do precário governo, José Bonifácio
iniciou, então, com aquiescência e total apoio de D. Pedro e todo o incentivo
de D. Leopoldina, a monumental obra de organização da nossa Indepen-
dência, com a conservação da unidade nacional e um ambicioso projeto de
nação nos trópicos.

Prefácio
13

Em 11 de janeiro, José Bonifácio decretou que qualquer lei portuguesa


precisaria ter antes o reconhecimento de D. Pedro para vigorar no Brasil.
Em 16 de fevereiro, convocou o Conselho de Procuradores-Gerais das Pro-
víncias do Brasil para “ir de antemão dispondo e arraigando o sistema cons-
titucional que [o Brasil] merece [e] com que melhor se sustente e defenda a
integridade e liberdade deste fertilíssimo e grandioso país”. No dia seguinte,
proibiu o desembarque de tropas portuguesas no Brasil. Pouco depois, ex-
pulsou do Rio de Janeiro as tropas lusitanas sob o comando do general
Avilez. Organizou o Exército brasileiro e convidou o general Labatut, francês
veterano das guerras napoleônicas, para o comando das tropas. Criou a Ma-
rinha nacional, adquirindo navios de guerra para enfrentar a esquadra por-
tuguesa, e convidou para comandá-la o almirante escocês lorde Cochrane,
famoso por suas façanhas e vitórias em batalhas navais pela esquadra bri-
tânica durante as guerras napoleônicas. Em 3 de junho, de acordo com os
procuradores-gerais, mandou “convocar uma assembleia geral constituinte
e legislativa, composta de deputados das províncias do Brasil”.
O grande desafio naquele momento era atrair as províncias para aceita-
rem o governo central de D. Pedro no Rio de Janeiro e assim manter a inte-
gridade do país. A América lusitana era muito vasta e composta por muitas
províncias que, na verdade, quase não tinham laços entre si. Além disso, a
maioria das províncias havia aderido ao vínculo direto às cortes de Lisboa,
embaladas no entusiasmo da revolução do Porto de 1820. Era muito imi-
nente o risco de acontecer no Brasil o que estava ocorrendo com a América
espanhola, que ia se dividindo em várias repúblicas.
Ao longo de 1822, José Bonifácio concentrou-se em movimentar as peças
nesse complexo tabuleiro para manutenção da unidade nacional e também
no confronto direto contra Portugal, que obviamente tudo fazia para impe-
dir nossa separação. O Patriarca da Independência aos poucos foi atraindo,
uma a uma, as províncias brasileiras para a causa, em franco duelo com as
cortes de Lisboa, que ditavam ordens governamentais em sentido contrário.
Focos de resistência à causa da Independência ocorriam com certa força
nas províncias da Bahia, do Grão-Pará e do Piauí, e nestas a guerra foi inevi-
tável. Também ocorreram conflitos armados no Maranhão e no Ceará. Minas
Gerais colocou-se numa posição distante, no fundo pretendendo indepen-
dência própria. Havia sérios problemas também na Cisplatina, que posterior-
mente se separaria do país, tornando-se a República Oriental do Uruguai.
Na capital, José Bonifácio enfrentou a oposição de um grupo mais radi-
cal, favorável também à Independência, porém propenso inicialmente à so-
lução republicana, nos moldes da América do Norte. Esse grupo era liderado
pelo presidente do Senado da Câmara, o juiz de fora José Clemente Pereira,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


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juntamente com Gonçalves Ledo e o cônego Januário Barbosa. Consegui-


ram aos poucos se aproximar de D. Pedro e atraí-lo para a Maçonaria, onde
tinham domínio. Buscavam conquistar a confiança do príncipe para tentar
esvaziar o poder de José Bonifácio e, enfim, assumir o lugar deste.
As divergências entre o grupo de José Bonifácio e o de Clemente e de
Ledo se acirravam e ganharam projeção nos jornais, nos espaços públicos e
privados, onde as desavenças políticas eram recheadas de paixão. Ao mesmo
tempo, em Portugal as cortes avançavam em decisões contrárias à autono-
mia do Brasil, acirrando também lá o conflito entre deputados portugueses
e brasileiros.
Foi nesse contexto que, em 3 de junho de 1822, José Bonifácio decidiu
pela convocação da Assembleia Constituinte brasileira, que, trazendo repre-
sentantes de todas as províncias, ajudaria a consolidar a independência e a
unidade nacional. Isso vinha sendo cobrado pela imprensa e pelo grupo de
Ledo. Entretanto, o ministro considerava que era necessário consolidar-se
um centro de força e união no Rio de Janeiro em torno do príncipe, para só
então se iniciarem os trabalhos da Constituinte. E isso se deu apenas em
maio do ano seguinte, em 1823.
Em Portugal, acaloravam-se as disputas entre os deputados brasileiros e
lusitanos nas cortes de Lisboa. Lá Antônio Carlos, irmão de José Bonifácio,
liderava com toda bravura a delegação brasileira. A rivalidade entre depu-
tados brasileiros e lusos àquela altura, a partir de fins de março de 1822,
estava posta e tornava-se incontornável. As deliberações da Assembleia
passaram a ser sempre no sentido de recolonizar o Brasil, desconstruindo-
-se toda a obra de D. João VI e a autonomia implantada desde a criação do
Reino Unido.
Em junho de 1822, em clima de absoluta rivalidade entre portugueses e
brasileiros, as cortes de Lisboa começaram a cogitar efetivamente o envio de
tropas para o Brasil. Nos debates, que se inflamavam, falava-se ostensiva-
mente em exigir a volta de D. Pedro e a prisão de José Bonifácio. Em julho, o
diálogo já não mais existia entre os representantes dos dois lados do Atlân-
tico. O Congresso deixou de ser um centro de debates, e a Assembleia, diante
da separação do Brasil, demanda que vinha se impondo, só acreditava na
força das tropas. Somente uma guerra civil significaria uma saída possível
para o impasse. Impunham-se medidas para se aniquilarem as resistências
e se prender José Bonifácio, o nome mais odiado nas cortes, que via sua
atividade em todos os passos que levavam à emancipação. O principal líder
português nas cortes, o deputado Borges Carneiro, exclamou no plenário da
Assembleia: “Ali no Rio, um só homem, José Bonifácio de Andrada e Silva,
com a energia de seu caráter improvisa forças de mão e ferro, acha recursos

Prefácio
15

em abundância, e nos põe pela porta fora com a maior sem-cerimônia pos-
sível” (Dolhnikoff, 2012, p. 148). Segundo Raymundo Faoro, “antes que os
brasileiros o consagrassem, consagraram-no os portugueses com o título de
‘Patriarca da Independência’” (Menck, 2019, p. 122).
Em meados de junho, ante o clima exaltado nas cortes, Antônio Carlos
escreveu de Lisboa a D. Pedro e a José Bonifácio um relato sobre o que se
passava na Assembleia. Nas cartas, dizia que os deputados portugueses co-
gitavam enviar tropas para o Brasil, obrigar o retorno do príncipe, e prender
José Bonifácio juntamente com os membros da junta paulista que assina-
ram a proclamação de dezembro propondo o Fico. Antônio Carlos expunha
que o que se desejava por lá era reduzir o Brasil a uma província submetida
a Portugal, quase uma colônia novamente.
As correspondências de Antônio Carlos a José Bonifácio e a D. Pedro
que contavam os acontecimentos de Lisboa chegaram ao Rio de Janeiro
no final de agosto de 1822, juntamente com documentos oficiais das cor-
tes. A notícia de que se falava em obrigar a volta de D. Pedro, aqui já visto
como nosso soberano, e a prender José Bonifácio, aqui visto como pode-
roso ministro do império, além da pretensão de reduzir o Brasil à condição
análoga à de colônia, caiu como uma bomba. Todavia, quando tais cartas
chegaram ao Rio de Janeiro, D. Pedro estava em viagem para São Paulo.
José Bonifácio solicitou à princesa a convocação de uma reunião urgente
do Conselho de Ministros, o que de pronto fez D. Leopoldina, na qualidade
de regente devido à ausência do príncipe. O Conselho se reuniu sem de-
mora e decidiu que era necessário informar imediatamente a D. Pedro tudo
o que se passava em Portugal.
A José Bonifácio pareceu que chegara o momento decisivo e, então, es-
creveu a D. Pedro, e concluiu nestes termos:

o dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravi-


dão e horrores. Venha V.A. quanto antes e decida-se; porque irresoluções
e medidas d’água morna, à vista desse contrário que não nos poupa,
para nada servem e um momento perdido é uma desgraça. (Menck, 2019,
p. 147)

Com a carta de José Bonifácio, seguiram a correspondência oficial de Lis-


boa, a carta de Antônio Carlos para o príncipe e outra de Chamberlain, o
adido inglês que estava a par de tudo o que acontecia, além de uma carta da
princesa D. Leopoldina em que concitava o marido ao grande gesto:

O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o
vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já,
senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


16

conheceu todas as cortes da Europa, que além de vosso ministro fiel, é o


maior de vossos amigos. Ouvi o conselho de vosso ministro, se não qui-
serdes ouvir o de vossa amiga. Pedro, o momento é o mais importante de
vossa vida. (Menck, 2017, p. 81-21)

Ao portador, o oficial da Secretaria do Conselho Supremo Militar Paulo


Emílio Bregaro, José Bonifácio teria dito: “Se não arrebentar uma dúzia de
cavalos no caminho, nunca mais será correio; veja o que faz” (Menck, 2022,
p. 191).
Nas proximidades da cidade de São Paulo, às margens do Rio Ipiranga,
D. Pedro recebeu, em 7 de setembro 1822, o conjunto de correspondências e
solicitou ao padre Belchior, seu particular amigo e confidente, sobrinho de
José Bonifácio, que as lesse em voz alta, o que ele fez imediatamente. To-
mado de grande cólera e indignação, D. Pedro virou-se para ele e perguntou:
“E agora, padre Belchior?” (Menck, 2022, p. 194), ao que este prontamente
retrucou fazendo-lhe ver que não havia outro caminho senão a separação.
A seguir, ocorreu o Grito do Ipiranga, o famoso “Independência ou Morte”.
Esse mote era o nome de uma das três palestras que compunham o Apos-
tolado, sociedade maçônica criada por José Bonifácio, da qual D. Pedro era
também membro e que antagonizava com o Grande Oriente, cujo domínio
pertencia ao grupo de Ledo.
Em 12 de outubro daquele mesmo ano, ocorreu a aclamação de D. Pedro
como imperador. Novo conflito se instalou entre José Bonifácio e o grupo de
Ledo. Este, em reunião reservada no Grande Oriente, obteve a concordância
de D. Pedro para, na solenidade, jurar antecipadamente a futura Consti-
tuição que seria elaborada pela Assembleia Constituinte já convocada. José
Bonifácio, quando soube, interveio e convenceu D. Pedro da inconveniência
de tal atitude. A cerimônia da aclamação aconteceu sem o juramento prévio
à futura Constituição. Por fim, em 1º de dezembro de 1822, ocorreu a coroa-
ção de D. Pedro I como imperador do Brasil.
No ano seguinte, em 3 de maio de 1823, instalou-se então a Assembleia
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Ela demarcava a consolida-
ção da nossa Independência e principalmente a concretização da unidade
territorial do vasto império autônomo, o novo Império do Brasil. Represen-
tantes de todas as províncias estavam presentes naquela augusta Assem-
bleia, símbolo maior da soberania e autonomia nacional.
Cada província enviou seus deputados eleitos para representá-las. De
acordo com o barão Homem de Mello (1863), historiador do século XIX, a
Assembleia reuniu o que havia de melhor e de mais ilustrado em cada pro-
víncia para a importante tarefa de elaborar nossa Carta Magna. Figuras im-
portantes, que teriam no futuro posição de destaque na política nacional no

Prefácio
17

Primeiro e no Segundo Reinado, ali estavam presentes. Apenas para elencar


alguns, citamos os três irmãos Andrada (José Bonifácio, Martim Francisco
e Antônio Carlos), Araújo Lima, Carneiro de Campos, Cairu, monsenhor
Muniz Tavares, Martiniano de Alencar, Costa Aguiar de Andrada, Nicolau
Vergueiro, os antigos inconfidentes mineiros Resende Costa Filho e padre
Manuel Rodrigues da Costa, Fernandes Pinheiro, padre Belchior (que estava
junto de D. Pedro no Grito do Ipiranga), entre tantos outros.
Os trabalhos da Constituinte se iniciaram e havia plena harmonia entre
a Assembleia e o imperador. Antônio Carlos, veterano das cortes de Lisboa
e que havia redigido a Constituição provisória da República de Pernambuco
de 1817, foi eleito relator, cabendo-lhe redigir o texto-base sobre o qual
seria discutida a proposta de Constituição. Seus irmãos José Bonifácio e
Martim Francisco estavam à frente do governo junto a D. Pedro.
Em julho, porém, as coisas mudaram, modificando-se as posições das
peças no tabuleiro do xadrez político. Os Andradas se demitiram do governo
e D. Pedro I formou novo ministério, composto de ministros portugueses,
em sua maioria. Foi uma decisão impopular num momento em que havia
grande rivalidade entre brasileiros e lusos, exatamente quando estávamos
tentando consolidar o rompimento dos laços com Portugal. A decisão de
demitir os Andradas, considerados vultos da Independência, e nomear um
ministério português repercutiu muito mal perante os brasileiros, um ver-
dadeiro balde de água fria, que levou a popularidade de D. Pedro a começar
a se desfazer fortemente.
Por trás desses acontecimentos, dessas decisões tão equivocadas po-
liticamente por parte de D. Pedro, estava a influência de D. Domitila de
Castro Canto e Melo, sua amante, futura marquesa de Santos, e de Francisco
Gomes da Silva, o Chalaça, amigo íntimo do imperador e seu colega de far-
ras e aventuras, que trabalhavam em conluio e financiados pela aristocracia
portuguesa do Rio de Janeiro.
D. Pedro havia conhecido Domitila na viagem a São Paulo em setembro
do ano anterior, dias antes do Grito do Ipiranga, e apaixonou-se por ela,
uma paixão avassaladora. O romance se intensificou, e ele a instalou no
Rio de Janeiro em 1823. Desde então, ela passou a influenciar fortemente
D. Pedro. Aliando-se ao Chalaça e aproximando-se dos portugueses absolu-
tistas inimigos dos Andradas, começou uma guerra de intrigas contra José
Bonifácio, que reprovava a relação. José Bonifácio tinha grande amizade
com a imperatriz D. Leopoldina, e havia entre ambos uma afinidade e admi-
ração mútuas, dados a elevada cultura que possuíam, bem acima da média
dos que os cercavam, e o interesse comum pelas ciências. Conversavam em
francês e alemão.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


18

O romance ostensivo de D. Pedro com Domitila fez deteriorar a sincera


amizade entre o imperador e os Andradas. O convívio entre eles foi se des-
gastando à medida que a presença de Domitila se impunha: ela passou a
aparecer com D. Pedro publicamente, em afronta aberta à imperatriz, o que
os Andradas não admitiam. Por fim, já com as relações pessoais estremeci-
das com o imperador, os Andradas deixaram o governo em 17 de julho de
1823 e foram tomar assento nos debates da Constituinte.
Medidas impopulares do novo ministério em favor dos portugueses ab-
solutistas residentes no Brasil começaram a repercutir politicamente na
Assembleia Constituinte, composta quase na sua totalidade por brasilei-
ros. Paradoxalmente, a situação se inverteu. Depois de tantos esforços pela
causa da independência contra Portugal, agora os portugueses residentes
no Brasil estavam empoderados e prestigiados.
Naturalmente, os ânimos entre brasileiros e portugueses se acirraram.
Cresceu, na imprensa, a oposição ao governo e aos portugueses. Os próprios
Andradas criaram um jornal de oposição, O Tamoyo, que juntamente com o
Sentinella da Liberdade à Beira Mar da Praia Grande, fez intensa oposição ao
governo. A Assembleia obviamente assumiu postura antilusitana em defesa
dos brasileiros liderada pelos Andradas.
No início de novembro de 1823, um episódio que poderia ser visto
em tempos normais como algo sem muita importância causou grande
repercussão, mudando os destinos da Constituinte. O boticário David
Pamplona, confundido com o autor de uma carta agressiva contra os portu-
gueses publicada no Sentinella e assinada por um “Brasileiro Resoluto”, foi
espancado na rua de noite por dois militares portugueses. Pamplona repor-
tou o fato à Assembleia e pediu providências. Os debates naquele congresso
em torno do episódio se agigantaram. Irromperam discursos inflamados em
defesa da nacionalidade brasílica e contra os portugueses. As galerias re-
pletas de populares aplaudiram e vibraram com os discursos nacionalistas.
Os ânimos se inflamaram e se agitaram. Martim Francisco e Antônio Carlos
fizeram eloquentes discursos.
Antônio Carlos: “Foi o cidadão ultrajado e espancado por ter ofendido
os indivíduos agressores, ou foi por ser brasileiro, e ter aferro e afinco à in-
dependência do seu país, e não amar o bando de inimigos, que por descuido
nosso se têm apoderado das nossas forças?”.
Martim Francisco: “Infames! Assim agradecem o ar que respiram, o ali-
mento que os nutre, a casa que os abriga, e o honorífico encargo de nossos
defensores, a que indiscretamente os elevamos! Que fatalidade, brasileiros!
Vivem entre nós estes monstros, e vivem para nos devorar!”.

Prefácio
19

As galerias estavam repletas, vibravam exaltadas com cada discurso con-


trário aos portugueses. Uma autorização para que os populares ocupassem
também o recinto dos debates foi solicitada e concedida. Todavia, diante do
tumulto na sessão, o presidente suspendeu os trabalhos e convocou nova
sessão para o dia seguinte. Antônio Carlos e Martim Francisco foram leva-
dos sobre os ombros pela multidão. Seguiu-se, então, uma onda de xenofo-
bia antilusitana que acirrou ainda mais os ânimos no Rio de Janeiro.
Iniciou-se a partir de então movimento intenso de tropas nas ruas do
Rio de Janeiro, provocando receios e assustando as pessoas. Quando os
trabalhos da Assembleia se reiniciaram no dia seguinte, 11 de novembro,
questionou-se a razão dos constantes movimentos das tropas e por que elas
estavam se aquartelando em torno do Palácio de São Cristóvão. Chegou,
então, à Assembleia um ofício informando que uma alta oficialidade, fiel
ao imperador, se sentira agredida pelos jornais e discursos e solicitara a
expulsão de deputados agitadores e a suspensão da circulação de jornais
exaltados.
Durante os debates sobre a resposta apresentada, aprovou-se a proposta
de Antônio Carlos de que a Assembleia se declarasse em sessão perma-
nente “enquanto durarem as inquietações na cidade” e que se solicitem ao
governo “os motivos dos estranhos movimentos militares que perturbam a
tranquilidade desta capital” (Brasil, 1884a, p. 287). Essa sessão, que varou a
madrugada do dia 11 para o dia 12 de novembro, viria a ser chamada “Noite
da Agonia”. Deliberou-se convocar o ministro do império para dar expli-
cações mais detalhadas sobre o conteúdo daquele ofício. Comparecendo
à Assembleia na manhã do dia seguinte, dia 12 de novembro, o ministro
Francisco Vilela Barbosa explicou que a reivindicação das tropas era que a
Assembleia expulsasse os irmãos Andradas da Constituinte e que os dois
principais jornais de oposição cujo fechamento solicitavam eram O Tamoyo
e o Sentinella da Liberdade. Ouviram-se algumas vozes exigindo que se de-
clarasse o imperador fora da lei.
Pouco depois da retirada do ministro do recinto, por volta das 13h, as
tropas cercaram o prédio da Cadeia Velha, onde se reunia a Assembleia, e
um oficial adentrou e entregou ao presidente o decreto do imperador pelo
qual dissolveu-se a Constituinte. O próprio D. Pedro estava junto à tropa
do lado de fora. Os Andradas e seus amigos mais próximos foram presos e
poucos dias depois deportados com suas famílias.
Encerravam-se os trabalhos da nossa primeira Assembleia Nacional
Constituinte. No decreto que a dissolveu, D. Pedro dizia que ela faltara ao
juramento de defender a integridade e a independência do império e a sua
dinastia, bem como convocava outra, à qual apresentaria um projeto mais
liberal que aquele que fora elaborado.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


20

Se, na construção da Independência, temos em José Bonifácio a princi-


pal figura a dirigir o rumo das ações na edificação de um projeto de nação
para o Brasil, na Constituinte é seu irmão, Antônio Carlos, a grande figura
a conduzir os debates e a propor uma Carta Constitucional moderna para
os brasileiros. Joaquim Manoel de Macedo, historiador que viveu no século
XIX escreveu:

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva foi o tipo da elo-


quência parlamentar no Brasil. Sofreu tormentos pela causa da liberdade,
perpetuou seu nome como benemérito, e heroico paladino da indepen-
dência da pátria; sua memória porém é ainda hoje o mais alto monu-
mento da glória parlamentar do Brasil. Em 1823 é Antônio Carlos o vulto
homérico da constituinte brasileira: foi o mais eloquente e prestigioso
orador dessa augusta assembleia.

O projeto de Constituição de Antônio Carlos trazia conceitos modernos


para a época e até hoje consagrados. Consignava a liberdade de expressão, a
presunção de inocência, o tribunal do júri, a liberdade de pensamento e de
credo religioso, a individualidade das penas, a penalização do abuso de au-
toridade, a proibição de prisão arbitrária, a prisão somente após a condena-
ção, o direito de propriedade, a propriedade intelectual, a inamovibilidade
dos juízes; enfim, era um texto bastante moderno para a época.
Aquele texto serviu de base, de espinha dorsal, para a Constituição do
Império de 1824, outorgada por D. Pedro I, que nela acrescentou o Poder
Moderador e fez algumas adaptações. No conjunto, a Constituição de 1824,
a mais longeva de nossa história, muito se assemelhava à Carta elaborada
por Antônio Carlos que vinha sendo discutida na Constituinte de 1823
quando houve a dissolução.
Na presente obra, o autor José Theodoro Mascarenhas Menck levanta
uma interessante questão, muito pouco discutida na historiografia, mas que
merece ser aprofundada pelos historiadores. Menck recorda que, em maio
de 1823, D. João VI retomou o poder absoluto em Portugal. Um conjunto de
fatos demonstra o desejo de D. João VI de reestruturar o antigo Reino Unido
do Brasil e Portugal, vislumbrando, inclusive, a possibilidade de retornar
para a antiga colônia, posto que, como é sabido, ele havia voltado para sua
terra natal forçado pelas cortes, embora no fundo desejasse permanecer no
Brasil. O autor sugere que D. Pedro teria sido informado desse desejo de
seu pai e que, provavelmente, intimamente teria aderido à ideia. Era bem
possível que despertasse interesse na mente do imperador a restauração
do Reino Unido, pois seria ele próprio em breve o herdeiro de todo o antigo
reino português e não somente da porção americana.

Prefácio
21

Fato é que, no início de setembro de 1823, chegou ao Rio de Janeiro


uma embarcação de Lisboa trazendo mensagens e despachos de D. João a
D. Pedro através do marechal Pinto da França, deputado baiano nas cortes
de Lisboa que não aderiu à Independência, permanecendo fiel a D. João.
É sabido que D. Pedro recusou-se a recebê-lo. Entretanto, o marechal foi
autorizado a desembarcar por motivos de saúde, ficando hospedado na casa
de um parente, onde veio a falecer dias depois. Não se sabe, contudo, se por
outras vias as mensagens de D. João teriam chegado às mãos de D. Pedro.
O autor sugere que sim, provavelmente tenham chegado a D. Pedro, e,
admitindo-se que sim, a partir de então o imperador teria assumido pos-
tura diferente diante da Constituinte e dos principais defensores da In-
dependência, especialmente os Andradas, posto que seriam, obviamente,
grande obstáculo para a realização do novo plano.
Pouco depois, ainda no mês de setembro de 1823, chegou ao Rio de
Janeiro outro navio português trazendo o conde do Rio Maior em missão
pessoal de D. João VI com correspondência privada d’el-rei para D. Pedro
e D. Leopoldina, ao que parece sugerindo a recomposição entre Brasil e
Portugal nos moldes do que haviam proposto os deputados brasileiros nas
cortes de Lisboa. D. Pedro também se recusou a recebê-lo, tampouco auto-
rizou seu desembarque e se negou a receber as correspondências. Entre-
tanto, ficou a dúvida se de fato tais correspondências não chegaram de fato
às mãos de D. Pedro. Menck acredita que provavelmente sim, que D. Pedro
aderiu a essa nova ideia e que talvez seja essa a principal explicação para a
dissolução da Constituinte e a decisão radical de exilar os Andradas e seus
seguidores mais próximos.
Esse é um interessante capítulo de nossa história, pouquíssimo abor-
dado, e que de fato merece um estudo criterioso pelos historiadores e estu-
diosos do tema.
Portanto, em boa hora a Edições Câmara brinda aos leitores com mais
esta obra inédita, que, ao comemorar o bicentenário da nossa primeira
Constituinte, contribui para enriquecer nosso conhecimento sobre a As-
sembleia e os fatos em torno de seus trabalhos e sua dissolução.

Lafayette de Andrada
Coordenador da comissão especial curadora destinada a
elaborar e viabilizar a execução das comemorações em torno
do tema “Os 200 anos da Câmara dos Deputados”

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


23

INTRODUÇÃO

A Constituinte interrompida

A agora duas vezes centenária história do Parlamento brasileiro guarda em


seus anais uma série de momentos marcantes. Podemos considerar o pri-
meiro deles a abertura dos trabalhos da Constituinte de 1823.
Convocada ainda antes do 7 de setembro, em 3 de junho de 1822 mais
especificamente, a Constituinte de 1823 foi concebida como uma resposta
à legislação que as cortes de Lisboa, cujo nome oficial eram Cortes Gerais
e Extraordinárias da Nação Portuguesa, iam promulgando para o reino
do Brasil.
Na visão dos contemporâneos, e igualmente na nossa, a legislação vo-
tada em 1821 pelas cortes de Lisboa era desagregadora do reino do Brasil,
na medida em que procurava abolir o que José Bonifácio chamava “centro
de união e força” do reino americano. Ou seja, as normas legais aplicáveis ao
Brasil que iam chegando visavam precipuamente esvaziar e, por fim, dissol-
ver o governo regencial que D. João havia entregado a D. Pedro.
Não obstante a literatura historiográfica recente que nega o caráter
recolonizador das cortes lisboetas de 1821, efetivamente, se passarmos
os olhos nos principais itens votados por essas cortes para o Brasil, vere-
mos que os nossos maiores tinham razão. A dissolução de um centro de
comando no Brasil, vinculando-se diretamente as diversas províncias a
Lisboa; a divisão da gerência das províncias em dois comandos distintos e
independentes entre si, um civil e outro militar, ambos vinculados direta-
mente a Lisboa; a dissolução de todos os organismos estatais existentes no
reino do Brasil, ou os “tribunais”, na linguagem da época, com sua unifica-
ção com os existentes em Lisboa; a exigência da volta imediata do príncipe
regente para a Europa, sem que seu lugar fosse ocupado por alguém, já que
a regência do reino do Brasil era abolida; e, por fim, a discussão, por várias
vezes, de uma política aduaneira que visava adotar legislação que inviabi-
lizaria o comércio internacional nos portos brasileiros, tornando-se muito
mais barato e seguro comprar os produtos brasileiros nos portos de Lisboa

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


24

e do Porto; tudo isso deixa clara a intenção recolonizadora das cortes de


Lisboa, desmantelando-se completamente a obra de D. João VI na América.
Foi no contexto de reação a essas medidas legislativas que se resgatou a
ideia joanina de se fazerem cortes no Brasil. A correspondência de D. Pedro
a seu pai faz referências às pressões para que, como príncipe regente, as
convocasse e à sua gradual, ainda que rápida, adesão à ideia. O reino do
Brasil precisava ter suas próprias cortes, uma vez que a distância e o desco-
nhecimento da realidade local impossibilitariam que uma obra legislativa
votada em Lisboa fosse realmente adequada ao Brasil.
Joaquim Gonçalves Ledo e o cônego Januário da Cunha Barbosa, os re-
datores do então influente periódico Revérbero Constitucional Fluminense,
chegaram a declarar que o dia da publicação do decreto de D. Pedro que
convocou a Assembleia Constituinte e Legislativa do Brasil, 3 de junho
de 1822, deveria ser considerado a data da Independência do Brasil. Note-se
que a palavra “independência” tinha então uma conotação de autonomia
frente à Europa, não de ruptura. Tanto que a justificativa oficial utilizada
nos documentos para a convocação da constituinte brasílica era justamente
procurar a solidificação dos laços que mantinham o Reino Unido.
Dadas as dificuldades de comunicação e de deslocamento inerentes ao
tempo, a Assembleia Constituinte só pôde ter condições de se reunir em abril
do ano seguinte, ou seja, dez meses depois, e apenas com metade dos depu-
tados previstos. A realidade já havia se alterado profundamente. D. Pedro
não apenas já havia proclamado a ruptura total com o reino de Portugal
como também já havia sido aclamado, em 12 de outubro de 1822, e solene-
mente sagrado imperador, em 1º de dezembro do mesmo ano.
Quando da solene abertura da Assembleia Constituinte, em 3 de maio
de 1823, data escolhida a dedo, o principal intuito já não era contrapor-
-se às cortes de Lisboa, mas consolidar a Independência do Brasil, no sen-
tido de promover uma ruptura total com o reino de Portugal e consagrar o
regime constitucional de governo. Essa consagração se daria com a edifica-
ção de um Estado baseado na separação dos poderes, porém dentro de uma
órbita monárquica. Lendo-se os Anais da Constituinte de 1823, percebe-
-se que eram esses objetivos compartilhados unanimemente por todos os
constituintes e também pelo imperador, que reiteradas vezes manifestou
sua firme adesão aos princípios constitucionais.
Surpreendentemente, no início da tarde do dia 12 de novembro de 1823,
D. Pedro I, em um gesto de força, convocou o Exército para dissolver a
Constituinte, prendendo vários parlamentares, dentre os quais seis seriam
desterrados.

Introdução
25

Agenor de Roure, inicia seu livro dedicado à Constituinte de 1823 com a


seguinte declaração:

Sente-se, estudando os documentos, que Pedro I desejava since-


ramente uma constituição para regular a vida política do país dentro
dos moldes liberais e democráticos; e que os Andradas, diretores se não
criadores do espírito liberal predominante na Constituinte, não tinham
a preocupação de diminuir a autoridade do imperador, antes cercando-a
sempre da máxima consideração.
Como e por que foi, pois, dissolvida a Constituinte? Por que Pedro I
julgava o projeto de Constituição excessivamente liberal?
Não!, uma vez que ele jurou, meses depois, a Carta de 1824, tão li-
beral como o projeto elaborado por Antônio Carlos, relator da comissão
especial.
Por que a Constituinte fazia obra de oposição sistemática e cerceava
as atribuições constitucionais do imperador?
Não!, uma vez que os Anais provam o contrário, deixando clara a preo-
cupação de cercar a pessoa de Pedro I e a sua própria autoridade de todas
as garantias e de todo o respeito.
Os poderes políticos do império nascente estavam, pois, agindo com
perfeita lealdade e excelente orientação.
[...]
O golpe de 12 de novembro, que perturbou mas não prejudicou e
nem atrasou a obra da formação constitucional do Brasil, não foi tam-
pouco o resultado da influência do meio social e político sobre os ho-
mens. Isto só seria possível se a Constituinte estivesse fazendo obra
contrária ao sentimento da maioria. E não estava. O meio social e a
opinião da maioria estavam sendo formados exatamente pela ação dos
homens de valor da Constituinte, com os três Andradas à frente. Numa
nacionalidade em formação, a influência do homem sobre o meio é mais
poderosa do que a do meio sobre o homem – o grande homem, está
claro. Não era possível que os grandes homens da Constituinte estives-
sem agindo contra o sentir geral da população, quando eles justamente
exerciam influência decisiva na formação do sentimento popular, isto é,
na formação do sentimento nacional.
[...]
Ora, Pedro I, que não criara o sentimento de independência, mas que
soubera aproveitá-lo, compreendendo bem o seu papel de governo, agiu,
entretanto, contra esse mesmo sentimento nacionalista quando dissolveu
a Constituinte e quando perseguiu, prendeu e desterrou três dos maiores
colaboradores da obra realizada. O gesto altivo de 7 de setembro de 1822
só produziu resultado prático porque as ideias pregadas por alguns já se
haviam transformado em sentimento popular. E, sendo assim, o gesto
zangado de 12 de novembro de 1823, visando os jornalistas com assento

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


26

na Constituinte, feriu, contrariou aquele mesmo sentimento nacionalista,


que então ecoava nas colunas do Tamoyo e da Sentinella. (Roure, 2016,
p. 50-51)

Fica, pois, a magna questão: como explicar que D. Pedro, auxiliado por
sua esposa, D. Leopoldina, e por seu ministro José Bonifácio, tendo com-
preendido e bem conduzido as forças profundas que se agitavam, mesmo
já anteriormente previstas por D. João, seu pai, quando o aconselhou a
apossar-se da coroa antes que o fizesse qualquer aventureiro, houvesse,
um ano depois, praticado um ato violento que contrariava tal corrente
de sentimento?
O objetivo do presente trabalho, ao par de divulgar a memória daqueles
homens que deram início e feição às nossas instituições, é tentar lançar
alguma luz a essa questão.

Gostaria de expressar meus especiais agradecimentos ao deputado fede-


ral Lafayette Luiz Doorgal de Andrada, atual representante da estirpe dos
Andradas no Congresso brasileiro, presença ininterrupta desde nossa pri-
meira constituinte, pela inestimável cooperação na elaboração do texto do
presente livro, fruto de várias horas de muito agradáveis conversas sobre
nosso passado parlamentar.

Introdução
27

CAPÍTULO I

Convocação da Constituinte

D. João VI e a tentativa de
convocação de cortes no Brasil
Embora pareça contraditório, a convocação de deputados constituintes para
a reformulação completa da organização do Estado brasileiro nasceu espon-
taneamente nas mãos de nosso último monarca absolutista. Em verdade,
podemos dizer que nasceu como um gesto contrarrevolucionário.
Em 24 de agosto de 1820, estourou na cidade do Porto, em Portugal, uma
insurreição armada que rapidamente ganharia o país e que passaria à his-
tória como a Revolução Constitucionalista (ou Liberal) do Porto de 1820.1
Tratava-se de um movimento que procurava solucionar a gravíssima crise
econômico-social lusitana por intermédio de uma Carta Constitucional ela-
borada por cortes constituintes, que se sobreporiam ao poder régio.
D. João VI, ao perceber que a revolução havia definitivamente triunfado
na porção europeia da monarquia portuguesa, e aconselhado por seu minis-
tro secretário de Estado, Thomaz Antônio de Villa-Nova Portugal, optou por
contrapor às cortes constituintes já funcionando em Lisboa outra, no Rio
de Janeiro, que reuniria, sob sua supervisão, delegados de todas as demais
possessões do império colonial lusitano.
Com efeito, podemos ler no Decreto de 18 de fevereiro de 1821 o se-
guinte texto:

Não podendo, porém, a Constituição, que, em consequência dos men-


cionados Poderes, se há de estabelecer e sancionar para os reinos de Por-
tugal e Algarves, ser igualmente adaptável e conveniente em todos os
seus artigos e pontos essenciais à povoação, localidade e mais circuns-
tâncias tão ponderosas como atendíveis deste reino do Brasil, assim como
às das ilhas e domínios ultramarinos que não merecem menos a minha

1 O assunto foi mais detalhadamente explicado em Menck (2020; 2021).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


28

real contemplação e paternal cuidado: hei por conveniente mandar con-


vocar a esta corte os procuradores que as Câmaras das cidades e vilas
principais, que têm juízes letrados, tanto do reino do Brasil, como das
ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde elegerem. E sou outrossim servido
que elas hajam de os escolher e nomear sem demora, para que reunidos
aqui o mais prontamente que for possível em junta de cortes com a pre-
sidência da pessoa que eu houver por bem escolhido para este lugar não
somente examinem e consultem o que dos referidos artigos for adaptável
ao reino do Brasil, mas também me proponham as mais reformas, os me-
lhoramentos, os estabelecimentos e quaisquer outras providências que
se entenderem essenciais ou úteis, ou seja para a segurança individual e
das propriedades, boa administração da Justiça e da Fazenda, aumento do
comércio da agricultura e navegação, estudos e educação pública, ou para
outros quaisquer objetos conducentes à prosperidade e bem geral deste
reino, e dos domínios da coroa portuguesa. (Brasil, 1889b, p. 9-10)

Aqui, as cortes deveriam contar tanto com deputados do reino do Brasil


quanto com representantes de todo o império colonial português. O rei,
desde logo, tomou providências para seu funcionamento:

E para acelerar estes trabalhos, e preparar as matérias de que deverão


ocupar-se, sou também servido criar desde já uma comissão composta
de pessoas residentes nesta corte, e por mim nomeadas, que entrarão
logo em exercício, e continuarão com os procuradores das Câmaras que
se forem apresentando, a tratar de todos os referidos objetos, para com
pleno conhecimento de causa eu os decidir. (Brasil, 1889b, p. 10)

O decreto real supra vinha acompanhado de outro, de 23 de fevereiro de


1821, data da efetiva publicação dos dois decretos, nomeando os membros
da comissão que começaria a rascunhar as alterações que julgasse necessá-
rias na legislação do reino do Brasil e demais possessões ultramarinas por-
tuguesas. Quase todos os nomeados eram brasileiros natos.2 Esse segundo
decreto determinava, outrossim, que D. Pedro seguisse para Lisboa “munido
de instruções necessárias a fim de restabelecer a ordem e a tranquilidade
geral do reino [...] e enviar a el-rei o projeto de Constituição que as cortes
formulassem, e que seria sancionado se lhe merecesse aprovação” (Brasil,
1889b, p. 20).
Os supracitados decretos surtiram efeito contrário e provocaram pro-
fundo mal-estar nas tropas que estavam estacionadas no Rio de Janeiro.
Tratava-se de uma tropa veterana das guerras peninsulares, composta em
sua larga maioria de soldados e oficiais nascidos na Europa, que se haviam

2 Vide, no Anexo I, o decreto de D. João VI que nomeou os primeiros membros das cortes consti-
tuintes no Brasil.

Capítulo I
29

irmanado com o movimento ocorrido em Portugal. Acreditavam, os solda-


dos, que a Revolução do Porto efetivamente restauraria a nação, sendo, por
conseguinte, necessária.
A Revolução do Porto e a consequente convocação das chamadas “cortes
de Lisboa”, haviam causado grande impacto de entusiasmo nos dois lados
do oceano e eram vistas como a regeneração do reino. Seriam como o re-
nascimento de um novo pacto social que traria a redenção do reino e dias
melhores para todos. Aderir às cortes e ao constitucionalismo vintista sig-
nificava combater as antigas formas de governar, o despotismo ministerial e
os direitos feudais em detrimento dos direitos dos cidadãos. Mas tudo isso
somente seria possível se o rei jurasse a Constituição, do contrário a própria
coroa estaria ameaçada.
Por outro lado, os últimos decretos de D. João VI pareciam ser os germes
de uma ruptura na unidade da monarquia bragantina, uma vez que formar-
-se-iam dois parlamentos distintos, em duas diversas capitais. Era algo que
não estava previsto no espírito da revolução regeneradora; mais pareceu um
movimento em oposição ao que as tropas estacionadas no Rio de Janeiro
tanto desejavam.
Assim, na alvorada do dia 26 de fevereiro de 1821, a guarnição militar
do Rio de Janeiro, amotinada, se reuniu no Largo do Rossio.3 Eram os mili-
tares acompanhados por uma massa de populares conduzida pelos padres
Francisco Romão de Góis e Marcelino José Alves Macamboa.4
Despertado por cidadãos que acorreram à Quinta da Boa Vista, o príncipe
D. Pedro, que até então estava afastado dos afazeres de Estado, fardou-se e,
a cavalo, acompanhado apenas de um criado, partiu para o Largo do Rossio,
onde foi recebido com vivas e aclamações. Lá chegando, ao saber da exigên-
cia que as tropas faziam de que houvesse um juramento real prévio da carta
constitucional que estava sendo redigida em Portugal, voltou a São Cristó-
vão e conseguiu de D. João um decreto que aprovava a Constituição. A tropa

3 Renomeado Praça da Constituição após esse episódio e, hoje, conhecido como Praça Tiradentes.
4 Francisco Adolfo de Varnhagen, o visconde de Porto Seguro, escreveu que o grupo revolucionário
fluminense “celebrava suas reuniões todas as tardes em casa do dito padre Macamboa, e por influên-
cia até da rainha que desejava que el-rei fosse obrigado a retirar-se para Portugal, chegaram a pôr-se
em inteligência com o príncipe real, vendo-o em palácio, na sala de seu guarda-roupa, por baixo da
sala chamada dos Pássaros. Reconhecera ademais o príncipe que, proclamada já a Constituição na
Bahia, era intempestiva e perigosa a tentativa aconselhada por Thomaz Antônio e prometera que,
chegando o caso, auxiliaria um movimento constitucional” (Varnhagen, 1957, p. 48).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


30

não se deu por satisfeita e exigiu que o próprio monarca, pessoalmente,


viesse ao Rossio e jurasse previamente obediência ao texto que em Lisboa
se redigia. Exigia-se, outrossim, a troca de todos os ministros de D. João.
Retornou o príncipe a São Cristóvão para comunicar o ocorrido ao rei.
De nada adiantou a aquiescência de D. João, ou mesmo a presença de
ambos os príncipes, D. Pedro e D. Miguel, no Rossio, dispostos a jurar, em
nome do pai e perante um bispo, a futura Constituição. Os militares exigi-
ram a presença do rei, pessoalmente. D. Pedro, então, buscou o pai no Paço
de São Cristóvão, com quem chegou ao Rossio ao meio-dia.
Indubitavelmente, a razão de ser de tão extravagante juramento, qual
seja, jurar obedecer a norma constitucional ainda inexistente, era uma rea-
ção aos decretos de D. João que haviam convocado cortes constitucionais no
Rio de Janeiro. Aos olhos dos militares portugueses, tal medida indubitavel-
mente dividiria o reino.
Aconselhado por Villa-Nova Portugal, D. João cedeu novamente. Após o
juramento da futura Carta Constitucional,5 a tropa, em sintonia e em soli-
dariedade com as cortes de Lisboa, impôs ao monarca sua volta a Portugal,
malgrado a sua vontade pessoal.
Mais uma vez seguindo as sugestões de Villa-Nova Portugal, e contra-
riado em seu íntimo, D. João baixou, em 7 de março de 1821, dois decretos
pelos quais determinava o juramento prévio da Constituição, que estava em
fase de redação, em todo o Brasil, ao tempo que baixava instruções para a
eleição de deputados brasileiros às cortes de Lisboa. Jungia a essas determi-
nações o anúncio de seu regresso à capital lusitana, em aquiescência às so-
licitações das cortes lisboetas e das tropas estacionadas no Rio de Janeiro.6
De acordo com os cronistas, D. João, quando do juramento da Constitui-
ção in fieri, foi recebido:

Com gritos de alegria e aclamações delirantes. A multidão, porém,


queria a presença do rei, pessoalmente. Tornou-se imperiosa nova via-
gem de D. Pedro ao Paço de São Cristóvão, para buscar o soberano, que
próximo ao meio-dia chegou ao Rossio, acompanhado do filho.
Inteiramente inseguro com a forma como seria recebido pela multi-
dão, D. João se surpreende vendo que ao chegar sua carruagem a multidão
explodiu em delírios de entusiasmo. O rei, que imaginava estar a cami-

5 Jean-Baptiste Debret legou-nos uma pintura em que retrata o episódio.


6 Decreto de 7 de março de 1821: “Trata do regresso do rei para Lisboa, ficando o príncipe real
encarregado do governo provisório do Brasil”; e Decreto de 7 de março de 1821: “Manda proceder
à nomeação dos deputados às cortes portuguesas, dando instruções a respeito” (Brasil, 1889b,
p. 27 e 29).

Capítulo I
31

nho da guilhotina como na revolução francesa, é recebido com vivas pela


multidão. Da sacada do palácio confirma tudo que seu filho fizera. E a
praça lotada rompia em vivas, aclamações e festejos. “Seguiram-se festi-
vidades públicas”, diz Armitage, “e a cidade se iluminou por nove noites
sucessivas.”
Adere-se à nova ordem antes que estivesse definida a Constituição a
ser escrita em Portugal. O povo confraterniza. A derrocada do absolutismo
abre caminho para a realização de suas reivindicações. Uma nova era de
liberdade garantiria o exercício de seus direitos e a participação no go-
verno da nação. O “povo” assumiria “sem restrições” as rédeas do poder,
estribado em uma Constituição liberal e assistido por um soberano que
“será o nosso pai, o nosso apoio, a nossa consolação”. (Diégues, 2004,
p. 33)

Ficava no ar, porém, a (in)decisão sobre o retorno a Portugal, exigido


pelas cortes de Lisboa. D. João, instado por estas a regressar para sua terra
natal, hesitou e postergou sua decisão. Divulgou uma carta em que decla-
rava que em breve decidiria quem da família real partiria para a Europa e
quem ficaria na América.
A questão de se saber se a família real deveria, ou não, voltar para Por-
tugal, já antes de insurreição da tropa no dia 26 de fevereiro, se tornara o
problema político do momento. O rei, após ter ciência da exigência de sua
volta, pelas cortes de Lisboa, havia iniciado um processo lento de consultas,
recebendo respostas escritas dos seus conselheiros sobre o melhor rumo a
seguir. A maioria optava pela sugestão de enviar o príncipe D. Pedro.
Em fins de janeiro, já circulavam rumores de que o príncipe seria enviado
a Portugal, porém, sem sua esposa, pois faltava a ela apenas um mês para
dar à luz e a viagem era considerada perigosa tanto para ela quanto para o
neném que estava por nascer. A gravidez adiantada da princesa acabou por
postergar a partida de D. Pedro.
No início de março de 1821, contudo, chegou ao Brasil o ultimato das
cortes de Lisboa que exigia o retorno do rei a Portugal. Diante da impos-
sibilidade de se adiar mais uma vez qualquer decisão, até mesmo pela
postura das tropas estacionadas no Rio de Janeiro, foram publicados dois
decretos com data de 7 de março: um deles anunciava o retorno de D. João
para Lisboa, ficando o príncipe real “encarregado do Governo deste reino
do Brasil, enquanto nele não se achar estabelecida a Constituição Geral
da Nação” (Brasil, 1889b, p. 27); e o outro convocava eleições para que os
deputados brasileiros completassem a representação nacional nas cortes
de Lisboa.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


32

No dia 24 de abril, ao cair da tarde, D. João e a família real se prepararam


para a longa viagem e embarcaram.
O Senado da Câmara do Rio de Janeiro, bem como os comerciantes
daquela praça, ainda mandou ofícios ao rei nos quais solicitava sua per-
manência no Brasil. Os documentos, segundo consta, muito comoveram
o monarca. D. João ouvia a todas as petições “comovido, trêmulo o grosso
lábio e as lágrimas a correrem-lhe pelas gordas bochechas” (Oliveira Lima,
1996, p. 1.113). No entanto, dada a movimentação das tropas, viu-se com-
pelido a partir.
D. João ainda tentou tergiversar, mas, em 26 de abril de 1821, após muita
agitação, acompanhado de sua mulher, D. Carlota Joaquina, de D. Miguel e
de três mil súditos, o rei partiu de volta para a Europa em navios de guerra
e mercantes. O filho D. Pedro permaneceria no Rio de Janeiro como príncipe
regente do reino do Brasil.
Em 1808, por ocasião do desembarque da frota que o trouxera ao Brasil,
D. João se mostrara jubiloso, e D. Carlota Joaquina, desesperada. Agora, dava-
-se o contrário. O rei embarcou na noite anterior à viagem, discretamente,
sem solenidade, acabrunhado. Sua esposa embarcou em plena luz do dia,
despedindo-se com ruidosa alegria.

D. Pedro e o Conselho dos


Procuradores das Províncias
Nos meses seguintes, os acontecimentos políticos se sucederiam rapida-
mente. Podemos dizer que, em Portugal, D. João seria confinado em prisão
domiciliar, à mercê das cortes de Lisboa. Enquanto isso, no Brasil, D. Pedro
enfrentaria a pressão delas para retornar à metrópole, perspectiva que seria
desfeita com sua declaração de que permaneceria no Rio de Janeiro em 9 de
janeiro de 1822, episódio que passou a ser conhecido como Dia do Fico.
Logo após o Fico, D. Pedro nomeou o conselheiro José Bonifácio de Andrada
e Silva como seu principal ministro e secretário de Estado e passou a com-
partilhar com ele a condução do processo que redundaria na Independência
do Brasil.

Capítulo I
33

Pedro I, Imperador do Brasil (1823), de Jean-Baptiste Debret.


LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil: obra completa,
1816-1831. 2. ed. Rio de Janeiro: Capivara, 2008.

Assim que assumiu as rédeas do governo, José Bonifácio começou a


tomar providências para consolidar a autoridade do príncipe em todas as
províncias, posto que várias delas ainda optavam por subordinar-se direta-
mente às cortes de Lisboa.
Iniciou-se, então, o choque com a facção política logo denominada
“liberal radical”, comandada pelo trio formado por Joaquim Gonçalves
Ledo, cônego Januário da Cunha Barbosa e desembargador juiz de fora
José Clemente Pereira, este último presidente do Senado da Câmara do
Rio de Janeiro.
Essa facção política, de vertente mais radical, logo passou a exigir a con-
vocação de cortes constituintes no Brasil, nos moldes da que se desenvolvia
em Portugal. José Bonifácio, que em sua juventude passou pela França,
quando do início da Revolução Francesa, e que, por conseguinte, tinha co-
nhecimento pessoal dos seus horrores, preferiu a convocação de um Con-
selho de Estado que tivesse um caráter consultivo, não uma assembleia

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


34

soberana. De acordo com José Bonifácio, faltava ainda a consolidação de


um centro de força e poder em torno do príncipe regente. Além disso, uma
assembleia soberana facilmente poderia evoluir para uma assembleia de-
magógica irresponsável, nos moldes da Assembleia Nacional francesa, o
que colocaria em risco a própria existência do Estado brasileiro, que po-
deria se estilhaçar em várias repúblicas como aconteceu com a América
espanhola.
Destarte, entre as primeiras medidas que o conselheiro José Bonifácio
de Andrada e Silva tomou como ministro e secretário do reino do Brasil,
foi um convite, publicado em 30 de janeiro de 1822, às juntas governativas
de todas as capitanias a aceitarem a autoridade do príncipe regente, cuja
origem estava na delegação que seu pai, D. João VI, lhe concedera, e a se
submeterem à sua regência. Em sequência, veio a convocação de eleições
para uma junta de procuradores ou representantes das províncias, no Rio de
Janeiro, que serviria para reunir todas as províncias do reino a aconselha-
rem o príncipe na condução dos negócios do Estado. A Junta, cujas reuniões
seriam presididas pelo príncipe, com a assistência dos ministros, que teriam
assento e voto, seria, explicitamente, de caráter consultivo e propositivo.
Não decisório.
A convocação da Junta de Procuradores se deu por intermédio de decreto
datado de 16 de fevereiro de 1822, assinado por José Bonifácio, disponível
em sua íntegra no Anexo II (Brasil, 1887, p. 6 e segs.).
Ao grupo capitaneado por Joaquim Gonçalves Ledo, a opção pela Junta
de Procuradores parecia uma alternativa por demais conservadora, ou seja,
na linguagem política da época, “absolutista e despótica”. Clamaram então
por uma assembleia legislativa, ínsita às representações populares. Nascia
ali um grande dissenso político que incendiaria a vida política nacional.
À primeira vista, o litígio de José Bonifácio com o grupo de Gonçalves
Ledo e Clemente Pereira parecia ser o choque entre dois projetos políti-
cos distintos. José Bonifácio, realista e pragmático, via a solução de nosso
problema nacional em um governo monárquico constitucional com um
Executivo forte, ao passo que Gonçalves Ledo e seus aliados, de tendência
mais republicana, pugnavam que a primazia deveria caber ao Parlamento.
Gonçalves Ledo e seu grupo não apenas defendiam a convocação de uma
constituinte, como queriam que a futura Constituição, ou suas bases, fosse
previamente jurada por D. Pedro, de forma a não sobrar dúvidas de que a
soberania recairia integralmente sobre a constituinte. Ou seja, seguiam o
modelo de conduta adotado pelas cortes de Lisboa com relação a D. João VI
após a Revolução do Porto, que o obrigaram a jurar, aos 26 de fevereiro de
1821, a Constituição in fieri proposta por elas. Para José Bonifácio, por sua

Capítulo I
35

vez, nenhum texto de lei, nem mesmo uma constituição, poderia ser pro-
mulgada se não recebesse antes a sanção do Executivo.
Dado o ardor com que eram defendidas as duas posições, logo a diver-
gência política transmudou em inimizade pessoal.

José Bonifácio de Andrada e Silva (18--), de Sébastien Auguste Sisson.


Câmara dos Deputados.

No entanto, na leitura de José Bonifácio, o que ocorria não era o choque


de duas concepções distintas de Estado. O que estava, em realidade, ocor-
rendo era uma simples briga pelo poder, pois, segundo o que o ministro
declarou em missiva a D. Pedro, um dos principais cabeças do grupo que
lhe faziam oposição tinha intenção “em querer deitar-me fora do ministério
para tomar o meu lugar” (Dolhnikoff, 2012, p. 141).
O fato é que, logo após a publicação do decreto que convocou o Conse-
lho de Procuradores, iniciou-se na imprensa intensa campanha pela con-
vocação de uma constituinte. Logo foram reunidas seis mil assinaturas em
representação que propugnava por essa ideia e na qual ainda se mantinha a
perspectiva da manutenção do Reino Unido com Portugal.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


36

Em 28 de abril de 1822, D. Pedro, em carta a seu pai, declarou que:

Peço a Vossa Majestade que mande apresentar esta às Cortes Gerais,


para que elas saibam que a opinião brasileira e a de todo o homem sen-
sato, que deseja a segurança e integridade da monarquia, é que haja aqui
cortes gerais do Brasil e particulares relativamente ao Reino Unido para
fazerem as nossas leis municipais. (Arquivo Nacional, 1973, p. 293)

Em maio de 1822, Joaquim Gonçalves Ledo e o cônego Januário da Cunha


Barbosa redigiram um manifesto que, uma vez entregue a José Clemente
Pereira, foi adotado pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro para ser mais
tarde entregue ao príncipe regente. O texto “forte e enérgico”, nas palavras
de José Honório Rodrigues, terminava declarando que, in verbis:

O Brasil, portanto, composto de elementos tão diversos dos de Por-


tugal, carece de uma administração própria, de uma legislação bebida na
natureza de suas necessidades e circunstâncias. [...]
Portanto, senhor, em nosso nome e no das províncias coligadas,7
cuja causa e sentimentos são os mesmos, pretendemos e requeremos
com a maior instância e com a mais justa esperança ao título que V.A.
Real aceitou de defensor constitucional e perpétuo do Brasil, que a bem
da prosperidade dos habitantes deste reino, da integridade e grandeza
da monarquia luso-brasileira, da nossa constitucionalidade e de V.A.
Real, que se convoque já nesta corte uma assembleia geral das provín-
cias do Brasil, representadas por um número competente de deputados,
que não poderão ser menos de cem. (Rodrigues, 1974, p. 23)

Ao apresentar o manifesto, o presidente do Senado da Câmara do Rio de


Janeiro, o juiz de fora José Clemente Pereira fez discurso no qual exclamou:
“Se a lei suprema da salvação da pátria exigiu a ficada de Vossa Alteza Real,
como remédio único de a conservar unida, esta mesma lei impera hoje,
que se convoque já, nesta corte uma assembleia das províncias do Brasil”
(Rodrigues, 1974, p. 24).
O grande argumento era a distância e o desconhecimento das condições
locais, mas sempre realçando ser a medida um passo a mais de reforço do
Reino Unido, nunca de sua ruptura.
D. Pedro respondeu que estava ciente da vontade do povo do Rio de Ja-
neiro, mas que aguardaria a manifestação das demais províncias.
Apesar da oposição de seu ministro, em convocar o que ainda conside-
rava prematuro, D. Pedro foi aos poucos cedendo, também em virtude das
deliberações das cortes de Lisboa contra o Brasil, tanto que, em 21 de maio
de 1821, escreveu a seu pai, declarando que:

7 Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Capítulo I
37

É necessário que o Brasil tenha cortes suas: esta opinião generaliza-


-se cada dia. O povo desta capital prepara uma representação que me
será entregue para suplicar-me que as convoque, e eu não posso a isso
recusar-me, porque o povo tem razão, é muito constitucional, honra-me
sobremaneira, e também a V.M., e merece toda a sorte de atenções e felici-
dade. Sem cortes o Brasil não pode ser feliz. As leis feitas tão longe de nós
por homens que não são brasileiros, e que não conhecem as necessidades
do Brasil não poderão ser boas. O que hoje é bom amanhã não serve ou
se torna inútil, e uma nova necessidade se faz sentir; isto prova que o
Brasil deve ter em si tudo quanto lhe é necessário, e que é absurdo retê-lo
debaixo de dependência do velho hemisfério. O Brasil deve ter cortes; já
o disse V.M.: não posso recusar este pedido. (Arquivo Nacional, 1973, p.
295 e segs.; Egas, 1916, p. 100-101)

Por fim, como recurso para conseguir a manifestação das demais pro-
víncias, D. Pedro, mesmo não tendo o número mínimo de procuradores de
três províncias no Rio de Janeiro (quórum exigido pelo decreto que criou o
Conselho), convocou a reunião do Conselho dos Procuradores-Gerais das
Províncias.
Em 2 de junho de 1822, com representantes apenas do Rio de Janeiro
(José Mariano de Azevedo Coutinho e Joaquim Gonçalves Ledo) e da Cis-
platina (D. Lucas José Obes), D. Pedro instalou o Conselho de Procuradores.
Justificou seu açodamento em função de haver recebido “dos povos” petição
para que “haja uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, como me
foi comunicado pelas câmaras” (Brasil, 1973, p. 4) e solicitou o imediato
parecer dos procuradores.
No dia seguinte, após deliberar, o Conselho apresentou a D. Pedro repre-
sentação cujo início foi lavrado nos seguintes termos:

Senhor. A salvação pública, a integridade da nação, o decoro do Brasil,


a glória de Vossa Alteza Real instam, urgem, e imperiosamente coman-
dam que Vossa Alteza Real faça convocar com a maior brevidade possí-
vel uma Assembleia Geral dos Representantes das Províncias do Brasil.
(Brasil, 1973, p. 7)

Na mesma sentada, D. Pedro aquiesceu e mandou redigir o seguinte


decreto:

Havendo-me representado os procuradores-gerais de algumas pro-


víncias do Brasil já reunidas nesta corte, e diferentes câmaras e povo de
outras o quanto era necessário e urgente para a mantença da integridade
da monarquia portuguesa, e justo decoro do Brasil a convocação de uma
assembleia luso-brasiliense, que investida daquela porção de soberania
que essencialmente reside no povo deste grande e riquíssimo continente
[...]

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


38

Hei por bem e com o parecer do meu Conselho de Estado mandar


convocar uma assembleia geral constituinte e legislativa composta de
deputados das províncias do Brasil novamente eleitos na forma das ins-
truções, que em conselho se acordarem, e que serão publicadas com a
maior brevidade.
José Bonifácio de Andrada e Silva do meu Conselho de Estado, e do
Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, o rei o Sr. D. João VI, e meu
ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Es-
trangeiros o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos
necessários. Paço, três de junho de mil oitocentos e vinte dois.
Com a rubrica de Sua Alteza Real. (Brasil, 1973, p. 9)8

Estava convocada a tão solicitada Assembleia Constituinte brasílica.


Outrossim, cabe lembrar o depoimento prestado na sessão de 8 de junho
de 1841 na Câmara dos Deputados pelo então ministro da Guerra, José
Clemente Pereira, e que consta nos anais daquela Casa Legislativa, in litteris:

O Sr. Ministro da Guerra [José Clemente Pereira]: Devo mais dizer ao


nobre deputado que esse absolutista de 1829 tem o seu nome inscrito nos
anais da independência deste império, serviço este que ninguém lhe po-
derá negar, porque é propriedade sua. (Apoiados.) Devo mais dizer-lhe que
este absolutista de 1829 foi o primeiro motor da criação de uma assem-
bleia constituinte no Império do Brasil; e que nem o nobre deputado nem
pessoa alguma pode negar este fato, porque existem também consignados
nos arquivos do Rio de Janeiro e na história. O primeiro...
O Sr. Limpo de Abreu: O primeiro?
O Sr. Ministro da Guerra: Sim, o primeiro de todos os que cooperaram
para ele; o primeiro dos quais se lembraram da necessidade da convoca-
ção de uma assembleia no Brasil, foi o então juiz de fora da corte, José
Clemente Pereira. (Os Srs. Antônio Carlos e Martim Francisco dão sinais de
aprovação.). (Brasil, 1883, p. 444)

Eleição dos deputados


Alexandre José de Mello Moraes, testemunha ocular dos acontecimentos,
no segundo tomo de sua História do Brasil reino e do Brasil império, descreve
o cerimonial da última fase das eleições dos deputados para a Assembleia
Constituinte no Rio de Janeiro, ocorrida no dia 22 de setembro de 1822,
após, portanto, os episódios de 7 de setembro:

8 Vide texto integral no Anexo II.

Capítulo I
39

Na sala da livraria do Mosteiro de São Bento, o Senado da Câmara,


presidido pelo desembargador juiz de fora José Clemente Pereira, em pre-
sença dos eleitores da capital e dos homens bons, procedeu à mencionada
apuração, na forma indicada nas instruções de 16 de junho, e tiveram
fortuna da pluralidade de votos os Exmos. Srs. Barão de Santo Amaro,
Dr. Agostinho Correia da Silva Goulão, Manuel José de Sousa França,
Joaquim Gonçalves Ledo, Manoel Jacinto Nogueira da Gama, Antônio Luís
Pereira da Cunha, o bispo diocesano, e Jacinto Furtado de Mendonça, por
haverem obtido o primeiro 166 votos, o segundo 147, o terceiro 143, o
quarto 134, o quinto 126, o sexto 112, o sétimo 108 e o oitavo 106.
Lavrada e assinada a competente ata, trasladadas e entregues as có-
pias que servem de diplomas, saiu do dito mosteiro a majestosa procis-
são, precedida pelo estandarte da Câmara, levado por um cidadão, e em
duas alas os eleitores, entre os quais os Exmos. Deputados, seguidos pela
Câmara. Acompanhava uma banda de música de um dos batalhões, e pre-
cedia outra.
Estavam as ruas juncadas de folhas aromáticas, as janelas adornadas
de sedas de várias cores, com grande concurso de espectadores, que lan-
çavam flores, frequentes fogos do ar, repiques de sinos, e todas as maiores
demonstrações de alvoroço universal, sobressaindo a geral alegria com
que rompiam nos mais exaltados vivas.
Chegada a procissão à real capela, onde foi recebida pelo cabido, e
paramentado, o Exmo. Bispo Capelão-Mor, entoou o mesmo Te Deum, que
foi cantado pelos músicos da mesma capela, e a que se seguiram as ora-
ções do costume, terminando este ato com uma salva.
Estes tão patrióticos festejos não terminaram com a luz do dia. Ainda
que este vira excitar nobres ações de caridade no socorro dos presos, na
dotação de órfãos, e outros muitos a que dignos escritores renderam os
devidos tributos de louvor, à noite procurou exceder (se fosse possível) a
glória do dia.
Na praça da Constituição estavam armados quatro coretos, onde
músicos hábeis executavam mui agradáveis peças e cantavam os hinos,
sendo sempre sucedidos por vivas à nossa Independência, à nossa Cons-
tituição, ao augusto defensor do reino do Brasil e a outros dignos ob-
jetos, estando iluminados com elegância todos os edifícios desta bela
praça (assim como os de toda a cidade). Diremos alguma coisa sobre o
interior do teatro, se podem expressões (ainda mais sublimes) rastejar
tão grande assunto.
Estava o teatro iluminado com gosto e profusão de luzes, e distinguia-
-se imediata à real tribuna uma varanda, composta de três camarotes for-
rados de seda e ouro, e mobiliados com riqueza e elegância, destinados
aos Exmos. Deputados. Era inumerável o concurso, assim nos camarotes,
como na plateia. Chegados SS.AA.RR. o príncipe regente e sua augusta
consorte (que foram de grande gala), um grito instantâneo e universal,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


40

dando ao augusto príncipe regente o título, que não cabia nos corações,
de imperador do Brasil, e que era a sincera expressão de todos os votos,
continuou por muito tempo em universais vivas, assim a este digníssimo
objeto da nossa veneração e à sua real consorte, como à Independência
do Brasil, aos Exmos. Deputados e aos assuntos que entusiasmam nossos
fiéis corações. (Mello Moraes, 1982, t. 2, p. 450-452)

Capítulo I
41

CAPÍTULO II

Abertura da Assembleia Geral


Constituinte e Legislativa
do Império do Brasil

O dia 3 de maio de 1823 foi declarado dia de grande fausto e gala na corte
do recém-fundado Império do Brasil. Comemora-se nesse dia, no calendá-
rio litúrgico da Igreja católica, a Festa da Invenção da Santa Cruz. Sabia-se
que o primeiro nome dado ao território havia sido justamente “Ilha da Vera
Cruz. Foi esse nome dado à descoberta que induziu, por muitas gerações, a
se acreditar que o Brasil fora descoberto no dia 3 de maio de 1500. Isso ex-
plica a escolha da data para a solene abertura dos trabalhos da Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil.9
Naquele dia, o Paço e a Capela Imperial, assim como todos os edifícios
das ruas por onde deveria passar o cortejo de nosso primeiro imperador,
D. Pedro I, estavam ornados de brilhantes cortinas e alcatifas de seda, das
mais variadas cores, realçados alguns de bordados. As ruas haviam sido co-
bertas de folhas aromáticas. As tropas, com trajes de gala, ocupavam-nas na
melhor ordem e disciplina. Com garbo, procuravam representar “no soldado
brasileiro o honrado cidadão, fiel executor das ordens soberanas e não um
rebelde janízaro, terror de seus concidadãos” (Rodrigues, 1974, p. 32).

9 A data fora unanimemente escolhida pelos deputados presentes na terceira sessão preparatória,
ocorrida em 30 de abril, justamente por ser o 3 de maio “já distinto na história do Brasil”. Na quarta
sessão preparatória, em 1º de maio, Antônio Carlos “lembrou que se declarasse feriado neste ano
e nos seguintes o dia 3 de maio, por ser o da instalação da assembleia, mas tendo-se reconhecido
que era dia santo fixo, julgou-se desnecessária a declaração” (Brasil, 1823, p. 7 e 10; Brasil, 1876,
p. 31 e 33).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


42

Vista do Paço Imperial no Rio de Janeiro (c. 1830), de Jean-Baptiste Debret.


CAVALCANTI, Lauro. Paço Imperial. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999.

Por volta das 11h15, teve início uma série de fogos de artifício, acompa-
nhados imediatamente por salvas de tiros das várias fortalezas que guar-
neciam a cidade. Foram disparados 101 tiros que anunciavam que suas
majestades o imperador D. Pedro I, a imperatriz D. Leopoldina e a herdeira
do trono, D. Maria da Glória, haviam deixado o Palácio de São Cristóvão
em direção ao Paço, onde se reuniam as cortes.10 A família imperial vinha
acompanhada por dez coches conduzindo os grandes do império, os criados
e oficiais mores da casa imperial, bem como os ministros e secretários de
Estado. Fechava o préstito um esquadrão de cavalaria das Minas Gerais.
O cerimonial havia sido longa e minuciosamente discutido pela Assem-
bleia, nas quatro sessões preparatórias já ocorridas. A ordem de entrada, os
trajes, a posição das cadeiras, o trono, tudo fora discutido e encontrava-se
já previsto. Desconhecia-se apenas o teor do discurso que o imperador faria.

10 “Em dezembro de 1822, por determinação do ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro
de Andrada, foi expedida ordem para se preparar casa, destinada aos trabalhos da Assembleia Geral
Constituinte Brasileira, cuja reunião seria a 3 de maio de 1823. O edifício, que se achava desocupado
e melhores proporções oferecia, era o da Cadeia Velha. Foi incumbido da decoração do edifício, para
os trabalhos da Assembleia Constituinte e Legislativa, Theodoro José Biancardi, por indicação de José
Bonifácio de Andrada e Silva, no intuito de prestar este auxílio ao seu irmão, ministro da Fazenda, na
preparação daquela casa histórica. Biancardi foi o encarregado, também, da organização da respec-
tiva Secretaria” (Castro, 1926. p. 687). Theodoro José Biancardi posteriormente será aproveitado pela
Assembleia Constituinte como seu oficial maior e será o responsável pela coordenação da publicação
dos Anais da Constituinte, função que desincumbirá a contento, mesmo depois de ter sido dissolvida
a Constituinte.

Capítulo II
43

Passados 35 minutos do meio-dia, o imperador, portando sua coroa e


cetro, chegou às portas da Assembleia. Uma luzida deputação de doze depu-
tados o esperava à porta. O imperador adentrou na sala das sessões, desco-
berto da coroa e do cetro, que foram portados por seus oficiais e depositados
em uma mesa à direita do trono.
Como bem lembrou Ernani Valter Ribeiro (1987, p. 17), a entrada do
imperador, sem coroa e sem cetro, provocou constrangimento em alguns
deputados, como será visto por ocasião da segunda discussão do cerimo-
nial, já para tornar definitivo o Regimento Interno. Essa questão pode nos
parecer hoje fútil, porém, para o antigo regime, no qual o simbolismo dos
atos era muito mais importante, isso envolvia um problema capital: o de
saber quem encarnava a soberania nacional, o imperador ou a Consti-
tuinte; ou, se ambos, que parcela dessa soberania cada um representava.
Na discussão desse aspecto do cerimonial, ficou bem evidenciada a preo-
cupação dos constituintes com esse problema, que esteve presente até a
dissolução da Constituinte em 12 de novembro. Antônio Carlos explicou:
“a comissão julgou que, sendo S.M.I. um poder constitucional e a Assem-
bleia outro, devia ser igual a situação de ambos, quando presentes; e como
a Assembleia se não cobre, pareceu que também S.M.I. devia entrar desco-
berto” (Brasil, 1876, p. 7, 1ª col.). Contudo, na sessão de 12 de junho, o dis-
positivo do Regimento foi alterado, passando-se a admitir que o imperador
entrasse na Assembleia com a coroa e o cetro, insígnias da realeza e não
cobertura. Rodrigues de Carvalho defendeu essa emenda com o seguinte
argumento: “o magistrado, quando lhe cumpre, aparece com a sua beca, o
militar, com o seu uniforme, e assim os mais; e só o imperador, na função
mais solene da nação, há de depor as insígnias que o distinguem de todos
os outros cidadãos?” (Brasil, 1877, p. 43, 1ª col.).
Entre os espectadores presentes à sessão inaugural, também muitos
criticaram a Assembleia, segundo afirmou o deputado Aguiar de Andrada,
quando chamou a atenção de seus pares para “a circunspecção que é mister
haver em matérias tão delicadas, para não chocarmos de frente a opinião
pública, pois que a todos é patente a maneira e forma por que este negócio
foi encarado, quando pela vez primeira dele se tratou”. O deputado Arouche
Rendon também manifestou sua preocupação: “sobretudo não quero escan-
dalizar os meus paulistas, que são de ordinário mui desconfiados, e prezam
muito o seu imperador” (Brasil, 1877, p. 40, 2ª col.).
Logo após, o imperador tomou a palavra e leu seu discurso. Era a pri-
meira Fala do Trono do Império. Foi ouvido com respeitosa atenção por
toda a Assembleia.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


44

É hoje o dia maior, que o Brasil tem tido; dia, em que ele pela pri-
meira vez começa a mostrar ao mundo, que é império, e império livre.
Quão grande é meu prazer, vendo juntos representantes de quase todas
as províncias fazerem conhecer umas às outras seus interesses, e sobre
eles basearem uma justa, e liberal Constituição, que as reja! (Brasil, 1823a,
p. 15; Brasil, 1876, p. 28)

O discurso foi forte e visivelmente liberal. Condenava os trezentos e


tantos anos de submissão a Portugal, exaltava o ato d’el-rei que elevou
o Brasil à categoria de reino unido e, em seguida, passou a rememorar os
acontecimentos recentes que o conduziram à Independência. Lembrou
os primeiros passos no caminho da constitucionalidade, as dificuldades
que se opunham à conquista da liberdade nacional, as tentativas das
cortes de Lisboa de recolonizar o Brasil, a repulsa às expedições milita-
res enviadas ao Rio de Janeiro e a Pernambuco, lamentando que a Bahia:
“[...] que foi a primeira a aderir a Portugal, 11 em prêmio da sua boa-fé,
e de ter conhecido tarde qual era o verdadeiro trilho, que devia seguir,
sofre hoje crua guerra dos vândalos” (Brasil, 1823a, p. 15).
D. Pedro I declarou que a liberdade oferecida por Portugal ao Brasil se
converteria em escravidão e, se fossem seguidas as ordens que aqui chega-
vam, certa seria a ruína total. Evitaram tal destino:

[...] os heroicos esforços que, por meio de representação, fizeram pri-


meiro que todos, a Junta de Governo de São Paulo, depois a Câmara desta
Capital, e após destas, todas as mais Juntas de Governos e Câmaras, im-
plorando a minha ficada. (Brasil, 1823a, p. 16)

O imperador examinou a situação financeira, realçou a péssima situação


do tesouro público, as dificuldades para a formação das forças armadas, as
obras públicas que realizava, a promoção do ensino público. Em seguida,
abordou a convocação de um:

Conselho de Estado, composto de procuradores-gerais, eleitos pelos


povos, desejando que eles tivessem quem os representasse junto a mim, e
ao mesmo tempo quem me aconselhasse, e me requeresse, o que fosse a
bem de cada uma das respectivas províncias. (Brasil, 1823a, p. 17)

E logo em seguida acrescentou que “não foi somente este o fim, e motivo,
por que fiz semelhante convocação, o principal foi para que os brasileiros
melhor conhecessem a minha constitucionalidade” (Brasil, 1823a, p. 17).

11 Na verdade, foi a segunda, como já comentado no Capítulo I.

Capítulo II
45

Naquele momento de seu pronunciamento, D. Pedro I procurou lisonjear


a Assembleia, declarando que:

Bem custoso seguramente me tem sido que o Brasil até agora não go-
zasse de representação nacional; e ver-me eu por força de circunstâncias
obrigado a tomar algumas medidas legislativas; elas nunca pareceram
que foram tomadas por ambição de legislar, arrogando um poder, no qual
somente devo ter parte; mas sim, que foram tomadas para salvar o Brasil.
(Brasil, 1823a, p. 17)

Em seguida, manifestou-se sobre os embaraços nas províncias e, por fim,


declarou que “raiou o grande dia para este vasto império, que fará época
na sua história” (Brasil, 1823a, p. 18), ratificando sua promessa de aderir à
ordem constitucional, desde que fosse sábia, justa, adequada e executável,
que desse uma justa liberdade aos povos e toda a força ao Poder Executivo.
Uma constituição, enfim, disse o imperador, em que os três poderes (não
fez referência a um quarto) fossem organizados e harmonizados, de tal ma-
neira, que não fossem inimigos, mas concorressem para a felicidade geral
do Estado.
D. Pedro, entretanto, veio a ferir suscetibilidades quando, realçando a
anterioridade de sua aclamação e coroação, sem oposição e sem compro-
missos, disse que:

Como imperador constitucional, e mui principalmente como defen-


sor perpétuo deste império, disse ao povo no dia 1º de dezembro do ano
próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com minha espada
defenderia a pátria, a nação, e a Constituição, se fosse digna do Brasil e de
mim. (Brasil, 1823a, p. 18)

E realçou no final de seu discurso: “Espero que a Constituição que façais


mereça a minha imperial aceitação, seja tão sábia e tão justa quanto apro-
priada à localidade e civilização do povo brasileiro” (Brasil, 1823a, p. 18).
A coroação do imperador, em dezembro do ano anterior, portanto meses
antes da instalação da Assembleia Constituinte, foi ocasião, mais uma vez,
de discórdias entre os dois grandes grupos responsáveis pelas suas princi-
pais decisões rumo à independência do Brasil, como comentamos no Ca-
pítulo I: o grupo de José Clemente Pereira e Joaquim Gonçalves Ledo, cujo
centro de atuação principal se encontrava na Maçonaria e no Senado da
Câmara do Rio de Janeiro. Graças à atuação de seu presidente, o juiz de fora
José Clemente Pereira; e o grupo do ministro José Bonifácio de Andrada e
Silva, que coordenava e conduzia, com o apoio de D. Leopoldina, todas as
providências efetivas no sentido da independência e da manutenção da
unidade nacional.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


46

José Clemente Pereira (1861), de Sébastien Auguste


Sisson, litografia em preto e branco.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

À frente do governo, José Bonifácio expulsou do Rio de Janeiro a Divisão


Auxiliadora do Exército português, comandada pelo general Avilez. Focou
suas atenções em vencer a guerra na Bahia contra as tropas portuguesas do
general Madeira e os movimentos rebeldes de outras províncias. Sua vivên-
cia indicava que vagas formas políticas, simples reivindicações liberais, não
solucionariam o problema institucional do Brasil em 1822.
O grupo de Gonçalves Ledo e Clemente Pereira queria impor ao impera-
dor que, no dia da aclamação, houvesse sido feito um juramento prévio de
obediência à Constituição que a Assembleia convocada iria elaborar. José
Bonifácio saiu vitorioso em 30 de outubro, tendo excluído a cláusula que
previa o juramento prévio da carta constitucional, e inspirou os termos do
juramento a que acabara de se referir D. Pedro I. Por diversas vezes, vamos
ler nos Anais da Constituinte a descrição dos fatos ocorridos a partir de 30

Capítulo II
47

de outubro, bem como comentários sobre essas ocorrências, que vão ser
responsáveis pela ausência de muitos heróis da Independência na Cons-
tituinte, a exemplo do que discursou o deputado Martiniano Alencar, ao
defender o projeto de anistia àqueles que estavam sendo perseguidos:

Desde 30 de outubro do ano passado a marcha dos negócios políticos


do Brasil não é serena e regular. O governo tem tomado medidas violentas
e anticonstitucionais, têm-se prendido homens sem culpa formada; têm-
-se deportado outros, abrindo-se uma devassa não só na corte, mas pelas
províncias, que nada menos é que uma inquisição política. A liberdade da
imprensa está quase acabada, se não de direito, ao menos de fato. O Rio
de Janeiro, donde saíram tantos papéis liberais, até aquela data, está hoje
reduzido ao Diário das Vendas, ao Diário do Governo e ao Espelho. Os escri-
tores de maior nomeada estão deportados, ou presos; os espíritos aterra-
dos, muita gente timorata, desconfiada e vacilante; teme-se, desconfia-se
do despotismo. (Brasil, 1823a, p. 42, 2ª col.)

E contra esse estado de coisas, oriundo da devassa que o povo fluminense


jocosamente apelidara de “Bonifácia”, a imaginação criadora dos deputados
veio a propor diversas medidas e apresentar várias proposições legislativas.
Nas discussões desses projetos, sempre tomaram parte os Andradas, inclu-
sive o próprio José Bonifácio, sempre respondendo e contra-argumentando
à imputação de arbitrariedades que teriam sido praticadas pelo ministério.12

12 A chamada “Bonifácia” foi o inquérito que José Bonifácio mandou abrir contra Gonçalves Ledo
e seus seguidores da Maçonaria. D. Pedro foi convidado para integrar a organização, dominada pelo
grupo de Gonçalves Ledo, embora fosse José Bonifácio o grão-mestre. O príncipe foi aceito na ordem
em 2 de agosto de 1822.
Em 4 de outubro, mediante manobra contra José Bonifácio, foi convocada sessão presidida por Gon-
çalves Ledo, e o príncipe foi empossado no cargo de grão-mestre, em substituição de José Bonifácio.
Nessa mesma solenidade interna, com toda a pompa, o príncipe foi aclamado imperador do Brasil,
marcando-se para 12 de outubro a cerimônia pública de aclamação, tendo José Clemente Pereira e
Gonçalves Ledo conseguido, por meios astuciosos, a anuência de D. Pedro ao juramento prévio da
Constituição quando daquele ato público.
José Bonifácio resolveu impedir, a todo custo, que vingassem os planos do grupo de Gonçalves Ledo
no sentido de ser o príncipe constrangido, no ato de sua aclamação, a jurar obediência à futura Cons-
tituição, tal qual ocorrera com seu pai em fevereiro de 1821, mesmo tendo concordado em fazê-lo na
intimidade da Maçonaria. O ministro convenceu o príncipe da inconveniência do que pretendiam e
sugeriu que D. Pedro chamasse Gonçalves Ledo e José Clemente na noite de 9 de outubro, fazendo-
-lhes severas advertências.
José Bonifácio veio a saber, depois, que o príncipe, no seu entusiasmo pela Maçonaria, ao ser eleito
grão-mestre, aceitara assinar três folhas de papel em branco que foram entregues a Gonçalves Ledo
e a José Clemente Pereira.
Em 26 de outubro, aborrecido com algumas condutas do príncipe, José Bonifácio pediu demissão
do cargo de ministro, no que foi seguido pelo irmão Martim Francisco. No dia 27, D. Pedro foi com
D. Leopoldina duas vezes à casa de José Bonifácio, pedindo sua volta, e no dia seguinte esteve no-
vamente lá com sua consorte, mas José Bonifácio mantinha-se irredutível em sua decisão. Somente
após muita insistência, no dia 30 de outubro, José Bonifácio aceitou retornar ao ministério, mas

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


48

O fato é que as vítimas escreveram à Assembleia sobre as prisões das


fortalezas ou o exílio. É “no seio virginal dos campeões da liberdade bra-
sílica que eu solto as vozes da dor e da opressão”, escreveu à Assembleia o
deputado Pedro José da Costa Barros (Brasil, 1876, p. 44, 1ª col.).
O zelo de José Bonifácio pelo seu projeto monárquico-constitucional,
na tarefa de organizar a nação, foi tão acendrado que não hesitaria em
ordenar prisões, banimentos e outras violências contra todo suspeito de
republicanismo. Por ele, interferiria no comportamento da Assembleia,
com a colaboração de seus irmãos, principalmente Antônio Carlos, que di-
recionaria seus trabalhos. Foi José Bonifácio quem redigiu as instruções
para as eleições dos deputados. Foi ele quem, atingido o quórum mínimo
fixado nessas instruções, deu o roteiro dos trabalhos nas sessões prepara-
tórias. Foi Antônio Carlos quem ofereceu a fórmula de juramento para a
posse dos deputados; fê-los jurar que, na Constituição que elaborassem,
garantiriam que fosse mantido “o Império Constitucional, e a dinastia do
Senhor Dom Pedro, nosso primeiro imperador, e sua descendência” (Brasil,
1976, p. 3, 2ª col.). Nos debates, à menor manifestação de republicanismo,
os Andradas erguiam sua voz exaltada. Assim foi, já na terceira sessão pre-
paratória, quando o deputado padre José Custódio Dias, de ideias radicais,
iniciou a expor sua doutrina. Antônio Carlos caiu sobre ele com cáustica
ironia: “Sr. Presidente, eu estava preparado para ouvir portentos nesta As-
sembleia, vivemos na idade das maravilhas, e somos mui pouco ilustrados
para não ferverem entre nós os milagres” (Brasil, 1976, p. 5, 1ª col.).

impondo suas condições, que foram aceitas por D. Pedro I. Voltava o Andrada ao cargo de ministro
dos Negócios do Reino e Estrangeiros, ainda mais prestigiado.
José Bonifácio, conhecendo os expedientes a que recorriam seus adversários, que levaram o príncipe
aos maiores absurdos, não vacilou em tomar atitude enérgica e resoluta. Iniciou, então, um conjunto
de medidas repressivas para afastar os “mal-intencionados”, “intrigantes”, “caluniadores”, “autores
de vil cabala”, como se referia a Gonçalves Ledo, José Clemente e seu grupo. José Clemente e o cônego
Januário Barbosa foram exilados, partindo do Rio de Janeiro em 20 de dezembro para a França, ao
passo que Gonçalves Ledo fugiu para Buenos Aires. Foi instaurado processo contra várias pessoas
daquele grupo. A esse conjunto de medidas repressivas, os opositores dos Andradas apelidaram “Bo-
nifácia”.

Capítulo II
49

Instruções a que se refere o Real Decreto de 3 de Junho do corrente ano,


que manda convocar uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa
para o Reino do Brasil (1823), de José Bonifácio de Andrada e Silva.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

O comportamento dos Andradas despertou contra eles inúmeras ani-


mosidades. E seu apoio a D. Pedro fez muita falta quando os oficiais por-
tugueses “incorporados ao Exército nacional, contra a opinião pública e
da Assembleia”, intrigaram, “com o apoio de Domitila, dos negociantes
portugueses e especialmente do gabinete secreto, D. Pedro I contra os
Andradas, especialmente José Bonifácio, o grande chefe das forças nacio-
nais” (Rodrigues, 1974, p. 225). Nessa hora, os sempre nacionalistas An-
dradas serão precipitados na desgraça e com eles também a Assembleia.

***

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


50

Voltando à cerimônia de inauguração dos trabalhos da Constituinte de


1823, ao discurso do imperador respondeu o presidente da Assembleia, o
bispo do Rio de Janeiro e capelão-mor da casa imperial, D. José Caetano da
Silva Coutinho. Sua resposta foi breve, ainda que eloquente:

Em verdade, senhor, o presente espetáculo chega ao mais alto grau de


admiração e de importância, quando é considerado como imagem sim-
bólica, mas enérgica, da verdadeira grandeza, e das prosperidades reais,
que dele devem resultar ao Brasil. O Brasil civilizado já não podia perfei-
tamente constituir-se e organizar-se se não adotando as formas, estabe-
lecendo as garantias, e criando as instituições políticas, que têm feito a
felicidade e a opulência dos povos mais ilustrados do mundo.
A distinção dos poderes políticos é a primeira base de todo o edifício
constitucional; estes poderes se acham já distintamente no recinto au-
gusto desta sala; a sabedoria coletiva da nação; a autoridade constituinte
e legislativa; o chefe do Poder Executivo. (Rodrigues, 1974, p. 19)

A presidência de D. José Caetano da Silva Coutinho nos faz lembrar


outra característica do antigo regime que hodiernamente escapa ao nosso
processo político e que foi muito bem explicitada por Ernani Valter Ribeiro
(1987, p. 17): desde as eleições até a solene instalação da Assembleia, houve,
ao lado da função cívica, a função religiosa.

As instruções de 19 de junho de 1822 prescreviam que no “dia apra-


zado para as eleições paroquiais, reunido na freguesia o respectivo povo,
celebrará o pároco missa solene do Espírito Santo, e fará, ou outro por
ele, um discurso análogo ao objeto e circunstâncias”. Apurados os votos
e conhecidos e reunidos os eleitores, “os cidadãos que formaram a Mesa,
levando-os entre si e acompanhados do povo, se dirigirão à igreja matriz,
onde se cantará um Te Deum solene”. Na nova data aprazada, reunidos os
eleitores nas cabeças de distrito, e apresentando seus diplomas ao Colé-
gio Eleitoral, este, achando-os “legais, dirigir-se-á todo o Colégio à igreja
principal, onde se celebrará (pela maior dignidade eclesiástica) missa so-
lene do Espírito Santo, e o orador mais acreditado (que não se poderá
escusar) fará um discurso análogo às circunstâncias” (Brasil, 1887c, p. 43,
44 e 48, Cap. II, §§ 1º e 6º; Cap. V, § 4º). Apuradas as diferentes nomeações
pela Câmara, a “Câmara, os deputados, eleitores e circunstantes dirigir-
-se-ão à igreja principal onde se cantará solenemente Te Deum”. (Brasil,
2015, p. 48)

Depois de diplomados, os deputados compareceram ao edifício da Ca-


deia Velha. Na quarta sessão preparatória, de 1º de maio, o presidente fez
um convite à Assembleia:

Creio que são horas de irmos à capela, para se ouvir missa e prestar
o juramento. Conveio a Assembleia, e dali se dirigiu em corpo à capela

Capítulo II
51

imperial, onde assistiu à missa solene do Espírito Santo, que oficiou o Sr.
Bispo Capelão-Mor o qual, logo depois, prestou o juramento de deputado
nas mãos do decano do cabido, pronunciando de joelhos em voz alta o
mesmo juramento pela fórmula aprovada. Igualmente juraram perante
o Sr. Bispo, presidente da Assembleia, o Sr. Secretário e mais deputados,
pondo, cada um por sua vez, a mão sobre os Santos Evangelhos, e dizendo:
Assim o juro. (Brasil, 1876, p. 8, 2ª col.)

Lendo a resposta do Bispo Capelão-Mor, não há como fugir da impres-


são de que seu pronunciamento, como deveria ser, soou como um sermão.
Terminada a resposta e dados os vivas pelo presidente ao imperador e por
este às assembleias, correspondidos pela Assembleia e pelos espectadores,
retirou-se o imperador e sua comitiva na mesma ordem com que havia che-
gado. Em seguida, levantou-se a sessão.
Tinha início, com todos seus vícios e virtudes, a história parlamentar no
Brasil.
Vamos dar, no entanto, um passo atrás, para examinar quem eram os
deputados constituintes e como haviam sido escolhidos.

Câmara e Cadeia Velha (1895), de Augusto Malta.


Instituto Moreira Salles.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


53

CAPÍTULO III

Dos deputados

Instruções para as eleições


Uma vez determinada a convocação de uma constituinte no Brasil, em junho
de 1821, fazia-se mister determinar as regras que regulamentariam a esco-
lha dos representantes.13
Não se tratava propriamente de uma novidade. No início daquele ano,
quando da convocação de deputados às cortes de Lisboa, D. João promulgara
as “instruções para as eleições dos deputados das cortes, segundo o método
estabelecido na Constituição espanhola, e adotado para o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves” por intermédio do Decreto de 7 de março de 1821
(Brasil, 1889b, p. 29-39). Na realidade, tratava-se da transcrição das normas
promulgadas em Portugal que regulamentaram as eleições dos deputados
lusos para essas cortes. Por sua vez, as normas portuguesas eram a mera
tradução das normas espanholas da Constituição de Cádiz para as eleições
de deputados espanhóis ordinários.
Tanto era literal a adoção das normas espanholas que as instruções bai-
xadas por D. João VI começavam no artigo 27 (!) e traziam várias vezes, após
a transcrição do conteúdo de artigos específicos para situações inexistentes
no Brasil, a observação “não se aplica”!
Já com D. Pedro como regente do reino do Brasil, quando da convoca-
ção do Conselho de Procuradores, através do Decreto de 16 de fevereiro de
1822,14 subscrito por José Bonifácio, foram regulamentadas, no segundo pa-
rágrafo do mesmo decreto, as eleições dos procuradores, in verbis:
Estes procuradores serão nomeados pelos eleitores de paróquia jun-
tos nas cabeças de comarca, cujas eleições serão apuradas pela Câmara
da capital da província, saindo eleitos afinal os que tiverem maior nú-
mero de votos entre os nomeados, e em caso de empate decidirá a sorte;
procedendo-se em todas estas nomeações e apurações na conformidade

13 Vide a nominata dos deputados da Constituinte de 1823 no Apêndice.


14 Vide o texto integral do decreto no Anexo II.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


54

das instruções, que mandou executar meu augusto pai pelo Decreto de
7 de Março de 1821, na parte em que for aplicável e não se achar revogado
pelo presente Decreto. (Brasil, 1887, p. 6)

Desta maneira, podemos dizer que as instruções eleitorais baixadas para


as eleições dos deputados da Constituinte de 1823 seriam a terceira legisla-
ção eleitoral do país.
Conforme previsto pelo decreto de D. Pedro que convocou a Consti-
tuinte, as normas para as eleições dos deputados deveriam ser discutidas no
âmbito do Conselho de Procuradores.
Conforme podemos ler nas atas do Conselho de Procuradores, na reu-
nião do dia 10 de junho, seguinte àquela na qual D. Pedro aprovou a convo-
cação da Constituinte, José Bonifácio apresentou minuta de decreto com as
instruções para as eleições. O projeto determinava que as eleições seriam
indiretas, e seria este o primeiro ponto de desacordo. Joaquim Gonçalves
Ledo, procurador da província do Rio de Janeiro, que havia sido escolhido
para ser secretário ad hoc, insurgiu-se contra a questão, in litteris:

A nação vai exercitar a maior e a mais importante de suas funções,


o poder constituinte. Não podendo exercê-la individualmente, é preci-
sada pela natureza das coisas a delegá-la. Limitada, portanto, a exercer
somente o poder comitente deve não sofrer outra coação, deve exercê-lo
por si mesma, deve diretamente escolher e nomear aqueles que o hão de
desempenhar e exercer os seus direitos. (Brasil, 1973, p. 12)

Estevão Ribeiro de Resende, procurador das Minas Gerais, que havia


tomado posse no início daquela mesma reunião, defendeu que as eleições
fossem indiretas. Colocada a questão em votação, prevaleceram as elei-
ções indiretas. Naquele diálogo, a portas fechadas, deu-se a cisão funda-
mental dos dois grupos que disputariam as atenções do monarca e, por
conseguinte, o comando da evolução política do processo da independên-
cia: o primeiro, mais realista e pragmático, era comandado José Bonifácio;
já o segundo, bem mais repleto de conceitos ideológicos e idealista, era
comandado por Joaquim Gonçalves Ledo.
Nas sessões dos dias 12, 15 e 16 de junho, continuou-se a discutir o pro-
jeto de decreto relativo às eleições dos futuros constituintes. Por fim, na
sétima reunião do Conselho, ocorrida aos 18 de junho de 1822 aprovou-se
definitivamente seu texto.

Reunidos todos os vogais do Conselho de Estado, e presidida a sessão


por Sua Alteza Real, leu-se a ata da antecedente, e seguiu-se a das instru-
ções, para a nomeação dos deputados da Assembleia Geral Constituinte e
Legislativa do Brasil. Foram sancionadas. E sendo assinadas pelo ministro
de Estado dos Negócios do Reino, remeteram-se para a impressão. (Brasil,
1973, p. 19)

Capítulo III
55

Das bancadas
Aprovadas na sessão do dia 18 de junho, foram as instruções publicadas no
dia seguinte, firmadas por José Bonifácio (Brasil, 1987, p. 42).15 Determina-
vam que a Assembleia teria cem deputados, divididos entre as províncias
de acordo com o número de seus habitantes, verificado no censo de 1819,
levantado pelo conselheiro desembargador Antônio Rodrigues Velosa de
Oliveira (Rodrigues, 1974, p. 26, nota 9). Foram incluídos no cálculo a popu-
lação livre, os escravizados e os analfabetos.
Com relação às bancadas eleitas para as cortes de Lisboa, de acordo com
as instruções de José Bonifácio, houve um aumento generalizado no nú-
mero de deputados, mas nem todas as cadeiras previstas foram ocupadas.
A tabela a seguir apresenta o número de cadeiras previstas para as cortes
de Lisboa, o número previsto para a Assembleia Constituinte de 1823 e o
número de cadeiras efetivamente ocupadas na Constituinte:

Tabela 1 – Cadeiras por província

Cadeiras Cadeiras
Cadeiras
previstas para efetivamente
Província previstas para a
as cortes de ocupadas na
Constituinte
Lisboa Constituinte

Alagoas 3 5 4

Bahia 9 13 11

Ceará 5 8 7

15 Vide o texto integral das instruções no Anexo III.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


56

Cadeiras Cadeiras
Cadeiras
previstas para efetivamente
Província previstas para a
as cortes de ocupadas na
Constituinte
Lisboa Constituinte

Maranhão 2 4 –

Minas Gerais 13 20 20

Pará16 2 3 –

Paraíba 3 5 4

Pernambuco 8 13 12

Rio de Janeiro 5 8 8

São Paulo 7 9 9

Rio Grande do Sul 1 3 4

Goiás 117 2 1

Santa Catarina 1 1 1

Espírito Santo 1 1 1

Mato Grosso 118 1 1

Rio Grande do 2 1 1
Norte

Piauí 2 1 –

Cisplatina 1 2 –

Fonte: elaboração própria.

O resultado das eleições levou a bancada do Rio de Janeiro a não ter em


seu seio nenhum fluminense: três eram baianos, dois mineiros, um paulista,

16 O Amazonas (Comarca da Barra de Nossa Senhora da Conceição de Manaus), mesmo sendo parte
integrante do Grão-Pará, teve uma vaga nas cortes de Lisboa, mas não contou com representação
autônoma na Constituinte de 1823.
17 Nas eleições para as cortes de Lisboa, em função de cizânia surgida entre as comarcas de São João
das Duas Barras e a da capital, foram eleitos dois deputados efetivos e dois suplentes, não obstante
a capitania de Goiás tivesse apenas uma única vaga. O primeiro dos eleitos, Joaquim Teotônio Segu-
rado, que aportou em Lisboa (eleito pela comarca de São João das Duas Barras), foi reconhecido como
deputado de Goiás e foi quem representou a capitania naquele congresso.
18 Mato Grosso elegeu um deputado a Lisboa, mas ele não viajou.

Capítulo III
57

um catarinense e um português. Não obstante, o mais votado foi Joaquim


Gonçalves Ledo, fluminense, que não assumiu, pois se encontrava foragido
em Buenos Aires.19
Já a bancada mineira, a mais numerosa, era composta por dezenove mi-
neiros e um português. Quase todos eram reeleitos, exceto dois.
A bancada baiana, por sua vez, era totalmente nova, pois o único reeleito,
Cipriano José Barata de Almeida, não tomou assento, tendo sido substituído
por José da Silva Lisboa, o futuro visconde de Cairu, e cuja orientação polí-
tica era diametralmente oposta à de Cipriano Barata.
São Paulo, que havia enviado a melhor bancada para Lisboa, não reele-
geu Diogo Feijó, e José Feliciano Fernandes Pinheiro, o futuro visconde de
São Leopoldo, optou por representar o Rio Grande do Sul.
No Norte, Pernambuco reelegeu apenas o padre Muniz Tavares e Pedro
Araújo Lima, o futuro marquês de Olinda. O Ceará reelegeu Pedro José da
Costa Barros e o padre José Martiniano de Alencar.
Apesar de as instruções preverem cem deputados, foram eleitos apenas
noventa, vários dos quais não tomaram assento. Quinze foram substituídos
e cinco não tiveram substitutos.
Quase todos os deputados eram brasileiros natos, com poucos portugue-
ses, dentre os quais D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo Capelão-Mor,
o primeiro presidente da Assembleia Constituinte, eleito pelo Rio de Ja-
neiro, e Nicolau Vergueiro, eleito deputado por São Paulo.
Segundo José Honório Rodrigues (1974), quinze deputados eram padres,
e o décimo sexto não tomou posse (padre Vicente Rodrigues Campelo, eleito
pela Paraíba). Havia dois matemáticos, dois médicos, dois funcionários pú-
blicos, sete militares. Os demais, em sua grande maioria, eram bacharéis em
Direito, juízes ou desembargadores. O número de deputados magistrados

19 Joaquim Gonçalves Ledo foi substituído por José Joaquim Carneiro de Campos, futuro marquês
de Caravelas e membro da comissão de redatores da Constituição de 1824. Ledo chegou a escrever à
Assembleia justificando sua ausência. Seu ofício foi encaminhado na sessão de 9 de maio à Comissão
de Poderes, que na sessão do dia 12 de maio respondeu, nos seguintes termos:
“A Comissão de Poderes examinando o diploma do deputado pela província do Rio de Janeiro
Joaquim Gonçalves Ledo o achou legal por se achar conforme a ata, e esta conforme as ins-
truções; e é de parecer que o dito deputado eleito pode vir tomar assento nesta Assembleia
uma vez que se mostre sem crime que o iniba, em conformidade do disposto nas mesmas
instruções; visto que no seu próprio requerimento confessa ter sido obrigado a retirar-se
desta cidade por motivos políticos” (Brasil, 1823a, p. 53; Brasil, 1876, p. 80).
Esse parecer foi aprovado pelo plenário na sessão do dia 16 de maio, mas Gonçalves Ledo não se fiou
nas garantias que a Assembleia lhe concedia e jamais apareceu para tomar seu assento (Brasil, 1823a,
p. 63; Brasil, 1876, p. 94).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


58

levou a Assembleia a recomendar ao governo o provimento das suas vagas


nos diversos tribunais.20
Pedro Calmon, na introdução que escreveu para a reedição do Diário da
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, diverge des-
tes números: “nada menos de 19 eclesiásticos, à testa, o Bispo Capelão-Mor
(que lia pelo catecismo de Montpellier); 22 desembargadores; 26 bacharéis
em leis e cânones. A elite instruída, eis tudo”. O Brasil era como Portugal,
continuou Calmon, aplicando Almeida Garret à situação brasileira: “Quanto
à Justiça, Portugal (no caso o Brasil) era um povo de juízes, jurisdições e
alçadas; e a Relação do Porto chegou a contar trezentos desembargadores”
(Brasil, 1973, p. 5).
Já Octávio Tarquínio de Sousa afirma:

[...] dos noventa constituintes, oitenta e um tinham ao menos a pre-


sunção de alguma cultura, pois vinte e três eram formados em direito,
sete em cânones, vinte e dois eram desembargadores, dezenove eram
clérigos, sendo um bispo, três médicos, sete militares, dos quais três
marechais. Quase todos tinham feito os seus estudos na Europa. (Sousa,
1988b, p. 21)

Já para o barão Homem de Mello:

O que havia de mais ilustrado no país achou-se reunido no seio da


Constituinte. Todas as classes elevadas e importantes da sociedade es-
tavam aí representadas: o clero, a alta magistratura, a administração
superior do Estado, os jurisconsultos, literatos e militares haviam sido
contemplados em uma eleição livre e espontânea.
Inteligências vigorosas, homens de estudos feitos, alguns versados na
administração, apareceram então: entre estes podemos com segurança
citar os três irmãos Andradas, os doutores José da Silva Lisboa, Luiz José
de Carvalho e Mello, José Joaquim Carneiro de Campos, Antonio Luiz
Pereira da Cunha. Antônio Carlos, sobretudo, mostrou-se na Consti-
tuinte um parlamentar consumado, e foi decididamente o primeiro vulto
da Assembleia. (Mello, 1863, p. 4-5)

Na primeira sessão ordinária, compareceram 50 deputados, que foi a


média nos meses de maio e junho. Até a data de sua dissolução, aos 12 de

20 “Ilmo. e Exmo. Sr. Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ministro da Justiça,


A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império, tomando em consideração que alguns dos
ministros da relação de Pernambuco, nomeados deputados para a mesma Assembleia, não vêm tomar
parte nos seus trabalhos, por não estarem providos os lugares que devem deixar em virtude das ditas
nomeações, manda recomendar ao governo o provimento daqueles lugares, afim de que se complete
o seu número, e possam os referidos ministros vir quanto antes tomar assento neste augusto con-
gresso, e entrar no exercício de suas funções, como deputados na mesma Assembleia” (Brasil, 1823a,
p. 168; Brasil, 1877, p. 14).

Capítulo III
59

novembro, haviam-se feito representar na Assembleia quatorze das dezoito


províncias relacionadas nas instruções de 19 de junho de 1822. As banca-
das que tiveram ocupadas todas as cadeiras propostas foram as do Espírito
Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. O Rio Grande do Sul teve um
deputado a mais que o estipulado na tabela. Nos termos das instruções,
o deputado eleito por duas ou mais províncias deveria preferir aquela em
que tivesse domicílio. Assim, o deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro,
eleito por São Paulo e pelo Rio Grande de São Pedro do Sul, participou da
bancada sul rio-grandense, sem prejuízo da paulista, que pôde completar o
número prefixado.
Não se fizeram representar a Cisplatina, o Maranhão, o Grão-Pará
e o Piauí, por estarem convulsionados pelas guerras de independência.
O Amazonas, presente nas eleições às cortes de Lisboa, foi omitido na di-
visão de cadeiras para a Constituinte, segundo as instruções. Quanto a Ser-
gipe, também omitido, decidiu a Assembleia que enviasse dois deputados,
subtraindo-se um aos treze fixados nas instruções para a Bahia, de cujo
território fora desmembrada a nova província, e acrescentando-se outro,
concedido pela Assembleia, cuja dissolução, porém, não permitiu que to-
massem posse.
Cabe lembrar que, na época, era eleito deputado não aquele que postu-
lava o cargo, mas o cidadão eleito pelas classes votantes, constituídas pelos
homens que possuíam, segundo o texto das instruções, “decente subsistên-
cia por emprego, ou indústria, ou bens” (Cap. I, § 8º, das instruções, con-
forme Anexo III), não excluídos os analfabetos. Para eleitor, eram

excluídos do voto todos aqueles que receberem salários ou soldadas


por qualquer modo que seja. Não são compreendidos nesta regra unica-
mente os guarda-livros e primeiros-caixeiros de casas de comércio, os
criados da Casa Real, que não forem de galão branco, e os administradores
de fazendas rurais e fábricas. (Cap. II, §§ 5º e 6, das instruções, conforme
Anexo III)

Eleito deputado, nenhum “cidadão poderá escusar-se de aceitar a no-


meação” (Cap. IV, § 1, das instruções, conforme Anexo III). Conforme lembra
Ernani Valter Ribeiro (1987, p. 24), o arquivo da Assembleia exibe vários
documentos que ilustram o caráter de múnus público do mandato. Na Fala
do Trono, D. Pedro I recriminou os eleitos que ainda não haviam tomado
posse pela “falta de amor da Pátria em alguns” (Brasil, 1876, p. 41, 2ª col.).
E as comissões de verificação de poderes eram implacáveis. Para só citar um
caso, o bacharel mineiro José Alves do Couto Saraiva pediu escusa do “cargo
de deputado a esta Assembleia [...] pelos motivos de sua avançada idade de

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


60

73 anos e por moléstias, que teme se aumentem no clima do Rio de Janeiro”.


A Comissão de Poderes foi

de parecer que não tem lugar a admissão de sua súplica por não julgar
razão suficiente a idade que tem, e por serem destituídas de fundamento
as moléstias que alega, visto que o não têm impossibilitado de compa-
recer e que mais se fundam em temor do que na sua existência. (Brasil,
1879, p. 167, 2ª col.)

Assinam o parecer Antônio Carlos, Estevão Ribeiro de Resende e Manoel


Jacinto Nogueira da Gama.
O deputado, além de outros requisitos, deveria aliar “à maior instrução,
reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa do
Brasil” (Cap. IV, § 2º, in fine, das instruções, conforme Anexo III). Daí a con-
clusão de José da Silva Lisboa, o futuro visconde de Cairu: “neste Congresso
está concentrada toda a sabedoria da nação” (Rodrigues, 1974, p. 251).
A eleição de deputados à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa fa-
voreceu de modo especial ex-revolucionários: conjurados mineiros, baianos
e pernambucanos de 1817.
Dos inconfidentes mineiros, foram eleitos José de Resende Costa, o
filho, e o padre Manuel Rodrigues da Costa. Do primeiro, Mello Moraes nos
transmitiu a inconfidência que lhe fez Theodoro José Biancardi de cena
ocorrida no local que seria ocupado pela Secretaria da Assembleia. Estava
Biancardi providenciando a reforma do prédio. Nas palavras do deputado
Ramiro Berberi de Castro:

Quando estava mandando assoalhar a boca do alçapão, de repente,


vê um homem, vestido de preto, ajoelhar-se perto da boca do alçapão,
que se estava fechando, e, unindo as mãos, levantou os olhos para o céu,
e disse estas palavras, que, tradicionalmente conservadas, me foram
repetidas: ‘Louvado seja, meu Deus: quando, em 1792, eu saí por aqui,
para cumprir a sentença que me foi imposta por ocasião da Conjuração
Mineira, não me passou pelo pensamento que seria eu hoje um dos mem-
bros da Assembleia Geral Legislativa e Constituinte do Brasil!! Louvado
seja o Senhor meu Deus’.
Era José de Resende Costa [filho], esse homem, que Theodoro José
Biancardi vira de joelhos, e de mãos postas: era o deputado para a pri-
meira Assembleia Legislativa, que tinha de constituir o Brasil nação livre
e independente, que tais palavras proferia, com lágrimas nos olhos.
À medida que o assoalho se pregava na boca do alçapão, José de
Resende Costa [filho] narrava a Biancardi os seus sofrimentos e os de seus
companheiros de infortúnio… (Mello Moraes apud Castro, 1926, p. 687)

Capítulo III
61

Dos revolucionários de 1817, integraram a Assembleia Antônio Carlos


e os padres Francisco Muniz Tavares, José Martiniano de Alencar, João
Antônio Rodrigues de Carvalho e Venâncio Henriques de Resende.

Quando o governo real venceu a revolução, Antônio Carlos foi preso e


mandado para a Bahia, onde, desembarcando acorrentado, se viu metido,
completamente nu, numa enxovia, com grilhões aos pés e corrente ao
pescoço. Para reaver do carcereiro suas roupas, teve que lhe dar em troca
o relógio. Durante longos dias, o alimento que lhe forneceram não passou
de um pedaço de carne quase sempre podre envolto em farinha [...] com o
decorrer do tempo, teve suavizado o seu tratamento no cárcere, mas nele
ficou quase quatro anos. (Sousa, 1988b, p. 191)

Do presídio baiano, saíra Antônio Carlos para as cortes de Lisboa, onde


revelara todos seus dotes oratórios e sua extraordinária coragem. Quando
se convenceu de que a maioria portuguesa daquela Assembleia tudo deci-
dia contra os interesses brasileiros e que não licenciava os deputados que
queriam regressar à pátria, decidiu fugir com alguns companheiros.
O deputado pelo Ceará Martiniano Alencar, em sessão de 6 de maio, pro-
pondo à Assembleia medidas em favor do deputado Pedro José da Costa
Barros, eleito e impedido de tomar posse por estar preso, dirigiu-se a
Antônio Carlos nestes termos: “não sabe o ilustre preopinante quais são os
incômodos de uma prisão? Quantos prejuízos físicos e morais se sofrem?
Creio que os não ignora: ambos nós já os sofremos”. Alencar “sofrera talvez
mais do que ninguém, porque não só fora preso, como vira sua mãe encar-
cerada por mais de três anos” (Sousa, 1988b, p. 198).
O deputado padre Venâncio Henriques de Resende, na sessão de 22 de
maio, assim se expressou:

ninguém talvez é mais inclinado do que eu a esta anistia [propunham-


-na para os presos políticos]; basta que duas vezes eu tenha sido vítima
das maiores desgraças, para que meu coração se interesse pelo infeliz: o
meu coração se dilata para o desgraçado e propende todo para a anistia.
(Brasil, 1876, p. 94, 1ª col.)

O deputado Padre Francisco Muniz Tavares esteve preso com Antônio


Carlos durante quatro anos na Bahia. Na sessão inaugural de 6 de maio, da
Assembleia, confessou sua emoção:

Apenas Sua Majestade acabou de repetir o seu enérgico e patriótico


discurso, eu vi toda esta Assembleia retinir aos repetidos vivas de júbilo
e prazer, pronunciados por todos nós de mistura com o imenso povo que
nos rodeava; eu vi a alegria estampada em todos os semblantes: todos
universalmente satisfeitos. (Brasil, 1876, p. 23, 2ª col.)

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


62

Dos conjurados baianos de 1798, foi eleito Cipriano José Barata de


Almeida, que não tomou posse.
Por fim, devemos lembrar outra característica do Parlamento de então
que hodiernamente nos espanta. Não era regimental ler discursos, apenas
proclamá-los, de cor. Na sessão de 6 de maio de 1823, o deputado Velloso
Soares pediu a palavra:

SR. VELLOSO SOARES: Eu peço a palavra porque tenho coisas a dizer


(Começou a ler um discurso relativo à liberdade da imprensa)
SR. ANDRADA MACHADO: Sr. Presidente, aqui não se leem discursos;
por escrito só se permitem projetos; é preciso observar o regimento;
e por isso só estando em forma se pode ler.
O Sr. Velloso Soares declarou que lera parte do preâmbulo o que tinha
lido.
SR. ANDRADA MACHADO: O ilustre deputado deve estudar a fala em
casa e trazê-la de cor, ou então em forma de projeto. (Brasil, 1976, p. 58)

A Constituinte perante
a historiografia
A historiografia do século XIX foi muito dura em relação à Constituinte
de 1823. João Armitage, em seu pioneiro livro História do Brasil, publicado
originalmente em Londres, em inglês, em 1836, e que teve uma influência
enorme no Brasil, assim descrevia a Constituinte de 1823:

Antes de entrar na narração dos atos da nova legislatura, cumpre dar


uma ideia dos elementos de que se compunha. A maioria formava-se
quase exclusivamente de magistrados, juízes de primeira instância, ju-
risconsultos, e altas dignidades da Igreja, sendo pela maior parte homens
quinquagenários, de noções acanhadas, e inclinados à realeza. A minoria
era composta do clero subalterno, e de proprietários de pequenas fortu-
nas, ávidos de liberdade, mas liberdade vaga e indefinida, que cada um
interpreta a seu modo, e guiavam-se por seus próprios sentimentos. Eram
filantropos de coração; mas nem estes, nem seus oponentes, estavam ha-
bilitados com aptidão prática para bem exercerem as suas atribuições.
Habitando distritos em que a sua ciência, relativamente superior, os havia
feito considerar como oráculos, cada um se possuiu de ideias exagera-
das de sua própria importância, combinada, na maior parte, com a mais
completa ignorância da tática usada nas assembleias deliberantes: exce-
tuados os três Andradas, que tinham sido eleitos deputados, havia entre
todos muito poucos indivíduos, se é que os havia, acima de mediocridade.
(Armitage, 2011, p. 135)

Capítulo III
63

Já Francisco Adolfo de Varnhagen, o visconde de Porto Seguro, na sua


História Geral do Brasil, assim se refere à Constituinte de 1823:

Era então [1822] a ocasião oportuna para D. Pedro haver outorgado ao


Brasil uma constituição bem concebida e meditada […] não o fez: e este
grande erro veio a ser para ele causa dos maiores desgostos, que princi-
palmente se originaram da dissolução, que foi levado a efetuar pela força
da assembleia convocada, que (como em outros países tem semelhante-
mente sucedido), se emaranhava em largas discussões, em vez de realizar
a obra para que principalmente se reunira; e que talvez houvera mal de-
sempenhado, produzindo um pacto informe das paixões do momento das
votações, em vez de um código harmônico e homogêneo, como veio a ser
a nossa atual Constituição, que ao cabo de esperanças malogradas teve o
imperador que outorgar. (Varnhagen, 1953, p. 440 e segs.)

O veredito de Armitage, corroborado pelo de Varnhagen, foi de tal forma


consagrador que, em 1863, quando o futuro barão Homem de Mello publi-
cou seu breve estudo A Constituinte perante a história, iniciou seu trabalho
declarando que o julgamento daqueles dois historiadores havia encontrado
eco em muitos espíritos a ponto de: “Todos os dias se repete que a consti-
tuinte brasileira de 1823, dominada de paixões exaltadas, de princípios exa-
gerados, em antagonismo entre si, era incapaz de fazer uma obra durável”
(Mello, 1863, p. 3).
Para Homem de Mello, conforme dissemos, o julgamento dos seus con-
temporâneos era injusto, pois a constituinte havia reunido o que de melhor
o país tinha:

O que havia de mais ilustrado no país achou-se reunido no seio da


Constituinte. Todas as classes elevadas e importantes da sociedade esta-
vam aí dignamente representadas: o clero, a alta magistratura, a adminis-
tração superior do Estado, os jurisconsultos, literatos e militares haviam
sido contemplados em uma eleição livre e espontânea. (Mello, 1863, p. 4)

Homem de Mello continuou declarando ser um erro supor que os cons-


tituintes eram todos medíocres e de inteligências acanhadas, afinal, quase
todos os deputados haviam estudado em Portugal e ali se haviam embe-
bido das ideias liberais e constitucionais de sua época. Vários sequer eram
navegantes de primeira viagem, uma vez que haviam sido deputados nas
cortes de Lisboa. Ademais, as discussões dariam pleno testemunho da
existência de luzes na constituinte, a exemplo dos debates referentes à
liberdade religiosa e à instituição do júri.
Entretanto, a concepção de que a Constituinte de 1823 havia sido com-
posta por espíritos obtusos era tão arraigada que, assim que foi publicado
o livro do barão Homem de Mello, eis que se levantou a tonitruante voz do

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


64

conselheiro José de Alencar, cujo pai, o padre José Martiniano de Alencar,


havia sido destacado deputado pela província do Ceará na Constituinte, –
para combater o que lhe parecia ser um revisionismo histórico injustificável.
Em 24 de agosto de 1863, José de Alencar publicou no Jornal do Comércio
vigoroso artigo no qual, ao passo que elogiava o estilo de Homem de Mello,
declarou que:

Entretanto, a bem pesar meu, devo dizer-lhe: em seus anelos patrióti-


cos de reabilitar o nosso primeiro parlamento e destruir a falsa ideia que
porventura formem dele os vindouros, desvairados por inexatas versões, o
talentoso escritor, creio eu que se excedeu. (Alencar, 1863 apud Nogueira,
1973, p. 110)

Por fim, Alencar declarou ser possível provar, com os documentos pro-
duzidos pelo autor:

1. Que a Assembleia Constituinte exorbitou.


2. Que no conflito entre a Assembleia e a coroa, a iniciativa do abuso foi
daquela.
3. Que se não sobreviesse a dissolução, graves calamidades resultariam
para o país.
4. Que o projeto de Constituição elaborado pela comissão da Assembleia
era perigoso e inexequível.
5. Que a atual Constituição é mais liberal do que o projeto. (Alencar, 1863
apud Nogueira, 1973, p. 112)

José de Alencar escreveu quatro artigos criticando a obra de Homem de


Mello nas páginas do periódico fluminense. O primeiro, que citamos, foi
publicado em 24 de agosto e o último em 1º de novembro de 1863. Homem
de Mello rebateu as críticas através de quatro outros artigos que, por sua
vez, foram publicados no diário Correio Mercantil entre 30 de outubro e 4 de
novembro daquele mesmo ano de 1863.
As questões que o barão Homem de Mello levantou e que basearam sua
argumentação eram as seguintes: a Constituinte deveria ser julgada pre-
cipuamente pelos seus trabalhos, no caso, pelos anais dos seus debates e
pelos textos das leis e do projeto de Constituição que produziu; e a quali-
dade dos constituintes deveria levar em consideração seus futuros desdo-
bramentos. Essas ideias somente tiveram repercussão maior em meados do
século XX.
Octávio Tarquínio de Sousa, autor da formidável obra História dos fun-
dadores do império do Brasil, ao analisar a Constituinte de 1823, declarou
que o julgamento de Armitage era injusto e que não pode prevalecer, pois

Capítulo III
65

melhor Assembleia não poderia se ter reunido. Se a maioria dos depu-


tados eram medíocres, como declarou Armitage, “medíocre é a massa de
todos os parlamentos do mundo” (Sousa, 1988b, p. 21). Ademais, ainda que
a maioria fosse realmente noviça, havia os veteranos das cortes de Lisboa,
tais como Antônio Carlos, Vergueiro, Costa Aguiar, Fernandes Pinheiro,
Muniz Tavares e Araújo Lima, todos com destinos brilhantes pela frente.
José Honório Rodrigues (1974, p. 26 e segs.), que dedicou muitas obras à
história do parlamento, também formula um juízo bem mais lisonjeiro para
a Constituinte de 1823. Para ele, a representação da Constituinte de 1823
era bem melhor do que a de 1821, que foi às Cortes de Lisboa.

O líder: Antônio Carlos


Andrada Machado
Tomando por base a análise que José Honório Rodrigues (1974, p. 263 e
segs.) faz dos constituintes de 1823, podemos apresentar os deputados
da seguinte maneira.
Antônio Carlos indubitavelmente era o líder natural. Eram inigualá-
veis sua eloquência e seu destemor. Orador fluente, fácil, claro, lógico, era
rápido, tanto que por diversas vezes os taquígrafos declararam que não o
puderam acompanhar. De espírito independente, era reconhecido por sua
grande capacidade crítica, por seu fervor nacional, por sua bravura incom-
parável, atributos que, sem dúvida, contribuíram para seu exílio, bem como
o de seus irmãos.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


66

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1861), de Sébastien


Auguste Sisson. Litografia em preto e branco.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

Dentre suas grandes manifestações, não podemos nos esquecer das


que apresentaram sua concepção de monarquia, em discurso proferido
em 16 de maio de 1823 (Brasil, 1876, p. 90-92); sua defesa da compa-
tibilidade entre o exercício das funções de deputado e de ministro de
Estado e a harmonia dos poderes, em discurso proferido em 14 de agosto
de 1823 (Brasil, 1879, p. 98-99); sua concepção sobre o modo de votar a
constituição, em discurso proferido em 12 de setembro de 1823 (Brasil,
1880, p. 97-98); sobre a soberania, em discurso de 29 de julho de 1823
(Brasil, 1878, p. 164-166); seu primeiro discurso a favor da anistia, em
22 de maio de 1823 (Brasil, 1876, p. 125-130); e sua brava oração e
atuação diante do caso David Pamplona e na perspectiva de dissolução
da Assembleia, em 10, 11 e 12 de novembro (Brasil, 1884a, p. 286-309).
Seus discursos eram sempre políticos, não jurídicos, como o foram de
outras personalidades da Assembleia.

Capítulo III
67

Formado em direito em Coimbra, foi juiz de fora, ouvidor e revolucioná-


rio em Pernambuco em 1817. Permaneceu preso até 1821, na Bahia. Depois,
foi deputado nas cortes de Lisboa, idealizador da fuga de deputados bra-
sileiros para a Inglaterra para não serem forçados a assinar a Carta portu-
guesa de 1822, motivo pelo qual sua coragem era conhecida e respeitada.
Era temido na tribuna e na comissão. Exilado com seus irmãos após a dis-
solução da Constituinte, após sua volta, foi deputado pelo período de 1838
a 1842, durante o qual foi um dos principais líderes do movimento em favor
da maioridade de D. Pedro II, ocorrida em 1840. Chefiou o primeiro Gabinete
após a maioridade e posteriormente, em 1845, elegeu-se senador por Per-
nambuco e, poucos meses depois, veio a falecer.
Dado seu conhecimento da história e do funcionamento dos parlamen-
tos europeus e por sua própria experiência pessoal, Antônio Carlos dirigia
os trabalhos parlamentares, e por vezes seus companheiros queixavam-se
de sua arrogância ou de sua liderança espontânea.21 Foi ele quem redigiu o
texto do juramento proferido pelos parlamentares, quem comandou o de-
bate, guiou a Assembleia, orientou o processo formal, até que os demais
parlamentares adquirissem a experiência necessária. Era dele o texto cons-
titucional apresentado em 1º de setembro e que foi aproveitado em grande
medida na redação da Constituição de 1824, a mais longeva entre as consti-
tuições que tivemos, tendo sofrido uma única emenda.
Ainda que se apresentasse como campeão da liberdade política, Antônio
Carlos flutuava conforme seu acordo ou desacordo com o governo. Quando
se discutiu a lei marcial, solicitada por José Bonifácio para responder, como
represália, à ameaça do decreto português de 21 de março de 1823, que
punha sob comando militar as províncias revoltadas, podendo ser aplicada
a pena de morte, Antônio Carlos defendeu, com todo o seu gênio, a apro-
vação da lei. Saídos seus irmãos do governo em 17 de julho, na sessão do
dia 30 daquele mesmo mês, Antônio Carlos, que até então fora campeão na
defesa da proposição, declarou que já não mais a considerava necessária,
invocando a saída do general Madeira da Bahia (Brasil, 1877, p. 194-196;
Brasil, 1878, p. 174).
Antônio Carlos era dotado de um liberalismo versátil e de classe, como
o de todos em sua época. Quando se discutia o projeto sobre a arrecadação
dos bens dos defuntos e ausentes, tendo Teixeira de Vasconcelos defen-
dido que, na falta de pessoas legítimas para receber o dinheiro, este deveria

21 O deputado padre José Custódio Dias, em um debate com Antônio Carlos, disse: “não admito
decisão que não seja a da Assembleia, nem o magistério que se arroga o ilustre preopinante” (Brasil,
1876, p. 36).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


68

ser aplicado na redenção de cativos, Antônio Carlos levantou-se e decla-


rou: “Não admito a comparação de súditos do império com cativos” (Brasil,
1879, p. 156).
Nem sempre os três irmãos Andrada estiveram de acordo. Houve mo-
mentos de divergência, como no caso do reconhecimento do diploma do
deputado Henriques de Resende, em que discordaram Antônio Carlos e
Martim Francisco, e no caso das sociedades secretas, em que discordaram
Antônio Carlos e José Bonifácio. No entanto, sempre estiveram unidos pelo
nacionalismo e eram sempre coerentes com sua posição política, que pode
ser definida como um liberalismo político conservador, com Antônio Carlos
um pouco mais à esquerda que seus dois irmãos.

Martim Francisco Ribeiro de Andrada


Martim Francisco também foi um deputado corajoso e orador eloquente,
ainda que um tom abaixo de Antônio Carlos. A eloquência, por sinal, era
uma qualidade que o mais velho dos três irmãos, José Bonifácio, indubita-
velmente não possuía.
No início do funcionamento da Constituinte, Martim Francisco ocupava
a cadeira de ministro da Fazenda, tendo se destacado por sua austeridade.
Acompanhou seu irmão quando de sua saída do ministério, bem como na
prisão e no exílio, após a dissolução da Assembleia Constituinte.
Formado em matemática pela Universidade de Coimbra, foi membro
do governo provisório de São Paulo, de onde foi expulso em consequên-
cia do conflito da “Bernarda” de Francisco Inácio. Eleito constituinte por
São Paulo e pelo Rio de Janeiro, tomou posse pela província fluminense,
em substituição ao deputado efetivo Agostinho Corrêa da Silva Goulão,
que não tomou assento.
De volta do exílio após a dissolução da Constituinte, foi eleito depu-
tado de 1830 a 1842, sendo grande expoente ao lado de Antônio Carlos no
movimento pela maioridade de D. Pedro II. Como deputado, participava
ativamente dos debates que envolviam economia e finanças públicas. Par-
ticipou novamente como ministro da Fazenda no primeiro Gabinete após
a maioridade.

Capítulo III
69

Martim Francisco Ribeiro d’Andrada (1861), de Sébastien


Auguste Sisson. Litografia em preto e branco.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

O erudito: José da Silva Lisboa


Somente um deputado se comparava a Antônio Carlos: José da Silva Lisboa,
o futuro visconde de Cairu, indubitavelmente o mais culto e o maior erudito
da Assembleia, e também o mais idoso.
Seus discursos não tinham a limpidez dos de Antônio Carlos, nem a sua
expressividade, mas eram repletos de verdadeira força oracular e de cultura
geral, histórica, jurídica e econômica. Silva Lisboa conciliava um grande li-
beralismo econômico com um igual grau de conservadorismo político. Não
buscava o apoio popular, mas procurava sempre a moderação.
Seus sempre coerentes discursos são grandes na extensão e na demons-
tração de conhecimento. Não era temido, como Antônio Carlos, por vezes
gerando surpresa e mesmo riso. Quando se discutia, verbi gratia, o preâm-
bulo do projeto da Constituição, criticou que se tivesse apenas invocado a
sabedoria divina e não se tivesse feito nenhum ato de culto externo, como

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


70

lhe parecia ser indispensável, e acompanhou sua crítica ajoelhando-se no


plenário (Brasil, 1880, p. 112). De outra feita, ao referir-se ao então recém-
-falecido deputado português Manuel Fernandes Thomaz, líder-mor da
Revolução Constitucionalista do Porto de 1820, e declarada e reconhecida-
mente antibrasileiro, Silva Lisboa acrescentou, para espanto de todos: “Que
Deus o haja em glória”. Tal observação causou irrisão entre os constituintes,
o que o deixou desconcertado (Brasil, 1879, p. 126). Quando censurava os
figurantes da revolução de 1817 e denunciava Pernambuco como foco do ja-
cobinismo, muitos deputados o apartearam, tendo Silva Lisboa respondido:
“Tenho peito triplicado para resistir à rapaziada” (Brasil, 1874, p. 158). Foi
o único deputado a votar contra a liberdade religiosa, proposição defen-
dida originalmente por deputados padres, pois defendia a exclusividade de
culto católico. Sintomática da reação de seus colegas deputados ante seus
posicionamentos excessivamente conservadores foi a intervenção do jovem
deputado Martiniano de Alencar, na época com 25 anos de idade, na sessão
da Noite da Agonia, logo após a manifestação de Silva Lisboa contra a pro-
posta apresentada: “Deixemos aos velhos dizer o que quiserem: mas advir-
tamos que, apesar da diferença da idade, os moços também têm prudência
suficiente para pensarem nos negócios” (Brasil, 1884a, p. 306).
Se os grandes discursos de Antônio Carlos foram perdidos, pela rapidez
com que falava, os de Silva Lisboa foram todos apanhados, aparentemente
na íntegra, mesmo estando recheados de citações e reflexões eruditas. Isso
denota que devia falar pausadamente, baseando-se em notas, ou mesmo,
talvez, lendo alguns trechos.
Silva Lisboa, que entrou na Assembleia como suplente de Cipriano
Barata, liberal radical, seu verdadeiro oposto político, estreou em 8 de
agosto e desde então não houve matéria importante em que não opinasse
com extraordinária desenvoltura. Sua colaboração ao projeto constitucional
foi incansável, e seus discursos eram ricos de reflexão, repletos de profun-
dos conhecimentos críticos, conservadores e muitíssimas vezes foram os
melhores. Entre estes, estão os que proferiu sobre o projeto de criação da
universidade, em que superou os provincialismos de grande parte da As-
sembleia e revelou sua grande cultura universal, manifestando-se diversas
vezes. Relevante foi também sua contribuição para a elaboração do projeto
de lei que declarou a recepção da legislação reinol, anterior à Independên-
cia, ocasião em que demonstrou grandes conhecimentos jurídicos. O mesmo
pode ser dito acerca de seu pronunciamento sobre a federação (art. 2º do
projeto de Constituição), em que se fez paladino da centralização do poder
e da união das províncias.

Capítulo III
71

Ao defender que os libertos fossem considerados cidadãos brasileiros,


Silva Lisboa produziu duas peças notáveis:

Quando se trata da causa liberal, não é possível guardar silêncio,


antes devo dizer com o clássico latino: “Sou homem, nenhuma coisa
da humanidade penso ser-me estranha”. Parece-me, contudo, ser con-
veniente fazer-se o artigo mais simples ou amplo, para excluir toda a
dúvida, declarando-se ser cidadão brasileiro, não só o escravo que obteve
de seu senhor a carta de alforria, mas também o que adquiriu a liberdade
por qualquer título legítimo [...]
Sr. Presidente, em tempo do liberalismo será a legislatura menos equi-
tativa que no tempo do despotismo? [...] Sua Majestade Fidelíssima el-rei
D. José no alvará de 19 de setembro de 1761 concedeu todos os direitos
de pessoas livres aos escravos que do Brasil se transportassem para Por-
tugal, sem distinguir origens, cores e habilidades. [...] A política, que não
pode tirar tais desigualdades, deve aproveitar os elementos que acha para
a nossa regeneração, mas não acrescentar novas desigualdades. (Brasil,
1880, p. 260-262)

Silva Lisboa não defendia o fim da escravidão, mas, como bom conser-
vador, adotava medidas suavizadoras e antidiscriminatórias. Insurgia-se,
muitas vezes, contra as posturas do deputado Montezuma, que via como
demagógicas.22 Em um belo discurso, aderiu à proposta de Martim Francisco
e louvou e agradeceu, em nome da nação, a atuação de lorde Cochrane na
libertação do Maranhão.23

22 Vide referência ao deputado Francisco Gê Acaiaba Montezuma, o futuro visconde de Jequitinho-


nha, a seguir.
23 Na sessão do dia 2 de outubro chegou à Assembleia a seguinte comunicação do imperador:
“O Sr. Secretário Maciel da Costa leu os seguintes ofícios dos ministros de Estado dos Negócios da
Marinha e do Império:
Ilmo. e Exmo. Sr., de ordem de Sua Majestade Imperial, comunico à V.Exa. que ontem, 1º do corrente,
chegou a este porto o bergantim Maria, vindo do Maranhão com 43 dias de viagem, mandado pelo
1º almirante lorde Cochrane, com ofício, em que participa a faustíssima notícia de haver feito que
aquela província proclamasse em 28 de julho a sua independência política, adesão ao império brasí-
lico e governo do mesmo augusto senhor.”
A essa notícia, o deputado Ribeiro de Andrada propôs uma comunicação ao almirante Cochrane,
externando o júbilo da Assembleia. Montezuma redarguiu:
“ SR. MONTEZUMA: Eu propus quando chegou a notícia verdadeira da liberdade da Bahia, que se
dessem vivas e foi rejeitada a minha proposta; e portanto não votarei agora por demonstrações de
alegria, porque não vejo que esta notícia seja de maior interesse do que a da restauração da Bahia.”
Antônio Carlos interveio no debate e declarou que havia diferença, pois quando da chegada das no-
tícias da Bahia, não se conheciam os detalhes, “as condições com que os inimigos tinham saído”, mas
que “agora sabemos que o feito é glorioso para as nossas armas”.
Montezuma insistiu na sua tese, tendo havido uma altercação entre os dois deputados, que foram
chamados à ordem pelo presidente.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


72

Seu discurso sobre a liberdade religiosa, que combate com todas as


forças, sem descanso e sem concessões, é doutrinário. Apresentando um
argumento que acreditava ser ad absurdum, Silva Lisboa declarou que
seria inconsequente dar-se a liberdade religiosa apenas aos protestantes,
devendo-se estendê-la aos judeus e aos mulçumanos, in verbis:

É inconsequente a regra proposta. Se é de direito individual do ci-


dadão a liberdade religiosa, é manifesta inconsequência limitá-la às co-
munhões cristãs, e não estendê-la para todos os fins e efeitos, também
à religião judaica, e à maometana. Quanto à religião judaica, bem se
poderia alegar a defesa ou escusa do escritor do espírito das leis no seu
memorial que figura dos judeus aos inquisidores: visto que, sendo Deus
imutável, parecia não haver erro mais perdoável do que o de guardarem
a lei de Moisés, na persuasão, de que Deus ainda ama a religião, que ele
mesmo revelou, e mandou observar.
Quanto à religião maometana, se poderia alegar (segundo dizem os
muçulmanos), que só eles são os verdadeiros crentes, e os puramente
fiéis; visto que no seu Alcorão se declara que não há Deus, senão Deus,
e que Jesus Cristo foi um dos profetas mandados por Deus, ainda que
(segundo pensam) Maomé foi maior, profeta, etc., condenando por isso
toda a idolatria. (Brasil, 1884a, p. 76)

Ainda que não tivesse temor por se manifestar, nem por isso assumia
ares temerários. Sabia ser prudente e realista. Quando, na sessão da Noite
da Agonia, em 12 de novembro, se pretendeu convocar o recém-nomeado
e octogenário ministro da Guerra, ou quando se pretendeu deslocar a As-
sembleia para outra localidade, para longe da pressão das forças armadas
e de D. Pedro, Silva Lisboa chamou a Assembleia à realidade, opondo-se
às propostas apresentadas por Montezuma e Alencar:

Eu, não obstante os cabelos brancos da mirrada cabeça, não sei o que
é temor, quando encha o que é dever, mas sei também qual é o perigo
de ajuntamentos populares, que podem degenerar em tumultos; prezo-
-me de ser cauteloso, sem fantasiar de ser capoeira, e perdoe-me esta
augusta Assembleia o ter-me escapado este nome do vulgo, impróprio
ao lugar, e objeto. Não é racionável o pôr em contraste, e menos em
conflito, o corpo do povo com o corpo militar. [...]
Ouvi com pasmo a um senhor deputado propor, que esta Assembleia
nada delibere antes de que o governo assegure a tranquilidade pública,
fazendo repor a tropa nos seus aquartelamentos, e, do contrário estabe-

Ribeiro de Andrada propôs então uma moção de congratulação ao primeiro almirante, que voltou a
ser combatida por Montezuma, que foi acompanhado pelo deputado França.
Foi nessa ocasião que interveio Silva Lisboa, em primoroso discurso em defesa do Voto de Agradeci-
mento proposto por Martim Francisco Ribeiro de Andrada (Brasil, 1884a, p. 8-12).

Capítulo III
73

leça as suas sessões em outro lugar. Em que lugar? Estamos no mundo da


lua? Andaremos de capa em colo em busca de pouso? A quem daremos
ordens? Quem as executará? Sem dúvida então se verificaria, o que disse
o político Tácito, que em perigos iminentes, todos mandam, ninguém
obedece: Quod in rebus trepidis fit omnes jubere, neminem exequi. (Brasil,
1884a, p. 305-306)

Outros grandes tribunos


Destacaram-se, igualmente, como grandes oradores, José Ricardo da Costa
Aguiar de Andrada, Francisco Montezuma e José Martiniano de Alencar.
Costa Aguiar de Andrada, sobrinho dos irmãos Andrada que havia parti-
cipado das cortes de Lisboa, revelou-se um orador de extraordinários recur-
sos, aprimorados ao longo de sua vida parlamentar, que se seguiu até 1841.
Francisco Montezuma era o mais palavroso e derramado dos constituin-
tes, com suas expressões rápidas, muitas vezes não colhidas pelo taquígrafo.
Foi herói na guerra da restauração da Bahia, participou da cerimônia de co-
roação de D. Pedro e foi um dos escolhidos para sustentar o pálio que cobriu
o imperador quando este marchou pela cidade. Titulado como visconde de
Jequitinhonha, fundou o Instituto dos Advogados do Brasil e foi eminente
senador no Segundo Reinado.
Por sua vez, José Martiniano de Alencar, de arroubos, era um consti-
tuinte de grande participação e muitas opiniões. Entretanto, não se distin-
guiu nem pelo saber nem pela beleza de sua oratória, ainda que falasse com
facilidade e fosse exuberante. Suas posições chegavam a ser contraditórias,
como a de vários antigos revolucionários de 1817, entre os quais podemos
citar o padre Muniz Tavares e Rodrigues de Carvalho.
Os dois discursos de Alencar mais importantes são os proferidos sobre o
modo de discutir o projeto constitucional (Brasil, 1880, p. 100-101), e sobre
o art. 13 do projeto de Constituição, relativo ao juízo dos jurados, restrito à
matéria criminal (Brasil, 1884a, p. 177-182).

Aguerridos ou prudentes
Os mais aguerridos, afora os Andradas, foram Montezuma, da Bahia, e
Carneiro da Cunha, da Paraíba. Por outro lado, os mais prudentes e cheios
de bom senso foram Fernandes Pinheiro, o futuro visconde de São Leo-
poldo, e Araújo Lima, o futuro regente e marquês de Olinda, o segundo
muito mais participante que o primeiro.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


74

Dois grandes liberais, Vergueiro e Paula Souza, não ostentaram o brilho


que mais tarde os tornaria conhecidos luminares do Parlamento.
Os antigos conjurados mineiros, padre Manuel Rodrigues da Costa e
José Resende Costa, ambos curtidos em longos exílios, eram discretos
e encolhiam-se nas questões políticas. Resende Costa, alto funcionário
da Fazenda, se distinguiu nos projetos e pareceres financeiros. O padre
Manuel Rodrigues da Costa era amigo dos Andradas, especialmente de An-
tônio Carlos, de quem fora companheiro na Tipografia do Arco do Cego em
Lisboa, na Maçonaria e posteriormente como membro do Apostolado, so-
ciedade secreta paramaçônica. Teve participação ativa na Revolução Liberal
de 1842 ao lado de Teófilo Ottoni.
O mais exaltado dos constituintes foi o rico padre José Custódio Dias,
deputado mineiro, a quem José Honório Rodrigues (1973, p. 272) chega a
chamar, não no sentido hoje ofensivo do termo, mas de “verdadeiro ener-
gúmeno”. Corroborando esse entendimento, Custódio Dias seria posterior-
mente descrito pelo reverendo Walsh (apud Rodrigues, 1972, p. 73):

Moreno, com feições grosseiras bem pronunciadas, e possui uma ma-


neira ágil e nervosa. Quando completamente excitado, o que acontece
frequentemente, pelo mais ligeiro motivo, os músculos de sua face se
agitam de uma maneira extraordinariamente trêmula. [...] Sua maneira
é um exemplo puro e autônomo do crescimento nativo. Disse-me que
nunca esteve fora do Brasil; não fala nenhuma outra língua senão o por-
tuguês, salvo o latim, de sua profissão clerical, no qual conversamos.
É um dos mais constantes oradores da Câmara e muitas vezes o mais
violento. É astuto e inteligente, de rápida apreensão, instantânea con-
cepção, e fluente na exposição; mas parece excitado a um grau de quase
perturbação em questões constitucionais. Talvez a própria palavra Cons-
tituição, pronunciada na Assembleia, seja como uma faísca lançada entre
materiais combustíveis, que põe qualquer membro em arroubo.

Os grandes juristas
Os grandes juristas da Assembleia foram todos baianos, ainda que nem
todos tenham sido eleitos por sua província. Destacaram-se os irmãos José
Joaquim Carneiro de Campos e Francisco Carneiro de Campos. O primeiro
era representante do Rio de Janeiro, o segundo da Bahia. A lista segue com
Luís José Carvalho e Melo e Antônio Luís Pereira da Cunha, o primeiro re-
presentando a Bahia, o segundo, o povo fluminense. Por fim, devemos somar
à lista o já citado José da Silva Lisboa, este último representando a Bahia.

Capítulo III
75

Entre os juristas, há de se destacar a figura de José Joaquim Carneiro de


Campos, o futuro marquês de Caravelas, que concorreu com Antônio Carlos
e Silva Lisboa como o nome de destaque da Constituinte de 1823, mesmo
exercendo o Ministério do Império de 18 de julho até 10 de novembro. In-
clusive, entre seus galardões está o fato de ter se recusado a firmar o ato
de dissolução da Assembleia Constituinte, renunciando ao Ministério, nas
vésperas do ato de força de D. Pedro.
Foram da autoria de José Joaquim Carneiro de Campos discursos deci-
sivos sobre matéria constitucional, proferidos na sessão do dia 26 de junho
de 1823, versando a respeito dos seguintes temas: o modo de se promulga-
rem as leis; a necessidade da sanção imperial; as diferenças entre os vários
poderes; a apresentação e defesa do Poder Moderador, no julgamento de
José Honório Rodrigues (1974, p. 271), provavelmente o mais importante
discurso jurídico referente ao Direito Público pronunciado na Assembleia
(Brasil, 1877, p. 163-167); a compatibilidade entre as funções de deputado
e de ministro de Estado (Brasil, 1878, p. 114-115); a recepção do direito rei-
nol, a lei e a edificação social (Brasil, 1880, p. 224-225); a liberdade religiosa
(Brasil, 1884a, p. 65-68); os jurados e o poder judiciário (Brasil, 1884a, p.
174-177); e a licença para que Felisberto Caldeira Brant, o futuro marquês
de Barbacena, pudesse exercer missão diplomática sem ter de renunciar ao
mandato (Brasil, 1884a, p. 260-262).
José Joaquim Carneiro de Campos cresceria com o tempo. Se, em 1823,
já era uma das grandes figuras do Parlamento, de 1826 até 1836, quando fa-
leceu, era um dos grandes nomes do Senado, de todos os tempos. Sua expo-
sição acerca do Poder Moderador é forte elemento indicativo de sua autoria
quanto ao texto final da Constituição de 1824, ou pelo menos como redator
principal da comissão que a redigiu. Isso é, por si só, suficiente para que o
consideremos um dos grandes mestres do Direito Público brasileiro.
Seu irmão, Francisco Carneiro de Campos, foi outra figura de relevo.
Destacou-se nos projetos de lei e no debate constitucional, em companhia
de Pereira da Cunha e Carvalho e Melo. Os três tiveram grande participação
no projeto da recepção da legislação anterior à Independência, projeto de
autoria de Pereira da Cunha. Francisco Carneiro de Campos discutiu com re-
levo os artigos sobre a federação e liberdade religiosa, defendendo a exten-
são da última aos judeus. Carvalho e Melo defendeu a pena de morte para os
que, abusando da liberdade de imprensa, excitassem o povo à rebelião. Era
ministro dos Negócios Estrangeiros em 1825, quando do reconhecimento,
por parte de Portugal, da nossa Independência.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


76

Os ultraconservadores
Manoel Jacinto Nogueira da Gama, o futuro marquês de Baependi, e João
Severiano Maciel da Costa, o futuro marquês de Queluz, ambos mineiros,
eram igualmente cultos e preparados. O primeiro, matemático, representou
a província do Rio de Janeiro; já o segundo, jurista, representou sua pro-
víncia natal. Concorreram como campeões do servilismo e da cortesania ao
poder imperial. Ambos pensavam que servir ao Brasil era o mesmo que ser-
vir ao imperador. Estavam sempre ao lado do governo, de qualquer governo.
Nogueira da Gama foi o autor da exposição sobre o estado da fazenda
pública e veio dele a sugestão de se contrair vultoso empréstimo às casas
bancárias inglesas, algo somente possível sob péssimas condições.
Maciel da Costa, que governou a Guiana Francesa quando de sua
ocupação por D. João VI, e cuja administração, de acordo com o barão do
Rio Branco, foi elogiada pelos próprios franceses, foi também descrito de
maneira elogiosa pelo áulico-mor de D. Pedro I, Francisco Gomes da Silva
(Silva, 1966, p. 86), o Chalaça, como “hábil político e respeitável jurista”.
Desde sua estreia na Constituinte, em 8 de agosto, nunca escondeu seu ser-
vilismo. Comparado politicamente com ele, Cairu era um liberal. Segundo
Vasconcelos Drummond (Drummond, 2012, p. 144), veio a ser nobilitado em
lista preparada por Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos.
Maciel da Costa encareceu, em discursos vários, a necessidade de não
se desmantelar o edifício social, que, se fosse reformado, deveria sê-lo com
jeito e prudência. Atacou as inovações, revelou sua paixão pelas antigas ins-
tituições, declarando-se inimigo de novidades. Sua posição contra a con-
cessão do direito de nacionalidade aos libertos, que foi compartilhada por
Costa Barros, era tão revolucionariamente retrógrada que contra ele Silva
Lisboa pronunciou um de seus grandes discursos (Brasil, 1880, p. 205).
Houve outros que tiveram participações discretas, mas que vieram a ad-
quirir algum brilho posteriormente, como José da Costa Carvalho e Miguel
Calmon.
Em suma, havia toda uma plêiade de parlamentares que desmentem a
sentença segundo a qual a Constituinte de 1823 seria desprovida de talen-
tos. A bem da verdade, a realidade é justamente o inverso.

Do reconhecimento dos diplomas


Para a história do Direito, não deixa de ser relevante o estudo da verificação
dos diplomas dos deputados constituintes de 1823, já que, pela primeira vez,

Capítulo III
77

se firmavam as doutrinas jurídico-eleitorais que norteariam a regularização


da investidura dos deputados no Brasil.
O decreto de convocação da Assembleia Constituinte previra que seria
aberta quando estivessem reunidos no Rio de Janeiro a maioria dos depu-
tados. Evidentemente tardariam os das províncias em que ainda ocorriam
combates.
Estando já presentes no Rio de Janeiro 52 deputados, D. Pedro, em 14
de abril de 1823, baixou novo decreto, assinado por José Bonifácio, desig-
nando o dia 17 daquele mesmo mês para a primeira reunião preparatória
da Constituinte. O citado decreto também designava o local da reunião
bem como os primeiros assuntos a serem tratados: “nomeação” do pre-
sidente, composição das comissões de verificação de poderes, redação do
regimento interno, escolha do dia de inauguração de seus trabalhos e envio
de “uma solene deputação” que deveria lhe vir indicar o dia e horário da
solene inauguração de seus trabalhos, “a cujo ato é minha imperial von-
tade assistir pessoalmente” (Brasil, 1887, p. 59).24 Assim sendo, cumprindo
a determinação imperial, em 17 de abril de 1823, às 9h da manhã, horário
igualmente previsto no decreto, no prédio da Cadeia Velha, local que já
havia sido sede do Senado da Câmara da cidade do Rio de Janeiro, abriu-se
a primeira sessão preparatória.
Estavam presentes os eleitos da corte, de São Paulo, das Minas Gerais,
do Ceará, de Pernambuco, das Alagoas, do Espírito Santo, de Santa Cata-
rina, do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso.
Na primeira reunião preparatória, elegeu-se, por aclamação, como presi-
dente e secretário interinos os deputados pelo Rio de Janeiro D. José Caetano
da Silva Coutinho, o Bispo Capelão-Mor, e Manoel José de Souza França.
Seguindo o conceito da época, segundo o qual cabia às próprias assem-
bleias legislativas reconhecer seus membros, a segunda medida tomada foi
a nomeação de comissão para a verificação da regularidade dos diplomas
dos deputados. A verificação se faria com o confronto dos diplomas com as
atas gerais eleitorais das respectivas províncias. Como é princípio geral de
que ninguém pode ser juiz em causa própria, e os diplomas dos membros
da comissão verificadora da regularidade das eleições também teriam de ser
apurados, fez-se mister a nomeação de duas comissões de verificação de di-
plomas. A primeira, mais numerosa, composta por cinco deputados, teria o
encargo de verificar os diplomas de toda a Assembleia, exceto seus próprios;

24 Vide o texto do Decreto de 14 de abril de 1823 no Anexo III.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


78

e a segunda, menor, composta por três deputados, verificaria aqueles dos


membros da primeira comissão.
Para compor a primeira, a Comissão dos Cinco, foram eleitos Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, Antônio Luiz Pereira da Cunha,
José Egídio Álvares de Almeida (barão de Santo Amaro), José Joaquim
Carneiro de Campos e Manoel Jacinto Nogueira da Gama. A segunda, a Co-
missão dos Três, por sua vez, foi composta por Francisco Muniz Tavares,
José Ricardo da Costa Aguiar e Martim Francisco Ribeiro de Andrada.
No mesmo dia, a segunda comissão, encarregada de dar parecer sobre os
diplomas dos membros da primeira comissão, deu seu parecer declarando
regulares as eleições dos deputados:

[...] depois de haver procedido aos competentes exames da ata geral


das respectivas províncias, e diplomas particulares de cada um dos re-
feridos senhores, os acha em tudo conformes ao Decreto de 3 de junho
de 1822 e instruções de 19 do mesmo mês e ano a que ele se refere, e
ao de 3 de agosto que declara as mesmas instruções, e as portarias de
20 e 22 de fevereiro deste corrente ano. (Brasil, 1876, p. 23)

No dia seguinte, a primeira comissão leu seu parecer no qual considerava


válidas as eleições de 51 deputados. Dos presentes, apenas o diploma de um
representante, o eleito pelo Mato Grosso, não foi imediatamente validado.
Ao examinar a ata geral da Paraíba, a comissão firmou, por meio de nota,
a doutrina de que os deputados não poderiam ser constrangidos por man-
datos imperativos.

A comissão podia talvez duvidar da legalidade da ata desta província


pela ingerência de poderes especiais e mandados imperativos, que a lei
lhe não permitia; mas é da competência somente da Assembleia depois
de instalada tornar írritos tais mandados especiais. (Brasil, 1876, p. 24)

A comissão também registrou que foram apresentadas objeções ao re-


presentante de Santa Catarina, Diogo Duarte Silva, por suborno e falta de
residência no Brasil, além de não registro das impugnações na ata geral, o
que acarretaria sua nulidade. A primeira alegação não foi considerada, por
falta de comprovação; sobre a segunda, caberia ao colégio eleitoral (na co-
marca) verificar; e, quanto à terceira alegação, a ata geral da província foi
firmada pelos denunciantes, ficando, assim, prejudicadas as alegações.
Também houve contestação com relação aos deputados eleitos pelas
Alagoas e por Mato Grosso. Nas duas províncias, alegava-se que os votos
de alguns distritos não haviam sido considerados. Com relação às Alagoas,
as alegações não se sustentavam uma vez que constava nas atas: “que vo-
taram no distrito de Alagoas todos os eleitores de Penedo de envolta com

Capítulo III
79

os de Alagoas; acrescendo que a simples variação de formas acidentais não


anula o ato” (Brasil, 1876, p. 2). Já com relação ao Mato Grosso, efetiva-
mente houve eleição apenas nos distritos de Cuiabá e Paraguai Diamantino,
não tendo participado das eleições o distrito de Vila Bela. Assim sendo, a
comissão não pôde declarar regular o deputado eleito “por não ser eleito
pela província toda”. Na realidade, escondia-se a questão de preeminência
na província. Nas palavras de Antônio Carlos, identificado como Andrada
Machado nos anais:

Dois distritos eleitorais da província de Mato Grosso, o de Cuiabá e de


Paraguai Diamantino escolhem o dito deputado [Navarro de Abreu]; mas
o de Vila Bela, não concorre à capital de Cuiabá para a apuração de votos,
nem mesmo consta que fizesse as eleições paroquiais, não por negligên-
cia, mas por questões de jurisdição. Vila Bela, tinha sempre sido a capital
da província; não havia lei alguma que a despojasse desta preeminência;
mas o ato de pretender Cuiabá que na Câmara dessa cidade se apuras-
sem os votos, era o mesmo que declarar-se capital da província, ao que
Vila Bela tinha direito de opor-se, e sem que daí lhe possa vir inculpação.
(Brasil, 1876, p. 24 e 25)

A questão foi objeto de muitos debates e decidida de forma liberal, ainda


que apenas na sessão de 6 de maio de 1823, in verbis:

[...] decidiu a Assembleia que o Sr. Navarro de Abreu tomasse assento


pelos distritos de Cuiabá e Paraguai Diamantino, e que o distrito de Vila
Bela tivesse, por esta vez somente, o direito de mandar também um seu
deputado, para formar com o já nomeado pelos dois outros distritos a
representação de toda a província. (Brasil, 1876, p. 55)

Ou seja, dobrou-se a representação de Mato Grosso. Essa foi a solução


encontrada. No entanto, dada a dissolução da Assembleia em novembro da-
quele mesmo ano, Vila Bela não pôde exercer o privilégio de eleger um seu
deputado exclusivo. O deputado Navarro de Abreu tomou posse na sessão
do dia 9 de maio de 1823.
Vários outros deputados foram se apresentando ao longo dos meses, mas
chamou a atenção o caso do deputado padre Henriques de Resende.

Reconhecimento do diploma do
padre Henriques de Resende
Importante na fixação dos princípios norteadores da admissão de parlamen-
tares e de seu reconhecimento apenas pelo próprio Poder Legislativo foi
a contenda referente ao reconhecimento do padre Venâncio Henriques de
Resende como deputado, eleito por Pernambuco.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


80

Na sessão do dia 7 de maio de 1823, o deputado Manoel José de Sousa


França, que havia sido eleito segundo secretário efetivo da Assembleia, leu
o seguinte requerimento:

O padre Venâncio Henriques de Resende, natural e morador na pro-


víncia de Pernambuco, representa que tendo ele sido eleito deputado
com cento e sessenta e nove votos, e julgado nos termos das instruções
em ambos os colégios eleitorais de Recife, e de Olinda, foi arbitraria-
mente excluído pela Câmara de Olinda; o representante convencido,
como está, da falta de autoridade naquela Câmara para o excluir, não
pretende contudo mortificar o congresso com argumentos óbvios a
todo mundo; ele apresenta só a ata daquele dia, que pelas instruções é
o diploma dos deputados, submetendo à alta sabedoria da Assembleia
a decisão deste negócio.
Padre Venâncio Henriques Resende. (Brasil, 1876, p. 68)

Sua petição foi imediatamente encaminhada para a Comissão de Pode-


res, que, na sessão de 12 de maio, deu o seguinte parecer:

A Comissão dos Poderes, examinando o requerimento do padre


Venâncio Henriques de Resende, em que se queixa da exclusão do hon-
roso cargo de deputado à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa
do Império do Brasil, por parte da província de Pernambuco, que lhe fez
a Câmara de Olinda, sem ter para isso autoridade alguma: examinando
igualmente os ofícios das Câmaras de Olinda, e de Recife a este respeito,
e a cópia das atas da Câmara de Olinda, capital da província, onde se fez
a última apuração dos votos dos colégios eleitorais: tendo finalmente as
instruções, e ordens por onde se deviam regular os colégios eleitorais,
e a Câmara da capital, achou. Que a Câmara de Olinda fundando-se na
reclamação que no ato da apuração dos votos dos colégios eleitorais lhe
fizeram os eleitores e homens bons, que se achavam presentes, em nú-
mero de 33, incluindo-se neste número três eleitores, como se reconhece
pelas suas assinaturas, excluíra do honroso cargo de deputado ao padre
Venâncio Henriques de Resende, que pelos votos dos colégios eleitorais
devia ser o oitavo dos nomeados visto ter reunido 169 votos, fundando-se
para esta exclusão no § 2º do cap. 4º das instruções de 19 de junho do
ano passado, visto que constava por duas cartas assinadas por este padre,
e impressas nos períodos o Maribondo e Gazeta Pernambucana, que ele
não era afeito à causa do Brasil, promovendo o sistema republicano,
que a Câmara de Recife proclamou contra esta exclusão, apresentando
um protesto assinado por 213 cidadãos em cujo número entravam
33 eleitores, contra um tal procedimento da Câmara de Olinda, que em
vez de apurar os votos dos colégios eleitorais, como unicamente lhe
cumpria, se arrogou o direito de verificar as qualidades dos votados,
que somente competia à mesa dos colégios eleitorais na conformidade
das instruções. À vista do exposto, não pode haver dúvida sobre a ilega-
lidade do procedimento, que houve com o padre Venâncio Henriques de

Capítulo III
81

Resende, pois que a sua exclusão somente podia ter lugar nos colégios
eleitorais, em que obteve votos, decidindo-se, pela competente mesa,
que ele não era afeito à causa do Brasil, ou que tinha os outros defei-
tos, que o inabilitavam para ser deputado na forma das instruções. Como
porém a Câmara de Olinda se fundou em provas que nos papéis públicos
se lhe apresentaram, das más doutrinas, que professava e propagava o
dito padre, poder-se-ia desculpar, mas nunca aprovar, este seu ilegal pro-
cedimento a bem da causa do Brasil, se com efeito o corpo de delito fosse
claro e real; mas não o sendo, como se depreende da leitura imparcial
das suas cartas acusadas, não pode a Comissão dos Poderes deixar de
apresentar, o seguinte seu parecer: 1º, que o padre Venâncio Henriques
de Resende se acha no caso de ser reconhecido deputado pela provín-
cia de Pernambuco a esta Assembleia, e ter nela assento, não obstante a
falta de diploma, visto que, pela ata da Câmara de Olinda, se verifica que
obteve nos colégios eleitorais 169 votos, vindo a dever ocupar o oitavo
lugar entre os 11 que obtiveram diplomas; 2º, que merece ser repreen-
dida a Câmara de Olinda por se haver arrogado a jurisdição, que só com-
petia às mesas dos colégios eleitorais na forma das instruções.
Paço da Assembleia, 12 de maio de 1823.
Estevão Ribeiro de Resende.
Manoel Jacinto Nogueira da Gama.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. (Brasil, 1876,
p. 80-81)

Seguiu-se grande discussão sobre o tema. Martim Francisco e Antônio


Carlos, durante a discussão, mostraram ter em mente o exemplo do parla-
mento inglês. Os Andradas sustentaram que à Assembleia caberia decidir da
validade das eleições, não podendo haver “monarquia constitucional onde
este direito não compete ao corpo legislativo”. A divergência surgiu pelo
fato de Martim Francisco considerar que a Assembleia possuía esse poder
e Antônio Carlos declarar que, mesmo concordando com a afirmação que
seria inerente aos corpos legislativos aquele poder, a legislação eleitoral
brasileira, no caso, as instruções de junho de 1822, não havia concedido à
Constituinte esse poder. Assim, só mediante “provas mais claras que a luz
meridiana”, e nunca por meros indícios ou suspeitas, mais ou menos fun-
dadas, se poderia excluir qualquer representante da nação: “Sem represen-
tação não há nação livre. Sem livre escolha não há representação” (Brasil,
1876, p. 81-82).
Várias foram as deliberações que a questão suscitou. Inicialmente, foi
colocado em votação se a Assembleia tinha ou não competência para tomar
conhecimento da legalidade das eleições dos deputados. Por unanimidade,
decidiu-se que sim.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


82

Passou-se ao caso concreto. O padre Venâncio Henriques de Resende era


acusado de ser “republicano” e, por conseguinte, “não era afeito à causa do
Brasil” e, portanto, era inelegível segundo as instruções eleitorais. Como
prova de tais delitos, a Ata Geral da Província, redigida pela Câmara de
Olinda (então a capital da província), anexou o exemplar de dois jornais,
Maribondo e Gazeta de Pernambuco, em que o citado padre teria manifestado
suas convicções políticas.
O deputado Bernardo José da Gama, desembargador e futuro visconde
de Goiana, com a prática que tinha dos foros, defendeu veementemente a
inelegibilidade do padre Venâncio Henriques Resende. Em irritada arenga,
em que se pode escutar os ecos da Revolução dos Padres, de 1817, Gama de-
clarava que os textos da carta do padre Venâncio transcritas no Maribondo
e na Gazeta de Pernambuco, lidas para o Plenário pelo secretário Carneiro
de Campos, provavam ser o padre “inimigo qualificado da monarquia bra-
sileira”, “inimigo da monarquia e amigo da república”, ou seja, “o mesmo
homem de 1817” (Brasil, 1876, p. 85).
Revolucionário em 1817, padre Henriques de Resende “nos cárceres da
Bahia, deu provas de sua honra e caráter firme”, segundo o testemunho do
deputado Carneiro da Cunha. Nos textos, efetivamente o padre confessava-
-se republicano, ainda que se escondendo por trás da etimologia da pala-
vra “república”. Porém, não conseguiu esconder seus pendores em frases
tais como “Hoje os americanos têm provado ser o seu governo o melhor do
mundo” (Brasil, 1876, p. 89).
Defendendo o padre Resende, Muniz Tavares, também pernambucano,
padre e ex-revolucionário de 1817, declarou ser o padre Resende “cida-
dão probo”, de “qualidades respeitáveis”, que se declarou republicano se-
gundo “os primeiros elementos de hermenêutica”, nunca “republicano no
sentido vulgar” (Brasil, 1876, p. 87).
Gama, habituado às discussões do foro, redarguiu irônico: “O mui cons-
pícuo opinante é hóspede nas questões (não direi de direito) mas de fato”.
E voltando aos fatos: “Nós estamos feitos juízes para julgarmos uma acusa-
ção; requeiro que o Sr. Secretário leia outra vez no Maribondo n. 3 o parágrafo
que começa: ‘Não importa o subterfúgio…’” (Brasil, 1876, p. 88). Naquele
trecho, padre Henriques de Resende dizia que não impedia a república o
fato de o povo brasileiro não ter educação política, pois o povo faria esforços
para consegui-la. Afinal, ignorante e brutal era o povo romano quando ex-
pulsou o último dos Tarquínios e instituiu a sua república, que durou mais
de setecentos anos, levando Roma à sua grandeza. Não importava, pois, a
falta de luzes, porque, adotado o regime, o povo esforçar-se-ia para o conse-

Capítulo III
83

guir, assim como os vizinhos de toda a América, “de quem se dizia o mesmo
desde que os americanos por excelência [os estadunidenses]”, proclamaram
a sua independência; e “hoje eles têm provado ser o seu o melhor governo do
mundo” (Brasil, 1876, p. 88).
Em seguida falou Martim Francisco, defendendo a interessante tese de
que a Assembleia, ainda que constituinte, possuía, em sua competência
constitucional, limites que haviam sido colocados previamente pela nação.

Estranho a todas as ideias individuais relativas ao deputado eleito,


limitar-me-ei somente a tratar da matéria, isto é, se há validade na
eleição.
Começarei por apontar o art. 2º do cap. 4º das instruções que diz que
para ser eleito deputado cumpre ter mostrado decidido zelo à causa do
Brasil; ora, por causa do Brasil, eu entendo o estabelecimento da monar-
quia constitucional: portanto, a eleição será válida se os papéis impressos
em nome do padre Venâncio nos mostrarem que ele professa as ideias dos
amigos desta forma de governo.
Há muita diferença em amar o Brasil e amar a sua causa: o demo-
crata pode amar e ardentemente o Brasil, mas como não ama a forma
de governo por ele abraçada, não pode entrar na representação nacional.
A nação já assentou certas bases: escolheu dinastia; aclamou o seu impe-
rador, que é também protetor e defensor perpétuo do Brasil, e declarou,
portanto, a forma de governo que preferia, isto é, a monarquia constitu-
cional, em que é essencial a divisão dos poderes, a harmonia deles, e a
ingerência do Poder Executivo no Legislativo.
Nestas bases, nós, constituídos representantes da nação, nada po-
demos mudar, para as alterar não nos deram poderes, só os temos para
edificar sobre elas; logo, o que não amar esta forma de governo abraçada
pela nação, não pode ser (segundo eu entendo as instruções) represen-
tante dela.
Apliquemos agora estes princípios ao padre Venâncio.
Em um parágrafo da sua carta ele diz que é democrata, mas que a de-
mocracia deve formar-se com o Poder Legislativo nas cortes, o Executivo
no rei, e o Judiciário nos tribunais; e talvez porque ele requer no governo
esta divisão de poderes, se julga que segue a causa que o Brasil abraça,
mas eu não entendo assim.
Para haver monarquia constitucional não basta essa divisão de po-
deres que é comum a todos os governos livres, não basta dar ao chefe
do Poder Executivo o nome de “monarca”, porque pode ser um fantasma
como sucede em Portugal; é preciso e indispensável que esse Poder
Executivo tenha tal ou qual ingerência no Poder Legislativo; sem ela
seja qual for a denominação desse chefe do Executivo, e ainda mesmo
com a qualidade de hereditário, não há para mim monarquia constitu-
cional; ora, o que se colige das expressões do padre Venâncio é que pre-
fere a democracia representativa, e como não é esta a forma de governo

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


84

escolhida pela nação, que já declarou altamente a sua vontade pela voz
de todas as Câmaras, segue-se que foi justamente excluído do cargo de
deputado na forma das instruções; e portanto voto que não deve ser
admitido nesta augusta Assembleia. (Brasil, 1876, p. 90)

Inconformado, não com o ponto de vista doutrinário de seu irmão, mas


com sua conclusão para o caso concreto em exame, Antônio Carlos, que
também fora revolucionário em 1817, manifestou-se em seguida pela absol-
vição do padre Henriques Resende pela dirimente da ignorância, por ter se
mostrado, em seus escritos, um neófito de conceitos confusos e, portanto,
desconhecedor quanto ao que escreve.

É verdade que concordo com ele, que a causa do Brasil é a mesma que
a da monarquia constitucional, que só ela é quem nos pode segurar nas
bordas do abismo das revoluções a que tendem a despenhar-nos loucos
inovadores.
O estado de civilização e cultura do Brasil, os hábitos e costumes e
mesmo os prejuízos dos brasileiros lhes não deixam aberta outra vereda
plausível de prosperidade, senão esta. Se o padre Venâncio não adotasse
a monarquia, se ele ao menos claramente lhe solapasse os alicerces, eu
seria o primeiro a votar contra a sua admissão. Eu serei sempre inimigo
decidido daqueles que contra a natureza das coisas, contra a experiência,
querem no Brasil desvairar a opinião pública com sonhos e quimeras
republicanas, e por bem da sua precária fortuna vadear rios de sangue,
para chegarem a um alvo que jamais conseguirão. Mas é mister que isto,
quanto, ao padre Venâncio, fosse provado plenamente; e é o que me
não parece.
Examinando as duas cartas do padre Venâncio, que fazem o corpo de
delito no processo que em certa maneira se lhe intenta, não parece, a meu
ver, inimizade deliberada à monarquia; nem se infira que isto existe por-
que a ideia que ele tem de monarquia constitucional parece avizinhar-se
às constituições espanhola e portuguesa as quais o nobre preopinante
julga mais democracias do que monarquias. […]
Confesso que o padre Venâncio não entende o que diz, nem nós o
podemos entender quando fala em poder republicano executado por um
rei, e outros absurdos.
Ele falou com franqueza; as suas cartas mostram uma assombrosa
confusão de ideias; mostram que é noviço em matérias de organização
social; mostram que não tem ideias claras das matérias de que fala;
mostram que nunca as distinguiu, separou e menos coordenou; mas
não mostram claramente que o seu escritor seja inimigo da monarquia
constitucional, e por isso inimigo da causa do Brasil.
A justiça me força a confessar que de quando em quando assomam
nas cartas expressões que podem parecer contrárias à monarquia e que
ressumbram quimeras republicanas; tal parece a asserção que atacou o
Sr. Gama, e à qual, na minha opinião, não respondeu completamente o Sr.
Muniz Tavares.

Capítulo III
85

A passagem arguida, aquela em que com manifesto erro da teoria e


engano nos fatos, se nos crê próprios para um governo republicano, é em
verdade suspeita, e a suspeita não se desfaz com dizer-se que o seu fim era
arredar as imputações que nos faziam as cortes portuguesas. A tendência
desta passagem é perigosa: o seu alvo podia parecer muito bem o desejo
de encaminhar-nos a um sistema político conhecidamente impraticável
no Brasil, e o mais danoso à sua prosperidade.
A analogia dos Estados Unidos só a cegos pode impor; é mister dormir
ao pino do meio-dia, e ter os olhos fechados ao clarão meridiano para
não ver a diferença de um povo nutrido desde o berço em ideias demo-
cráticas para outro que criado no seio da monarquia absoluta não tem a
frugalidade, temperança e amor da igualdade, condições insuprimíveis
das formas republicanas.
Mas, Sr. Presidente, por erros não julgo ninguém criminoso; e ainda
quando esta e outras passagens pudessem despertar suspeitas, não é por
indícios que privarei um cidadão do direito de elegibilidade passiva, e
menos à nação da livre escolha daqueles que a lei não exclui. A partici-
pação do povo nos direitos políticos é a essência do governo, a liberdade
da escolha deve ser, pois, o menos coarctada possível. Voto, pois, que seja
admitido o padre Venâncio, e se faça boa a escolha da província. (Brasil,
1876, p. 91)

Manifestaram-se ainda alguns deputados, e em seguida foi posto a vo-


tação o reconhecimento da eleição de padre Venâncio Henriques Resende.
A Assembleia votou nos termos do parecer da Comissão de Poderes, isto é,
que o padre Venâncio Henriques de Resende deveria tomar assento como
deputado na Assembleia.
Com relação à questão da eleição do padre, como frisa Octávio Tarquínio
de Souza, a Assembleia expressou alguns posicionamentos. Em primeiro
lugar, seguindo a orientação doutrinária e os exemplos dos demais parla-
mentos de então, definiu que lhe caberia, exclusivamente, decidir da va-
lidade da eleição dos seus membros. Em seguida, reconheceu que havia
balizas, colocadas previamente pela nação, que norteariam sua atuação le-
gislativa e constitucional.
Por fim, a Assembleia deu prova de seu espírito liberal ao admitir em seu
seio um deputado com escritos heterodoxos. O interessante é que, uma vez
empossado, o antigo revolucionário passou a reiteradamente se apresentar
como liberal moderado, declarando-se inimigo tanto do sistema republi-
cano quanto do democrático.25

25 Note-se que a palavra “democrático”, no sentido que lhe emprestavam no século XIX, era um
conceito muito pouco lisonjeiro e significava algo que hoje pode ser definido como “demagógico”.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


87

CAPÍTULO IV

Das proposições legislativas

Trabalho da Assembleia
O fato de a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil
ter sido dissolvida apenas seis meses e nove dias após ter sido inaugurada,
sem conseguir votar uma carta constitucional, não significa que não tenha
trabalhado, ou que seus esforços tenham sido em vão. Pelo contrário. Certa-
mente podemos dizer que a Carta Constitucional de 1824, que inaugurou o
regime jurídico que iria consolidar o Brasil como nação independente, teve
direta inspiração no texto da Constituinte que estava sendo discutido e vo-
tado na Assembleia quando de sua dissolução. Cerca de 80% dos dispositivos
da Constituição de 1824 se encontram no projeto da Constituinte de 1823.
Ademais, em seu curto período de existência, a Assembleia não ape-
nas discutiu e inaugurou sua forma de funcionar – lembremo-nos de que
era a primeira experiência parlamentar no Brasil, sem precedente algum
de onde tirar um modelo de funcionamento, salvo a participação de alguns
seus membros como deputados nas Cortes de Lisboa no ano anterior –, mas
também, dada sua natureza dupla “de Constituinte e Legislativa”, discutiu
um razoável número de proposições legislativas, abarcando os mais dife-
rentes assuntos, e chegou a promulgar seis leis. Além disso, procurou ana-
lisar e responder as inúmeras petições que lhe foram enviadas de todo o
território nacional.
Todas as vezes que os deputados se questionavam sobre suas atribui-
ções reportavam-se ao seu juramento de posse, em cuja fórmula Antônio
Carlos indicara, com a necessária indeterminação, as funções e atribuições
da Assembleia: “fazer a Constituição política do Império do Brasil e as re-
formas indispensáveis e urgentes”. “Constituição” todos intuíam com certo
grau de precisão o que era, já as “reformas urgentes” (Brasil, 1876, p. 26),
quais deveriam ser?

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


88

Consultando-se os Anais da Constituinte, bem como seus arquivos, po-


demos ver, pela temática das proposições apresentadas, que, na ótica dos
eleitos para constituir a nação, a classificação de urgência era por demais
fluida e subjetiva.
Ao todo, foram propostos, discutidos e votados, embora nem todos de
forma definitiva,26 39 projetos de lei, 7 requerimentos, 157 indicações e
237 pareceres. Temos de acrescentar a esses números as votações de diver-
sos artigos do Regimento Interno, dos primeiros 24 artigos do projeto de
Constituição e de uma proclamação aos povos do Brasil. Em suma, pode-se
dizer que foram esses os números da Constituinte de 1823.
Dos 39 projetos de lei apresentados e discutidos, a Assembleia aprovou
6, assim, convertidos em leis, sobre as quais discorreremos em mais deta-
lhes adiante.
Entre as proposições que não chegaram a ultimar sua tramitação, esta-
vam as que previam temas como: criação de universidades, extinção da es-
cravatura, mudança da capital do império para o interior do país, catequese
dos índios, colonização de terras, etc.

Da promulgação dos projetos


de lei aprovados
Uma vez votados os projetos de lei, eis que surgiu um problema de não pe-
quena monta. A Assembleia era constituinte, não admitia que suas decisões
passassem pelo crivo da sanção imperial. No entanto, D. Pedro, que já havia
declarado publicamente, na sessão inaugural da Assembleia, que não abri-
ria mão de examinar o texto constitucional antes de torná-lo vigente, fez
saber aos deputados que faria o mesmo com todos os demais projetos de
lei que fossem votados pela Assembleia. Ou seja, D. Pedro exigia ter o poder
de veto, que a Assembleia não lhe reconhecia, dada sua especial natureza
constituinte.
A solução encontrada pela Assembleia foi de apenas apresentar as pro-
posições ao imperador depois que houvesse um projeto de Constituição
já redigido, no qual ficaria assegurado ao mandatário o poder de veto às
proposições das legislaturas ordinárias. Assim, esperou-se, pacientemente,
cerca de três meses para se levarem os decretos ao imperador. Uma vez
apresentado em plenário o projeto de Constituição, no qual constava que,

26 O regimento previa três turnos de votações para cada proposição, tendo várias proposições ficado
pelo caminho em diferentes pontos de tramitação.

Capítulo IV
89

para as legislaturas ordinárias, o direito de veto do imperador estava asse-


gurado, apenas então a Assembleia encaminhou uma deputação ao impera-
dor solicitando que mandasse cumprir as leis votadas. D. Pedro aquiesceu na
mesma hora. Eis porque todas as seis leis foram publicadas na mesma data,
20 de outubro de 1823.
Mais tarde, cinco dias depois de dissolver a Assembleia, D. Pedro fez-lhe
uma involuntária homenagem, promulgando mais um de seus projetos, o
relativo à liberdade de imprensa, que se encontrava ainda em tramitação.27

Das comissões
Ainda em sua primeira sessão preparatória, em 17 de abril de 1823, o recém-
-eleito presidente da Assembleia, o Bispo Capelão-Mor, preocupou-se em
formar as duas primeiras comissões, encarregadas, como comentamos no
Capítulo III, de verificar a legalidade dos diplomas dos que se apresentaram
como deputados.
Na sessão seguinte, a segunda preparatória, ocorrida no dia 18 de abril,
foi lembrada a necessidade de se formar uma comissão que teria como ta-
refa preparar um regimento interno para a Assembleia, a fim de que os tra-
balhos tivessem uma ordem a seguir e pudessem fluir.
Já no dia 2 de maio, na última sessão preparatória, nas vésperas da ses-
são solene de inauguração da Assembleia, o deputado secretário, Manoel
José de Souza França, solicitou que fosse nomeada uma Comissão Extraor-
dinária de Polícia, com três membros, para que lhe ajudassem a organizar a
sessão do dia seguinte.
Na sessão do dia 7 de maio, o deputado Araújo Lima declarou que acre-
ditava ser “indispensável, para se não roubar o tempo à Assembleia, a no-
meação da Comissão de Petições para as examinar e dar-lhes as respectivas
direções” (Brasil, 1876, p. 62). Na mesma ocasião o deputado Costa Aguiar
declarou:
Peço licença para lembrar a V.Exa. [dirigia-se ao presidente da Assem-
bleia] a nomeação das comissões, porque sem elas não podem os negó-
cios progredir em ordem; e apontarei como muito necessária a de Polícia
para o governo interno da Assembleia, a de Redação do Diário, porque os
taquígrafos escrevem, e o público nada sabe das sessões, e a da Fazenda.
(Brasil, 1876, p. 63)

27 Decreto de 22 de novembro de 1823. Manda executar provisoriamente o Projeto de Lei da Assem-


bleia Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre Liberdade de Imprensa (Brasil, 1887, p. 89).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


90

Os Anais complementam imediatamente depois que “o Sr. Rodrigues de


Carvalho lembrou a Comissão de Legislação” (Brasil, 1876, p. 63).
Em seguida, ainda na sessão do dia 7 de maio, o presidente passou à
eleição dos membros das diversas comissões “começando pela da reda-
ção do Diário” (Brasil, 1876, p. 65). Na mesma ocasião, o deputado Martim
Francisco Ribeiro de Andrada solicitou que os membros da Comissão de
Constituição, dada sua relevância e urgência, fossem dispensados de parti-
cipar de outras comissões, o que lhes foi concedido.
Foram lembradas ainda, já na sessão do dia 17 de maio, a necessidade
da criação de uma Comissão de Saúde Pública “e que esta propusesse outra
comissão de fora para a coadjuvar nos seus trabalhos, cujos membros assim
propostos seriam aprovados pela Assembleia” (Brasil, 1876, p. 105-106).
Assim, sucessivamente, os trabalhos da Assembleia foram sendo orga-
nizados com a criação de comissões que tinham a obrigação de analisar os
documentos submetidos e elaborar minutas de respostas, as quais, por sua
vez, seriam levadas ao Plenário da Assembleia, que as ratificaria, ou não.
Seguindo o levantamento feito pela Coordenação de Arquivo da Câmara
dos Deputados e publicado no Inventário Analítico do Acervo do Arquivo da
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823: descri-
ção do acervo e sinopse de tramitação (Brasil, 1987, p. 55 e segs.), podemos ver
que ao longo do tempo foram criadas as seguintes comissões:

Tabela 2 – As comissões

N. Nome Membros Sessão (1823)

1 Comissão dos Andrada Machado 1ª sessão preparatória, 17


Cinco para Pereira da Cunha de abril (Brasil, 1876, p. 1,
Verificação de 1ª col.)
Poderes Barão de Santo Amaro
Carneiro de Campos
Nogueira da Gama

2 Comissão Muniz Tavares 1ª sessão preparatória, 17


dos Três para Costa Aguiar de abril (Brasil, 1876, p. 1,
Verificação de 1ª col.)
Poderes Ribeiro de Andrada

Capítulo IV
91

N. Nome Membros Sessão (1823)

3 Comissão de Andrada Machado 2ª sessão preparatória, 18


Redação do Pereira da Cunha de abril (Brasil, 1876, p. 4,
Regimento 1ª col.)
Provisório Rodrigues Velloso
(relator) 3ª sessão preparatória, 30
de abril (Brasil, 1876, p. 4,
Gama 2ª col.)
Pereira de Sampaio Sessão de 30 de maio28
(Brasil, 1876, p. 138, 2ª col.)

4 Comissão Carneiro de Campos Sessão de 2 de maio (Brasil,


de Polícia Nogueira da Gama 1876, p. 12, 2ª col.)
(extraordinária)
Câmara

5 Comissão de Andrada Machado Sessão de 5 de maio (Brasil,


Constituição Pereira da Cunha 1876, p. 22, 2ª col.)

Araújo Lima Sessão de 14 de outubro29


(Brasil, 1884a, p. 93, 1ª col.)
Costa Aguiar
Sessão de 4 de novembro30
Câmara
(Brasil, 1884a, p. 188, 1ª col.)
Muniz Tavares
Andrada e Silva

6 Comissão de Nogueira da Gama Sessão de 6 de maio (Brasil,


Poderes31 Andrada Machado 1876, p. 32, 2ª col.)

Ribeiro de Resende

7 Comissão Araújo Viana Sessão de 7 de maio (Brasil,


de Redação Gomide 1876, p. 36, 1ª col.)
do Diário da
Assembleia Rodrigues de Carvalho

28 Na sessão de 30 de maio, Pereira da Cunha requereu a nomeação de outro membro para substi-
tuir Gama, no seu impedimento.
29 Na sessão de 14 de outubro, a Comissão de Constituição solicitou a nomeação de dois membros
para suprir a falta dos senhores: Andrada e Silva (licença), Pereira da Cunha (gravemente doente) e
Gama (ausente). Foram nomeados dois membros: Vergueiro e Pinheiro de Oliveira.
30 Na sessão de 4 de novembro, considerando a falta de 3 membros, foi nomeado, interinamente, o
barão de Santo Amaro.
31 Comissão permanente criada após a instalação da Assembleia. Para as sessões preparatórias, ver
comissões 1 e 2.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


92

N. Nome Membros Sessão (1823)

8 Comissão de D. Nuno Eugênio de Sessão de 7 de maio (Brasil,


Petições Locio 1874, p. 36, 2ª col.)
Teixeira de
Vasconcelos
Ribeiro de Resende
Lopes Gama
Teixeira de Gouvea

9 Comissão de Rodrigues Velloso Sessão de 9 de maio (Brasil,


Legislação e Maia 1876, p. 38, 1ª col.)
Justiça Civil e Sessão de 25 de junho32
Criminal D. Nuno Eugênio de
Locio (Brasil, 1877, p. 111, 2ª col.)

Gama Sessão de 25 de junho33


(Brasil, 1877, p. 124, 2ª col.)
Teixeira de
Vasconcelos
Ribeiro de Resende
Rodrigues de Carvalho

10 Comissão de Nogueira da Gama Sessão de 10 de maio (Brasil,


Fazenda Ribeiro de Andrada 1876, p. 46, 1ª col.)

Resende Costa
Barão de Santo Amaro
Toledo Rendon

11 Comissão Gomide Sessão de 10 de maio (Brasil,


de Instrução Pinheiro de Oliveira 1876, p. 46, 1ª col.)
Pública
Ribeiro de Andrada
Nogueira da Gama
Veloso de Oliveira

32 Na sessão de 25 de junho, foi feita proposta para nomeação interina, a fim de substituir três
membros que se achavam doentes.
33 Na sessão de 25 de junho, houve a nomeação de três novos membros (Fernandes Pinheiro, Gon-
dim e Pacheco Silva) para substituir membros adoentados.

Capítulo IV
93

N. Nome Membros Sessão (1823)

12 Comissão de Membros natos: Sessão de 10 de maio (Brasil,


Polícia presidente e 1876, p. 46, 1ª col.)
secretários-adjuntos
Membros eleitos:
José Custódio Dias e
Teixeira de Gouvea

13 Comissão de Gomide Sessão de 12 de maio (Brasil,


Colonização, Silveira Mendonça 1876, p. 47, 2ª col.)
Civilização e Sessão de 28 de julho34
Catequização Rodrigues da Costa
dos Índios (Brasil, 1878, p. 128, 1ª col.)

14 Comissão de Silveira Mendonça Sessão de 12 de maio (Brasil,


Comércio, Teixeira Vasconcelos 1876, p. 47, 2ª col.)
Agricultura, Sessão de 7 de agosto35
Indústria e Artes Duarte Silva
(Brasil, 1879, p. 32, 2ª col.)
Sessão de 7 de novembro36
(Brasil, 1884a, p. 212, 1ª col.)

15 Comissão de Couto Reis Sessão de 12 de maio (Brasil,


Marinha e Chagas Santos 1876, p. 47, 2ª col.)
Guerra37 Sessão de 4 de junho38
Toledo Rendon
(Brasil, 1877, p. 11, 1ª col.)
Sessão de 11 de julho39
(Brasil, 1878, p. 57, 2ª col.)
Sessão de 23 de setembro40
(Brasil, 1880, p. 172, 2ª col.)
Sessão de 24 de setembro41
(Brasil, 1880, p. 229-230)

34 Na sessão de 28 de julho, foram eleitos mais dois membros: Fernandes Pinheiro e Carvalho e
Mello.
35 Na sessão de 7 de agosto, foram nomeados mais quatro membros: Silva Lisboa, Maciel da Costa,
Carvalho e Mello e Vergueiro.
36 Na sessão de 7 de novembro, foi nomeado Costa Carvalho no impedimento de Maciel da Costa,
eleito presidente da Assembleia, para o mês de novembro.
37 Ver a Comissão de Fora (n. 21) criada para auxiliá-la.
38 Na sessão de 4 de junho, foi nomeado novo membro: Nogueira da Gama.
39 Na sessão de 11 de julho, foi nomeado Pedro José da Costa Barros em substituição a Couto Reis.
40 Na sessão de 23 de setembro, foi feita proposta para nomeação de membros que faltavam.
41 Na sessão de 24 de setembro, foram nomeados: Ferreira de Araújo e Silveira Mendonça.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


94

N. Nome Membros Sessão (1823)

16 Comissão de Ribeiro de Andrada Sessão de 12 de maio (Brasil,


Estatística e Barão de Santo Amaro 1876, p. 47, 2ª col.)
Diplomática Sessão de 3 de setembro42
Nogueira da Gama
(Brasil, 1880, p. 24, 1ª col.)

17 Comissão de Gomide Sessão de 20 de maio (Brasil,


Saúde Pública43 Araújo Viana 1876, p. 71, 2ª col.)

Teixeira de Sessão de 24 de julho44


Vasconcelos (Brasil, 1878, p. 109, 1ª col.)

18 Comissão de Almeida e Sessão de 23 de maio (Brasil,


Política Interna Albuquerque 1876, p. 104, 1ª col.)
Teixeira da Fonseca
Maia

19 Comissão de Conselheiro Vicente Sessão de 28 de maio (Brasil,


Fora Nomeada Navarro de Andrada 1876, p. 137, 2ª col.)
para a Comissão Conselheiro Francisco Sessão de 24 de julho45
de Saúde Pública Manuel de Paula (Brasil, 1878, p. 109, 1ª col.)
Antônio Ferreira
França

20 Comissão Bispo Capelão-Mor Sessão de 4 de junho (Brasil,


Eclesiástica Rocha Franco 1877, p. 11, 1ª col.)

Pinheiro de Oliveira

42 Na sessão de 3 de setembro, foi nomeado Teixeira Vasconcelos no impedimento do barão de


Santo Amaro, eleito presidente da Assembleia, para o mês de setembro.
43 Ver a Comissão de Fora para a Comissão de Saúde Pública (n. 19) com autorização para chamar
três membros de fora.
44 Na sessão de 24 de julho, o número de membros aumentou para cinco. Ferreira França passou
para a Comissão de Dentro, por ter tomado assento na Assembleia.
45 Na sessão de 24 de julho, Ferreira França passou para a Comissão de Saúde Pública interna, por
ter tomado assento na Assembleia.

Capítulo IV
95

N. Nome Membros Sessão (1823)

21 Comissão de Primeiro-almirante Sessão de 4 de junho (Brasil,


Fora Nomeada lorde Cochrane 1877, p. 12, 1ª col.)
para a Comissão Almirante Rodrigo Sessão de 12 de junho
de Marinha e Pinto Guedes (Brasil, 1877, p. 47, 1ª col.)
Guerra46
Marechal de campo
Joaquim de Oliveira
Álvares
Brigadeiro quartel-
mestre general
Manuel da Costa Pinto
Brigadeiro ajudante-
general Francisco
Maria Gordilho Veloso
de Barbuda
Capitão de mar e
guerra Diogo Jorge de
Brito
Coronel de
engenheiros Francisco
Cordeiro da Silva
Torres
Coronel de
engenheiros Francisco
José de Sousa Soares
Andréa

22 Comissão Andrada Machado Sessão de 30 de junho


Especial para a Araújo Lima (Brasil, 1887, p. 152, 2ª col.)
Lei Marcial
Pereira da Cunha
Rodrigues de Carvalho
Nogueira da Gama
Maia
Barão de Santo Amaro
Fernandes Pinheiro
Carneiro de Campos
Ribeiro de Andrada
Rodrigues Velloso

46 A Comissão teve autorização para chamar oito membros de fora, sendo quatro membros para os
negócios da Marinha e quatro para os negócios da Guerra.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


96

N. Nome Membros Sessão (1823)

23 Comissão Carvalho e Mello Sessão de 30 de julho (Brasil,


Especial para Francisco Carneiro 1878, p. 137, 2ª col.)
Formação da
Tabela das Leis Almeida e
Albuquerque

24 Comissão de Maciel da Costa Sessão de 26 de agosto


Redação das Leis Miguel Calmon (Brasil, 1879, v. 4, p. 131, 1ª
col.)
Francisco Carneiro
Sessão de 7 de novembro47
Carvalho e Mello (Brasil, 1884a, p. 212, 1ª col.)
Silva Lisboa

25 Comissão de Andrada e Silva Sessão de 29 de agosto


Minas e Bosques Câmara (Brasil, 1879, v. 4, p. 158, 2ª
col.)
Ribeiro de Andrada
Silveira Mendonça
Ferreira França

26 Comissão Araújo Lima Sessão de 11 de novembro


Especial para Vergueiro (Brasil, 1884a, p. 232, 1ª col.)
Conhecer da Sessão de 11 de novembro48
Representação Brant Pontes
(Brasil, 1884a, p. 237, 1ª col.)
dos Oficiais da Barão de Santo Amaro
Guarnição da
Andrada e Silva
Corte

Fonte: elaboração própria.

Ainda de acordo com a publicação da Coordenação de Arquivo da Câmara


dos Deputados (Brasil, 1987), as comissões técnicas permanentes que mais
pareceres emitiram foram a Comissão de Legislação e Justiça Civil e Crimi-
nal (63 pareceres), a Comissão de Fazenda (44 pareceres), a Comissão de
Poderes (32 pareceres) e a Comissão de Constituição (24 pareceres).

47 Na sessão de 7 de novembro, foi nomeado Costa Carvalho, no impedimento de Maciel da Costa,


eleito presidente da Assembleia para o mês de novembro.
48 Na sessão de 11 de novembro, foram nomeados Câmara e Carneiro em substituição a Andrada e
Silva e barão de Santo Amaro.

Capítulo IV
97

Primeiras matérias
Texto do Juramento de Posse
Quando do início das sessões preparatórias, ainda em abril de 1823, duas
foram as preocupações iniciais dos deputados que pela primeira vez se reu-
niam: o reconhecimento dos seus respectivos diplomas como parlamentares
e a imediata organização dos seus trabalhos.
Na primeira e na segunda sessões preparatórias, ocorridas em 17 e 18
de abril de 1823, cuidou-se precipuamente da verificação dos diplomas dos
deputados eleitos. Apenas na última parte da segunda sessão preparatória,
foram abordados o juramento de posse e as normas que deveriam reger in-
ternamente os trabalhos da Assembleia.
Foi o deputado Antônio Carlos quem primeiro levantou a questão do
juramento que deveria ser feito por todos os parlamentares: “Sendo in-
dispensável que prestemos juramento, e devendo por isso adotar-se al-
guma fórmula, lembrei-me de formar uma a qual lerei com a permissão do
Sr. Presidente”.

Juro cumprir fiel e lealmente as obrigações de deputado na Assem-


bleia Geral Constituinte e Legislativa brasiliense, convocada para fazer a
Constituição política do império do Brasil, e as reformas indispensáveis
e urgentes, mantida a religião católica apostólica romana, e a indepen-
dência do império, sem admitir com alguma nação qualquer outro laço de
união ou federação, que se oponha à dita independência, mantido outros-
sim o império constitucional e a dinastia do Sr. D. Pedro I, nosso primeiro
imperador e sua descendência. (Brasil, 1876, p. 26)

O deputado secretário França, em seguida, ofereceu outro texto de jura-


mento para o debate.

Eu F. deputado à Assembleia Extraordinária Constituinte e Legisla-


tiva do império do Brasil, juro aos Santos Evangelhos exercer as augustas
funções de que sou encarregado pelo voto da nação, com toda a fran-
queza e boa-fé que ela de mim exige, sem respeitar outro fim que não seja
o bem público e geral da mesma nação, mantendo em todas as minhas
deliberações a religião católica romana, a integridade e independência
do império, o trono do Sr. D. Pedro I, primeiro imperador, e a sucessão
da sua dinastia, segundo a ordem que a Constituição estabelecer. (Brasil,
1876, p. 26)

Depois de algum debate, prevaleceu a fórmula proposta por Antônio


Carlos, com um acréscimo de Martim Francisco: “O Sr. Ribeiro de Andrada:
Em lugar de dizer somente ‘independência do império’, eu diria ‘integridade
e independência do império’”. (Brasil, 1876, p. 26)

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


98

Regimento Interno
Uma vez firmado o texto do juramento a ser feito pelos deputados quando da
abertura da Assembleia Constituinte, o assunto seguinte foi a necessidade
de um regimento interno.

Falou-se depois na necessidade de um regimento provisório para re-


gular os trabalhos da Assembleia, nomeando-se uma comissão para apre-
sentar o seu projeto.
O Sr. Presidente [José Caetano da Silva Coutinho], sendo autori-
zado para eleger os membros dela, nomeou os Srs. Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada Machado, Antônio Luiz Pereira da Cunha, Antônio
Rodrigues Velloso de Oliveira, Bernardo José da Gama, Manoel Pinto
Ribeiro de Sampaio.
Feita esta nomeação, declarou o Sr. Presidente que só podia verificar-
-se a terceira reunião dos Srs. Deputados no dia 30 de abril, para se dar
tempo suficiente à formação do regimento: e levantou-se a sessão pelas
3 horas da tarde. (Brasil, 1876, p. 27)

No dia aprazado, logo no início da terceira sessão preparatória, foi lida a


proposta de regimento interno pelo relator da comissão encarregada de sua
redação, o deputado Rodrigues Velloso. Segundo os Anais, terminada a lei-
tura, tomou a palavra Antônio Carlos para declarar que assinara o texto com
algumas ressalvas, entre as quais a parte do cerimonial acerca da entrada do
imperador no recinto da Assembleia e a parte referente à previsão de voto
secreto em algumas situações.
Muniz Tavares, imediatamente após a fala de Antônio Carlos, insurgiu-
-se contra esse tipo de votação:

Sr. Presidente, Deus nos defenda que passasse semelhante método


de votação. O que diriam as nações cultas da Europa? O que diriam os
nossos inimigos? Ah! eu já prevejo; diriam sem dúvida que entre nós
havia deputados que, contra a expectativa dos seus constituintes, não
se animavam a declarar com franqueza o seu voto. Isto é indigno; e eu
de nenhuma sorte posso anuir. Voto, portanto, que nem apareça este
artigo. (Brasil, 1876, p. 27)

De forma bem mais pragmática, logo interveio na discussão o deputado


Carneiro de Campos, o futuro marquês de Caravelas:

Julgo indispensável que se imprima sem demora o projeto do regu-


lamento, para que possa por ele ordenar a Assembleia provisoriamente
os seus trabalhos; e que entrem já em discussão os artigos relativos ao
cerimonial ou formalidades da entrada e recebimento de Sua Majestade
Imperial na Assembleia, porque a matéria não admite demora; ficando,

Capítulo IV
99

porém, igualmente estes artigos do cerimonial só provisoriamente apro-


vados. (Brasil, 1876, p. 27)

Os Anais registram o apoio dos demais parlamentares. Depois de breve


discussão, venceu o que acabara de propor o deputado Carneiro de Campos.
Em seguida, o deputado secretário passou a ler o cap. V do regulamento,
“Das formalidades que se hão de guardar na Assembleia”, começando pelo
artigo 1º, que é o 19 na ordem deles. Na sessão do dia 30 de abril, a terceira
reunião preparatória, votou-se o capítulo referente à sessão de abertura dos
trabalhos, do artigo 19 ao 34, declarando-se que todos os demais entra-
vam imediata, mas provisoriamente, em vigor, conforme sugeriu Carneiro
de Campos. Ao longo dos meses subsequentes, a votação de vários artigos
do regimento foram entremeando as discussões dos mais diversos assuntos.

Escolha do dia de abertura dos trabalhos


Superado o tema do Regimento Interno, passou-se a deliberar sobre qual
deveria ser o dia de inauguração da Assembleia. Por unanimidade, escolheu-
-se o dia 3 de maio, como já discutimos, “por ser já distinto na história do
Brasil” (Brasil, 1876, p. 31).
Na quarta sessão preparatória, em 1º de maio, a Assembleia dirigiu-se
à Capela Imperial para assistir à missa do Espírito Santo e prestar o jura-
mento. Na quinta sessão, realizada em 2 de maio, o deputado José Bonifácio
prestou contas, como orador, da deputação ao imperador para convidá-lo à
abertura dos trabalhos da primeira Assembleia Geral brasileira.
O deputado Aguiar de Andrada, sobrinho dos Andradas, na sessão de
12 de junho, declarou que as visitas do imperador à Assembleia eram atos
que “pela sua importância são, e devem ser, os mais esplêndidos e solenes”
(Brasil, 1877, p. 58).
Corroborando o pronunciamento de seu sobrinho, Martim Francisco, na
mesma sessão, declarou:

Em todos os tempos se tem reconhecido que as primeiras autorida-


des precisam, para adquirir os respeitos dos povos, certa suntuosidade
quando aparecem em público a exercer as suas principais funções. Por
este princípio, todos os atos solenes de qualquer nação se ordenam sem-
pre com pompa, de modo que façam efeito e sensação em toda a nação,
acomodando-se somente às luzes do tempo em que se vive. Ora, entre
os atos públicos do governo representativo, nenhum há mais solene do
que aquele em que o monarca, como chefe da nação, abre a Assembleia, e
aquele em que termina os seus trabalhos. (Brasil, 1876, p. 58)

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


100

Destarte, foi solene a viagem da deputação, tendo ficado registrado até


mesmo o percurso escolhido para se dirigir ao Paço de São Cristóvão que,
desde a partida de D. João convertera-se em local de residência e de trabalho
do monarca. Explicou José Bonifácio:

A deputação nomeada para ir, da parte da Assembleia Geral Consti-


tuinte e Legislativa do Império do Brasil, anunciar a Sua Majestade Im-
perial o dia da instalação solene da mesma Assembleia dirigiu-se em três
coches que Sua Majestade Imperial tinha mandado pôr à disposição da
Assembleia, à sua quinta da Boa Vista, pelo largo do Paço, rua Direita, rua
do Ouvidor, praça da Constituição, rua dos Ciganos, campo da Aclama-
ção, rua de São Pedro, Rocio da cidade nova e ponte do Mangue, levando
adiante, como batedores, um piquete da cavalaria, e atrás dos coches uma
companhia de cavalaria do Exército. Em alguns lugares da estrada es-
tavam postados diferentes corpos também de cavalaria para fazerem à
deputação continências militares. (Brasil, 1876, p. 36)

A deputação foi muito bem recebida por D. Pedro, de acordo com o se-
guinte registro formulado por José Bonifácio:

Chegada a deputação à imperial quinta, foi recebida, antes de subir


a escada pelo gentil-homem da Câmara de Sua Majestade Imperial, que
estava de semana, e pelo porteiro da Câmara, e por eles conduzida à sala
do trono, onde já se achava Sua Majestade.
Então fiz eu, como orador da deputação, uma breve fala; e Sua Majes-
tade Imperial, com a sua costumada benignidade, deu todas as demons-
trações do júbilo que sentia por ver na sua presença a primeira deputação
da primeira Assembleia Geral brasileira; e declarou que com extremo pra-
zer viria abrir no dia aprazado seus augustos trabalhos, e dirigiria então
um discurso aos representantes da nação, marcando para este ato a hora
das onze e meia até ao meio-dia, em que compareceria no seio desta au-
gusta Assembleia. (Brasil, 1876, p. 36)

A essa notícia, a Assembleia declarou “ter ouvido com especial agrado


o modo com que Sua Majestade recebera a deputação” (Brasil, 1876, p. 36).

Fala do Trono e do Voto de Graças


Como já vimos, a Assembleia inaugurou solenemente seus trabalhos no dia
3 de maio de 1823, quando recebeu a visita de Sua Majestade o imperador
D. Pedro I para a abertura. Na ocasião, conforme o previsto, ele proferiu sua
primeira Fala do Trono, como se denominavam os discursos de abertura e
encerramento das sessões legislativas. A tônica da primeira manifestação
perante a constituinte solenemente reunida foram os eventos que o haviam

Capítulo IV
101

levado a declarar a emancipação política do Brasil, separando-o definitiva-


mente do reino de Portugal.
A resposta foi o Voto de Graças. Era dessa forma que se denominava a res-
posta do Parlamento à Fala do Trono, sendo a primeira tarefa do Parlamento
uma vez aberto. Logo na sessão seguinte à da abertura, Antônio Carlos abor-
dou o assunto: “Eu não vinha preparado para apresentar um Voto de Graças;
mas como também nenhum dos ilustres membros se lembrou de o trazer,
aqui mesmo fiz um, o qual lerei se V.Exa. me permite” (Brasil, 1876, p. 44).
O deputado secretário França declarou que, antes de se entrar no Voto
de Graças, dever-se-ia tratar da Fala do Trono, ao que Antônio Carlos redar-
guiu em discurso que firmava conceitos:

Julgo que o ilustre preopinante se engana, pois seria um absurdo, de


que Deus nos livre, entrar o discurso em discussão; ele só entra indireta-
mente pelo Voto de Graças no qual se marcam os sentimentos exprimi-
dos no discurso, para que a Assembleia ajuíze deles e decida se têm ou
não lugar os agradecimentos; mas a fala nunca é diretamente objeto de
exame; que a Assembleia reconheça nela sentimentos constitucionais, ou
os não reconheça, sempre o seu juízo se forma sobre o Voto de Graças, e
por este modo se dizem as verdades todas. (Brasil, 1876, p. 45)

A praxe parlamentar que se instalaria no regime monárquico constitu-


cional era a seguinte: discutido o projeto de resposta e, afinal, aprovado
pelo Plenário, era nomeada uma comissão que levava ao imperador o Voto
de Graças. Cada Câmara debatia e preparava seu voto, nomeava sua comis-
são, seu orador próprio, marcava dia especial e ouvia a breve resposta do
imperador. Na volta às respectivas Câmaras, eram elas informadas, pelo
orador designado, como haviam se desincumbido de suas missões e quais
tinham sido as palavras imperiais.
O debate acerca da primeira Fala do Trono nasceu logo na sessão do dia
6 de maio, quando o deputado Andrade Lima iniciou o debate nos seguintes
termos:

A fala de Sua Majestade Imperial está sem dúvida concebida em


termos constitucionais, mas notam-se no fim dela algumas palavras
ambíguas, cujo sentido não é talvez bem claro. Diz que espera que a
Assembleia faça uma constituição digna dele e do Brasil, e que sendo
assim a defenderá; ora, constituindo-se deste modo juiz em causa pró-
pria, e sendo ao mesmo tempo defensor do Brasil, poderá inferir-se que
Sua Majestade pretende por si só julgar da bondade da Constituição.
(Brasil, 1876, p. 50)

Imediatamente retrucou a crítica Antônio Carlos já que “não acho na


fala de Sua Majestade termos que não sejam muito constitucionais” (Brasil,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


102

1876, p. 50). No mesmo sentido se manifestou outro antigo revolucionário


de 1817, o padre Muniz Tavares:

Por mim o julgo e, ingenuamente, o confesso que quanto mais leio


a mencionada fala mais me persuado que se devem decretar louvores
ao seu sempre respeitável autor. E nem se diga que as palavras, “dig-
nas do Brasil e de mim” merecem censura; pelo contrário, eu julgo
que elas foram aplicadas muito judiciosamente, e que denotam uma
franqueza, hoje pouco vulgar mesmo entre monarcas. Acaso pretender-
-se-ia que o chefe supremo da nação brasileira, aquele sobre quem
recai todo o peso da execução assinasse uma constituição que em
lugar de concorrer para a prosperidade deste império, o submergisse
no hediondo abismo da devastadora anarquia? (Brasil, 1876, p. 50)

Outro deputado, padre José Custódio Dias, cerrou fileiras com Andrade
Lima e se indignou com a observação de D. Pedro:

Eu creio que se trata de fazer constar à nação se esta Assembleia se


conforma com o que Sua Majestade expressamente declarou nas pala-
vras que me parecem demasiadamente gerais – se for digna de mim e do
Brasil – e parece-me que o julgar se a Constituição que se fizer é digna
do Brasil só compete a nós como representantes do povo, e aos mais que
ainda faltam de muitas províncias. (Brasil, 1876, p. 50)

Os oradores se sucederam, ora atacando a expressão usada por D. Pedro,


ora declarando que nada havia nelas de espantoso. Por fim, manifestou-se
José Bonifácio, que, como ministro e secretário de Estado, muito provavel-
mente era o autor intelectual do discurso lido por D. Pedro:

Eu não tenho talentos de orador; só no silêncio de meu gabinete sei


formar os meus discursos; mas vejo-me obrigado a falar agora sobre esta
matéria. Não posso nem tenho expressões para exprimir a admiração
que me causam as proposições que acabo de ouvir neste augusto recinto.
Como é possível que haja homens que do mel puro do discurso de Sua
Majestade Imperial destilem veneno? Eu não acho nas expressões do im-
perador senão as nossas próprias expressões, e a vontade geral do leal
povo do Brasil. (Brasil, 1876, p. 53)

Teve, então, início o primeiro grande debate parlamentar entre governo


e oposição da história do Parlamento brasileiro. Por fim, chegou-se a um
texto que deveria ser encaminhado ao imperador, por intermédio de depu-
tação. Para tal, solicitou-se audiência, via ministro de Estado do Império,
José Bonifácio, nos seguintes termos:

Resolução da Assembleia
Para José Bonifácio de Andrada e Silva
Ilmo. e Exmo. Sr.

Capítulo IV
103

A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil


resolveu na sessão de hoje enviar uma deputação a Sua Majestade Impe-
rial para lhe significar os puros votos do seu agradecimento pelo discurso
que Sua Majestade proferiu na mesma Assembleia no dia da sua solene
instalação. O que participo a V.Exa. para que sabendo de Sua Majestade o
dia, lugar e hora em que determina recebê-la, V.Exa. me comunique, para
eu o fazer presente na mesma augusta Assembleia.

Deus guarde a V.Exa.


Paço da Assembleia, em 6 de maio de 1823.
José Joaquim Carneiro de Campo. (Brasil, 1876, p. 53)

Leis promulgadas pela Assembleia


Constituinte de 1823
Seis foram as leis promulgadas pela Assembleia Constituinte e entregues
por uma comissão ao imperador D. Pedro I, para que as mandasse publicar.
Foram as seguintes:
• lei que regulava a forma a ser observada na promulgação dos decre-
tos da Constituinte, sem dependência de sanção imperial; projeto da
Comissão de Constituição, cujo relator era Araújo Lima, na sessão de
12 de junho (Brasil, 1823a, p. 210);
• lei que revogou o Decreto de 15 de fevereiro de 1822, que criou o Con-
selho de Procuradores, e providenciou a respeito; projeto de Antônio
Carlos, na sessão de 21 de maio (Brasil, 1823a, p. 89);
• lei que revogou o Alvará de 30 de março de 1818, sobre sociedades
secretas e deu novas providências; projeto de J. A. Rodrigues de
Carvalho, na sessão de 7 de maio (Brasil, 1823a, p. 39);
• lei que proibiu aos deputados o exercício de qualquer outro emprego,
durante o tempo da deputação, exceto o de ministro e intendente-
-geral de Polícia; projeto de Araújo Viana, na sessão de 21 de julho
(Brasil, 1823a, p. 434);
• lei que aboliu as juntas provisórias estabelecidas pelo Decreto de 29
de setembro de 1821, das Cortes de Lisboa dando nova forma ao go-
verno das províncias, que passaram a ser administradas por presi-
dente e conselho; projeto de Antônio Carlos, na sessão de 9 de maio
(Brasil, 1823a, 44);
• lei que marcou a legislação que vigoraria no império depois da In-
dependência; projeto de A. L. Pereira da Cunha (Brasil, 1823a, p. 24).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


104

Além dessas leis, mandadas publicar pelo imperador, é preciso lembrar


que o texto da Lei de Imprensa, que estava sendo discutido pela Assembleia
Constituinte, foi aproveitado pelo imperador, que a mandou executar pelo
Decreto Imperial de 22 de novembro de 1823.
É explicável a circunstância de terem sido todas essas leis promulgadas
no mesmo dia. A primeira delas, a que regula justamente a forma a ser ob-
servada na promulgação dos decretos da Constituinte, sem dependência da
sanção imperial, teve sua promulgação protelada, o que suspendeu a pro-
mulgação das outras.
Criou essa lei, quando apresentada a deliberação da Constituinte, um
ambiente de perfeito divórcio entre a Assembleia e o imperador, o qual,
depois de muita luta, teve que se reconhecer vencido, recebendo então no
Paço de São Cristóvão, uma deputação que lhe foi levar “o fruto dos seus
primeiros trabalhos” (Brasil, 1884a, p. 147).
Foi orador o deputado Ribeiro de Resende, que disse em seu discurso:

[...] as leis estavam sancionadas pela Assembleia e que ainda faltava a


publicação delas, porque em vão seriam elas feitas, se não houvesse quem
as fizesse executar, estando essa força no Poder Executivo, ao qual com-
petia a sublime tarefa de empregar todos os meios para obrigar os súditos
do império a seguir a vontade da nação. (Brasil, 1884a, p. 147)

Respondendo ao discurso, o imperador disse que recebia “com sumo


prazer as leis que a Assembleia lhe enviava para as fazer executar” (Brasil,
1884a, p. 147). Em seguida, assinou-as e declarou que o mesmo faria a todas
as mais que recebesse, bem persuadido de que todas seriam tendentes a
engrandecer e felicitar o império, “que já ia começando a ser respeitado no
mundo velho e novo, posto que ainda não reconhecido diretamente” (Brasil,
1884a, p. 147).
A segunda das leis promulgadas pela Assembleia Constituinte revogava
o Decreto de 16 de fevereiro de 1822, que criara o Conselho de Procura-
dores. D. Pedro, cuja figura de grande revolucionário se acha enraizada
perenemente na história, praticou um de seus atos rebeldes ao criar esse
conselho, ainda vigentes as bases da Constituição portuguesa, que solene-
mente jurara. Foi esse ato de D. Pedro que, no dizer de Agenor Roure (2016,
p. 185), marcou o primeiro grande passo para nossa Independência e que
primeiro traduziria a revolta do espírito nacionalista brasileiro contra as
cortes de Lisboa. A questão cresce em termos de importância se considerar-
mos que as cortes haviam reduzido a nada a autoridade de D. Pedro como
regente do Brasil e ordenado seu embarque para Lisboa. Em desobediência,
ele revoltou-se contra a anulação completa de sua autoridade e quis criar,
juntamente com José Bonifácio, no Rio de Janeiro, um “centro de união

Capítulo IV
105

e força” no reino do Brasil. Surgiu, assim, o decreto de convocação dos


procuradores-gerais, que, sob sua presidência, deveriam aconselhá-lo nos
negócios importantes e difíceis, examinar os grandes projetos de reforma,
além de propor medidas e planos vantajosos ao país.
Era um conselho de Estado, com caráter francamente hostil às leis das
cortes de Portugal, que haviam centralizado em Lisboa a administração
das províncias do Brasil. Foi esse mesmo conselho que decidiu o caso da
convocação da Constituinte de 3 de junho de 1822, logo no início dos seus
trabalhos.
Uma vez reunida a Assembleia Constituinte, votou ela a lei que revogava
a criação do Conselho de Procuradores e declarou “que os cidadãos que ha-
viam desempenhado dignamente essa comissão eletiva, levariam consigo as
graças da nação e teriam os seus serviços registrados na memória da pátria
agradecida” (Brasil, 1877, p. 16).
É perfeitamente justificável que, depois de criada a Constituinte, desa-
parecesse o Conselho de Procuradores, pois outra coisa não eram os depu-
tados que as províncias enviaram à Assembleia.
A lei que proibia de exercerem os deputados qualquer outro emprego
durante o tempo de sua deputação, ou mesmo que pedissem emprego ou
graça para outros, foi a terceira das leis promulgadas. Araújo Viana foi o
autor do projeto apresentado à Assembleia. O texto era, entretanto, menos
rígido do que o que constou da lei, por isso permitia que o deputado pe-
disse emprego para outros, e, para si próprio, só no caso de se achar a pátria
em perigo.
A discussão foi longa, nela tomando parte, além de outros, Araújo Viana,
Antônio Carlos, Carneiro da Cunha e Nogueira da Gama, que divergiam em
certos pontos. Todos, no entanto, estavam imbuídos dos mais elevados sen-
timentos de dignidade.
Assim, Antônio Carlos pensava que o deputado não pudesse pedir graça
ou emprego para si, seus filhos ou pais, proibição que foi estendida a qual-
quer outra pessoa por Carneiro da Cunha. A questão, porém, tornou-se mais
interessante quando se examinou o ponto de se saber se os deputados po-
deriam ou não ser ministros. Antônio Carlos pensava que sim, justificando,
como sempre, seu ponto de vista com eloquência e inteligência.
Curioso é que, logo após a publicação e promulgação da lei, o governo
enviou à Assembleia pedido de licença para nomear o deputado Felisberto
Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta, o futuro primeiro marquês de Bar-
bacena, como negociador do reconhecimento da Independência brasílica
em Londres.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


106

Rodrigo Octávio Filho (1973), estribado em Agenor Roure (2016,


p. 187) assim descreveu o episódio. Em 4 de novembro, deu a Comissão
de Constituição parecer em que confessou dar licença com menosprezo da
lei “tendo-lhe custado fazer uma ferida em lei tão recente e discutida com
tanta madureza”. Não podia ela crer, nem à Assembleia era inegável ao
menos “a pouca abundância de luzes diplomáticas” no país (Brasil, 1884a,
p. 238). O deputado escolhido já havia encetado a tarefa de aprazamento
de ambas as cortes, o que supunha maior facilidade na continuação das
negociações.
O parecer teve forte oposição, pois importava na revogação de uma lei
promulgada dias antes; mas o ministro do Império explicou que o governo
precisava mandar Caldeira Brant a Londres para uma negociação de gran-
díssimo interesse, e ninguém se apresentava com as qualidades daquele
deputado, já conhecido e bem aceito pelas pessoas com que havia de ne-
gociar na capital da Inglaterra. Diante dessa situação e da necessidade de
ser reconhecida naquele país a independência do Brasil, o ministro achava
que era “coisa pasmosa negar-se à Assembleia o direito de dispensar na lei”
(Brasil, 1884a, p. 239).
Silva Lisboa, o futuro visconde de Cairu, observando que a lei não proi-
bira claramente a aceitação de cargos diplomáticos, lembrou-se de aplicar
ao caso o § 8º do título 44 do livro 4 das Ordenações do Reino: “E posto que
antes do tempo da companhia ter acabado nenhum dos companheiros se
possa afastar dela, todavia em certos casos o poderá fazer… assim como se o
que se afasta da companhia alegar que é enviado por nós ou pela república a
algum negócio” (Brasil, 1884a, p. 255). Ora, como as circunstâncias reclama-
vam a ida de um negociador a Londres para diligenciar o reconhecimento
de nossa independência pelas grandes potências marítimas da Europa, Silva
Lisboa opinava que se deveria dar a licença. Convinham ao Brasil as boas
graças da Inglaterra, com a qual já D. João VI queria estar em paz, ainda que
às custas de guerra com o resto do mundo.
O parecer da Comissão teve oposição, descambando para o ataque pes-
soal, no qual se salientou Montezuma, o futuro visconde de Jequitinhonha,
que, embora confiando nas aptidões e talentos de Caldeira Brant, lembrou
os serviços prestados por Hipólito José da Costa Pereira, que já se achava em
Londres e que trabalhara eficientemente pelo reconhecimento de nossa inde-
pendência, com a publicação de seu Correio Braziliense.49 Durante a discussão,
Martim Francisco e José Bonifácio divergiram de Antônio Carlos, os primeiros

49 Sobre o tema, vide Menck (2022a).

Capítulo IV
107

se opondo a que a licença fosse dada, e o último, que foi o vencedor, sempre se
batendo pela licença, que foi afinal concedida pela Assembleia.
O objetivo da quarta das leis promulgadas pela Assembleia foi a revoga-
ção do Alvará de 30 de março de 1818. Por este, D. João VI visava atacar os
maçons ou pedreiros livres, tendo por fim “declarar por criminosas e proi-
bidas as sociedades secretas: ficando incursos os que se congregarem em
lojas, ou aqueles, que as promoverem, nas penas da Ordenação II v. 5º, tit.
6º §§ 5º e 9º” (Brasil, 1889a, p. 28).
O ato, que continha ainda a proibição do uso das medalhas e catecismos
das sociedades secretas, foi referendado por Thomaz Antônio de Villa-Nova
Portugal, o que lhe valeu a sincera antipatia dos primeiros políticos brasi-
leiros, que se esqueceram completamente de sua contribuição e méritos ao
acompanhar a obra de D. João no Brasil.
Essa lei, cujo projeto era da autoria do deputado Rodrigues de Carva-
lho, levou quatro meses entre discussão e votação, findos os quais o presi-
dente da Assembleia “sentiu verdadeiro alívio ao ver-se livre do assunto, em
ordem do dia”.
Com a publicação da referida lei, foram postos em perpétuo silêncio
todos os processos pendentes em virtude do Alvará de 30 de março de 1818,
e foi proibida para o futuro a existência de sociedades secretas. Esclarece
Agenor de Roure que todos os oradores opinaram pela revogação de uma
lei, que custava a crer, ainda existisse no século XIX e só podia ter sido obra
feita por “homens degenerados”, “homens piores do que bárbaros do Norte”
(Brasil, 1876, p. 62), como disse o deputado Muniz Tavares.
Realmente o alvará revogado não podia merecer a simpatia da maioria
da Constituinte, composta de espíritos liberais, pois, sendo uma resultante
dos acontecimentos de Pernambuco, em 1817, aplicava as penas de confisco,
proscrição, infâmia e morte.
Era, pois, indigno de constituir lei do Brasil tal alvará que, no dizer caus-
ticante de Antônio Carlos, era façanhoso e que valia “pelos últimos arran-
cos do despotismo assustado, como um parto da calejada insensibilidade,
embotada inteligência e perfeita imbecilidade de um ministro que, com
indelével vergonha do Brasil, enxovalhara por algum tempo os seus fastos
ministeriais” (Roure, 2016, p. 237).
Durante os debates, Carneiro de Campos defendeu D. João VI, que tanto
bem fez ao Brasil, atacando, porém, violentamente o ministro Villa-Nova
Portugal, bem como outros ministros, “mais interessados na conserva-
ção integral dos plenos poderes, de que dispõem a seu bel prazer, do que
em corrigir o vício radical de semelhante governo, de modo a formar o

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


108

trono no coração dos povos, em vez de firmá-lo por violência e pelo terror”
(Roure, 2016, p. 238).
É interessante a discussão sobre a regulamentação das sociedades se-
cretas, “conventículos de conspiradores” (Roure, 2016, p. 238), como pro-
punha Antônio Carlos que fossem chamados.
Outro ponto da discussão que empolgou os deputados mais cultos e in-
teligentes foi o relativo à abolição da pena de morte, chegando a dizer o
deputado Gomide, no combate que estava mantendo contra ela, que “o pri-
meiro homicídio e muito atroz perpetrado sobre a terra não fora punido de
morte pelo Eterno e Supremo Juiz, que imprimiu um ferrete, um estigma ao
crime do fratricida e o abandonou aos remorsos de sua alma e à execração
dos outros homens” (Roure, 2016, p. 238).
Não pouca importância parlamentar teve a quinta das leis promulgadas
pela Constituinte, ainda que não tenha gerado grandes polêmicas parla-
mentares. Determinava o texto que continuaria em vigor toda a legislação
pela qual se regera o Brasil até 25 de abril de 1821, bem como as leis e de-
cretos promulgados por D. Pedro I, como regente e imperador.
Pereira da Cunha foi quem apresentou o projeto à consideração da As-
sembleia, pedindo fossem também regulamentados os erros crassos das
Ordenações Filipinas. Anexa à lei, havia uma lista das leis que continuavam
em vigor.
O mesmo, no entanto, não se deu com a sexta e última das leis: dava
forma aos governos das províncias e criava para cada uma delas um presi-
dente e um conselho, bem como revogava as leis das cortes de Lisboa, que
estabeleceram juntas provisórias, em 1º de outubro de 1821.
Tal assunto, de magna importância política, teve nada menos de três
projetos apresentados à Assembleia: um do deputado Souza e Mello, outro
de Antônio Carlos e o terceiro pelo deputado Gomide.
O projeto de Souza Melo dava a cada província um governador e um chefe
militar, aquele com ascendência sobre este, nomeados ambos pelo impera-
dor. O projeto de Gomide previa um presidente de província, nomeado para
mandato de três anos, e um conselho, composto por quatro conselheiros e
um secretário eleitos. A Assembleia aprovou o projeto de Antônio Carlos,
que previa um presidente e um conselho para cada província.
Ao justificar seu projeto pelo qual criava-se o presidente, em vez de uma
junta de governo, declarou Antônio Carlos que esta era uma das primeiras
necessidades da lei, “isto de entregar a muitas cabeças a administração era
lembrança que só podia ter partido da razão em delírio dos franceses, nos

Capítulo IV
109

infelizes anos de 1789 a 1790; administração é própria de um só homem,


como o deliberar de muitos” (Roure, 2016, p. 239).
Por fim, não podemos deixar de mencionar o projeto de lei referente
à liberdade de imprensa, objeto de deliberação da tumultuada sessão do
dia 10 de novembro. Duas são as circunstâncias que tornaram peculiar esse
projeto. A primeira é que o tumulto que levou ao encerramento precoce da
sessão de 10 de novembro foi utilizado pelo monarca como uma das justi-
ficativas para a dissolução da Constituinte, como veremos no Capítulo VI.
A segunda é que, mesmo não tendo tido sua tramitação finalizada, ainda
assim D. Pedro I o publicou como lei, dando-lhe vigência, logo após a disso-
lução da Constituinte.

Memórias oferecidas à Assembleia


Também não podemos nos esquecer das inúmeras memórias, que abran-
gem os mais diferentes assuntos, e das mais diversas procedências, ofe-
recidas à consideração da Assembleia, geralmente aceitas “com especial
agrado” e que, por razões de exiguidade de tempo, não puderam ser objeto
de deliberação.
Entre essas memórias avultam as escritas por José Bonifácio acerca da
“necessidade de se edificar no interior do Brasil uma nova capital para as-
sento da corte, da Assembleia Legislativa e dos tribunais superiores” em que
se propõe uma nova capital no centro do país e se sugere o nome “Brasília”;
“sobre o regime de organização das universidades do Brasil”; acerca da “ci-
vilização dos índios bravos do Império do Brasil”; “de minas e bosques”.
Destaca-se, ainda, a apresentação do “plano de colonização do Brasil”, de
autoria de Hipólito José da Costa Pereira (Menck, 2019, p. 199 e segs.).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


111

CAPÍTULO V

Projeto de Constituição

Preocupação com o assunto


A preocupação com a redação da Constituição acompanhou a Assembleia
desde o seu início. Já na primeira sessão ordinária da Assembleia, em 5 de
maio de 1823, o deputado Pereira da Cunha declarou: “eu julgo que a Assem-
bleia deve agora, primeiro que tudo, tratar de nomear a Comissão de Consti-
tuição, que há de apresentar um projeto dela” (Brasil, 1876, p. 22).
Concordando com a preocupação de Pereira da Cunha, a Assembleia de-
cidiu montar a Comissão de Constituição, que deveria contar com sete mem-
bros. Para ela, foram eleitos: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Antônio
Luís Pereira da Cunha, Pedro de Araújo Lima, José Ricardo da Costa Aguiar,
Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, Francisco Muniz Tavares e José
Bonifácio de Andrada e Silva (Brasil, 1876, p. 22).
A preocupação com essa tarefa não se esgotou com a nomeação da co-
missão encarregada da redação da Carta Constitucional, tanto que o tema
recheia os Anais. Por exemplo, na sessão de 21 de maio, nas palavras de
Andrada Machado:

Fomos escolhidos para fazer uma Constituição e só para isso é que nos
escolheram; somos uma convenção ad hoc, não uma legislatura comum;
as necessidades, porém, do Brasil fizeram que ensanchássemos, talvez
com injustificável arbítrio, o poder que só nos pertencia, e que nos decla-
rássemos competentes também para reformas indispensáveis e urgentes,
além da Constituição. (Brasil, 1876, p. 126)

Na sessão do dia 26 de maio, foi Nogueira da Gama quem disse:

Enquanto não aparecer a Constituição política deste império; en-


quanto o público não reconhecer por ela a bem entendida divisão dos
três poderes políticos do Estado e suas atribuições; enquanto se não
capacitar da garantia da liberdade individual e segurança da proprie-
dade, da liberdade da imprensa, da igualdade de todos os cidadãos
perante a lei, da igualdade da repartição dos impostos, sem distinção

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


112

de privilégios nem de classes, da responsabilidade dos ministros e dos


empregados do governo, e da publicidade da administração e aplicação
das rendas do Estado, não julgo prudente que se decretem medidas ge-
rais, por muito urgentes que pareçam, [...]. Portanto, Sr. Presidente, sou
de parecer que se remetam estes projetos à Comissão de Constituição,
recomendando-se-lhe com urgência a conclusão deste tão necessário
trabalho; para o que conviria que fossem seus membros dispensados de
assistir às sessões desta Assembleia. (Brasil, 1876, p. 122, 2ª col.)

Na sessão de 8 de agosto, Teixeira de Gouvea tomou a palavra para dizer:

SR. PRESIDENTE: já é passado bastante tempo desde a instalação


desta Assembleia, e ainda não apareceu o projeto de Constituição. Os
ilustres membros da comissão encarregada de tão importante trabalho
não podem seguramente desempenhá-lo com brevidade, sendo obriga-
dos a assistir às sessões; o tempo que lhes resta é pouco, e nada assim
se adianta. Como nós presentemente já somos bastantes, julgo que sem
inconveniente poderão ser dispensados os mesmos Srs. Deputados de
comparecer nesta Assembleia até que apresentem o projeto de que estão
incumbidos. (Brasil, 1879, p. 59, 1ª col.)

Proclamação de princípios
Tardou o projeto de Constituição, em função de ter surgido uma série de
intrigas de jornalistas que estavam criando cizânia entre a Assembleia e o
imperador, pois atribuíam aos deputados o desejo de cercear as atribuições
do mandatário. Resolveu, então, a Assembleia resgatar a ideia do depu-
tado Maia, apresentada em fins de maio, de que fosse redigida uma pro-
clamação em que os constituintes expusessem as bases em cima das quais
trabalhariam.
À comissão que lhe fora felicitar pelo seu restabelecimento de um grave
acidente viário que havia sofrido, o imperador respondeu que: “Enquanto
vivesse havia de defender as atribuições que lhe competiam, de direito,
como imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil” (Brasil, 1879,
p. 73, 2ª col.). Essas palavras, pronunciadas quando a Assembleia se negou
a lhe dar os vivas propostos por Montezuma, denunciavam que as relações
da Assembleia com o imperador estavam estremecidas.
Incumbiu-se a redação da proclamação à mesma comissão que tinha o
encargo de redigir o projeto de Constituição: Pereira da Cunha, Andrada
Machado, Ferreira da Câmara, Araújo Lima e Costa Aguiar. O primeiro foi
escolhido como relator. Na sessão do dia 11 de agosto, o deputado relator
desincumbiu-se de sua atribuição e leu a minuta que havia redigido.

Capítulo V
113

Inicialmente, afirmou que o objetivo último era garantir “a máxima li-


berdade civil unida à máxima segurança individual”, evitando-se que “pela
falta das necessárias prerrogativas, ficasse sem o vigor, a energia e o lustre
precisos o trono imperial” (Brasil, 1879, p. 74). Para atingir tais objetivos, a
Assembleia se comprometia a (Brasil, 1879, p. 74 e segs.):
• manter a religião Católica Apostólica Romana e firmar a sucessão da
coroa imperial na legítima dinastia de D. Pedro I, segundo o jura-
mento de 1822;
• marcar as atribuições do Poder Executivo, a inviolabilidade da pessoa
do soberano e a responsabilidade efetiva dos ministros e seus agen-
tes, prescrevendo-se suas funções e as penas para o caso de faltarem
a elas;
• determinar ao Poder Judiciário o sistema e a forma de seu exercí-
cio, fazendo-o responsável pelas prevaricações, abusos de jurisdição
e ingerência nos outros poderes e tornando a justiça simples e fácil,
pronta e segura;
• indicar os direitos do cidadão brasileiro por nascimento, naturaliza-
ção e vizinhança, e o modo de perdê-los;
• estabelecer o método na administração e arrecadação das rendas do
Estado segundo o mais bem entendido sistema de economia política;
• designar os casos de guerra e indicar quem a podia declarar e quem
havia de convencionar os tratados de paz, trégua e neutralidade,
assim como os de aliança, comércio e navegação com as nações es-
trangeiras;
• firmar o direito inalienável de proteção aos súditos do império e os
casos em que tal direito se estende aos estrangeiros enquanto nele
residirem;
• garantir a liberdade de imprensa como um dos mais respeitáveis di-
reitos do cidadão e punir os abusos;
• fomentar o aumento da população e o aproveitamento das terras;
• fundar universidades para cultivo das ciências, difundir o ensino,
adiantar as artes, favorecer a indústria e engrandecer o comércio;
• reorganizar o Exército e a Marinha.
Firmados os princípios norteadores da redação da Constituição, a pro-
clamação terminava declarando que era preciso evitar “toda qualidade de
prevenção”, não “ouvir os afetados liberais que trabalhavam por separação”,
e não atender às “seduções dos monstros da intriga e da perfídia”, porque

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


114

a Constituição seria brevemente apresentada com as bases anunciadas


(Brasil, 1879, p. 77, 1ª col.).
A proposição entrou em discussão e, depois de vários pronunciamentos,
voltou à comissão para ser revista. Na sessão de 9 de setembro, ou seja, de-
pois da apresentação do projeto de Constituição, ocorrida no dia primeiro
do mesmo mês, a comissão apresentou a nova versão da proclamação, desta
feita redigida pelo deputado Antônio Carlos. Os Anais trazem as seguintes
informações acerca dessa segunda redação:

Chegada a hora dos pareceres, pediu a palavra o mesmo Sr. Deputado


[Andrada Machado] para ler o projeto de proclamação da Assembleia aos
povos deste império, de cuja redação tinha sido encarregado.
Depois de lido, resolveu-se que ficasse sobre a mesa até o dia 13 para
ser examinado pelos deputados que o quisessem ver. (Brasil, 1880, p. 68,
2ª col.)

Acompanha a referência do texto à proclamação de Antônio Carlos a se-


guinte nota: “Não se transcreveu porque não se achou entre os papéis da
Assembleia” (Brasil, 1880, p. 68). O assunto não mais voltou à discussão.

Apresentação do projeto
de Constituição
Na sessão de 16 de agosto, o deputado Andrada Machado comunicou:

S R. P R E S I D E N T E: os ilustres membros da Comissão de Consti-


tuição a que pertenço, tendo acabado a grande obra do projeto de
Constituição, tiveram a bondade de eleger-me para redator; peço, por
isso, 15 dias de licença para o redigir e apresentar a esta augusta
Assembleia. (Brasil, 1879, p. 86, 2ª col.)

Na sessão de 1º de setembro, o projeto foi lido. Continha 272 artigos,


agrupados em 15 títulos. Todos os deputados nomeados em 5 de maio
assinaram-no. Pedro de Araújo Lima o fez, mas escreveu “com restrições”.
“Acabada a leitura, decidiu-se que se imprimisse o projeto com urgência”
(Brasil, 1880, p. 24).
Na sessão de 9 de setembro: “fez-se a distribuição dos exemplares do
projeto de Constituição, e o Sr. Presidente perguntou quando começaria a
sua discussão. Resolveu-se que começasse no dia 15” (Brasil, 1880, p. 53,
1ª col.).

Capítulo V
115

Folha de rosto do projeto da Constituição de 1823,


impresso pela Tipografia Nacional.
Senado Federal.

Remessa de exemplar ao imperador


Antônio Carlos lembrou que a Assembleia devia marcar a forma de discutir
o projeto. A Comissão de Constituição ficou incumbida disso. Ainda naquela
mesma sessão, Antônio Carlos tomou a palavra mais uma vez para, sob a
forma de indicação, propor que se mandasse a Sua Majestade um exemplar
do projeto por “uma competente deputação” (Brasil, 1880, p. 70). Dado o
adiantado da hora, a Assembleia decidiu que o exemplar fosse remetido, sob
forma a estudar, na sessão seguinte.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


116

Na sessão do dia de 10 de setembro, voltando ao assunto de como se de-


veria enviar um exemplar do projeto de Constituição ao imperador, o depu-
tado Montezuma votou por que fosse por uma deputação, porque entendia
que a Assembleia considerava o texto de grande importância “para que ele
conheça os princípios que nos regem e como vamos de acordo com ele e com
a mesma nação”. Já Vergueiro objetou o envio e indagou: “O que é este pro-
jeto? É a opinião de quatro deputados. Pois será plausível que vá a opinião
de quatro deputados à presença do imperador por uma deputação?” (Brasil,
1880, p. 80).
Montezuma rebateu dizendo que, se o projeto não fosse digno de consi-
deração, a Assembleia “não mandaria imprimir dois mil exemplares para se
distribuírem pelas províncias do império” (Brasil, 1880, p. 80). O deputado
França também foi de parecer que o projeto era um esboço “que nem da
mesma Assembleia é” (Brasil, 1880, p. 81), e não se justificava deputação
para o entregar ao imperador. Venâncio Henriques de Resende opôs-se à
ideia da deputação:

Por duas razões: uma, para se não dar esse ar de importância a uma
coisa que pode ainda passar por muitas alterações, e até mesmo ser rejei-
tada; segunda, para que se não entenda que é um ajuste entre a Assem-
bleia e o imperador, porque o pacto social é entre os habitantes, ou ao
menos entre as províncias do Brasil, que a isto se haviam proposto antes
mesmo da aclamação. (Brasil, 1880, p. 61-62)

Após muita discussão, a Assembleia votou pela remessa do projeto pela


via ordinária da secretaria.

Tramitação do projeto
de Constituição
A forma de se debater e votar a Constituição veio à baila na sessão do dia
11 de setembro, ocasião em que a Comissão de Constituição declarou ser de
parecer que houvesse apenas uma única discussão, podendo cada deputado
falar três vezes a cada artigo; e que, depois de discutido todo o projeto,
viesse a revisão em que se pudesse “reformar algum absurdo ou contradi-
ção manifesta” (Brasil, 1880, p. 72, 1ª col.).
Naquela ocasião, ao solicitar licença para tratamento da saúde, José
Bonifácio declarou que:

O trabalho desta Assembleia mais essencial já está feito, que era


o projeto de Constituição, e eu por mim já o aprovei todo, e cuido que

Capítulo V
117

pequenas mudanças se poderão fazer; alguma emenda de palavra, algum


erro de redação, e para isto não faço falta; se algum ponto de mais cir-
cunstância se debater, também não faço falta, porque, já disse, aprovei
tudo, e para esses casos há nesta Assembleia homens muito capazes.
Peço licença por três meses porque, como creio que esta Assembleia de-
morará mais, posso ainda chegar a tempo até de tratar do projeto; creio
não me enganar neste cálculo, porque se um projeto de lei com pequenos
e poucos artigos leva semanas, quanto gastarão tantos artigos de Consti-
tuição! Isto há de levar muito tempo. (Brasil, 1880, p. 72)

Na sessão de 12 de setembro, o deputado Montezuma exclamou:

Objetos de muito menor monta temos nós sempre tratado com toda
a consideração possível, e quando se apresenta este, o maior de todos os
que se têm oferecido à deliberação desta Assembleia, pretende-se que
seja debatido em uma só discussão e que apenas depois possa ser re-
visto para se corrigir algum absurdo ou emendar alguma palavra! (Brasil,
1880, p. 97)

Ele propunha duas discussões. Antônio Carlos objetou:

A nação brasileira precisa muito de Constituição e, por este modo,


aqui estaremos colados três ou quatro anos; e não sei se haverá paciência
para tanto. [...] Nós já estamos aqui há quatro meses, ou quase cinco, e não
temos feito nada; ao menos agora que apareceu o projeto de Constitui-
ção, economizemos o tempo, não nos metamos em trabalhos inutilmente
demorados. Em Portugal as discussões eram menos longas porque, em
regra, falariam 14 deputados, e entre nós são muito mais os que falam;
[...]. O argumento que parece de mais peso é o que se funda na obrigação
de darmos à Constituição a maior perfeição possível; mas não sei como
não se repara que as constituições recebem essa perfeição do decurso dos
tempos e da experiência, como tem acontecido às que conhecemos, sem
excetuar a da Inglaterra, feita, por assim dizer, de pedaços, à medida que
se foram reconhecendo as alterações de que precisava. (Brasil, 1880, p. 98)

O deputado Carneiro da Cunha acompanhou a opinião de Montezuma,


alegando que “a nação brasileira não se mostra tão sôfrega como o povo de
Portugal; é mais moderada em seus desejos” (Brasil, 1880, p. 98). Já Souza
Mello, também contrário ao parecer da Comissão de Constituição, alegou,
entre outros motivos, a vantagem da demora, para que assim “todos ou
quase todos os deputados do império tenham parte nesta grande obra”.
À segunda discussão, estariam “reunidos neste augusto recinto os que nos
faltam” (Brasil, 1880, p. 99).
José Bonifácio falou outra vez e, em meio a ironias, manifestou sua con-
cepção sobre constituições:

Estou persuadido que a boa Constituição é aquela que o povo quer


executar; donde concluo que, para não ser a nossa papel borrado, como

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


118

têm sido muitas da Europa, é preciso que seja apropriada ao país, e com
analogia aos sentimentos e princípios que se têm arraigado geralmente
nos povos. (Brasil, 1880, p. 99)

Muniz Tavares voltou a citar o exemplo de Portugal:

O entusiasmo era lá extraordinário pelos deputados da Assembleia,


mas logo que entraram a demorar-se com a Constituição, perdeu-se de
todo o respeito que lhes era devido como representantes da nação, e
falava-se claramente que se demoravam para não perderem tão depressa
a moeda diária, e outras patifarias dessa natureza. (Brasil, 1880, p. 100)

O deputado Alencar manifestou seu respeito pela opinião pública:

Logo que a Comissão nos apresentou o projeto de Constituição, man-


damos imprimir não só o número suficiente para os Srs. Deputados, mas
uma grande cópia de exemplares para se divulgar por toda a nação; e uma
das razões mais fortes, que se deram para este procedimento, foi que era
necessário ouvir a opinião pública para nos amoldarmos a ela quanto
fosse possível. (Brasil, 1880, p. 100)

E adiante: “um tal edifício, em que deve basear a felicidade não só da


geração presente, como das futuras, não pode ser obra de um momento”
(Brasil, 1880, p. 100).
Costa Aguiar observou: “Se somente este parecer nos tem custado duas
sessões, quantas em verdade não levará cada uma das discussões pela ma-
neira que se projeta!” E mais adiante: “eu sinto, mas é forçoso confessar,
que, com a vontade excessiva, ou para melhor dizer, comichão de falar, que
temos constantemente aqui observado, nem em dois anos aparecerá sancio-
nada a Constituição” (Brasil, 1880, p. 101).
Ao final dos debates, foi decidido que o projeto passasse por duas
discussões.
Quanto ao quórum mínimo ou “número de deputados para formar Casa”
(Brasil, 1880, p. 109), como então se expressavam, para a votação de matéria
constitucional, decidiu a Assembleia que era necessária a presença de dois
terços dos 78 deputados então empossados, vale dizer, 52 deputados, ao
passo que, no caso de matérias infraconstitucionais, bastaria que se obti-
vessem apenas 27 votos.
Quanto ao ritmo do debate do projeto, a verificação de que gastaram
32 sessões para a primeira discussão dos 24 primeiros artigos do projeto,
aos quais os deputados ofereceram 139 emendas, leva-nos a inferir que
Costa Aguiar tinha alguma razão. No ritmo que a Assembleia estava, levaria
cerca de dois anos para concluir sua obra principal.

Capítulo V
119

Fontes do projeto de Constituição


José Honório Rodrigues (1974, p. 103) afirmou que Antônio Carlos buscou as
bases de sua carta constitucional no Apostolado, sociedade secreta de cunho
maçônico fundada por José Bonifácio. “Nela, tal como na Constituinte, foi
Antônio Carlos o relator do projeto e já aos 22 de março de 1823 discutiam-
-se os 16 artigos por ele apresentados”.
Em 1840, discursando na sessão de 13 de abril, Antônio Carlos deu este
depoimento:

A nossa Constituição é uma perfeita cópia das outras, nada tem de


particular; se é malfeita, é porque se lhe coseram os retalhos das outras.
Esta Constituição é mais obra minha do que de ninguém. Eu apresentei
o projeto na Constituinte: os Srs. Conselheiros de Estado nada fizeram
senão acrescentar duas ou três coisas, com as quais talvez aumentaram a
desordem que havia no projeto. (Brasil, 1884b, p. 28)

Já em 24 de abril de 1840, enquanto se discutia emenda do Senado a


artigo da Lei do Orçamento relativo à pasta dos Negócios Estrangeiros, o
mesmo parlamentar completou seu depoimento:

[...] segundo a índole do sistema representativo, não pode nem deve


ninguém consentir no imposto senão a Câmara dos Deputados. [...]
A nossa Constituição seguiu este mesmo trilho, e nem podia ser de outro
modo. Alguns Srs. ignoram como ela foi formulada; eu tive grande parte
na sua confecção. Eu tive nela grande parte; todo o mundo sabe que na
Assembleia Constituinte juntamo-nos sem plano; não havendo bases
em que assentasse a discussão, nomeou-se uma comissão para tratar da
Constituição; eu fui um dos nomeados, o atual regente foi outro, meu
falecido irmão outro; e além destes, o finado marquês de Inhambupe, o
Sr. Muniz Tavares e meu sobrinho Costa Aguiar; eu tive a honra de ser
nomeado presidente desta comissão; em pouco, apresentaram os seus
trabalhos, e eu tive a sem-cerimônia de dizer que não prestavam para
nada; um copiou a Constituição portuguesa, outro, pedaços da Consti-
tuição espanhola.
À vista destes trabalhos, a nobre comissão teve a bondade de incumbir-
-me da redação da nova Constituição: e que fiz eu? Depois de estabelecer
as bases fundamentais, fui reunir o que havia de mais aplicável ao nosso
Estado; mas no curto prazo de 15 dias para um trabalho tão insano, só
pude fazer uma obra imperfeita. Eu o disse quando a apresentei à Assem-
bleia Constituinte; mas lembrei que a fosse melhorando pouco a pouco;
a Constituição atual é pura cópia de quanto ali escrevi, apenas diverge a
respeito de impostos, a respeito do elemento federal, que nos tem dado
que entender, e a respeito de direitos naturais escritos. Ora, esta Cons-
tituição que os Srs. Conselheiros de Estado coordenaram é tirada da
Constituição francesa em grande parte, e da de Noruega em outras.
(Brasil, 1884b, p. 109)

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


120

Dos 24 primeiros artigos do projeto de Constituição, as matérias que


mais foram objeto de debate, ou pelo menos as matérias que mais espaço
do Diário da Assembleia ocuparam, foram, inicialmente, empatadas, as
questões da cidadania brasileira e da liberdade religiosa. Em seguida, outro
assunto que muito ocupou os parlamentares foi a definição do território
nacional e das províncias brasileiras. Em terceiro lugar em volume de deba-
tes, esteve a instituição do júri. Todos esses debates foram extremamente
ricos e eruditos.
Costuma-se apontar, como o grande mérito do projeto constitucional
apresentado na Assembleia por Antônio Carlos, que o texto era pratica-
mente idêntico ao da Constituição de 1824, com a grande diferença de nesta
ter sido introduzida um quarto poder, o Poder Moderador. Note-se, no en-
tanto, que ao longo dos debates surgiu a ideia de um Poder Moderador vin-
culado à pessoa do monarca, ainda que não como cristalização de um poder,
e, por conseguinte, não como um capítulo à parte.
No entanto, somos de parecer que a medida real e mais justa para a afe-
rição de qualidade da obra da Constituinte está, antes, em ter ela sido quase
idêntica à de Constituição de 1824 e esta, ainda que sob a forma outor-
gada, o que em muito lhe maculou,50 ter vigorado pelo tempo que durou a
monarquia brasileira, tendo chegado à provecta idade de 65 anos. Quando
foi ab-rogada pela insubordinação militar de 1889, era já a segunda mais
antiga Constituição vigente no mundo. Ademais, o texto constitucional era
flexível o bastante para acompanhar e adaptar-se às enormes alterações so-
ciais pelas quais o Brasil passou no século XIX. Digno de ser lembrado é,
outrossim, que o texto da Carta de 1824 foi alterado apenas uma única vez,
ao longo de toda a sua vigência.
É provável que o segredo da longevidade do texto redigido por Antônio
Carlos tenha sido justamente aquele apontado por José Bonifácio transcrito
anteriormente e aqui retomado:

A boa Constituição é aquela que o povo quer executar; donde concluo


que, para não ser a nossa papel borrado, como tem sido muitas da Europa,
é preciso que seja apropriada ao país e com analogia aos sentimentos e
princípios que se têm arraigado geralmente nos povos. (Brasil, 1880, p. 99)

50 D. Pedro I não aceitava que a Constituição houvesse sido simplesmente “outorgada” uma vez que
a submeteu ao crivo das câmaras municipais de todo o Brasil, recebendo delas o pedido para que o seu
texto entrasse imediatamente em vigor. O imperador teria apenas anuído com o pedido dos “povos do
Brasil” que teriam se manifestado por suas câmaras locais.

Capítulo V
121

CAPÍTULO VI

Dissolução da Constituinte

Antecedentes
Quando da convocação da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do
Império do Brasil, em 3 de junho de 1822, era importante marcar posição
frente às Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portu-
guesa, as cortes de Lisboa, cuja atividade legislativa para o reino do Brasil
era vista como ofensivamente desagregadora. Na época, não se colocava em
dúvida a manutenção dos vínculos do Reino Unido; pelo contrário, a justi-
ficativa da sua convocação era justamente reforçar os laços com Portugal,
porém dentro de um quadro que fosse considerado justo.
Contudo, em fins de agosto de 1822, aportou no Rio de Janeiro, vindo
de Lisboa, o navio Quatro de Abril. Trazia novas de Portugal, bem como
uma série de decretos das cortes de Lisboa que, na visão dos deputados
lisboetas, trariam de volta à obediência o reino do Brasil, bem como seu
regente. Tais decretos suprimiam os poderes de D. Pedro e determinavam a
prisão de José Bonifácio e outros colaboradores da causa da Independência.
D. Pedro encontrava-se em viagem por São Paulo. Respondia pelo governo
do reino do Brasil D. Leopoldina, assessorada pelo ministro e secretário de
Estado José Bonifácio de Andrada e Silva.
As correspondências vindas de Portugal, entre as quais uma de Antônio
Carlos, então deputado constituinte nas cortes de Lisboa, para José Bo-
nifácio na qual descrevia o ambiente radical nas cortes e as verdadeiras
intenções de fazer retornar o Brasil a um estado de colônia, prender José
Bonifácio e obrigar em breve o regresso de D. Pedro a Portugal. Os decretos
chegados de Portugal, nesse sentido, deram origem a uma série de aconte-
cimentos.
Após se inteirar do conteúdo dos documentos, D. Leopoldina, aconse-
lhada por José Bonifácio, convocou imediatamente o Conselho de Estado,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


122

composto pelos ministros de Estado e pelos procuradores das províncias,


para deliberarem acerca de como reagir. Em 2 de setembro, o Conselho con-
cluiu que a manutenção dos vínculos políticos com Portugal tinha se tor-
nado inviável e que a solução seria a ruptura total desses laços. De imediato
escreveram ao príncipe D. Pedro aconselhando-o, unanimemente, a declarar
a independência do Brasil, o que ocorreu nas margens do riacho Ipiranga,
nas cercanias da cidade de São Paulo, quando D. Pedro recebeu as cartas de
D. Leopoldina e de José Bonifácio.
Proclamada a Independência, e até mesmo para simbolizar a irreversibi-
lidade da situação, em 12 de outubro de 1822, D. Pedro, já de volta ao Rio de
Janeiro, foi aclamado imperador e, em 1º de dezembro daquele mesmo ano,
sagrado e coroado imperador do Brasil.
Ou seja, em abril de 1823, quando têm início as sessões preparatórias
da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, o quadro político havia se
alterado profundamente.
Os primeiros trabalhos da Assembleia, em maio, foram tranquilos e pací-
ficos. Cada deputado seguia suas inspirações e suas luzes. Não havia maioria
arregimentada, nem oposição constituída, nem grupos.
Em matérias importantes via-se Antônio Carlos opondo-se a pareceres
de José Bonifácio, de Martim Francisco, de Montezuma, com os quais, aliás,
votava outras vezes.
Salvo pontos importantes de doutrina, em que havia, por vezes, discur-
sos desenvolvidos, cada um apresentava singelamente e sem arte suas con-
siderações, que de momento o assunto lhe sugeria. Na discussão não havia
plano anteriormente formado.
José Bonifácio estava então à frente do governo e a mais completa har-
monia reinava entre o monarca e a Assembleia.
A Constituinte procedeu sempre com a maior circunspecção e gravi-
dade, guardando a mais estrita deferência para com a pessoa do impera-
dor, já anteriormente aclamado, e cujo direito foi desde logo declarado pela
Assembleia e posto fora de discussão.
Entretanto, em 17 de julho, o Gabinete Andrada foi dissolvido e subs-
tituído por uma nova administração, composta de homens que tinham a
reputação de mais moderados, porém em sua maioria portugueses.
Como era natural, seguiu-se na política do Ministério completa mu-
dança. A nova política era favorável aos portugueses, para espanto geral e
decepção de grande parte da sociedade.
A rivalidade entre brasileiros e portugueses crescia dia a dia desde que
os Andradas se retiraram do poder, porque D. Pedro passou a ser dominado

Capítulo VI
123

e aconselhado por Domitila, Francisco Gomes, o Chalaça, e João da Rocha


Pinto, que serviam somente aos interesses portugueses.
Entre outros atos, o governo, pela Portaria de 2 de agosto de 1823, expe-
dida pelo ministro da Guerra, João Vieira de Carvalho, nascido em Portugal,
ordenou que os soldados portugueses feitos prisioneiros na Bahia pela
guerra da Independência fossem incorporados ao exército brasileiro.
Não estando ainda o Brasil reconhecido por Portugal, e havendo-se ope-
rado completa mudança nos acontecimentos políticos, essa medida era pelo
menos impolítica e provocou imprudentemente desconfianças sobre os pla-
nos do governo, sobretudo depois da queda dos Andradas.
A Assembleia pediu contas ao governo pela adoção de uma medida tão
grave, e os deputados Montezuma e Antônio Carlos profligaram com ener-
gia esse proceder do ministro da Guerra.
Não havia, contudo, na Assembleia oposição sistemática, nem ainda ar-
regimentada. Membros proeminentes apoiavam, muitas vezes, com o voto e
com a palavra, medidas importantes, pedidas pelo ministério para o desen-
volvimento de sua política.
O governo, porém, não estava acostumado a essas contrariedades, a essa
fiscalização severa de seus atos.
Daí nascia um antagonismo vivo e flagrante, uma irritação sempre cres-
cente entre a Assembleia e o governo, que veio complicar-se ainda mais com
as rivalidades de nacionalidade.
O governo, até então independente e livre de peias, sofria agora com
constrangimento a ação de um poder soberano, que lhe ditava a lei e lhe
tomava contas.
No desconhecimento dos recursos do sistema parlamentar, o Poder
Executivo tomava como ataque a qualquer censura feita a seus atos.
Não estando afeito às exigências do regime constitucional, o governo,
desde que viu formar-se uma oposição à sua política, estremeceu e passou
então a reagir contra ela.

Vínculos entre pai e filho


Era público que D. Pedro sempre se comunicava com D. João, dando-lhe
não apenas ciência de seus atos como os justificando frente aos últimos
acontecimentos nos dois países. Para D. Pedro, até setembro de 1822, os
“inimigos” da causa do Brasil eram sempre as “facciosas, horrorosas, ma-
quiavélicas, desorganizadoras, hediondas e pestíferas cortes” (Arquivo

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


124

Nacional, 1973, p. 312), que mantinham o bom monarca lusitano, D. João,


como virtual prisioneiro, anulando-o politicamente.51 Essa postura alterou-
-se completamente com a proclamação da Independência. Agora, é Portugal
como um todo que passa a ser o inimigo: “de Portugal nada, nada; não
queremos nada” (Arquivo Nacional, 1973, p. 312), escreveu D. Pedro ao pai.
Mas D. João, pessoalmente, continuou sendo respeitado: “Deus guarde a
preciosa vida e saúde de Vossa Majestade, como todos nós brasileiros dese-
jamos. Sou de Vossa Majestade, com todo o respeito, filho que muito o ama,
e súdito que muito o venera” (Arquivo Nacional, 1973, p. 313).
Com a chegada ao Brasil da notícia da Vilafrancada, movimento militar
iniciado pelo infante D. Miguel através do qual D. João, colocando-se a sua
frente, restaurou seu poder absoluto em fins de maio de 1823, e dada a co-
nhecida natureza volúvel de D. Pedro, inclinado a rompantes ora de liberal
exaltado, ora típicos de absolutista empedernido, nasceu a desconfiança
dos deputados com relação às intenções do imperador. Essas desconfianças
iriam se tornar cada vez mais fortes com a luta política que o monarca co-
meçou a travar com os deputados.

Incorporação de oficiais portugueses


no Exército brasileiro
Na Independência, vários dos que tomaram o partido de D. Pedro e, por
consequência, do Brasil haviam nascido em Portugal, como o próprio impe-
rador, assim como vários nascidos no Brasil tomaram o partido das cortes
de Lisboa. A resistência ao governo de D. Pedro cristalizou-se nas províncias
em que o elemento militar português era preponderante: no Norte, Bahia,
Maranhão e Grão-Pará, e no extremo Sul, Cisplatina.
As tropas brasileiras, após luta renhida, venceram as tropas fiéis a Portu-
gal existentes naquelas províncias. Mas, ainda antes de firmada a paz, como
já dito, o ministro da Guerra ordenara, por uma portaria, que pudessem
passar aos corpos do Exército brasileiro “as praças de pret” remanescen-
tes dos corpos portugueses prisioneiros na Bahia que assim o desejassem.
Varnhagen, visconde de Porto Seguro (2010, p. 245), alegava que se tratava
de mera repetição do que, naquele mesmo ano, se havia praticado no Rio de

51 Entre outras citações, destaca-se a seguinte, em carta de D. Pedro I ao pai datada no Rio de Ja-
neiro de 22 de setembro de 1822: “Eu e meus irmãos brasileiros lamentamos muito e muito o estado
de coação em que Vossa Majestade jaz sepultado. [...] E como eu agora, mais bem informado, sei que
Vossa Majestade está positivamente preso [...]” (Arquivo Nacional, 1973, p. 311).

Capítulo VI
125

Janeiro com os soldados da Divisão Auxiliadora de Avilez e, logo em seguida,


com a expedição de Maximiano de Sousa. O que Porto Seguro não levava em
consideração é que nem os soldados de Avilez nem as tropas de Maximiano
de Sousa chegaram a entrar em combate contra as forças brasileiras.
O fato é que a decisão abespinhou sobremaneira os brios nacionalistas
da Assembleia Constituinte, ao permitir o ingresso dos oficiais, que assim o
quisessem, nas fileiras do Exército brasileiro.
A reação não se fez por esperar. Na sessão de 22 de maio, o deputado
Francisco Muniz Tavares apresentou um polêmico projeto de lei segundo o
qual, in verbis:

A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil


decreta:
1º Aqueles portugueses que presentemente residem no Brasil com in-
tenção de permanecer e que têm dado provas não equívocas de adesão à
sagrada causa da Independência, e à augusta pessoa de S.M. Imperial, são
declarados cidadãos brasileiros.
2º Aqueles, porém, cuja conduta for suspeita, o governo fica autori-
zado, por espaço de três meses, contados do dia da publicação do presente
decreto, a fazer retirar imediatamente para o seu país.
3º Posto que se franqueie a livre entrada a todos os estrangeiros, e por
consequência aos portugueses que desejarem estabelecer-se neste vasto
e rico império, todavia nenhum será jamais admitido a qualquer lugar de
honra, confiança e interesse, depois da publicação do presente decreto
em diante, sem que preceda carta de naturalização concedida pelo go-
verno, para o que haverá o mais rigoroso escrúpulo, marcando-se desde
já, enquanto não se conclui a Constituição, sete anos de residência não
interrompidos, e possessão de propriedade territorial.
4º O decreto de 14 de janeiro do presente ano não se julgará por este
revogado, antes fica em pleno vigor.
Paço da Assembleia, 10 de maio de 1823.
Francisco Muniz Tavares (Brasil, 1876, p. 133)

Nas palavras de Octávio Tarquínio de Sousa (1988b, p. 35), “nenhuma


questão mais melindrosa poderia ser agitada na Constituinte”. Em um
ambiente repleto de nascidos em Portugal, a começar pelo próprio recém-
-sagrado imperador, passando por grande parte da oficialidade do Exército,
a proposta, como não poderia deixar de ser, gerou muitos debates e polê-
micas. Antônio Carlos e Martim Francisco, dois dos Andradas presentes na
Constituinte, ainda que fossem indiscutivelmente liberais, levantaram suas
vozes para apoiar o projeto. Contramanifestaram-se inicialmente Henriques

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


126

de Resende e Alencar, ambos padres e veteranos de 1817, como o era o pró-


prio Muniz Tavares.
Na sessão de 20 de junho, Carneiro da Cunha se manifestou contra o
projeto declarando-o “pacto da inconsideração, impolítico e injustíssimo”
(Brasil, 1877, p. 124) que provocava não só a revolta dos reinóis como a
de todos os espíritos liberais. A questão só foi resolvida na sessão de 25 de
junho, quando a proposta foi definitivamente derrotada. No entanto, os
debates legaram à Constituinte não apenas a desconfiança, mas também
muita má vontade da numerosa comunidade portuguesa então existente, e
influente, em todo o Brasil.
Posteriormente, a Portaria de 2 de agosto de 1823, que, como afirmamos,
permitia que os prisioneiros portugueses da Bahia, da guerra da Indepen-
dência, fossem incorporados ao Exército brasileiro, reacendeu o conflito.
A Assembleia pediu contas ao governo, explicações do porquê adotar me-
dida tão grave. Montezuma e Antônio Carlos criticaram com energia esse
proceder do ministro, que diante de tamanha celeuma acabou voltando
atrás, anulando a portaria poucas semanas depois.
Foi a rivalidade entre lusos e brasileiros o pano de fundo do incidente
que envolveu o boticário David Pamplona Corte Real, que, conforme ve-
remos, serviu de estopim para a dissolução da Assembleia Constituinte
de 1823.

Extinção do juízo dos


defuntos e ausentes
José Honório Rodrigues (1974, p. 198 e segs.) enxergava, ainda, uma desa-
vença econômica que teria contribuído para minar o relacionamento entre
a Assembleia e o imperador. Segundo o grande historiador, a análise do
projeto que visava à extinção do juízo dos defuntos e ausentes deve ter sua
importância revista, já que atingia a fundo interesses econômicos portu-
gueses e tentava travar a remessa de capitais do Brasil para Portugal, além
de liberar para uso brasileiro recursos de ausentes e defuntos, em grande
parte portugueses.
José Honório lembra que foi justamente na discussão desse projeto que
Maciel da Costa, o futuro marquês de Queluz e último presidente da As-
sembleia, advertiu e ameaçou a Constituinte de dissolução. Sua advertência
teria sido tão severa que provocou imediata reação de Vergueiro.

Capítulo VI
127

Não teria importado, segundo José Honório, a rejeição do projeto de lei.


A simples tramitação da proposição teria demonstrado – aos grandes inte-
resses econômicos portugueses, que, naquele momento, coadjuvados pela
marquesa de Santos, já tinham substituído os Andradas junto ao imperador
– os excessos a que a Assembleia poderia chegar se continuasse livremente
a rever a legislação então vigente.
Aos perigos do crescente nacionalismo político somar-se-iam os receios
de um nacionalismo econômico que os Andradas e seus aliados defenderiam
no seio da Assembleia.

Dúvidas com relação às


intenções de D. Pedro
Podemos, ademais, acrescentar a todos esses fatores a crescente descon-
fiança acerca da conduta de D. Pedro quando, no primeiro aniversário do
Grito do Ipiranga, aportou no Rio de Janeiro um brigue português, que
hasteava bandeira parlamentar e trazia a bordo o marechal Luiz Paulino
Pinto da França, antigo deputado baiano nas cortes de Lisboa que não
tinha aderido à Independência do Brasil, tendo permanecido obediente a
D. João. O marechal era portador de despachos d’el-rei ao filho. O imperador
recusou-se firmemente a recebê-los. O fato ecoou na Assembleia Consti-
tuinte em discursos cheios de verve patriótica da lavra dos Andradas e de
Carneiro da Cunha.
Oficiou-se ao governo com pedido de esclarecimentos e, em resposta,
D. Pedro mandou dizer “não entrar em conferência nem ajustes ou conven-
ções quaisquer com o governo português, sem que lhes servisse de base e
condição sine qua non o reconhecimento da independência política deste
império e da sua imperante dinastia”. A comunicação de Carneiro de Cam-
pos salientava o desejo do imperador de “mostrar sempre a sua íntima con-
formidade com a Assembleia Geral” (Brasil, 1880, p. 55). O marechal Luiz
Paulino Pinto da França, inicialmente proibido de desembarcar, terminou
por fazê-lo em função do grave estado de sua saúde, indo hospedar-se na
casa de um cunhado, onde faleceu, pouco tempo depois.
Logo após a chegada do marechal, aportou no Rio de Janeiro outro
navio português, que serviria para aumentar ainda mais a desconfiança
acerca das verdadeiras intenções de D. Pedro. Em 18 de setembro de 1823,
a corveta Voadora chegou ao Rio de Janeiro. Nela vinha o conde de Rio
Maior, em missão pessoal de Sua Majestade Fidelíssima, trazendo nova

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


128

correspondência privada do rei para D. Pedro e D. Leopoldina. O objetivo


da missão era recompor o Brasil com Portugal, nos termos que os depu-
tados brasileiros tinham em vão proposto no âmbito das cortes de Lisboa
em 1822.
D. Pedro, invocando o estado de guerra então existente entre Brasil e
Portugal, e sabedor do humor da Assembleia Constituinte, decidiu não re-
ceber o emissário de seu pai, que também foi proibido de desembarcar, nem
a correspondência lacrada que o conde de Rio Maior trazia. O imperador
declarou que apenas o receberia se ele trouxesse poderes específicos para
reconhecer imediatamente a completa Independência do Brasil, poderes
que o conde não tinha.
Não obstante a conduta pública de D. Pedro, grassou entre vários depu-
tados a desconfiança de que o imperador havia recebido o conteúdo das car-
tas de seu pai, bem como se entrevistado com o conde ou com o moribundo
marechal. Os deputados passaram a desconfiar que, uma vez desfeitas as
cortes lisboetas, nada impediria que D. Pedro tomasse o caminho da recon-
ciliação com D. João e com a consequente reconstrução do Reino Unido. Isso
já não mais era aceitável para os nacionalistas da lavra dos Andradas.
Teve início uma fase extremamente nacionalista da Assembleia Consti-
tuinte, capitaneada pelos Andradas, que desde 16 de julho de 1823 já não
estavam mais no governo.

O caso de David Pamplona Corte Real


Ao longo das sessões seguintes à demissão dos Andradas, a tensão entre
D. Pedro I e a Assembleia foi tomando ares de conflito irreversível. Faltava
uma fagulha que fizesse a situação explodir. Essa fagulha foi a questão do
boticário David Pamplona Corte Real.
David Pamplona, boticário estabelecido no Largo da Carioca, no Rio de
Janeiro, em 5 de novembro, foi espancado pelo sargento-mor de artilha-
ria montada José Joaquim Januário Lapa, que se encontrava acompanhado
do capitão Zeferino Pimentel Moreira Freire, ambos nascidos em Portu-
gal. David foi confundido com o autor de uma carta publicada no jornal
Sentinella, que assinava como um “Brasileiro Resoluto”. No texto, os mili-
tares portugueses em geral, e os dois em particular, eram ofendidos em sua
honra pessoal, apontados como inimigos da Independência do Brasil.

Capítulo VI
129

Sentinella da Liberdade à Beira Mar da Praia Grande, n. 26 (23 out. 1823).


Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

David Pamplona apresentou requerimento à Assembleia Constituinte


reclamando providências a bem da segurança pública e individual dos cida-
dãos, em face da agressão que sofreu.
Na Assembleia, o primeiro pronunciamento da comissão que estudou o
caso foi no sentido de que o assunto dizia respeito à intendência de polícia,
para onde a matéria deveria ser remetida. Indo ao Plenário o parecer da co-
missão, Andrada Machado, juntamente com seu irmão, Martim Francisco,
discordou do andamento proposto declarando ser, sim, competência da As-
sembleia, uma vez que o atentado foi cometido pelo fato de a vítima ter
sido confundida com o patriota “Brasileiro Resoluto”. Em sua fala, rápida,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


130

incisiva e vibrante, na sessão do dia 10 de novembro, Antônio Carlos com-


bateu o parecer da Comissão de Justiça e propôs ao governo: “como, pela
sua natureza e circunstâncias, seja atacante da dignidade do povo brasi-
leiro, faça inquirir dele [o caso]; e que, verificados os autores, a Assembleia
o autoriza a expulsar do território do império os que o poluíram” (Brasil,
1884a, p. 285). As galerias vibraram aplaudindo vivamente o orador. Disse
Andrada Machado:

Sr. Presidente, assaz desagradável me é ter de dizer hoje coisas que


não sejam muito em decoro da Assembleia.
Na última sessão casos se passaram, que me obrigaram a perguntar a
mim mesmo: Ubinam gentium sumus? É no Brasil, é no seio da Assembleia
Geral Constituinte do Brasil que eu ergo a minha voz?
Como Sr. Presidente, lê-se um ultraje feito ao nome brasileiro na pes-
soa do cidadão David Pamplona, e nenhum sinal de marcada desaprova-
ção aparece no seio do ajuntamento dos representantes nacionais?
Diz até um representante nacional que ele mesmo se não acha seguro,
e nenhuma mostra de indignação dão os ilustres deputados?
Morno silêncio da morte, filho da coação, peia as línguas; ou o sorriso,
ainda mais criminoso, da indiferença, salpica os semblantes.
Justo céu! E somos nós representantes? De quem? Da nação brasileira
não pode ser.
Quando se perde a dignidade, desaparece também a nacionalidade.
Não, não somos nada, se estúpidos vemos, sem os remediar, os ultrajes
que fazem ao nobre povo do Brasil, estrangeiros que dotamos nacionais,
e que assalariamos para nos cobrirem de baldões.
Como disse, pois, a comissão que o caso devia remeter-se ao Poder
Judiciário, e que não era da nossa competência? Foi ele simples violação
de um direito individual, ou antes um ataque feito a toda a nação?
Foi o cidadão ultrajado e espancado por ter ofendido os indivíduos
agressores, ou foi por ser brasileiro, e ter aferro e afinco à independência
do seu país, e não amar o bando de inimigos, que por descuido nosso
se têm apoderado das nossas forças? Os cabelos se me eriçam, o sangue
ferve-me em borbotões à vista do infando atentado e quase maquinal-
mente grito: vingança!
Se não podemos salvar a honra brasileira, se é a incapacidade, e não
traição do governo, quem acoroçoa os celerados assassinos, digamos ao
iludido povo, que em nós se fia: “brasileiros, nós não vos podemos assegu-
rar a honra e a vida; tomai vós mesmos a defesa da vossa honra e direitos
ofendidos.
Mas será isto próprio de homens, que estão na nossa situação? Não
por certo; ao menos eu trabalharei, enquanto tiver vida, por corresponder
a confiança, que em mim pôs o brioso povo brasileiro.

Capítulo VI
131

Poderei ser assassinado; não é novo que os defensores do povo sejam


vítimas do seu patriotismo; mas meu sangue gritará vingança, e eu pas-
sarei à posteridade como o vingador da dignidade do Brasil. E que mais
pode desejar ainda o mais ambicioso dos homens?
Ainda é tempo, Sr. Presidente, de prevenirmos o mal, enquanto o vul-
cão não arrebenta: desaprove-se o parecer da comissão; reconheça-se a
natureza pública e agravante do ataque feito ao povo do Brasil; punam-
-se os temerários, que ousaram ultrajá-lo, abusando da sua bondade; não
poluam mais com a sua impura presença o sagrado solo da liberdade, da
honra, e do brio; renegue-os o império, e os expulse do seu seio.
Isto insta, Sr. Presidente, os assassínios repetem-se; ainda ontem foi
atacado por ímpios rufiões um brasileiro de Pernambuco Francisco An-
tônio Soares. Se a espada da justiça se não desembainha, se toda a força
nacional não esmaga os encelados, que querem fazer-nos guerra por trai-
ções noturnas somos a zombaria do mundo, e cumpre-nos abandonar
os lugares que enxovalhamos com a nossa gestão. Eu mando à mesa a
minha emenda:
“Diga-se ao governo que, apesar de parecer o caso proposto de inte-
resse individual, como pela sua natureza e circunstâncias, seja atacante
da dignidade do povo brasileiro, faça inquerir dele, e que, verificados os
autores a Assembleia o autoriza para expulsar do território do impé-
rio os que o poluíram. Andrada Machado Foi apoiada”. (Brasil, 1884a,
p. 284-285)

Martim Francisco tomou em seguida a palavra e seguiu pelo mesmo dia-


pasão de seu irmão, com a mesma brava desenvoltura:

Legisladores! Trata-se de um dos maiores atentados; de um aten-


tado que ataca a segurança, e dignidade nacional, e indiretamente o
sistema político por nós adotado e jurado. Quando se fez a leitura de
semelhante atrocidade, um silêncio de gelo foi nossa única resposta, e
o justo receio de iguais insultos à nossa representação, nem sequer fez
somar em nossos rostos os naturais sentimentos de horror e indigna-
ção. Dar-se-á caso que, submergidos na escuridão das trevas, tememos
encarar a luz? Que amamentados com o leite impuro do despotismo,
amamos ainda seus ferros e suas cadeias? Ou que, vergados sob o peso
de novas opressões, emudecemos de susto, e não sabemos deitar mão
da trombeta da verdade, e com ela bradar aos povos: “sois traídos!” To-
davia, não antecipemos juízos: não tiremos ainda consequências; con-
sideremos o fato por todas as suas faces, com todas as circunstâncias, e
acessórios, que o acompanharam e agravaram; então poderemos classi-
ficar a natureza do crime, ou crimes cometidos. Disse-se que semelhante
atentado estava no caso dos crimes ordinários, e era filho dos abusos da
imprensa: examinemo-lo. Na noite do dia tal, eram 7 para as 8 horas,
foi atacado em sua botica no largo, e ao pé da Guarda da Carioca, o
boticário David Pamplona, pelo argento-mor Lapa, e capitão Moreira,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


132

e horrivelmente espancado. E por quê? Por ser brasileiro resoluto! Por


quem? Por perjuros, que menoscabando a religião do juramento, e co-
bertos com o manto postiço e emprestado de brasileirismo, pagam o
benefício de os havermos incorporado à nossa nação, com repetidas
traições, e persuadidos talvez de impunidade, cevam seu ódio contra
nós, derramando o nosso sangue, e solapando indiretamente as bases
da nossa Independência. Infames! Assim agradecem o ar que respiram,
o alimento que os nutre, a casa que os abriga, e o honorífico encargo de
nossos defensores, a que indiscretamente os elevamos! Que fatalidade,
brasileiros! Vivem entre nós estes monstros, e vivem para nos devorar!
Note-se que a Guarda não acudiu, estando próximo, e devemos crer
que teve ordem para isto: que não houve abuso de imprensa, houve
sim culpa de ser brasileiro, e resoluto. Grande Deus! É crime amar o
Brasil, ser nele nascido, e pugnar pela sua Independência, e pelas suas
leis! Ainda vivem, ainda suportamos em nosso seio semelhantes feras!
(Brasil, 1884a, p. 285)

Estrugiam os apoiados de vários deputados, e o povo que enchia as gale-


rias e que, a pedido de Alencar, se espraiava pelo próprio recinto, aplaudiu
aos gritos, com entusiasmo incontido. O deputado João Severiano Maciel
da Costa, presidente, recomendou silêncio, lembrando o Regimento, mas os
gritos continuaram. Tal era a algazarra que o presidente, futuro marquês de
Queluz, declarando não haver condições de deliberar, encerrou antecipa-
damente a sessão. Antônio Carlos e Martim Francisco saíram do edifício da
Assembleia carregados nos braços. Era 13h20 do dia 10 de novembro.
Esse é o episódio que viria a servir de base para o governo declarar tu-
multuada a Assembleia. De fato, os discursos foram fortes, veementes inci-
tadores.

Noite da Agonia
A intensidade e o vigor dos debates não se restringiam ao plenário da As-
sembleia e reverberavam em inflamados artigos publicados nos periódicos
da capital.
Estremecidas, assim, as relações entre a Assembleia e o governo, a tropa,
cuja maior parte era composta de portugueses, interveio na questão e assu-
miu arrogantemente uma atitude hostil à Constituinte. A esse crime militar,
o historiador deve dizê-lo com dor, foi sacrificada a primeira Assembleia
Constituinte do Brasil, encarnação da soberania nacional.
Dominados pelo espírito faccioso, os oficiais da guarnição da corte, pou-
cos dias antes, em 1° de novembro, dirigiram-se ao palácio de São Cristóvão
e apresentaram uma petição ao imperador, pela qual exigiam a expulsão dos

Capítulo VI
133

Andradas do seio da Constituinte, o fechamento de periódicos, especifica-


mente O Tamoyo e o Sentinella da Liberdade à Beira Mar da Praia Grande, e
também satisfação por parte da Assembleia acerca dos insultos.

O Tamoyo, n. 1 (12 ago. 1823).


Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

Em vez de punir os militares culpados, o governo, dominado da


maior animosidade contra a Assembleia, participou o fato à Consti-
tuinte, assegurando-lhe a perfeita subordinação da tropa e pedindo-lhe
medidas adequadas para manter a tranquilidade pública.
Discutia-se, justamente naqueles dias, uma nova lei acerca do abuso da
liberdade de imprensa, tendo sido objeto da Ordem do Dia na sessão de 10
de novembro.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


134

D. Pedro teria respondido àquela petição que a exclusão dos deputados


era inviável por ser flagrantemente ilegal. Mas, ao mesmo tempo, deter-
minou, naquele dia, a reunião de todos os corpos militares da cidade no
palácio de São Cristóvão.
A Assembleia, tomada de espanto pela movimentação militar na capital,
alvoroçou-se. No dia seguinte, na sessão de 11 de novembro, tomou a pala-
vra, mais uma vez, o deputado Antônio Carlos para propor que a Assembleia
se declarasse em sessão permanente:

Sr. Presidente, tenho que fazer uma proposta, que requeiro se tome
logo em consideração para se deliberar sobre ela. A situação da capital do
Rio de Janeiro me determina a fazê-la. O dia de ontem foi um dia muito
notável; as tropas estiveram em armas toda a noite e, correndo a cidade,
a puseram em geral inquietação; os cidadãos pacíficos não dormiram; e
propagando-se vozes de se atacarem alguns deputados, foi preciso tomar
cautelas, e velar em defesa própria.
À vista disto, cumpre-nos, como sentinelas da nação, vigiar pela sua
segurança.
Sua Majestade acha-se atualmente no seu palácio rodeado de todos
os corpos, até dos de artilharia, o que indica haver causa que, suposto a
não conheçamos, deve ser da mais alta consideração. E como nós somos
responsáveis à nação, proponho que esta Assembleia se declare em sessão
permanente, e que se destine uma deputação para pedir a Sua Majestade
que pelo governo se nos transmitam os motivos de tão extraordinários
movimentos nas tropas, e o que obriga a que os corpos estejam com car-
tuchos embalados como prontos para ataque, quando não aparece razão
para isto. (Brasil, 1884a, p. 287)52

Posta em votação, acatou-se a recomendação. A Assembleia Constituinte


entrava em sessão permanente. Tinha início a derradeira sessão da primeira
Constituinte nacional, que passaria para a história sob o nome “Noite da
Agonia”.
Pela leitura da ata daquela sessão, vê-se que inicialmente havia dúvida
sobre o motivo da movimentação das tropas.
Antes de ser votada a indicação de Antônio Carlos para que a sessão se
transformasse em permanente, o presidente, deputado Maciel da Costa,
futuro marquês de Queluz, apresentou algumas explicações acerca da sua
resolução de levantar extemporaneamente a sessão do dia anterior. Essa de-
cisão “desagradou a alguns dos senhores deputados” (Brasil, 1884a, p. 287).
Em suma, declarou que a presença de populares no plenário provocou

52 Esse texto está disponível integralmente no Anexo IV.

Capítulo VI
135

tumulto, uma vez que não se comportaram e haviam tornado inviável qual-
quer deliberação.
Martiniano de Alencar e Antônio Carlos se manifestaram, em seguida,
declarando ter sido precipitada a decisão, pois com admoestações teria sido
possível contornar a situação.
É importante lembrar que uma das razões invocadas por D. Pedro I para
dissolver a Constituinte seria justamente o fato de a sessão do dia 10 de
novembro ter sido encerrada prematuramente em função do tumulto nela
imperante.
Então, foi colocada em votação a proposta de tornar permanente a
sessão, até que o anormal acantonamento das tropas em torno do palácio
de São Cristóvão se esclarecesse.
Montezuma apoiou integralmente a proposta, já Alencar pediu calma,
declarando que apenas concordava em solicitar explicações.
Seguiu-se o debate até que foi anunciada pelo secretário, deputado
Miguel Calmon, a presença, à porta, de oficial enviado pelo recém-
-empossado ministro do Império, o general Francisco Vilela Barbosa, futuro
marquês de Paranaguá, que trazia um comunicado do imperador, cujo teor
leu, in verbis:

Ilmo. e Exmo. Sr.


De ordem de Sua Majestade, o imperador, levo ao conhecimento de
V.Exa., para fazer presente à Assembleia Geral Constituinte e Legisla-
tiva deste império, que os oficiais da guarnição desta corte vieram no dia
de ontem representar submissamente a Sua Majestade Imperial os in-
sultos que têm sofrido no que diz respeito à sua honra em particular, e
mormente sobre a falta do alto decoro que é devido à augusta pessoa do
mesmo senhor, sendo origem de tudo certos redatores de periódicos, e
seu incendiário partido. Sua Majestade Imperial, tendo-lhes respondido
que a tropa é inteiramente passiva, e que não deve ter influência alguma
nos negócios políticos, querendo, contudo evitar qualquer desordem que
pudesse acontecer, deliberou, e saiu com a mesma para fora da cidade e
se acha aquartelada no campo de São Cristóvão. Sua Majestade, o impera-
dor, certificando primeiramente à Assembleia da subordinação da tropa,
do respeito desta às autoridades constituídas, e da sua firme adesão ao
sistema constitucional, espera que a mesma Assembleia haja de tomar
em consideração este objeto, dando as providências que tanto importam
à tranquilidade pública.
Paço, 11 de novembro de 1823. Francisco Vilella Barbosa.
Ilmo. e Exmo. Sr. Miguel Calmon du Pin e Almeida. (Brasil,
1884a, p. 290)53

53 Esse texto está disponível integralmente no Anexo IV.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


136

Estava dada a resposta ao segundo quesito da indicação de Antônio


Carlos. Não havia, todavia, insultos aos oficiais da guarnição da tropa, mas
censura a dois oficiais portugueses que tinham agredido David Pamplona,
supondo fosse ele o “Brasileiro Resoluto” que criticara, em carta publicada
no Sentinella, a admissão de soldados e oficiais portugueses ao Exército bra-
sileiro, medida condenável, enquanto se desenrolava a guerra entre Brasil
e Portugal.
O documento não revelava a verdadeira situação nacional, antes a disfar-
çava, fingindo uma discordância da tropa com a atuação de alguns membros
da Assembleia, quando eram somente os oficiais portugueses que agitavam
a tropa contra o Poder Legislativo.
Fazia-se mister responder ao ofício do imperador. A Assembleia delibe-
rou formar uma comissão especial de cinco membros que analisasse a indi-
cação de Antônio Carlos e simultaneamente oferecesse minuta de resposta
ao ofício recebido. Compuseram a comissão os deputados Araújo Lima, Ver-
gueiro, Caldeira Brant, barão de Santo Amaro e José Bonifácio. A comissão
retirou-se logo em seguida para desempenhar sua função.
Enquanto aguardavam as sugestões da Comissão Especial, teve início a
Ordem do Dia. Analisaram-se os artigos 22 a 24 do projeto de Constituição.
Em seguida, passou-se a analisar o requerimento de David Pamplona Corte
Real, cuja análise havia sido interrompida na sessão anterior.
O deputado Rodrigues de Carvalho, membro da comissão que analisou
o requerimento de David Pamplona, defendendo, em longo discurso, seu
ponto de vista, discorreu no sentido de que o acontecimento era, para ele,
muito ordinário, trivial. Que a causa verdadeira estava no abuso da liber-
dade de imprensa e na odiosa distinção entre brasileiros e portugueses. “Os
indignos periódicos desta cidade e de outras do Brasil têm sido a causa das
discórdias. Eu não leio Sentinella, Tamoyo e outros, porque deles só tiro afli-
ções e tormentos” (Brasil, 1884a, p. 292).
A seguir falou Martim Francisco, mas seu discurso foi perdido. Sabe-se,
por suas declarações anteriores, e pela resposta que veio a seguir, que mais
uma vez discordou do parecer da Comissão, que dissera tratar-se de mero
caso de polícia, não sendo, por conseguinte, matéria afeita à Assembleia
Constituinte.

Capítulo VI
137

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1861), de Sébastien


Auguste Sisson. Litografia em preto e branco.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

Por volta das 15h, o presidente interrompeu a discussão para dar a pa-
lavra ao deputado Vergueiro, que iria ler o parecer da Comissão Especial
relativo ao ofício do imperador que chegara à Assembleia. A conclusão do
parecer, após congratular-se com as medidas do imperador para manter a
ordem, foi no sentido de pedir melhores esclarecimentos sobre o conteúdo
do ofício lido. In litteris:

[...] Não pode, porém, a comissão conceituar cabalmente os motivos


verdadeiros e especiais que ocasionaram aquele triste acontecimento pela
generalidade com que vêm enunciados, ignorando-se se foram todos os
oficiais da guarnição, ou parte deles, e quantos os que representaram;
quais os insultos e sua natureza; quais os redatores de periódicos, e os
lugares em que se acham esses insultos; qual o partido incendiário, sua
força e objeto.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


138

A comissão entra em maior dúvida quando compara os acontecimen-


tos com a asserção do ministro sobre a subordinação da tropa, e respeito
da mesma às autoridades constituídas; o que serve a convencer a comis-
são que a crise se resolverá favoravelmente, e que o sossego e a quietação
pública se restabeleceram com facilidade e prontidão.
Ainda quando a comissão tivesse mais circunstanciadas informações,
é de parecer que ao governo compete empregar todos os meios que cabem
em suas atribuições, e lembrar a esta Assembleia as medidas legislativas e
extraordinárias que julgar necessárias; no que seguramente encontrará a
sua mais franca e eficaz cooperação; para o que é a comissão igualmente
de parecer que a Assembleia deve ficar em sessão permanente, até que
cheguem as informações especiais, acima indicadas, e as proposições do
governo. (Brasil, 1884a, p. 293)

O parecer da Comissão Especial foi aprovado, convertido em ofício e re-


metido ao ministro do Império, solicitando os complementos de informa-
ções. A resposta, clara e incisiva, ligeiramente irônica, veio somente à 1h da
madrugada:

Ilmo. e Exmo. Sr.


De ordem de S.M., o imperador, participo a V.Exa. que foi presente ao
mesmo senhor o ofício, que V.Exa. me dirigiu em nome da Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, datado de hoje, em
resposta a outro meu da mesma data [...]
S.M., o imperador, manda responder que sente infinito que a Assem-
bleia Geral Constituinte e Legislativa desconheça a presente crise, em que
se acha esta capital, crise que até se manifestou nesse augusto recinto a
ponto de suspender ontem a mesma Assembleia os seus trabalhos ex-
temporaneamente; o que, junto à representação dos oficiais de todos os
corpos da guarnição desta corte, por meio de uma deputação que veio à
augusta presença do mesmo senhor, deu motivo à prudente medida que
S.M. Imperial tomou de fazer marchar as tropas para o campo de São
Cristóvão, onde se conserva em toda a paz.
Desejando, porém, o mesmo senhor satisfazer em tudo à literal re-
quisição da mesma Assembleia, manda declarar que os periódicos, a que
se refere a representação mencionada, são os denominados Sentinella
da Praia Grande e o Tamoyo, atribuindo-se na mesma representação
aos Exmos. Deputados Andrada Machado [Antônio Carlos], Ribeiro de
Andrada [Martim Francisco], e Andrada e Silva [José Bonifácio], a in-
fluência naquele e a redação neste; o que muito custa a crer a S.M.
Imperial, sendo a consequência de suas doutrinas produzir partidos
incendiários, de que o governo não pode calcular a força que têm, e
poderão adquirir [...]. (Brasil, 1884a, p. 294)

O ofício entrou em pauta imediatamente. Por fim, determinou-se que,


não obstante o adiantado da hora, a sessão continuasse e que a resposta

Capítulo VI
139

do governo fosse enviada à Comissão Especial, substituindo-se o barão de


Santo Amaro, que se havia retirado, e José Bonifácio, que pediu para sair,
uma vez que era um dos deputados indigitados como incendiários na res-
posta do governo.

José Egídio Álvares de Almeida, de Libânio do


Amaral. Retrato do barão de Santo Amaro.
Galeria dos Brasileiros Ilustres.

O deputado Carneiro da Cunha percebeu que, no fundo, o que se pre-


tendia era agravar a situação para atingir o fim pretendido: a dissolução
da Constituinte. Pediu a palavra, declarando ser doloroso que o imperador
tivesse respondido de semelhante forma, e perguntou: “tomando por pre-
texto dos movimentos das tropas as publicações de dois periódicos. Como
é possível que esta seja a causa de se achar acampada a tropa?” (Brasil,
1884a, p. 294). Lembrou que sempre houve periódicos incendiários, e o
Diário do Governo havia publicado doutrinas perturbadoras, atacando

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


140

o corpo legislativo, não tendo o governo pedido nenhuma providência.


“Este não é o motivo dos acontecimentos de que somos testemunhas,
outros existem seguramente e eles aparecerão” (Brasil, 1884a, p. 295).
A resposta do imperador foi uma água fria na Assembleia. Os depu-
tados hesitaram. Alencar queria ir embora; Montezuma queria continuar,
ainda que morresse; e os três Andradas mostraram, com seu comporta-
mento digno, a grandeza que possuíam. José Bonifácio estranhou que se
falasse apenas no Tamoyo e no Sentinella e denunciou que estes eram
apontados, porque atacavam o ministério. “O Tamoyo é redigido por três
deputados, entre os quais eu tenho a honra de ser nomeado, e portanto
reputado incendiário” (Brasil, 1884a, p. 295). Afirmou que se sabia que
não foram todos os oficiais da guarnição que se queixaram, mas apenas
60, e que deviam ser na sua totalidade os portugueses do exército, por-
que só estes estariam atingidos pelo nacionalismo do Tamoyo. Recusou-
-se a fazer parte da Comissão Especial, já que fora acusado de ser um dos
culpados. “O que vejo é a capital em desordem, assustada a Assembleia e
proscrita a honra de seus membros”. Acreditava que se deveria manter a
sessão permanente e finalizou com a bravura de sempre: “Se não obrar-
mos assim, seremos fracos, incapazes de sermos deputados da generosa
nação brasileira” (Brasil, 1884a, p. 296).
Às 3h45 da madrugada, voltou a Comissão Especial com novo parecer,
no qual declarava:

[...] Quanto ao abuso da liberdade da imprensa reconhece a comissão


ter havido excesso nos periódicos apontados pelo ministro, e em alguns
outros; o que de certo tem provindo de falta de legislação própria que
os contenha, o que a Assembleia já reconheceu preferindo a discussão
da lei sobre tais abusos a outras matérias; e a comissão é de parecer
que se suspenda a discussão do projeto de Constituição até se concluir
a referida lei; o que parece será suficiente para restabelecer o sossego,
em vista da certeza afirmada pelo ministro, da subordinação da tropa,
do respeito da mesma às autoridades constituídas, e da firme adesão ao
sistema constitucional.
Entretanto, se o governo julga que a presente crise é de tal magnitude
que possa ainda perigar a segurança pública com a demora que é indis-
pensável na discussão da lei, declarando-o assim, parece à comissão que
se façam algumas restrições na liberdade da imprensa, até que se ponha
em execução a lei que a deve regular. (Brasil, 1884a, p. 297)

Antônio Carlos insurgiu-se contra o parecer da Comissão Especial e a


Assembleia assistiu a mais um discurso corajoso e desafiador. O deputado
louvou a dignidade da Comissão e atacou o governo sem nenhum embaraço:

Capítulo VI
141

Sempre agradeço ao governo o escolher-me para alvo de seus tiros


(honra que eu não esperava) como fez a outros meus colegas, iguais a mim
em sentimentos de liberdade, pois em todos considero a aversão devida à
escravidão. Sei que posso desagradar, que me comprometo, que não tenho
segurança apesar do título de deputado, mas em minha consciência devo
falar com imparcialidade, e então digo: Que liberdade temos nós? Que
somos nós aqui? (Brasil, 1884a, p. 297)

Achava o parecer manco, porque não diz:

[...] que a Assembleia está coacta, e que não podemos deliberar assim,
porque nunca se delibera debaixo de punhais de assassinos e por conse-
quência quero que se acrescente e se diga ao governo que não havendo
motivo que justifique os movimentos da tropa, exponha o fim verdadeiro
deles. [...] Faça-se, enfim, saber ao governo que não há senão as baionetas
que perturbam o sossego público; que apoiados do povo nunca se podem
considerar como provas de inquietações. (Brasil, 1884a, p. 297)

Afirmou, ainda, que é ridículo “querer persuadir que a inquietação de


toda a capital procede de apoiados das galerias, e que este desassossego
exige medidas extraordinárias” (Brasil, 1884a, p. 297). O governo tinha tudo
que era necessário à sua mão, e não havia necessidade de novas restrições,
acrescentava. O que faltava era sossego, como disse Antônio Carlos:

como o [sossego] haverá vendo-se a tropa reunida ao chefe da nação,


sem saber para que fim. [...] Não se crimine o povo brasileiro pelo que
aconteceu anteontem; ele é muito manso, ninguém executa melhor o
evangelho que ele. Não admito, pois, restrições à liberdade de imprensa;
o que quero é que se diga ao governo que a falta de tranquilidade procede
da tropa e não do povo, e que a Assembleia não se acha em plena liber-
dade, como é indispensável para deliberar, o que só poderá conseguir-se
removendo a tropa para maior distância. (Brasil, 1884a, p. 297)

Vergueiro defendeu o parecer e moderou a força e a linguagem de


Antônio Carlos. Carneiro da Cunha, com desassombro, sustentou a opi-
nião de Antônio Carlos sobre os motivos do desassossego, que não são
os apontados pelo governo. Afirmou, ainda, que a resposta do ministério
não é sincera, e que para a salvação do Estado é necessário não remover a
tropa, mas a Assembleia para fora do Rio de Janeiro. Nesse sentido apre-
sentou emenda. Martim Francisco e Montezuma propuseram, em seguida,
outra emenda no sentido de se remover a tropa.
Vergueiro, que assumia uma posição conciliadora, propôs que fosse cha-
mado o ministro do Império para informar sobre o objeto do ofício da vés-
pera, o que foi unanimemente aprovado.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


142

Por volta das 11h do dia 12 de novembro, compareceu o ministro con-


vocado. Antes de ser inquirido, lembrou à Assembleia que apenas era mi-
nistro havia dois dias e que, justamente porque não conhecia os detalhes
dos acontecimentos, havia resistido a assumir o cargo. Apenas chegado de
Portugal, julgava o clima político local similar ao que existia na antiga me-
trópole, onde a contrarrevolução à atuação das cortes triunfara. Repetiu os
argumentos do ofício, as queixas das tropas, os abusos da imprensa e, res-
pondendo a Montezuma, que indagara que medidas eram pedidas, declarou:
“primeiro, que se coibisse imediatamente os abusos da imprensa, segundo
(já que me obrigam a referir nomes de pessoas que, aliás, prezo), que fossem
expulsos da Assembleia os Srs. Andradas, como redatores do Tamoyo e cola-
boradores da Sentinella” (Brasil, 1884a, p. 301).

Visconde de Jequitinhonha (1861), de Sébastien Auguste Sisson.


Litografia em preto e branco de Francisco Gê Acayaba de Montezuma.
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

Sofreu, então, o ministro uma saraivada de perguntas, iniciadas primei-


ramente por Antônio Carlos. Repetiu sempre o mesmo enredo, incriminando

Capítulo VI
143

os Andradas, abatendo a Assembleia, exaltando a indignação da tropa e re-


correndo muitas vezes ao simples “não sei”.
Por fim, nas palavras de Martim Francisco, “escrupulosamente exami-
nando as respostas que o ministro deu às perguntas que se lhe fizeram, [...]
vejo que nada adiantamos ao que dizem os ofícios” (Brasil, 1884a, p. 304).
Isso porque o ministro declarou explicitamente não saber por que as tropas
estavam como que preparadas para entrar em combate.
Alencar, de forma assertiva e decidida, declarou: “diga-se à tropa, ou
a quem está à sua frente, que é preciso que ela volte aos seus quartéis,
restituindo-se tudo ao estado em que estava anteontem; depois encarare-
mos o verdadeiro estado da questão com madura prudência e poderemos
deliberar” (Brasil, 1884a, p. 305).
Cogitou-se, então, convocar o ministro da Guerra, o general José de
Oliveira Barbosa, futuro visconde do Rio Cumprido.
Acerca desse segundo ministro, José Bonifácio ponderou que seria ine-
ficaz, in verbis:

Eu não me oponho a que se chame o ministro a Guerra; mas ao


mesmo tempo não espero que por esse canal tenhamos melhores infor-
mações. O ministro do Império disse que nada sabia porque só tinha um
dia de ministério; ora, o da Guerra também entrou ontem, e além disto
é um homem octogenário, e por consequência menos lembrança terá
do que se tem passado, o que sucede é incomodarmo-lo e ficarmos no
mesmo. Os fatos estão claros por sua natureza, e em nada nos são ocul-
tas as vistas do governo, o mais que poderíamos saber dele era se ontem
se passou ordem para se reunirem os corpos que marcharam, porém isto
mesmo interessa pouco, porque basta saber que eles para lá foram, pois
ninguém me capacitará que estas tropas foram para São Cristóvão sem
ordem, então estava tudo perdido. Deus nos livre disso. Por consequên-
cia, não me importa que se chame como nada tenho que esperar dele,
venha ou não, para mim é o mesmo. (Brasil, 1884a, p. 308)

Também se manifestou contra nova convocação o deputado Silva Lisboa.


Submetida a proposta de convocação à votação, foi derrotada; porém,
determinou-se a volta do assunto à Comissão Especial. É nesse momento
que chega a notícia de que a tropa marchava em direção à Assembleia.
Tinham início os seus derradeiros instantes que, de forma alguma, des-
merecem a memória daqueles cavalheiros. A Assembleia Constituinte soube
enfrentar com tranquilidade, destemor e dignidade as dificuldades da hora.
Transcrevemos dos Anais os momentos derradeiros:

Pouco depois se anunciou que marchava tropa, e que parecia dirigir-se


à Assembleia.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


144

SR. MONTEZUMA: Sr. Presidente, se isto é certo, requeiro que se mande


uma deputação a saber o que pretende de nós a força armada.
SR. ALENCAR : Eu acho que melhor será esperar o que Sua Majestade
manda.
SR. RIBEIRO DE ANDRADA : Sr. Presidente, o nosso lugar é este. Se
Sua Majestade quer alguma coisa de nós, mande aqui, e a Assembleia
deliberará.
SR. ANDRADA MACHADO: Se nos for permitido deliberar; porque talvez
isso mesmo se nos não permita.
SR. PRESIDENTE: O que me dá grande satisfação no meio de tudo é ver
a tranquilidade da Assembleia.
SR. ANDRADA MACHADO : Creio que a ilustre comissão pode dar o seu
parecer, por que nós devemos continuar a sessão apesar da aproximação
da força armada.
SR. LOPES GAMA : E eu creio que não podemos deliberar estando
cercados.
SR. PRESIDENTE: Enquanto estivermos cercados seguramente não po-
demos deliberar.
Anunciou-se que estava à porta da sala um oficial que vinha da parte
de Sua Majestade, e foram dois Srs. Secretários ver o que ele queria.
SR. GALVÃO: Um oficial me entregou este ofício, que é um decreto: e
disse-me que trazia recomendação de Sua Majestade para ser lido, e voltar
outra vez à sua mão. Pergunto se pode ler-se?
Decidiu-se que se lesse, e era concebido nos seguintes termos:

DECRETO
Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa, por decreto de 3 de junho do ano próximo
passado; a fim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam iminentes;
e havendo esta Assembleia perjurado ao tão solene juramento que pres-
tou à nação de defender a integridade do império, sua independência, e
a minha dinastia, hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do
Brasil, dissolver a mesma Assembleia, e convocar já uma outra na forma
das instruções feitas para convocação desta, que agora acaba, a qual de-
verá trabalhar sobre o projeto de Constituição que eu lhe hei de em breve
apresentar, que será duplicadamente mais liberal do que o que a extinta
Assembleia acabou de fazer. Os meus ministros e secretários de estado de
todas a diferentes repartições o tenham assim entendido e façam executar
a bem da salvação do império.
Paço, 12 de novembro de 1823, segundo da Independência e do
Império. Com a rubrica de S.M. Imperial
Clemente Ferreira França
José de Oliveira Barbosa

Capítulo VI
145

SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Creio que V.Exa. deve mandar tirar uma
cópia do decreto para ficar aqui, e entregar-se o original ao oficial que
o trouxe.
O Sr. Secretário Calmon tirou a cópia.
SR. GALVÃO: Sr. Presidente, eu devo declarar que este oficial me disse
que S.M. Imperial mandara esta tropa para defender a Assembleia de
qualquer insulto que se lhe pretendesse fazer.
Muitos Srs. Deputados disseram que agradeciam a Sua Majestade.
SR. ANDRADA MACHADO: É preciso fechar a ata com a cópia do decreto
de Sua Majestade, e declarar que em consequência dele se dissolveu a
Assembleia. Estes papéis se entregarão aos do novo congresso.
SR. PRESIDENTE: Pode o Sr. Oficial assegurar a Sua Majestade da parte
da Assembleia que ela se dissolve.
SR. ANDRADA MACHADO: Nós já não somos Assembleia.
SR. SILVA LISBOA: Parece-me pouco decente esta maneira de responder
nas atuais circunstâncias; talvez deveríamos fazê-lo dirigindo um ofício
ao ministro da repartição competente. Não digo isto por covardia, mas
porque o objeto é de alta consideração.
Alguns Srs. Deputados pediram a palavra.
SR. ALENCAR: Não sei para que se pede a palavra; as nossas discussões
estão acabadas.
SR. ANDRADA MACHADO: Nós já não temos que fazer aqui. O que resta
é cumprir o que Sua Majestade ordena no decreto que se acabou de ler.
Saíram então da sala todos os Srs. Deputados, dissolvendo-se, assim,
a Assembleia pela uma hora da tarde do dia 12 de novembro de 1823.
(Brasil, 1884a, p. 308-309)

Tinha fim a primeira experiência parlamentar nacional.


Ao saírem do Paço da Assembleia, foram presos e conduzidos ao cais
do Largo do Paço, de onde seriam embarcados em um escaler guarnecido
de tropa e levados ao Arsenal da Marinha, os deputados Antônio Carlos,
Martim Francisco, padre Belchior Fernandes Pinheiro, José Joaquim da
Rocha, Francisco Gê Acaiaba Montezuma, Vergueiro, Muniz Tavares,
Henriques de Resende, Carneiro da Cunha, Alencar, Cruz Gouveia, Xavier
de Carvalho e Luiz Ignácio de Andrade Lima. Antônio Carlos, ao receber
voz de prisão, inclinou-se, tirando o chapéu para uma peça de artilharia, e
disse: “Respeito muito seu poder” (Rodrigues, 1974, p. 222).
José Bonifácio encontrava-se em sua casa, onde fora descansar. Ia come-
çar a jantar quando chegou um oficial que lhe pediu que o acompanhasse.
Chegou a perguntar se estava preso, ao que o oficial respondeu que apenas
recebera ordens de acompanhá-lo e evitar qualquer desatenção. O deputado
terminou sua refeição e seguiu com o oficial.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


146

Bonifácio foi conduzido a um pavilhão onde já se encontravam reunidos


seus irmãos, seu sobrinho, o padre Belchior, José Joaquim da Rocha, acom-
panhado por seus dois filhos menores, e Montezuma. Esperava-se a prisão
de Vasconcelos Drummond a qualquer momento, o que não ocorreu, pois
ele conseguiu evadir-se.
Com exceção dos três Andradas, do padre Belchior, de José Joaquim da
Rocha e de Montezuma, todos foram libertados. Vergueiro, então, exigiu
saber por que fora preso, “e não faltou quem lhe informasse que era para
não dizerem que, por ser português, fora protegido” (Rodrigues, 1974, p.
223). Varnhagen, visconde de Porto Seguro, declarou que o imperador lhe
ofereceu a presidência de São Paulo, oferta recusada. Também é digno de
nota que o ministro do Império, Carneiro de Campos, e o ministro da Mari-
nha, Luiz da Cunha Moreira, se recusaram a referendar o ato de dissolução
da Assembleia, tendo por isso sido substituídos no dia anterior ao da disso-
lução da Assembleia.
Os seis deputados que continuaram presos seriam exilados. Foram em-
barcados em uma velha charrua, Luconia, comandada por um português,
em viagem que, segundo relato do conselheiro Vasconcelos Drummond
(2012, p. 31), seria repleta de aventuras em que os Andradas promove-
ram um motim, prendendo-se o comandante e desviando-se a rota para o
porto de Vigo, na Espanha. Antes de partir, José Bonifácio profetizou ao
general Moraes:

Diga ao imperador que eu estou com o coração magoado de dor, não


por mim, que estou velho; e morrer hoje fuzilado ou amanhã de qualquer
moléstia é coisa para mim bem indiferente; que é por seus filhos inocen-
tes que eu choro hoje; que trate de salvar a coroa para eles, porque para
si está perdida desde hoje; a sentença o imperador a lavrou e já não pode
subtrair-se aos seus efeitos, porque se o castigo da Divindade é tardio,
esse castigo nunca falta. (Brasil, 1884a, p. 224)

Possível volta de D. João VI ao Brasil


Conforme já dissemos na introdução do presente trabalho, as palavras e
ações de D. Pedro I, tanto as anteriores como as posteriores à dissolução
da Assembleia Constituinte de 1823, estão em completa contradição com o
golpe que desferiu em 12 de novembro daquele ano.
A Assembleia ainda analisava o 24º artigo do projeto de Constituição, e,
apesar de intimado pelas tropas, D. Pedro se negava a praticar determinada
violência, por julgá-la ilegal.

Capítulo VI
147

No dia em que teve de dissolver a Assembleia, o imperador, com o espí-


rito trabalhado pelas exigências da tropa e atribulado pela rapidez com que
se desenrolavam os acontecimentos, negara-se a impor a expulsão de três
deputados (os Andradas), por escrúpulo constitucional, quando ainda nem
sequer existia um texto constitucional. É bem verdade que esse escrúpulo
constitucional foi, no mesmo dia, posto de lado, já que a Constituinte, reu-
nida em sessão permanente por motivo de atitude das tropas, foi dissolvida.
O que D. Pedro não quis fazer a três deputados fez à Assembleia em sua
totalidade. O que chama a atenção é a contradição flagrante desse ato de
força com os atos e palavras anteriores, assim como os posteriores. O fato
de haver ele próprio ordenado mais tarde o exílio dos Andradas, bem como
a de três de seus mais próximos correligionários (José Joaquim da Rocha,
padre Belchior Pinheiro e Montezuma), não tira ao movimento anterior de
resistência à expulsão dos deputados Andradas o caráter de respeito, não
a uma constituição que ainda não existia, mas ao que poderíamos chamar
de “espírito constitucional” que sempre permeou suas proclamações e co-
mentários políticos.
Seus gestos, suas palavras e seus atos antes do golpe exigido pelas tropas
confirmam a crença de que não foi por desejo de governo sem limitações
legais que ele desfez, em 12 de novembro de 1823, a desafiadora atitude de
3 de junho de 1822.
Na nossa leitura, a situação se alterou de forma a possibilitar a disso-
lução da Assembleia quando da reversão do sistema de poder adotado em
Portugal. Era público que D. Pedro I sempre se comunicava com D. João VI,
dando-lhe não apenas ciência de seus atos como também os justificando
frente aos últimos acontecimentos no Brasil e em Portugal.54
Os inimigos da causa do Brasil sempre haviam sido as pérfidas cor-
tes, que mantinham D. João VI como virtual prisioneiro, anulando-o
politicamente.
Há um evento, pouco lembrado pela historiografia pátria, que pode nos
dar uma interpretação nova dos eventos e que pode justificar a alteração de
postura de D. Pedro I, levando-o a se decidir pelo brusco gesto da dissolução
da Assembleia Constituinte.
Conta-nos Octávio Tarquínio de Souza (1988, p. 142) que, nos registros
diplomáticos de Sir Edward Thornton, representante de Sua Majestade
britânica em Portugal, consta que o conde de Palmela, então ministro dos

54 Vide as Cartas de D. Pedro príncipe regente do Brasil a seu pai D. João VI rei de Portugal (1821-
1822), edição de 1916 organizada por Eugênio Egas, passim.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


148

Negócios Estrangeiros de D. João VI, após a reassunção dos poderes abso-


lutos por aquele monarca, lhe teria comunicado, “mui secreta e confiden-
cialmente” estar o monarca, assim como seu ministro, persuadido de que
o principal para os brasileiros era menos a independência absoluta (a qual
já tinham quase desde a chegada da família real ao Brasil), e mais a certeza
da sede da monarquia e da residência do monarca no Rio de Janeiro. Sendo
assim, dispunha-se Sua Majestade Fidelíssima a regressar ao Brasil, não res-
tando a Portugal senão resignar-se a deixar de ser centro da monarquia.
Se a Inglaterra fornecesse navios de escolta, sem nenhuma intenção hos-
til, D. João VI certamente seria reconhecido logo na Bahia e até no Rio de
Janeiro, não sendo crível, declarou ainda Palmela, que D. Pedro I tomasse
armas contra seu pai e soberano.
A comunicação de Thornton era datada de 3 de fevereiro de 1824 e foi
respondida pelo então secretário de Estado para os Assuntos Estrangeiros
da Inglaterra, e posteriormente primeiro-ministro inglês, George Canning,
em 8 de março, em texto no qual o ministro inglês não escondia sua sur-
presa e espanto (Sousa, 1988, p. 142 e segs.).55
Essa passagem de nossa história merece uma pesquisa aprofundada dos
historiadores dedicados ao tema. É possível que houvesse um projeto efe-
tivo de retorno de D. João VI ao Brasil que pode ter chegado ao conheci-
mento de D. Pedro ou de alguns deputados. Afinal, D. João enviou ao Brasil
dois emissários, o marechal Luiz Paulino e o conde de Rio Maior, que vieram
com o objetivo de lhe preparar o terreno. É igualmente possível, como des-
confiavam os próprios parlamentares de então, que D. Pedro I tenha rece-
bido os informes que seu pai lhe desejava transmitir. Lembremo-nos de que
o marechal, ainda que em estado terminal, desembarcou.
Por um lado, a virulência dos Andradas contra o imperador, em posição
diametralmente oposta à que defendiam poucas semanas antes, visava in-
viabilizar qualquer arranjo com Portugal que não fosse o reconhecimento
da ruptura de todos os vínculos. Por outro lado, a mudança de postura
de D. Pedro, um discípulo intelectual do constitucionalismo de Benjamin
Constant, a ponto de tomar uma atitude extremamente despótica, tal como
a dissolução pura e simples da Assembleia Constituinte, pode ser também

55 A notícia para a Inglaterra era péssima uma vez que havia conseguido concluir tratado com Por-
tugal em que este país aceitava a abolição do comércio internacional de escravos. Por conseguinte,
estando Portugal (com suas colônias africanas) separado do Brasil, formando cada um uma nação
independente, estava automaticamente colocado fora da lei o comércio de escravos transatlântico.
No entanto, caso o Reino Unido voltasse a existir, o tráfico voltaria a ser interno, dentro da mesma
nação, o que significaria um grande recuo para a política antiescravista inglesa.

Capítulo VI
149

explicada como preparação do terreno para a volta de D. João ao Brasil e o


retorno ao status quod ante.
Poder-se-ia, outrossim, explicar a violenta prisão e desterro para a
França dos irmãos Andradas e de seus principais correligionários como ten-
tativa de D. Pedro de afastar do terreno os principais campeões da Indepen-
dência, possibilitando-se a eventual reconstrução do Reino Unido.
O fato é que, coincidência ou não, foi logo após a chegada dos dois ci-
tados emissários de Portugal que o discurso nacionalista dos Andradas se
intensificou. D. Pedro, caso estejamos certos, viu-se então compelido, para
viabilizar a volta do Reino Unido, consequência óbvia de um eventual re-
torno de D. João ao Brasil, a ter de afastar da cena política os líderes do
movimento nacionalista que, com seus pronunciamentos, inviabilizariam
qualquer retorno à situação política anterior.
Não há dúvida de que foi a dissolução da Constituinte que gerou a
Confederação do Equador, movimento revolucionário que trazia em seu
bojo a real possibilidade da desagregação do império.56 Afinal, os próprios
revolucionários declararam publicamente tanto as razões da insurreição
quanto seus objetivos seccionistas. E, acreditamos, foi aquele movimento
que efetivamente convenceu D. Pedro I da irreversibilidade da indepen-
dência do Brasil.
Por último, note-se que a hipótese da volta de D. João VI apresentou-se,
também, ao cônsul dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Condy Raguet,
que escreveu a John Quincy Adams, o secretário de Estado do país, minu-
cioso relatório no qual terminava declarando que: “Os acontecimentos
deste dia podem dificilmente ser considerados de outro modo que não seja
o abandono da Independência. Há mais nativos de Portugal na cidade do
Rio de Janeiro que brasileiros e é possível que o rei seja convidado a voltar”
(Rodrigues, 1974, p. 244). Entretanto, o evoluir dos fatos inviabilizou defi-
nitivamente essa volta.

56 Considerada um desdobramento da Revolução Pernambucana de 1817, a Confederação do Equa-


dor foi um movimento revolucionário de caráter republicano e separatista que eclodiu no dia 2 de
julho de 1824 em Pernambuco, se alastrou para as províncias do Ceará e Paraíba e durou até 29 de
novembro do mesmo ano, quando a revolta foi derrotada pelo brigadeiro Francisco Lima e Silva.
O movimento representou a principal reação contra a política centralizadora e autoritária do go-
verno de D. Pedro I, concretizada na dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, e teve entre seus
líderes o frei Joaquim do Amor Divino Caneca, o padre Mororó, João Guilherme Ratcliff e Manoel de
Carvalho Paes de Andrade.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


151

APÊNDICE

Nominata dos deputados da


Constituinte de 1823

Tabela 1 – Presidentes e vice-presidentes


da Assembleia Constituinte

Mês Presidente Vice-presidente

Maio D. José Caetano da Silva José Bonifácio de


Coutinho, bispo do Rio Andrada e Silva
de Janeiro

Jun. José Bonifácio de Manoel Ferreira da


Andrada e Silva Câmara Bittencourt e Sá

Jul. Manoel Ferreira da Barão de Santo Amaro


Câmara Bittencourt e Sá

Ago. D. José Caetano da Silva Barão de Santo Amaro


Coutinho

Set. Barão de Santo Amaro Martim Francisco


Ribeiro de Andrada

Out. Martim Francisco Antônio Luiz Pereira da


Ribeiro de Andrada Cunha

Nov. João Severiano Maciel Luís José de Carvalho e


da Costa Mello

Fonte: elaboração própria.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


152

Rio de Janeiro
A bancada fluminense foi composta por nomes tais como José Joaquim
Carneiro de Campos, Manoel Jacinto Nogueira da Gama, Martim Francisco
Ribeiro de Andrada e Antônio Luiz Pereira da Cunha, quatro personagens
indiscutivelmente de primeira ordem no mundo político do império.

D. José Caetano da Silva Coutinho (1767-1833)


Nome parlamentar: Bispo Capelão-Mor
Nascido em Portugal, oitavo bispo do Rio de Janeiro, Bispo Capelão-Mor da
Casa Imperial. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novem-
bro de 1823. Primeiro presidente da Assembleia Constituinte, em maio de
1823. Senador por São Paulo de 29 de maio de 1826 a 27 de janeiro de 1833.
Presidente do Senado de 4 de maio de 1827 a 2 de março de 1832.

José Egídio Álvares de Almeida (1767-1832)


Nome parlamentar: Barão de Santo Amaro
Barão e posteriormente marquês de Santo Amaro, senador (1767-1832),
ministro dos Negócios do Reino e Estrangeiros, conselheiro do Erário
Régio e do Conselho da Fazenda em 1818. Um dos redatores da Constitui-
ção de 1824. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro
de 1823. Presidente da Assembleia Constituinte em setembro de 1823.
Senador pelo Rio de Janeiro de 4 de abril de 1826 a 10 de agosto de 1832.
Presidente do Senado de 8 de maio de 1826 a 3 de maio de 1827.

Manoel Jacinto Nogueira da Gama (1765-1847)


Nome parlamentar: Nogueira da Gama
Primeiro visconde, conde e marquês de Baependi, senador, conselheiro
do Erário Régio e do Conselho da Fazenda em 1821. Lente de ciências
matemáticas na Academia Real de Marinha de Lisboa. Um dos redatores
da Constituição de 1824 e ministro da Fazenda por várias vezes. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por
Minas Gerais de 4 de maio de 1826 a 15 de fevereiro de 1847. Presidente
do Senado de 4 de maio de 1838 a 2 de maio de 1839.

Apêndice
153

José Joaquim Carneiro de Campos (1768-1836)


Nome parlamentar: Carneiro de Campos
Primeiro visconde e marquês de Caravelas e senador. Formado em Direito
pela Universidade de Coimbra. Conselheiro da Fazenda em 1821. Serviu
com distinção no reinado de D. João VI no emprego de oficial-maior da
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino até 1821. Um dos mais consu-
mados publicistas e jurisconsultos da Constituinte. Substituiu o deputado
Joaquim Gonçalves Ledo, que não tomou assento. Foi o principal redator
da Constituição de 1824. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a
11 de novembro de 1823. Senador pela Bahia de 4 de maio de 1826 a 8 de
setembro de 1836. Foi membro da Regência Trina Provisória e ministro dos
Negócios do Reino e Estrangeiros várias vezes.

Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775-1844)


Nome parlamentar: Ribeiro de Andrada
Formado em Matemática pela Universidade de Coimbra. Membro do go-
verno provisório de São Paulo. Substituiu o deputado Agostinho Corrêa da
Silva Goulão, que não tomou assento. Foi deputado constituinte de 3 de
maio de 1823 a 11 de novembro de 1823, presidente da Assembleia Cons-
tituinte em outubro de 1823, deputado por Minas Gerais na 2a Legislatura,
por São Paulo nas 3a e 4a Legislaturas, além de ministro da Fazenda no 1º
Gabinete do 2º Reinado.

Segundo Alexandre José Mello Moraes (1982), Ribeiro de Andrada


foi dotado dos mesmos sentimentos patrióticos e de honradez de seu
irmão; no entanto, fazia do seu mérito pessoal uma opinião muito
elevada. Julgava as finanças o seu forte, bem como a teoria dos gover-
nos representativos, sendo seguidor das ideias de Benjamin Constant.
Foi baseado nelas que teria redigido o projeto de Constituição Polí-
tica do Império do Brasil apresentado e discutido no Apostolado.57
Martim Francisco, de acordo com Mello Moraes (1982, p. 48), era
homem genioso: “uma ofensa que recebia fazia-lhe uma ferida que
não cicatrizava nunca na presença do ofensor”. Opôs-se sempre à
entrada de tropas estrangeiras no Brasil bem como à tomada, por
parte do Tesouro Nacional, de qualquer empréstimo internacional.

57 Segundo outras fontes, a redação daquela primeira minuta do texto que viria a ser a Constituição
de 1824 seria de seu irmão, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, que ocupou a rela-
toria do projeto de Constituição apresentada à Constituinte em setembro de 1823.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


154

Seus discursos no Parlamento, quando do movimento pela maio-


ridade de D. Pedro II, foram notáveis e não obscurecem seus relevan-
tes serviços prestados à causa da Independência.
Mello Moraes (1982, p. 48) continua:
Quando tomou conta da pasta da Fazenda Pública, o cofre
geral, como me disse o Sr. Visconde de Cabo Frio, seu companheiro
de ministério, estava sem numerário; e querendo-se aprontar a
esquadra que se tinha de mandar contra a do general Madeira, ha-
vendo apenas 4:000$, e lorde Cochrane necessitando de 20:000$,
foi Martim Francisco pedi-los, sob sua responsabilidade, por em-
préstimo, ao marquês de Jundiaí. Sua honradez era proverbial, a
ponto de não querer empregar um sobrinho seu por não lhe reco-
nhecer as necessárias habilitações para o emprego que aspirava.

Antônio Luiz Pereira da Cunha (1760-1837)


Nome parlamentar: Pereira da Cunha
Visconde e marquês de Inhambupe de Cima. Formado em Direito Civil
pela Universidade de Coimbra. Conselheiro da Fazenda em 1809. Desem-
bargador do Paço. Intendente-Geral da Polícia da corte em 1821. Um dos
redatores da Constituição de 1824. Deputado constituinte de 3 de maio
de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por Pernambuco. Presidente
do Senado de 3 de maio de 1837 a 9 de setembro de 1837. Ministro dos
Estrangeiros (duas vezes) e da Fazenda (duas vezes).

Jacinto Furtado de Mendonça (17...?-1834)


Nome parlamentar: Furtado de Mendonça
Capitão-mor, natural de Minas Gerais, mas opulento fazendeiro no ter-
ritório fluminense (entre Rio Preto e Valença). Formado em Direito pela
Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado para as cortes de 1821, mas
permaneceu no Brasil, assim como toda a bancada mineira. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por
Minas Gerais de 4 de maio de 1826 a 20 de janeiro de 1834.

Manoel José de Souza França (1780-1856)


Nome parlamentar: França
Ministro da Justiça em 1831 e presidente da província do Rio de Janeiro
em 1840. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Deputado pelo Rio de Janeiro nas 1a, 6a e 7a Legislaturas. Ministro da
Justiça (duas vezes) e do Império.

Apêndice
155

Agostinho Correia da Silva Goulão


Não tomou posse.

Joaquim Gonçalves Ledo


Não tomou posse.

Bahia
A Bahia se fez representar por nomes do quilate de José da Silva Lisboa,
que, a par de suas convicções políticas conservadoras, sempre revelou um
profundo conhecimento de todos os assuntos; Luiz José de Carvalho e
Melo e Francisco Carneiro de Campos, dois grandes juristas; José da Costa
Carvalho, futuro membro da Regência Trina Permanente; Antônio Fer-
reira França e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, dois parlamentares
especialmente combativos, que por vezes raiaram a demagogia; Felisberto
Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta, personagem de primeira ordem
no mundo diplomático e político nos anos seguintes; e Miguel Calmon du
Pin e Almeida, que se destacaria por seus conhecimentos econômicos e
administrativos.

José da Silva Lisboa (1756-1835)


Nome parlamentar: Silva Lisboa
Visconde de Cairu. Bacharel em Direito Canônico e Filosofia. Serviu com
distinção importantes empregos até o cargo de desembargador. Juriscon-
sulto e economista profundo; autor, além de outras obras, do Tratado de
Direito Mercantil, publicado em Lisboa em 1801. Notável pela austeridade
de seus princípios religiosos e de suas ideias profundamente conservadoras.
Na Constituinte, votou contra a liberdade religiosa e o júri no crime (único
voto dissidente nessa matéria). Como suplente, substituiu a partir de 5 de
agosto o deputado Cipriano José Barata de Almeida, que não tomou assento,
e passou a deputado em 8 de outubro pela eleição da cidade de Salvador (que
na época da eleição geral estava ocupada pelas forças do general Madeira).
Deputado constituinte de 5 de agosto de 1823 a 11 de novembro de 1823.
Senador pela Bahia de 4 de maio de 1826 a 20 de agosto de 1835.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


156

Luiz José de Carvalho e Mello (1764-1826)


Nome parlamentar: Carvalho e Mello
Primeiro visconde da Cachoeira e senador. Formado em Direito pela Uni-
versidade de Coimbra. Desembargador do Paço, jurisconsulto consumado,
profundamente versado em todos os ramos do Direito. Seus discursos na
Constituinte acusam uma erudição vastíssima, chegando a rivalizar os de
Cairu. Como monumento do seu saber, estão os primeiros estatutos orga-
nizados para os dois cursos jurídicos do império. Foi um dos redatores da
Constituição de 1824. Deputado constituinte de 21 de julho de 1823 a 11
de novembro de 1823. Senador por Alagoas de 22 de janeiro de 1826 a 6 de
junho de 1826. Ministro dos Negócios do Reino e Estrangeiros.

Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (1794-1870)


Nome parlamentar: Montezuma
Visconde de Jequitinhonha. Formado em Direito pela Universidade de
Coimbra em 1821. Ao nascer, foi registrado como Francisco Gomes Bran-
dão, porém, por nativismo, no período das lutas da Independência, mudou
seu nome. Deputado constituinte de 21 de julho de 1823 a 11 de novembro
de 1823. Deputado pela Bahia nas 2a, 4a e 8a Legislaturas. Senador pela
Bahia de 6 de maio de 1851 a 15 de fevereiro de 1870. Ministro dos Negócios
Estrangeiros e da Justiça.

José da Costa Carvalho (1796-1860)


Nome parlamentar: Costa Carvalho
Marquês de Monte Alegre, membro da Regência Trina Permanente. For-
mado em Direito pela Universidade de Coimbra. Juiz de fora e ouvidor na
cidade de São Paulo de 1821 a 1822. Deputado constituinte de 21 de julho
de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado pela Bahia nas 1a e 2a Legis-
laturas. Deputado por São Paulo na 4a Legislatura. Senador por São Paulo
de 4 de maio de 1839 a 18 de setembro de 1860. Presidente do Senado de
1º de maio de 1842 a 1º de maio de 1843. Presidente do Conselho de Mi-
nistros e ministro do Império.

Manuel Antônio Galvão (1791-1850)


Nome parlamentar: Galvão
Bacharel formado em Coimbra em 1819. Juiz de fora de Goiás, desembar-
gador e diplomata. Deputado constituinte de 21 de julho de 1823 a 11 de

Apêndice
157

novembro de 1823. Deputado pela Bahia na 1a e na 5a Legislaturas. Senador


pela Bahia de 6 de maio de 1844 a 21 de março de 1850. Presidente das pro-
víncias de Alagoas, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul (duas
vezes). Ministro do Império e da Justiça.

Manoel Ferreira de Araújo Guimarães (1777-1838)


Nome parlamentar: Ferreira de Araújo
Brigadeiro. Seguiu com distinção o curso da Academia de Marinha em
Lisboa. Lente da Academia Militar do Rio de Janeiro no reinado de D. João
VI. Coronel graduado de engenheiros em 1819 e brigadeiro em 1828. Redigiu
a Gazeta do Rio de Janeiro (1813), O Patriota (1813-1814) e O Espelho (1821).
Deputado constituinte de 22 de julho 1823 a 11 de novembro de 1823.

Francisco Carneiro de Campos (…?-1842)


Nome parlamentar: Francisco Carneiro, ou Carneiro
Intendente do ouro e ouvidor na Bahia, juiz de órfãos e desembargador no
Rio de Janeiro. Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Deputado consti-
tuinte de 22 de julho de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador pela Bahia
de 4 de maio de 1826 a 8 de dezembro de 1842.

Antônio Ferreira França (1771-1848)


Nome parlamentar: Ferreira França
Doutor em Medicina. Deputado constituinte de 23 de julho de 1823 a 11 de
novembro de 1823. Deputado pela Bahia nas 1a, 2a e 3a Legislaturas.

Miguel Calmon du Pin e Almeida (1794 ou 1796-1865)


Nome parlamentar: Calmon, ou Miguel Calmon, ou ainda Calmon Sênior
Visconde e marquês de Abrantes, ministro da Fazenda e dos Negócios Es-
trangeiros. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra em 1821.
Distinguiu-se na Bahia por sua adesão à Independência. Deputado cons-
tituinte de 4 de agosto de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado pela
Bahia nas 1a, 2a, e 4a Legislaturas. Senador pelo Ceará de 28 de julho de 1840
a 13 de setembro de 1865.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


158

Felisberto Caldeira Brant Pontes de


Oliveira Horta (1772-1842)
Nome parlamentar: Brant Pontes
Visconde e marquês de Barbacena, ministro do Império e da Fazenda. Se-
guiu com distinção em Lisboa o curso da Academia de Marinha, passando
depois para o Exército. Brigadeiro graduado em 1811 e mais tarde mare-
chal de campo. Em 1822, em Londres, de combinação com José Bonifácio,
procurou obter do governo inglês o reconhecimento do Brasil. Até 10 de
outubro foi substituído pelo bacharel Antônio Calmon du Pin e Almeida,
que tomara assento em 4 de agosto. Deputado constituinte de 11 de outu-
bro de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por Alagoas de 4 de maio
de 1826 a 13 de junho de 1842.

Antônio Calmon du Pin


Nome parlamentar: Calmon Júnior, ou Antônio Calmon
Foi suplente de Brant Pontes.

Luiz Pedreira do Couto Ferraz (1791-1886)


Nome parlamentar: Pedreira do Couto, ou Couto Ferraz
Barão e visconde do Bom Retiro, desembargador, ministro do Império. Su-
plente, substituiu desde 6 de agosto o deputado padre Francisco Agostinho
Gomes, que não tomou assento. Deputado constituinte de 6 de agosto de
1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado pela Bahia como suplente na
1a Legislatura. Deputado pelo Espírito Santo nas 7a e 8a Legislaturas. Depu-
tado pelo Rio de Janeiro nas 9a, 10a, e 11a Legislaturas. Senador pelo Rio de
Janeiro de 24 de maio de 1867 a 12 de agosto de 1886. Foi presidente da pro-
víncia do Rio Grande do Sul, de 7 de novembro de 1846 a 2 de agosto de 1848,
e do Rio de Janeiro, de 12 de outubro de 1848 a 21 de setembro de 1853.

Espírito Santo
Manoel Pinto Ribeiro Pereira de Sampaio (…?-1857)

Nome parlamentar: Pereira de Sampaio, ou Ribeiro de Sampaio, ou ainda


Pinto Ribeiro
Magistrado; juiz de fora em Angola, provedor da Fazenda em Luanda, juiz
de fora no Rio Grande do Sul, ouvidor em Sergipe d’el-rei, desembargador

Apêndice
159

da Relação da Bahia. Presidente da Relação do Rio de Janeiro. Ministro do


Supremo Tribunal de Justiça. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823
a 11 de novembro de 1823.

Minas Gerais
A bancada mineira foi composta por nomes tais como Manuel Ferreira da
Câmara, João Severiano Maciel da Costa, Estevão Ribeiro de Resende, Lúcio
Soares Teixeira de Gouveia, José Antônio da Silva Maia e José Teixeira da
Fonseca Vasconcelos, nomes que honrariam qualquer legislatura.

Belchior Pinheiro de Oliveira (1798-1856)


Nome parlamentar: Pinheiro de Oliveira, ou Pinheiro
Padre. Bacharel formado em Cânones pela Universidade de Coimbra. Era
vigário da Vila de Pitangui (MG), quando foi eleito deputado às cortes de
Lisboa. Tendo permanecido no Rio de Janeiro, trabalhou pela causa da In-
dependência e pelo êxito da política dos irmãos Andradas, dos quais era
sobrinho. Foi companheiro de D. Pedro em sua viagem a São Paulo, tendo
sido partícipe do Grito do Ipiranga. Na dissolução da Assembleia em 1823,
fez parte do pequeno grupo de parlamentares presos e exilados por D. Pedro
I. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

José Joaquim da Rocha (1777-1848)


Nome parlamentar: Rocha
Advogado, diplomata e capitão-mor. Nasceu perto de Ouro Preto, no ar-
raial de Antônio Pereira, em 19 de outubro de 1777. Concluiu na cidade
de Mariana seus estudos de humanidades e ali permaneceu, exercendo a
atividade de advogado provisionado e adquirindo a reputação de causídico
arguto e destemido, até os 31 anos de idade, quando resolveu transferir-
-se para o Rio de Janeiro. Sua banca de advocacia na cidade fluminense, J.
J. Rocha, chegou a ser uma das mais procuradas na época e granjeou-lhe
proventos e fama. O campo de suas relações se estendeu e começou um pe-
ríodo de grande labor político. Em 1821, Rocha foi eleito primeiro suplente
da bancada mineira às cortes de Lisboa. Foi o que mais se empenhou para
impedir a viagem da bancada mineira para Lisboa, enquanto não se co-
nhecesse efetivamente a posição daquele congresso com relação ao Brasil.
Trabalhou intensamente em prol da Independência agindo, conspirando,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


160

falando em clubes políticos secretos e em reuniões públicas, escrevendo


em jornais e panfletos. Foi companheiro de confabulações de Luís da
Nóbrega, Joaquim Gonçalves Ledo, frei Sampaio, padre José Custódio, cô-
nego Januário da Cunha Barbosa, Paulo Barbosa, Pedro Dias Paes Leme e
outros. Trabalhou ativamente para viabilizar o Fico. Eleito deputado na
Constituinte por Minas Gerais, cerrou fileira com os Andradas. Dissolvida
a Constituinte, seguiu a sorte de Montezuma, do padre Belchior Pinheiro
e dos irmãos Andradas, todos exilados na Europa. Retornou do exílio sete
anos depois. Cinco dias após a queda de D. Pedro I, foi convidado pela Re-
gência para representar o Brasil, como ministro extraordinário e plenipo-
tenciário junto ao governo francês e, em seguida, junto à Santa Sé. Em 1838,
retornou ao Brasil e voltou a trabalhar no foro. Com dificuldades financei-
ras, em 1848 recebeu pensão do Estado. Era o pai do também advogado e
jornalista Justiniano José da Rocha. Deputado constituinte de 3 de maio de
1823 a 11 de novembro de 1823.

Cândido José de Araújo Viana (1793-1875)


Nome parlamentar: Araújo Viana
Marquês de Sapucaí, ministro da Fazenda, Justiça e Império. Formado em
Direito pela Universidade de Coimbra em 1821, substituiu o deputado de-
sembargador do Paço José de Oliveira Pinto Botelho Mosqueira, que faleceu
antes de tomar assento. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11
de novembro de 1823. Deputado nas 1a, 2a, 3a, e 4a Legislaturas. Senador por
Minas Gerais de 13 de abril de 1840 a 23 de janeiro de 1875. Presidente do
Senado de 4 de janeiro de 1851 a 7 de maio de 1854. Presidente da provín-
cia de Alagoas, de 14 de fevereiro de 1828 a 31 de dezembro de 1828, e do
Maranhão, de 14 de janeiro de 1829 a 12 de outubro de 1832.

José de Resende Costa, filho (1765-1841)


Nome parlamentar: Resende Costa
Funcionário público e conselheiro de Estado.58 Nasceu no então arraial da
Lage, termo da antiga vila de São José do Rio das Mortes, hoje Tiraden-
tes. Implicado na Inconfidência Mineira, foi desterrado, em fins do século

58 Há profunda discordância entre Sacramento Blake (1899) e Joaquim Macedo (1876) quanto
aos anos que um e outro apontam como de nascimento e morte desse antigo inconfidente mineiro.
Assim, enquanto o primeiro desses autores menciona 1765-1841, o segundo fixa os anos de 1767-
1874, “Contra toda a evidência que resulta de assentamentos paroquiais e documentos oficialmente
divulgados em várias publicações por nós consultadas”, diz Nelson Coelho de Senna (1926, p. 121).

Apêndice
161

XVIII, para o arquipélago de Cabo Verde. Passados os dez anos de desterro,


obteve permissão para, em 1803, vir da Ilha de São Tomé para Lisboa, de
onde, seguindo a transmutação da família real em 1808, voltou ao Brasil e
passou a residir no Rio de Janeiro. Exercia então as funções de contador-
-geral da Fazenda e escrivão da Mesa do Erário (hoje Tesouro Nacional),
na cidade do Rio de Janeiro, quando sua província natal o incluiu entre os
representantes eleitos, em 1821, para ir ter assento nas cortes de Lisboa,
como deputado por Minas Gerais. Foi adepto e entusiasta da causa da In-
dependência. Como deputado, tomou parte não só na Assembleia Cons-
tituinte do novo Império, em 1823, como também na 1a Legislatura, que
findou em 1826, encerrando então sua vida pública. Voltou a trabalhar no
Erário, onde foi contador-geral da Fazenda, escrivão da Mesa do Erário e
administrador do Contrato Real da Fábrica de Lapidação de Diamantes.
Aposentou-se, em 1827, tendo sido então agraciado com o título de con-
selheiro. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro
de 1823.

Manoel Rodrigues da Costa (1754-1840)


Nome parlamentar: Rodrigues da Costa
Padre. Implicado na revolução de Tiradentes e desterrado. Solto no fim de
dez anos de prisão, voltou ao Brasil. Amigo de Antônio Carlos, com ele par-
ticipou da Tipografia do Arco do Cego em Lisboa no final do século XVIII.
De volta ao Brasil, filiou-se em 1822 ao Apostolado. Depois, foi cônego ho-
norário na vila de Barbacena em Minas Gerais. Participou intensamente da
Revolução Liberal de 1842. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11
de novembro de 1823.

João Gomes da Silveira Mendonça (1781-1827)


Nome parlamentar: Silveira Mendonça
Visconde do Fanado, marquês de Sabará, brigadeiro e ministro da Guerra.
Eleito deputado para as cortes de Lisboa. Foi um dos redatores da Consti-
tuição de 1824. Velho militar, não tinha da política outra concepção senão a
de que o bem servir à pátria significava servir ao imperador, de quem foi de-
dicado partidário. D. Pedro I cumulou-o com honras e títulos, dispensando-
-lhe sempre provas de absoluta confiança pessoal. Já marquês e marechal
reformado, desfrutou da intimidade do Paço e da estima do jovem soberano.
Faleceu no Rio de Janeiro em 2 de julho de 1827. Deputado constituinte de
23 de setembro de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por Minas Gerais
de 4 de maio de 1826 a 2 de julho de 1827.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


162

Antônio Teixeira da Costa (...?)


Nome parlamentar: Teixeira da Costa
Doutor em medicina. Eleito deputado às cortes de Lisboa em 1821 por Minas
Gerais, mas não compareceu. Deputado constituinte de 23 de setembro de
1823 a 11 de novembro de 1823.

Manoel José Velloso Soares (...?)


Nome parlamentar: Velloso Soares
Doutor em Cânones pela Universidade de Coimbra. Nascido em Minas
Gerais, residia em Vila Rica quando foi eleito deputado, em setembro de
1821, para ir representar sua província nas cortes de Lisboa. Em 1823, ainda
foi eleito deputado e fez parte da Assembleia Constituinte brasileira, como
representante de Minas Gerais. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823
a 11 de novembro de 1823.

Manoel Ferreira da Câmara de Bittencourt


Aguiar e Sá (1764-1835)
Nome parlamentar: Câmara, ou intendente Câmara
Bacharel em Direito e Filosofia pela Universidade de Coimbra. Natura-
lista, viajou à Europa com José Bonifácio. No Brasil, foi desembargador
e intendente-geral das Minas de Ouro e Diamantes do Tijuco, Vila Rica,
etc. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Presidente da Assembleia Constituinte em julho de 1823. Senador
por Minas Gerais de 28 de abril de 1827 a 13 de dezembro de 1835.

Teotônio Álvares de Oliveira Maciel (...?)


Nome parlamentar: Oliveira Maciel
Bacharel em Direito. Deputado constituinte de 16 de junho de 1823 a 11 de
novembro de 1823.

José Álvares do Couto Saraiva (...?)


Nome parlamentar: Saraiva, ou Couto Saraiva
Bacharel em Direito. Tomou assento na Constituinte aos 73 anos de idade.
Deputado constituinte de 18 de julho de 1823 a 11 de novembro de 1823.

Apêndice
163

José Custódio Dias (17...?-1838)


Nome parlamentar: Dias, ou Custódio Dias
Padre. Natural da província de Minas Gerais. Residia no Rio de Janeiro
quando de sua eleição para as cortes de Lisboa. Foi um dos que mais luta-
ram para que a deputação mineira não seguisse para a Europa. Deputado
na 1ª Legislatura. Para a Constituinte de 1823, fora eleito suplente, tendo
substituído o deputado desembargador Lucas Antônio Monteiro de Barros,
que tomou assento em 4 de novembro. Foi escolhido senador do Império,
em 1835, pela Regência, onde permaneceu até seu falecimento, em janeiro
de 1838. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 3 de novembro de
1823. Deputado por Minas Gerais nas 1a, 2a, e 3a Legislaturas. Senador por
Minas Gerais de 18 de setembro de 1835 a 7 de janeiro de 1838.

Custódio Dias “foi chefe político de grande influência no seu


tempo e um dos oradores liberais mais assíduos na tribuna parlamen-
tar” (Senna, 1926, p. 124). Sua residência no Rio de Janeiro, a Chácara
da Floresta, foi o cenário onde se reuniam, entre outros nomes de
primeira ordem da política de então: José Joaquim da Rocha, Joa-
quim Gonçalves Ledo, Luís da Nóbrega, frei Francisco Sampaio e
Evaristo da Veiga. Ali, desde a agitada campanha pela independência
até a abdicação de D. Pedro I, confabulou-se intensamente.
Foi na Chácara da Floresta que Evaristo da Veiga, durante uma
reunião com 23 deputados, sob a presidência do senador Vergueiro,
na noite de 18 de março de 1831, redigiu enérgica representação ao
imperador, fazendo os parlamentares, seus signatários, exigências de
satisfação, então ofendidos pelas atitudes dos que rodeavam o vo-
luntarioso primeiro imperador. Ali nasceu o rastilho que, vinte dias
depois, terminaria no ato de abdicação de D. Pedro I, no dia 7 de abril
de 1831 (Armitage, 1972, p. 207).

João Severiano Maciel da Costa (1769-1833)


Nome parlamentar: Maciel da Costa
Visconde e marquês de Queluz, desembargador do Paço, ministro do Impé-
rio, dos Negócios Estrangeiros e Fazenda. No reinado de D. João VI, gover-
nou com distinção a Guiana Francesa. Deputado constituinte de 4 de agosto
de 1823 a 11 de novembro de 1823. Presidente da Assembleia Constituinte
em novembro de 1823. Senador pela Paraíba de 24 de julho de 1826 a 19 de
novembro de 1833. Presidente da província da Bahia.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


164

João Evangelista de Faria Lobato (1763-1846)


Nome parlamentar: Evangelista, ou Faria Lobato
Desembargador; juiz de fora de Paracatu. Distinguiu-se por sua adesão à
causa da Independência. Até o dia 23 de setembro foi substituído pelo suplente
José de Abreu e Silva. Deputado constituinte de 23 de setembro de 1823 a 11
de novembro de 1823. Senador por Minas Gerais de 4 de maio de 1826 a
25 de junho de 1846.

José de Abreu e Silva (...?)


Nome parlamentar: Abreu e Silva
Vigário, tomou assento como suplente em 28 de agosto no lugar do depu-
tado João Evangelista de Faria Lobato. Deputado constituinte de 28 de
agosto de 1823 a 22 de setembro de 1823.

Antônio Gonçalves Gomide (1770-1835)


Nome parlamentar: Gomide
Médico formado em Edimburgo. Como suplente, substituiu o deputado
cônego Francisco Pereira de Santa Apolônia. Deputado constituinte de
3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por Minas Gerais
de 8 de maio de 1826 a 26 de fevereiro de 1835.

Lúcio Soares Teixeira de Gouvea (1782-1838)


Nome parlamentar: Teixeira de Gouvea
Magistrado. Natural de Mariana, foi jovem ainda para Portugal, onde se gra-
duou bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra. De volta ao Brasil,
serviu por longos anos na magistratura, tendo feito nela carreira. Foi juiz
de fora, em Goiás, juiz da alfândega do Rio de Janeiro e desembargador e
presidente do Tribunal da Relação da Corte. Como político, principiou a car-
reira sendo eleito, em 1821, como deputado mais votado pela sua província
natal às cortes. Entretanto, como toda a bancada mineira, não embarcou
para Lisboa, permanecendo no Rio de Janeiro. Proclamada a Independên-
cia, foi eleito deputado geral por Minas Gerais à Assembleia Constituinte,
repetindo o mandato para a 1ª Legislatura do Império, de 1826 a 1829. Por
duas vezes, ocupou a pasta de ministro da Justiça, em gabinetes do Primeiro
Reinado e durante a Regência. Escolhido senador do Império, em 1837, pela
província do Rio de Janeiro, exerceu sua vice-presidência em 1838, ano de

Apêndice
165

sua morte. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro


de 1823. Deputado por Minas Gerais na 1a Legislatura. Senador por Minas
Gerais de 8 de maio de 1837 a 21 de novembro de 1838.

Estevão Ribeiro de Resende (1777-1856)


Nome parlamentar: Ribeiro de Resende
Barão, conde e marquês de Valença, ministro do Império e da Justiça.
Bacharel em Direito. Em 1810, juiz de fora de São Paulo e, em 1818, de-
sembargador da Casa da Suplicação. Em 1822, acompanhou o príncipe
D. Pedro a Minas Gerais, como secretário de Estado, ad hoc. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por
Minas Gerais de 4 de maio de 1826 a 8 de julho de 1856.

Antônio da Rocha Franco (1777-1843)


Nome parlamentar: Rocha Franco
Padre. Foi eleito suplente, substituindo o bacharel Jacinto Furtado de Men-
donça, que tomou assento pelo Rio de Janeiro. Deputado constituinte de
3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado por Minas Gerais
na 1a Legislatura.

José Antônio da Silva Maia (1789-1853)


Nome parlamentar: Maia
Procurador da coroa, conselheiro de Estado, ministro do Império e da Jus-
tiça. Nasceu na cidade do Porto. Deputado constituinte de 3 de maio de
1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado por Minas Gerais nas 1a e 2a Le-
gislaturas. Senador por Goiás de 30 de maio de 1843 a 3 de outubro de 1853.

José Teixeira da Fonseca Vasconcellos (1766 ou 1767-1838)


Nome parlamentar: Teixeira Vasconcellos, ou Teixeira da Fonseca
Visconde de Caeté, desembargador. Distinguiu-se por sua adesão à In-
dependência em Minas Gerais. Deputado constituinte de 3 de maio de
1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por Minas Gerais de 6 de junho
de 1826 a 10 de fevereiro de 1838. Primeiro presidente da província de
Minas Gerais.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


166

Lucas Antônio Monteiro de Barros (...?)


Nome parlamentar: Monteiro de Barros, ou Barros
Visconde de Congonhas e senador. Tomou posse em 4 de novembro de 1823.

Francisco Pereira de Santa Apolônia (...?)


Não tomou assento.

São Paulo
Entre os eleitos por São Paulo, encontravam-se José Bonifácio de Andrada
e Silva, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, indiscutivel-
mente o melhor orador e o maior líder parlamentar da Constituinte, Nicolau
Pereira de Campos Vergueiro, brasileiro ainda que nascido em Portugal, ve-
terano das cortes de Lisboa, Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira e José
Arouche de Toledo Rendon, todos nomes de respeito.

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859)


Nome parlamentar: Vergueiro
Senador, ministro de Estado da Fazenda, do Império e da Justiça, membro da
Regência Trina Provisória. Bacharel em Direito pela Universidade de Coim-
bra. Era português, trasmontano de origem, nascido em Valporto, termo da
cidade de Bragança. Assim que graduado, migrou para o Brasil, em 1805,
fixando-se como advogado em São Paulo, onde, mais tarde, já casado, fez-
-se fazendeiro. Sua fazenda Ibicaba, perto de Limeira, foi a primeira pro-
priedade particular agrícola do Brasil que, em 1847, adotou o trabalho livre
de braços estrangeiros, tendo Vergueiro nela introduzido colonos alemães.
Político influente, tomou parte, como deputado por São Paulo, nas cortes,
onde, na sessão de 6 de março de 1822, pronunciou em defesa do Brasil
um dos mais memoráveis discursos daquela Assembleia. Dirigiu o curso de
Direito em São Paulo de 1837 a 1842 além de participar do governo da pro-
víncia de São Paulo. Viu-se envolvido na Revolução Liberal de 1842, tendo
sido acusado de ser um dos seus chefes e absolvido pelo Senado. Membro
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, imprimiu, em 1822, conscien-
ciosa memória histórica acerca da fábrica e das minas de ferro de Ipanema,
que passou à posteridade como a melhor monografia sobre o tema. Tomou
assento na Assembleia Constituinte a partir da sessão de 1º de julho, tendo

Apêndice
167

sido até então substituído pelo suplente tenente-general Manoel Martins do


Couto Reis. Foi vogal do primeiro governo provisório de São Paulo em 1821.
Deputado às cortes de Lisboa, de 11 de fevereiro de 1822 a 22 de setembro de
1822. Deputado constituinte de 1º julho de 1823 a 11 de novembro de 1823.
Deputado por São Paulo na 1a Legislatura. Senador por Minas Gerais de 23
de junho de 1828 a 17 de setembro de 1859.

Segundo Sacramento Blake (1900, p. 313), Vergueiro “foi um


dos mais esforçados obreiros da Independência, tendo nas cortes
portuguesas, como membro da comissão política do Brasil, apre-
sentado seu voto em separado, que foi tenazmente combatido e
considerado como a proclamação mais enérgica dessa Indepen-
dência, e tendo depois recusado sua assinatura à Constituição Por-
tuguesa”.

Manoel Martins do Couto Reis (…?)

Nome parlamentar: Couto Reis


Militar (tenente-general). Substituiu o deputado Nicolau Pereira de Campos
Vergueiro. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 30 de junho de
1823.

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada


Machado e Silva (1773-1845)
Nome parlamentar: Andrada Machado
Advogado e magistrado. Natural de Santos, bacharel em direito por Coim-
bra. Deputado às cortes de Lisboa de 11 de fevereiro de 1822 a 6 de outubro
de 1822. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Deputado por São Paulo na 4a Legislatura. Senador por Pernambuco
de 4 de junho de 1845 a 5 de dezembro de 1845.
Ministro do Império no Gabinete da maioridade.

Depois de haver, sob a direção de frei Veloso, no Arco do Cego,


em Lisboa, colaborado na tradução de algumas obras, Antônio Car-
los seguiu a magistratura. Foi juiz de fora em Santos e ouvidor em
Olinda, quando rebentou a Revolução de 1817, na qual se envolveu

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


168

como importante membro do Governo Provisório da república im-


plantada. Vencida a revolução, foi preso e remetido para a Bahia, de
onde foi solto somente em fevereiro de 1821, ao cabo de quase quatro
anos de reclusão.59
Em 7 de agosto de 1821, foi eleito deputado às cortes por sua
província natal de São Paulo. Contava então pouco mais de 48 anos
de idade quando assumiu a cadeira. Lá revelou todos os seus dotes
de grande parlamentar. Tendo partido de São Paulo, em fins de se-
tembro de 1821, Antônio Carlos e seus colegas Nicolau Vergueiro,
Diogo Feijó e Silva Bueno chegaram a Lisboa, em 7 de fevereiro de
1822, tomando assento nas cortes no dia 11 do mesmo mês. Já no dia
13, tomou a palavra revelando-se verdadeiro tribuno. Discutia-se a
organização da justiça no Brasil. Em seu discurso de estreia, corajo-
samente disse à maioria lusa, na sua empolgante peroração:

A respeito de se dizer que os povos, apesar de gozarem os mes-


mos direitos, não hão de ter todos as mesmas comodidades, digo
que isto, se assim fosse a nossa união, não duraria um mês. Os
povos do Brasil são tão portugueses como os povos de Portugal
e por isso hão de ter aqui iguais direitos. Enquanto a força dura,
dura a obrigação de obedecer. A força de Portugal há de durar
muito pouco, e cada dia há de ser menor, uma vez que se não ado-
tem medidas profícuas e os brasileiros não tenham iguais como-
didades. (Senna, 1926, p. 100)

Antônio Carlos foi, nos anos de 1821 e 1822, campeão da digni-


dade, dos direitos e da causa do Brasil. Em 1822, em arrebatadores
discursos, tocou por vezes o extremo da audácia. Insultado e amea-
çado pelo que chamou de “gentalha rude” de Lisboa, que das galerias
da Constituinte o interrompia com injúrias, o grande tribuno, em vez
de calar-se ou abster-se, reagia veemente e redobrava de ardor no
combate.60 Não quis assinar a Constituição portuguesa, tendo-se já
declarado sem mandato na Constituinte, à vista do pronunciamento
do Brasil pela sua independência. Sentindo-se ameaçado, embarcou
em um navio inglês com seis outros deputados brasileiros para a In-
glaterra. Durante sua presença nas cortes, foi o verdadeiro líder par-
lamentar da bancada brasileira.

59 Estando na prisão, e tendo sido aconselhado a pedir clemência ao rei, Antônio Carlos respondeu:
“Perdão, só peço a Deus. Do rei quero justiça”.
60 Certa feita, na sessão do dia 9 de maio de 1822, interrompido em seu pronunciamento por ma-
nifestações das galerias, Antônio Carlos gritou: “Silêncio! Aqui desta tribuna, até os reis têm que me
ouvir”.

Apêndice
169

De retorno ao Brasil, em 1823, foi eleito deputado à Assembleia


Geral Constituinte do Império. Nela, foi o relator do projeto de Cons-
tituição que estava sendo debatido quando de sua dissolução. Em con-
sequência dos acontecimentos políticos, que precipitaram a dissolução
da Constituinte de 1823, foi exilado para a Europa, donde regressou em
1828. Permaneceu por dez anos em São Paulo, afastado da política e
do Parlamento, para onde regressou, como deputado em oposição aos
conservadores. Liberal extremado, foi figura importante nos sucessos
da decretação da maioridade de D. Pedro II. Morreu exercendo o man-
dato senatorial, para o qual havia sido eleito por Pernambuco, provín-
cia ligada aos primeiros momentos de sua vida pública.
Juntamente com seus irmãos José Bonifácio de Andrada e Silva e
Martim Francisco Ribeiro de Andrada formou a tríade fundamental
na condução dos eventos que conduziram à Independência do Brasil.
O visconde de Porto Seguro assegura que:

Esses anos de reclusão forçada de Antônio Carlos contribuí-


ram mais para acabar de formar o espírito e o caráter de Antônio
Carlos do que o seu curso em Coimbra. Durante eles, leu muito,
meditou não menos, e até se exercitou no foro, tomando a seu
cargo a defesa de muitos dos seus compatriotas, comprometidos
com ele, e alguns até seus companheiros na prisão, e também seus
discípulos. Mas, ao mesmo tempo, essa prisão agriou-lhe o caráter.
(Varnhagen, 2010, p. 81)

Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira (…?-1824)


Nome parlamentar: Rodrigues Velloso, ou Velloso, ou ainda Velloso de Oliveira
Conselheiro e desembargador do Paço. Escreveu, em 1810, uma memória
sobre o melhoramento da província de São Paulo, publicada em 1822. Em
1819, escreveu o opúsculo A Igreja do Brasil, publicado em 1847 pela Câmara
dos Deputados, contendo um plano para uma nova divisão eclesiástica em
arcebispados e bispados, com mapas estatísticos da população. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

José Corrêa Pacheco e Silva (1778-1836)


Nome parlamentar: Pacheco e Silva
Bacharel em Direito, desembargador. Como suplente, substituiu o deputado
conselheiro da Fazenda Diogo de Toledo Lara e Ordonhes, que não tomou
assento. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Deputado por São Paulo nas 1a, 2a e 3a Legislaturas.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


170

José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada (1787-1846)


Nome parlamentar: Costa Aguiar
Desembargador. Paulista, e pelo lado materno sobrinho dos Andradas, na-
tural de Santos, bacharel em Direito por Coimbra, aos 23 anos era já um
homem erudito, tendo viajado pela Europa, África e Ásia. Conhecia e falava
várias línguas, inclusive o árabe e o turco. De temperamento combativo e
exaltado, foi um dos deputados brasileiros eleitos para as cortes de Lisboa,
em 1821. Era então desembargador na Relação da Bahia, depois de já haver
sido magistrado na capitania do Grão-Pará, em Belém e Marajó. Tomou as-
sento nas cortes em 2 de julho de 1822. Recusou-se a assinar a Constituição,
em 30 de setembro de 1822. Fez parte do grupo de deputados que fugiram
para a Inglaterra para não serem constrangidos a jurar a Constituição portu-
guesa. De regresso ao Brasil, foi eleito por São Paulo deputado à Assembleia
Constituinte, após o que retornou definitivamente à magistratura. Termi-
nou seus dias, em 1846, como ministro do Supremo Tribunal de Justiça do
Império. Deputado às cortes de Lisboa de 2 de julho de 1822 a 23 de setem-
bro de 1822. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro
de 1823. Deputado por São Paulo nas 1a e 4a Legislaturas como suplente.

D. José Arouche de Toledo Rendon (1756-1834)


Nome parlamentar: Arouche Rendon, ou Toledo Rendon ou Arouche
Militar, bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Se-
guiu a carreira das armas, sendo, em 1822, marechal de campo e, em 1829,
tenente-general. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de no-
vembro de 1823.

Francisco de Paula Souza e Mello (1791-1851)


Nome parlamentar: Paula e Mello, ou Paula, ou ainda Paula Souza
Deputado às cortes de Lisboa em 1821, embora não tenha tomado assento.
Foi grande líder do partido liberal. Deputado constituinte de 3 de maio de
1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado por São Paulo nas 1a e 2a Legis-
laturas. Senador de 17 de agosto de 1833 a 16 de agosto de 1851. Ministro
do Império nos 7º e 9º Gabinetes. Presidente do Conselho de Ministros do
9º Gabinete.

Apêndice
171

José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838)


Nome parlamentar: Andrada e Silva
Desembargador, conselheiro, ministro do Império e dos Negócios Estran-
geiros. Ainda em vida foi reconhecido como o “Patriarca da Independên-
cia”. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Presidente da Assembleia Constituinte de 1º de junho de 1823 a 30
de junho de 1823. Deputado suplente pela Bahia na 2a Legislatura.

Manoel Joaquim de Ornellas (…?-…?)


Nome parlamentar: Ornellas
Bacharel em Direito, natural da ilha da Madeira. Como suplente, substituiu o
conselheiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que tomara assento pelo
Rio de Janeiro. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novem-
bro de 1823. Deputado por São Paulo nas 1a e 2a Legislaturas.

Diogo de Toledo Lara e Ordonhes (…?)


Não tomou assento.

Goiás
Silvestre Álvares da Silva (…?)

Nome parlamentar: Álvares da Silva


Padre. Deputado constituinte de 14 de julho de 1823 a 11 de novembro de
1823.

Joaquim Alves de Oliveira (…?)


Nome parlamentar: Alves de Oliveira
Sargento-mor. Não tomou assento.

Antônio José Teixeira de Carvalho (…?)


Suplente do deputado Alves de Oliveira, convocado em 30 de agosto de
1823, mas não tomou posse.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


172

Pernambuco
Pernambuco enviou o antigo revolucionário de 1817, então convertido em
liberal moderado, o padre Francisco Muniz Tavares, bem como o jovem ba-
charel Pedro Araújo Lima, futuro marquês de Olinda e o futuro segundo
regente único, dois veteranos das cortes de Lisboa e que em muito se des-
tacariam nos decênios seguintes. Da bancada pernambucana ainda se so-
bressaiu Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque.

Francisco Muniz Tavares (1773-1875)


Nome parlamentar: Muniz Tavares
Padre, monsenhor e diplomata. Pernambucano, nascido em Recife, ordenou-
-se sacerdote e começou jovem a se bater pelas ideias liberais. Foi o primeiro
presidente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano.
Deputado às cortes de Lisboa de 29 de agosto de 1821 a 4 de novembro de
1822. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.
Deputado por Pernambuco na 6a Legislatura.

Muniz Tavares foi um dos vultos mais notáveis da Revolução de


1817 e padeceu longos meses de encarceramento na Bahia. Em 1821,
sua província o elegeu como deputado às cortes, onde logo propôs a
criação de uma universidade no Brasil, recebendo a resposta da maio-
ria portuguesa de que “algumas escolas primárias bastariam para o
Brasil”. Ainda perante as cortes, fez Muniz Tavares veemente dis-
curso em defesa de Francisco Paes Barreto, então preso no Castelo
de São Jorge, em Lisboa, por envolvimento nos sucessos de Recife,
contra o capitão-general de Pernambuco Luís do Rego, conseguindo
a sua absolvição.
Era dotado com uma alma de sonhador, espírita apaixonado e
ardente, em suas convicções políticas, que sabia defender com rara
combatividade. Em vivo debate com o parlamentar português Borges
Carneiro, na sessão de 18 de outubro de 1821, produziu corajoso
discurso combatendo a remessa de mais tropas para Pernambuco e
a incômoda presença ali da já numerosa guarnição lusitana. Che-
gou, em aparte violento ao deputado Ferreira de Moura, a lembrar,
em vaticínio: “Que o primeiro choque que causou a desunião dos
Estados Unidos, quando estes haviam proclamado à face de Deus
e do universo adesão à metrópole inglesa, não fora causado senão
pelo fato de essa mesma metrópole mandar-lhes soldados contra a
sua vontade”.

Apêndice
173

Foi deputado na Constituinte. Posteriormente, voltou à Europa


onde se doutorou em Teologia, pela Universidade de Paris. Foi ainda
representante diplomático do Brasil junto à Santa Sé, em Roma. Entre
os trabalhos que deixou, figura a sua História da Revolução de 1817,
que mereceu grandes elogios de Oliveira Lima.

Pedro de Araújo Lima (1793-1870)


Nome parlamentar: Araújo Lima
Marquês de Olinda, conselheiro, ministro e regente do Império. Bacha-
rel em Direito pela Universidade de Coimbra e magistrado. Em 1821, foi
eleito deputado por Pernambuco para as cortes de Lisboa, ocasião em que
abandonou a carreira judiciária, não ocupando a Ouvidoria da comarca
de Paracatu, então parte mais remota de Pernambuco, no Alto Sertão do
São Francisco, para a qual estava despachado. Durante sua permanência
na sessão legislativa de sete meses da Assembleia Constituinte, propôs:
a instituição de uma biblioteca pública em Recife (a que ali existira, por
iniciativa do padre João Ribeiro Pessoa, fora destruída durante a Revolução
de 1817); a fundação de escolas de primeiras letras em todas as paróquias,
devendo no programa do ensino primário se incluírem para os alunos li-
geiras noções de Direito Constitucional; e a obrigação de o clero doutri-
nar o povo, a bem da paz e do espírito de regeneração social. Respeitador
das decisões da maioria, característica que vai acompanhá-lo por toda sua
vida política, assinou e jurou a Constituição Portuguesa. Voltou de Lisboa
em 1823, desembarcando já eleito deputado à Assembleia Constituinte,
onde tomou assento em 3 de maio. Sua longa e brilhante carreira política,
como parlamentar e estadista prolongou-se até sua morte, já octogená-
rio. O marquês de Olinda foi “conservador” a princípio até 1857, quando
abraçou francamente o partido liberal, organizando em 1863 o chamado
partido progressista, de matiz liberal. Foi o segundo regente único do Im-
pério durante a minoridade de D. Pedro II e, posteriormente, presidente
do Conselho de Ministros do Império. Deputado às cortes de Lisboa de 29
de agosto de 1821 a 4 de novembro de 1822. Deputado constituinte de 3 de
maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado por Pernambuco nas
2a e 3a Legislaturas. Senador por Pernambuco de 6 de setembro de 1837 a
7 de junho de 1870. Ministro do Império em dez gabinetes, além de minis-
tro da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


174

Nuno Eugênio de Locio e Seilbitz (1782-1843)


Nome parlamentar: Locio e Seilbitz, ou D. Nuno Eugênio de Locio
Eclesiástico e desembargador. Substituiu o deputado João da Silva Ferreira,
que não tomou assento. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11
de novembro de 1823. Senador por Alagoas de 21 de junho de 1826 a 16 de
janeiro de 1843. Presidente da província de Alagoas, de 1º de julho de 1824
a 16 de março de 1827, e da província da Bahia, de 17 de março de 1827 a 10
de outubro de 1827.

Antônio José Duarte de Araújo Gondin (1782-1826)


Nome parlamentar: Araújo Gondin
Formado em Direito em Coimbra, voltou ao Brasil em 1808. Juiz de fora em
Mariana, ouvidor e membro do governo interino das Minas Gerais em Vila
Rica. Ouvidor na Bahia, desembargador da Casa de Suplicação, no Rio de
Janeiro. Deputado constituinte de 21 de junho de 1823 a 11 de novembro
de 1823. Foi eleito senador por Pernambuco em 1826, porém, faleceu antes de
tomar posse.

Ignácio de Almeida Fortuna (…?)


Nome parlamentar: Fortuna
Padre. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Deputado por Pernambuco nas 2a e 3a Legislaturas.

Francisco Ferreira Barreto (1790-1851)


Nome parlamentar: Ferreira Barreto
Padre. Substituiu o deputado Francisco de Carvalho Paes de Andrade. Depu-
tado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

Venâncio Henriques de Resende (…?-1866)


Nome parlamentar: Henriques de Resende
Padre. Teve o reconhecimento de seu diploma contestado, em litígio que
marcou época, sobre o qual discorremos no Capítulo III. Deputado cons-
tituinte de 17 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado por
Pernambuco nas 2ª, 3ª, 4ª e 5ª (como suplente), e na 8ª Legislaturas.

Apêndice
175

Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque (1753-1833)61


Nome parlamentar: Almeida e Albuquerque, ou Albuquerque
Desembargador. Deputado constituinte de 23 de maio de 1823 a 11 de no-
vembro de 1823. Deputado por Pernambuco nas 1a, 2a e 3a Legislaturas.

Manoel Ignácio Cavalcanti de Lacerda (1799-1882)


Nome parlamentar: Cavalcanti de Lacerda
Barão de Pirapama, bacharel em Direito e magistrado. Deputado cons-
tituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado nas
2a, 4a e 5a Legislaturas. Senador por Pernambuco de 18 de abril de 1850 a
11 de março de 1882. Presidente do Senado de 8 de maio de 1854 a 3 de
maio de 1861.

Luís Ignácio de Andrade Lima (…?)


Nome parlamentar: Andrade Lima
Padre. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Deputado por Pernambuco na 1a Legislatura e suplente na 2a.

Bernardo José da Gama (1782-1854)


Nome parlamentar: Gama
Segundo visconde de Goiana, desembargador. Distinguiu-se por sua ani-
mada adesão à Independência, em cuja sustentação escrevera dois opús-
culos políticos em 1822 e 1823. Deputado constituinte de 3 de maio de
1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado pelo Grão-Pará na 3a Legislatura.
Deputado por Pernambuco na 6a Legislatura. Presidente da província do
Grão-Pará. Ministro do Império na Regência Trina Provisória.

Antônio Ribeiro de Campos (…?)


Nome parlamentar: Ribeiro de Campos
Deputado constituinte de 19 de junho de 1823 a 11 de novembro de 1823.

61 De acordo com Pedro Calmon (1972), foi capitão do regimento miliciano dos nobres, sucessor
de seu pai no ofício de escrivão de defuntos e ausentes, ofício que perdeu por ter tomado parte na
Revolução de 1817. Faleceu em 1834, ou 1844.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


176

Manoel Maria Carneiro da Cunha (…?)


Não tomou assento.

Francisco de Carvalho Paes de Andrade (…?)


Não tomou assento.

João da Silva Ferreira (…?)


Não tomou assento.

Ceará
A província do Ceará enviou, entre outros representantes, Pedro José da
Costa Barros, futuro senador, e o padre José Martiniano de Alencar, veterano
das cortes de Lisboa e igualmente futuro senador. Na bancada, João Antônio
Rodrigues de Carvalho, revolucionário em 1817, conservador em 1823, se
salientaria nos debates e nos pareceres e alcançaria igualmente o Senado
do Império.

Pedro José da Costa Barros (1779-1839)


Nome parlamentar: Costa Barros, Barros
Ministro da Marinha e senador do Império. Natural de Aracati, alistou-se
no Exército em 1803. Em 1821, quando eleito deputado às cortes de Lis-
boa, tinha a patente de sargento-mor do Corpo de Artilheiros. Reformou-se
como tenente-coronel. Deputado, não renunciou ao mandato, mas também
não compareceu às cortes, tendo permanecido no Rio de Janeiro. Deputado
constituinte de 9 de julho de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador pelo
Ceará de 7 de maio de 1827 a 20 de outubro de 1839. Presidente da província
do Ceará, de 17 de abril de 1824 a 29 de abril de 1824, e do Maranhão, de 2 de
setembro de 1825 a 27 de fevereiro de 1828.

José Martiniano de Alencar (1798-1860)


Nome parlamentar: Alencar
Padre, natural do Crato. Foi ardente liberal e patriota, tendo tomado parte
nos movimentos políticos de sua época. Tomou assento nas cortes de Lisboa
no lugar do coronel José Ignácio Gomes Parente, que desistira de viajar por
razões de saúde. Exerceu mandato de 10 de maio a 4 de outubro de 1822.
Fez parte dos deputados brasileiros que não concordaram com o texto que

Apêndice
177

estava para ser jurado. Foi pai do romancista José de Alencar. Deputado às
cortes de Lisboa de 10 de maio de 1822 a 4 de novembro de 1822. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado na 2a
Legislatura. Senador pelo Ceará de 2 de maio de 1832 a 13 de março de 1860.

Manoel Pacheco Pimentel (…?)


Nome parlamentar: Pacheco Pimentel
Padre, vigário de Vila Viçosa. Foi eleito como segundo suplente para as cor-
tes de Lisboa, mas não chegou a tomar assento. Deputado constituinte de
27 de outubro de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado pelo Ceará na
2a Legislatura.

José Joaquim Xavier Sobreira (…?)


Nome parlamentar: Xavier Sobreira
Padre, vigário de Lavras. Deputado constituinte de 24 de setembro de 1823
a 11 de novembro de 1823.

João Antônio Rodrigues de Carvalho (...?-1840)


Nome parlamentar: Rodrigues de Carvalho
Formado em Cânones. Voltou ao Brasil em 1807. Juiz de fora de Goiana, ou-
vidor na comarca do Ceará, desembargador da Relação da Bahia. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador de 4
de maio de 1826 a 4 de dezembro de 1840. Presidente da província de Santa
Catarina de 16 de fevereiro de 1824 a 11 de março de 1825.

José Mariano de Albuquerque Cavalcanti (1772-1844)


Nome parlamentar: Mariano de Albuquerque, ou Mariano Cavalcanti, ou
ainda Cavalcanti de Albuquerque
Militar. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823. Deputado nas 3a e 4a Legislaturas. Foi presidente das províncias do
Ceará, de Santa Catarina e de Sergipe.

Manuel Ribeiro Bessa de Hollanda Cavalcanti (...?)


Nome parlamentar: Hollanda Cavalcanti
Padre. Deputado constituinte de 24 de setembro de 1823 a 11 de novembro
de 1823.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


178

Antônio Manoel de Souza (...?)


Padre, vigário de Jardim. Chegou à Corte depois de dissolvida a Constituinte.

Rio Grande do Norte


Thomaz Xavier Garcia de Almeida e Castro (1792-1870)

Nome parlamentar: Xavier Garcia


Magistrado. Substituiu o deputado bacharel Francisco de Arruda Câmara,
que não compareceu. Deputado constituinte de 25 de outubro de 1823 a 11
de novembro de 1823. Deputado por Pernambuco na 1a Legislatura. Depu-
tado pela Bahia na 5a Legislatura. Presidente das províncias de São Paulo, de
19 de novembro de 1827 a 23 de dezembro de 1828, de Pernambuco, de 24
de dezembro de 1828 a 31 de maio de 1835 e de 9 de outubro de 1844 a 10 de
julho de 1845, e da Bahia, de 26 de abril de 1838 a 14 de novembro de 1840.

Francisco de Arruda Câmara (…?)


Médico formado em Montpellier e agricultor. Participou das revoluções de
1817 e 1824. Foi eleito para representar a Paraíba nas Cortes de Lisboa e o
Rio Grande do Norte na Constituinte de 1823. Não tomou assento.

Mato Grosso
Antônio Navarro de Abreu (...?-1845)

Nome parlamentar: Navarro de Abreu


Bacharel em Matemática e militar (tenente-coronel). Deputado constituinte
de 9 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.62 Deputado por Mato Grosso
na 4a Legislatura.

62 O reconhecimento do diploma do deputado de Mato Grosso foi questionado em razão de ter ele
sido sufragado apenas por duas das três comarcas da província. A Comissão de Verificação de Poderes,
na segunda Sessão Preparatória, assim se manifestou sobre o caso:
À comissão pareceu que o Sr. Deputado nomeado pelos distritos de Cuiabá e Paraguai Dia-
mantino não pode por ora tomar assento, por não ser eleito pela província toda, não tendo
concorrido o distrito de Vila Bela; como porém as dissensões existentes entre os distritos,
e repugnância do de Vila Bela, foram as causas que deram origem a esta ilegalidade, e não
devam dois distritos deixar de ser representados, pela pertinácia de um terceiro, a comis-
são deixa à Assembleia depois de instalada a decisão deste delicado negócio. (Brasil, 1876,
p. 24-25)

Apêndice
179

Paraíba
Destacou-se, na bancada da Paraíba, o deputado Joaquim Manuel Carneiro
da Cunha, parlamentar bravo e independente.

Joaquim Manuel Carneiro da Cunha (…?)


Nome parlamentar: Carneiro da Cunha
Tomou parte ativa na Revolução de 1817. Esteve preso na Bahia até a anistia
geral. Deputado às Cortes de Lisboa e à Constituinte.

Augusto Xavier de Carvalho (…?)


Nome parlamentar: Xavier de Carvalho
Revolucionário de 1817. Eleito para a Junta Provisória do Governo da Pa-
raíba. Deputado às Cortes e à Constituinte. Faleceu em Portugal. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado pela
Paraíba nas 1a e 2a Legislaturas.

José Ferreira Nobre (…?)


Nome parlamentar: Ferreira Nobre
Padre, vigário de Pombal (Paraíba). Revolucionário em 1817, preso na Bahia
até 1820, quando foi inocentado e reintegrado em seus direitos. Deputado
constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

José da Cruz Gouveia (…?)


Nome parlamentar: Cruz Gouveia
Revolucionário de 1817, na Paraíba. Fugiu para a Inglaterra, voltando na In-
dependência. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro
de 1823.

Virgínio Rodrigues Campelo (…?)


Padre, vigário de Campina Grande. Preso no pós-Revolução de 1817. Preso
na Bahia até o indulto geral de 1821. Eleito às Cortes de Lisboa.

A solução encontrada foi aceitar-se a legalidade do diploma do deputado e, excepcionalmente, criar-


-se uma cadeira específica para a comarca de Vila Bela. No entanto, a dissolução da Constituinte não
possibilitou a eleição do segundo deputado por Mato Grosso.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


180

Alagoas
Da província de Alagoas destacou-se o deputado Caetano Maria Lopes
Gama, futuro visconde de Maranguape, pernambucano de nascimento.

Ignácio Accioli de Vasconcellos (…?)


Nome parlamentar: Accioli
Juiz de fora da Vila da Praia, desembargador. Deputado constituinte de 3 de
maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Presidente da província do Espírito
Santo de 24 de fevereiro de 1824 a 22 de novembro de 1829.

Caetano Maria Lopes Gama (1795-1864)


Nome parlamentar: Lopes Gama
Conselheiro de Estado, visconde de Maranguape, bacharel em Direito. Depu-
tado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado
por Pernambuco na 1a Legislatura. Deputado por Goiás na 2a Legislatura. Se-
nador pelo Rio de Janeiro de 4 de maio de 1839 a 21 de junho de 1864.

José Antônio Caldas (…?)


Nome parlamentar: Caldas
Padre. Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de
1823.

José de Souza Mello (…?)


Nome parlamentar: Souza Mello
Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.
Deputado por Alagoas na 1a Legislatura.

Miguel Joaquim de Cerqueira e Silva (…?)


Bacharel em Direito, juiz de fora de Marajó. Não tomou posse.

Apêndice
181

Santa Catarina
Diogo Duarte Silva (1774-1857)

Nome parlamentar: Duarte Silva


Inspetor do tesouro público. Português de nascimento. Deputado consti-
tuinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Deputado por Santa
Catarina nas 1a, 2a e 3a Legislaturas.

Rio Grande do Sul


José Feliciano Fernandes Pinheiro, o futuro visconde de São Leopoldo,
paulista de nascimento, representando o Rio Grande do Sul, veterano das
cortes de Lisboa, parlamentar tímido, porém competente, foi o destaque da
bancada do Rio Grande do Sul.

José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774-1847)


Nome parlamentar: Fernandes Pinheiro
Visconde de São Leopoldo, bacharel em Direito e Cânones pela Universi-
dade de Coimbra e magistrado. Paulista, natural de Santos, foi escritor e
político de sucesso. Homem de grandes e úteis iniciativas, era dotado de
espírito moderado e culto. Pelo lado materno se aparentava com os An-
dradas e foi amigo e companheiro de Antônio Carlos desde a infância em
Santos, tendo sido também colegas em Coimbra. Deputado às cortes de
Lisboa de 27 de abril de 1822 a 9 de dezembro de 1822. Deputado consti-
tuinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823. Senador por São
Paulo de 4 de maio de 1826 a 16 de julho de 1847. Presidente da província
do Rio Grande do Sul de 8 de março de 1824 a 13 de janeiro de 1826. Mi-
nistro do Império e da Justiça.

Fernandes Pinheiro era desembargador quando se viu eleito depu-


tado por São Paulo às cortes, em 1821. Seguiu do Rio de Janeiro para
Lisboa, em 27 de janeiro de 1822, e tomou assento na sessão do dia
27 de abril de 1822. Alguns meses depois chegaram três seus compa-
nheiros da bancada paulista: Antônio Carlos, Antônio Diogo Feijó e
Nicolau Vergueiro.
Nas cortes:

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


182

Procedeu dignamente e não faltou ao seu dever de brasileiro:


moderado pelo caráter, e fiel a princípios severos de doutrina. Não
se igualou a Antônio Carlos, a Cipriano Barata, a Diogo Feijó, a
Lino Coutinho e alguns outros, em arrebatamentos e em arden-
tes lavas de patriotismo e não os acompanhou na retirada das
cortes declaradamente hostis ao Brasil. Assinou a Constituição
portuguesa, e procedeu assim mais por convicção de que estava a
isso obrigado pelas explícitas instruções do mandato que recebera
(foi o único da bancada paulista a assinar a Carta); mas, sempre
defendendo os direitos do Brasil, deixou Portugal apenas soube
que a vontade nacional brasileira se manifestara, proclamando a
Independência, aliás ainda guerreada pelas tropas portuguesas.
(Senna, 1926, p. 104)

Voltando ao Brasil, em 1823, achou-se simultaneamente eleito


deputado à Constituinte pelas províncias de São Pedro do Rio Grande
do Sul (onde tinha domicílio) e de São Paulo (de onde era natural).
Optou pelo mandato da província de seu domicílio. Na Constituinte
se fez notar pela moderação e pelas ideias monarquistas e liberais-
-conservadoras. Foi o primeiro presidente da província do Rio Grande
do Sul, província que o elegeu, mais tarde, para o Senado do Império.
Deixou vários estudos, trabalhos e memórias, notadamente os Anais
histórico-geográficos da capitania de São Pedro (1819-1822), sobre a
terra gaúcha a que estava ligado por tradições e afinidades políticas.

Francisco das Chagas Santos (1763-1840)


Nome parlamentar: Chagas Santos
Militar (marechal de campo). Militou na campanha contra Artigas. Presi-
dente da província do Rio Grande do Sul. Deputado constituinte de 3 de
maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

Joaquim Bernardino de Senna Ribeiro da Costa (…?)


Nome parlamentar: Ribeiro da Costa, ou Senna Ribeiro
Bacharel em Direito, provedor de fazenda e ouvidor da comarca de Rio
Grande de São Pedro e ilha de Santa Catarina. Membro do governo interino
da capitania do Rio Grande de São Pedro. Deputado constituinte de 3 de
maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

Apêndice
183

Antônio Martins Bastos63 (…?)


Nome parlamentar: Martins Bastos
Deputado constituinte de 3 de maio de 1823 a 11 de novembro de 1823.

63 Nas cortes de Lisboa consta o deputado pelo Rio de Janeiro Luiz Martins Bastos, que os autores
dizem ser o presente deputado. A publicação de Octaciano Nogueira e João Sereno Firmo Parlamen-
tares do Império (1973) registra os dois nomes como pertencentes a pessoas distintas.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


ANEXOS
187

ANEXO I

Legislação referente às
cortes convocadas no Rio de
Janeiro por D. João VI

Decreto de 23 de fevereiro de 182164


Nomeia os membros da comissão encarregada de
preparar as leis constitucionais

Tendo mandado convocar os procuradores das cidades e vilas do reino


do Brasil, e ilhas, para em junta de cortes se tratar das leis constitucionais,
que se discutem nas cortes de Lisboa, e dos melhoramentos que forem úteis
ao Brasil, criando uma comissão de pessoas do meu conselho para preparar
estas averiguações, e evitar a demora da convocação de províncias mui dis-
tantes, hei por bem que a mesma comissão seja composta das pessoas que
constam da relação inclusa, assinada por Thomaz Antônio de Villa-Nova
Portugal, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino; e a ela po-
derá assistir o meu procurador da coroa, e ser chamado qualquer dos outros
fiscais, ou empregados públicos, que for conveniente. O mesmo ministro e
secretário de Estado o tenha assim entendido, e lho participe, para que, sem
dependência de outro título, hajam de entrar em exercício.

Palácio do Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1821.


Com a rubrica de Sua Majestade

64 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1821 (Brasil, 1889b, p. 20).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


188

Pessoas nomeadas para a Comissão da


Junta criada pelo decreto acima65

Para presidente
Marquês de Alegrete

Para deputados
Barão de Santo Amaro
Monsenhor Almeida
Luiz José de Carvalho e Mello
Antônio Luiz Pereira da Cunha
Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira
João Severino Maciel da Costa
Camillo Maria Tonellet
João de Souza do Mendonça Corte Real
José da Silva Lisboa
Mariano José Pereira da Fonseca
João Rodrigues Pereira de Almeida
Antônio José da Costa Ferreira
Francisco Xavier Pires
José Caetano Gomes

Procurador da Coroa
José de Oliveira Botelho Pinto Mosqueira
Secretários
Manoel Jacinto Nogueira da Gama
Manoel Moreira de Figueiredo

Secretários supranumerários para servirem


no impedimento dos referidos
O coronel Francisco Saraiva da Costa Refoios
O desembargador João José do Mendonça

Palácio do Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1821


Thomaz Antônio de Villa-Nova Portugal

65 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1821 (Brasil, 1889b, p. 21).

Anexo I
189

ANEXO II

Legislação referente ao Conselho de


Procuradores‑Gerais das Províncias
convocado por D. Pedro I

Decreto de 16 de fevereiro de 182266


Cria o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias
do Brasil.

Tendo eu anuído aos repetidos votos e desejos dos leais habitantes


desta capital e das províncias de São Paulo e Minas Gerais, que me reque-
reram houvesse eu de conservar a regência deste reino, que meu augusto
pai me havia conferido, até que pela Constituição da monarquia se lhe
desse uma final organização sábia, justa e adequada aos seus inalienáveis
direitos, decoro e futura felicidade, porquanto, de outro modo este rico e
vasto reino do Brasil ficaria sem um centro de união e de força, exposto aos
males da anarquia e da guerra civil. E desejando eu, para utilidade geral do
Reino Unido e particular do bom povo do Brasil, ir de antemão dispondo e
arraigando o sistema constitucional, que ele merece, e eu jurei dar-lhe, for-
mando desde já um centro de meios e de fins, com que melhor se sustente
e defenda a integridade e liberdade deste fertilíssimo e grandioso país, e
se promova a sua futura felicidade, hei por bem mandar convocar um Con-
selho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, que as representem
interinamente, nomeando aquelas, que têm até quatro deputados em cor-
tes um; as que têm de quatro até oito, dois; e as outras daqui para, cima,
três; os quais procuradores-gerais poderão ser removidos de seus cargos
pelas suas respectivas províncias, no caso de não desempenharem devi-
damente suas obrigações, si assim o requererem os dois terços das suas

66 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1822 (Brasil, 1887, p. 6).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


190

Câmaras em vereação geral e extraordinária, procedendo-se à nomeação


de outros em seu lugar.
Estes procuradores serão nomeados pelos eleitores da paróquia juntos
nas cabeças de comarca, cujas eleições serão apuradas pela Câmara da capi-
tal da província, saindo eleitos afinal os que tiverem maior número de votos
entre os nomeados, e em caso de empate decidirá a sorte, procedendo-se
em todas estas nomeações e apurações na conformidade das instruções, que
mandou executar meu augusto pai pelo Decreto de 7 de Março de 1821, na
parte em que for aplicável e não se achar revogada pelo presente Decreto.
Serão as atribuições deste Conselho:
1º Aconselhar-me todas as vezes que por mim lhe for mandado, em
todos os negócios mais importantes e difíceis;
2º Examinar os grandes projetos de reforma, que se devam fazer na ad-
ministração geral e particular do Estado, que lhe forem comunicados;
3º Propor-me as medidas e planos que lhe parecerem mais urgentes e
vantajosos ao bem do Reino Unido e à prosperidade do Brasil;
4º Advogar e zelar cada um dos seus membros pelas utilidades de sua
província respectiva.
Este Conselho se reunirá em uma sala do meu paço todas as vezes que
eu o mandar convocar, e além disto todas as outras mais, que parecer ao
mesmo Conselho necessário de se reunir se assim o exigir a urgência dos
negócios públicos, para o que me dará parte pelo ministro e secretário de
Estado dos Negócios do Reino.
Este Conselho será por mim presidido, e às suas sessões assistirão os
meus ministros e secretários de Estado, que terão nelas assento e voto.
Para o bom regime e expediente dos negócios nomeará o Conselho por
pluralidade de votos um vice-presidente mensal dentre os seus membros,
que poderá ser reeleito de novo, se assim lhe parecer conveniente, e no-
meará de fora um secretário sem voto, que fará o protocolo das sessões, e
redigirá e escreverá os projetos a provocá-los e as decisões que se tomarem
em Conselho. Logo que estiverem reunidos os procuradores de três provín-
cias, entrará o Conselho no exercício das suas funções.
Para honrar, como devo, tão úteis cidadãos, hei por bem conceder-lhes o
tratamento de “excelência”, enquanto exercerem os seus importantes em-
pregos. E mando outrossim que nas funções públicas preceda o Conselho a
todas as outras corporações do Estado, e gozem seus membros de todas as
preeminências de que gozavam até aqui os conselheiros de Estado no reino
de Portugal.

Anexo II
191

José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro e secretário de Estado dos


Negócios do Reino e Estrangeiros, o tenha assim entendido e faça executar
com os despachos necessários.

Paço, em 16 de fevereiro de 1822.


Com a rubrica de S.A.R. o príncipe regente
José Bonifácio de Andrada e Silva

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


193

ANEXO III

Legislação referente à
Constituinte de 1823

Decreto de 3 de junho de 182267


Manda convocar uma Assembleia Geral Constituinte
e Legislativa composta de deputados das províncias
do Brasil, os quais serão eleitos pelas instruções que
forem expedidas.

Havendo-me representado os procuradores-gerais de algumas pro-


víncias do Brasil já reunidos nesta corte, e diferentes câmaras, e povo de
outras, o quanto era necessário e urgente para a mantença da integridade
da monarquia portuguesa, e justo decoro do Brasil, a convocação de uma
assembleia luso-brasiliense, que investida daquela porção de soberania,
que essencialmente reside no povo deste grande e riquíssimo continente,
constitua as bases sobre que se devam erigir a sua independência, que a
natureza marcara, e de que já estava de posse, e a sua união com todas as
outras partes integrantes da grande família portuguesa, que cordialmente
deseja. E reconhecendo eu a verdade e a força das razões, que me foram
ponderadas, nem vendo outro modo de assegurar a felicidade deste reino,
manter uma justa igualdade de direitos entre ele e o de Portugal, sem per-
turbar a paz, que tanto convém a ambos, e tão própria é de povos irmãos,
hei por bem, e com o parecer do meu Conselho de Estado, mandar convocar
uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, composta de deputados
das províncias do Brasil novamente eleitos na forma das instruções, que em
Conselho se acordarem, e que serão publicadas com a maior brevidade. José
Bonifácio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado, e do Conselho
de Sua Majestade Fidelíssima o rei, o Senhor D. João VI, e meu ministro e

67 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1822 (Brasil, 1887, p. 19).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


194

secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Estrangeiros, o tenha


assim entendido, e o faça executar com os despachos necessários.

Paço, 3 de junho de 1822.


Com a rubrica do príncipe regente. José Bonifácio de Andrada e Silva

Instruções a que se refere o real Decreto de 3 de junho


do corrente ano que manda convocar uma Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brasil68

CAPÍTULO I
DAS ELEIÇÕES
1. As nomeações dos deputados para a Assembleia Geral Constituinte do
Brasil serão feitas por eleitores de paróquia.
2. Os eleitores, que hão de nomear os deputados, serão escolhidos dire-
tamente pelo povo de cada uma das freguesias.
3. As eleições de freguesias serão presididas pelos presidentes das câ-
maras com assistência dos párocos.
4. Havendo na cidade ou vila mais de uma freguesia, será a presidência
distribuída pelos atuais vereadores da sua Câmara, e na falta destes pelos
transatos.
5. Toda povoação ou freguesia que tiver até 100 fogos, dará um eleitor;
não chegando a 200, porém se passar de 150, dará dois; não chegando a 300
e passar de 250, dará três, e assim progressivamente.
6. Os párocos farão afixar nas portas das suas igrejas editais, por onde
conste o número de seus fogos, e ficam responsáveis pela exatidão.
7. Têm direito a votar nas eleições paroquiais todo cidadão casado e todo
aquele que tiver de 20 anos para cima sendo solteiro, e não for filho-família.
Devem, porém, todos os votantes ter pelo menos um ano de residência na
freguesia onde derem o seu voto.
8. São excluídos do voto todos aqueles que receberem salários ou solda-
das por qualquer modo que seja. Não são compreendidos nesta regra uni-
camente os guarda-livros e 1ºs caixeiros de casas de comércio, os criados da
Casa Real, que não forem de galão branco, e os administradores de fazendas
rurais e fábricas.
9. São igualmente excluídos de voto os religiosos regulares, os estrangei-
ros não naturalizados e os criminosos.

68 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1822 (Brasil, 1887, v. 1, p. 42-49).

Anexo III
195

10. Proceder-se-á às eleições de freguesias no primeiro domingo depois


que a elas chegarem os presidentes nomeados para assistirem a este ato.

CAPÍTULO II
DO MODO DE PROCEDER ÀS ELEIÇÕES DOS ELEITORES
1. No dia aprazado para as eleições paroquiais, reunido na freguesia o
respectivo povo, celebrará o pároco missa solene do Espírito Santo, e fará,
ou outro por ele, um discurso análogo ao objeto e circunstâncias.
2. Terminada esta cerimônia religiosa, o presidente, o pároco e o povo se
dirigirão às casas do Concelho, ou às que melhor convierem, e tomando os
ditos presidente e pároco assento à cabeceira de uma mesa, fará o primeiro,
em voz alta e inteligível, a leitura dos Capítulos I e II destas instruções.
Depois proporá dentre os circunstantes os secretários e escrutinadores, que
serão aprovados ou rejeitados por aclamações do povo.
3. Na freguesia que tiver até 400 fogos inclusive, haverá um secretário e
dois escrutinadores, e nas que tiverem daí para cima, dois secretários e três
escrutinadores. O presidente, o pároco, os secretários e os escrutinadores
formam a Mesa ou Junta Paroquial.
4. Lavrada a ata desta nomeação, perguntará o presidente se algum dos
circunstantes sabe e tem que denunciar suborno ou conluio para que a elei-
ção recaia sobre pessoa ou pessoas determinadas. Verificando-se por exame
público e verbal a existência do fato arguido (se houver arguição), perderá o
incurso o direito ativo e passivo de voto. A mesma pena sofrerá o caluniador.
Qualquer dúvida que se suscite será decidida pela Mesa em ato sucessivo.
5. Não havendo, porém, acusação, começará o recebimento das listas.
Estas deverão conter tantos nomes quantos são os eleitores que tem de dar
aquela freguesia; serão assinadas pelos votantes e reconhecida a identidade
pelo pároco. Os que não souberem escrever chegar-se-ão à Mesa e, para
evitar fraudes, dirão ao secretário os nomes daqueles em quem votam; este
formará a lista competente, que depois de lida será assinada pelo votante
com uma cruz, declarando o secretário ser aquele o sinal de que usa tal
indivíduo.
6. Não pode ser eleitor quem não tiver, além das qualidades reque-
ridas para votar, domicílio certo na província há quatro anos inclusive
pelo menos. Além disso deverá ter 25 anos de idade, ser homem probo
e honrado, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e
inimizade à causa do Brasil, e de decente subsistência por emprego, ou
indústria, ou bens.
7. Nenhum cidadão poderá escusar-se da nomeação, nem entrar com
armas nos lugares das eleições.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


196

CAPÍTULO III
DO MODO DE APURAR OS VOTOS
1. Recolhidas, contadas e verificadas todas as listas, a Mesa apurará os
votos aplicando o maior cuidado e exação neste trabalho, distribuindo o
presidente as letras pelos secretários e escrutinadores, e ele mesmo lendo
os nomes contidos nas mencionadas listas.
2. Terminada a apuração destas, proceder-se-á à conta dos votos, e o se-
cretário formará uma relação de todos os sujeitos que os obtiveram, pondo
o número em frente do nome. Então o presidente e a Mesa, verificando se os
que alcançaram a pluralidade possuem os requisitos exigidos e demarcados
no § 6° do Capítulo II, os publicará em alta voz. No caso de empate, decidirá
a sorte.
3. O ato destas eleições é sucessivo; as dúvidas que ocorrerem serão de-
cididas pela Mesa, e a decisão será terminante.
4. Publicados os eleitores, o secretário lhes fará imediatamente aviso
para que concorram à casa onde se fizeram as eleições. Entretanto lavrará
o termo delas no livro competente, o qual será por ele subscrito, e assi-
nado pelo presidente, pároco e escrutinadores. Deste se extrairão as cópias
necessárias, igualmente assinadas, para se dar uma a cada eleitor, que lhe
servirá de diploma, remeter-se uma à Secretaria de Estado dos Negócios do
Brasil e uma ao presidente da Câmara das cabeças do distrito.
5. As câmaras das vilas requererão aos comandantes militares os solda-
dos necessários para fazer guardar a ordem e tranquillidade, e executar as
comissões que ocorrerem.
6. Reunidos os eleitores, os cidadãos que formaram a Mesa, levando-os
entre si e acompanhados do povo, se dirigirão à igreja matriz, onde se can-
tará um Te Deum solene. Fará o pároco todas as despesas de altar, e as câ-
maras todas as outras, bem como proverão de papel e livros todas as juntas
paroquiais.
7. Todas as listas dos votos dos cidadãos serão fechadas e seladas, e
remetidas com o livro das atas ao presidente da câmara da comarca, para
serem guardadas no arquivo dela, pondo-se-lhes rótulos por fora, em que se
declare o número das listas, o ano e a freguesia, acompanhado tudo de um
ofício do secretário da junta paroquial.
8. Os eleitores, dentro de 15 dias depois da sua nomeação, achar-se-ão
no distrito que lhes for marcado. Ficarão suspensos pelo espaço de 30 dias,
contados da sua nomeação, todos os processos civis em que eles forem au-
tores ou réus.

Anexo III
197

9. Todas estas ações serão praticadas a portas abertas e francas.


10. Para facilitar as reuniões dos eleitores, ficam sendo, só para este
efeito, cabeças de distrito, os seguintes:

Na província da Cisplatina: Montevidéu, Maldonado, Colônia.


Na província do Rio Grande do Sul: vila de Porto Alegre, vila do Rio
Grande, vila do Rio Pardo, vila de São Luiz.
Na província de Santa Catarina: vila do Desterro, vila de São Francisco,
vila da Laguna.
Na província de São Paulo: a cidade de São Paulo, vila de Santos, vila de
Itu, vila de Curitiba, vila de Paranaguá, vila de Taubaté.
Na província de Mato Grosso: Vila Bela, vila de Cuiabá, vila do Paraguai
Diamantino.
Na província de Goiás: cidade de Goiás, julgado de Santa Cruz, julgado
de Cavalcante.
Na província de Minas Gerais: vila de São João del’Rei, vila da. Princesa
da Campanha, vila de São Bento de Tamanduá, Vila Rica, cidade de Ma-
riana, vila de Pitangui, vila do Príncipe, vila de Nossa Senhora do Bom
Sucesso, vila do Paracatu.
Na província do Rio de Janeiro: a capital, vila de São João Marcos, vila de
Santo Antônio de Sá, Macaé.
Na província do Espírito Santo: vila da Vitória, vila de São Salvador.
Na província da Bahia: vila de Porto Seguro, vila de São. Mateus, vila de
São Jorge, vila do Rio das Contas, cidade de São Salvador, vila de Santo
Amaro, vila do Itapicuru, vila da Cachoeira, vila da Jacobina, vila de
Sergipe, Vila Nova de Santo Antônio.
Na província de Alagoas: vila de Porto Calvo, vila das Alagoas, vila do
Penedo.
Na província de Pernambuco: cidade de Olinda, cidade de Recife, Gara-
nhuns, Vila das Flores, vila da Barra, Carinhanha, Campo Largo, Cabrobó.
Na província da Paraíba: cidade da Paraíba, Vila Real, Vila da Rainha,
Campina Grande.
Na província do Rio Grande do Norte: cidade de Natal, Vila Nova da
Princesa.
Na província do Ceará: vila do Aracati, Vila do Sobral, vila de Icó.
Na província do Piauí: vila da Parnaíba, cidade de Oeiras.
Na província do Maranhão: cidade de São Luiz, vila de Itapicuru-Mirim,
vila de Caxias.
Na província do Pará: cidade de Belém, vila Viçosa, Santarém, Barcelos,
Marajó, Vila Nova da Rainha, vila do Crato, Olivença, Cametá.

11. Os eleitores das freguesias das vilas e lugares intermédios concorre-


rão àquele distrito que mais cômodo lhes for dos apontados.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


198

CAPÍTULO IV
DOS DEPUTADOS
1. Os deputados para a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do
Reino do Brasil não podem ser por ora menos de 100. E porque a neces-
sidade da mais breve instalação da Assembleia obste a que se espere por
novos e mais bem formados censos, não devendo merecer atenção por ine-
xatos todos os que existem, este número l00 será provisoriamente distri-
buído pelas províncias na seguinte proporção:

Província Cisplatina 2

Rio Grande do Sul 3

Santa Catharina 1

São Paulo 9

Mato Grosso 1

Goiás 2

Minas Gerais 20

Rio de Janeiro 8

Capitania 1

Bahia 13

Alagoas 5

Pernambuco 13

Paraíba 5

Rio Grande do Norte 1

Ceará 8

Piauí 1

Maranhão 4

Pará 3

2. Para ser nomeado deputado cumpre que tenha, além das qualidades
exigidas para eleitor no § 6º do Capítulo II, as seguintes: que seja natural do
Brasil ou de outra qualquer parte da monarquia portuguesa, contanto que
tenha 12 anos de residência no Brasil, e sendo estrangeiro que tenha 12 anos

Anexo III
199

de estabelecimento com família, além da sua naturalização; que reúna a


maior instrução, reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido
zelo pela causa do Brasil.
3. Poderão ser reeleitos os deputados do Brasil, ora residentes nas cortes
de Lisboa, ou os que ainda para ali não partiram.
4. Os deputados receberão pelo Tesouro Público da sua província 6.000
cruzados anuais, pagos a mesadas no princípio de cada mês; e no caso de
que haja alguma província que não possa de presente com a despesa, será
ela paga pelo cofre geral do Tesouro do Brasil, ficando debitada à província
auxiliada para pagá-la quando, melhoradas as suas rendas, o puder fazer.
5. Os governos provinciais proverão aos transportes dos deputados
das suas respectivas províncias, bem como ao pontual pagamento de suas
mesadas.
6. Ficarão suspensos todos e quaisquer outros vencimentos, que tiverem
os deputados, percebidos pelo Tesouro Público, provenientes de empregos,
pensões, etc.
7. Os deputados pelo simples ato da eleição ficam investidos de toda a
plenitude dos poderes necessários para as augustas funções da Assembleia,
bastando para autorização a cópia da ata das suas eleições.
8. Se acontecer que um cidadão seja ao mesmo tempo eleito deputado
por duas ou mais províncias, preferirá a nomeação daquela onde tiver
estabelecimento, domiciliou domicílio. A província privada procederá a
nova escolha.
9. As câmaras das províncias darão aos respectivos deputados instruções
sobre as necessidades, os melhoramentos das suas províncias.
10. Nenhum cidadão poderá escusar-se de aceitar a nomeação.
11. Quando estiverem reunidos 51 deputados, instalar-se-á a Assem-
bleia. Os outros tomarão nela assento na proporção que forem chegando.

CAPÍTULO V
DAS ELEIÇÕES DOS DEPUTADOS
1. Os eleitores das freguesias, tendo consigo os seus diplomas, se apre-
sentarão à autoridade civil mais graduada do distrito, que há de servir-lhes
de presidente até a nomeação do que se ordena no § IV deste Capítulo,
para que este faça inscrever seus nomes, e freguesias a que pertencem,
no livro que há de servir para as atas da próxima eleição dos deputados,
marque-lhes o dia e o local da reunião, e faça intimar à Câmara a execução
dos preparativos necessários.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


200

2. No dia aprazado, reunidos os eleitores presididos pela dita autoridade,


depois de fazer-se a leitura dos Capítulos IV e V, nomearão por aclamação
um secretário e dois escrutinadores, para examinarem os diplomas dos elei-
tores, e acusarem as faltas que lhes acharem, e assim mais uma comissão de
dois dentre eles para examinar os diplomas do secretário e escrutinadores,
os quais todos darão conta no dia seguinte das suas informações.
3. Logo depois começarão a fazer, por escrutínio secreto e por cédulas, a
nomeação do presidente escolhido dentre os eleitores e, apurados os votos
pelo secretário e escrutinadores, será publicado o que reunir a pluralidade,
do que se fará ata ou termo formal com as devidas explicações. Tomando o
novo presidente posse, o que será em ato sucessivo, retirar-se-á o Colégio
Eleitoral.
4. No dia seguinte, reunido e presidido o Colégio Eleitoral, darão as co-
missões conta do que acharam nos diplomas. Havendo dúvidas sobre eles,
ou qualquer outro objeto, serão decididas pelo presidente, secretário, escru-
tinadores e eleitores, e a decisão é terminante. Achando-se, porém, legais,
dirigir-se-á todo o Colégio à igreja principal, onde se celebrará, pela maior
dignidade eclesiástica, missa solene do Espírito Santo, e o orador mais
acreditado, que não se poderá escusar, fará um discurso análogo às cir-
cunstâncias, sendo as despesas como no art. 6 do Capítulo III.
5. Terminada a cerimônia, tornarão ao lugar do ajuntamento e, repetindo-
-se a leitura dos Capítulos IV e V, e feita a pergunta do § 4 do Capítulo II,
procederão à eleição dos deputados, sendo ela feita por cédulas individuais,
assinadas pelo votante, e tantas vezes repetidas quantos forem os depu-
tados que deve dar a província, publicando o presidente o nome daquele
que obtiver a pluralidade, e formando o secretário a necessária relação,
em que lançará o nome do eleito e os votos que teve.
6. Preenchido o número, e verificadas pelo Colégio Eleitoral as qualida-
des exigidas no § 2 do Capítulo IV, formará o secretário o termo da eleição
e circunstâncias que a acompanharam; dele se extrairão duas cópias, uma
das quais será remetida à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, e
outra fechada e selada à Câmara da capital, levando inclusa a relação dos
deputados que saíram eleitos naquele distrito, com o número de votos que
teve, em frente do seu nome. Este termo e relação serão assinados por todo
o Colégio, que desde logo fica dissolvido.
7. Recebidas pela Câmara da capital da província todas as remessas dos
diferentes distritos, marcará por editais o dia e hora em que procederá à
apuração das diferentes nomeações, e nesse dia, em presença dos eleitores
da capital, dos homens bons e do povo, abrirá as cartas, fazendo reconhecer

Anexo III
201

pelos circunstantes que elas estavam intactas, e, apurando as relações pelo


método já ordenado, publicará, o seu presidente, aqueles que maior número
de votos reunirem. A sorte decidirá os empates.
8. Depois de publicadas as eleições, formados e exarados os necessários
termos e atas assinadas pela Câmara e eleitores da capital, se dará uma
cópia a cada um dos deputados, e remeter-se-á outra à Secretaria de Estado
dos Negócios do Brasil.
9. O livro das atas e as relações e ofícios recebidos dos diferentes distri-
tos serão emaçados conjuntamente, sobrepondo-se-lhes o rótulo “Atas das
eleições dos deputados para a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa
do Reino do Brasil no ano de 1822”, e se guardará no arquivo da Câmara.
10. A Câmara, os deputados, eleitores e circunstantes dirigir-se-ão à
igreja principal, onde se cantará solene Te Deum às expensas da mesma
Câmara.

Paço, 19 de junho de 1822.


José Bonifácio de Andrada e Silva

Determinação do secretário de Estado dos


Negócios do Reino do Brasil e Estrangeiros69
Remete os Decretos de 1º e 3 do corrente, proclamações
e instruções para as eleições de deputados à Assembleia
Geral Constituinte.

Manda S.A. Real o príncipe regente, pela Secretaria de Estado dos Negó-
cios do Reino, remeter ao governo provisório da província d... os exemplares
inclusos dos Decretos de 1º e 3 do corrente, das proclamações de S.A. Real,
e o discurso dirigido ao mesmo pelos procuradores-gerais conselheiros de
Estado, que se reuniram na primeira sessão do Conselho, e finalmente das
instruções a que se refere o citado Decreto de 3 do corrente, para as eleições
dos deputados da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa. E espera S.
A. Real, pela confiança que tem nos patrióticos sentimentos que animam o
mesmo governo, a favor da causa sagrada da união e independência deste
reino, que dará sem hesitação o devido cumprimento, pela parte que lhe
toca, às reais determinações, de cuja observância e execução depende es-
sencialmente a sólida felicidade do Brasil, fundada na posse segura dos seus

69 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1822 (Brasil, 1887, p. 50).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


202

sagrados direitos por tantas maneiras sagazmente isolados, mas que serão
sempre protegidos e sustentados pelo seu perpétuo defensor.

Palácio do Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1822.


José Bonifácio de Andrada e Silva

Decreto de 14 de abril de 182370


Designa o dia 17 do corrente mês para a reunião
dos deputados da Assembleia Geral Constituinte
e Legislativa.

Achando-se reunido nesta corte o número de deputados estabelecido no


§ 11 do Capítulo IV das Instruções de 19 de junho do ano próximo passado,
a que se refere o meu imperial Decreto de 3 do dito mês, pelo qual houve por
bem convocar uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império
do Brasil, e convindo à felicidade geral do mesmo império e dos meus fiéis
súditos que não se retarde um só dia a instalação da referida Assembleia, a
fim de se preencherem seus fins augustos, hei por bem designar o dia 17 do
corrente mês, pelas 9 horas da manhã, para a primeira reunião dos mesmos
deputados, no salão que se acha pronto para as suas sessões, onde, come-
çando pela nomeação do presidente, formarão a junta preparatória para ve-
rificação de poderes, e organizarão o regulamento interno da Assembleia,
dando-me despois parte, por uma solene deputação, do dia que for assinado
para a abertura dos seus trabalhos, a cujo ato é minha imperial vontade as-
sistir pessoalmente. José Bonifácio de Andrada e Silva, do meu Conselho de
Estado, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império e Estran-
geiros, e meu mordomo-mor, o tenha assim entendido, e faça as necessárias
participações.

Paço, em 14 de abril de 1823; 2º da Independência e do Império.


Com a rubrica de Sua Majestade Imperial
José Bonifácio de Andrada e Silva

70 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1823 (Brasil, 1887, p. 59).

Anexo III
203

ANEXO IV

Extrato dos Anais da


Constituinte de 1823

Sessão de 11 de novembro

Noite da Agonia71

PRESIDÊNCIA DO SR. MACIEL DA COSTA


Reunidos os Srs. Deputados pelas 10 horas da manhã, fez-se a chamada,
e acharam-se presentes 64, faltando com causa os Srs. Pereira da Cunha,
Ribeiro de Resende, Teixeira Vasconcellos, Carneiro Srs. Deputados de Cam-
pos, Oliveira Maciel e Hollanda Cavalcanti; e sem ela os Srs. Rodrigues Vel-
loso, Bispo Capelão-Mor, Gama, Rodrigues de Carvalho, Pacheco e Silva,
Carvalho e Mello, Nogueira da Gama, França, Rodrigues da Costa, Ferreira
de Araújo, Costa Barros, Faria Lobato, Monteiro de Barros, Resende Costa.
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão e lida a ata da antecedente,
foi aprovada depois de satisfeitas algumas observações dos Srs. Andrada
Machado e Paula Mello.
Neste tempo entraram na sala os Srs. Bispo Capelão-Mor, Rodrigues
Velloso, Costa Barros, Rodrigues da Costa e Gama.
O Sr. Lopes Gama lembrou a necessidade de uma ordenança efetiva para
o serviço da Secretaria, e requereu que se admitisse a leitura de uma pro-
posta a este respeito, que há muito tempo se achava feita. Não se tomou em
consideração.
SR. ANDRADA MACHADO: Sr. Presidente, tenho que fazer uma proposta,
que requeiro se tome logo em consideração para se deliberar sobre ela. A si-
tuação da capital do Rio de Janeiro me determina a fazê-la. O dia de ontem
foi um dia muito notável; as tropas estiveram em armas toda a noite, e

71 Texto extraído do tomo 6 dos Anais da Assembleia Constituinte de 1823 (Brasil, 1884a, p. 286-309).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


204

correndo a cidade a puseram em geral inquietação; os cidadãos pacíficos


não dormiram, e propagando-se vozes de se atacarem alguns deputados, foi
preciso tomar cautelas, e velar em defesa própria.
À vista disto cumpre-nos, como sentinelas da nação vigiar pela sua
segurança.
Sua Majestade acha-se atualmente no seu palácio rodeado de todos os
corpos, até dos de artilharia, o que indica haver causa que, suposto a não
conheçamos, deve ser da mais alta consideração. E como nós somos respon-
sáveis à nação, proponho que esta Assembleia se declare em sessão perma-
nente, e que se destine uma deputação para pedir a Sua Majestade que pelo
governo se nos transmitam os motivos de tão extraordinários movimentos
nas tropas, e o que obriga a que os corpos estejam com cartuchos embalados
como prontos para ataque, quando não aparece razão para isto.
Sr. Presidente, o mundo nos vê, a nação nos escuta, o descuido em
tal caso não merece desculpa, nem em um corpo legislativo têm lugar os
descuidos.
Estabeleçamos, pois, as nossas comunicações com o governo, e para isso
se forme uma comissão especial, a fim de deliberar-se com conhecimento
pronto sobre as medidas que parecerem mais convenientes. Eu mando à
Mesa o que escrevi sobre este objeto:

INDICAÇÃO
Proponho:
1º Que se declare sessão permanente enquanto durarem as inquieta-
ções da capital;
2º Que se depute a Sua Majestade Imperial, rogando que o governo
comunique à Assembleia os motivos dos estranhos movimentos militares
que perturbam a tranquillidade desta capital;
3º Que se escolha uma comissão especial, que vigie sobre a seguridade
da corte, e se comunique com o governo e autoridades, a fim de deliberar-
-se quais as medidas extraordinárias que demandam as nossas delicadas
circunstâncias.
Andrada Machado

SR. PRESIDENTE: Sei que a minha resolução de levantar ontem a sessão


desagradou a alguns dos Srs. Deputados, e eu entendi que fiz nisso o meu
dever. Não quis tomar sobre mim o permitir que se franqueasse o seio da
Assembleia ao povo imenso, que não cabendo nas galerias mostrava desejo
de assistir à sessão. Propus o negócio à deliberação, e por voto unânime se
resolveu que se lhe abrissem as portas da sala, a qual foi imediatamente

Anexo IV
205

cheia. Logo que cessou o rumor, tomei a palavra para fazer ver ao povo ali
reunido quão grande era a confiança que nele punham seus representantes,
franqueando-lhe o santuário em que livremente expunham suas opiniões,
os quais por isso mesmo tinham direito a esperar que um povo tão generoso
se conduzisse com todo o acatamento e moderação, que no caso contrá-
rio, ao primeiro sinal de aprovação ou desaprovação do que se dissesse na
Assembleia, eu cumpriria o que manda o Regimento. Não aproveitou isto
nada, porque afogueados os espíritos, interromperam o orador, e levantou-
-se um motim tal que ninguém se entendia, e apenas ouvi as vozes de alguns
dos Srs. Deputados que pediam fortemente a execução do Regimento.
Neste estado de coisas, e depois de ordenar repetidas vezes silêncio
inutilmente, que tinha mais que esperar? Que se rompesse em excessos?
E quem será capaz de calcular toda a extensão das consequências? Pene-
trado então do meu dever, e querendo afastar de mim uma enorme respon-
sabilidade, levantei a sessão, o que nenhum mal podia acarretar ao bem
nacional.
SR. ALENCAR: Estou persuadido que V.Exa. obrou muito bem, mas como
menciona que a Assembleia dispensou o Regimento, consentindo a entrada
do povo no recinto da sala, parecendo deduzir que desta permissão se origi-
nou o motim, direi que não estou convencido disso.
Não foi esta a primeira vez que da parte do povo se faltou à devida aten-
ção, bem que logo se comedisse apenas foi advertido, e portanto não vejo
razão para atribuir à sua entrada na sala o que ontem aconteceu. Eu fui o
que propus a sua admissão porque estava certo que o público não era capaz
de faltar ao respeito devido à Assembleia, e que antes seria mui sujeito às
suas deliberações. Eu não espero dele outra coisa, e se ontem se demasiou,
no que não fez bem, houve motivos extraordinários para isso, que nada têm
de comum com a sua entrada na sala. Parece-me que devia fazer esta refle-
xão, sem que com isto pretenda atacar a determinação de V.Exa.
SR. ANDRADA MACHADO: Como apoiei ontem a proposta do Sr. Alencar,
direi também alguma coisa. No Regimento não se proíbe a entrada do povo
neste recinto, e portanto não foi preciso dispensá-lo; mas quando o fosse,
tinha mandado quem podia fazê-lo; e todas as vezes que houver povo que
não caiba nas galerias, eu serei de voto que se admita a ouvir junto de nós.
Agora o que eu creio é que não se executou o Regimento, porque este só
manda levantar a sessão em caso extremo, sem que baste para isso qualquer
inquietação ou ruído de vozes. O Sr. Presidente devia fazer as suas admoes-
tações, e só quando fosse a elas renitente o povo é que poderia levantar a
sessão. Acho que houve medo demais, e este susto excessivo menoscaba o

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


206

povo brasileiro, o mais pacífico de quantos tenho visto. O que requeiro pois
é que o Regimento fique em seu inteiro vigor, e que se proceda de modo que
não se caia em excessos.
Nas cortes de Lisboa, estando eu a falar, fui atacado por gritos de nume-
rosa multidão das galerias, e nem por isso se levantou a sessão; o presidente
bradou, e por fim obedeceram.
Em outra ocasião até se ouviram gritos de “mata, mata”, e o presidente
bateu na mesa, talvez cinco ou seis minutos, e o povo acomodou-se, sem se
dar o mau exemplo de levantar a sessão, apesar de se ouvirem proposições
horríveis. Entendo, pois, que os apoiados que ontem se deram não podiam
julgar-se motivo bastante para levantar a sessão; bastava chamar à ordem,
e esta seria conservada.
SR. PRESIDENTE: O ilustre deputado é que se engana, porque o Regimento
é contra ele em ambos os pontos. Quanto ao 1º está bem claro no art. 193
que diz:
“Não poderá assistir às sessões maior número de pessoas estranhas do
que aquele que bem couber no lugar destinado.”
Logo, é manifesto que não podia eu tomar sobre mim a novidade que
se pedia de se admitir o povo na sala das sessões, lugar sagrado, onde os
deputados devem estar desassombrados e livres. Quanto ao 2º, aqui está o
art. 196:
“Quando a inquietação do público, ou dos deputados, não puder coibir-
-se pelas admoestações do presidente, poderá este levantar a sessão.”
Ora, eu penso que ninguém negará ter havido, não simples inquietação,
mas um motim, e tal que ninguém se entendia, nem se ouvia, nem eram
atendidos o orador e outros senhores que pediam silêncio e atenção.
Ao exemplo do que se passou nas cortes de Portugal, respondo que não
sei o que lá houve, que nunca as tomarei para norma de minha conduta, e
que em casos tais prefiro perder antes por prudente que por valentão.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu não pretendo dar a lei a V.Exa. O que digo
é que precisamos que o Regimento se execute, e que se não está bem
claro, que o expliquemos, fixando uma regra para o futuro. Eu confio que
nunca nos será precisa, porque o povo brasileiro tem um caráter mui pa-
cífico, e nunca dará motivo para se levantar a sessão, mas bom é que haja
a prevenção, e eu desejo que se estabeleça expressamente que, só depois
da 1a e 2a advertências inúteis, se possa levantar a sessão. Eu mandarei à
Mesa na ocasião competente uma indicação para inteligência do art. 196.

Anexo IV
207

O Sr. Secretário Calmon deu conta de uma felicitação dos juízes ordiná-
rios do julgado de Curvelo. Foi recebida com particular agrado. Deu, também
conta das participações de moléstia dos Srs. Carvalho e Mello e Nogueira da
Gama. Ficou a Assembleia inteirada.
SR. SECRETÁRIO CALMON: Como veio à Mesa a indicação do Sr. Andrada
Machado, e é de matéria estranha à da Ordem do Dia, é necessário que se
decida pela Assembleia se entra ou não em debate agora, como requereu o
seu autor.
SR. PAULA E MELLO: Lembro que é preciso observar o Regimento no que
determina a respeito da urgência das propostas.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu já declarei que o negócio é da maior urgên-
cia. O que se segue é decidir-se pelo debate se há ou não essa urgência por
mim indicada.
Seguiu-se, então, a leitura da indicação. Finda ela o Sr. Presidente propôs
à votação a urgência, e sendo esta apoiada e aprovada, entrou a matéria em
discussão.
SR. MONTEZUMA: Sr. Presidente, em todos os semblantes tenho visto
hoje pintada a inquietação que sobressalta os habitantes desta capital, em
que é geral a consternação e o susto, e creio que a ninguém mais cumpre
acompanhá-los na sua mágoa do que aos representantes da nação.
Eu assim o faço e, encarando os seus males, posto que grandes, não me
acovardo. Tenho o coração assaz corajoso, a alma bastante enérgica para,
no meio das desgraças públicas, procurar remediá-las, e embaraçar a ruína
da pátria.
Ao ver famílias espavoridas fugir, e espalhado em geral o pavor e o
susto, meditei algum meio de remediar os males dos meus concidadãos,
e não tenho achado nenhum preferível ao lembrado pelo Sr. Andrada
Machado. Eu tive em vista propor a suspensão das sessões da Assembleia
até se saber de Sua Majestade as causas e os motivos de tão grande pertur-
bação, e que se vissem tomadas as medidas própria para a apaziguar, mas
quais seriam as consequências daquela suspensão?
A primeira, e muito funesta, era quebrar-se o vínculo da união dos dois
poderes, que nunca esteve mais em perigo de dissolver-se do que na si-
tuação presente; depois, sendo nós os escolhidos da nação, deveríamos
desampará-la, em lugar de lhe acudir por meio de acertadas deliberações
em que podemos autorizar o governo para obrar segundo convier em bene-
fício da pátria? Não, senhores, ao contrário devemos aqui permanecer para
debater as medidas que lembrarem, para olhar e acudir a todos os lados, e
para ordenar os remédios mais próprios, e com a maior prontidão possível.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


208

Nenhum outro partido pode tomar a Assembleia nas atuais circunstâncias


que não seja o declarar-se em sessão permanente, e dirigir uma deputação
a Sua Majestade.
Este partido me parece tanto mais sensato, quanto eu estou persua-
dido que nenhum de nós se interessa pela causa da nação como o seu chefe
(Apoiados.). Nenhum de nós deseja tanto a segurança pública como ele, não
só pelo interesse geral, mas até pelo seu interesse particular. Portanto, se-
nhores, não hesitemos um só momento em mandar uma deputação a Sua
Majestade para que nos comunique as causas e os motivos de retirar para
fora da capital a força armada, de que se acha atualmente rodeado, e po-
nhamos já em prática o mais que lembra o Sr. Andrada Machado na sua
indicação, que eu inteiramente aprovo.
SR. ALENCAR: Sr. Presidente, estou muito persuadido que da energia à
precipitação não vai mais que um passo, e a precipitação tem sido nas as-
sembleias constituintes a causa da sua queda. Será possível que esta Assem-
bleia que até o dia de hoje se tem sustentado com prudência, se lembre agora
de dar passos precipitados! Nada, senhores, nada de energia demasiada. Eu
não tenho visto tantas inquietações como figuram os ilustres preopinan-
tes. Houve, é verdade, movimentos de tropas, mas parece-me que não têm
causado tão extraordinária tristeza. Na tranquilidade da minha consciência,
andando nas ruas desta cidade, vi que marchavam tropas para São Cristó-
vão, e ao mesmo tempo me lembrei que talvez assim fosse preciso para o
sossego público. Não duvido votar que se oficie ao governo para nos instruir
sobre o objeto dos movimentos da tropa, visto que eles parecem inquietar
a Assembleia, mas para que havemos criar já essa comissão especial de que
fala a indicação do Sr. Andrada Machado? Para que há de ir uma deputação
saída do seio da representação nacional consultar Sua Majestade?
Sr. Presidente, o nosso sustentáculo é a opinião pública, é preciso não a
perder. Nós só fazemos leis, e se algumas providências agora se precisam,
não nos compete dá-las, a autoridade executiva não existe nesta Assem-
bleia. Tome pois as medidas necessárias quem deve tomá-las, e com inteira
independência, e nós veremos os resultados. E quais podem ser estes? Por-
ventura Sua Majestade tem interesse na dissolução da Assembleia? Que
fariam as províncias se ela se dissolvesse? Sr. Presidente, se tal desgraça
sucedesse, desmembravam-se as províncias, o império não era mais impé-
rio, e o imperador deixava de ser imperador. Mas ele seguramente não quer
isto. Pela sua própria glória, pelo seu amor próprio, não pode tal desejar.
Portanto, procedamos com prudência, peçam-se informações ao governo
sobre as causas dos movimentos das tropas, para se ver o que convém obrar,

Anexo IV
209

mas não desprezemos a experiência, nada de precipitações, nada de ener-


gia demasiada (Apoiado.). Se alguém deseja ver dissolvida a Assembleia,
dissolva-a, eu nunca contribuirei para isso. A prudência tem sido a nossa
guia, continuemos com ela.
SR. ANDRADA MACHADO: Sr. Presidente, o ilustre preopinante é muito
observante de regras gerais, porém é feio que não saiba descer a particula-
ridades quando elas são precisas. A precipitação é um defeito, mas a frou-
xidão também não deixa de o ser...72
O nobre deputado falou na tranquilidade da sua consciência, que acom-
panha sempre o homem que não falta aos seus deveres, mas eu creio que
essa tranquilidade que tem o ilustre deputado também a têm todos mais
(Apoiado.). Nem penso que tenha razão para se persuadir que é mais capaz
de sentimentos de virtude, e de bom comportamento do que os outros...
SR. ALENCAR: Eu interrompo o nobre deputado para requerer a ordem,
eu não o ataquei, nem apontei falta de deveres a ninguém (À ordem, à
ordem.). Estou na ordem, não injuriei pessoa alguma. Notei de precipitada
a medida de se declarar a Assembleia em sessão permanente porque assim
o entendo, pois não a julgo precisa para nos comunicarmos com o chefe da
nação, e irmos com ele de acordo, como julgo indispensável. Eu creio ter-
-me explicado bem e escuso repetir-me.
SR. ANDRADA MACHADO: (Não se entendeu o taquígrafo Possidônio).
SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Trata-se de providências instantâneas e, para
se darem estas providências, é preciso com tempo nomear uma comissão
ad hoc para apresentar já e já o seu parecer, e para que se julgue e delibere
sobre as medidas proposta é também necessária a sessão permanente. Não
devemos, pois, separar-nos daqui enquanto a tranquilidade pública não es-
tiver recuperada. Sobre estes dois pontos eu apoio a indicação.
Interrompeu-se, então, o debate por se anunciar que estava à porta da
sala um oficial militar que trazia um ofício do ministro de Estado dos Ne-
gócios do Império com recomendação de o entregar pessoalmente ao Sr.
Secretário Calmon, a quem era dirigido. Foi o mesmo Sr. Secretário receber
o dito ofício, e o leu, concebido nos termos seguintes:

Ilmo. e Exmo. Sr. De ordem de Sua Majestade, o imperador, levo ao


conhecimento de V.Exa., para fazer presente à Assembleia Geral Cons-
tituinte e Legislativa deste Império, que os oficiais da guarnição desta
corte vieram no dia de ontem representar submissamente a Sua Majes-
tade Imperial os insultos que têm sofrido no que diz respeito à sua honra

72 A interrupção que se nota no discurso é dos Anais, que assim o traz.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


210

em particular e mormente sobre a falta do alto decoro que é devido à au-


gusta pessoa do mesmo senhor, sendo origem de tudo certos redatores de
periódicos e seu incendiário partido. Sua Majestade Imperial, tendo-lhes
respondido que a tropa é inteiramente passiva e que não deve ter influên-
cia alguma nos negócios políticos, querendo, contudo, evitar qualquer de-
sordem que pudesse acontecer, deliberou e saiu com a mesma para fora da
cidade e se acha aquartelada no campo de São Cristóvão. Sua Majestade, o
imperador, certificando primeiramente à Assembleia da subordinação da
tropa, do respeito desta às autoridades constituídas, e da sua firme adesão
ao sistema constitucional, espera que a mesma Assembleia haja de tomar
em consideração este objeto, dando as providências que tanto importam
à tranquilidade pública.
Paço, 11 de novembro de 1823.
Francisco Vilella Barbosa
Ilmo. e Exmo. Sr. Miguel Calmon du Pin e Almeida

Requereram alguns Srs. Deputados que fosse remetido a uma comissão,


mas o Sr. Ribeiro de Andrada propôs que, devendo ser prontas as providên-
cias, tanto em virtude da indicação do Sr. Andrada Machado, como do ofício
que se acabava de ler, era necessária a nomeação de uma comissão especial.
O Sr. Presidente consultou a Assembleia sobre a nomeação da comissão es-
pecial, e decidiu-se que se nomeasse. Entrou depois em dúvida se deveria
ser nomeada pela Assembleia ou pelo Sr. Presidente e, tendo havido algum
debate, resolveu-se por voz geral que fosse nomeada pela Assembleia. Neste
tempo chegou e tomou assento o Sr. Rodrigues de Carvalho.
SR. ANDRADA MACHADO: Depois de se ter recebido o ofício do governo, é
desnecessária a segunda parte da minha indicação, e por isso peço licença
para a retirar.
Foi-lhe concedida. Procedeu-se à nomeação da comissão cujos membros
se assentou que fossem cinco: e saíram eleitos os Srs. Araújo Lima com
32 votos, Vergueiro com 30, Brant Pontes com 28, barão de Santo Amaro
com 25 e Andrada e Silva com 23. Feita a nomeação, saíram da sala os mem-
bros nomeados, para dar o seu parecer quanto antes.
SR. PAULA E MELLO: A matéria da indicação do Sr. Andrada Machado tem
tão estreita conexão com a do ofício do ministro de Estado, que eu requeiro
que vá à mesma comissão para dizer sobre ela o que entender.
O Sr. Presidente propôs o requerimento, e sendo aprovado, foi remetida
a indicação à comissão, para dar o seu parecer sobre a 1a e 3a partes, por-
que a 2a a retirara o seu autor.
SR. SECRETÁRIO GALVÃO: Participo à Assembleia que o comandante da
guarda acaba de prender um dos espectadores que nas galerias, segundo

Anexo IV
211

dizem, proferia algumas palavras contra os Srs. Deputados. O exame do caso


pertence à Comissão de Polícia, cujos membros se acham agora aqui em ses-
são, e portanto a Assembleia determinará o que for conveniente.
Expediu-se ordem ao mesmo comandante para o reter em custódia, na
forma do Regimento. Entrou-se então na Ordem do Dia, enquanto não che-
gava o parecer da Comissão Especial, e leu-se por isso os seguintes artigos
do projeto de Constituição:

Art. 22. A lei conserva aos inventores a propriedade das suas descober-
tas, ou das suas produções, segurando-lhes privilégio exclusivo temporá-
rio, ou remunerando-os em ressarcimento da perda que hajam de sofrer
pela vulgarização.

Foi aprovado sem discussão.


“Art. 23. Os escritos não são sujeitos a censura, nem antes nem depois
de impressos, e ninguém é responsável pelo que tiver escrito ou publicado,
salvo nos casos e pelo modo que a lei apontar.”
O Sr. Paula Mello mandou à Mesa o seguinte requerimento:
“Proponho que se remetam os dois artigos que tratam de liberdade de
imprensa à comissão respectiva, para marcar os casos pelos quais se fica
responsável. – Paula e Mello.”
Foi apoiado.
Falaram alguns Srs. Deputados e, perguntando o Sr. Presidente, depois
de se julgar discutida a matéria, se poria a votos o requerimento em globo.
– Decidiu-se que não.
Propôs, então, à Assembleia se aprovava que se marcassem já os casos de
responsabilidade por abuso de liberdade de imprensa. Venceu-se que não,
e ficou por isso sem efeito o que se requerera. Prosseguiu-se, portanto, na
discussão do art. 23 e, julgando-se afinal discutido, foi posto à votação e
aprovado.

Art. 24. Aos bispos, porém, fica salva a censura dos escritos publicados
sobre dogmas e moral, e quando os autores, e na sua falta os publicado-
res, forem da religião católica, o governo auxiliará os mesmos bispos para
serem punidos os culpados.

O Sr. Almeida e Albuquerque mandou à Mesa a seguinte emenda su-


pressiva:
“Proponho que se suprima o art. 24. Albuquerque.”
Foi apoiada.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


212

Por dar a hora destinada aos pareceres de comissões, ficou adiada a


discussão. Entrou em debate o parecer relativo ao requerimento de David
Pamplona, adiado na sessão antecedente.
SR. RIBEIRO DE ANDRADA: (Nada escreveram os taquígrafos do seu dis-
curso).
SR. RODRIGUES DE CARVALHO: Sr. Presidente, sou cidadão brasileiro e,
como tal, tenho o direito de exprimir livremente minhas ideias, contanto
que não encontrem as leis e a moral. Sou deputado, e nesta qualidade não
sou responsável por minhas opiniões expendidas neste recinto, uma vez
que se não oponham às bases fundamentais que a nação inteira implicita-
mente nos deu: religião, independência e monarquia. Sou membro da co-
missão que deu o parecer em questão e, como tal, tenho direito e até devo
produzir as razões em que me fundei. Vejo os meus ilustres colegas um
pouco receosos de sustentar o parecer que assinaram, e com efeito o apa-
rato da sessão de ontem infundiu algum temor, mas eu nunca tive medo de
falar perante o ilustre povo que me escuta.
O povo desta cidade é um modelo de moderação, bastantes provas nos
tem dado, e se ontem se deslizou dos deveres que lhe impõe o Regimento,
foi a isso incitado. Digo o povo e não a nação, como erradamente ouço de
contínuo aqui chamar aos espectadores. E digo bem, porque se para a As-
sembleia fazer sessão é necessário que estejam na sala 51 deputados, o que
quer dizer a representação de um milhão quinhentos e trinta mil habitan-
tes, como posso eu chamar nação diminutíssima parte do povo que ocupa
as galerias? Eu não tenho medo, torno a dizer, deste honrado povo; tenho
medo de mim, e tenho medo dos meus colegas: de mim porque no fogo da
questão pode ser que imoderado patriotismo me alucine a ponto de não
exprimir com exatidão minhas ideias; de meus colegas porque capitularão
propósito (sic) o que pode ser erro da minha inteligência ou de expressão [...].
Declamações vagas não são meios de persuadir; argumentos de razão
convencem, aquelas indispõem. Eu tenho bastante docilidade para abraçar a
razão uma vez demonstrada; na minha balança pesa sempre pouco a minha
opinião, e continuamente dou provas disso. A lei da liberdade da imprensa,
que está em discussão, foi redigida pelo meu ilustre colega, o Sr. Maia, e por
mim; e eu entreguei o projeto ao ilustre deputado, o Sr. Antônio Carlos, que
lhe fez algumas alterações que prontamente abracei e adotei, de maneira
que o projeto é igualmente do voto deste ilustre deputado.
Quem obra assim não sustenta opiniões por capricho, e cede facil-
mente à razão. Sr. Presidente, eu não venho adular reis nem povos; sempre
fui franco, e protesto morrer franco. Como deputado, tenho sempre duas

Anexo IV
213

imagens presentes ao meu espirito: consciência e nação. Não posso desli-


gar estes dois objetos, e é necessário conservá-los uníssonos e conformes.
Há quatro dias um honrado membro mostrou na Comissão de Justiça Civil
e Criminal um requerimento do cidadão David Pamplona em que este se
queixava de umas pancadas; afeiou-se o caso, e eu não achei senão um
acontecimento muito ordinário; depois foi o requerimento apresentado por
outro honrado membro a esta Assembleia, e por ela mandado à Comissão.
Diz o requerimento que, estando o cidadão à porta da sua botica, no largo
da Carioca, às 7 horas da noite, fora atacado pelo major Lapa, o qual lhe dera
umas cipoadas, de que resultara uma contusão na orelha direita, e outra no
antebraço esquerdo; que afinal o ofensor lhe pedira perdão, dizendo-lhe
que a agressão tinha sido obra do engano, por se lhe haver figurado ser o
ofendido o escritor que em um dos periódicos se assinara o “brasileiro re-
soluto”. O queixoso diz em seu requerimento que o agressor, ao descarregar
as pancadas, gritara: “Você não é o brasileiro resoluto?”. A Comissão julgou
que este negócio devia correr os meios ordinários, e tal foi o seu parecer.
A Comissão viu a exposição de um sucesso trivial, e esse mesmo não
verificado, isto é, um cidadão à porta da sua casa insultado por um motivo
particular, sem haver ferimento nem uso de arma proibida, e resultando só
do insulto duas contusões.
Mas suponhamos que o caso se revestia de circunstâncias agravantes;
como se prova a sua veracidade? Bastará porventura a exposição, sem se
exigir corpo de delito? E ainda havendo corpo de delito, e até provas de
atrocidades, que tinha a Assembleia com isso? Erigir-se-ia em tribunal
de justiça? Queixa-se acaso o ofendido de ter recorrido ao magistrado
competente, e denegar-lhe justiça? Nada disto contém o requerimento;
nem o podia conter porque se sabe que não houve corpo de delito.
A Comissão, portanto, seria injusta, e deveria ser muito censurada se
desse outro parecer, pois qualquer que não fosse a remissão para os ter-
mos legais, seria uma indigna parcialidade. Todavia, a Comissão foi ontem
atacada; afeiou-se o acontecimento, indicando-se o lugar pelo asilo do ci-
dadão [que] disse-se que fora junto da guarda; pretendeu-se inculcar que a
guarda tinha ordem para não acudir; e que as pancadas foram dadas por ser
brasileiro o ofendido; trabalhou-se por fazer do caso uma ofensa nacional,
e tirou-se daqui argumento para increpar a Comissão por dizer que o caso
pertencia ao Poder Judiciário.
Eu não conheço violação do asilo doméstico em um ataque feito na rua,
só porque o ofendido está à porta da casa; exceto se este cidadão tem fora
dela um adro como o das igrejas. A casa do ofendido fica no meio de um

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


214

quarteirão saliente no largo da Carioca, onde há um contínuo e extraordi-


nário sussurro; a guarda está em outra rua, mais de vinte passos recolhida
para dentro, como todos sabem, e não era possível que na distância de mais
de sessenta passos que há da botica à guarda, ouvisse esta o sonido das
pancadas.
Posto isto, como se pretende já fazer cúmplice toda a guarda, e o general
das armas, ou essa autoridade que lhe deu semelhante ordem? Para isso era
preciso que houvesse convenção anterior, com ciência de que se haviam
de dar as pancadas; ora, merecerá crença tal asseveração? Quem não vê o
esmero que há em empenhar a nação no fato, figurando-se que o cidadão
fora ofendido por ser brasileiro, e em sua pessoa a nação inteira, apesar de
se declarar no requerimento que as pancadas eram para o cidadão autor
das cartas assinadas pelo brasileiro resoluto? A qualidade de brasileiro não
é a que incitou o agressor, foram as cartas; e para se conhecer quais eram
essas cartas dá-se a característica da assinatura que é brasileiro resoluto,
assim como podia ser o português, o francês, ou o inglês resoluto; e o efeito
seria o mesmo, porque a matéria das cartas é a pedra do escândalo, e não a
pátria do autor.
Eu, Sr. Presidente, não conheço o cidadão ofendido nem os agressores;
já ouvi dizer que Pamplona era filho de umas das ilhas do Açores; não sei se
é verdade, mas se o é, como corre fama, onde estará a nacionalidade ofen-
dida? Seja, porém, assim, ou não seja, o que a Comissão viu é que a causa
deste acontecimento foi um abuso da liberdade da imprensa; o que sabe a
Comissão é que a lei deve ser igual para todos, como diz o nosso projeto de
Constituição; o que sabe a Comissão é que a lei não deve ser retroativa e que
o legislador atende a razões gerais e não a casos particulares.
Quando alguns cidadãos desta cidade gemiam presos por delitos ima-
ginários, e tanto que todos foram absolvidos, e no fim o processo pareceu
obra da intriga e calúnia, eu propus o projeto sobre as sociedades secretas,
e o § 2º motivou longos debates, por mandar pôr em silêncio os processos
formados, gritou-se, então, que a lei não devia ser retroativa e, apesar de se
suspender ali a execução de uma lei bárbara, pretendeu-se sustentar o que
estava feito antes para não parecer exemplo de lei que abrangesse o passado.
E agora, para condenar, pretende-se que a Comissão devia votar por penas
novas para delitos velhos, e que delitos! Delitos que nas nossas leis não são
casos de devassa, mas só de querela, a qual não existe em juízo.
Ouvi falar em partidos e na necessidade de sustentar o brasileiro; mas
partidos são bandos, facções, que valem tanto como desuniões, dissensões
entre cidadãos. E um deputado tem partidos? Eu nunca entrarei neles como

Anexo IV
215

deputado; porque como homem e como cidadão os aborreço; trabalharei


antes, e darei o pouco que possuo para os extirpar.
Eu leio no projeto que são cidadãos brasileiros os portugueses residen-
tes no império na época da nossa emancipação, logo, como admitirei a
odiosa diferença que se pretende propagar! Se há partidos extinguam-se,
trabalhemos unicamente para consagrá-los; e se é precisa uma lei que puna
esses perigosos bandos, façamo-la; eis o nosso dever; mas querermos legis-
lar de chofre, castigar com penas desconhecidas, e agravar crimes passados,
nunca será o meu voto.
Falemos claro: os indignos periódicos desta cidade e de outras do Brasil
têm sido a causa das discórdias. Eu não leio Sentinellas, Tamoyos, e outros
que tais, porque deles só tiro aflições e tormentos; antolho os males que
tais escritos vão semeando, e como não posso extingui-los, choro a minha
nulidade, e quero antes ignorar o que se escreve, e de que não colho fruto
algum, do que me irritar, e ofuscar o meu entendimento com prejuízo da
minha razão.
O Sr. Carneiro da Cunha mostrou primeiro ter entendido que o nobre
preopinante se dirigira a ele no seu discurso. Depois de falar sobre este
ponto, comparou o ataque feito ao redator da Malagueta com o que fazia
o objeto do parecer em discussão; e pretendeu provar que se a Assembleia
tivesse tomado em consideração aquele primeiro sucesso não aconteceria o
segundo. (É o que se pôde, em suma, coligir do taquígrafo).
SR. RODRIGUES DE CARVALHO: Eu não nomeei nenhum dos Srs. Deputa-
dos, nem sei como o ilustre preopinante aludiu o que eu disse ao discurso
que fizera, porque não foi só quem falou. Se não lembrei o caso do ataque
feito ao redator da Malagueta foi por delicadeza, mas já que se fala nele,
direi que nenhuma comparação tem esse insulto horroroso com o caso do
cidadão que ora se queixa. O primeiro estava trancado em sua casa, esta foi
atacada, e ele espancado e ferido no centro da sua família por encaretados
que o deixaram às portas da morte, da qual milagrosamente escapou, não
obstante evadir-se aos celerados.
Apesar de tudo, referido o atentado neste congresso, julgou-se fora da
competência da Assembleia, e o ilustre deputado foi rudemente combatido.
E agora em caso que não tem paridade nem na gravidade da ofensa, nem no
lugar, nem nas circunstâncias, pretende-se não só que a Comissão se deverá
ingerir no que não é das atribuições do corpo legislativo, mas que até devia
inculcar leis novas! E serão estas as máximas do legislador imparcial e im-
passível? A Comissão não podia pensar assim.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


216

O Sr. Presidente declarou adiada a discussão, quase às três horas da


tarde, para se ler o parecer da Comissão Especial.
O Sr. Vergueiro, como relator dela, fez a leitura nos termos seguintes:

PARECER
A Comissão Especial, vendo o ofício do ministro do Império da data
de hoje, no qual participa que os oficiais da guarnição desta corte foram
ontem representar a S.M. Imperial os insultos que dizem ter sofrido em
respeito à sua honra, e mormente sobre a falta do alto decoro devido à au-
gusta pessoa de S.M. Imperial, o que dizem ter origem em certos redatores
de periódicos e seu partido incendiário, ao que S.M. Imperial respondera
lembrando-lhes o dever que a tropa tem de se conservar inteiramente
pacífica, que S.M. Imperial; para evitar qualquer desordem, saíra da ci-
dade com a tropa que se acha aquartelada em São Cristóvão, certifica a
subordinação da mesma e igualmente o respeito às autoridades constituí-
das e firme adesão ao sistema constitucional. Conclui, finalmente, que a
Assembleia tome este negócio em consideração, e dê as providências que
tanto importam à tranquilidade pública.
A Comissão, sentindo muito os primeiros movimentos da tropa, que
puseram em inquietação o povo desta capital, muito se lisonjeia do acerto
das medidas momentâneas tomadas pelo governo de S.M. Imperial, fa-
zendo reunir a mesma tropa fora da cidade para conservá-la em subor-
dinação, sendo ainda mais sensível à Comissão a enunciação da falta do
alto respeito devido à augusta pessoa de S.M. Imperial que os oficiais in-
cluíram em sua representação com que parece quererem reforçar a ofensa
sua particular de que se queixam.
Não pode, porém, a Comissão conceituar cabalmente os motivos ver-
dadeiros e especiais que ocasionaram aquele triste acontecimento pela
generalidade com que vêm enunciados, ignorando-se se foram todos os
oficiais da guarnição, ou parte deles, e quantos os que representaram,
quais os insultos e sua natureza, quais os redatores de periódicos, e os
lugares em que se acham esses insultos, qual o partido incendiário, sua
força e objeto.
A Comissão entra em maior dúvida quando compara os acontecimen-
tos com a asserção do ministro sobre a subordinação da tropa, e respeito
da mesma às autoridades constituídas, o que serve a convencer a Comis-
são que a crise se resolverá favoravelmente, e que o sossego e a quietação
pública se restabelecerão com facilidade e prontidão.
Ainda quando a Comissão tivesse mais circunstanciadas informações,
é de parecer que ao governo compete empregar todos os meios que cabem
em suas atribuições, e lembrar a esta Assembleia as medidas legislativas e
extraordinárias que julgar necessárias, no que seguramente encontrará a
sua mais franca e eficaz cooperação, para o que é a Comissão igualmente
de parecer que a Assembleia deve ficar em sessão permanente, até que

Anexo IV
217

cheguem as informações especiais, acima indicadas, e as proposições do


governo.
Paço da Assembleia, 11 de novembro de 1823.
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro
Felisberto Caldeira Brant
José Bonifácio de Andrada e Silva
Pedro de Araújo Lima
Barão de Santo Amaro
Foi aprovado.
O mesmo Sr. Deputado leu também o seguinte:

PARECER

A Comissão Especial, tomando em consideração a indicação do Sr. An-


drada Machado, é de opinião: quanto ao 1º artigo, que a Assembleia con-
tinue em sessão permanente até receber as informações que ora se pedem
ao governo de Sua Majestade Imperial; e quanto ao 3º só poderá interpor
parecer depois do recebimento da resposta que mandar o governo.
Paço da Assembleia, 11 de novembro de 1823.
Felisberto Caldeira Brant
José Bonifácio de Andrada e Silva
Barão de Santo Amaro
Pedro de Araújo Lima
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro

Foi aprovado.
Declarou-se, portanto, que a Assembleia ficava em sessão permanente,
sendo incumbido o Sr. Secretário de expedir o ofício ao governo na forma do
parecer, o que assim se praticou nos termos seguintes:

Ilmo. e Exmo. Sr. Foi presente à Assembleia Geral Constituinte e Legis-


lativa deste Império o ofício de V.Exa., datado de hoje, em que, de ordem
de S.M., o imperador, participa à mesma Assembleia que, dirigindo-se
ontem os oficiais da guarnição desta corte à augusta presença do mesmo
senhor, a fim de representarem os insultos que têm sofrido no que diz res-
peito à sua honra em particular, e mormente sobre a falta do alto decoro
devido à sagrada pessoa de S.M. Imperial, sendo origem de tudo certos
redatores de periódicos e seu incendiário partido, resolveu Sua Majestade,
depois de admoestar aos preditos oficiais, lembrando-lhes que a tropa
deve ser inteiramente passiva em negócios políticos, de tirá-la para fora
da cidade, e aquartelá-la no campo de São Cristóvão, para evitar assim
qualquer desordem que pudesse acontecer, certificando ao mesmo tempo
a Assembleia da subordinação da mesma tropa, do seu respeito às auto-
ridades constituídas, e da sua firme adesão ao sistema constitucional, e,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


218

finalmente, esperando que a Assembleia haja de tomar em consideração


este objeto, e dar as providências que tanto importam à tranquilidade
pública.
Conquanto seja doloroso à Assembleia o acontecimento que deu lugar
à inquietação sentida pelo povo desta capital, ela todavia não pode deixar
de louvar o acerto das medidas momentâneas tomadas pelo governo de
Sua Majestade, fazendo sair para fora da cidade a tropa, cujos movimen-
tos produziram aquela inquietação. E não podendo a Assembleia tomar
em sua consideração este negócio, por lhe não ser possível conceituar
cabalmente os motivos verdadeiros e especiais que ocasionaram aquele
extraordinário acontecimento, pela generalidade em que vêm enuncia-
dos, ignorando-se quantos foram os representantes, se todos os oficiais
ou parte deles, quais os insultos e sua natureza, quais os redatores dos
periódicos, e folhas em que se acham os mesmos insultos, qual, por fim, o
partido incendiário, e sua força e objeto, tem a mesma Assembleia resol-
vido que ao governo de Sua Majestade compete empregar na crise atual
todos os meios que cabem em suas atribuições, e propor à Assembleia as
medidas legislativas e extraordinárias que julgar necessárias, certo de que
encontrará na representação nacional a mais franca e eficaz cooperação,
declarando sessão permanente até que o governo de Sua Majestade lhe
transmita as informações especiais acima indicadas, e as proposições que
houver de lhe fazer. O que V.Exa. levará ao conhecimento de S.M. Imperial.
Deus guarde a V.Exa.
Paço da Assembleia, em 11 de novembro de 1823.
Miguel Calmon du Pin e Almeida
Francisco Villela Barbosa

Às 6 horas da tarde pediu licença o Sr. Barão de Santo Amaro para se re-
tirar por incomodado. À 1 hora da noite chegou a resposta de Sua Majestade
do seguinte teor, a qual foi lida pelo Sr. Secretário Calmon:

Ilmo. e Exmo. Sr. De ordem de S.M., o imperador, participo a V.Exa.


que foi presente ao mesmo senhor o ofício que V.Exa. me dirigiu em nome
da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, da-
tado de hoje, em resposta a outro meu da mesma data, participando-me
que a Assembleia faz ciente ao governo quanto lhe é doloroso o aconte-
cimento que deu lugar à inquietação sentida pelo povo desta capital, em
que louva as acertadas medidas do mesmo governo, e em que mostra que
não pode tomar em consideração este negócio, por não lhe ser possível
conceituar cabalmente os motivos verdadeiros e especiais que ocasiona-
ram aquele extraordinário acontecimento pela generalidade em que iam
enunciados, e em razão de ignorar quantos foram os representantes, se
todos os oficiais, ou parte deles, quais os insultos e sua natureza, quais os
redatores dos periódicos e folhas em que se chamam os mesmos insultos,
qual o partido incendiário, sua força e objeto, e, finalmente, que a mesma
Assembleia tem resolvido que ao governo de S.M. Imperial compete em-

Anexo IV
219

pregar na crise atual todos os meios que cabem em suas atribuições, e


propor à Assembleia as medidas legislativas e extraordinárias que julgar
necessárias, certo de que encontrará na representação nacional a mais
franca e eficaz cooperação, e declarando sessão permanente até que o
governo de S.M. Imperial lhe transmita as informações especiais acima
indicadas e as proposições que houver de fazer.
S.M., o imperador, manda responder que sente infinito que a Assem-
bleia Geral Constituinte e Legislativa desconheça a presente crise, em que
se acha esta capital, crise que até se manifestou nesse augusto recinto a
ponto de suspender ontem a mesma Assembleia os seus trabalhos extem-
poraneamente, o que junto à representação dos oficias de todos os corpos
da guarnição desta corte, por meio de uma deputação que veio à augusta
presença do mesmo senhor, deu motivo à prudente medida que S.M. Im-
perial tomou de fazer marchar as tropas para o campo de São Cristóvão
onde se conserva em toda a paz.
Desejando, porém, o mesmo senhor satisfazer em tudo à literal re-
quisição da mesma Assembleia, manda declarar que os periódicos, a que
se refere a representação mencionada, são os denominados Sentinella da
Praia Grande, e o Tamoyo, atribuindo-se na mesma representação aos
exmos. deputados Andrada Machado, Ribeiro de Andrada, e Andrada e
Silva a influência naquele, e a redação neste, o que muito custa a crer a
S.M. Imperial, sendo a consequência de suas doutrinas produzir partidos
incendiários, de que o governo não pode calcular a força que têm e pode-
rão adquirir.
Quanto às medidas legislativas, cuja proposição a Assembleia comete
ao juízo do governo, S.M. Imperial as julga mais acertadas provindo da
sabedoria e luzes do corpo legislativo.
Paço, 11 de novembro de 1823.
Francisco Villela Barbosa
Ilmo. e Exmo. Sr. Miguel Calmon du Pin e Almeida

SR. MONTEZUMA: Requeiro que se remeta à mesma Comissão Especial.


SR. ANDRADA MACHADO: Devemos continuar as nossas deliberações, se-
gundo requer a natureza do seu objeto; mas quanto a ir o ofício à Comissão
acho desnecessário, porque não sei o que ela há de dizer sobre uma seme-
lhante resposta.
SR. MONTEZUMA: Continuemos como principiamos, para marcarmos com
o cunho da maior circunspecção este negócio, e, portanto, voto que vá à
Comissão.
SR. CARNEIRO DA CUNHA: Muito doloroso me é que o governo de Sua Ma-
jestade respondesse de semelhante forma, tomando por pretexto dos movi-
mentos das tropas as publicações de dois periódicos! Como é possível que
esta seja a causa de se achar acampada a tropa? Por ventura não têm havido

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


220

em todos os tempos periódicos incendiários? Não se tem lido no Diário do


Governo tantas doutrinas perturbadoras? E o governo pediu então algumas
providências? Não atacavam essas doutrinas a todo o momento o corpo le-
gislativo? Não apareceu até uma carta totalmente subversiva do sistema
que a nação jurou, e cujos princípios se encaminhavam a produzir a anar-
quia? E por que não tomou então o governo a mesma energia que ora toma?
Ah! Sr. Presidente, as doutrinas eram incendiárias, menoscabavam o corpo
legislativo e a dignidade desta Assembleia, mas o governo não se embara-
çou com isso, e falando-se aqui de tão indignos escritos, respondeu-se que,
como havia liberdade de imprensa, era livre a cada um expor a sua opinião,
e esta ser contrariada pelos que a não seguissem.
Sr. Presidente, falemos por uma vez claro: este não é o motivo dos acon-
tecimentos de que somos testemunhas; outros existem seguramente, e eles
aparecerão.
O que é de todos sabido é que temos conservado com o Poder Executivo
toda a prudência necessária, dado exemplos de moderação que talvez se
não encontrem em outras assembleias, e mostrado por sobejas provas a
nossa adesão à pessoa do imperante. Portanto, torno a dizer que não
era de esperar que do sábio governo de Sua Majestade saísse uma tal res-
posta, que deve ser a todos mui dolorosa; e desde já declaro que, se não
houver, daqui em diante, outras medidas, peço a minha demissão […] (Não
pode, disse o Sr. Andrada Machado) e direi aos meus constituintes que
não posso advogar a sua causa.
SR. MONTEZUMA: Eu peço que se proponha se deve ir à mesma Comissão
para não gastarmos inutilmente o tempo.
SR. ANDRADA E SILVA: No caso que se decida que vá à Comissão, desde já
requeiro que se nomeie outro membro para ela, visto que eu sou designado
como pertencente ao partido incendiário.
SR. ALENCAR: Eu acho que, uma vez que vá à Comissão, deve suspender-
-se a sessão, porque a Comissão necessariamente leva muito tempo para dar
o seu parecer, e em tal caso melhor é voltarmos amanhã, para acabarmos
com isto.
SR. RODRIGUES DE CARVALHO: O negócio é mui sério, e, já que estamos
aqui desde manhã, é preciso terminarmos isto em que nos achamos com-
prometidos, e, por isso, voto que fiquemos até que se decida.
SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Eu voto por ambas as coisas: que vá o ofício à
Comissão; e que nos conservemos aqui até se restituir o sossego à capital,
dadas as providências adequadas. Enquanto ao modo por que respondeu o

Anexo IV
221

governo, guardo-me para ocasião oportuna, e então farei as observações


que me parecerem justas, visto que sou arguido de incendiário.
SR. ANDRADA MACHADO: Se a Assembleia quer que o ofício vá à Comis-
são, vá; isso é para mim indiferente, mas cuido que, para dar o seu parecer,
era mister que o governo apontasse as medidas que julgava necessárias.
Ora, isso é o que o governo não fez, apesar de se lhe pedir; nem eu sei real-
mente o que quer dizer semelhante resposta.
SR. ALENCAR: Sr. Presidente, eu torno a representar que a demora da Co-
missão há de ser grande, e que a discussão do parecer também há de ser
larga. Em tal caso, eu pergunto se devemos aqui estar todo esse tempo, ou,
antes, se isso não é incompatível com as forças humanas. Parece-me que se
pode dar sessão permanente, sem estarmos aqui pregados até que se ter-
mine um negócio tão complicado. Nós necessariamente havemos dormir;
fique, pois, embora a sessão permanente, mas retiremo-nos, porque o exige
a natureza, e voltemos a terminar o negócio.
SR. MONTEZUMA: Eu cuido que a resolução da Assembleia para a ses-
são permanente se entende até que a capital se sossegue, e ela não está
tranquila. Além disto, em crise tal, cumpre mostrar ao povo que nós o
acompanhamos. Sim, Sr. Presidente, a Assembleia há de se conservar em
sessão, não demos um exemplo tão pouco digno dos representantes da
nação. Continuemos em sessão, se morrermos, acabamos desempenhando
os nossos deveres.
SR. ANDRADA E SILVA: Eu não sei o que possa dizer a Comissão a este 2º
ofício, que é o mesmo que o 1º. É para notar que, quando se trata de partidos
incendiário, se fale somente do Tamoyo e Sentinella da Praia Grande, e que
nada se diga do Correio, nem do Diário do Governo. Acaso poderá o Correio
incendiar, e atacar como quiser? Qualquer de nós vê que se fala só naque-
les porque atacaram o ministério, e que é por isto que são incendiários; o
que não sucede a respeito dos outros. Mas será isto próprio de um governo
sábio e ficar-lhe á bem dar uma resposta como esta, em que até se falta à
civilidade?
Diz o governo que os oficiais da guarnição pedem satisfação dos in-
sultos que se lhes têm feito, mas como é que se fala em geral de oficiais
da guarnição, quando se sabe que apenas chegariam a 60 homens os que
foram? Acaso a oficialidade do corpo desta cidade compõe-se de 60 ho-
mens? Deixemos, porém, isto, e passemos adiante.
Diz mais, que o Tamoyo é redigido por três deputados, entre os quais
eu tenho a honra de ser nomeado, e, portanto, reputado incendiário. Mas,
declarando eu, em primeiro lugar, que, na pequena parte que me coube, só

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


222

disse o que a minha consciência me ditou, pergunto como é que se faz uma
acusação destas sem conhecimento de causa? Na verdade, é este um caso
que nenhum representante da nação, e até nenhum simples cidadão, poderá
considerar com indiferença.
Enfim, o governo a nada respondeu do que se lhe perguntou, e, por isso,
não sei o que a Comissão há de dizer. Mas vá, contanto que eu não vote,
apesar de ser um dos membros dela, como já requeri, visto que sou arguido,
bem que falsamente, e veremos como encara este objeto, pois o que eu vejo
é a capital em desordem, assustada a Assembleia, e proscrita a honra dos
seus membros; não sei mais nada.
Quisera, contudo, que o ministério de Sua Majestade me desse a razão de
ter feito este grande espalhafato, que não vejo preciso para coisa alguma;
e bom será que se reconheça aqui, por verdade, que a Assembleia não pode
dar providências, sem que o governo responda de outra forma, indicando as
que se julgam precisas, porque é evidente que ela não há de assinar de cruz.
Eis aqui o que tenho a dizer sobre o ofício. Agora, quanto à permanência
da sessão, creio que não há que discutir: devemos estar aqui até que este
negócio se termine, e acabem as desconfianças, recuperando a capital a sua
antiga segurança. Se não obrarmos assim, seremos fracos, incapazes de ser
deputados da generosa nação brasileira.
SR. HENRIQUES DE RESENDE: O que é a Assembleia? O que é o imperador?
São dois poderes, ambos e colhidos pela nação, e ambos encarregados da
segurança pública, que é e que atualmente não existe. O imperador retira
as tropas da capital como para acautelar algum perigo; e quando ele assim
se acautela, e toma medidas, deverão os membros da Assembleia ir dormir,
para sua casa? Quando assim trabalha o chefe da nação, deve a Assembleia
estar sossegada? Creio que não é precisa nenhuma outra reflexão para nos
conservarmos em sessão permanente.
O Sr. Presidente propôs à Assembleia:
lº Se devia ir o ofício à Comissão. Venceu-se que sim.
2º Se devia ficar-se em sessão permanente. Venceu-se que sim.
Como era preciso completar a Comissão, porque o Sr. Barão de Santo
Amaro tinha saído, e o Sr. Andrada e Silva pediu dispensa por ser um dos
arguidos, declarou o Sr. Presidente que eram substituídos pelos imediatos
em votos, os Srs. Câmara e Carneiro, que tinham obtido 16 cada um.
O Sr. Silva Lisboa retirou-se, por incomodado, depois da uma hora.
O Sr. Vergueiro, às três horas e três quartos, voltou à sala com os mais
membros da Comissão Especial, e, como relator, leu o seguinte:

Anexo IV
223

PARECER
A Comissão Especial viu o ofício do ministro dos Negócios do Império,
datado de ontem e recebido hoje pela uma hora da manhã, em resposta ao
que foi dirigido ao mesmo ministro pelo secretário da Assembleia. Prin-
cipia o ministro, dizendo que o governo sente infinito que a Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa desconheça a presente crise em que se
acha a capital, crise que até se manifestou neste augusto recinto a ponto
de suspender-se anteontem a sessão, o que junto à representação dos
oficiais de todos os corpos desta corte, por meio de uma deputação a S.M.
Imperial, deu motivo à prudente medida de se fazer marchar a tropa para
o campo de São Cristóvão, onde se conserva em toda a paz.
Depois disto, declara o ministro que os periódicos a que se refere a
representação são a Sentinella e o Tamoyo, atribuindo a influência em um
e a redação de outro aos Srs. Andrada Machado, Ribeiro de Andrada, e
Andrada e Silva, o que confessa o governo que muito lhe custa a crer,
sendo a consequência das suas doutrinas produzir partidos incendiários,
de que não pode calcular a força que têm e poderão adquirir. E conclui
que as medidas legislativas serão mais acertadas provindo da sabedoria
do corpo legislativo.
A Comissão não pode compreender como o governo se persuadisse
que a Assembleia desconhece a atual crise, quando esta em seu ofício,
em resposta ao do governo, fez sentir quanto lhe era doloroso o aconte-
cimento que deu lugar à inquietação do povo desta cidade, passando a
declarar-se em sessão permanente, ainda que não desse importância à
comoção das galerias, que consistiu apenas em meros apoiados.
Quanto à representação em que ora se sabe tiveram parte os oficiais
de todos os corpos por meio de uma deputação, como o governo assegura
ter sido feita com submissão, e não consta que excedesse os limites de
petição, nada tem a Comissão que propor.
Quanto ao abuso da liberdade da imprensa, reconhece a Comissão
ter havido excesso nos periódicos apontados pelo ministro, e em alguns
outros, o que de certo tem provindo de falta de legislação própria que
os contenha, o que a Assembleia já reconheceu, preferindo a discussão
da lei sobre tais abusos a outras matérias. E a Comissão é de parecer
que se suspenda a discussão do projeto de Constituição até se concluir
a referida lei, o que parece será suficiente para restabelecer o sossego,
em vista da certeza afirmada pelo ministro, da subordinação da tropa, do
respeito da mesma às autoridades constituídas, e firme adesão ao sistema
constitucional.
Entretanto, se o governo julga que a presente crise é de tal magni-
tude que possa ainda perigar a segurança pública com a demora que é
indispensável na discussão da lei, declarando-o assim, parece à Comis-
são que se façam algumas restrições na liberdade da imprensa, até que
se ponha em execução a lei que deve regular.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


224

Finalmente, à vista da subordinação da tropa, afirmada pelo ministro,


e da quietação do povo, no qual só se observam sustos e consternações,
pela atitude em que se acha a tropa, nenhuma outra medida legislativa
ocorre à Comissão para propor à consideração da Assembleia.
Paço da Assembleia, 12 de novembro de 1823.
Nicolau Pereira de Campos Vergueiro
Pedro de Araújo Lima
Felisberto Caldeira Brant
Manoel Ferreira da Câmara
Francisco Carneiro de Campos

SR. ANDRADA MACHADO: Sr. Presidente, em verdade não compete à As-


sembleia conhecer se houve ou não abuso nesses periódicos que se apon-
tam; é negócio inteiramente do Poder Judiciário, a quem toca declarar se
seus autores são ou não culpados.
O que é na verdade celebre é que o governo acuse só aqueles dois perió-
dicos, quando há outros ainda piores; mas como neles se falava do ministé-
rio, desagradaram. Eu não posso descobrir outro motivo. A Comissão teve a
delicadeza de desprezar, como devia, insinuações escandalosas, e odiosas,
e sem fundamento algum; porém, é do meu dever declarar que o ministério
avançou uma falsidade a mais vergonhosa possível.
Eu nunca tive influência em semelhantes papéis, referidos no ofício do
ministro; por consequência, o ministério mentiu quando tomou semelhante
pretexto para fazer acusação tão falsa e indigna. Se acaso há abuso de liber-
dade de imprensa nesses papéis, faça o governo a sua obrigação: chame a
jurados os autores deles.
Todavia, sempre agradeço ao governo o escolher-me para alvo de seus
tiros, honra que eu não esperava, como fez a outros meus colegas, iguais a
mim em sentimentos de liberdade, pois em todos considero a aversão de-
vida à escravidão.
Sei que posso desagradar, que me comprometo, que não tenho segurança
apesar do título de deputado, mas em minha consciência devo falar com im-
parcialidade, e então digo: Que liberdade temos nós? Que somos nós aqui?
Quanto ao caráter de deputado, diz-se que sou perturbador, apontam-me
como assassino e autor de bernardas, e pede-se a minha cabeça e a de ou-
tros deputados!
E por que serão os nossos nomes escolhidos? É porque se deseja que não
tenhamos assento aqui, porque somos contra abusos, e contra a escravidão.
Julgo, pois, Sr. Presidente, o parecer manco, e, como deputado desta As-
sembleia, digo francamente que não temos segurança, que a Assembleia

Anexo IV
225

está coacta, e que não podemos deliberar assim, porque nunca se delibera
debaixo de punhais de assassinos. Por consequência, quero que se acres-
cente e se diga ao governo que, não havendo motivo que justifique os mo-
vimentos da tropa, exponha o fim verdadeiro deles, e que proponha quais
são as medidas que quer postas em prática; e que se diga a razão por que
apontou que se desejava que a Assembleia expulsasse do seu seio os ditos
deputados, e o motivo por que os designou.
Mostre-se-lhe que, ainda que somos obrigados a morrer pelo povo brasi-
leiro, isto se entende quando essa morte for útil, quando servir para aniqui-
lar a escravidão, e que, estando a Assembleia nesta corte rodeada da força
armada, está coacta e não pode continuar a deliberar.
Faça-se, enfim, saber ao governo que não há senão as baionetas que per-
turbam o sossego público; que apoiados do povo nunca se podem considerar
como provas de inquietações; e que é ridículo, e induz a crer que o governo
não tem a que se apegar, o querer persuadir que a inquietação de toda a
capital procede de apoiados das galerias, e que este desassossego exige me-
didas extraordinárias.
A Comissão lembra-se de restrições à liberdade de imprensa, mas é ne-
cessário não esquecer que uma lei sobre este objeto há de fazer-se como
outra qualquer, nem que as que há são mancas a respeito de escritos incen-
diários.
Em uma palavra, se há abuso, ao governo pertence tomar medidas contra
ele, fazendo chamar a jurados os infratores. O governo tem na sua mão tudo
que é necessário. Não se precisam novas restrições, e nisso me oponho in-
teiramente ao parecer da Comissão. O que eu desejava é que ela falasse com
mais clareza, que dissesse que o que nos faltava na capital era o sossego, e
nada mais.
E como o haverá, vendo-se toda a tropa reunida ao chefe da nação, sem
se saber para que fim?
O governo, pois, é que pode evitar este desassossego; o remédio está na
sua mão; mande para longe essa tropa que com tanta energia chama subor-
dinada. Não se crimine o povo brasileiro pelo que aconteceu anteontem; ele
é muito manso; ninguém executa melhor o evangelho do que ele.
Não admito, pois, restrições à liberdade de imprensa; o que quero é que
se diga ao governo que a falta de tranquilidade procede da tropa e não do
povo; e que a Assembleia não se acha em plena liberdade como é indispen-
sável para deliberar, o que só se poderá conseguir removendo-se a tropa
para maior distância. Eu mando à Mesa uma emenda:

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


226

EMENDA
Que se diga ao governo que a Assembleia não tem conhecimento de
inquietação na capital, que não seja o susto causado pela reunião repen-
tina de tropas. Que os apoiados do povo que deram causa a se levantar a
sessão não podem pela Assembleia ser considerados como prova de per-
turbações na capital. Que as leis ordinárias são suficientes para reprimir
os escritos chamados incendiários, e que, quando haja falhas nas ditas
leis, a que se está discutindo as suprirá. Que as tropas que se afirma serem
subordinadas parecem, ao contrário, sediciosas à vista dos seus atos. Que
a Assembleia, na presença de uma força armada, mal reprimida pelo go-
verno, e indisposta contra membros seus, se não acha em perfeita liber-
dade para poder deliberar, e espera que o governo dê o preciso remédio,
removendo as tropas para maior distância.
Andrada Machado

A 1a e a 2a partes não se propuseram por se acharem compreendidas no


parecer, no qual se mudou a palavra ”comoção” para “rumor”; a 3a, a 4a e a
5a foram apoiadas.
SR. VERGUEIRO: A Comissão entendeu que lhe não era incompetente
propor a precisão de restrições à liberdade de imprensa, olhando o caso
politicamente.
Bem se sabe que os abusos são punidos pelas autoridades encarrega-
das de os julgar, nem a Comissão quer que a Assembleia se erija em juiz
dos abusos praticados; mas propõe, no caso atual, como remédio aos males
existentes, algumas novas restrições porque reconhece a necessidade de
restringir essa liberdade; e o mesmo nobre deputado, se quiser confessar
a verdade, há de convir que não só nos periódicos apontados pelo governo,
mas em outros se têm publicado artigos, principalmente de correspondên-
cias, extremamente abusivos, e cujos autores merecem bem ser punidos.
A Comissão também reconhece que essa classe de periódicos corrobora
sem dúvida os partidos, e que isto precisa providências e, por isso, se per-
suade que não excedeu os seus limites apresentando o parecer assim con-
cebido; mas como também não tem a presunção de se julgar infalível, e
ama a 1iberdade, estimará que o fim se consiga, seja qual for o meio que se
empregue.
O mais seguro em semelhante caso pareceu-lhe este, principalmente por
dizer o governo que esses abusos têm perturbado a tranquilidade da capital;
e por isso até propôs a suspensão dos debates do projeto da constituição até
se concluir a lei da liberdade da imprensa, bem que aquele projeto seja o da
mais alta importância, só para se atalhar o progresso desta crise.

Anexo IV
227

À vista, pois, do que digo, parece que a Comissão não cometeu erro
em propor as restrições, sem, contudo, designar quais elas devam ser; e
julgou-as suficientes para restabelecer a tranquilidade pública, porque o
ministério afiança a subordinação da tropa, e pede providências contra os
excessos daquela liberdade, a que atribui o desassossego; nem sei como
o nobre preopinante indica por nova na sua emenda, que, antes, é uma
indicação, a declaração de não ser o povo, mas a tropa, quem tem desas-
sossegado a capital, salvo se não atendeu para o final do parecer, onde isso
expressamente se menciona.
Quanto à medida da remoção das tropas, que propõe o nobre deputado,
eu estou tão longe de a considerar útil, que antes a encaro como um novo
mal, e talvez de consequências bem funestas porque, removida a tropa,
facilitava-se a influência dos partidos, e os resultados seriam mui tristes.
A tropa sustenta o vigor do governo e a segurança pública, uma vez que
ela se acha, como afirma Sua Majestade, na maior subordinação; e a sua au-
sência poderá causar males extraordinários, por se facilitarem aos partidos
os meios de se desenvolverem.
Voto, portanto, contra a indicação como inadmissível no presente caso.
SR. CARNEIRO DA CUNHA: Falarei só sobre o que é relativo à parte da res-
posta do ministério, em que aponta o levantamento da sessão como um dos
efeitos da crise atual, em que o povo se acha desassossegado, e observarei
que então não havia inquietação alguma no povo, pois os apoiados que deu
não foram mais que filhos do entusiasmo, e insuficientes até para se levan-
tar a sessão.
Os motivos de seu desassossego são outros, e são os que impossibilitam
a Assembleia de deliberar, e é com mágoa que eu vejo atacar o governo com
falsos pretextos à Assembleia nas pessoas de alguns dos seus deputados. Se
a tropa está subordinada, por que não restabelece o governo o sossego pú-
blico? Afiançar a subordinação da tropa e não restabelecer a tranquilidade
vale o mesmo que dizer: não o faço porque não quero, pois é indubitável que
o movimento da tropa é que tem causado o desassossego da capital.
O que eu vejo nisto é o governo a querer dar-nos a lei, e então vale mais
largarmos a nossa tarefa, uma vez que se pretende abater a dignidade da
Assembleia e a de um povo generoso que tantos sacrifícios tem feito para
proclamar a sua independência. E de que servirá continuar?
Quanto a mim, vejo-me coacto, nem já posso falar como devo, e como
tenho sempre falado a bem de meus constituintes. Sei bem que seja o que
for, o Brasil é muito vasto, e que não há de sofrer outra vez o jugo da
escravidão; não, não sofrerá jamais esse jugo vergonhoso; porém, não é

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


228

menos certo que não somos respeitados, e que sem liberdade não podemos
deliberar.
Portanto, Sr. Presidente, não desmintamos a confiança que em nós pôs a
nação inteira; abusos sempre houve até nos países clássicos da liberdade, e
a lei os castiga; e se nós vamos com restrições novas algemar aquela liber-
dade, não poderemos saber a opinião pública para nos regularmos sobre o
trabalho da Constituição, que queremos ordenar sábia, moderada, e análoga
às nossas circunstâncias.
Nós já estamos tratando do projeto de lei da liberdade de imprensa, ape-
sar de se discutir o da Constituição. Que quer, pois, o governo que façamos?
E quem o autoriza para nos dar leis?
Que quer dizer chamarem-se a um lugar todas as tropas até as milícias,
e serem chamadas por aquele que mereceu o voto unânime da nação, para
seu chefe? Isto indica alguma pretensão e põe em desconfiança os cidadãos
pacíficos.
Sendo estas as circunstâncias, vê-se claramente que a resposta do mi-
nistério não é sincera e, portanto, diga-se-lhe que, se quer que continuemos
as nossas sessões, tranquilize a capital, e que é falta de prudência atacar
assim a Assembleia nas pessoas de seus deputados, quando ela tem sempre
marcado as suas deliberações com o cunho da moderação... (O orador con-
tinuou, mas o taquígrafo declarou que do resto do discurso só escrevera as
seguintes últimas palavras.)
Portanto, para salvação do estado, é necessário que se remova, não a tropa,
mas a Assembleia para fora do Rio de Janeiro, e, por isso, voto que assim se
proponha ao governo, como faço ver na seguinte emenda que mando à Mesa:

EMENDA

Como aditamento ao parecer da Comissão. Que, sendo sem funda-


mento os motivos apontados no ofício do ministro de estado, e estando
a tropa em perfeita subordinação, está em suas mãos estabelecer o sos-
sego, sem o que a Assembleia se julga incapaz de deliberar, e que para a
salvação do estado julga de absoluta necessidade remover a Assembleia
para outro ponto do império, prometendo só ocupar-se da Constituição e
das leis regulamentares que forem necessárias. (Salva a melhor redação.)

Paço da Assembleia, 12 de novembro de 1823.


Carneiro da Cunha

Foi apoiada.

Anexo IV
229

SR. RIBEIRO DE ANDRADA: (Não escreveram os taquígrafos o seu discurso.)


Mandou à Mesa uma emenda nos seguintes termos:

EMENDA

Como aditamento ao parecer da Comissão, quero que se acrescente:


que Sua Majestade faça retirar seis léguas para fora os corpos que prin-
cipiaram a desordem, não só para obter a tranquilidade da corte, se não
para obviar piores males de reação nas províncias; e que, enquanto se
não obtém este sossego, a Assembleia suspende as suas sessões, e até
se removerá para outra província no caso de se não conseguir este bem.
Ribeiro de Andrada.

Foi apoiada.
SR. MONTEZUMA: (Não escreveram os taquígrafos o seu discurso.) Man-
dou, também, outra emenda no teor seguinte:

EMENDA

1º Requeiro que, à emenda do Sr. Martim Francisco sobre a remoção


dos corpos que principalmente intervieram no presente acontecimento,
se acrescente que esses corpos voltarão quando tiverem obtido a con-
fiança pública.
2º Proponho que se retirem para mais de 10 léguas longe da capital.
3º Proponho que, ao se tomar a deliberação da trasladação da Assem-
bleia para outro ponto do império, sendo condicional, se marque o termo
em que devem entender-se terminadas as sessões aqui, para que fiquem
obrigados os Srs. Deputados a se reunirem no ponto marcado pela lei,
porque, de outra maneira, seria ilusória a praticabilidade. O deputado
Montezuma.

Foi apoiada em todas as três partes.


SR. HENRIQUES DE RESENDE: A matéria, Sr. Presidente, é da maior impor-
tância, e, por isso, requeiro que se chamem todos os Srs. Deputados com
que se começou a sessão, para se votar sobre este negócio que merece toda
a nossa consideração.
O Sr. Presidente propôs o requerido. Foi rejeitado.
O Sr. Vergueiro pediu a palavra, e mandou à Mesa o seguinte reque-
rimento:
“Requeiro que seja chamado o ministro do Império para informar cir-
cunstanciadamente sobre o objeto dos seus ofícios de ontem. Vergueiro”.
Foi apoiado.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


230

O Sr. Presidente, por não haver quem combatesse o requerimento, o pro-


pôs à votação. Foi unanimemente aprovado.
Ordenou-se, portanto, a expedição do respectivo ofício, e que nele se
declarasse que a Assembleia ficava em sessão permanente à sua espera.
Expediu-se o ofício, nos termos seguintes:

Ilmo. e Exmo. Sr. A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do


Império do Brasil, tendo de deliberar sobre o ofício de V.Exa. datado de
ontem, e carecendo, para isso, de informações circunstanciadas, que,
para evitar as delongas da correspondência oficial, cumpre que sejam
dadas por V.Exa. dentro do recinto da mesma Assembleia; acaba de re-
solver que V.Exa. se apresente às 10 horas da manhã do dia de hoje no
paço das suas sessões, cuja permanência continua. O que V.Exa. levará ao
conhecimento de S.M. Imperial. Deus guarde a V.Exa.

Paço da Assembleia, 12 de novembro de 1823.


Miguel Calmon du Pin e Almeida
Francisco Villela Barbosa

Às 11 horas da manhã, anunciou-se que era chegado o ministro de Es-


tado dos Negócios do Império, e saíram a recebe-lo os Srs. Secretários Su-
plentes Fernandes Pinheiro e Costa Carvalho, por se não acharem na sala
os Srs. Lopes Gama e Galvão. Ao entrar o dito ministro, observou-se que
deveria deixar fora a sua espada.
O Sr. Ministro do Império: Esta espada é para defender a minha pátria,
e não para ofender os membros desta augusta Assembleia; portanto, posso
entrar com ela.
Entrou então na sala o ministro de Estado e tomou o seu assento, na
conformidade de Regimento, à esquerda do último secretário.
SR. PRESIDENTE: Creio que V.Exa. sabe a que é chamado. A Assembleia,
tendo de deliberar sobre o estado em que nos achamos e esta capital, quer de
V.Exa. esclarecimentos sobre os quesitos que me ordena proponha a V.Exa.
O Sr. Ministro do Império principiou a falar assentado, mas, lembrando-
-lhe o Sr. Presidente que devia falar em pé, ergueu-se.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Permita-se-me que eu chame a atenção da
Assembleia para algumas circunstâncias que julgo necessário referir antes
de responder ao que me for perguntado.
Nomeado anteontem para ministro e secretário de Estado dos Negó-
cios do Império, é evidente que em tão curto espaço de tempo não me seria
possível prevenir acontecimentos que causas anteriores e de mais tempo

Anexo IV
231

haviam preparado, porque eles não são eventuais… (Alguns Srs. Deputados
pediram que falasse mais alto).
Resolvi-me, pois, a ir pedir a sua Majestade a minha demissão; e com
efeito fui logo.
Eu tinha observado a marcha dos negócios depois que cheguei de Por-
tugal, e havia achado bastante semelhança neles com os que produziram os
últimos acontecimentos daquele reino, para bem prever logo o estado de
desordem a que as coisas chegariam, e conhecer que seriam inúteis em tal
ocasião todos os meus esforços.
Antes de chegar a São Cristóvão, encontrei a Sua Majestade no caminho,
apeei-me e expus as minhas razões para não poder encarregar-me de tão
dificultosa tarefa.
Sua Majestade instou que aceitasse a pasta, lembrando-me que na crise
atual os meus serviços eram necessários à minha pátria. Alguns Srs. De-
putados que aqui se acham sabem muito bem quanto ela pode em meu
coração.
Aceitei; e disse-me, então, Sua Majestade que os oficiais da tropa tinham
ido ao seu paço fazer-lhe uma representação, e que ele ia já mandar reuni-la
no campo de São Cristóvão para evitar algumas desordens.
No dia seguinte, quando fui a Sua Majestade, soube então o motivo da
dita representação.
Queixavam-se os oficiais dos insultos que se lhe faziam em alguns pe-
riódicos, atacando-os na sua honra e probidade; e mui particularmente das
injúrias dirigidas contra Sua Majestade e da falta de decoro e respeito para
com sua augusta pessoa, sendo até ameaçada a sua existência física e polí-
tica no periódico intitulado O Tamoyo.
Algumas medidas se exigiam, que não se declararam no 1º ofício que tive
a honra de remeter a esta augusta Assembleia, mas que relatarei, se a isso
for obrigado, porque se julgou suficiente, e mesmo preciso, só indicá-las,
não podendo a perspicácia e sabedoria da Assembleia deixar de penetrar e
conhecer o negócio em toda sua extensão, para dar as providências de que
se necessitava.
Pediram-se, porém, miúdas explicações ao governo, e este satisfez com
o 2º ofício, como julgou que devia, entendendo não lhe ser decoroso nem
preciso descer a particularidades para delas se tirarem medidas gerais.
Com efeito, esperava alguma medida conciliadora, qual era pelo menos
uma lei que coibisse o abuso da liberdade da imprensa, principal motivo
daquela representação.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


232

Mas não sucedeu assim; e fui chamado para dar ainda novas explicações
sobre os mesmos ofícios.
Entretanto, o que posso afirmar é que Sua Majestade não tem cessado
de empregar todos os seus desvelos e buscado todos os meios de manter a
ordem e a harmonia que tanto convém.
SR. MONTEZUMA: Eu estimaria que V.Exa. quisesse relatar essas coisas
que se exigiam da Assembleia, e que V.Exa. disse que referiria, se quisessem.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Duas coisas se exigiam: 1a que se coibisse
imediatamente a liberdade da imprensa; 2a já que me obrigaram a referir
nomes de pessoas que aliás prezo, que fossem expulsos da Assembleia os
Srs. Andradas, como redatores do Tamoyo e colaboradores do Sentinella.
As razões do governo para não ter declarado isto nos ofícios que dirigia
à Assembleia foram: quanto à 1a, o evitar que se dissesse que, tendo sido
fustigado pela imprensa o ministério passado, procurava já o presente pôr-
-lhe mordaça para não se censurarem suas ações; quanto à 2a, o não querer
merecer a justa acusação de fraco e de ignorante, levando à presença da
Assembleia uma pretensão tão inconstitucional.
SR. ANDRADA MACHADO: Sr. Presidente, desejara que V.Exa. convidasse
o Exmo. Ministro a que nos dissesse se sabe quais foram os corpos que pri-
meiro pegaram em armas, e quais os oficiais que fizeram a representação,
isto é, se acaso são de todos os corpos, ou só do corpo de artilharia montada
e do 1º batalhão de caçadores.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Eu já disse que ontem pela primeira vez estive
com Sua Majestade na qualidade de ministro de Estado; a esse tempo estava
feita a representação, e não sei que oficiais a fizeram. A respeito de corpos
que primeiro pegaram em armas, também nada posso dizer.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu vejo a Assembleia um pouco vacilante sobre
o partido que deve tomar para salvar-se desta grande tormenta. Julgo ser
melhor seguir o interrogatório que está feito sobre os pontos que se preci-
sam explicados, e escreverem-se as respectivas respostas, para, à vista de
tudo, poder depois a Assembleia deliberar.
Assentou-se que assim se fizesse.
SR. PRESIDENTE: Queira V.Exa. dizer se os oficiais fizeram a representa-
ção de viva voz ou por escrito.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Sua Majestade disse-me que fora de viva voz.
SR. PRESIDENTE: Qual foi a matéria da representação? E, além da queixa
dos ultrajes, pediu-se o extermínio de alguns cidadãos?

Anexo IV
233

SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Segundo ouvi à Sua Majestade, foram motivos


da representação os insultos feitos aos oficiais em alguns periódicos, e es-
pecialmente à sua augusta pessoa, chegando até a ser ameaçada a sua exis-
tência física e política no Tamoyo. E pedia-se que, sendo redatores destes os
ilustres deputados os Srs. Andradas, fossem expulsos da Assembleia, o que
Sua Majestade declarou logo inadmissível.
SR. PRESIDENTE: Estando Sua Majestade seguro da subordinação da tropa
e da sua firme adesão ao sistema constitucional, como pôde ser obrigado,
para evitar alguma desordem, a retirar-se com a mesma tropa para o campo
de São Cristóvão?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Sua Majestade, sabendo a causa do motim
que no dia 10 obrigara a Assembleia a levantar a sessão extemporanea-
mente, retirou a tropa para São Cristóvão para a desviar da ocasião de al-
guma desordem, e ficar a Assembleia em liberdade.
SR. PRESIDENTE: Como se combina o que se diz nos dois ofícios a respeito
da representação, referindo-se no primeiro que os oficiais representaram, e,
no segundo, que fora uma deputação?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: A primeira vez que falei à Sua Majestade
ouvi-lhe dizer, em geral, que lhe representaram os oficiais, e, por isso, no
primeiro ofício me expressei com aquela generalidade; mas, perguntando
depois se tinham ido todos representar-lhe, e respondendo-me Sua Ma-
jestade que a representação lhe fora dirigida por uma deputação, assim o
participei no segundo ofício.
SR. PRESIDENTE: Se a tropa está perfeitamente subordinada, por que se
conserva acampada e sem comunicação?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Creio que não pode haver maior prova de su-
bordinação do que o fato de achar-se reunida e acampada; e quanto à razão
de assim ali conservar-se, já respondi.
SR. PRESIDENTE: Qual é o motivo de terem sido chamadas, segundo
consta, tanto as milícias da corte como as de fora?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO:Nada posso informar sobre isto, mas consta-
-me que se tem reunido mais tropas e que vão indo assim umas atrás das
outras.
SR. PRESIDENTE: Sabe V.Exa. se está reunido o batalhão dos libertos, e se
alguns dos oficiais têm vindo buscar armamento ao arsenal para levar a São
Cristóvão, e com que ordem?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Não sei.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


234

SR. PRESIDENTE: Que medidas ordinárias tem o governo tomado para res-
tabelecer a tranquilidade e terminar desconfianças?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: A primeira foi expedir-se ordem pela reparti-
ção da justiça para devassa e punição dos culpados; e a segunda a retirada
da tropa. Esta, porém, não se deu por conselho do ministério; já estava
dada antes dele reunido. O que posso afirmar é que Sua Majestade ali as
conserva em perfeita subordinação.
SR. PRESIDENTE: Foi o ministério sabedor da reunião das tropas que mar-
charam depois que o mesmo ministério foi nomeado?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Não foi sabedor; estas medidas são da reparti-
ção da guerra, e só o respectivo ministro poderá informar sobre este objeto.
SR. PRESIDENTE: Por que razão, estando a cidade em sossego, se conserva
a tropa municiada de pólvora e bala?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Não me consta que o esteja, à exceção de algu-
mas patrulhas que rondam, como é preciso e prudente na crise atual.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu desejara que o Exmo. Ministro declarasse
positivamente, não quanto às patrulhas que rondam, mas quanto à tropa
que está em São Cristóvão, se está municiada, como se diz em toda a ci-
dade, e se à artilharia montada se tem dado novo cartuchame.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Nada posso informar; tenho visto as tropas
acampadas, mas não sei como estão.
SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Quisera que V.Exa. convidasse o Exmo. Minis-
tro para nos declarar, no caso de o saber, se as patrulhas têm ordem de pren-
der os redatores de alguns periódicos, porque consta que o francês Milliet
fora ontem agarrado por uma patrulha miliciana por se julgar que era o
redator do Tamoyo.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Pela parte da polícia que recebi, nada me
consta, nem sei que haja ordem para isso.
SR. PRESIDENTE: Por que não tem pedido o ministério à Assembleia as
medidas legislativas, de que julga precisar para remediar o mal?
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: O governo julgou ter informado à Assembleia
quanto bastava para esta ocorrer com as providências legislativas que en-
tendesse necessárias para evitar desordens, que talvez já se teriam manifes-
tado, se Sua Majestade, para prevenir alguma discordância entre a tropa, a
não tivesse reunido debaixo das suas vistas.
SR. CÂMARA: Queira V.Exa. perguntar ao Exmo. Ministro como se concilia
a subordinação em que disse que as tropas estavam com essa discordância
de que fala agora. Isto precisa alguma explicação.

Anexo IV
235

SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Quando falei na subordinação da tropa,


referi-me à generalidade dela, mas, como podia haver alguns indivíduos
insubordinados, ou mal aconselhados, foi por certo prudente a medida que
Sua Majestade tomou. Não obstante isto, rogo à Assembleia queira também
da sua parte corresponder com providências de moderação e prudência,
pois receio que haja o mesmo que houve em Portugal, visto que os acon-
tecimentos atuais e as causas que os preparam se parecem muito com os
daquele reino.
SR. MONTEZUMA: O Exmo. Ministro disse que os atuais acontecimentos
se pareciam com os de Portugal, e eu quisera sobre isto algum esclareci-
mento, porque a Assembleia deve variar de medidas segundo as circunstân-
cias; bom será, portanto, que nos diga o que supõe desta situação.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Eu não sei adivinhar futuros. Vejo a As-
sembleia amotinada levantar extemporaneamente a sessão, os militares
queixarem-se à Sua Majestade, as tropas marcharem para São Cristóvão, e
a Assembleia todo o dia e noite em sessão permanente. Ora, coisas seme-
lhantes a estas vi eu em Portugal; contudo não posso afirmar qual será o
final resultado.
SR. MONTEZUMA: Como se afirma que Sua Majestade mantém as tropas
em perfeita subordinação e que deseja conservar a representação nacional,
não vejo onde está a semelhança. Estimaria que o Exmo. Ministro me satis-
fizesse sobre isto porque o ponto é importante.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: A semelhança consiste no que já tenho pon-
derado e em outras circunstâncias que me não é fácil agora referir. Elas são
bem conhecidas para se preverem as consequências. Todavia, nada posso
afirmar. O político o mais que faz é comparar os fatos presentes com os
passados, para ajuizar do futuro com maior ou menor grau de probabilidade,
mas não para dar por certo o que só é provável. É difícil examinar bem todas
as circunstâncias de parte a parte, e uma só, que se não considere, pode
fazer falhar a mais bem fundada conjectura.
SR. MONTEZUMA: Eu estou certo que não é dado ao político prever acon-
tecimentos futuros; contudo, por comparações sempre se pode fazer algum
juízo aproximado. Portanto, estou bem persuadido que não podemos dizer
que há de acontecer sem falta isto ou aquilo. Mas como o Exmo. Ministro
está frequentemente ao lado de Sua Majestade, tem visto tudo, e, entrado
no espírito da tropa, ainda que não possa dizer exatamente o que virá a
acontecer, sempre tem tido mais ocasiões de observar, e pode, por isso,
explicar mais alguma coisa, e dizer ao menos para que lado parece tender
o negócio.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


236

SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Nada posso dizer. O tempo que tenho estado
ao lado de Sua Majestade é muito pouco para adquirir esse conhecimento
que me supõem, e o que sei do espírito da tropa já o disse nos meus ofícios.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu também quisera que V.Exa. convidasse o
Exmo. Ministro para nos dizer se tem alguns dados para julgar que aconte-
cerá aqui o mesmo que em Portugal, porque semelhança não a acho. Só se o
negócio se encaminha aos mesmos fins por meios diferentes.
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Não tenho outros dados mais que a seme-
lhança dos sucessos, que talvez sejam essencialmente diferentes, mas na
exterioridade que apresentam são mui parecidos. Se o ilustre deputado não
nota o mesmo, depende isso do modo com que cada um encara os objetos.
SR. CARNEIRO DA CUNHA: Eu concordo com o Sr. Antônio Carlos, acho
muita disparidade, porque em Portugal...
SR. MINISTRO DO IMPÉRIO: Sr. Presidente, eu peço que chame V.Exa. o
ilustre deputado à ordem. Eu tenho talvez dito mais do que devera. Vim aqui
para responder unicamente sobre os ofícios do governo, e dar as explicações
que soubesse e não para entrar em discussão com os Srs. Deputados.
SR. CARNEIRO DA CUNHA: Falo somente para esclarecimento da matéria.
Tenha o Exmo. Ministro mais um bocadinho de paciência, que eu não me
demoro. Que se fez em Portugal? Chamou o infante as tropas para depor as
cortes; e aqui o chefe da nação as chama para as manter na boa ordem, e
com efeito estão subordinadas...
SR. ANDRADA MACHADO: Por bem da ordem, isso não tem lugar: um mi-
nistro de Estado, quando vem a uma Assembleia, é para responder e não
para discutir.
SR. PRESIDENTE: A Assembleia está satisfeita e pode V.Exa. retirar-se.
Retirou-se, então, o ministro com as mesmas formalidades com que
tinha sido recebido.
SR. ANDRADA MACHADO: Como três Srs. Secretários escreveram as res-
postas do ministro, bom será ler os seus apontamentos para se combina-
rem, e ficar a Assembleia bem inteirada do que se passou.
Fez-se a leitura.
SR. MONTEZUMA: Noto só uma inexatidão: eu disse, em uma das oca-
siões em que falei, que o ministro poderia, por estar mais ao lado de Sua
Majestade, conhecer melhor o espírito da tropa, e um dos Srs. Secretários
escreveu espírito de Sua Majestade, quando não disse tal, porque deste não
duvido eu.

Anexo IV
237

SR. ANDRADA MACHADO: Não há dúvida; o nobre deputado o que disse


foi que queria conhecer qual era o espírito da tropa.
Emendou-se o respectivo apontamento.
SR. SILVA LISBOA: Parece-me que também falta uma circunstância ponde-
rosa, e é a declaração que Sua Majestade fez de não ser admissível o reque-
rimento dos oficiais na parte em que pediam a demissão dos Srs. Andradas;
isto não se deve omitir. (Apoiado, apoiado.)
Os Srs. Secretários declararam que estava mencionada a dita circuns-
tância.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu peço a leitura dos apontamentos do Sr. Se-
cretário Galvão, porque me parece ter ouvido que a volta da tropa para a
cidade dependia de se verificar a demissão dos três deputados, e desejo
saber se me enganei.
SR. GALVÃO: Eu não escrevi tudo, mas lerei o que está escrito e suprirei de
memória o que me lembrar.
Leu, e achou-se o lugar indicado.
SR. ANDRADA MACHADO: É quanto me basta para me iluminar.
SR. SECRETÁRIO CALMON: Há engano no que escreveu o Sr. Galvão; nada
se disse de espera de demissão de três Srs. Deputados. Estou bem certo
disso. (Apoiados.)
SR. MONTEZUMA: Apoio inteiramente o que diz o Sr. Secretário Calmon,
porque estou disso bem lembrado; o que o Sr. Ministro disse foi que se es-
peravam providências segundo as circunstâncias; na espera da demissão
não falou.
O Sr. Galvão emendou o seu apontamento.
SR. PRESIDENTE: Eu proponho agora, para chegar o negócio à resolução
final, se isto vai outra vez à Comissão para dar o seu parecer e sobre ele
deliberarmos.
SR. MONTEZUMA: Sr. Presidente, toda a prudência é necessária em um
corpo deliberante.
Esta Assembleia, encarando o negócio depois das informações remeti-
das pelo governo, quis ouvir à Comissão, e esta deu o seu parecer, e não me
parece prudente abandonar esta marcha tão acertada, agora que tem mais
exatas informações. A meu ver, devíamos remeter os dois ofícios, e tudo o
que disse o ministro, à Comissão para esta dar novamente o seu parecer.
Nós já estávamos deliberando sobre o negócio, quando um nobre depu-
tado lembrou, e lembrou muito bem, que parecia prudente chamar-se o

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


238

ministro dos Negócios do Império, visto não serem bastantes as informa-


ções recebidas. Isto quis dizer que não havia suficiente conhecimento de
causa; agora que o temos, devemos ouvir à Comissão, e a mesma nomeada
para este negócio. (Apoiado, apoiado.) Pese a Comissão as circunstâncias
todas em que nos achamos e as respostas do ministro, e sobre o seu parecer
deliberaremos de uma maneira que, salvando a nação, salvemos também a
dignidade desta Assembleia. (Apoiado.)
SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Eu sou inteiramente de diverso parecer. Tenho
escrupulosamente examinado as respostas que o ministro deu às perguntas
que se lhe fizeram e vejo que nada adiantamos ao que dizem os ofícios.
Que nos disse o ministro? Que houvera uma representação em que se
formavam queixas contra abusos de redatores de periódicos; que se pedia a
demissão de três deputados; e que estes influíram em um periódico, e traba-
lhavam em outro. Mas a Assembleia não sabia já tudo isto? Sem dúvida, por-
que até dessa demissão se tinha falado; logo, nada há de novo para voltar à
Comissão, pois mesmo sobre a prisão do francês, que as patrulhas quiseram
fazer, o ministro respondeu que não sabia que houvessem ordens para isso.
Que tem pois a Comissão que fazer com isto? Que mais se sabe de novo?
Sobre a marcha dos corpos, que se duvidava ser ordenada ou voluntária,
ficamos em jejum, assim como sobre a ida de novas tropas, porque a tudo
isto respondeu o ministro que não sabia; bem que eu esteja persuadido que
tudo sabe: é manha, mas a mim não me engana o governo.
Posto isto, que mais vai saber a Comissão do que já sabe pelos ofícios?
Que há de ela tomar em consideração do que acabou de expor o ministro?
Nada. Eis o motivo por que digo que continuemos com a discussão; mas se
acaso a Assembleia deliberar que vá a uma comissão, então votarei que vá à
mesma a que já foi.
SR. MONTEZUMA: A Comissão deliberou sobre o que sabia indiretamente;
e aqui mesmo se disse que fatos alegados em discursos não serviam para se
firmar neles a Comissão.
Pelo expediente que se tomou de se mandar chamar o ministro se vê
que não havia as noções necessárias; e agora sempre a Comissão tem mais
dados ministrados de viva voz pelo ministro, e por isso pode formar novo
parecer sobre o qual deliberaremos.
Disto não pode vir mal algum à Assembleia, e a Comissão de certo há
de fazer a resenha das informações do ministro, combinando as notícias
que já tinha com as que dele recebeu. Portanto, pode dar o seu parecer com
mais exatidão, e nós poderemos então tomar sobre ele uma deliberação pru-
dente, com perfeito conhecimento do estado das coisas.

Anexo IV
239

SR. ANDRADA MACHADO: Ainda que o ministro nada mais disse do que
tinha dito nos seus ofícios, se assim o querem, vá tudo à Comissão.
S R. A N D R A DA E S I LVA: Também sou do mesmo voto: estou capaci-
tado que sempre haverá mais dados do que havia pelos ofícios, que nada
eram; e poderá a Comissão firmar melhor o seu parecer, ampliando-o ou
reformando-o; por consequência voto que vá à Comissão.
SR. VERGUEIRO: Sr. Presidente, parece-me inútil ir à Comissão, porque
de fato não acresceu coisa alguma ao que estava relatado nos ofícios.
Sobre os objetos a que pedimos explicações, o ministro não as deu; que-
ríamos saber que insultos eram esses de que a tropa se queixava, e qual era o
espírito dela, e nada soubemos: disse-se o que já nos constava, que se pediam
providências sobre abusos de liberdade de imprensa, porque a respeito do re-
querimento da demissão dos três Srs. Deputados declarou o ministro que fora
rejeitado. Portanto, como nada acresce, não vejo motivo para ir novamente à
Comissão, não tendo esta para dar outro parecer senão factos velhos já con-
siderados; isto servirá para gastar tempo inutilmente.
Quando porém houvesse de ir a alguma comissão, eu diria que fosse a
outra, porque pode considerar o negócio de diferente maneira, e até pela
regra de que mais vêm quatro olhos do que dois. Talvez se descubra assim
alguma outra medida que seja conveniente adotar; mas à mesma Comissão
nunca votarei que volte.
SR. MARIANO DE ALBUQUERQUE: No caso de ir à Comissão, quisera que
se ajuntasse o parecer já dado com as emendas e aditamentos que a ele se
ofereceram, para poder a Comissão fundar bem o seu parecer.
SR. ALENCAR: Eu também voto que vá à Comissão, mas quero apresentar
à Assembleia uma ideia que me parece digna de toda a atenção, e que se
deve ter em vista antes de se tomar qualquer deliberação, ou se dar alguma
providência mesmo sobre a liberdade da imprensa, como a tropa espera.
Para que não pareça que a Assembleia está coacta, ainda que o não es-
teja, acho que primeiro se deve decidir se estamos em estado de deliberar
com a liberdade que é necessária, porque pode parecer fora que estamos
coactos; e então, ainda que a providência que tomássemos fosse filha da
mais decidida prudência e adaptada às circunstâncias, sempre se havia de
dizer que se fez o que a tropa quis, e que para isso estava em armas, e isto
mesmo entenderá a tropa, ou quem estiver à frente dela.
Que importa que a Assembleia obre em liberdade se qualquer coisa
que delibere há de, pelos estrangeiros que aqui estão, e pelas províncias,
considerar-se que foi o que a tropa quis, e não o que nós entendemos? Acho,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


240

portanto, que a Comissão deve tomar isto em consideração, para se decidir


se podemos deliberar sem que a tropa se recolha aos seus quartéis.
SR. CARNEIRO DA CUNHA: Creio que nisto concorda quase toda a Assem-
bleia. Antes que se tome qualquer medida é preciso que se restabeleça o
sossego, porque sem ele não podemos deliberar. Eu sou desta opinião, e
serei sempre. Conservando-se a tropa na altitude em que se acha nada po-
demos fazer.
SR. ALENCAR: Pois diga-se à tropa, ou a quem está à sua frente, que é
preciso que ela volte aos seus quartéis, restituindo-se tudo ao estado em
que estava anteontem, e depois encararemos o verdadeiro estado da ques-
tão com madura prudência, e poderemos deliberar, o que não podemos por
ora fazer enquanto lá estiverem.
Parece-me, Sr. Presidente, que é necessário tratar disto quanto antes;
ponha-se tudo em sossego como estava no sábado, pois de outro modo não
podemos deliberar; ou suspendam-se as sessões, e no caso de durar esta
crise muito tempo, dissolva-se a Assembleia. (O povo das galerias gritou:
Dissolver nunca! O mesmo disse o Sr. Andrada Machado, e muitos outros
Srs. Deputados.)
Quando digo dissolver, entendo suspender as sessões para irmos para
outra parte, porque o corpo legislativo só obra em perfeita tranquilidade; e
no estado em que as coisas se acham, que havemos de fazer? Nada.
É preciso, pois, que se esgotem todos os meios que estão ao nosso al-
cance para que a tropa torne ao pé em que estava anteontem; e então, sim,
o corpo legislativo tomará as medidas que se exigirem, tratará dos abusos da
liberdade da imprensa para que se punam os culpados, e cuidará de tudo o
que for preciso; mas é necessário, torno a dizer, que a tropa se recolha, que
a tranquilidade se restabeleça, se isto se não conseguir, do que não estou
persuadido, então dissolvamo-nos, e vamos estabelecer-nos em outra parte.
(Apoiado.)
Alguns Srs. Deputados requereram votação.
SR. ANDRADA MACHADO: Que vá à Comissão, ou que não vá, tudo vem a
dar no mesmo.
SR. MONTEZUMA: Lembro a esta Assembleia uma ideia, que realmente
não deixará de ser muito conveniente que V.Exa. a proponha.
O ministro que acabamos de ouvir é o ministro do Império, e, quando lhe
fizemos perguntas sobre a tropa, respondeu que não sabia, e que o ministro
da repartição da guerra é que podia dar as explicações exigidas. Ora, muitas

Anexo IV
241

coisas que declarou que não sabia são importantes, e portanto responda a
elas o ministro da Guerra.
Estou persuadido que um deputado deve propor tudo o que lhe parecer
conveniente, embora a Assembleia o rejeite, e, aproveitando-se esta ideia,
ao menos há de se deliberar com mais conhecimento de causa.
Eu estou certo que alguns Srs. Deputados hão de dizer que a Assem-
bleia tem infinitos dados para deliberar sobre o parecer da Comissão, mas
eu desejo tudo muito e muito esclarecido, e, por isso, requeiro a V.Exa. que
proponha à consideração da Assembleia o que lembro na seguinte:

INDICAÇÃO

Proponho que se mande chamar o Exmo. Ministro da Guerra para


esclarecer-nos sobre a crise atual e circunstâncias que a têm revestido.

Deputado Montezuma

SR. SILVA LISBOA: Sr. Presidente, não posso assentir à proposta de se cha-
mar o ministro da Guerra a esta augusta Assembleia porque, além de des-
necessário depois da informação nela dada pelo ministro dos Negócios do
Império, sobre o que declarou em seus dois ofícios, entendo ser indecente
fazer interrogatórios sobre um objeto de tanto melindre e consequência.
O caso é o mais extraordinário e regularíssimo, visto entrar nele o mi-
nistério na ocasião da crise em que se acha esta Assembleia. Seria tortura
compeli-lo a responder sobre o fato da tropa, pois o reduziria a perigo
de comprometer, ou a seu antecessor, ou a si próprio, ou, o que ainda é de
maior ponderação, ao nosso imperador, a respeito das ordens dadas para o
movimento e atual estado da mesma tropa.
Confesso que vi com desgosto decidir-se conforme ao parecer da Co-
missão Especial e fazerem-se tantas perguntas ao ministro do Império,
que pareceram reunir as categorias de Aristóteles, do tempo, lugar, modo,
etc., para a averiguação dos motivos e destinos que tiveram os corpos mi-
litares para saírem dos seus quartéis.
Não se pode negar às tropas o direito de peticionar, dirigindo-se a uma
das supremas autoridades como o chefe da força armada da nação.
O ministro informou que os oficiais dos corpos fizeram vocal represen-
tação.
Nisso nada mais fizeram que usar do seu direito de petição, que é cons-
titucional e comum a qualquer indivíduo ou corpo.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


242

O mesmo ministro declarou que S.M. Imperial não deferira ao seu pe-
dido da demissão dos deputados que nomearam e de que fizeram queixa
que haviam ofendido, não só a sua honra, mas também a honra do mesmo
augusto senhor.
É bem sabido que o corpo militar tem mui sublimadas ideias da honra da
sua profissão, e, por isso, ostenta um pundonor que às vezes é exagerado,
ou sem proporcionado objeto; todavia, sempre é digno de contemplação nos
justos limites.
Sr. Presidente, para que se figura a retirada dos corpos militares e a sua
atitude atual em São Cristóvão, em ponto de vista odioso, e como em blo-
queio desta capital?
O povo está, e tem estado, tranquilo. Ontem bem se viu que esteve nas
galerias desta Assembleia, sem que entrasse na sala, como no dia antece-
dente, não havendo aliás ordem alguma em contrário, e só porque foram
certificados que o Regimento lhe designava o lugar somente nas mesmas
galerias, e se manifestaram opiniões dos deputados contra a licença conce-
dida na sessão de 10. Isto prova ser o povo fluminense um povo de ordem.
Sinto que um dos Srs. Deputados então me arguisse, dizendo que eu
temia o povo generoso do Brasil, e não temia a tropa. Eu, não obstante os
cabelos brancos da mirrada cabeça, não sei o que é temor, quando encha o
que é dever, mas sei também qual é o perigo de ajuntamentos populares, que
podem degenerar em tumultos. Prezo-me de ser cauteloso, sem fantasiar
de ser capoeira, e perdoe-me esta augusta Assembleia o ter-me escapado
este nome do vulgo, impróprio ao lugar e objeto. Não é racionável o pôr em
contraste, e menos em conflito, o corpo do povo com o corpo militar, que
aliás faz parte, e mui importante parte, do mesmo povo, por ter a especial
atribuição da defesa nacional, o que constitui a sua profissão mui honorífica,
vivendo os que a ela se dedicam de heroicos sacrifícios da própria vida pela
segurança dos seus concidadãos e glória do Estado.
Ouvi falar com entusiasmo sobre os objetos desta sessão permanente,
até invocando-se manes dos brasileiros e hidras da fábula. Eu também sei
chamar almas dos mortos e apostrofar aos montes, vales, rios com as mais
artes do estilo declamatório. Mas prescindo destes expedientes, porque só
interessa ao império tratar tais assuntos com serenidade, para se preveni-
rem os males da pátria.
Não é compatível com o sistema constitucional erigir-se o Poder Legis-
lativo na competência do Poder Executivo, que tem a confiança nacional,
para providenciar a segurança pública. O nosso imperador está exercendo o
emprego do seu título de defensor perpétuo do Brasil.

Anexo IV
243

Depois de ter o ministro do Império em seu primeiro ofício declarado,


em nome de S.M. Imperial, que certificava a esta Assembleia que nada havia
de recear sobre a segurança pública pelo movimento e estado das tropas, no
meu humilde entender, não tinha lugar ulterior inquisitório. Este congresso
e o povo estão certos no espírito e constitucionalidade de S.M. Imperial, que
tanto tem feito para a independência e integridade do império, e bem pode-
mos todos dizer que comemos e vivemos à sombra da vela grande.
Portanto, nada havia que desconfiar, depois daquela declaração, para
se haver esta Assembleia por coacta e impossibilitada de dar as providên-
cias, que as circunstâncias exigissem. É de sumo perigo dar terror pânico ao
público, e manifestar-se um espírito de hostilidade inchada entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo. A dissidência aparente é de leve momento
e se pode em breve terminar por vias de conciliação, lançando-se bálsamo
salutar sobre a ferida aberta no corpo político.
A tropa é essencialmente uma força armada. Estar, ou não, atualmente
debaixo das armas e com munições de guerra, evidentemente, mostra-se
ser medida de precaução para prevenir desordens, pelos boatos que a ma-
lignidade de paixões particulares tem espalhado, por ocasião dos delitos
noturnos, sobre que se tem discutido nesta Assembleia com grande agita-
ção, pelo tumultuário concurso do povo no dia 10, dentro e fora da Assem-
bleia, de que poderiam resultar efervescências populares. Examinar-se com
severo escrutínio, agora pela Assembleia, que corpos militares primeiro se
moveram, com ordem, ou sem ela, de seus aquartelamentos, não pode ter
efeito útil.
A história mostra exemplos semelhantes em convulsões dos estados, ou
dissensões de autoridades, as irregularidades muitas vezes são momentâ-
neas, e sem consequência, quando o governo é respeitado e firme, que põe
tudo em ordem pela disciplina do Exército. Se os corpos militares confluem
para o seu legal centro de movimento, e cessam os conflitos de poderes an-
tagonistas, não há mau resultado, do contrário, aparece o fenômeno polí-
tico, semelhante ao fenômeno físico, quando pequenas nuvens concorrem
por atração elétrica a se aproximarem a alguma maior, até que, englobando,
fazem explosão.
Ouvi com pasmo a um Sr. Deputado propor que esta Assembleia nada
delibere antes de que o governo assegure a tranquilidade pública, fazendo
repor a tropa nos seus aquartelamentos, e, do contrário, estabeleça as suas
sessões em outro lugar. Em que lugar? Estamos no mundo da lua? Andare-
mos de capa em colo em busca de pouso? A quem daremos ordens? Quem
as executará? Sem dúvida então se verificaria o que disse o político Tácito,

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


244

que, em perigos iminentes, todos mandam, ninguém obedece Quod in rebus


trepidis fit omnes jubere, neminem exequi.
SR. ALENCAR: Deixemos aos velhos dizer o que quiserem, mas advirta-
mos que, apesar da diferença da idade, os moços também têm prudência
suficiente para pensar nos negócios, ao menos eu sempre me guio por ela,
e nesta ocasião eu quisera que procedêssemos com toda a cautela, para não
destruirmos a nossa obra por uma só precipitação. Todavia, não sou do voto
do ilustre preopinante, antes creio que não estamos em estado de deliberar,
e, pelo que acabamos de ouvir ao ministro, creio que não pode haver dúvida
em que a tropa volte aos seus quartéis para que, restabelecida a tranqui-
lidade, possamos deliberar sem que se presuma que deliberamos coactos.
O que diz o ilustre preopinante sobre a tropa não me agrada. A tropa está
em armas, fez uma representação, e espera pelo êxito. Logo, ainda que ela se
acomode com qualquer deliberação nossa, há de parecer aos estrangeiros,
às províncias, e à Europa, que nos sujeitamos ao capricho dela. É, pois, pre-
ciso que se restitua a tranquilidade, não porque eu esteja persuadido que a
tropa não tenha a devida disciplina e subordinação, pois estou convencido
que a tem, mas para que não haja depois motivo de queixa. Eu creio que,
desde que se discute aqui este ponto, tenho falado sempre com modera-
ção, porém, uma vez que a tropa está junta, o chefe da nação com ela, e
que não pudemos saber coisa alguma do ministro com exação, entendo que
não devemos deliberar sem estar restabelecida a tranquilidade. Agoniou-se
muito o nobre deputado com a minha proposta da mudança da Assembleia,
e eu insisto que ela é necessária no caso de não se conseguir o sossego.
Os trabalhos do corpo legislativo não têm lugar no meio de perturbações,
e procurar o bom desempenho deles é descargo dos deveres a que estamos
ligados aos nossos constituintes.
Digo isto, porém, em último caso, depois de esgotados primeiro todos os
meios, porque eu ainda estou persuadido que a ordem se há de restabele-
cer. Portanto, mande-se dizer ao governo que ponha a tropa no seu antigo
estado, e se para isso se entender preciso dirigir uma deputação a Sua Ma-
jestade, envie-se, e por ela se lhe faça ver a necessidade de se retirar a tropa
aos seus quartéis, para se restabelecer o sossego, e nós podermos deliberar.
Quando, porém, não haja esperança alguma, então sou de voto que nos re-
tiremos, mas esta pode não ser a opinião da Comissão, talvez ela julgue que
não estamos coactos, e a Assembleia seguirá o que lhe parecer. O que eu
desejo é que prossigamos com circunspecção.
SR. ANDRADA MACHADO: Eu apoio a lembrança do Sr. Montezuma, porque
realmente o ministro do Império nada respondeu que satisfizesse sobre os

Anexo IV
245

principais pontos que desejávamos saber, estamos na mesma incerteza em


que estávamos, não sabemos se as tropas se vão reunindo por ordem que
tiveram, ou sem ela, se estão municiadas de pólvora e bala, etc., também
muito importa saber o fim por que se continua a autorizar isto, e as vistas
do Poder Executivo, que me são muito duvidosas, apesar das continuadas
protestações de grande constitucionalidade, principalmente atendendo ao
que o ministro disse que do estado presente das coisas, se podia conjectu-
rar um resultado semelhante aos últimos acontecimentos de Portugal, isto
é, o restabelecimento do absolutismo, de que estou muito desconfiado.
Igualmente desejava saber até onde se estende este grande direito de
petição, que um ilustre deputado concede à força armada, e com as armas
na mão, apesar da sua perigosa influência, quero saber se ele chega até a
pretender a deposição dos deputados da nação, enfim, desejava que se me
explicasse toda a sua extensão no Brasil constitucional. Eu sei que há de-
mora, seguindo-se a proposta do Sr. Montezuma, e eu sinto-me fatigado
de velar duas noites sem descanso e sem alimento, mas primeiro está a
felicidade do meu país, eu já estou costumado a trabalhos, e até a desviar-
-me de punhais de assassinos... Porém, agora não se trata de causa par-
ticular... O governo teve ao menos o juízo de não continuar com ela, e se
continuasse a pedir-se a demissão dos deputados que têm tido a honra
de desagradarem a estes corpos, eles não teriam dúvida de largar os seus
lugares, para os substituírem outros que mais agradáveis lhes fossem, e
ao Poder Executivo, e que aprovassem em tudo suas medidas...
SR. CARNEIRO DA CUNHA: O que lembra o Sr. Montezuma é digno de con-
sideração, mas eu quisera que não se demorasse isto muito, para a Comissão
dar quanto antes o seu parecer. Creio que já há bastantes dados para ele se
formar, embora depois se ouça o ministro da Guerra se o julgarmos assim
preciso para nova deliberação, e por isso quisera que V.Exa. propusesse se
deve ir à Comissão, porque esperar pelo ministro para depois se tratar do
parecer leva um tempo excessivo.
SR. ACCIOLI: Parece-me que se devia primeiro oficiar a este ministro, nós
assim fizemos ao outro, e só depois que vimos que não satisfazia cabal-
mente é que o chamamos. Pois pratiquemos com este o mesmo.
SR. MONTEZUMA: Para não ter lugar o que propõe o nobre preopinante,
basta lembrar que a Assembleia oficiou e nada concluiu, entretanto, que
muito se conheceu pelas respostas aqui dadas pelo ministro. Se a Assem-
bleia quer inteirar-se de mais alguma coisa a que o ministro do Império
não satisfez, e quer justificar a sua marcha para o futuro, é necessário que
venha o ministro da Guerra para nos responder sobre os pontos que ainda

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


246

ignoramos. Quando para o futuro se disser, a Assembleia obrou desta ou


daquela maneira, também se dirá, mas para isso teve bastantes dados. Eu
quisera que qualquer sentença que proferíssemos sobre este negócio fosse
assentada, com toda a madureza, em perfeito conhecimento de matéria.
SR. COSTA AGUIAR: Sr. Presidente, também julgo muito útil a lembrança
do Sr. Montezuma, e me admiro das dúvidas que se têm suscitado contra
ela, quando precisamos de exatas informações. Nós chamamos o ministro
do Império, e não nos satisfez de modo que nos possamos bem dirigir em
negócio de tanta ponderação. Logo, por que não chamaremos o ministro da
Guerra, que é o competente para havermos informações que o do Império
declarou que não podia dar-nos?
Venha, pois, o ministro da Guerra e examinemos quanto pudermos a
matéria. Como todo o mundo conhece a crise em que nos achamos, não
se nos pode levar a mal a diligência que fazemos para não errar por falta
de conhecimento de causa. O que não posso aprovar é o que indicou o Sr.
Accioli, seria o mesmo que fazer com cem passos o que podemos obter com
dez. Ofícios sempre são ofícios, e, afinal, depois de se perder tempo em idas
e voltas sem se concluir coisa alguma, sempre acabaremos por se chamar
o ministro. Portanto, o meu parecer é que caminhemos logo em direitura
ao nosso fim, como o que propõe o Sr. Montezuma, assine-se hora certa
para o ministro comparecer nesta augusta Assembleia, e tendo as precisas
informações, deliberaremos com madureza.
Conheça a Europa que esta Assembleia, no meio de crise tão delicada,
conservou sempre toda a moderação e sangue frio, procurando conseguir as
mais exatas noções para proceder com acerto. Este é o meu voto.
SR. ANDRADA E SILVA: Eu não me oponho a que se chame o ministro da
Guerra, mas ao mesmo tempo não espero que por esse canal tenhamos me-
lhores informações. O ministro do Império disse que nada sabia porque só
tinha um dia de ministério. Ora, o da Guerra também entrou ontem, e além
disto é um homem octogenário, e, por consequência, menos lembrança terá
do que se tem passado. O que sucede é incomodá-lo e ficarmos no mesmo.
Os fatos estão claros por sua natureza e em nada nos são ocultas as vis-
tas do governo. O mais que poderíamos saber dele era se ontem se pas-
sou ordem para se reunirem os corpos que marcharam, porém isto mesmo
interessa pouco porque basta saber que ele para lá foram, pois ninguém
me capacitará (sic) que estas tropas foram para São Cristóvão sem ordem,
então estava tudo perdido. Deus nos livre disso. Por consequência, não me
importa que se chame, como nada tenho que esperar dele, venha ou não,
para mim é o mesmo.

Anexo IV
247

SR. COSTA BARROS: A Assembleia não pode deliberar sem conhecimento


de causa. O ministro do Império, quando fez a exposição dos sucessos,
referiu-se em parte ao ministro da Guerra, e o que nos falta conhecer desta
repartição bem o poderemos saber chamando o respectivo ministro.
É necessário que deliberemos com toda a madureza, e não terão as nos-
sas deliberações esse cunho se não assentarem nas mais completas infor-
mações. Embora se diga que o homem é octogenário, a nação não sabe se
ele tem oitenta ou cem anos, e dirá que a Assembleia não deliberou bem,
porque deliberou sem conhecimento de causa.
SR. PRESIDENTE:Como não há quem mais peça a palavra, pergunto se a
Assembleia entende que deve chamar-se o ministro da Guerra.
Venceu-se que não.
Propôs, então, se voltava o ofício à Comissão, com as perguntas feitas ao
ministro e as respostas deste.
Venceu-se que sim.
SR. MARIANO DE ALBUQUERQUE: Lembro a V.Exa. o que requeri, isto é, que
vão também as emendas e aditamentos ao parecer, para que sobre tudo vote
de novo a Comissão.
SR. MONTEZUMA: Sr. Presidente, como falta um membro da Comissão,
requeiro que se siga a ordem dos que tiveram a maioria de votos.
Foi nomeado o Sr. Almeida e Albuquerque em lugar do Sr. Barão de Santo
Amaro, e retiraram-se os membros da Comissão para dar o seu parecer.
Pouco depois se anunciou que marchava a tropa e que parecia dirigir-se à
Assembleia.
SR. ANDRADA MACHADO: Daqui iremos para onde a força armada nos
mandar.
SR. MONTEZUMA: Sr. Presidente, se isto é certo, requeiro que se mande
uma deputação a saber o que pretende de nós a força armada.
SR. ALENCAR: Eu acho que melhor será esperar o que Sua Majestade
manda.
SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Sr. Presidente, o nosso lugar é este. Se Sua Ma-
jestade quer alguma coisa de nós, mande aqui, e a Assembleia deliberará.
SR. ANDRADA MACHADO: Se nos for permitido deliberar, porque talvez
isso mesmo se nos não permita.
SR. PRESIDENTE: O que me dá grande satisfação no meio de tudo é ver a
tranquilidade da Assembleia.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


248

SR. ANDRADA MACHADO: Creio que a ilustre Comissão pode dar o seu pa-
recer, porque nós devemos continuar a sessão, apesar da aproximação da
força armada.
SR. LOPES GAMA: E eu creio que não podemos deliberar estando cercados.

SR. PRESIDENTE: Enquanto estivermos cercados seguramente não pode-


mos deliberar.
Anunciou-se que estava à porta da sala um oficial que vinha da parte de
Sua Majestade, e foram dois Srs. Secretários ver o que ele queria.
SR. GALVÃO: Um oficial me entregou este ofício, que é um decreto. e
disse-me que trazia recomendação de Sua Majestade para ser lido, e voltar
outra vez à sua mão. Pergunto se pode ler-se.
Decidiu-se que se lesse, e era concebido nos seguintes termos:

DECRETO

Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembleia


Geral Constituinte e Legislativa, por Decreto de 3 de junho do ano pró-
ximo passado, a fim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam imi-
nentes, e havendo esta Assembleia perjurado ao tão solene juramento que
prestou à nação de defender a integridade do Império, sua independência,
e a minha dinastia, hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do
Brasil, dissolver a mesma Assembleia e convocar já uma outra na forma
das instruções feitas para convocação desta, que agora acaba, a qual de-
verá trabalhar sobre o projeto de Constituição que eu lhe hei de em breve
apresentar, que será duplicadamente mais liberal do que o que a extinta
Assembleia acabou de fazer. Os meus ministros e secretários de Estado de
todas a diferentes repartições o tenham assim entendido e façam executar
a bem da salvação do Império.

Paço, 12 de novembro de 1823. 2º da Independência e do Império.


Com a rubrica de S.M. Imperial.
Clemente Ferreira França
José de Oliveira Barbosa

SR. RIBEIRO DE ANDRADA: Creio que V.Exa. deve mandar tirar uma cópia
do decreto para ficar aqui, e entregar-se o original ao oficial que o trouxe.
O Sr. Secretário Calmon tirou a cópia.
SR. GALVÃO: Sr. Presidente, eu devo declarar que este oficial me disse que
S.M. Imperial mandara esta tropa para defender a Assembleia de qualquer
insulto que se lhe pretendesse fazer.
Muitos Srs. Deputados disseram que agradeciam a Sua Majestade.

Anexo IV
249

SR. ANDRADA MACHADO: É preciso fechar a ata com a cópia do decreto de


Sua Majestade e declarar que, em consequência dele, se dissolveu a Assem-
bleia. Estes papéis se entregarão aos do novo congresso.
SR. PRESIDENTE: Pode o Sr. Oficial assegurar a Sua Majestade da parte da
Assembleia que ela se dissolve.
SR. ANDRADA MACHADO: Nós já não somos Assembleia.
SR. SILVA LISBOA: Parece-me pouco decente esta maneira de responder
nas atuais circunstâncias. Talvez deveríamos fazê-lo dirigindo um ofício ao
ministro da repartição competente. Não digo isto por covardia, mas porque
o objeto é de alta consideração.
Alguns senhores deputados pediram a palavra.
SR. ALENCAR: Não sei para que se pede a palavra. As nossas discussões
estão acabadas.
SR. ANDRADA MACHADO: Nós já não temos que fazer aqui. O que resta é
cumprir o que Sua Majestade ordena no decreto que se acabou de ler.
Saíram, então, da sala todos os Srs. Deputados, dissolvendo-se assim a
Assembleia pela uma hora da tarde do dia 12 de novembro de 1823.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


251

ANEXO V

Projeto de Constituição para


o Império do Brasil73

A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, de-


pois de ter religiosamente implorado os auxílios da sabedoria divina,
conformando-se aos princípios de justiça e da utilidade geral, decreta a se-
guinte Constituição.

TÍTULO I
DO TERRITÓRIO DO IMPÉRIO DO BRASIL
Art. 1º O império do Brasil é um, e indivisível, e estende-se desde a foz
do Oiapoque até os trinta e quatro graus e meio ao Sul.
Art. 2º Compreende as províncias do Pará, Rio Negro, Maranhão, Piauí,
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe d’El-Rei,
Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande
do Sul, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, as ilhas Fernando de Noronha e
Trindade, e outras adjacentes, e, por federação, o estado Cisplatino.
Art. 3º A nação brasileira não renuncia ao direito que possa ter a algu-
mas outras possessões não compreendidas no artigo 2º.
Art. 4º Far-se-á do território do império conveniente divisão em comar-
cas, destas em distritos, e dos distritos em termos, e nas divisões se aten-
derá aos limites naturais e igualdade de população, quanto for possível.

TÍTULO II
DO IMPÉRIO DO BRASIL

CAPÍTULO I
DOS MEMBROS DA SOCIEDADE DO IMPÉRIO DO BRASIL
Art. 5º São brasileiros:

73 Texto extraído do tomo 5 dos Anais da Assembleia Constituinte de 1823 (Brasil, 1880, p. 12-24).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


252

I. Todos os homens livres habitantes no Brasil, e nele nascidos.


II. Todos os portugueses residentes no Brasil antes de 12 de outubro de
1822.
III. Os filhos de pais brasileiros nascidos em países estrangeiros, que vie-
rem estabelecer domicílio no império.
IV. Os filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em ser-
viço da nação, embora não viessem estabelecer domicílio no império.
V. Os filhos ilegítimos de mãe brasileira, que, tendo nascido em país es-
trangeiro, vierem estabelecer domicílio no império.
VI. Os escravos que obtiverem carta de alforria.
VII. Os filhos de estrangeiros nascidos no império, contanto que seus
pais não estejam em serviço de suas respectivas nações.
VIII. Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua religião.
Art. 6º Podem obter carta de naturalização:
I. Todo estrangeiro de maior idade, que tiver domicílio no império, pos-
suindo nele capitais, bens de raiz, estabelecimentos de agricultura, comér-
cio e indústria, ou havendo introduzido ou exercitado algum comércio, ou
indústria útil, ou feito serviços importantes à nação.
II. Os filhos de pais brasileiros, que perderam a qualidade de cidadãos
brasileiros, uma vez que tenham maioridade e domicílio no império.

CAPÍTULO II
DOS DIREITOS INDIVIDUAIS DOS BRASILEIROS
Art. 7º A Constituição garante a todos os brasileiros os seguintes direitos
individuais, com explicações e modificações anexas:
I. A liberdade pessoal.
II. O juízo por jurados.
III. A liberdade religiosa.
IV. A liberdade de indústria.
V. A inviolabilidade da propriedade.
VI. A liberdade da imprensa.
Art. 8º Nenhum brasileiro será obrigado a prestar gratuitamente, contra
sua vontade, serviços pessoais.
Art. 9º Nenhum brasileiro, pois, será preso sem culpa formada, exceto
nos casos marcados na lei.

Anexo V
253

Art. 10. Nenhum brasileiro, ainda com culpa formada, será conduzido
à prisão, ou nela conservado estando já preso, uma vez que preste fiança
idônea nos casos em que a lei admite fiança, e, por crimes a que as leis não
imponham pena maior do que seis meses de prisão, ou desterro para fora da
comarca, livrar-se-á solto.
Art. 11. Nenhum brasileiro será preso, à exceção de flagrante delito,
senão em virtude de ordem do juiz ou resolução da sala dos deputados, no
caso em que lhe compete decretar a acusação, que lhe devem ser mostradas
no momento da prisão; excetua-se o que determinam as ordenanças milita-
res respeito à disciplina e recrutamento do Exército.
Art. 12. Todo brasileiro pode ficar ou sair do império quando lhe conve-
nha, levando consigo seus bens, contanto que satisfaça aos regulamentos
policiais, os quais nunca se estenderão a denegar-se-lhe a saída.
Art. 13. Por enquanto haverá somente jurados em matérias criminais; as
cíveis continuarão a ser decididas por juízes e tribunais. Esta restrição dos
jurados não forma artigo constitucional.
Art. 14. A liberdade religiosa no Brasil só se estende às comunhões cris-
tãs; todos os que as professarem podem gozar dos direitos políticos no
império.
Art. 15. As outras religiões, além da cristã, são apenas toleradas, e sua
profissão inibe o exercício dos direitos políticos.
Art. 16. A religião católica apostólica romana é a religião do Estado por
excelência, e única mantida por ele.
Art. 17. Ficam abolidas as corporações de ofícios, juízes, escrivães e
mestres.
Art. 18. A lei vigiará sobre as profissões que interessam os costumes, a
segurança e a saúde do povo.
Art. 19. Não se estabelecerão novos monopólios, antes as leis cuidarão
em acabar com prudência os que ainda existem.
Art. 20. Ninguém será privado de sua propriedade sem consentimento
seu, salvo se o exigir a conveniência pública, legalmente verificada.
Art. 21. Neste caso será o esbulhado indenizado com exatidão, atento
não só [a]o valor intrínseco, como [a]o de afeição, quando ela tenha lugar.
Art. 22. A lei conserva aos inventores a propriedade das suas descober-
tas, ou das suas produções, segurando-lhes privilégio exclusivo temporário,
ou remunerando-os em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela
vulgarização.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


254

Art. 23. Os escritos não são sujeitos a censura, nem antes, nem depois
de impressos; e ninguém é responsável pelo que tiver escrito, ou publicado,
salvo nos casos, e pelo modo, que a lei apontar.
Art. 24. Aos bispos, porém, fica salva a censura dos escritos publicados
sobre dogma e moral; e quando os autores, e na sua falta os publicado-
res, forem da religião católica, o governo auxiliará os mesmos bispos, para
serem punidos os culpados.
Art. 25. A Constituição proíbe todos os atos atentatórios aos direitos já
especificados; proíbe, pois, prisões, encarceramentos, desterros e quaisquer
inquietações policiais arbitrárias.
Art. 26. Os poderes constitucionais não podem suspender a Constituição
no que diz respeito aos direitos individuais, salvo nos casos e circunstâncias
especificadas no artigo seguinte.
Art. 27. Nos casos de rebelião declarada, ou invasão de inimigos, pedindo
a segurança do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas
das formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazer por
ato especial do Poder Legislativo, para cuja existência são mister dois terços
de votos concordes.
Art. 28. Findo o tempo da suspensão, o governo remeterá relação moti-
vada das prisões, e quaisquer autoridades que tiverem mandado proceder a
elas serão responsáveis pelos abusos que tiverem praticado a este respeito.

CAPÍTULO III
DOS DIREITOS POLÍTICOS NO IMPÉRIO DO BRASIL
Art. 29. Os direitos políticos consistem e ser-se membro das diversas au-
toridades nacionais, e das autoridades locais, tanto municipais, como admi-
nistrativas, e em concorrer-se para a eleição dessas autoridades.
Art. 30. A Constituição reconhece três graus diversos de habilidade
política.
Art. 31. Os direitos políticos perde:
I. O que se naturalizar em país estrangeiro.
II. O que, sem licença do imperador, aceitar emprego, pensão, ou conde-
coração de qualquer governo estrangeiro.
Art. 32. Suspende-se o exercício dos direitos políticos:
I. Por incapacidade física ou moral.
II. Por sentença condenatória a prisão ou degredo, enquanto durarem os
seus efeitos.

Anexo V
255

CAPÍTULO IV
DOS DEVERES DOS BRASILEIROS
Art. 33. É dever de todo brasileiro:
I. Obedecer à lei e respeitar seus órgãos.
II. Sofrer com resignação o castigo que ela lhe impuser, quando ele a
infringir.
III. Defender pessoalmente sua pátria, ou por mar, ou por terra, sendo
para isso chamado, e até morrer por ela, sendo preciso.
IV. Contribuir para as despesas públicas.
V. Responder por sua conduta como empregado público.
Art. 34. Se a lei não é lei senão no nome, se é retroativa, ou oposta à
moral, nem por isso é lícito ao brasileiro desobedecer-lhe, salvo se ela ten-
desse a depravá-lo e torná-lo vil e feroz.
Art. 35. Em tais circunstâncias é dever do brasileiro negar-se a ser o exe-
cutor da lei injusta.

TÍTULO III
DA CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO E REPRESENTÇÃO NACIONAL
Art. 36. A constituição do Império do Brasil é monarquia representativa.
Art. 37. A monarquia é hereditária na dinastia do atual imperador, o Sr.
D. Pedro I.
Art. 38. Os representantes da nação brasileira são o imperador, e a As-
sembleia Geral.
Art. 39. Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do império
são três: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.
Art. 40. Todos estes poderes no império do Brasil são delegações da
nação, e sem esta delegação qualquer exercício de poderes é usurpação.

TÍTULO IV
DO PODER LEGISLATIVO

CAPÍTULO I
DA NATUREZA E ÂMBITO DO PODER
LEGISLATIVO E SEUS RAMOS
Art. 41. O Poder Legislativo é delegado à Assembleia Geral, e ao impera-
dor conjuntamente.
Art. 42. Pertence ao Poder Legislativo:

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


256

I. Propor, opor-se e aprovar os projetos de lei, isto igualmente a cada um


dos ramos que a compõem, à exceção dos casos abaixo declarados, e com as
modificações depois expendidas.
II. Fixar anualmente as despesas públicas, e as contribuições, determinar
sua natureza, quantidade e maneira de cobrança.
III. Fixar anualmente as forças de mar, e terra ordinárias, e extraordiná-
rias, conceder ou proibir a entrada de tropas estrangeiras de mar e terra para
dentro do império, e seus portos.
IV. Repartir a contribuição direta, havendo-a, entre as diversas comarcas
do império.
V. Autorizar o governo para contrair empréstimos.
VI. Criar ou suprimir empregos públicos e determinar-lhes ordenados.
VII. Determinar a inscrição, valor, lei, tipo e nome das moedas.
VIII. Regular a administração dos bens nacionais e decretar a sua
alienação.
IX. Estabelecer meios para pagamento da dívida pública.
X. Velar na guarda da Constituição e observância das leis.

CAPÍTULO II
DA ASSEMBLEIA GERAL
Seção I
Sua divisão, atribuições e disposições comuns
Art. 43. A Assembleia Geral consta de duas salas: sala de deputados e
sala de senadores ou Senado.
Art. 44. É da atribuição privativa da Assembleia Geral, sem participação
do outro ramo da legislatura:
I. Tomar juramento ao imperador, ao príncipe imperial, ao regente ou
regência.
II. Eleger regência nos casos determinados e marcar os limites da auto-
ridade do regente ou regência.
III. Resolver as dúvidas que ocorrem sobre a sucessão da coroa.
IV. Nomear tutor ao imperador menor, caso seu pai o não tenha nomeado
em testamento.
V. Expedir cartas de convocação de futura Assembleia, se o impera-
dor o não tiver feito dois meses depois do tempo que a Constituição lhe
determinar.

Anexo V
257

VI. Na morte do imperador, ou vacância do trono, instituir exame da ad-


ministração que acabou e reformar os abusos nela introduzidos.
VII. Escolher nova dinastia, no caso da extinção da reinante.
VIII. Mudar-se para outra parte, quando por causa de peste, e invasão de
inimigos, ou falta de liberdade o queira fazer.
Art. 45. A proposição, oposição, e aprovação compete a cada uma das
salas.
Art. 46. As propostas nas salas serão discutidas publicamente, salvo nos
casos especificados no regimento interno.
Art. 47. Nunca, porém, haverá discussão de leis em segredo.
Art. 48. Nenhuma resolução se tomará nas salas quando não esteja reu-
nida mais da metade dos seus membros.
Art. 49. Para se tomar qualquer resolução basta a maioria de votos, ex-
ceto nos casos em que se especifica a necessidade de maior número.
Art. 50. A respeito das discussões, e tudo o mais que pertencer ao go-
verno interno das salas da Assembleia Geral, observar-se-á o regimento in-
terno das ditas salas, enquanto não for revogado.
Art. 51. Cada sala verificará os poderes de seus membros, julgará as con-
testações que se suscitarem a esse aspecto.
Art. 52. Cada sala tem a polícia do local e recinto de suas sessões, e o
direito de disciplina sobre os seus membros.
Art. 53. Cada sala terá o tratamento de altos e poderosos senhores.
Art. 54. Nenhuma autoridade pode impedir a reunião da Assembleia.
Art. 55. O imperador, porém, pode adiar a Assembleia.
Art. 56. Cada legislatura durará quatro anos.
Art. 57. Cada sessão durará quatro meses.
Art. 58. A sessão, porém, pode ser prorrogada pelo imperador por mais
um mês, e, antes de feitos os códigos, poderá ser a prorrogação por mais três
meses, e durante eles se não tratará senão dos códigos.
Art. 59. Nos intervalos das sessões pode o imperador convocar a Assem-
bleia, uma vez que o exija o interesse do império.
Art. 60. A sessão imperial, ou de abertura, será todos os anos no dia
3 de maio.
Art. 61. Para esse efeito, logo que as salas tiverem verificado os seus po-
deres, cada uma em seu respectivo local, e prestado o juramento no caso e

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


258

na sala em que isto tem lugar, o farão saber ao imperador por uma depu-
tação, composta de igual número de senadores e deputados.
Art. 62. Igual deputação será mandada ao imperador oito dias antes de
findar cada sessão por ambas as salas de acordo, para anunciar o dia em que
se propõe terminar as suas sessões.
Art. 63. Tanto na abertura, como no encerramento, e quando vier o im-
perador, o príncipe imperial, o regente ou regência prestar juramento, e nos
casos marcados nos arts. 90 e 232, reunidas as duas salas tomarão assento
sem distinção, mas o presidente do senado dirigirá o trabalho.
Art. 64. Quer venha o imperador por si, ou por seus comissários, assim à
abertura, como ao encerramento da Assembleia, quer não venha, sempre ela
começará ou encerrará os seus trabalhos nos dias marcados.
Art. 65. Na presença do imperador, príncipe imperial, regente ou regên-
cia, não poderá a Assembleia deliberar.
Art. 66. O exercício de qualquer emprego, à exceção de ministro de Es-
tado e conselheiro privado do imperador, é incompatível com as funções de
deputado ou senador.
Art. 67. Não se pode ser ao mesmo tempo membro de ambas as salas.
Art. 68. Os ministros de Estado podem ser membros da sala da Assem-
bleia, contanto que o número dos ministros que tiverem assento esteja, para
com os membros da sala para que entrarem, na proporção de um para vinte
e cinco.
Art. 69. Sendo nomeados mais ministros do que aqueles que podem ter
assento na sala, em razão da proporção já mencionada, serão preferidos os
que tiverem mais votos, contados todos os que obtiveram nos diversos dis-
tritos do império.
Art. 70. Os membros das salas podem ser ministros de Estado; e na sala
do Senado continuarão a ter assento, uma vez que não excedam à proporção
marcada.
Art. 71. Na sala dos deputados, nomeados alguns para ministros, vagam
os seus lugares, e se manda proceder a novas eleições por ordem do presi-
dente, nas quais podem, porém, ser contemplados, e reeleitos, e acumular
as duas funções, quando se não viole a proporção marcada.
Art. 72. Os deputados e senadores são invioláveis pelas suas opiniões
proferidas na Assembleia.
Art. 73. Durante o tempo das sessões, e um termo marcado pela lei, se-
gundo as distâncias das províncias, [os deputados e senadores] não serão

Anexo V
259

demandados, ou executados por causas cíveis, nem progredirão as que tive-


rem pendentes, salvo com seu consentimento.
Art. 74. Em causas criminais não serão presos durante as sessões, exceto
em flagrante, sem que a respectiva sala decida o que devem ser, para o que
lhe serão remetidos os processos.
Art. 75. No recesso da Assembleia [os deputados e senadores] seguirão a
sorte dos mais cidadãos.
Art. 76. Nos crimes serão os senadores e os deputados, só durante a
reunião da Assembleia, julgados pelo Senado, da mesma forma que os mi-
nistros de Estado e os conselheiros privados.
Art. 77. Tanto os deputados, como os senadores vencerão durante as ses-
sões, um subsídio pecuniário, taxado no fim da última sessão da legislatura
antecedente. Além disto se lhes arbitrará uma indenização das despesas de
ida e volta.
Seção II
Da sala dos deputados
Art. 78. A sala dos deputados é eletiva.
Art. 79. O presidente da sala dos deputados é eletivo, na forma do regi-
mento interno.
Art. 80. É privativa da sala dos deputados a iniciativa:
I. Dos projetos de lei sobre impostos, os quais não podem ser emendados
pelo Senado, mas tão-somente serão aprovados ou rejeitados.
II. Dos projetos de lei sobre recrutamentos.
III. Dos projetos de lei sobre a dinastia nova, que haja de ser escolhida no
caso da extinção da reinante.
Art. 81 Também principiarão na sala dos deputados:
I. A discussão das proposições feitas pelo imperador.
II. O exame da administração passada, e reformados abusos nela intro-
duzidos.
Art. 82. No caso de proposição imperial, a sala dos deputados não deli-
berará senão depois de ter sido examinada em diferentes comissões, em que
a sala se dividirá.
Art. 83. Se, depois de ter a sala dos deputados deliberado sobre o rela-
tório, que lhe fizerem as comissões, adotar o projeto, o remeterá ao Senado
com a fórmula seguinte: A sala dos deputados envia ao Senado a proposição
junta do imperador (com emendas, ou sem elas) e pensa que ela tem lugar.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


260

Art. 84. Se não puder adotar a proposição, participará ao imperador por


uma deputação de sete membros, nos termos seguintes: A sala dos depu-
tados testemunha ao imperador o seu reconhecimento pelo zelo que mostra em
vigiar os interesses do império, e lhe suplica respeitosamente digne-se tomar
em ulterior consideração a sua proposta.
Art. 85. Nas propostas que se originarem na sala dos deputados, apro-
vada a proposição (com emendas ou sem elas), a transmitirá ao Senado com
a fórmula seguinte: A sala dos deputados envia ao Senado a proposição junta,
e pensa que tem lugar pedir-se ao imperador a sanção imperial.
Art. 86. Nas propostas que se originarem no Senado, se a sala dos depu-
tados, depois de ter deliberado, julgar que não pode admitir a proposição,
dará parte ao Senado nos termos seguintes: A sala dos deputados torna a
remeter ao Senado a proposição de... relativa a... a qual não tem podido dar o
seu consentimento.
Art. 87. Se a sala, depois de ter deliberado, adotar inteiramente a propo-
sição do Senado, dirigi-la-á ao imperador pela fórmula seguinte: A Assem-
bleia Geral dirige ao imperador a proposição junta, que julga vantajosa e útil
ao império, e pede a Sua Majestade Imperial se digne dar a sua sanção. E ao
Senado informará nestes termos: A sala dos deputados faz ciente ao Senado
que tem adotado a sua proposição de... relativa a... a qual tem dirigido a Sua
Majestade Imperial, pedindo a sua sanção.
Art. 88. Se, porém, a sala dos deputados não adotar inteiramente a pro-
posição do Senado, mas se tiver alterado ou adicionado, tornará a enviá-la
ao Senado com a fórmula seguinte: A sala dos deputados envia ao Senado a
sua proposição... relativa a... com as emendas ou adições juntas, e pensa que
com elas tem lugar pedir ao imperador a sanção imperial.
Art. 89. Nas propostas que, tendo-se originado na sala dos deputados,
voltam a ela com emendas ou adições do Senado, se as aprovar com elas,
seguirá o que se determina no art. 87.
Art. 90. Se a sala dos deputados não aprovar as emendas do Senado ou
as adições, e, todavia, julgar que o projeto é vantajoso, poderá requerer por
uma deputação de três membros a reunião das duas salas, a ver se se acorda
em algum resultado comum, e, neste caso, se fará a dita reunião no local do
Senado, e conforme for o resultado da disputa favorável, ou desfavorável,
assim decairá ou seguirá ele o determinado no art. 87.
Art. 91. É da privativa atribuição da sala dos deputados:
I. Decretar que tem lugar a acusação dos ministros de Estado e conse-
lheiros privados.

Anexo V
261

II. Requerer ao imperador demissão dos ministros de Estado, que pa-


recerem nocivos ao bem público; mas semelhantes requisições devem ser
motivadas, e ainda assim pode a elas não deferir o imperador.
III. Fiscalizar a arrecadação e emprego das rendas públicas, e tomar
conta aos empregados respectivos.
Seção III
Do Senado
Art. 92. O Senado é composto de membros vitalícios.
Art. 93. O número dos senadores será metade dos deputados.
Art. 94. O presidente do Senado continuará por todo o tempo da le-
gislatura.
Art. 95. [O presidente do Senado] Será no começo de cada legislatura
escolhido pelo imperador dentre três, que eleger o mesmo Senado.
Art. 96. Para proceder na eleição dos três membros, que deve apresentar
ao imperador para sua escolha, e outrossim na eleição dos secretários, no-
meará o Senado por aclamação um presidente e Mesa interina, que cessarão
com a instalação dos proprietários.
Art. 97. O Senado elegerá dois secretários de seu seio, que alternarão
entre si e dividirão os trabalhos.
Art. 98. Os secretários continuarão em exercício por toda a legislatura.
Art. 99. O Senado será organizado pela primeira vez por eleição provincial.
Art. 100. As eleições serão pela mesma maneira e forma que forem as
dos deputados, mas em listas tríplices, sobre as quais recairá a escolha do
imperador.
Art. 101. Depois da primeira organização do Senado, todas as vacâncias
serão preenchidas por nomeação do imperador, a qual recairá sobre lista
tríplice da sala dos deputados.
Art. 102. Podem ser eleitos pela sala dos deputados todos os cidadãos
brasileiros devidamente qualificados para senadores.
Art. 103. Não tem obrigação a sala dos deputados de restringir-se nesta
eleição a divisão alguma, ou de província, ou outra qualquer.
Art. 104. A indenidade dos senadores, enquanto a tiverem, será superior
à dos deputados.
Art. 105. Os príncipes da casa imperial são senadores por direito e terão
assento assim que chegarem à idade de 25 anos.
Art. 106. Nas propostas do imperador, da sala dos deputados, e nas que
começarem no mesmo Senado, seguirá este o formulário estabelecido nos

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


262

arts. 84, 85, 86, 87, 88, 89 e 90, com a diferença de dizer “Senado” em vez de
“sala dos deputados” e assim inversamente.
Art. 107. É da atribuição exclusiva do Senado:
I. Conhecer dos delitos individuais cometidos pelos membros da família
imperial, ministros de Estado, conselheiros privados e senadores, e dos de-
litos dos deputados durante tão-somente a reunião da Assembleia.
II. Conhecer dos delitos de responsabilidade dos ministros de Estado e
conselheiros privados.
III. Convocar a Assembleia na morte do imperador para eleição de re-
gência, nos casos em que ela tem lugar, quando a regência provisional o
não faça.
Art. 108. No juízo dos crimes, cuja acusação não pertence à sala dos
deputados, acusará o procurador da coroa e soberania nacional.
Art. 109. Em todos os casos em que o Senado se converte em grande ju-
rado, poderá chamar para lhe assistir os membros do tribunal supremo de
cassação, que lhes aprouver, os quais, porém, responderão às questões que
se lhes fizerem, e não terão voto.

CAPÍTULO III
DO IMPERADOR COMO RAMO DE LEGISLATURA
Art. 110. O imperador exerce a proposição que lhe compete na confecção
das leis, ou por mensagem ou por ministros comissários.
Art. 111. Os ministros comissários podem assistir e discutir a proposta,
uma vez que as comissões na maneira já dita tenham dado os seus relató-
rios, mas não poderão votar.
Art. 112. Para execução da oposição ou sanção serão os projetos reme-
tidos ao imperador por uma deputação de sete membros da sala que por
último os tiver aprovado, e irão dois autógrafos assinados pelo presidente e
dois secretários da sala que os enviar.
Art. 113. No caso que o imperador recuse dar o seu consentimento, esta
denegação tem só o efeito suspensivo. Todas as vezes que as duas legislatu-
ras, que se seguirem àquela que tiver aprovado o projeto, tornem sucessiva-
mente a apresentá-lo nos mesmos termos, entender-se-á que o imperador
tem dado a sanção.
Art. 114. O imperador é obrigado a dar, ou negar, a sanção em cada de-
creto expressamente dentro em um mês, depois que lhe for apresentado.

Anexo V
263

Art. 115. Se o não fizer dentro do mencionado prazo, nem por isso dei-
xarão os decretos da Assembleia Geral de ser obrigatórios, apesar de lhes
faltar a sanção que exige a Constituição.
Art. 116. Se o imperador adotar o projeto da Assembleia Geral, se expri-
mirá pela maneira seguinte: “O imperador consente”; se o não aprovar, se
exprimirá deste modo: “O imperador examinará”.
Art. 117. Os projetos de lei adotados pelas duas salas, e pelo imperador,
no caso em que é precisa a sanção imperial, depois de promulgados ficam
sendo leis do império.
Art. 118. A fórmula da promulgação será concebida nos seguintes ter-
mos: “D. F. por graça de Deus e aclamação unânime dos povos, imperador e
defensor perpétuo do Brasil: fazemos saber a todos os nossos súditos, que
a Assembleia Geral decretou e nós queremos a lei seguinte (a letra da lei).
Mandamos, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e exe-
cução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar,
tão inteiramente como nela se contém. O secretário de Estado dos Negócios
de... (o da repartição respectiva) a faça imprimir, publicar e correr.
Art. 119. Referendada a lei pelo secretário competente, e selada com o
selo do Estado, guardar-se-á um dos originais no arquivo público, e o outro
igual assinado pelo imperador, e referendado pelo secretário competente,
será remetido ao Senado, em cujo arquivo se guardará.
Art. 120. As leis independentes de sanção serão publicadas com a mesma
fórmula daquelas que dependem de sanção, suprimidas, porém, as palavras
“e nós queremos”.
Art. 121. Não precisam de sanção para obrigarem, os atos seguintes da
Assembleia Geral e suas salas:
I. A presente Constituição e todas as alterações constitucionais, que
para o futuro nela se possam fazer.
II. Todos os decretos desta Assembleia, ainda em matérias regula-
mentares.
III. Os atos concernentes:
1. à polícia interior de cada uma das salas.
2. à verificação dos poderes dos seus membros presentes.
3. Às intimações dos ausentes.
4. À legitimidade das eleições ou eleitos.
5. Ao resultado do exame sobre o emprego da força armada pelo Poder
Executivo, nos termos dos arts. 231, 232, 235 e 242.
IV. Os atos especificados nos arts. 44, 91, 107, 113, 115 e 271.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


264

TÍTULO V
DAS ELEIÇÕES
Art. 122. As eleições são indiretas, elegendo a massa dos cidadãos ativos
aos eleitores, e os eleitores aos deputados e igualmente aos senadores nesta
primeira organização do Senado.
Art. 123. São cidadãos ativos para votar nas assembleias primárias ou de
paróquia:
I. Todos os brasileiros ingênuos e os libertos nascidos no Brasil.
II. Os estrangeiros naturalizados.
Mas tanto uns como outros devem estar no gozo dos direitos políticos,
na conformidade dos arts. 31 e 32, e ter de rendimento líquido anual o valor
de cento e cinquenta alqueires de farinha de mandioca, regulado pelo preço
médio da sua respectiva freguesia, e provenientes de bens de raiz, comér-
cio, indústria ou artes, ou sejam os bens de raiz próprios ou foreiros, ou
arrendados por longo termo, como de nove anos e mais. Os alqueires serão
regulados pelo padrão da capital do império.
Art. 124. Excetuam-se:
I. Os menores de 25 anos, nos quais se não compreendem os casados e
oficiais militares que tiverem 21 anos, os bacharéis formados, e os clérigos
de ordens sacras.
II. Os filhos [de] famílias que estiverem no poder e companhia de seus
pais, salvo se servirem [a] ofícios públicos.
III. Os criados de servir, não entrando nesta classe os feitores.
IV. Os libertos que não forem nascidos no Brasil, exceto se tiverem pa-
tentes militares ou ordens sacras.
V. Os religiosos e quaisquer que vivam em comunidade claustral, não se
compreendendo, porém, nesta exceção os religiosos das ordens militares,
nem os secularizados.
VI. Os caixeiros, nos quis se não compreendem os guarda-livros.
VII. Os jornaleiros.
Art. 125. Os que não podem votar nas assembleias de paróquia não
podem ser membros de autoridade alguma eletiva nacional, ou local, nem
votar para a sua escolha.
Art. 126. Podem ser eleitores e votar na eleição dos deputados todos
os que podem votar nas assembleias de paróquia, contanto que tenham
de rendimento líquido anual o valor de duzentos e cinquenta alqueires de
farinha de mandioca, regulado pelo preço médio do lugar do seu domicílio,

Anexo V
265

e proveniente de bens rurais e urbanos de raiz, ou próprios, ou foreiros, ou


arrendados por longo termo, ou de comércio, indústria ou artes, sendo os
alqueires regulados na forma já dita no art. 123, § II.
Art. 127. Não podem ser eleitores os libertos em qualquer parte nascidos,
embora tenham patentes militares, ou ordens sacras.
Art. 128. Todos os que podem ser eleitores, podem igualmente ser mem-
bros das autoridades locais eletivas, ou administrativas, ou municipais, e
votar na sua eleição.
Art. 129. Podem ser nomeados deputados nacionais todos os que podem
ser eleitores, contanto que tenham 25 anos de idade e sejam proprietários
ou foreiros de bens de raiz rurais ou urbanos, ou rendeiros por longo termo
de bens de raiz rurais, ou donos de embarcações, ou de fábricas, e qualquer
estabelecimento de indústria ou de ações no banco nacional, donde tirem
um rendimento líquido anual equivalente ao valor de quinhentos alqueires
de farinha de mandioca, regulado pelo preço médio do país em que habita-
rem, e na conformidade dos arts. 123 e 126, quanto ao padrão.
Art. 130. Apesar de terem as qualidades do art. 129, são excluídos de ser
eleitos:
I. Os estrangeiros naturalizados.
II. Os criados da casa imperial.
III. Os apresentados por falidos, enquanto se não justificar que o são de
boa-fé.
IV. Os pronunciados por qualquer crime a que as leis imponham pena
maior que seis meses de prisão, ou degredo para fora da comarca.
V. Os cidadãos brasileiros nascidos em Portugal, se não tiverem 12 anos
de domicílio no Brasil, e forem casados ou viúvos de mulher nativa brasileira.
Art. 131. Podem ser eleitos senadores todos os que podem ser deputados,
uma vez que tenham 40 anos de idade, e tenham rendimento o dobro do
rendimento dos deputados, proveniente das mesmas origens, e tenham de
mais prestado à nação serviços relevantes, em qualquer dos ramos de inte-
resse público.
Art. 132. Os que podem ser eleitos deputados e senadores, podem tam-
bém ser membros das autoridades locais eletivas e votar nas eleições de
todas as autoridades locais e nacionais.
Art. 133. As eleições serão de quatro em quatro anos.
Art. 134. Fica ao arbítrio dos eleitos o aceitar ou recusar.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


266

Art. 135. Os cidadãos de todo o Brasil são elegíveis em cada distrito elei-
toral, ainda quando aí não sejam nascidos ou domiciliados.
Art. 136. O número dos deputados regular-se-á pela população.
Art. 137. Uma lei regulamentar marcará o modo prático das eleições e a
proporção dos deputados à população.

TÍTULO VI
DO PODER EXECUTIVO OU DO IMPERADOR

CAPÍTULO I
DAS ATRIBUIÇÕES, REGALIAS E JURAMENTO DO IMPERADOR

Art. 138. O Poder Executivo é delegado ao imperador.


Art. 139. A pessoa do imperador é inviolável e sagrada.
Art. 140. Os seus títulos são: imperador e defensor perpétuo do Brasil.
Art. 141. O imperador tem o tratamento de “Majestade Imperial”.
Art. 142. São atribuições do imperador:
I. Nomear e demitir livremente os ministros de Estado e seus conselhei-
ros privados.
II. Convocar a nova Assembleia Geral ordinária no 1º de julho do terceiro
ano da legislatura existente, e a extraordinária quando julgar que o bem do
império o exige.
III. Prorrogar e adiar a Assembleia Geral.
IV. Promulgar as leis em seu nome.
V. Prover benefícios eclesiásticos e empregos civis, que não forem eleti-
vos, e bem assim os militares, tudo na conformidade das leis que regularem
os ditos provimentos, podendo suspender e remover os empregados nos
casos, e pelo modo, que as mesmas leis marcarem.
VI. Nomear embaixadores e mais agentes diplomáticos.
VII. Conceder remunerações, honras e distinções em recompensa de ser-
viços, na conformidade, porém, das leis e precedendo a aprovação da As-
sembleia Geral, se as remunerações forem pecuniárias.
VIII. Agraciar os condenados perdoando em todo ou minorando as
penas, exceto aos ministros de Estado, a quem poderá somente perdoar
a pena de morte.

Anexo V
267

IX. Declarar a guerra e fazer a paz, participando à Assembleia Geral todas


as comunicações que julgar compatíveis com os interesses e segurança do
Estado.
X. Fazer tratados de aliança ofensivos ou defensivos, de subsídio e co-
mércio, levando-os, porém, ao conhecimento da Assembleia Geral, logo que
o interesse e segurança do Estado o permitirem. Se os tratados concluídos
em tempo de paz contiverem cessão ou troca de parte do território do im-
pério ou de possessões a que o império tenha direito, não poderão ser rati-
ficados sem terem sido aprovados pela Assembleia Geral.
XI. Conceder ou negar o seu beneplácito aos decretos dos concílios, le-
tras pontifícias e quaisquer outras constituições eclesiásticas, que se não
opuseram à presente Constituição.
XII. Fazer executar as leis, expedir decretos, instruções e regulamentos
adequados a este fim, e prover a tudo o que for concernente à segurança
interna e externa na forma da Constituição.
XIII. Nomear senadores no caso de vacância na forma do art. 101.
Art. 143. O imperador, antes de ser aclamado, prestará nas mãos do pre-
sidente do Senado, reunidas as duas salas da Assembleia Geral, o seguinte
juramento: “Juro manter a religião católica apostólica romana, e a integri-
dade e indivisibilidade do império, e observar e fazer observar a Constitui-
ção política da nação brasileira e as mais leis do império, e prover quanto
em mim couber ao bem geral do Brasil”.
Art. 144. O herdeiro presuntivo do império terá o título de príncipe im-
perial e o primogênito deste o de príncipe do Grão-Pará; todos os mais terão
o de príncipes. O tratamento do herdeiro presuntivo será o de alteza impe-
rial e o mesmo será o do príncipe do Grão-Pará; os outros príncipes terão o
tratamento de alteza.
Art. 145. A Assembleia reconhecerá o herdeiro presuntivo da coroa, logo
depois do seu nascimento, e este completando a idade de 18 anos, prestará
nas mãos do presidente do Senado, reunidas as duas salas da Assembleia
Geral, o juramento seguinte: “Juro manter a religião católica apostólica ro-
mana, e a integridade e indivisibilidade do império, observar a Constituição
política da nação brasileira e ser obediente às leis e ao imperador.

CAPÍTULO II
DA FAMÍLIA IMPERIAL E SUA DOTAÇÃO
Art. 146. A Assembleia Geral no princípio de cada reinado assinará ao im-
perador e à sua augusta esposa uma dotação anual correspondente ao decoro

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


268

de sua alta dignidade. Esta dotação não poderá alterar-se durante aquele
reinado; nem mesmo o da imperatriz no tempo de sua viuvez, existindo no
Brasil.
Art. 147. A dotação assinada ao presente imperador poderá ser alterada,
visto que as circunstâncias atuais não permitem que se fixe desde já uma
soma adequada ao decoro de sua augusta pessoa e dignidade da nação.
Art. 148. A Assembleia assinará também alimentos ao príncipe imperial
e aos demais príncipes desde que tiverem sete anos de idade. Estes alimen-
tos cessarão somente quando saírem para fora do império.
Art. 149. Quando as princesas houverem de casar, a Assembleia lhes as-
sinará o seu dote, e com a entrega dele cessarão os alimentos.
Art. 150. Aos príncipes, se casarem e forem residir fora do império, se
entregará por uma vez somente uma quantia determinada pela Assembleia,
com o que cessarão os alimentos que percebiam.
Art. 151. A dotação, alimentos e dotes, de que falam os cinco artigos
antecedentes, serão pagos pelo tesouro público, entregues a um mordomo
nomeado pelo imperador, com quem se poderão tratar as ações ativas e pas-
sivas concernentes aos interesses da casa imperial.
Art. 152. Os palácios e terrenos nacionais, possuídos atualmente pelo Sr.
D. Pedro, ficarão sempre pertencendo a seus sucessores; e a nação cuidará
nas aquisições e construções que julgar convenientes para decência e re-
creio do imperador e sua família.

CAPÍTULO III
DA SUCESSÃO DO IMPÉRIO
Art. 153. O Sr. D. Pedro, por unânime aclamação da nação, atual impe-
rador e defensor perpétuo, reinará para sempre, enquanto estiver no Brasil.
Art. 154. Da mesma maneira sucederá no trono a sua descendência le-
gítima, segundo a ordem regular da primogenitura e representação, prefe-
rindo em todo o tempo a linha anterior às posteriores; na mesma linha o
grau mais próximo ao mais remoto; no mesmo grau o sexo masculino ao
feminino; e no mesmo sexo a pessoa mais velha à mais moça.
Art. 155. No caso de extinção da dinastia do Sr. D. Pedro, ainda em vida
do último descendente, e durante o seu reinado, nomeará a Assembleia
Geral por um ato sua nova dinastia; subindo esta ao trono, regular-se-á
na forma do art. 154.
Art. 156. Se a coroa recair em pessoa do sexo feminino, seu marido não
terá parte no governo, nem se intitulará imperador e defensor perpétuo do
Brasil.

Anexo V
269

Art. 157. Se o herdeiro do império suceder em coroa estrangeira, ou


herdeiro de coroa estrangeira suceder no império do Brasil, não poderá
acumular ambas as coroas, mas terá opção; e optando pela estrangeira se
entenderá que renuncia à do império.
Art. 158. O mesmo se entende com o imperador que suceder em coroa
estrangeira.

CAPÍTULO IV
DA MENORIDADE E IMPEDIMENTO DO IMPERADOR
Art. 159. O imperador é menor até a idade de 18 anos completos.
Art. 160. Durante a sua menoridade o império será governado por uma
regência.
Art. 161. A regência pertencerá ao parente mais chegado do impera-
dor, de um e outro sexo, segundo a ordem da sucessão, que tenha de idade
25 anos e não seja herdeiro presuntivo de outra coroa.
Art. 162. Se o imperador não tiver parente algum que reúna estas qua-
lidades, será o império governado por uma regência permanente nomeada
pelo Senado, sobre lista tríplice da sala dos deputados. Esta regência será
composta de três membros e o mais velho em idade será o presidente.
Art. 163. Enquanto se não eleger esta regência, será o império governado
por uma regência provisional composta dos dois ministros de Estado mais
antigos e dos dois conselheiros privados também mais antigos, presidida
pela imperatriz viúva, e na sua falta pelo mais antigo ministro de Estado.
Art. 164. Esta regência será obrigada a convocar a Assembleia Geral, e
se o não fizer, o Senado o fará, o qual para este efeito imediatamente se
reunirá.
Art. 165. Se o imperador, por causa física ou moral evidentemente reco-
nhecida por dois terços de cada uma das salas da Assembleia, se impossibili-
tar para governar, em seu lugar governará como regente o príncipe imperial,
se for maior de 18 anos. Todos os atos do governo serão emitidos em seu
próprio nome.
Art. 166. Se não tiver a precisa idade o príncipe imperial, observar-se-ão
os arts. 161, 162, 163 e 164.
Art. 167. Tanto o regente como a regência prestarão o juramento exarado
no art. 145, acrescentando-lhe a cláusula “de entregar o governo logo que o
imperador chegue à maioridade e cesse o seu impedimento”.
Art. 168. Ao juramento da regência provisional acrescentar-se-á a cláu-
sula “de entregar o governo à regência permanente”.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


270

Art. 169. Os atos das regências e do regente serão em nome do impe-


rador.
Art. 170. A Assembleia Geral dará regimento, como lhe aprouver, ao re-
gente e regências, e estes se conterão nos limites prescritos no dito regi-
mento.
Art. 171. Nem o regente nem a regência serão responsáveis.
Art. 172. Nunca o regente será tutor do imperador menor, a guarda de
cuja pessoa será confiada ao tutor que seu pai tiver nomeado em testa-
mento, contanto que seja cidadão brasileiro qualificado para senador; na
falta deste, a imperatriz mãe, enquanto não tornar a casar; e faltando esta,
a Assembleia Geral nomeará tutor, que seja cidadão brasileiro qualificado
para senador.

TÍTULO VII
DO MINISTÉRIO
Art. 173. Haverá diferentes secretarias de Estado; a lei designará os ne-
gócios pertencentes a cada uma e o seu número; as reunirá ou separará.
Art. 174. Os ministros referendarão os atos do Poder Executivo, sem o
que não são aqueles obrigatórios.
Art. 175. Os ministros são responsáveis:
I. Por traição.
II. Por concussão.
III. Por abuso do Poder Legislativo.
IV. Por exercício ilegal de poder ilegítimo.
V. Por falta de execução de leis.
Art. 176. Uma lei particular especificará a natureza destes delitos, e a
maneira de proceder contra eles.
Art. 177. Não salva aos ministros da responsabilidade a ordem do impe-
rador verbal, ou por escrito.
Art. 178. A responsabilidade dos ministros não destrói a de seus agen-
tes; ela deve começar no autor imediato daquele ato que é objeto do pro-
cedimento.
Art. 179. Não podem ser ministros de Estado:
I. Os estrangeiros posto que naturalizados.
II. Os cidadãos brasileiros nascidos em Portugal, que não tiverem doze
anos de domicílio no Brasil, e não forem casados com mulher brasileira por
nascimento, ou dela viúvos.

Anexo V
271

TÍTULO VIII
DO CONSELHO PRIVADO
Art. 180. Haverá um conselho privado do imperador composto de conse-
lheiros por ele nomeados, e despedidos ad nutum.
Art. 181. O imperador não pode nomear conselheiros senão aos cidadãos
que a Constituição não exclui.
Art. 182. São excluídos:
I. Os que não têm quarenta anos de idade.
II. Os estrangeiros, posto que naturalizados.
III. Os cidadãos brasileiros nascidos em Portugal, que não tiverem doze
anos de domicílio no Brasil, e não forem casados com mulher brasileira por
nascimento, ou dela viúvos.
Art. 183. Antes de tomarem posse prestarão os conselheiros privados
nas mãos do imperador juramento de manter a religião católica apostó-
lica romana, observar a Constituição e as leis, serem fiéis ao imperador,
e aconselhá-lo segundo as suas consciências, atendendo somente ao bem
da nação.
Art. 184. Os conselheiros privados serão ouvidos nos negócios graves,
particularmente sobre a declaração de guerra, ou paz, tratados, e adiamento
da Assembleia.
Art. 185. O príncipe imperial, logo que tiver dezoito anos completos, será
de fato e de direito membro do conselho privado; os outros príncipes da
casa imperial podem ser chamados pelo imperador para membros do con-
selho privado.
Art. 186. São responsáveis os conselheiros privados pelos conselhos que
derem, opostos às leis, e manifestamente dolosos.

TÍTULO IX
DO PODER JUDICIÁRIO
Art. 187. O Poder Judiciário compõe-se de juízes e jurados. Estes por en-
quanto têm só lugar em matérias criminais na forma do art. 13.
Art. 188. Uma lei regulará a composição do conselho dos jurados, e a
forma do seu procedimento.
Art. 189. Os jurados pronunciam sobre o fato, e os juízes aplicam a lei.
Art. 190. Uma lei nomeará as diferentes espécies de juízes de direito,
suas gradações, atribuições, obrigações e competência.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


272

Art. 191. Os juízes de direito letrados são inamovíveis, e não podem ser
privados do seu cargo, sem sentença proferida em razão de delito, ou apo-
sentação com causa provada, e conforme a lei.
Art. 192. A inamovibilidade não se opõe à mudança dos juízes letrados
de primeira instância de uns para outros lugares, como e no tempo que a lei
determinar.
Art. 193. Todos os juízes de direito e oficias de justiça são responsáveis
pelos abusos de poder e erros que cometerem no exercício dos seus em-
pregos.
Art. 194. Por suborno, pleito e conluio, haverá contra eles ação popular.
Art. 195. Por qualquer outra prevaricação punível pela lei, não sendo
mera infração da ordem do processo, só pode acusar a parte interessada.
Art. 196. Toda a criação de tribunais extraordinários, toda a suspensão
ou abreviação das formas, à exceção do caso mencionado no art. 27, são atos
inconstitucionais, e criminosos.
Art. 197. O concurso dos poderes constitucionais não legitima tais atos.
Art. 198. No processo civil a inquirição de testemunhas, e tudo o mais
será público; igualmente no processo crime, porém só depois da pronúncia.
Art. 199. O código será uniforme, e o mesmo para todo o império.
Art. 200. As penas não passarão da pessoa dos delinquentes, e serão só as
precisas para estorvar os crimes.
Art. 201. A Constituição proíbe a tortura, a marca de ferro quente, o
baraço e pregão, a infâmia, a confiscação de bens, e enfim todas as penas
cruéis ou infamantes.
Art. 202. Toda a espécie de rigor, além do necessário para a boa ordem e
sossego das prisões, fica proibida, e a lei punirá a sua contravenção.
Art. 203. As casas de prisão serão seguras, mas cômodas, que não sirvam
de tormento.
Art. 204. [As casas de prisão] serão visitadas todos os anos por uma co-
missão de três pessoas, as quais inquirirão sobre a legalidade ou ilegalidade
da prisão, e sobre o rigor supérfluo praticado com os presos.
Art. 205. Para este efeito se nomearão em cada comarca seis pessoas de
probidade, que formem alternadamente a comissão dos visitadores.
Art. 206. [Os visitadores] serão eleitos pelas mesmas pessoas e maneira
porque se elegem os deputados; e durarão em atividade o mesmo tempo que
as legislaturas.

Anexo V
273

Art. 207. A comissão de visita dará conta às salas da Assembleia, em um


relatório impresso, do resultado das suas visitas periódicas, e solenes.
Art. 208. A apresentação do preso nunca será negada aos parentes e ami-
gos, salvo estando incomunicável por ordem do juiz na forma da lei.

TÍTULO X
DA ADMINISTRAÇÃO
Art. 209. Em cada comarca haverá um presidente nomeado pelo impe-
rador, e por ele amovível ad nutum, e um conselho presidial eletivo, que o
auxilie.
Art. 210. Em cada distrito haverá um subpresidente, e um conselho de
distrito eletivo.
Art. 211. Em cada termo haverá um administrador e executor, denomi-
nado “decurião”, o qual será presidente da municipalidade, ou Câmara do
termo, na qual residirá todo o governo econômico e municipal.
Art. 212. O decurião não terá parte no Poder Judiciário, que fica reser-
vado aos juízes eletivos do termo.
Art. 213. A lei designará as atribuições, competência, e gradativa subor-
dinação das autoridades não eletivas, e os tempos da reunião, maneira de
eleição, gradação, funções, e competência das eletivas.
Art. 214. Estas disposições não excluem a criação de direções gerais para
tratarem de objetos privativos de administração.

TÍTULO XI
DA FAZENDA NACIONAL
Art. 215. Todas as contribuições devem ser [a] cada ano estabelecidas, ou
confirmadas pelo Poder Legislativo, art. 42, e sem este estabelecimento,
ou confirmação, cessa a obrigação de as pagar.
Art. 216. Ninguém é isento de contribuir.
Art. 217. As contribuições serão proporcionadas às despesas públicas.
Art. 218. O Poder Legislativo repartirá a contribuição direta pelas co-
marcas; o presidente e conselho presidial pelos distritos; o subpresidente
e conselho de distritos pelos termos; e o decurião e municipalidade pelos
indivíduos, em razão dos rendimentos que no termo tiverem; quer residam
nele, quer fora.
Art. 219. O ministro da Fazenda, havendo recebido dos outros minis-
tros os orçamentos relativos às despesas das suas repartições, apresentará

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


274

todos os anos, assim que a Assembleia estiver reunida, um orçamento geral


de todas as despesas públicas do ano futuro, outro da importância das ren-
das, e a conta da receita e despesa do tesouro público do ano antecedente.
Art. 220. As despesas de cada comarca devem ser objeto de um capítulo
separado no orçamento geral, e determinadas cada ano, proporcionalmente
aos rendimentos da dita comarca.
Art. 221. Todos os rendimentos nacionais entrarão no tesouro público,
exceto os que por lei, ou autoridade competente, se mandarem pagar em
outras tesourarias.
Art. 222. A conta geral da receita e despesa de cada ano depois de apro-
vada, se publicará pela imprensa; o mesmo se fará com as contas dadas
pelos ministros de Estado das despesas feitas nas suas repartições.
Art. 223. A fiscalização e arrecadação de todas as rendas públicas
far-se-á por contadores, que abrangerão as comarcas que a lei designar,
e serão diretamente responsáveis ao tesouro público.
Art. 224. Dar-se-á aos contadores regimento próprio.
Art. 225. O juízo e execução em matéria de fazenda seguirá a mesma
regra que o juízo e execução dos particulares, sem privilégio de foro.
Art. 226. A Constituição reconhece a dívida pública, e designará fundos
para seu pagamento.

TÍTULO XII
DA FORÇA ARMADA
Art. 227. Haverá uma força armada, terrestre, que estará à disposição
do Poder Executivo, o qual, porém, é obrigado a conformar-se às regras
seguintes.
Art. 228. A força armada terrestre é dividida em três classes: exército de
linha, milícias, e guardas policiais.
Art. 229. O exército de linha é destinado a manter a segurança externa, e
será por isso estacionado nas fronteiras.
Art. 230. Não pode ser empregado no interior se não no caso de revolta
declarada.
Art. 231. Neste caso ficam obrigados o Poder Executivo e seus agentes
a sujeitar a exame da Assembleia todas as circunstâncias que motivaram a
sua resolução.
Art. 232. Este exame é de direito, e as duas salas da Assembleia, logo que
tiverem recebido notícias deste ato do Poder Executivo, reunidas nomearão

Anexo V
275

do seu seio, para proceder a exame, uma comissão de vinte e um membros,


dos quais a metade e mais um será tirada à sorte.
Art. 233. As milícias são destinadas a manter a segurança pública no in-
terior das comarcas.
Art. 234. Eles [os milicianos] não devem sair dos limites de suas comar-
cas, exceto em caso de revolta ou invasão.
Art. 235. No emprego extraordinário das milícias ficam o Poder Executivo
e seus agentes sujeitos às mesmas regras a que são sujeitos no emprego do
exército de linha.
Art. 236. As milícias serão novamente organizadas por uma lei parti-
cular, que regule a sua formação e serviço.
Art. 237. Desde já são declarados os seus oficiais eletivos, e temporários,
à exceção dos majores e ajudantes, sem prejuízo dos oficiais atuais, com
quem se não entende a presente disposição.
Art. 238. Terão as milícias do império uma só disciplina.
Art. 239. As distinções de postos e a subordinação nas milícias subsistem
só relativamente ao serviço, e enquanto ele durar.
Art. 240. As guardas policiais são destinadas a manter a segurança dos
particulares; perseguem, e prendem os criminosos.
Art. 241. As guardas policiais não devem ser empregadas em mais coisa
alguma, salvo os casos de revolta ou invasão.
Art. 242. As regras dadas para o emprego extraordinário do exército de
linha e milícias aplicam-se ao emprego extraordinário das guardas policiais.
Art. 243. Se as salas da Assembleia não estiverem juntas, o imperador é
obrigado a convocá-las para o exame exigido.
Art. 244. Todo o comandante, oficial ou simples guarda policial, que ex-
citar alguém para um crime, para depois o denunciar, sofrerá as penas que a
lei impõe ao crime que se provocou.
Art. 245. A lei determinará cada um ano o número da força armada e o
modo do seu recrutamento.
Art. 246. Haverá igualmente uma força marítima também à disposição do
Poder Executivo e sujeita a ordenanças próprias.
Art. 247. Os oficiais do exército e armada não podem ser privados das
suas patentes senão por sentença proferida em juízo competente.
Art. 248. Não haverá generalíssimo em tempo de paz.
Art. 249. A força armada é essencialmente obediente e não pode ser
corpo deliberante.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


276

TÍTULO XIII
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, ESTABELECIMENTOS DE
CARIDADE, CASAS DE CORREÇÃO E TRABALHO
Art. 250. Haverá no império escolas primárias em cada termo, ginásios
em cada comarca e universidades nos mais apropriados locais.
Art. 251. Leis regulamentares marcarão o número e constituição desses
úteis estabelecimentos.
Art. 252. É livre a cada cidadão abrir aulas para o ensino público, con-
tanto que responda pelos abusos.
Art. 253. A Assembleia terá particular cuidado em conservar e aumentar
as casas de misericórdia, hospitais, rodas de expostos e outros estabeleci-
mentos de caridade já existentes e em fundar novos.
Art. 254. Terá igualmente cuidado de criar estabelecimentos para a cate-
quese e civilização dos índios, emancipação lenta dos negros e sua educação
religiosa e industrial.
Art. 255. Erigir-se-ão casas de trabalho para os que não acham empre-
gos; e casas de correção e trabalho, penitência e melhoramento para os va-
dios e dissolutos de um e outro sexo e para os criminosos condenados.

TÍTULO XIV
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 256. A Constituição facilita a todo o estrangeiro o livre acesso ao
império; segura-lhe a hospitalidade, a liberdade civil e a aquisição dos di-
reitos políticos.
Art. 257. As leis do império só vedarão os atos que prejudicarem a socie-
dade, ou imediata ou mediatamente.
Art. 258. O exercício dos direitos individuais não terá outros limites que
não sejam os necessários para manter os outros indivíduos na posse e gozo
dos mesmos direitos; tudo, porém, subordinado ao maior bem da sociedade.
Art. 259. Só à lei compete determinar estes limites; nenhuma autoridade
subordinada o poderá fazer.
Art. 260. A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue.
Art. 261. Esta igualdade nas leis protetoras será regulada pela mesme-
dade de utilidade, de forma que, variando ela, varia proporcionalmente a
proteção.

Anexo V
277

Art. 262. Nas penas a igualdade, será subordinada à necessidade para


conseguimento do fim desejado, em maneira que onde existir a mesma ne-
cessidade dê-se a mesma lei.
Art. 263. A admissão aos lugares, dignidades e empregos públicos será
igual para todos, segundo a sua capacidade, talentos e virtudes tão-somente.
Art. 264. A livre admissão é modificada pelas qualificações exigidas para
eleger e ser eleito.
Art. 265. A Constituição reconhece os contratos entre os senhores e os
escravos; e o governo vigiará sobre a sua manutenção.
Art. 266. Todas as leis existentes contrárias à letra e ao espírito da pre-
sente Constituição são de nenhum vigor.

TÍTULO XV
DO QUE É CONSTITUCIONAL E SUA REVISTA
Art. 267. É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições
respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais.
Art. 268. Tudo o que não é constitucional pode ser alterado pelas legisla-
turas ordinárias, concordando dois terços de cada uma das salas.
Art. 269. Todas as vezes que três legislaturas consecutivas tiverem pro-
ferido um voto pelos dois terços de cada sala para que se altere um artigo
constitucional, terá lugar a revista.
Art. 270. Resolvida a revista, expedir-se-á decreto de convocação da As-
sembleia de revista, o qual o imperador promulgará.
Art. 271. A Assembleia de revista será de uma sala só, igual em número
aos dois terços dos membros de ambas as salas e eleita como é a sala dos
deputados.
Art. 272. Não se ocupará senão daquilo para que foi convocada e findo o
trabalho dissolver-se-á.

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1823.


Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva
José Bonifácio de Andrada e Silva
Antônio Luiz Pereira da Cunha
Manoel Ferreira da Câmara de Bittencourt e Sá
Pedro de Araújo Lima (com restrições)
José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada
Francisco Muniz Tavares

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


279

ANEXO VI

Documentos referentes à
dissolução da Assembleia

Decreto de 12 de novembro de 182374


Dissolve a Assembleia Geral Legislativa e Constituinte
e convoca outra.

Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembleia


Geral Constituinte e Legislativa, por Decreto de 3 de junho do ano próximo
passado; a fim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam iminentes; e
havendo esta Assembleia perjurado ao tão solene juramento que prestou à
nação de defender a integridade do império, sua independência, e a minha
dinastia, hei por bem, como imperador e defensor perpétuo do Brasil, dis-
solver a mesma Assembleia, e convocar já uma outra na forma das instru-
ções feitas para convocação desta, que agora acaba, a qual deverá trabalhar
sobre o projeto de Constituição que eu lhe hei de em breve apresentar, que
será duplicadamente mais liberal do que o que a extinta Assembleia acabou
de fazer. Os meus ministros e secretários de Estado de todas a diferentes
repartições o tenham assim entendido e façam executar a bem da salvação
do império.

Paço, 12 de novembro de 1823. 2º da Independência e do Império.


Com a rubrica de S.M. Imperial
Clemente Ferreira França
José de Oliveira Barbosa

74 Texto extraído da Coleção das leis do Brasil de 1823 (Brasil, 1887, p. 85).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


280

Proclamação de Sua Majestade


Imperial aos povos brasileiros75

13 de novembro de 1823

Brasileiros! Uma só vontade nos una. Continuemos a salvar a pátria.


O vosso imperador, o vosso defensor perpétuo vos ajudará como ontem fez,
e como sempre tem feito, ainda que exponha a sua vida. Os desatinos de
homens alucinados pela soberba e ambição nos iam precipitando no mais
horroroso abismo. É mister, já que estamos salvos, sermos vigilantes qual
Argos. As bases que devemos seguir e sustentar para nossa felicidade são –
independência do império, integridade do mesmo, e sistema constitucional,
– sustentando nós estas três bases sem rivalidades, sempre odiosas sejam
por que lado encaradas, e que são alavancas (como acabastes de ver) que
poderiam abalar este colossal império, nada mais temos que temer. Estas
verdades são inegáveis, vós bem as conheceis pelo vosso juízo, e desgraça-
damente a íeis conhecendo melhor pela anarquia. Se a Assembleia não fosse
dissolvida, seria destruída a nossa santa religião e nossas vestes seriam tin-
tas de sangue. Está convocada nova Assembleia. Quanto antes ela se unirá
para trabalhar sobre um projeto de Constituição, que em breve vos apresen-
tarei. Se possível fosse, eu estimaria que ele se conformasse tanto com as
vossas opiniões que nos pudesse reger (ainda que provisoriamente) como
Constituição. Ficai certos que o vosso imperador, a única ambição que tem
é de adquirir cada vez mais glória, não só para si, mas para vós e para este
grande império que será respeitado do mundo inteiro. As prisões agora fei-
tas serão pelos inimigos do império, consideradas despóticas. Não são. Vós
vedes que são medidas de polícia, próprias para evitar a anarquia e poupar
as vidas desses desgraçados para que possam gozar ainda, tranquilamente,
delas, e nós de sossego. Suas famílias serão protegidas pelo Governo. A sal-
vação da pátria, que me está confiada como defensor perpétuo do Brasil, e
que é a Suprema Lei, assim o exige. Tende confiança em mim, assim como eu
a tenho em vós, e vereis os nossos inimigos internos e externos suplicarem
a nossa indulgência. União, e mais união, brasileiros; quem aderiu à nossa
sagrada causa, quem jurou a independência deste império, é brasileiro.

Imperador

75 Texto extraído de D. Pedro I: Proclamações, Cartas, Artigos (Arquivo Nacional, 1973, p. 192).

Anexo VI
281

Manifesto de Sua Majestade, o


imperador, aos brasileiros76

16 de novembro de 1823

A Providência, que vigia pela estabilidade e conservação dos impérios,


tinha permitido nos seus profundos desígnios que, firmada a indepen-
dência do Brasil, unidas todas as suas províncias, ainda as mais remotas,
continuasse este império na marcha progressiva da sua consolidação e
prosperidade. A Assembleia Constituinte e Legislativa trabalhava com as-
siduidade, discernimento e atividade para formar uma constituição que
solidamente plantasse e arraigasse o sistema constitucional neste vas-
tíssimo império. Sobre esta inabalável base se erguia e firmava o edifício
social, e era tal juízo que sobre a nação brasileira formavam os estrangei-
ros, que as principais potências da Europa reconheceriam mui brevemente
a independência do império do Brasil, e até ambicionariam travar com
ele relações políticas e comerciais. Tão brilhante perspectiva, que nada
parecia escurecer, foi ofuscada por súbita borrasca que enlutou nosso ho-
rizonte. O gênio do mal inspirou danadas tenções e espíritos inquietos e
mal-intencionados, e soprou-lhes nos ânimos o fogo da discórdia. De tem-
pos a esta parte começou a divisar-se e a conhecer-se que não havia em
toda a Assembleia uniformidade dos verdadeiros princípios que formam
os governos constitucionais, e a harmonia dos poderes divididos, que faz
a sua força moral e física, começou a estremecer. Diversos e continuados
ataques ao Poder Executivo, sua condescendência a bem da mesma har-
monia enervavam a força do Governo e o foram surdamente minando.
Foi crescendo o espírito de desunião; derramou-se o fel da desconfiança;
sorrateiramente foram surgindo partidos, e de súbito apareceu e ganhou
forças uma facção desorganizadora que começou a aterrar os ânimos dos
varões probos que, levados só do zelo do bem público e do mais acrisolado
amor da pátria, tremiam de susto à vista de futuros perigos que previam e
se lhes antolhavam. Enquanto, os que premeditavam e maquinavam pla-
nos subversivos e úteis aos seus fins sinistros, ganhavam, uns de boa-fé e
ingênuos com as lisonjeiras ideias de firmar mais a liberdade, este ídolo
sagrado sempre desejado e as mais das vezes desconhecido; outros com
a persuasão de que o Governo se ia manhosamente tornando despótico e
alguns, talvez com promessas vantajosas, exageradas em suas gigantescas
imaginações, chegando até à malignidade de inculcar como abraçado, o
pérfido e insidioso projeto de união com o Governo português.

76 Texto extraído de D. Pedro I: Proclamações, Cartas, Artigos (Arquivo Nacional, 1973, p. 193-199).

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


282

Forjados os planos, arranjados e endereçados os meios de realizá-los,


aplainadas as dificuldades que supuseram estorvar-lhe as veredas, cumpria
que se verificasse o desígnio concebido e, havia tempos, premeditado.
Um dos meios escolhidos como seguro era semear a discórdia entre os ci-
dadãos nascidos no Brasil e em Portugal, já por meio de periódicos escritos
com o manhoso artifício e virulência, procurando destruir a força moral do
Governo e ameaçar a minha imperial pessoa com os exemplos de Iturbide
e de Carlos I, e já por meio de emissários que sustentassem e propagassem
tão sediciosos princípios.
Disposta assim a fermentação de que devia brotar o vulcão revolucio-
nário, procurou a facção que se havia feito preponderante na Assembleia
servir-se para o fatal rompimento de um requerimento do cidadão David
Pamplona, inculcado brasileiro de nascimento, sendo aliás natural das ilhas
portuguesas, que a ela se queixava de umas pancadas que lhe deram dois
oficiais brasileiros, mas nascidos em Portugal, e que pelo parecer de uma
comissão se entendia que o mesmo devia recorrer aos meios ordinários. De
antemão, e com antecipação a mais criminosa, se convidaram pelos chefes
daquela tremenda facção e por meio de seus sequazes, pessoas do povo que,
armados de punhais e pistolas, lhes servissem de apoio, incutindo terror
aos ilustres, honrados e dignos deputados da mesma Assembleia que, fiéis
ao juramento prestado, só pretendiam satisfazer à justa confiança que neles
pusera a nobre nação brasileira, e folgavam de ver mantida a tranquilidade
necessária para as deliberações.
Neste malfadado dia haveriam cenas trágicas e horrorosas, se, ouvindo
gritarias e apoiados tão extraordinários como escandalosos, o ilustre presi-
dente, com prudência e vigilância amestrada não levantasse a sessão, pondo
assim termo aos males que rebentariam com horrível estampido de tama-
nho vulcão fermentado da fúria dos partidos; do ódio nacional; da sede de
vingança; e da mais hidrópica ambição. Tanto era de esperar, até por ser
grande o número de pessoas que dentro e fora da Assembleia estavam dis-
postas a sustentar os projetos da terrível facção; e tanto se devia temer até
da grande quantidade de armas que com profusão se venderam na cidade
nos dias antecedentes, e da escandalosa aclamação com que foram recebi-
dos e exaltados pelos seus satélites, os chefes do nefando partido quando
saíram da Assembleia a despeito da minha imperial presença.
Renovou-se no dia imediato esta cena perigosa. Veementes e virulentos
discursos dos que pertenciam à referida facção continuaram a soprar o fogo
da discórdia, e muitos dos seus apaniguados nas galerias da Assembleia
e fora, protegeriam os resultados horríveis que eram consequência certa
dos planos premeditados. A este fim se pretendeu, e conseguiu ficar a ses-

Anexo VI
283

são permanente com o especioso pretexto de que não convinha levantá-la


sem estar restabelecida a tranquilidade. Para esta se conseguir já eu tinha
mandado marchar toda a tropa e ajuntá-la no campo de São Cristóvão, com
o justo desígnio de deixar a Assembleia em perfeita liberdade; e fiz de-
pois participar à mesma Assembleia esta deliberação, para que tomasse em
consideração os motivos justificados dela, e quanto convinha providenciar
sobre medidas positivas e terminantes ao restabelecimento da tranquili-
dade. Estas se não tomaram, e continuou-se a discutir com o mesmo calor
e protérvia; e com exageração de pretextos especiosos se pretendia a ruína
da pátria, sendo o primeiro e certo alvo a minha augusta pessoa, que a este
fim foi desacatada por todos os modos que a calúnia e a malignidade po-
diam sugerir.
Não parou só o furor revolucionário neste desatinado desacato. Passou-
-se avante, e pretenderam-se restringir em demasia as atribuições que
competem, pela essência dos governos representativos, ao chefe do Poder
Executivo e que me haviam sido conferidos pela nação como imperador
constitucional e defensor perpétuo do Brasil; chegou-se até o excesso de
haver moções de que se devia retirar toda uma grande parte da tropa para
longe desta cidade, ficando por este modo o Governo sem o necessário
vigor e energia.
A demora das decisões, sempre perigosa em casos apertados, e que afi-
nal seria fatal à vista do triste quadro que vem de desenhar-se; a horrível
perspectiva dos acontecimentos que estavam iminentes; a desesperação de
uns; o orgulho e fanatismo político de outros; os sustos e temores de todos
os cidadãos pacíficos; a imagem da pátria em perigo, e o medo da ruína e
subversão do Estado, exigiam, imperiosamente, providências tão prontas
como eficazes, e remédios, bem que violentos na aparência, únicos capazes
de operar prontos e felizes resultados.
E qual poderia ser o de que se podia lançar mão em tão árdua e arriscada
crise? Qual o que, servindo de dique à torrente revolucionária, sustivesse o
embate da força de suas ondas e as paralisasse de todo? Nenhum outro era
óbvio nem tão poderoso como o da dissolução da Assembleia. Este, e o da
demissão dos ministros, são os preservativos das desordens públicas nas
monarquias constitucionais; este estava postos em prática e não havia já
outro recurso mais do que fazer executar o primeiro, posto que com sumo
desgosto e mágoa do meu imperial coração. Por tão ponderosos motivos,
pela urgente necessidade de salvar a pátria, que é a suprema lei e que justi-
fica medidas extremas em casos de maior risco, mandei dissolver a Assem-
bleia pelo Decreto de 12 do corrente. Ordenando no mesmo a convocação
de uma outra, como é direito público constitucional, com que muito desejo
e folgo de conformar-me.

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


284

Neste mesmo decreto, e no de 13 que o declarou e ampliou, se dão ir-


refragáveis provas da forçosa necessidade por que lancei mão de tão forte
meio, e de quanto desejo e quero restabelecer o sistema constitucional,
único que pode fazer a felicidade deste império, e o que foi proclamado pela
nação brasileira. Se tão árduas e arriscadas circunstâncias me obrigaram a
pôr em prática um remédio tão violento, cumpre observar que males ex-
traordinários exigem medidas extraordinárias, e que é de esperar e crer que
nunca mais serão necessárias. Certos os povos de todas as províncias da
minha magnanimidade e princípios constitucionais, e de quanto sou empe-
nhado em promover a felicidade e tranquilidade nacional, sossegarão da co-
moção causada por este acontecimento desastroso, que tanto me penalizou
também, e continuarão a gozar da paz, tranquilidade e prosperidade que a
Constituição afiança e segura.

Rio, 16 de novembro de 1823.


Imperador

Ata da deportação dos ex-deputados da Constituinte


Sessão77 do Conselho de Estado do dia 15 de novembro
de 1823, no Paço da Cidade, presidida por S.M., o
imperador, Sr. D. Pedro I.

Propôs o Conselho, e Sua Majestade aprovou:


1º Que se mande logo e sem perda de tempo aprontar uma embarcação,
em que sejam transportados para o Haver de Grace os ex-deputados que se
acham na fortaleza, indo acompanhados por embarcação de guerra, até os
pôr fora da possibilidade de arribarem a algum porto do império.
2º Que fique ao arbítrio dos deportados o levarem suas famílias,
segurando-lhes a pensão anual de três mil cruzados, aos casados, pagos aos
quartéis, no tesouro público do Rio de Janeiro, ou a seus procuradores, po-
dendo deixar às suas famílias a parte que lhes parecer da dita pensão; e que
aos ex-deputados solteiros se haja de dar do mesmo modo uma pensão anual

77 Documento publicado no Almanaque administrativo, mercantil e industrial da corte e província do


Rio de Janeiro para o Ano de 1865, Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1865, Suplemento,
p. 53-54. Segundo Mello Moraes, em nota que acompanhou a publicação do documento.
“Este importantíssimo documento nos foi oferecido por uma pessoa de consideração, que o
recebeu da mão de um dos membros do conselho de Estado e nos parece ser o borrão da ata
que se lavrou, não só pela natureza do papel, como pelo caráter da letra. Quem nos presen-
teou com ele, garantiu-nos a sua autenticidade. Na história da Independência nos alarga-
remos sobre este assunto, referindo os fatos em presença dos dência nos alargaremos sobre
este assunto, referindo os fatos em presença dos documentos que possuímos.”

Anexo VI
285

de seiscentos mil réis, cessando porém estas no caso de se mostrarem indig-


nos de semelhante socorro.
3º Que se autorize o intendente-geral da polícia, para, pelo cofre da in-
tendência, fazer as despesas secretas, que forem necessárias, a fim de se
descobrirem os clubes, ou projetos tendentes à perturbação da tranquili-
dade pública, facilitando as quantias que pedir o comandante do corpo da
polícia, para satisfazer despesas com pessoas encarregadas de vigiar e ob-
servar o que se passa nos lugares públicos, teatros, praças, botequins e lojas,
havendo nisto a maior circunspecção e cautela.
4º Que todos os que reciprocamente se insultarem por motivo de natu-
ralidade sejam levados à presença do intendente geral da polícia para assi-
narem termo de não repetir tais atos, com pena de prisão; mas que sejam
logo presos todos os que além do insulto de palavras, passarem a atos ofen-
sivos; fazendo-se públicas estas determinações por edital do intendente
geral da polícia.
5º Que no mesmo dia em que saírem deste porto os ex-deputados José
Bonifácio, Antônio Carlos, Martim Francisco, José Joaquim da Rocha,
Montezuma e Belchior Joaquim da Rocha, Montezuma e Belchior, seja posto
em liberdade o deputado Vergueiro.
6º Que logo depois da saída destes ex-deputados se mande abrir uma
devassa, servindo de corpo de delito alguns números do Tamoyo, e da Sen-
tinella da Praia Grande, para se indagar a parte que tiveram nas últimas
perturbações que deram causa à dissolução da Assembleia os ex-deputados
e outras pessoas.
7º Que se expeça ordem ao intendente geral da polícia para fazer sair do
território do império Antônio Souza Vieira, Paulo Jordão, João Bernardo dos
Reis e Henrique Gracez.

Imperador
Clemente Ferreira França
Luiz José de Carvalho e Mello
Antônio Luiz Pereira da Cunha
Barão de Santo Amaro
Pedro de Araújo Lima
Pedro José da Costa Barros
Francisco Vilela Barbosa
Manoel Jacinto Nogueira da Gama
José Joaquim Carneiro de Campos

1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


287

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1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


288

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1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


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1823: A CONSTITUINTE INTERROMPIDA


edições câmara
LEGADO

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