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RESUMO
Introdução
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Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.
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Termo utilizado para designar local de consumo intensivo de drogas (principlamente álcool), em alusão
ao Centro de Tratamento Intensivo hospitalar.
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Ao longo dos últimos anos o consumo de drogas no Brasil veio assumindo um
caráter público, o que gerou uma maior visibilidade na mídia acerca do tema. Com isso,
assistimos a um forte apelo social por ações públicas emergenciais para coibir a
formação destes grupos em lugares públicos. Retomou-se então, no cenário brasileiro,
uma importante discussão acerca das drogas, que vão desde as políticas de repressão às
questões relacionadas ao tratamento dos usuários, tornando-se este um tema do
cotidiano das cidades brasileiras.
Sabemos que toda sociedade, segmentos e grupos sociais criam e impõem suas
próprias normas de conduta. Essas regras têm como finalidade a tentativa de
organização e controle da vida em comum e são elaboradas a partir dos interesses de
parte de seus integrantes. Elas podem ser estruturadas em formas de leis, com seus
aparatos de controle e punição do Estado, e também através de convenções morais e
sociais (políticas, econômicas, eclesiais, etc) cultivadas pela sociedade.
As regras servem então para determinar atitudes, situações e comportamentos
aceitos, coibindo aqueles considerados inapropriados para determinado grupo social.
Com isso, ao se infrigir uma norma estabelecida estará cometendo um desvio, indo de
encontro com os interesses da maioria, e aqueles que praticam a ação de burlar essas
regras são considerados desviantes ou outsiders (BECKER, 2008). Estes, por sua vez,
ao assumirem atitude desviante, sofrem julgamento de reprovação, não sendo bem
vistos por parte do grupo social em que está inserido.
No contexto de grande apelo social de intervenções e diante da resposta do
Estado para coibir o agrupamento de pessoas em espaços públicos para consumo de
drogas, temos que esta prática é considerada pela sociedade um ato desviante, e
consequentemente, os usuários, como outsiders. A partir desta compreensão básica
acerca das regras sociais e seus desviantes podemos pensar a questão das drogas no
contexto atual brasileiro.
Este artigo tem portanto, como finalidade abordar a discussão acerca do
consumo de drogas em espaços públicos através do estudo sobre o desvio e dos
elementos envolvidos no processo de estigmatização dos grupos considerados outsiders,
abordando também a formação dos espaços públicos de consumo de drogas e suas
características e a relação deste com as medidas de controle do Estado (políticas
públicas). Trata-se de uma reflexão teórica acerca do encontro com o tema, a partir da
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experiência de atuação no Sistema Único de Saúde (SUS), que culminou no meu
ingresso no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal da
Paraíba.
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às pessoas que lidam com as drogas: produtores, comerciantes e consumidores são
encarados de formas diferentes de acordo com a sustância manipulada. Vale salientar,
que estas regras estão sob a forma de leis e, para sua efetivação, possuem um aparato de
controle do Estado.
Mesmo possuindo uma legislação sobre o tema que regulariza o uso, os grupos
sociais possuem sua própria opinião acerca das drogas. Como nos lembra Becker (2008,
p.17) “[...] observa-se com facilidade que diferentes grupos consideram diferentes
coisas desviantes”. Evangélicos petencostais reprovam o uso do álcool e outras
substâncias psicoativas (SPA), já os integrantes da União do Vegetal3 utilizam a Hoasca
no seu ritual religioso. Há também julgamentos que consideram substâncias menos ou
mais prejudiciais à saúde, mesmo no campo da ilegalidade, como os discursos acerca da
maconha e do crack, entre outros exemplos.
O atual cenário brasileiro demostra portanto, que há diversos discursos acerca do
uso das drogas. Tal fenômeno reflete que as regras impostas não são aceitas por todos,
que não há um consenso que representa a sociedade brasileira e que há determinanos
grupos que não se sentem representados por determinadas regras. Isso ocorre porque
estamos em uma sociedade moderna, cuja organização é marcada pela heterogeneidade
dos grupos sociais.
Se as pessoas e seus grupos diferem, os entendimentos e as crenças sobre as
regras vão diferir também. Mesmos aquelas entendidas como aceitas pela maioria das
pessoas, podem na verdade revelar uma variação, tanto a partir do modo de aproprição
dessas regras pelos grupos como através da adoção de certas atitudes quando os
interesses destes grupos se chocam, como podemos observar nas discussões sobre
drogas.
Então, as pessoas consideram coisas diferentes como desviantes, a depender de
que lugar ocupam. Aqueles que julgam tendem a atribuir características positivas a suas
crenças, atitudes e comportamentos, entendendo estas como as corretas, enquanto
tendem a considerar a do outro como aquela que possui características negativas e
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Sociedade religiosa criada em 1961 pelo Mestre José Grabiel da Costa, onde é comungado a Hoasca
(bebida alucinógena de origem amazônica) como veículo de concentração mental na doutrina espiritual
voltada para o “amor ao próximo” e a “prática fiel do Bem”, alicerçada no reencarnacionista e nos
ensinamentos do “Divino Mestre Jesus”, de acordo com o site oficial www.udv.org.br.
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ameaçadoras, sendo portanto a errada. Isso ocorre porque as regras geralmente são
criadas por uns para serem impostas aos outros (ELIAS E SCOTSON, 2000).
Por exemplo, as políticas públicas de saúde acerca do uso de drogas, consideram
aspectos do tema que se distinguem (pelo menos enquanto discurso) da abordagem na
área da segurança pública que, por sua vez, diferem do entendimento das entidades
religiosas. Cada um, ao seu modo, estipula suas normas estratégicas para lidar com as
drogas de acordo com o entendimento que se tem acerca do tema. Assim, podemos
pensar que as políticas públicas estabelecem ações de controle com base em regras que
atendem interesses específicos de cada área, contudo, para serem impostas àqueles que,
em muitos casos, não compartilham da mesma concepção. Um reflexo disso pode ser
encontrado na dificuldade de adesão e conflitos entre pessoas que fazem uso prejudicial
de drogras e os serviços de saúde, onde são estipuladas regras para o atendimento, como
higiene, abstinência e uma série de outros comportamentos não condizentes com a
realidade de vida de certos grupos.
Nesse sentido, encontramos aqueles que assimilam as regras como arbitrárias,
não concordantes com suas crenças, valores e contexto social e portanto, podem
entender a formulação e a imposição dessas regras como inapropriadas. Desse modo,
segundo Becker (2008), para o infrator (referente ao comportamento desviante) os
atores de tal julgamento podem ser considerados outsiders, não aquele que infrige as
regras, e sim os seus juízes.
Este autor traz uma importante contribuição no estudo do desvio, por abordar o
tema deslocando-se do ato infracional, do infrator e suas motivações para
comportamento desviante, passando a chamar a atenção para as regras. Tal
compreensão nos aponta que a conceituação em ato desviante depende do contexto de
elaboração dessas regras, de quem está julgando, quem está sendo julgado, do processo,
do porquê e das consequências deste julgamento.
Em geral, o julgamento de um ato desviante varia de acordo com quem infrigiu a
regra e quem se sentiu prejudicado, identificando-se assim a questão da reação do outro
como importante elemento na estruturação do julgamento. Agrega-se então o caráter de
relatividade na forma de considerar ou não um ato como desviante e suas possíveis
consequências. Por essa razão, é que algumas regras possuem maior importância e
maior empenho para seu cumprimento e outras menos. Esse parece ser o caso do crack,
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que na atualidade vem assumindo destaque e caráter de política pública intersetorial
com grandes investimentos na área de saúde, desenvolvimento humano e ação social,
segurança pública e educação, resultando no Programa Crack é possível vencer 4.
Além disso, observamos no atual contexto das drogas no país, que o julgamento,
as intervenções e suas consequências variam de acordo com o tipo de droga utilizada, o
“perfil do usuário” e quem está fazendo o julgamento. O uso de maconha por jovens
universitários, brancos e de classe média será diferentemente encarado comparando-os
com aquele em que se constata uso de crack por grupo de jovens oriundo de favelas,
negros e pobres. Observa-se que os usuários de drogas sofrem sanções diferenciadas a
depender do estilo de vida, poder econômico, cor, gênero, faixa etária e local onde
residem, sendo as regras e suas punições provavelmente mais severas para uns do que
para outros. Uma amostra desse julgamento diferenciado e suas consequências pode ser
observado no texto de Sá e Neto (2012) sobre a abordagem policial a jovens da cidade
de Fortaleza/CE.
Nesse contexto, como nos lembra Foucault (2013) sobre as medidas de punição
ao longo da história, estas não são exclusivamente um maneira de reprimir ou impedir
que se cometa infração, mas um exercício ou estratégia de poder sobre corpos e almas.
“Trata-se de alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo pelos
aparelhos e instituições” (FOUCAULT, 2013, p.29), que não se restringe à relação do
Estado com as pessoas ou na fronteira de classes, mas está entranhado dentro da
sociedade, onde são reproduzidos mecanismo e modalidades do exercício do poder.
As características (cor, gênero, idade, etc) descritas acima demarcam a diferença
entre os grupos e a relatividade do julgamento, contudo só podem ser consideradas
aspectos periféricos, pois o que está em jogo é a questão de diferença de poder. Essas
carcaterísticas vem a se somar à questão para fomentar, justificar e reforçar ainda mais a
estigmatização dos grupos outsiders (ELIAS e SCOTSON, 2000).
Desse modo, temos um outro ponto importante sobre regras sociais, desvio e o
julgamento, que interfere na elaboração das políticas públicas sobre drogas, que é a
relação de poder entre os grupos e capacidade de estigmatização de um grupo social
considerado outsider.
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Programa lançado pelo Governo Federal em 2012, com a finalidade de prevenir o uso de crack,
promover a atenção aos usuários e o enfretamento ao tráfico, a partir do investimento de ações de
educação, aumento da oferta de serviços de tratamento bem como a redução da oferta de drogas ilícitas.
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Usuários de drogas e o processo de estigmatização
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Um bom exemplo disso são as medidas de combate às drogas e higienização das cidades que foram
recentemente anuncias pela mídia brasileira a partir da implementação de ações municipais nas
chamadas cracolândias em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ações estas, embasadas pela própria política
sobre drogas adotada pelo Brasil, seguindo o modelo de guerra às drogas implatadas pelos EUA. Sobre
o assunto política sobre drogas em alguns países, ver Burgiermarn (2011).
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Desse modo, tanto o objeto droga como seus consumidores, sofrem não só de
reprovação social, mas sanções severas de controle para o não “contágio”, disseminação
ou agravamento do quadro social que venham a ameaçar a sociedade. A pessoa usuária
de drogas, estigmatizada pela sua “impureza”, é considerada uma ofensa contra a
ordem. Há então a demanda por eliminação desses males para garantir a coesão da
sociedade:
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deles assumirem como missão de vida atuar na prevenção ao consumo e/ou auxiliando
outras pessoas a interromper o uso de drogas. A propagação desse discurso parece
reiterar o estigma social destinado aos usuários de drogas.
Um outro exemplo pode ser observado quanto a intolerância de alguns usuários
de drogas em relação a outros no interior de instituições voltadas ao cuidado e
tratamento, tais como: as pessoas que estão em abstinência tendem a se considerar mais
dignas de atenção e de direitos do que aquelas que estão sob efeito de drogas; aquelas
que fazem uso exclusivo de álcool tendem a criticar as pessoas que fazem uso de crack e
outras drogas; usuários de crack que se diferenciam de outros ao denominá-los de
“noiados” por não serem confiáveis e por cometerem pequenos delitos. Todos esses
exemplos reproduzem a relação de poder e julgamento acerca do consumo de drogas.
A nomeação de “usuário”, “dependente”, “viciado” ou “drogado” pode ser
assimilada como um rótulo que reduz os sujeitos a sua prática desviante, ou melhor, aos
aspectos negativos de sua prática. Por sua vez, após a reputação instalada, o grupo
social e seus integrantes terão sempre julgamentos e sanções que reforçarão ainda mais
essa identificação, até o momento em que os sujeitos e seu coletivo corresponderão com
atitudes desviantes. “Dê-se a um grupo uma reputação ruim e é provável que ele
corresponda a essa expectativa” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 30).
A partir da estigmatização são eleitos signos que representam as características
negativas deste grupo e sua condição de inferioridade humana. Os estigmas são então
elementos que servem para identificar quem faz parte destes grupos outsiders,
separando-os dos demais e demarcando seu lugar de inferioridade na relação de poder
existente entre os grupos sociais.
Dessa maneira, observamos que o uso de drogas é considerado um
comportamento desviante por determinados grupos sociais, mas a rotulação enquanto
usuário de drogas (como por exemplo viciados, drogados e noiados) não está para todos.
Essas terminologias são empregadas por uns para designar apenas os outros, aquelas
pessoas que se localizam em situação de poder inferior, por identificarem nelas os
signos dos aspectos negativos que demarcam essa diferença.
Contudo, vale salientar, que a prática desviante do consumo de drogas pode ser
atrativa para várias pessoas, não só pelos seus efeitos no corpo, mas também por
proporcionar algum tipo de ganho secundário, status ou reconhecimento no interior do
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grupo. Desse modo, apesar das possibilidades de estigmatização, o desvio não está
fadado exclusivamente aos aspectos negativos de inferioridade e de vitimização,
podendo ser resignificados e exaltados a depender do modo como grupos sociais se
apropriam destes signos.
Porém, a identificação com o estigma, mesmo que positivado, parece reforçar a
aquisição e manutenção da condição desviante e, de alguma forma, vem a contribuir na
organização da sociedade de acordo com o interesse do grupo mais poderoso. Assim
podemos pensar: em que medida as políticas públicas contribuem na manutenção dos
estigmas? Será que suas ações reforçam o processo de estigmatização de certos
consumidores de drogas?
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Este caráter visível do consumo de drogas provoca na sociedade uma urgência
para coibir tal prática desviante. No entanto, assim como nem todo usuário de droga é
estigmantizado, nem todo local de consumo de drogas é alvo de ações para extinção
dessa prática. Para entender melhor porque isso ocorre é preciso compreender a relação
existente entre o lugar (espaço) e as práticas sociais.
Observamos que os espaços não são apenas locais geográficos, mas um lugar
vivido, onde são produzidos sentidos que atravessam as relações dos sujeitos com o
território, com seus pares e com os outros (de fora do grupo), e que por sua vez, marcam
a história do lugar, das práticas e dos indivíduos (AUGÉ, 2012). Sendo assim, notamos
que o lugar, enquanto espaço social, é uma construção concreta e simbólica, tecida
através dos vários pontos de vista e dos signos atribuídos ao lugar, não só por aqueles
que ocupam o espaço, mas também pelos outros.
Um território é, antes de tudo, algo produzido por relações sociais. Contudo
trata-se de um espaço inscrito e escrito por relações de poder, constituíndo-se portanto,
numa região de disputa. Para Bourdieu em seu texto sobre A identidade e a
representação: Elementos para um reflexão crítica sobre a ideia de região
(BOURDIEU,1989), um território é estruturado por um ato ou exercício de poder, a
partir de uma série de características atribuídas de forma arbritária por uma autoridade
(líderes, Estado, corpo científico, etc) que define os limites simbólicos (e físicos) de um
território. Por sua vez, passa por um processo de naturalização de suas características e
fronteiras ao passo que seus ocupantes incorporam e produzem novas categorias ao
território, resignificando-o continuamente. Ou seja, um território é estruturante e
estruturado pelas relações sociais e por relações de poder.
É circunscrito nessa relação de poder que podemos pensar os espaços destinados
ao consumo de drogas em que são exigidas intervenções do Estado (e também de
ONGs e entidades religiosas), pois são aqueles que agregam os signos de reprovação
social, ou seja, aqueles que acolhem os grupos estigmatizados, como o que vem
ocorrendo nas chamadas “cracolândias” (local de consumo de crack) e nos “CTI’s”
(local consumo de álcool) nas cidades brasileiras.
Estes grupos por sua condição social, econômica e histórica, vem a se alocar em
áreas específicas da cidade, fazendo surgir áreas que, apesar de localizadas em pontos
estratégicos da cidade, são considerados espaços segregados, de evitação do contato
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pelos outros. Encontram-se em situação de privação dos direitos básicos e de acesso aos
serviços públicos, organizando-se de forma paralela ao Estado. Muitas dessas pessoas já
viviam em situação de violação dos direitos universais, sem acesso à moradia,
alimentação, saúde e educação, antes mesmo do consumo de drogas e da ocupação
desses espaços.
Esses espaços, muitas vezes, são retratados como lugares exóticos, como se suas
características e de seus ocupantes não fossem encontrados em vários espaços da
cidade. Sendo assim, há uma construção e delimitação espacial e simbólica desses
espaços, através da lente dominante que ressalta os aspectos negativos como sujeira,
violência, criminalidade, pobreza e doenças, transformando-os em símbolos da
desorganização e degradação das pessoas e do local.
Trata-se portanto, um lugar construído socialmente a partir de
símbolos/características atribuído ao território, e que, por sua vez, dizem de seus
ocupantes através de certos estigmas. Sendo assim, seus ocupantes, usuários de drogas,
passam pelo processo de estigmatização, como vimos anteriormente. No Brasil,
geralmente são tipificados como homens, jovens e negros, com corpos magros, sujos e
cadavéricos (“zumbis”). Seus corpos incisciplinados atestam, no tempo e no espaço,
suas categorias de pertencimento (pobre, sujo, usuário de droga, morador de rua...),
diferenciando-se dos padrões homogeneadores exigidos pela sociedade. Trata-se de
grupos de pessoas cujos corpos não apresentam formas e comportamentos desejáveis
socialmente. Pessoas que de algum modo passaram por um processo de rompimento
com as normas disciplinares e com uma série de técnicas corporais normatizadoras,
como a: do cuidado do corpo, do consumo, do andar; etc.6
Dados da mesma pesquisa realizada pela Fiocruz (2013), sobre cosumo de crack,
apontam uma possível indicação racial, ao demonstrar que 80% desses usuários são
“não brancos”, contudo não se pode afirmar que estes grupos constituem uma formação
étnico-racial com base em dados simplistas como estes. Contudo, tais indicadores
podem expressar as disparidades econômicas e sociais de um longo processo histórico,
reflexo do processo de escravidão brasileira que mantém essa segregação social.
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Sobre técnicas corporais e processos disciplinadores do corpo, ver Mauss (2003) e Foucault (2013)
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De algum modo e em certa medida, esses espaços ocupados por grupos de
usuários de drogas para o consumo intensivo (na maioria dos casos, também como
moradia e fonte de renda) se aproximam das características destacadas por Wacquant
(1996) no estudo acerca da constituição do gueto norte-americano. Neste texto, o autor
traz que a formação dos grupos estigmatizados, como no caso do Gueto, passa por um
processo de “exclusão forçada”, a sua população é negativamente tipificada, estão em
território fronteiriço e estão organizados de forma paralela às instituições do Estado.
Tais carcaterísticas nos ajudam a pensar a maneira como se constituem
socialmente estes espaços de consumo de drogas, em sua maioria espaços públicos, de
fácil visualização e que, por estar inscrito numa relação de poder, demandam por parte
da sociedade uma urgência de intervenção do Estado para coibir tal formação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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conhecidas como cracolândia e CTI’s, seja no âmbito da segurança ou da saúde (com
suas respectivas especificidades).
A assimilação ingênua e deturpada do discurso da saúde pode contribuir ainda
mais no processo de estigmatização dos usuários de drogas e a segregação de certos
grupos. Torna-se necessário então refletir sobre a relação de poder envolvida na
questão, com intuito de evitar a reprodução de práticas de exclusão e violação dos
direitos humanos, tão bem retratado por Foucault (1987) sobre o tratamento destinado à
loucura (ou melhor, desviantes) ao longo da história.
No entanto, a presente abordagem é apenas uma tentativa de explorar a temática
do uso de drogas em espaços públicos e sua relação com as políticas públicas para
coibir tal formação. O tema não se esgota e como sugestão, fica o melhor
debruscamento sobre a questão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FIOCRUZ. Estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas
capitais do país. Livreto Domiciliar. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/
MINISTÉRIO DA SAÚDE/SENAD, 2013. Disponível em:
<http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/maior-pesquisa-sobre-crack-%C3%A1-
feita-no-mundo-mostra -o-perfil-do-consumo-no-brasil>
SÁ, Leonardo; NETO, João Pedro de Santiago. Entre tapas e chutes: um estudo
antropológico do baculejo como exercício de poder policial no cotidiano da
cidade. O público e o privado, n. 18, 2012.
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