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QUEM MATOU A NOKIA? A NOKIA.

Quy Huy – INSEAD, França


Timo Vuori – INSEAD, França

(Texto publicado originalmente em 2016 no INSEAD Knowledge com o título “Who killed
Nokia? Nokia did”. Tradução: Prof. Humberto Elias Garcia Lopes, Quadrivium Academic
Intelligence)

A queda da Nokia do topo da pirâmide dos smartphones é tipicamente


atribuída a três fatores por executivos que tentam explicá-la: 1) a Nokia era
tecnicamente inferior à Apple; 2) a empresa era complacente e 3) seus líderes não
perceberam a chegada disruptiva do iPhone.

Nós argumentamos que nenhum desses três fatores explicam a queda da Nokia.
Como afirmamos anteriormente, a Nokia perdeu a batalha dos smartphones por causa
de diversos medos compartilhados entre a média e a alta gerência, levando à inércia
completa da empresa e deixando-a sem forças para responder ao aparelho inovador
da Apple.

Em um artigo recente, nós cavamos mais fundo nas causas que tornaram esses
medos tão prevalentes. Baseados nas descobertas de uma investigação em
profundidade e em 76 entrevistas com altos e médios gestores, engenheiros e
especialistas externos, nós concluímos que esse medo organizacional se baseou em
uma cultura de líderes temperamentais e média gerência aterrorizada, com medo de
dizer a verdade.

O medo que congelou a empresa surgiu de dois lugares. Em primeiro lugar, a


alta gerência tinha reputação aterrorizante, que era amplamente compartilhada pela
média gerência – pessoas que tipicamente tinham títulos de vice-presidente ou diretor
na Nokia. Nós ficamos atônitos com descrições de que alguns membros do conselho da
Nokia e da alta gerência eram “extremamente temperamentais”, frequentemente
gritando com as pessoas “a plenos pulmões”. Um consultor nos disse que era muito difícil
dizer a eles coisas que eles não queriam ouvir. Ameaças de demissões ou de
rebaixamento na empresa eram comuns.

Em segundo lugar, a alta gerência tinha medo do ambiente externo e de não


cumprir suas metas trimestrais, dado o foco extremamente alto da Nokia em tarefas e
desempenho, o que impactava como eles tratavam a média gerência. Eles percebiam
que a Nokia precisava de um sistema operacional melhor para seus aparelhos a fim de
enfrentar o iOS da Apple. Eles também sabiam que levaria anos para desenvolver tal
sistema, mas tinham medo de reconhecer publicamente a inferioridade do Symbian –
seu sistema operacional na época – para não parecerem fracassados perante
investidores externos, fornecedores e consumidores – perdendo-os rapidamente para os
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concorrentes. “Leva anos para fazer um novo sistema operacional. Por isso tínhamos
que manter a fé no Symbiam”, disse um membro da alta gerência. Ninguém queria ser
o porta-voz de notícias ruins. Entretanto, a alta gerência investiu no desenvolvimento de
novas plataformas tecnológicas que ela acreditava serem capazes de vencer o iPhone
no médio prazo.

A alta gerência fez com que a média gerência tivesse medo de desapontá-la –
determinando que eles não eram ambiciosos o suficiente para atingir os objetivos
estabelecidos. Um membro da média gerência sugeriu a um colega que ele desafiasse
a decisão de uma das pessoas na alta gerência, mas esse colega disse: “que ele não
tinha coragem, pois tinha família e crianças pequenas para cuidar.”

Temendo as reações da alta gerência, a média gerência ficava calada ou


fornecia informações filtradas, artificialmente otimistas. Um membro da média gerência
nos disse que

“a informação não fluía para cima. Nós mentíamos o tempo todo


para a alta gerência... eu me lembro de exemplos quando
tínhamos um gráfico e o supervisor nos dizia para mover os dados
para a direita, a fim de dar uma impressão melhor. Então esse
supervisor apresentava esses dados para os executivos da alta
gerência. Havia situações nas quais ninguém sabia que as coisas
estavam mal, mas nós pensávamos: de que adianta contar à alta
gerência sobre isso? Certamente as coisas não ficarão melhores.
Nós discutíamos esse tipo de mentira abertamente.”

Esse medo compartilhado era exacerbado pela cultura de status dentro da


Nokia, que fazia todo mundo querer manter o poder. Isso ocorria por medo de ter seus
recursos alocados em outros lugares ou pela ameaça de ser rebaixado e mandado
para um setor sem importância se mencionasse notícias ruins ou mostrasse que não era
ambicioso o suficiente para dar conta das tarefas desafiadoras na empresa.

O imenso medo da alta gerência em relação ao ambiente externo e o pavor


entre os membros da média gerência levaram a uma desconexão de percepções entre
esses dois grupos sobre o quão rapidamente a Nokia poderia lançar um novo
smartphone e desenvolver um avançado software para competir com o iPhone. Dados
os sinais otimistas vindos da média gerência, a alta gerência não tinha dúvidas sobre
pressionar esses gestores de nível médio ainda mais para vencer a Apple – afinal, a alta
gerência estava apenas elevando as metas. Apavorados pela possibilidade da Nokia
perder seu domínio do mercado mundial e apresentar resultados financeiros
decepcionantes, a alta gerência pressionou a média gerência a desenvolver
rapidamente um telefone touchscreen. Eles reconheceram isso nas entrevistas conosco,
como confessa um membro da alta gerência:
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“A pressão que colocamos sobre os desenvolvedores do Symbian


foi insana, já que a realidade comercial nos colocava contra a
parede de uma forma intensa. Nós tínhamos que ter alguma coisa
para vender no mercado.”

Um líder da organização MeeGo, escalada para desenvolver a plataforma que


sucederia o Symbian disse: “nós falávamos de um atraso de pelo menos um semestre,
se não de um ano. Mas a alta gerência dizia para continuarmos e corrermos mais
rápido.”

Além da pressão verbal, a alta gerência também pressionava por desempenho


mais rápido na seleção de pessoal. Mais tarde eles admitiram para nós que
favoreceram pessoas mais jovens, que aparentavam uma atitude do tipo “eu consigo,
eu posso”.

Isso levou a média gerência a uma situação de promessas demais e entregas


de menos. Um membro da média gerência nos disse que “você pode obter recursos
prometendo alguma coisa mais cedo ou prometendo muito. É um trabalho de vendas.”
Isso se tornou pior pela falta de competência técnica entre os membros da alta
gerência, influenciando como eles entenderiam as limitações tecnológicas durante o
estabelecimento de metas.

Conforme um gerente de nível médio nos apontou, na Apple os gerentes de


nível mais alto eram engenheiros: “Nós tornamos tudo um estudo de caso e usamos
números para provar que aquilo é bom. Enquanto isso, a Apple é voltada para a
engenharia”. Membros da alta gerência reconheceram para nós que “não havia real
competência em software na equipe de alta gerência”.

A Nokia, portanto, acabou alocando atenção e recursos desproporcionais para


o desenvolvimento de novos smartphones para demandas de mercado no curto prazo,
deixando em segundo plano o desenvolvimento de um sistema operacional capaz de
competir com a Apple.

A qualidade dos aparelhos da Nokia declinou gradualmente. Em 2007, a


empresa lançou o smartphone N95, cheio de recursos de música, navegação GPS, tela
grande - mas não touchscreen – e capacidade completa de navegação na internet.
Deficiências no software do aparelho foram aceitas em prol do lançamento rápido. Foi
um sucesso, mas problemas sérios de qualidade logo emergiram.

Em 2008 a Nokia lançou seu primeiro aparelho touchscreen, o 5800, com preço
mais baixo que o iPhone. Foi um sucesso comercial, mas o aparelho estava “um ano e
meio atrasado” devido aos problemas de desenvolvimento de software. Em 2009, o N97
foi lançado para superar o iPhone, mas um membro da alta gerência admitiu que o
aparelho era “um fiasco total em termos de qualidade de produto”.

Em 2010 veio o suposto “matador do iPhone”, um aparelho com tela


touchscreen - um ano depois do planejado – mas ele apresentou baixa usabilidade e
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falhou em ser um real competidor para o iOS e o Android. Um novo CEO – Stephen Elop,
contratado mais tarde naquele ano – decidiu que a Nokia ficaria em melhor situação
comprando software em outro lugar e formando uma aliança com a Microsoft em 2011.
Conforme sabemos, esse movimento acelerou o declínio da empresa, ao ponto em que
a Microsoft comprou o negócio de aparelhos celulares da Nokia em 2013. O valor de
mercado da Nokia declinou cerca de 90% em apenas seis anos, ficando em torno de
100 bilhões de dólares americanos.

Apesar de seu enorme poder de pesquisa e desenvolvimento, sua destreza


técnica e sua visão inovadora – as patentes da Nokia ainda geram receitas de cerca
de 600 milhões de dólares americanos por ano, oriundas de pagamentos feitos por seus
antigos rivais como Apple e Samsung – a queda final da Nokia se deveu à política
interna. Em resumo, as pessoas na Nokia enfraqueceram a empresa, tornando-a
crescentemente vulnerável às forças competitivas. Quando o medo passou a permear
todos os níveis, aqueles que seguravam as pontas na empresa voltaram-se para seus
próprios interesses, protegendo recursos, eles mesmos e seus setores, deixando passar
poucas informações por medo de prejudicar suas carreiras. A alta gerência falhou em
motivar a média gerência com suas abordagens cruéis, ficando no escuro sobre o que
realmente estava acontecendo.

Enquanto o medo modesto pode ser saudável para motivação, quando usado
indiscriminadamente ele pode ser como uma droga, cujos riscos geram efeitos
colaterais danosos. Para reduzir esse risco, líderes devem estar atentos para as emoções
do grupo como um todo. Como apontamos em outro artigo, aqueles com habilidade
para identificar as várias emoções coletivas são vistos como líderes transformacionais
efetivos. Líderes podem desenvolver uma capacidade emocional coletiva nas suas
organizações. O medo só pode ser um motivador se a gerência fornecer às pessoas
meios para lidar com esses medos. A alta administração da Nokia deveria ter
encorajado e adotado diálogos mais autênticos e psicologicamente saudáveis,
coordenação interna e mecanismos de feedback para entender o real retrato
emocional da organização. Eles então deveriam ter sido capazes de avaliar melhor o
que era possível e o que não era, além do mais importante: o que fazer sobre isso.

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