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70 a 94
Contextualização:
Ultrapassado o Cabo das Tormentas, os portugueses são atingidos, durante a viagem,
pelo escorbuto antes de chegarem finalmente a Melinde. Terminada a narração da
História de Portugal e da viagem ao rei de Melinde, a frota portuguesa parte com
destino à Índia (início do canto VI) guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o
caminho até Calecute. Baco, que, no Consílio no Olímpo, se tinha manifestado contra
os portugueses, dirige-se ao palácio de Neptuno, deus dos mares. Aí forma-se novo
Consílio, desta vez dos deuses marinhos que, inflamados pelo discurso de Baco,
tomam uma decisão adversa aos portugueses. Éolo, deus dos ventos, provoca uma
enorme tempestade no mar com o objetivo de afundar a armada portuguesa. Com
efeito, enquanto os portugueses matam despreocupadamente o tempo, ouvindo
Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os doze de Inglaterra,
surge uma violenta tempestade. Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase
perdidas, dirige uma prece a Deus (o Deus cristão) e, mais uma vez, é Vénus que
ajuda os portugueses, mandando as Ninfas amorosas seduzir os ventos para os
acalmar. Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecute e Vasco da Gama
agradece a Deus. O Canto termina com considerações do poeta sobre o valor de
Fama e Glória conseguidas através dos grandes feitos.
Atenção:
Nas quatro primeiras estrofes, estamos ainda numa primeira fase da tempestade,
observada através dos seus efeitos no interior da nau S. Gabriel, e daí o poeta
recorrer ainda a algumas formas perifrásticas com os auxiliares “vir” e “ir” (“vinha
refrescando”, “nos ia alagando”), para sugerir o progressivo agravamento da situação.
Nas estâncias 74 a 79, acentua-se a fúria da tempestade, cuja descrição é agora
menos técnica e mais retórica. De facto, o poeta utiliza uma grande variedade de
recursos para sugerir a grande violência dos elementos:
- orações subordinadas adverbiais consecutivas de sentido hiperbolizante:
- uma grande variedade de adjetivos, por vezes, no grau superlativo absoluto sintético
- na estância 76, a sugestão de rápido movimento ascendente e descendente para
que contribuem as formas verbais “subiam”, “desciam”, a repetição de “agora…agora”,
o visualismo (“a noite negra se alumia”, “os raios em que o Pólo todo ardia”) e a
hipérbole (versos 5 e 8 , est. 76)
- pendor hiperbolizante visível também nas alusões ao comportamento dos animais
marinhos (estâncias 77, vv. 7-8), nas duas comparações mitológicas da estância 78,
referentes aos raios e aos relâmpagos, e nas pinceladas descritivas dos montes, das
árvores, das raízes e das areias do fundo do mar sob o efeito da intempérie (estância
79).
Nas estâncias 80 a 83 (3.ª parte), Vasco da Gama suplica a proteção divina e tanto a
introdução do poeta (estância 80) como a sua argumentação são ricas em adjetivos
(“confuso de temor”, da vida incerto”, “remédio santo e forte”, “Divina guarda, angélica,
celeste”, “Sirtes arenosas e ondas feias”, “alagado e vácuo mundo”, “novos medos
perigosos”, “casos trabalhosos”, “ditosos”, “agudas lanças Africanas”, etc.), repetições
(“ora…ora”, “Tu…tu”, “Doutra…doutras”, De quem…/ De quem…/ De quem…- neste
último exemplo temos uma anáfora visto que a repetição se dá no início dos versos) e,
a interrogação retórica da estância 82 e as exclamações retóricas da estância 83.
Na quarta parte (estância 84), o poeta acentua o facto de a súplica do Gama não ter
diminuído a fúria da procela e, portanto, os recursos usados são semelhantes aos da
segunda parte:
- Comparação (“os ventos lutavam /como touros indómitos”
- Adjetivação (“relâmpagos medonhos”, “feros trovões”)
- Animação de “lutavam”, “assoviando” e “feros trovões”
- Hipérbole (“que vem representando/ Cair o céu dos eixos sobre a terra, / Consigo os
elementos terem guerra”)
Lê atentamente:
Chegada à Índia
Quando a tempestade termina, os portugueses avistam a Índia. São 17 de
maio de 1498 e, três dias depois, a armada fundeará em Calecute. Atinge-se,
finalmente, o objetivo.
Estâncias 92 a 93 – três momentos:
a. Os quatro primeiros versos da estância 92, em que os marinheiros, numa
manhã luminosa (“clara”), lá do mais alto (“celso”) cesto da gávea, avistam
a Índia.
b. Os oito versos seguinte (segunda parte da estância 92 e primeira parte da
estância 93), em que se enunciam as consequências imediatas do facto
referido na primeira parte: o desaparecimento do medo (“o temor vão do
peito voa”) e o discurso de confirmação do piloto Melindano;
c. Nos quatro últimos versos, Vasco da Gama ajoelha-se e agradece a Deus a
enorme graça concedida.
Atenção:
Na primeira parte, destaca-se a predominância de sons abertos, sobretudo a e
fechados, sobretudo an, que sugerem o cumprimento de objetivos e amplitude
dos horizontes que, a partir daquele momento se resgavam.
O facto de ser “menham clara”, quando se avista pela primeira vez a Índia ( os
outeiros por onde o Ganges murmurando soa”) não deixa de ter o seu
significado próprio. A manhã é símbolo de início e de esperança e, sendo
“clara”, prenuncia algo de auspicioso.
Para além da perífrase “os outeiros por onde o Ganges murmurando soa”
(=Índia) são de destacar a personificação do Ganges (“murmurando”) e a
adjetivação (“menham clara”, “celsa gávea”, “terra alta”).
Na segunda parte, o primeiro recurso estilístico é a imagem que se configura
na expressão “o temor vão do peito voa”, porquanto se sobrepõem a aliteração
em v, a metáfora (“voa”), a sinédoque (“do peito”) e a adjetivação expressiva
(“vão”).
Na estância 93, tanto a alternância rimática em “ais” e “e” como os adjetivos
“alegre”, “verdadeira”, e “longo” sugerem positividade.
Na terceira parte, merecem referência a antítese “chão/Céu” e a hipérbole “as
mãos no céu”.
Teresa Passos