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“Tempestade e Chegada à Índia”, canto VI, est.

70 a 94

1. Lê a contextualização do episódio naturalista “Tempestade”.

Contextualização:
Ultrapassado o Cabo das Tormentas, os portugueses são atingidos, durante a viagem,
pelo escorbuto antes de chegarem finalmente a Melinde. Terminada a narração da
História de Portugal e da viagem ao rei de Melinde, a frota portuguesa parte com
destino à Índia (início do canto VI) guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o
caminho até Calecute. Baco, que, no Consílio no Olímpo, se tinha manifestado contra
os portugueses, dirige-se ao palácio de Neptuno, deus dos mares. Aí forma-se novo
Consílio, desta vez dos deuses marinhos que, inflamados pelo discurso de Baco,
tomam uma decisão adversa aos portugueses. Éolo, deus dos ventos, provoca uma
enorme tempestade no mar com o objetivo de afundar a armada portuguesa. Com
efeito, enquanto os portugueses matam despreocupadamente o tempo, ouvindo
Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os doze de Inglaterra,
surge uma violenta tempestade. Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase
perdidas, dirige uma prece a Deus (o Deus cristão) e, mais uma vez, é Vénus que
ajuda os portugueses, mandando as Ninfas amorosas seduzir os ventos para os
acalmar. Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecute e Vasco da Gama
agradece a Deus. O Canto termina com considerações do poeta sobre o valor de
Fama e Glória conseguidas através dos grandes feitos.

2. Reflete: Uma tempestade no mar é um perigo que qualquer navegador teme. No


entanto, era um perigo quase sempre fatal na época em que se faz esta viagem que vimos
a acompanhar. Explica, no teu caderno diário, porquê.

3. Lê a seguinte nota informativa.

Tema e desenvolvimento do episódio “Tempestade”, canto VI, est.70 a 85


Enquanto decorria o Consílio dos Deuses Marinhos, convocado por Neptuno a
pedido de Baco, os marinheiros entretinham-se a contar histórias. Este segundo
consílio e o episódio de “Os doze de Inglaterra” são simultâneos. Quando ambos
acabam, desencadeia-se a tempestade, um episódio naturalista onde se
entrelaçam os planos da viagem e dos deuses (ou plano mitológico), a realidade e
a fantasia. Trata-se do último dos grandes perigos que o Gama teve de
ultrapassar antes de cumprir a sua missão. Camões deve ter aproveitado a sua
própria experiência de viajante e de náufrago para nos oferecer uma descrição tão
realista não só da natureza em fúria (relâmpagos, raios, trovões, ventos, ondas
alterosas), mas também, e sobretudo, da aflição, dos gritos, do temor e
“desacordo” dos marinheiros, incapazes de controlar a situação, dada a
violência dos ventos “que lutavam como touros indómitos”.

Organização desta descrição em 5 momentos


a. Estâncias 70 a 73, estabelece-se a transição da tranquilidade anterior dos
marinheiros para a movimentação desencadeada pelas ordens do mestre que é o
motor de toda a ação que se desenrola a bordo.
b. Estâncias 74 a 79, assiste-se ao desenrolar da tempestade vista do exterior das
naus, daí o modo como Camões se refere a elas: “a possante nau”, “a grande
nau, em que vai Paulo da Gama” e “a nau de Coelho”.

c. Estâncias 80 a 83, Vasco da Gama, temendo a destruição da armada a qualquer


momento, suplica proteção a Deus (“Divina Guarda, angélica, celeste”), para o
efeito lançando mão de três argumentos convincentes:
1.a omnipotência divina já várias vezes posta à prova;
2.o facto da viagem ser um serviço prestado ao próprio Deus;
3.o facto de ser preferível uma morte heroica e conhecida, em África, a combater
pela Fé Cristã, a um naufrágio anónimo, no alto mar, sem honras nem
“memórias”.

d. Estância 84, apesar da súplica de Vasco da Gama, tempestade continua.

e. Estância 85, Vénus decide interceder pelos portugueses e ordena às “Ninfas


amorosas” (estâncias 86 a 91) que abrandem a ira dos ventos.

Atenção:
Nas quatro primeiras estrofes, estamos ainda numa primeira fase da tempestade,
observada através dos seus efeitos no interior da nau S. Gabriel, e daí o poeta
recorrer ainda a algumas formas perifrásticas com os auxiliares “vir” e “ir” (“vinha
refrescando”, “nos ia alagando”), para sugerir o progressivo agravamento da situação.
Nas estâncias 74 a 79, acentua-se a fúria da tempestade, cuja descrição é agora
menos técnica e mais retórica. De facto, o poeta utiliza uma grande variedade de
recursos para sugerir a grande violência dos elementos:
- orações subordinadas adverbiais consecutivas de sentido hiperbolizante:

“os ventos eram tais, que não puderam


Mostrar mais força de ímpeto cruel,
Se para derribar então vieram
A fortíssima Torre de Babel”

“Nem fundas areias (cuidavam) que pudessem


Tanto os mares, que em cima as revolvessem”

- uma grande variedade de adjetivos, por vezes, no grau superlativo absoluto sintético
- na estância 76, a sugestão de rápido movimento ascendente e descendente para
que contribuem as formas verbais “subiam”, “desciam”, a repetição de “agora…agora”,
o visualismo (“a noite negra se alumia”, “os raios em que o Pólo todo ardia”) e a
hipérbole (versos 5 e 8 , est. 76)
- pendor hiperbolizante visível também nas alusões ao comportamento dos animais
marinhos (estâncias 77, vv. 7-8), nas duas comparações mitológicas da estância 78,
referentes aos raios e aos relâmpagos, e nas pinceladas descritivas dos montes, das
árvores, das raízes e das areias do fundo do mar sob o efeito da intempérie (estância
79).
Nas estâncias 80 a 83 (3.ª parte), Vasco da Gama suplica a proteção divina e tanto a
introdução do poeta (estância 80) como a sua argumentação são ricas em adjetivos
(“confuso de temor”, da vida incerto”, “remédio santo e forte”, “Divina guarda, angélica,
celeste”, “Sirtes arenosas e ondas feias”, “alagado e vácuo mundo”, “novos medos
perigosos”, “casos trabalhosos”, “ditosos”, “agudas lanças Africanas”, etc.), repetições
(“ora…ora”, “Tu…tu”, “Doutra…doutras”, De quem…/ De quem…/ De quem…- neste
último exemplo temos uma anáfora visto que a repetição se dá no início dos versos) e,
a interrogação retórica da estância 82 e as exclamações retóricas da estância 83.
Na quarta parte (estância 84), o poeta acentua o facto de a súplica do Gama não ter
diminuído a fúria da procela e, portanto, os recursos usados são semelhantes aos da
segunda parte:
- Comparação (“os ventos lutavam /como touros indómitos”
- Adjetivação (“relâmpagos medonhos”, “feros trovões”)
- Animação de “lutavam”, “assoviando” e “feros trovões”
- Hipérbole (“que vem representando/ Cair o céu dos eixos sobre a terra, / Consigo os
elementos terem guerra”)

Finalmente, na quinta parte (estância 85) a intercessão de Vénus, ao nascer do dia, é


que vai acabar com a tempestade. Daí o aposto esperançoso de “mensageira do dia”
e a adjetivação de conotações positivas (“amorosa Estrela”, “Sol claro”, “e visitava/A
terra e o largo mar, com leda fronte”.

Lê atentamente:

Chegada à Índia
Quando a tempestade termina, os portugueses avistam a Índia. São 17 de
maio de 1498 e, três dias depois, a armada fundeará em Calecute. Atinge-se,
finalmente, o objetivo.
Estâncias 92 a 93 – três momentos:
a. Os quatro primeiros versos da estância 92, em que os marinheiros, numa
manhã luminosa (“clara”), lá do mais alto (“celso”) cesto da gávea, avistam
a Índia.
b. Os oito versos seguinte (segunda parte da estância 92 e primeira parte da
estância 93), em que se enunciam as consequências imediatas do facto
referido na primeira parte: o desaparecimento do medo (“o temor vão do
peito voa”) e o discurso de confirmação do piloto Melindano;
c. Nos quatro últimos versos, Vasco da Gama ajoelha-se e agradece a Deus a
enorme graça concedida.

Atenção:
Na primeira parte, destaca-se a predominância de sons abertos, sobretudo a e
fechados, sobretudo an, que sugerem o cumprimento de objetivos e amplitude
dos horizontes que, a partir daquele momento se resgavam.
O facto de ser “menham clara”, quando se avista pela primeira vez a Índia ( os
outeiros por onde o Ganges murmurando soa”) não deixa de ter o seu
significado próprio. A manhã é símbolo de início e de esperança e, sendo
“clara”, prenuncia algo de auspicioso.
Para além da perífrase “os outeiros por onde o Ganges murmurando soa”
(=Índia) são de destacar a personificação do Ganges (“murmurando”) e a
adjetivação (“menham clara”, “celsa gávea”, “terra alta”).
Na segunda parte, o primeiro recurso estilístico é a imagem que se configura
na expressão “o temor vão do peito voa”, porquanto se sobrepõem a aliteração
em v, a metáfora (“voa”), a sinédoque (“do peito”) e a adjetivação expressiva
(“vão”).
Na estância 93, tanto a alternância rimática em “ais” e “e” como os adjetivos
“alegre”, “verdadeira”, e “longo” sugerem positividade.
Na terceira parte, merecem referência a antítese “chão/Céu” e a hipérbole “as
mãos no céu”.

Neste episódio predomina o vocabulário relacionado com o mundo náutico.


- Regista algum desse vocabulário.

Conclui: as palavras e expressões retiradas do texto são vocabulário que apresenta um


significado especializado, usado numa determinada realidade e a que damos o nome
de vocabulário/registo técnico.

Teresa Passos

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