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1. IDENTIFICAÇÃO DA DISCIPLINA
CURSO: Pedagogia PERÍODO LETIVO: Semestre TURMAS: PARFOR
letivo:2022/1°
DISCIPLI A criança e a linguagem SIGLA: FET155
NA: oral e escrita
TEÓRICA: 30h PRÁTICA: 30h PRÉ- FET 058 - Fundamentos da Educação Infantil
30h REQUISITO:
PROFESSOR(ES): BARREIRINHA (PA421) – Profª Drª MSc. Silvana Barbosa Pinto - E-mail:
silvanabp2000@yahoo.com.br / silvanabarbosa@ufam.edu.br
FONTE BOA (PA424) - Profª Drª Raiolanda Magalhães Pereira de Camargo – E-mail:
landacamargo@hotmail.com
Horário das aulas teóricas Horário das aulas práticas: Planejamento, correção de trabalhos, horário
e local de atendimento de alunos:
2. EMENTA
3. OBJETIVOS
Poder Executivo
Ministério da Educação - MEC
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Faculdade de Educação - FACED
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR
3.1. GERAL
4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO/CRONOGRAMA
Aulas
Datas Carga Tipo
Conteúdo Professor**
- Orientações para:
a) Leitura e apresentação dos relatos do livro: FREIRE, Madalena.
A paixão de conhecer o mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
Teórica 2003.
8h
b) Estudo dos textos para realização de Painel Integrado:
https://www.youtube.com/watch?v=tLnU4o4z_8Y, seguido de
debate.
* Jornal escolar;
* Aula passeio;
* Fichário escolar;
* Livro da vida;
* Correspondência interescolar;
* Álbum da turma
- Textos de apoio:
a) BARROS, F. C. O. M. [et al]. As implicações pedagógicas de
Freinet para a Educação Infantil: das técnicas ao registro. In:
Colloquium Humanarum, v.14, n.2, p.51-59, abr/jun 2017. DOI:
10.5747/ch.2017.v14. n.2h305. Presidente Prudente, 2017.
b) SOUZA, Regina Aparecida Marques de; MELLO, Suely Amaral.
O lugar da cultura escrita na educação da infância. In: COSTA,
Sinara Almeida da; MELLO, Suely Amaral (orgs.) Teoria histórico-
cultural na educação infantil: conversando com professoras e
professores. 1. ed.- Curitiba, PR: CRV, 2017. p. 199-215.
As aulas serão desenvolvidas contemplando: a leitura individual e coletiva; análise de textos e debates;
apresentações de vídeos e dinâmicas variadas, considerando a criatividade, o compromisso e o envolvimento
de todos. Serão utilizados diversos recursos de acordo com os conteúdos a serem trabalhados e as
possibilidades didáticas e tecnológicas existentes. Os estudantes farão relatos, planejarão e realizarão trabalhos
voltadas para o desenvolvimento das múltiplas linguagens das crianças da Educação Infantil, incluindo as
linguagens oral e escrita.
6. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO
Poder Executivo
Ministério da Educação - MEC
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Faculdade de Educação - FACED
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR
BARROS, Flávia Cristina Oliveira Murbach [et al]. As implicações pedagógicas de Freinet para a Educação
Infantil: das técnicas ao registro. In: Colloquium Humanarum, v.14, n.2, p.51-59, abr/jun 2017. DOI:
10.5747/ch.2017.v14. n.2h305. Presidente Prudente, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil. Parecer CNE/CEB n. 020/09 aprovado em 11 de novembro de 2009. Relator: Raimundo
Moacir Mendes Feitosa. Brasília: MEC/SEB, 2009.
FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
GOULART, Cecília; MATA, Adriana Santos da. Linguagem oral e linguagem escrita: concepções e inter-relações.
In: BRASIL, Ministério da Educação. Linguagem oral e linguagem escrita na educação infantil: práticas e
interações. 1.ed.- Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção leitura e escrita na educação infantil; v.4) p.45-76
MELO, Suely Amaral. O desenvolvimento da Linguagem Oral, Escrita e Visual. Fundamentos da Educação
infantil – Coleção Cefort. v. 4. (2007).
MORAES, Aline Janell de Andrade Barroso; BISSOLI, Michelle de Freitas. F. Antes de escrever, vamos
conversar, desenhar e brincar! Contribuições da teoria de Vygotski para a formação docente. In: Cleriston Izidro
dos Anjos; Solange Estanislau dos Santos; Ana Paula Cordeiro; Fernando Idílio Ferreira. (Org.). Pedagogias e
Culturas Infantis: conversas luso-brasileiras. 1ed. Maceió: EDUFAL, 2018. p. 1-15.
NOGUEIRA, Arlene Araújo; BISSOLI, Michelle de Freitas. O desenvolvimento da fala no interior da creche
segundo pressupostos da teoria histórico-cultural. In: 3º Congresso Internacional sobre a Teoria Histórico-
Cultural, 2016, Marília-SP. Anais do Congresso, 2016. v. 1, p. 1-15.
SOUZA, Regina Aparecida Marques de; MELLO, Suely Amaral. O lugar da cultura escrita na educação da
infância. In: COSTA, Sinara Almeida da; MELLO, Suely Amaral (orgs.) Teoria histórico-cultural na educação
infantil: conversando com professoras e professores. 1. ed.- Curitiba, PR: CRV, 2017. p. 199-215.
VÍDEOS:
A linguagem oral e as crianças: possibilidades de trabalho na Educação Infantil. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=tLnU4o4z_8Y
A menina que odiava livros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mvekE_X3IjM
Caminhando com Tim Tim”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1dYukOrq5RI
ANNING, Angela; RING, Katia. Os significados dos desenhos das crianças. Porto Alegre: Artes Médicas,
2009.
BAJARD, Élie. A descoberta da língua escrita. São Paulo: Cortez, 2012.
BARROS, Flávia Cristina Oliveira Murbach de [et al]. As implicações pedagógicas de Freinet para a Educação
Infantil: das técnicas ao registro. In: Anais do VI Congresso Paulista de Educação Infantil e II Congresso
Internacional de Educação Infantil. FEUSP, 2012.
BISSOLI, Michelle de Freitas. O desenvolvimento da linguagem oral da criança: contribuições da Teoria Histórico-
Cultural para a prática pedagógica na creche. Perspectiva (UFSC), v. 32, p. 829-854, 2014. ISSN: 0102-5473
BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi. ROSA SOUSA. Ester Calland de (orgs). Ler e escrever na Educação Infantil:
discutindo práticas pedagógicas. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
Poder Executivo
Ministério da Educação - MEC
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Faculdade de Educação - FACED
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Linguagem oral e linguagem escrita na
educação infantil: práticas e interações. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação
infantil; caderno 3).
BRITTO, Luiz Percival Leme. Educação infantil e cultura escrita. IN: FARIA, Ana Lúcia Goulart e MELLO, Suely
Amaral (orgs.). Linguagens infantis: outras formas de leitura. Campinas: Autores Associados, 2005, p.VII-XVI.
CARDOSO, Bruna Puglisi de Assunção. Práticas de linguagem oral e escrita na Educação Infantil. São Paulo:
Anzol, 2012.
CONRADO, Regina Mara de Oliveira; SILVA, Sandra Maria Bezerra. Dinamizando a sala de aula com a
literatura infanto-juvenil. São Paulo: Loyola, 2006.
EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na
educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.
ELIAS, Marisa Del Cioppo. Célestin Freinet: uma pedagogia de atividade e cooperação. 9.ed. Petropólis, RJ:
Vozes, 2010.
FARIA, Dayane Aline; KUHNEM, Simone de Castro. A linguagem escrita na Educação Infantil. In: OSTETTO,
Luciana Esmeralda (Org.). Educação infantil: Saberes e fazeres da formação de professores. Campinas, SP:
Papirus, 2008.
FIEL, Luciana; GONDIN, Eneida Pereira. Educação Infantil: Linguagem oral e escrita. Viçosa, MG: CPT, 2007.
FREINET, Cèlestin. As técnicas Freinet da escola moderna. Lisboa: Editorial Estampa, 1975.
GONTIJO, Claudia Maria. A escrita infantil. São Paulo: Cortez, 2008.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 12. ed. Campinas, SP: Pontes, 2008.
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 12. ed. Campinas, SP: Pontes, 2009.
LURIA, Alexander Ramanovich. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.;
LEONTIEV, A. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. SP: Ícone: EDUSP, 1988.
MELLO, Ana Maria et al. O dia a dia das creches e pré-escolas: crônicas brasileiras. Porto Alegre: Artmed,
2010.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante; MAGIOLINO, Lavinia Lopes Salomão; ROCHA, Maria Silvia P. M. Librandini
da; Crianças, linguagem oral e linguagem escrita: modos de apropriação. In: BRASIL, Ministério da Educação.
Linguagem oral e linguagem escrita na educação infantil: práticas e interações. 1.ed.- Brasília: MEC/SEB,
2016. (Coleção leitura e escrita na educação infantil; v.4) p.81-118.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento na Educação Infantil. In: Revista Pátio Educação Infantil. Ano VII
N. 20. Porto Alegre: Artmed, julho/outubro 2009.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed,1998.
VIGOTSKI, Lev Semionovich. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Revista
Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais. Rio de Janeiro, UFRJ, n. 8, abr. 2008.
VIGOTSKI, Lev Semionovich. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico: livro para professores. Ana
Luiza Smolka (apresentação e comentários); Zoia Prestes (trad). São Paulo: Ática, 2009.
VYGOTSKY, Lev Semionovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
WHITEHEAD, Marian. A história por trás da alfabetização. In: Revista Pátio Educação Infantil. Ano VII N. 20.
Porto Alegre: Artmed, julho/outubro 2009.
LOCAL E DATA:
Modelo obrigatório estabelecido pela Resolução nº 023/2017, aprovada no dia 03 de maio de 2017 – Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão.
Poder Executivo
Ministério da Educação - MEC
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Faculdade de Educação - FACED
Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica - PARFOR
1- Formação de 7 equipes, de livre escolha dos estudantes. Após a formação das equipes, será feito o
sorteio da ordem de apresentação.
2- Cada equipe terá entre 10 (dez) a 15 (quinze) minutos para relatar as atividades de acordo com a
sequência do livro:
3- Cada um dos integrantes da equipe deverá participar do relato no dia destinado conforme o
cronograma do Plano de Ensino, para a obtenção da nota;
Nota: ______________
Poder Executivo
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Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica - PARFOR
• As imagens fáceis são bem definidas, compreendidas ou lidas pelas crianças sem
dificuldade, não têm ambiguidades e todos concordam facilmente com o que a
imagem representa.
ORIENTAÇÕES:
1- Formação de 6 equipes pela professora. Após a formação das equipes, será feito o
sorteio da ordem de apresentação.
Nota: _________________
Poder Executivo
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Educação Básica - PARFOR
REFERÊNCIAS
BARROS, Flávia Cristina Oliveira Murbach de; SILVA, Greice Ferreira da; RAIZER, Cassiana
Magalhães. As implicações pedagógicas de Freinet para a Educação Infantil: das técnicas ao registro.
In: Colloquium Humanarum, v.14, n.2, p.51-59, abr./jun. 2017. DOI: 10.5747/ch.2017.v14. n. 2h305.
Presidente Prudente, 2017.
SOUZA, Regina Aparecida Marques de; MELLO, Suely Amaral. O lugar da cultura escrita na educação
da infância. In: COSTA, Sinara Almeida da; MELLO, Suely Amaral (orgs.). Teoria histórico-cultural
na educação infantil: conversando com professoras e professores. 1. ed.- Curitiba, PR: CRV, 2017.
p. 199-215.
Nota:______________
Poder Executivo
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AUTOAVALIAÇÃO
Prezado (a) acadêmico(a), convido você para realizar sua Autoavaliação no trabalho
desenvolvido no decorrer da disciplina “A criança e a linguagem oral e escrita”. Expresse
seu Parecer, conforme as questões especificadas a seguir:
2. Analisando o quadro abaixo, marque (X) no conceito que define seu envolvimento e
compromisso em cada atividade desenvolvida na disciplina. Como complemento, marque (X) se a
atividade foi realizada integralmente, parcialmente ou não realizada.
2. Participação nas
aulas: contribuições,
questionamentos,
argumentações.
3. Estudo e
preparação para o
relato do livro “A
paixão de conhecer
o mundo”, de
Madalena Freire.
4. Empenho,
dedicação e
colaboração nas
atividades em
equipe.
5. Capacidade de
iniciativa, criatividade
e organização na
realização das
atividades.
3.Que temáticas e atividades mais instigaram seu interesse no estudo dos conteúdos da
disciplina?
5. Após finalizar sua autoavaliação, atribua uma nota marcando (X) na escala indicada
abaixo:
ESCALA DE VALORES
1,0 (um ponto) 1,5 (um ponto e meio) 2,0 (dois pontos)
( ) ( ) ( )
Abstract: This paper presents the results of a doctoral research whose title is "Interactions
and oral language development in children in a day care center: a historical-cultural
approach", taken place in 2014, with three teachers and seven children aged between one to
two years old, in a public nursery in the city of Manaus-AM. According to the assumptions of
the Historical-Cultural Theory, the researcher sought to understand both the oral language
development process in early childhood stage, and the influence of interactions between adult-
child and child-child for the oral language development of children enrolled in a day care
center; besides that, one also tried to explain how the educational work in a day care center
can contribute to any significant verbal interactions between children and adults. The data was
produced through participatory observations of everyday life, and registered by photographs,
video recordings and notes in a fieldwork notebook and also by formative meetings with the
teachers. The analysis of empirical data has shown that the activities proposed by the teachers,
as well as the interactions between child-child and adult-child in a day care center, have
developed not only the activity of communication of those children, but also their oral
language, according to the theoretical assumptions of Vygotsky and its co-workers. Besides
that, focus groups with such teachers, concerning the oral language development, enable the
expansion of references to discuss about the pedagogical activity, which confirms the
formative potential of the research.
Keywords: Oral language development. Interaction between child-child and adult-child. Day
care center.
1
1. Introdução
2
Ao elaborar a lei que revela a gênese do desenvolvimento cultural da criança, Vigotski
(2012a, p. 150, tradução nossa) afirma que “[...] toda função no desenvolvimento cultural da
criança aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro no plano social e depois no
psicológico, a princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo no interior da
criança como categoria intrapsíquica.” Segundo a lei geral do desenvolvimento das funções
psíquicas superiores da criança formulada por Vigotski, entendemos que o desenvolvimento
da criança seja a conjugação de dois planos distintos e, ao mesmo tempo, interligados: o
social e o individual; o externo e o interno, em relação dialética. Assim, todas as funções se
desenvolvem, num primeiro momento, coletivamente, como categoria interpsíquica, vindo,
mais tarde, a se desenvolver individualmente, como função intrapsíquica. Vigotski (1988)
exemplifica a referida lei com o desenvolvimento da linguagem, afirmando que ela surge,
primeiramente, como forma de comunicação entre a criança e as pessoas do seu entorno e,
somente depois, quando se converte em linguagem interna, passa a ser uma função mental do
sujeito, auxiliar do pensamento.
O quadro que segue – cujo conteúdo é a síntese do desenvolvimento da linguagem oral
– ilustra claramente a lei geral do desenvolvimento formulada por Vigotski, e representa o
fundamento de nossa investigação. Foi organizado com vistas a subsidiar a análise e a
compreensão dos eventos interativos por nós observados na turma do Maternal I.
Quadro 1 - Desenvolvimento da linguagem oral, de acordo com Vigotski (2001, 2012a, 2012b).
3
1,9 a 3 anos Linguagem verbal Surge da união do pensamento
com a linguagem, momento em
que a criança passa a denominar
Segunda Etapa
os objetos do seu entorno por
iniciativa própria. A linguagem se
intelectualiza e o pensamento se
verbaliza, possibilitando à criança
a ampliação ativa do vocabulário
e o domínio de um número maior
de palavras.
Etapa 3 a 6 anos Linguagem Etapa de transição do externo para
transitória egocêntrica1 o interno, surge da internalização
egocêntrica
Linguagem
de formas sociais de
comportamento, possibilitando
que a criança comece a regular
suas próprias ações com o uso da
linguagem. Gradativamente, se
converte em linguagem interna.
7 anos em Linguagem interna2 Constitui uma linguagem
Individual (interna)
representando o processo de
Linguagem
transformação da palavra em
pensamento. Caracteriza-se por
possuir sintaxe e estrutura
semântica próprias e por ser
reduzida foneticamente.
1
A linguagem egocêntrica surge, de forma elementar, por volta dos três anos de idade, mas se firma apenas na
infância pré-escolar, entre três e seis anos de idade.
2
Para compor o quadro, fizemos menção à linguagem interna, embora não a tenhamos aprofundado no decorrer
do trabalho, em razão de distanciar-se de nossos objetivos. O tema constitui importante fonte para outros
estudos.
3
De acordo com Pino (2005, p. 37), o Outro representa “[...] um lugar simbólico ocupado pelos inúmeros
parceiros das relações sociais da criança ao longo de sua história social e pessoal.”
4
sucessivamente ao longo do desenvolvimento. Antes do domínio da linguagem desenvolvida,
os pequenos se comunicam com uma linguagem particular – a linguagem autônoma –, que se
transformará em linguagem autêntica no período de um a três anos. Nas diversas situações de
uso dos objetos, em interação com os adultos, a comunicação emocional dá lugar à linguagem
verbal, mediada pela palavra. A partir de então, pensamento e linguagem – antes separados –
se conectam, originando uma fala intelectual e um pensamento verbal. A criança passa a falar
bastante e ativamente, apropriando-se, gradualmente, da linguagem desenvolvida. Trata-se do
processo de apropriação do signo verbal e da função simbólica da linguagem, cujo
desenvolvimento acontece durante toda a infância até que a linguagem e o pensamento
possam tornar-se conceituais, na adolescência. Destacamos os resultados dessa aquisição para
a criança: independência da percepção imediata, novas e multifacetadas formas de relação
com as pessoas, com o meio e consigo mesma, e o início da consciência de si e da autonomia
(VYGOTSKI, 2001; 2012a).
Pouco a pouco a linguagem verbal – social e externa – passa a ser egocêntrica, outra
forma específica de linguagem, usada pela criança para falar consigo mesma, demonstrando
internalização da linguagem do adulto. Por sua vez, esse processo se transforma em
linguagem interna, discurso interior a serviço do pensamento, uma forma nova e evoluída de
linguagem que surge por volta dos sete anos de idade. Assim, todas as etapas do
desenvolvimento da linguagem da criança são caracterizadas pela transformação.
Dialeticamente, uma forma vai evoluindo até se transformar em outra mais complexa,
revelando um movimento em espiral (VYGOTSKI, 2001).
Com idade entre 1 e 2 anos, podemos dizer que as crianças pertencentes à nossa
pesquisa se achavam na etapa transitória entre a etapa pré-verbal e a verbal: a linguagem
autônoma. No entanto, é preciso considerar a dinâmica do desenvolvimento. Com Vigotski
(2012a), compreendemos que não é possível encerrar a idade cronológica em caixinhas
etiquetadas, equivalentes a certas etapas ou períodos de desenvolvimento. Ao contrário, é
preciso conceber o desenvolvimento como um processo dialético, em que “[...] as formas
inferiores não se aniquilam, senão que se incluem na superior e continuam existindo nela
como instância subordinada” (VYGOTSKI, 2012a, p. 129, tradução nossa). Da mesma forma
que o surgimento de uma nova etapa não extingue a anterior, toda etapa vindoura já existe
dentro da anterior como gérmen. Nesse contexto, depreendemos que a linguagem autônoma –
principal nova formação da idade crítica de transição do primeiro para o segundo ano de vida
– surge de forma elementar já na etapa da linguagem pré-verbal, carregando prenúncios da
5
etapa verbal. Em poucas palavras, no curso do processo de apropriação da fala pela criança, é
pouco provável que se encontre uma forma de linguagem que não guarde alguma semelhança
com a antecedente, e que seja completamente diferente daquela que a substitui.
Assim, distintas etapas do desenvolvimento da linguagem e suas formas
correspondentes se mesclam e se sucedem na apropriação da fala pela criança: a linguagem
pré-verbal como a forma inicial, a linguagem autônoma como a mais frequente do final do
primeiro até quase o início do segundo ano, mas ainda carregando traços da pré-verbal, e, aos
poucos, se convertendo em linguagem verbal, que, por sua vez, traz indícios da linguagem
egocêntrica, que logo será interna. Trata-se de um movimento contínuo, não linear, nem
tampouco uniforme.
Esse dinâmico processo cujo início retratamos, resulta no domínio pleno da linguagem
pela criança, e, consequentemente, mais tarde, culmina na construção de conceitos.
Paralelamente, a linguagem desenvolvida permite o uso da palavra como reflexo da
consciência, uma vez que “[...] a consciência se reflete na palavra do mesmo modo que o sol
em uma pequena gota de água” (VYGOTSKI, 2001, p. 346, tradução nossa). Ao apresentar o
quadro que sintetiza esse processo, almejamos que o mesmo seja visto didaticamente não da
forma estática como se mostra, mas em movimento, como tentamos explicar.
Para analisar a emergência da linguagem oral nas crianças por nós pesquisadas,
selecionamos nove eventos de interação4, nos quais buscamos conhecer a influência das
interações adulto-criança e criança-criança para o desenvolvimento da linguagem oral das
crianças em situação de creche. No conjunto das análises, objetivamos elucidar como o
trabalho pedagógico na creche pode contribuir para que ocorram interações verbais
significativas entre crianças e adultos.
Os eventos foram divididos em duas categorias: 1) interações comunicativas diretas –
provocados pela própria necessidade das situações de comunicação, não sendo motivados por
objetos. Traduzem cenas do cotidiano da turma, envolvendo brincadeira sem o uso de objetos,
atividade de movimento e atenção dispensada à criança. Trata-se da atividade comunicativa
4
Momentos de interação/comunicação das crianças entre si e com as professoras, com ou sem o uso da palavra.
São interações verbais e não verbais, ora desencadeadas pela criança, ora por iniciativa das professoras, captadas
por nós através de fotografias e filmagens. Para atender ao objetivo final de nossa investigação, decidimos
privilegiar as primeiras, compreendendo sua importância para o desenvolvimento da linguagem oral dos
pequenos.
6
cujos motivos são pessoais (LÍSINA, 1987), engendrada pela interação das crianças com os
adultos e entre elas mesmas; 2) interações comunicativas mediadas por objetos – eventos
desencadeados pelas situações de manipulação dos objetos, incluindo brincadeira e ação com
objetos e atividades de aprendizagem linguística (contação de história e exploração de livros
pelas crianças). Nesse caso, a atividade comunicativa é prática-situacional (LÍSINA, 1986,
1987), para as quais os motivos são práticos; as ações com os objetos em colaboração com o
adulto – organizador das situações – constitui seu fundamento.
Trazemos, aqui, a análise de dois eventos registrados em fotografias, um de cada
categoria. Na sequência, o primeiro evento, uma situação de interação adulto-criança e
criança-criança.
__________________________________________________________________________________
7
Fonte: Acervo pessoal de pesquisa, 2014.
A professora Val canta com Samir (camisa azul), Kauã, Letícia (vestido listrado) e Isadora: “Eu tenho
um cachorrinho chamado Loló/Eu tenho um cachorrinho chamado Loló/Ele rola, rola, rola, rola, rola,
pelo chão/Ele rola, rola, rola, rola, rola, pelo chão/Mas ele é mansinho e muito brincalhão/Ele bate,
bate, bate, sua patinha pelo chão/Ele bate, bate, bate, sua patinha pelo chão.” Enquanto canta, Val
realiza os movimentos que acompanham a cantiga, e os pequenos observam atentamente, imitando:
girar um braço ao redor do outro à frente do corpo e bater os pés no chão. A atividade, marcada pelo
envolvimento das crianças, é acompanhada de muita alegria e entusiasmo. Ao imitar os movimentos
do cachorrinho Loló feitos pela professora, as crianças vibram de contentamento. Letícia não se
satisfaz em ficar sentada como os outros, e, de pé, sapateia e dá risadas. Samir também sai do seu
lugar e rola pelo chão. Quando Val para de cantar, Kauã e Letícia pedem bis, exclamando ‘novo!’
(Isadora e Samir falam ainda poucas palavras nesse momento), e a brincadeira se repete por várias
vezes.
8
Nesse conjunto de elementos, destacamos a qualidade da interação que se deu entre as
crianças e a professora durante a atividade, fato que favoreceu o envolvimento lúdico das
crianças.
A brincadeira vivida coletivamente constitui importante fonte de crescimento social,
cognitivo e afetivo da criança. Especialmente na pequena infância, é influenciada pelo
ambiente e pelas pessoas com quem a criança convive, e nisto reside a necessidade da
organização intencional de situações que propiciem “[...] comportamentos e interações
lúdicas, [entendidos como] ações e trocas iniciadas, realizadas e concluídas pelo puro prazer
que elas causam a quem delas participa e para quem nelas está envolvido” (BONDIOLI;
GARIBOLDI, 2012, p. 24). Na observação da turma, foram raros os momentos em que
observamos as crianças interagindo entre si autonomamente, sem organização e participação
por parte do adulto; se o faziam, não tinha o mesmo caráter, e o conteúdo da interação não era
tão profícuo. Não estamos, todavia, negando a capacidade que as crianças pequeninhas têm de
produzir relações entre si, de buscar seus pares e com eles se comunicar com linguagem
própria, de trocar olhares, gestos, sentimentos. No entanto, embora sejam sociáveis e gostem
de brincar juntas, elas precisam ser motivadas para isso, razão por que sublinhamos o papel da
professora na organização de experiências lúdicas significativas e envolventes.
As brincadeiras contribuem para o processo de humanização da criança, para o
desenvolvimento de suas capacidades humanas, especialmente o movimento, a afetividade e a
ludicidade; por seu intermédio, as crianças desenvolvem a faculdade de sentir e tornam-se
sujeitos das interações. Vale lembrar, no entanto, que segundo a Teoria Histórico-Cultural o
brincar é uma capacidade que deve ser aprendida, como todas as demais, fato que coloca o
adulto como o organizador e motivador das brincadeiras infantis. Isto significa que as
atividades lúdicas devem ocupar um lugar privilegiado nas práticas educativas da creche:
longe de serem entendidas como atividades a se realizar apenas quando não há o que fazer,
devem ser intencionalmente planejadas como parte do cotidiano de meninos e meninas que
frequentam a creche (BISSOLI, 2006).
Apesar do pouco domínio da linguagem verbal, por meio da linguagem compreensiva
que antecede à fala, as crianças entendem a letra da música de modo a imitar os movimentos.
A consciência semântica, que capta a situação (VYGOTSKI, 2012b), embora embrionária
nessa etapa de desenvolvimento, permite que os pequenos signifiquem o que está sendo
expresso, atribuindo sentido à brincadeira. Por intermédio dessa percepção generalizada, se
9
alegram, sorriem, imitam, e pedem para brincar outra vez, exclamando uma frase de palavra
única – “novo!”.
Vigotski (2001) nos ensina que uma palavra pronunciada pela criança no princípio do
desenvolvimento linguístico – quando domina o lado sonoro e verbal da linguagem – não
representa apenas uma simples palavra, mas uma frase inteira, em alguns casos, um texto. No
evento acima, poderíamos traduzir a palavra “novo” por orações que expressaram o desejo
das crianças de que a professora cantasse a música outra vez, como algo do tipo “cante de
novo”, “gostamos da brincadeira e queremos continuar brincando”. Nesse caso, não é a
palavra “novo” que deve ser tomada isoladamente, antes, a tradução por nós inferida equivale
à situação em seu conjunto.
Ainda em relação à fala, é importante mencionar que a assimilação das facetas verbal e
significativa da linguagem percorrem caminhos opostos. O domínio da faceta verbal da
linguagem (fonética) ocorre das partes para o todo: a criança pronuncia sons, palavras, frases
simples e complexas. Contrariamente, o domínio semântico se encaminha do todo para as
partes. Por esta razão, Vigotski (2012a, p. 127, tradução nossa) afirma que “[...] a forma
externa do desenvolvimento da linguagem, tal como se apresenta em seu aspecto fenotípico, é
enganosa. [...] As investigações têm demonstrado sem nenhuma dúvida que a forma primária
ou inicial da linguagem infantil é uma estrutura afetiva complexa e não diferenciada.”
No próximo evento, a interação criança-criança foi marcada pela ação com objetos e o
aparecimento inicial da linguagem verbal.
__________________________________________________________________________________
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Fonte: Acervo pessoal de pesquisa, 2014.
Pela quinta vez Letícia se apodera do meu material. Uma música é tocada no DVD, e, de início, ela
tenta rabiscar meu caderno e continuar assistindo o vídeo, mas depois sua atenção se volta
completamente para o caderno e a caneta. Kauã se aproxima e tenta chamar sua atenção de várias
formas: a observa de perto, inclina a cabeça em direção ao seu corpo, toma-lhe a tampa da caneta e lhe
calça a sandália. Nada disso adiantou. Letícia ignora a presença do amigo que a observa, empurra-o
quando ele se encosta nela, toma a tampa da caneta de volta falando “não, Kauã!”, e continua sua
atividade enquanto ele coloca a sandália em seu pé. Tudo o que lhe importava era fazer uso dos
objetos que havia conquistado. Absorta, a pequena rabisca várias páginas do caderno, folheia suas
páginas, observa as gravuras da capa. Em alguns momentos ela “escreve” no caderno e fala alto,
narrando o que está escrevendo: “catoze!”, “b!”, “bi!”, “cadalo!”, “i!”, “a!”. Depois de um tempo,
concentra sua atenção na caneta, tirando e colocando a tampa por diversas vezes. Ela passa um bom
tempo realizando esta ação. Em seguida, a professora Creuza aparece na sala chamando as crianças
11
para almoçar, ao que Letícia exclama “qué não!”, e trata de se esconder atrás de mim, sem largar a
caneta. Paro de filmar e me envolvo na situação, tentando convencê-la a ir almoçar. Quando a
professora insiste com a pequena ela novamente responde “qué não!”, até que é levada para o
refeitório, mesmo contra sua vontade.
Nesse evento queremos destacar o envolvimento de Letícia com os objetos, sua ação
com eles e a linguagem surgida nesse contexto. As imagens evidenciam que ela se manteve
concentrada na manipulação dos objetos, apesar de todos os esforços de Kauã para chamar
sua atenção. Kauã fez várias tentativas, usou diferentes estratégias para obter um pouco de
atenção da amiga – provavelmente queria brincar com ela –, mas foi tudo em vão. Letícia não
queria brincar, só estava interessada, naquele momento, no caderno e na caneta que havia
conseguido. Ela passava as folhas do caderno e rabiscava com muito entusiasmo. As palavras
que falava enquanto “escrevia” eram exclamações vibrantes. A caneta foi demoradamente
explorada. A pequena admirava e tocava o objeto, tirava e colocava sua tampa sem cansar. A
ação parecia ser um jogo desafiador para ela. Percebemos, então, que sua admiração vinha do
fato de ela ter descoberto que a tampa da caneta podia ser colocada tanto no bico quanto no
fundo do objeto. Podemos observar na quinta e sexta imagens que ela põe a tampa no bico da
caneta, ao passo que na sexta imagem seu olhar está direcionado para o fundo, onde já havia
encaixado a tampa.
O encantamento de Letícia por um objeto tão pequeno é compreensível. Com Vigotski
(2012b) entendemos que as crianças da primeira infância mantêm com os objetos uma relação
afetiva de atração ou repulsão, de maneira que cada objeto lhes estimula a realizar, com ele,
alguma ação. Ao descrever esse efeito coercitivo dos objetos, Vigotski (2012b, p. 342,
tradução nossa) argumenta que “[...] a criança dessa idade se acha no mundo dos objetos e das
coisas como num campo de forças onde sobre ela o tempo todo atuam objetos que lhe atraem
e repelem.” Assim, os objetos orientam a ação da criança pequena. Diante de um objeto
qualquer, a criança nunca tem uma reação neutra. Do mais simples ao mais complexo, os
diferentes objetos impelem a criança à ação: um cadarço amarrado de sapato lhe estimula a
desamarrá-lo, um botão na blusa da mãe a tocá-lo, um carrinho a desmontá-lo, uma boneca a
vesti-la ou tirar-lhe a roupa, uma tomada a colocar o dedo, um telefone celular a deslizar os
dedos pela tela (desde bebê!). Essa forte atração está relacionada com a dependência que a
criança tem da situação presente, o que explica a importância que os objetos concretos têm no
interior de cada situação.
12
Quanto aos aspectos relacionados à linguagem no episódio de Letícia, é interessante
notar sua “escrita” acompanhada da fala, o que demonstra sua significação ao ato de escrever.
Ela pronunciava palavras e letras enquanto escrevia, o que nos leva a supor que
provavelmente realizasse atividade semelhante em casa5. Sua fala sinaliza um progressivo
avanço no desenvolvimento da linguagem oral, em que sua exclamação (“não, Kauã!”)
aparece como expressão do desejo de que o amigo a deixasse em paz. Sua resposta ao
chamado da professora para almoçar também indica esse avanço. O “qué não!” de Letícia
mostra sua recusa, significa que ela queria continuar na sala rabiscando o caderno em vez de
ir almoçar. Mas a negação da pequena pode ter outra razão, de acordo com as considerações
de Oliveira et. al. (2011, p. 56), com as quais concordarmos. A autora afirma que:
Em síntese:
A análise dos eventos agrupados na categoria “interações comunicativas diretas”
evidenciou que a linguagem oral [da criança pequena na creche], que emerge de contextos
comunicativos não motivados por objetos, exige, necessariamente, um contato mais próximo
com o Outro – adulto ou companheiro de idade –, visto que seus motivos são as pessoas
envolvidas na interação.
O incipiente domínio da linguagem verbal da criança no segundo ano de vida, que se
encontra em fase embrionária, faz com que ela utilize diferentes recursos expressivos para se
comunicar: gestos, olhares, sorrisos, choros, expressões faciais e corporais acompanham suas
palavras tateantes. Esse domínio elementar da fala, no entanto, não impede que a criança
compreenda, ainda que à sua maneira, a linguagem convencional do adulto, e também que
expresse seu estado emocional diante das situações que vivencia. A linguagem possibilita,
então, que os pequenos se comuniquem e interajam amplamente com as pessoas.
A fala é caracterizada por orações compostas de uma só palavra [às vezes duas ou
mais], por meio da qual a criança expressa toda uma situação. Nessa etapa, a linguagem
condensada possui função de indicar, nomear, fazer pedidos, afirmar, negar e protestar. Trata-
se da linguagem social, atividade externa da criança. Outra característica importante reside no
fato de que a fala é situacional, depende estritamente do contexto concreto em que se deu.
Esse traço é próprio da criança na primeira infância: a situação presente é tudo que lhe
interessa, razão pela qual ela não agrega ao fato presente elementos do passado ou
conhecimentos acerca de outras coisas (VYGOTSKI, 2012b).
Na análise dos eventos classificados como “interações comunicativas mediadas por
objetos” concluímos que essas situações favorecem a fala e complexificam a comunicação. Os
eventos analisados comprovam o forte envolvimento da criança com os objetos na etapa da
primeira infância, validando empiricamente a divisão cronológica aproximada e as respectivas
atividades orientadoras de cada momento do desenvolvimento infantil feita por Elkonin
(1987), Vigotski (2012b) e Leontiev (1988). Tal como nos eventos de comunicação direta, a
fala nesse contexto é situacional, o que a diferencia é a presença de objetos na situação,
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tornando-os motivo da comunicação. Essa característica resulta em que a manipulação dos
objetos parece fornecer mais elementos para a fala da criança, de tal maneira que esse fato
delineia distintamente sua linguagem. Dito de outra forma, no interior da atividade objetal a
linguagem oral se faz mais rica, e a comunicação mais complexa. A comunicação mediada
por objetos, no lugar de meios expressivos e gestuais, prioritariamente, conta com as palavras
(ainda que sejam palavras soltas, principalmente nomes dos objetos) utilizadas durante a
atividade objetal. Nesse cenário, a linguagem oral da criança apresenta as seguintes
características: expressa situações, identifica e denomina objetos, qualidades, ações e
relações, além de estimular o pensamento verbal.
Em qualquer circunstância ou função desempenhada, a fala da criança requer sempre a
mediação do adulto significando sua linguagem, para que adquira significado para ela mesma,
especialmente em se tratando da comunicação pessoal. É o adulto que vai interpretar os sinais,
os gestos, as frases de palavra única – signos utilizados pela criança sem que ela tenha
consciência clara de seus significados –, que, porque significados pelo adulto num primeiro
momento, serão gradativamente significados por ela própria, no processo de internalização.
Dessa forma, a linguagem, que constitui uma forma de mediação semiótica porque é
composta por signos, vai sendo também significada pela criança de forma individual,
adquirindo sentidos pessoais. Se as condições concretas de existência forem favoráveis, esse
processo capacitará a criança para interpretar o mundo e comunicar-se com os outros cada vez
melhor (PINO, 2005).
Referências
BONDIOLI, A.; GARIBOLDI, A. A vida cotidiana na creche. In: BECCHI, E. et al. Ideias
orientadoras para a creche: a qualidade negociada. Campinas, SP: Autores Associados,
2012.
15
LÍSINA, M. I. La actividad de comunicación y su desarrollo. In: ILIASOV, I. I.; LIAUDIS,
V. Ya. Antologia de la psicologia pedagógica de las edades. Ciudade de La Habana:
Editorial Pueblo y Educación, 1986. p. 125-132.
LÍSINA, M. La génesis de las formas de la comunicación en los niños. In: DAVÍDOV, V.;
SHUARE, M. (Orgs.). La Psicología Evolutiva y Pedagógica en la URSS (Antología).
Moscou: Editorial Progresso, 1987. p. 274 - 298.
OLIVEIRA, Z. M. R. et al. Creches: Crianças, faz de conta & Cia. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011.
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2
Ficha catalográfica
CDD: 370.981
CDU: 372(81)
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 500
CEP: 70.047-900
CADERNO 3
Brasília, 2016
INTRODUÇÃO 9
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1. Iniciando o diálogo
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É na direção dos outros e com os outros que nos tornamos pessoas social-
mente conscientes. Quando conversamos, ouvimos alguém e lemos, tam-
bém produzimos textos, interior ou exteriormente, para dar conta de enten-
der o que os outros estão enunciando: “fazemos corresponder uma série
de palavras nossas, formando uma réplica”. Quanto mais sabemos sobre o
assunto que está sendo tratado, maior será a nossa compreensão do que
ouvimos. Vale a pena ler mais um pequeno trecho escrito por Bakhtin para
aprofundar o que estamos afirmando.
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Nesse relato salta aos olhos a análise que Leon faz da língua, ao se preocupar
com o emprego da desinência nominal de gênero adequada. Embora se equi-
vocando, já que no caso em questão a forma verbal não varia em gênero, o
episódio mostra o olhar atento do menino para seu discurso, levando em
conta um elemento da situação de produção.
Crianças que apresentam formas verbais como “fazi” (de fazer), “di” (de
dar), “engordecer”, “desengolir”, entre outras, frequentemente citadas,
mostram-nos o conhecimento linguístico-discursivo que vão construindo,
criativamente, na interação social. Ninguém se senta ao lado delas para ensi-
ná-las a falar. É no movimento social que aprendem e aprimoram a sua fala,
agindo discursivamente. Os enunciados infantis apresentados ilustram tam-
bém que a linguagem é constitutiva dos processos cognitivos e do próprio
conhecimento. O discurso é a linguagem não só como atividade humana,
mas como prática social, historicamente produzida e contextualizada.
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Ficou algum tempo narrando o que via nas ruas, mas o menino
voltou a chorar. Então, a amiga pegou a máquina fotográfica e
deu à mãe para que mostrasse fotos ao filho. A mãe continuou
a ler o mundo nas fotos e nos vídeos gravados na máquina:
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Vygotsky (1998, p. 144) nos apresenta a linguagem escrita como uma for-
ma nova e complexa de linguagem. Critica a maneira como em geral essa
linguagem é ensinada às crianças. O autor destaca a importância de o tra-
balho com a escrita ser realizado de modo que a escrita (e o conhecimento,
de um modo geral) se torne necessária às crianças, já que apresenta signifi-
cado importante para elas. Por meio da necessidade, as crianças passam a
ter o desejo de aprender essa nova forma de linguagem (VYGOTSKY, 1998,
p. 143). Vigotski destaca que a escrita seja ensinada como uma atividade
cultural complexa, “relevante à vida”, para utilizar a expressão do autor,
na mesma página recém-citada. A escrita deve ser cultivada com as crian-
ças, em vez de treinada.
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Crianças: Está!
Maria: É Natal!
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Joana: Para não confundir a casa! Isso aqui não pode ser só
cruz, porque também pode ser o poste, que nem tem nas ruas.
José: É mesmo...
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O MILHARAL.
FIM
31/08/04
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Em outras palavras...
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3. Compartilhando experiências
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4. Reflexão e ação
A vida das crianças e seus modos de ser e pensar são nossos pontos de par-
tida. Os depoimentos orais das crianças devem ser escritos pelo professor,
na frente delas, em forma de lista ou texto coletivo. A escrita pode ser feita
no blocão, no quadro-negro, em uma folha de caderno, etc., desde que as
crianças consigam acompanhar, participar, intervir, corrigir, compartilhar ex-
periências, sentimentos, hipóteses, dúvidas.
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Experimentos e investigações...
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Propostas de atividades
• Brincadeiras cantadas,
• Adivinhas – “O que é, o que é?”,
• Caminhadas exploratórias com mapas a serem ilustrados com o
que for observado no caminho,
• Produção coletiva de livro de histórias, com textos e ilustrações
criados pelas crianças,
• Planejamento de entrevista com pessoas/profissionais ligados aos
projetos em desenvolvimento,
• Relatório de observação de uma experiência,
• Confecção de convites para um evento escolar,
• Ouvir músicas e poesias, construir imagens a partir da experiência
e registrá-las,
• Elaboração conjunta de bilhetes informativos que as crianças
levam para os responsáveis nas cadernetas (agendas); leitura,
• Texto coletivo sobre aula-passeio, com descrição, narração,
apreciações e avaliação do grupo,
• Definição de regras/normas para a realização de tarefas, jogos e
atividades que envolvam movimentos coletivos,
• Apreciação estética de obras de arte (pintura, escultura, etc.),
• Conhecimento de pessoas relevantes social e culturalmente, por
meio de suas biografias: pintores, escultores, cientistas, entre
outros,
• Carta ou outro tipo de mensagem afetiva para mães, pais, amigos,
• Panfleto ou folder informativo,
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MATA, Adriana Santos da & SILVA, Carla Andréa Lima da. Histórias de crian-
ças: leituras de mundo. Sede de Ler, Publicação semestral do PROALE
– Programa de Alfabetização e Leitura da UFF. Niterói/RJ. Ano 3, n. 3,
out. de 2012, p.25-30. Disponível em: http://www.proale.uff.br/
6. Ampliando o diálogo
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Sugestão de vídeo
7. Referências
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MATA, Adriana Santos da et al. Arte naïf e outras artes na Educação Infantil.
Niterói: Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo
Costa, 2005.
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– Moça, o que você está fazendo? escrita um instrumento cultural complexo. Vamos
–Estou escrevendo! – a pesquisadora responde. ver que complexidade é essa?
– Porquê? – insiste o menino. Como afirma Vygotsky, no texto chamado “A
– Para eu ler mais tarde e me lembrar do que eu vi Pré-História do Desenvolvimento da Escrita”, a
aqui na sua sala! – responde a pesquisadora. escrita é uma representação de segunda ordem.
– Quem mandou?1 – pergunta o menino.
¹PAIXÃO, K.de M. G. A educação infantil e as práticas escolarizadas de educação. Dissertação de mestrado. Assis, Unesp, 2004.
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O Desenvolvimento da Linguag em Oral, Escrita e Visual
coroa, ela procura algo que possa representar, na Nós, professoras e professores – mediamos o
brincadeira, a coroa de ouro. Encontra uma faixa de acesso da criança à cultura, isto é, apresentamos os
pano para prender o cabelo e amarra na cabeça objetos da cultura para a criança e a ensinamos a usá-
dizendo: “Faz-de-conta que isso é a coroa de ouro!”. los – incluindo aí a linguagem escrita.
Ela reconhece que a função da faixa é prender o
cabelo, mas é capaz de atribuir temporariamente Como podemos apresentar a escrita para
uma outra função à faixa: a de simbolizar a coroa de permitir que a criança se aproprie da escrita e se
ouro. torne verdadeiramente uma leitora e uma produtora
No caso da escrita, essa função de de texto e não uma reconhecedora de letras, sílabas e
representação é dupla! A criança precisa se dar conta palavras?
de que a palavra menino não tem diretamente nada a
ver com o objeto – nem com sua aparência, com sua O que podemos fazer para que não aconteça
função – ela representa o nome do objeto – que é um com as nossas crianças na educação infantil o que
som. Este som, por sua vez, também não tem nada a aconteceu com o menino do exemplo dado no início
ver com a aparência do objeto, nem com sua função, do texto?
pois foi apenas um nome inventado para representar
ou simbolizar o objeto. O que fazer para que a escrita seja percebida
Se isso já parece complexo para a criança como um instrumento de comunicação e expressão
perceber, ainda tem mais!!! da criança?
Para que haja de fato a apropriação da escrita
como um instrumento que permite o aprendiz
expressar e comunicar suas idéias, suas sensações, Como apresentar a escrita para as crianças
suas emoções ou informações e, ao mesmo tempo,
entender as idéias, sensações, emoções e É importante dizer que falar para as crianças
informações que os outros expressam e comunicam sobre tudo isso que estamos discutindo e refletindo
por meio da escrita, o elemento intermediário não adianta. Dizer para as crianças que a escrita é
representado pela fala deve desaparecer uma representação de segunda ordem e que precisa
gradualmente e a escrita deve representar pouco a pouco se tornar uma representação de
diretamente os objetos e as situações do mundo real. primeira ordem, não adiante nada. Isso não faria
sentido para elas e não adiantaria nada. É a forma
pela qual nós, professoras e professores,
apresentaremos a escrita para a criança que vai
permitir que ela utilize a escrita como leitora e
menino “mininu” produtora de textos.
Vygotsky analisou a forma como ensinavam a
escrita em seu tempo (mais ou menos em 1930) e
criticou os equívocos que cometiam os professores e
professores em sua época – e que continuamos a
cometer hoje – e fez importantes sugestões para o
nosso trabalho.
Q u a n d o l e m o s u m t e x t o,
buscamos a realidade, ou seja, os Para Vygotsky, desde o início, a escrita
fatos, as idéias, as informações, as precisa ser apresentada à criança como um
emoções representadas pelas instrumento que tem uma função social: a função
palavras escritas e não os sons que de expressar ou comunicar informações, idéias,
a escrita representa. Da mesma sentimentos. Ou seja, no início da aprendizagem, a
maneira, quando escrevemos um escrita não pode ser tratada como uma questão
t e x t o, b u s c a m o s r e g i s t r a r técnica.
s e n t i m e n t o s, i n f o r m a ç õ e s,
experiências vividas e não os sons
de palavras que representam essas O que significa apresentar a escrita para as
experiências. crianças como um instrumento que tem uma função
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O Desenvolvimento da Linguag em Oral, Escrita e Visual
A história da escrita começa muito cedo na É importante lembrar que a fala também é
vida da criança aprendida pelas crianças e elas aprendem a falar
quando falamos com elas. Não basta que os adultos
De acordo com Vygotsky, que estudou falem perto das crianças. Se os adultos não falarem
bastante essa questão, a escrita não começa no com ela, se não provocarem as suas respostas, se ela
momento em que colocamos um lápis na mão da não for sujeito de um diálogo, ela não aprende a
criança. A linguagem escrita tem uma longa história falar. Por isso, se a criança fala pouco, precisamos
que começa no primeiro gesto, quando o bebê tenta conversar muito com ela e provocar sua expressão.
se expressar e se comunicar apontando o objeto de A fala provoca o desenvolvimento do
seu desejo. Em outras palavras, a história da escrita desenho e de outras formas de expressão como a
começa com a vontade da criança de se expressar, de pintura, a modelagem e a escultura, pois quanto mais
se comunicar. memória a criança tiver, mais as lembranças
O gesto – da mão ou do corpo inteiro – é a estimulam sua expressão. Por intermédio do
primeira forma de expressão da criança. Entre o desenho, da modelagem, da pintura e escultura, a
gesto do bebê e a escrita na idade escolar, a criança criança expressa o que percebe e aprende sobre as
percorre um longo caminho e passa por diferentes coisas.
linguagens, isto é, por diferentes maneiras de se A brincadeira de faz-de-conta é igualmente
expressar e se comunicar. Por volta dos dois anos, a uma forma de expressão das crianças. Por meio da
criança aprende a linguagem oral que é a que mais brincadeira, a criança expressa o que vai entendendo
chama nossa atenção. Quando aprende a falar a sobre as atividades dos adultos, as formas como os
criança tem um salto no seu desenvolvimento adultos se relacionam. O faz-de-conta é a maneira
cultural e psíquico, pois a fala facilita o como a criança melhor se comunica com o mundo e
desenvolvimento da memória, da atenção, das aprende na idade pré-escolar, quer dizer entre 3 e 6
percepções, da imaginação, do controle da vontade e anos. Por que isso acontece? Por volta dos 3 anos,
da conduta, do pensamento. Nós pensamos com as sabendo já andar e falar, a criança pensa que já é
palavras. Antes de aprender a falar, a criança pensa grande e quer fazer tudo o que vê os adultos
com imagens e seu pensamento se restringe às fazerem. Mas não pode, porque é ainda pequena:
experiências vividas. Quando aprende a falar, seu não consegue dirigir um caminhão, nem fazer
pensamento pode se desenvolver tanto quanto sua comida, nem cuidar de um bebê. Por isso, ela faz-de-
fala. Por isso, quando nós, professoras e professores, conta. Nessa idade, seu interesse não é mais explorar
permitimos que as crianças falem, expliquem as os objetos que encontra: abrir e fechar caixinhas,
coisas como elas entendem, quando elas contam empilhar latinhas, bater um objeto no outro. Seu
coisas que aconteceram fora da escola ou mesmo na interesse e sua forma de aprender agora é imitar os
escola elas estão fortalecendo a sua linguagem oral e, adultos, fazer o que vê os adultos fazerem.
por conseqüência, seu pensamento. Quando faz-de-conta que é grande e quando
Em relação ao desenvolvimento da imita os adultos em suas relações e atividades, ela
linguagem oral, o professor ou a professora tem expressa o que está aprendendo com as situações da
duas tarefas importantes: vida dos adultos que ela testemunha. Em outras
palavras, ela expressa os valores, os traços de
provocar a fala das crianças na escola; personalidade que ela está aprendendo com as
relações sociais e as explicações que dá aos fatos e
trabalhar para ampliar o vocabulário das fenômenos da cultura e da natureza. Com isso vai
crianças. formando a função simbólica da consciência, ou
seja, vai formando a capacidade de colocar um
A partir da sua experiência como professora objeto em lugar de outro, de usar um objeto para
ou professor e das idéias que estamos discutindo representar outro.
aqui, responda: Em outras palavras, ao longo da infância, a
criança vai ampliando seu conhecimento do mundo
e suas formas de expressão e comunicação, tendo
O que podemos fazer para provocar a
fala das crianças na escola da infância?
sempre a linguagem oral como elemento central
Que vivências ou atividades podemos desse processo. Se a criança convive com pessoas
propor para aumentar seu vocabulário? que lêem e escrevem, se em casa ou na escola infantil
ela testemunha atos de escrita e leitura, a vontade de
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ler e escrever nela se forma e ela começa a almejar com gente que fala, a escrita deve se tornar uma
essa nova forma de comunicação. necessidade da criança ao conviver com gente que lê
Por tudo isso, para Vygotsky, a história da e escreve. Por isso, todos os atos de escrita do
aquisição da linguagem escrita é a história da professor e da professora devem ser testemunhados
formação e do desenvolvimento da expressão e não escondidos das crianças.
na criança. É a criança que quer se comunicar
que está por trás do gesto, da fala, do desenho,
da brincadeira. É, igualmente, a criança que Pense e responda:
quer se comunicar que precisa estar por trás da
mão que escreve. Por isso, todas as atividades de Em que situações podemos usar a escrita
expressão – que em geral ocupam lugar de segunda em nossas escolas da infância para
categoria em nossas escolas, como a fala, o desenho, estimular a convivência da criança com a
o faz-de-conta, a modelagem, a pintura – precisam escrita, ou seja, para garantir que a criança
ser estimuladas e cultivadas se quisermos que as testemunhe situações em que os adultos
nossas crianças se apropriem da escrita como usam a escrita?
leitoras e produtoras de texto. A escrita registra
nosso desejo e necessidade de comunicação e
expressão. Para aprender a escrever, antes de Por que insistimos na importância de criar em
enfrentar o aspecto técnico, é preciso que as crianças nossas crianças – na Educação Infantil – a
tenham o que expressar e o que comunicar. A necessidade de ler e escrever?
vivência de experiências significativas cria Vamos observar, num exemplo simples, como
necessidades de expressar-se e comunicar-se. O a criança aprende. Tomemos o exemplo da bicicleta.
exercício da fala e da escuta – a troca de experiências Como a criança aprende a andar de bicicleta? Três
– que o professor intencionalmente propõe na elementos são necessários para este aprendizado:
escola infantil cria nas crianças a vontade de se – a bicicleta, para que o aprendiz treine e
expressar e de se comunicar. aprenda;
É importante entender a importância da – alguém que saiba andar de bicicleta e que
expressão no processo de humanização – ou seja, no mostre para a criança o modo como usar a bicicleta
processo por meio do qual as novas gerações (esse ensinar pode ser intencional ou não, ou seja,
aprendem a ser como os seres humanos adultos. A posso querer ensinar a criança a andar de bicicleta, ou
dinâmica desse processo de humanização acontece posso estar andando de bicicleta numa praça sem
num processo articulado de apropriação e nenhuma intenção de ensinar alguém e a criança me
objetivação. Ou seja, não há apropriação sem vê e observa como eu faço). Pode ser pessoalmente
objetivação. Em palavras mais simples, não há ou até por meio de uma fotografia ou da televisão. O
aprendizagem sem a expressão da criança sobre importante é que a criança aprenda – com quem sabe
aquilo que aprende. A expressão precisa, pois, ser – como se usa a bicicleta);
cultivada ao longo do processo de ensino e de – é preciso que a criança tenha vontade de
aprendizagem. Incentivar a expressão das crianças é aprender a andar de bicicleta, ou seja, é preciso que
papel essencial do professor e da professora desde a andar de bicicleta seja uma necessidade para ela. Se a
escola dos pequenininhos. Ao estimular a expressão criança não se interessa, não tem vontade de andar de
das crianças estaremos, ao mesmo tempo, bicicleta, não vê sentido em aprender.
provocando a expressão de sua aprendizagem – e Estes três elementos são ativos no processo de
criando melhores condições para seu processo de aprendizagem:
humanização – e abrindo caminho para a – o meio é ativo (a bicicleta desperta a
aprendizagem da escrita, uma vez que a necessidade curiosidade da criança),
e o desejo de se expressar precisam estar presentes – o educador – quem ensina – é ativo, pois,
no processo de escrita. Isso levou Vygotsky a com ou sem intenção, demonstra para a criança o uso
afirmar que a escrita não deve chegar à criança como do objeto,
uma imposição do adulto, como aconteceu no caso – a criança que aprende é ativa, pois precisa
do menino dado no início deste texto. A escrita deve querer aprender. O sujeito que aprende tem sempre o
se tornar uma necessidade para a criança. Ainda, aspecto emocional junto com o aspecto cognitivo.
conforme diz Vygotsky, da mesma forma como a Se a criança aprende por imposição do adulto,
falar se torna uma necessidade da criança que vive a qualidade da aprendizagem é duvidosa e muito
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O Desenvolvimento da Linguag em Oral, Escrita e Visual
diferente de quando ela aprende por vontade. O Não adianta falar para a criança que a escrita é
aprender não faz sentido para ela quando não há importante ou será importante na vida dela!
interesse ou necessidade da parte dela. Se isso é A criança forma a necessidade da leitura
assim para o aprender a andar de bicicleta que é um e da escrita quando ela convive com a leitura e a
aprendizado mais simples, no caso da escrita, a falta escrita na Escola Infantil – não a leitura e a
de interesse e, portanto, de sentido, é um grande escrita de letras e sílabas, nem de palavras –
complicador para a aprendizagem. Ou seja, quando mas com a leitura e a escrita de textos,
se trata de um instrumento mais complexo como é o utilizados de acordo com a função social para a
caso da escrita, a vontade da criança e, portanto, o qual a escrita foi criada, ou seja, leitura para
sentido que ela dá à aprendizagem da escrita é conhecer a informação de um texto, as idéias de
fundamental! Se a criança não sabe por que aprende quem escreveu, suas emoções, seu sentimento;
a escrever, se ela não vê sentido em aprender a escrita para comunicar algo a alguém distante, para
escrever, fará todas as tarefas que envolvem a escrita se lembrar no dia seguinte, para expressar uma idéia,
de forma mecânica. Faz porque o professor ou a opinião, um sentimento.
professora mandou. Por outro lado, se ler e escrever Para Vygotsky, um dos equívocos que
são uma necessidade dela – para ler livros de história, cometemos no processo de ensino da escrita é a
gibis, escrever cartas, poemas, livros, histórias, um utilização de um método artificial criado
diário, etc. – veremos que ela estará sempre especialmente para ensinar a criança a ler e escrever.
profundamente envolvida na tarefa e aprende com Na verdade, sem conhecer como é complexo
maior facilidade, pois a tarefa não é um peso para ela; o funcionamento e o aprendizado da escrita, mas já
ao contrário, faz sentido e é fonte de satisfação e percebendo a dificuldade das pessoas no domínio
prazer! da escrita, no passado se acreditou que uma maneira
Sendo assim, nós, professoras e professores, de resolver essa dificuldade era fragmentar o
precisamos responder a um par de questões: processo. Então, deixaram de lado o texto, por ser
complexo, e tomaram o que acreditaram ser o mais
simples: as letras.
Como fazer com que as crianças se Quem foi alfabetizado assim, começando
interessem por ler e escrever? pelas letras, poderá dizer: mas, se para mim
Como criar nas crianças uma funcionou, por que não funcionará para as novas
necessidade que muitas vezes gerações? Eu diria, todos os problemas de
elas não têm? compreensão de leitura e todas as dificuldades para
construir um texto que cada um de nós – que nos
Em primeiro lugar, é importante dizer que alfabetizamos dessa forma – tem, vem daí. E todas
não é errado a criança não ter a escrita como uma as crianças que começaram conosco a escola e que
necessidade, ou seja, não se interessar por ler e ficaram pelo caminho, temo que também tenha sido
escrever. As necessidades humanas – assim como as por isso. Ao começar pelas letras, enfatizamos o
habilidades, as capacidades ou as aptidões – são domínio da técnica e não consideramos nem
aprendidas na vida que cada um leva. Quando a criamos a necessidade da escrita nas crianças. Essa
criança vive numa comunidade onde a escrita é abordagem, que tem como conseqüência uma
bastante utilizada e as crianças vêem sempre os aprendizagem artificial, exige tanto da professora
adultos lendo e escrevendo, elas vão criando a ou do professor como a criança uma atenção e um
vontade de ler e escrever. No entanto, se a criança esforço enormes – por parte da criança, um esforço
vive numa comunidade que não utiliza a escrita e a de atenção, de memória sem um sentido para ela, a
leitura, ela não tem oportunidades de criar a vontade não ser para seguir ordens do adulto; e para o
de ler e escrever. Nesse caso, é na escola que teremos professor ou a professora um esforço de
de criar na criança a vontade e necessidade de ler e disciplinamento das crianças. Tudo isso faz com
escrever. que o processo artificial de desenhar as letras se
torne independente do processo de comunicação e
Como fazemos isso? de expressão. Ou seja, a linguagem escrita viva passa
a um segundo plano e na escola só tem lugar o
O que já podemos nos propor a fazer em trabalho penoso e sem sentido.
nossas turmas para criar nas crianças a vontade de Essa relação inicial da criança com a
aprender a ler e escrever? linguagem escrita – como algo penoso e sem
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sentido – vai marcar sua vida escolar e contribuir expressão. Com essa preocupação, quando o
para seu fracasso, uma vez que a apropriação efetiva professor ou a professora toma a lição de leitura e
da linguagem escrita é ferramenta essencial para escrita da criança, o que é esperado é que a criança
aprender qualquer coisa na escola. Por isso, leia os sons das sílabas corretamente e escreva
insistimos na idéia de Vygotsky de que da mesma igualmente as palavras corretamente. A expressão e
forma que a linguagem oral é apropriada pela criança a compreensão do texto não chegam a ser
sem grandes esforços, a partir da necessidade de se consideradas nesse momento.
comunicar com os outros – necessidade que é criada Quando consideramos a escrita como um
nela ao viver numa sociedade em que as pessoas instrumento cultural, percebemos que ela não pode
falam com ela e falam entre si –, a escrita precisa se ser aprendida por um processo mecânico.
tornar uma necessidade da criança que vive numa
sociedade que lê e escreve. Para isso, dizia ele, a
escrita precisa ser apresentada não como um ato Algumas formas de apresentar a escrita para
motor, mas como uma atividade cultural complexa, as crianças
isto é, precisa ser utilizada para cumprir os fins para
os quais foi criada. Voltemos ao caso do menino citado no início
do texto. Se ele vivesse na escola muitas experiências
significativas, pudesse fazer descobertas, tivesse um
tempo para contar sobre suas experiências para o
Reflita e responda:
grupo e a professora ou o professor começasse a
registrar por escrito esses relatos e depois os lesse
Que situações podemos criar ou aproveitar
para o grupo; se ele tivesse um tempo para contar as
na escola da infância para garantir que a
histórias vividas fora da escola e também essas
criança conviva com situações reais de
histórias fossem registradas por ele mesmo e pelo
leitura e escrita e compreenda para que
grupo por meio de desenhos, pinturas, produção de
servem a leitura e a escrita?
sons e mesmo pelo professor ou pela professora por
Como podemos orientar pais, mães ou
intermédio da escrita; se juntos – crianças e
responsáveis para fazer isso em casa?
professor ou professora – fizessem um jornal onde
escrevessem suas histórias e as histórias preferidas
ouvidas na escola; se juntos se acostumassem a fazer
Quando cultivamos nas crianças o desejo de um diário ao fim de cada dia onde registrassem as
expressão, quando criamos nelas a necessidade da atividades realizadas, as ausências, os fatos que
escrita e quando utilizamos a escrita considerando chamassem a atenção, enfim, a percepção do grupo
sempre sua função social, estaremos respondendo em relação às atividades do dia, então a escrita faria
ao apelo de Vygotsky para que os educadores sentido para ele e sua aquisição seria uma
ensinem às crianças a linguagem escrita e não as necessidade dele, não uma necessidade da
letras. professora ou do professor e dos pais e mães ou
Assim, do meu ponto de vista da reflexão que responsáveis pela criança.
fazemos neste texto que é, também, o ponto de vista Quando defendemos a necessidade da criança
da teoria histórico-cultural, um equívoco que – seja na educação infantil, seja no ensino
estamos cometendo na escola infantil e também na fundamental – expressar-se por meio das muitas
escola fundamental é substituir as diferentes formas linguagens possíveis na escola, não queremos, com
de expressão da criança e concentrar todas as nossas isso, excluir a linguagem escrita. Ao contrário,
forças na atividade de treino da escrita de letras. Esse queremos incluí-la de modo a se tornar mais uma
treino de letras que depois se juntam para formar linguagem de expressão das crianças. O fato é que
sílabas tem, como próximo passo, juntar as sílabas essas linguagens não podem estar separadas, nem
para formar palavras ou textos. No entanto, as entre si e nem separadas de experiências
palavras ou os textos que se formam não expressam interessantes e cheias de significado para as crianças,
as necessidades de expressão das crianças. Ao pois essas experiências interessantes vividas pelas
contrário, são palavras ou textos que são possíveis de crianças se tornam o conteúdo que elas querem
serem formados com as letras já conhecidas pelo expressar por meio das diferentes linguagens. Se as
grupo. Trabalhando dessa maneira o processo de crianças puderem conviver com a escrita e com a
escrita vai se tornando independente do processo de leitura – realizadas inicialmente pela professora –
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enquanto vivem muitas experiências significativas – modelagem com papel, massa de modelar, argila
por exemplo: enfim, que as crianças experimentem os materiais
– conhecer o espaço por meio de passeios disponíveis que a escola e seus professores têm
pelos arredores da escola, pelo bairro e pela cidade; como responsabilidade ampliar e diversificar
– conhecer pessoas por intermédio de sempre. Essa necessidade de expressão – é sempre
visitas, de aproximação com as pessoas que importante lembrar – surge a partir do que as
trabalham na escola, de visita dos pais, mães e avós crianças vêem, ouvem, vivem, descobrem e
da turma à escola, de leitura de histórias, de poesias, aprendem. Quando essas experiências são
de audição de música, de filmes; registradas por escrito por intermédio de textos que
– conhecer mais sobre os assuntos que as crianças criam oralmente e a professora registra
chamam sua atenção por meio de observação e com as palavras das crianças, garantimos a
experimentação na natureza, leitura, vídeo, conversa introdução adequada da criança ao mundo da
com trabalhadores de diferentes áreas, pessoas com linguagem escrita.
experiências diferentes – por exemplo, quem Entretanto, não parece demais repetir, não
trabalha com cultivos diferentes, quem cria abelhas, começamos propondo atividades de escrita para a
quem pesca, quem faz pão, quem costura, etc. criança, mas estimulando e exercitando seu desejo de
depois puderem comentar essas experiências entre expressão e sua expressão em diferentes linguagens.
elas e forem estimuladas a registrar essas Fazemos isso quando a deixamos contar suas
experiências por meio de desenho, pintura, colagem, histórias de vida e de imaginação para o grupo – e
modelagem, brincadeiras e teatro de fantoches, por também contando histórias para ela, histórias que ela
exemplo, elas estarão cultivando sua curiosidade e vai recontar depois. Também estimulamos e
sua necessidade de expressão. Se junto com tudo exercitamos seu desejo de expressão quando
isso, a professora ou o professor registrar essas estimulamos sua observação, quando solicitamos
experiências por meio da escrita – como é a forma rotineiramente sua opinião sobre os problemas e os
comum de registro dos adultos letrados – a leitura e a temas discutidos na sala, quando solicitamos sua
escrita constituirão o próximo passo que a criança participação na solução de problemas que surgem na
vai querer dar em seu processo de desenvolvimento turma, quando avaliamos todos juntos o dia vivido
cultural. na escola. A participação das crianças no
estabelecimento das regras e dos combinados da
turma – o que podemos e o que não podemos fazer –
e na organização da rotina e do plano do dia – o que
Pense e responda:
vamos fazer hoje – é outra forma de envolvimento
da turma com a escrita em sua função social. Todas
Quais dessas idéias anunciadas acima para
as decisões da turma – desde regras até o plano do
estimular a expressão das crianças em
dia – podem ser escritas pela professora ou
diferentes linguagens poderíamos adotar
professor e ilustradas pelas crianças.
para trabalhar com as nossas crianças?
Que outras atividades poderíamos sugerir
com esse mesmo objetivo de estimular a
expressão das crianças em diferentes Outras formas de leitura
linguagens?
Na escola, de um modo geral, aproveitamos
pouco da leitura de imagens com que a criança
Com tudo isso, quero dizer que, se queremos convive desde pequenininha em nossa sociedade. A
que nossas crianças leiam e escrevam bem e se sociedade de consumo é rica em imagens que as
tornem, de fato, leitoras e produtoras de texto – o crianças desde muito pequena reconhecem e, dessa
que é uma meta importantíssima do nosso trabalho forma, lêem. Símbolos referentes a diferentes áreas
como professoras e professores –, é necessário que de informação vão sendo absorvidos e passam a
trabalhemos profundamente o desejo e o exercício fazer parte da vida diária e muita vezes não nos
da expressão por intermédio de diferentes damos conta de sua presença: os sinais de trânsito
linguagens: a expressão oral por meio de relatos, em seu vasto conjunto são um exemplo dessa
poemas e música, o desenho, a pintura, a colagem, o informação sem letras que fazemos todos os dias.
faz-de-conta, o teatro de fantoches, a construção Essa linguagem tem uma grande vantagem sobre a
com retalhos de madeira, com caixas de papelão, a linguagem oral e a escrita: sua compreensão
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a
representado (uma cidade inteira coberta de neve,
um caminhante em meio a um imenso deserto).
As imagens surpreendentes são, por exemplo,
f
as montagens (corpo de um animal e cabeça de
outro), fotografias de animais estranhos, as obras de
arte, as imagens alteradas por computador que
aparecem nas propagandas, as fotografias feitas de
² Esse trabalho com imagens é relatado pelo professor Danilo Russo (que trabalha numa escola da infância de Roma/Itália com uma turma
de crianças pequenas) em um artigo a ser publicado brevemente pela Junqueira e Marin Editora em livro que organizo com Ana Lúcia
Goulart de Faria.
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alguma atividade que o grupo está realizando e A participação da criança é essencial para o
que leva alguns dias (a organização de um passeio, aprendizado
uma receita de culinária, um assunto que a turma
está investigando) ; Ainda que as crianças falem muito, na escola,
de um modo geral, nós, professores e professoras,
algum combinado ou alguma regra etc. temos como tradição uma atitude bastante
autoritária em relação a manter silêncio. Somos
Pode acontecer também uma roda ao final do ainda, de maneira geral, mais autoritários e
dia, quando as crianças e a professora ou professor autoritárias quando se trata de decisões que
comentam as atividades do dia, combinam a envolvem a turma. Permitimos pouca ou nenhuma
continuidade de um trabalho, avaliam as atitudes participação das crianças, seja nas decisões, seja no
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conhecimento daquilo que preparamos e atividades escolares pensadas pela professora e pelo
planejamos para cada dia. Isso acontece porque nos professor para preencher o tempo da criança na
ensinaram que as crianças não sabem tomar escola. Para aqueles que partilham desse modo d
decisões, ter iniciativa, resolver conflitos ou escolher pensar, o bom aluno é aquele que ouve e executa as
atividades. E o pior de tudo é que nos ensinaram que tarefas que o professor ou a professora propõe.
as crianças não sabem e não são capazes de aprender
nada disso.
Hoje, no entanto, aprendemos com a teoria
de Vygotsky que, se a criança não sabe, ela é capaz de
aprender muita coisa que até pouco tempo atrás
julgávamos impossível na idade pré-escolar. Na
idade pré-escolar, a criança está formando sua
personalidade e sua inteligência e, para isso, precisa
exercitar todas as atitudes que julgamos importantes
para ela se tornar uma cidadã solidária e inteligente.
Isso implica dar voz e vez à criança, tratá-la como
alguém que, se não sabe, é capaz de aprender.
Agindo assim, respeitando a possibilidade de
aprender da criança e estimulando seu aprendizado e
desenvolvimento, resolvemos vários problemas ao
mesmo tempo:
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³ Para ver como é possível fazer isso na escola da infância, sugiro a leitura do texto de Antonio Gariboldi que se chama “As modalidades do
fazer educativo: a atividade negociada”, que está publicado no livro Avaliando a Pré-Escola: uma trajetória de formação de professores, organizado
por Egle BECCHI e Ana BONDIOLI, publicado pela editora Autores Associados de Campinas/SP em 2003.
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Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros, Greice Ferreira da Silva, Cassiana Magalhães Raizer
Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO, Curso de Pedagogia, Ourinhos, SP. Universidade Estadual de Londrina – UEL,
Curso de Pedagogia, Londrina, PR.
RESUMO
O presente artigo apresenta questões relacionadas à Educação Infantil, ancoradas na Teoria Histórico-
Cultural de Vygotsky, bem como ainda, nos estudos de Freinet, cujo aporte teórico vem subsidiando nossas
ações com as crianças pequenas. Pretendemos, nesse estudo, ressaltar as contribuições das técnicas
Freinet, as formas de registro e, ainda, as implicações no trabalho com as crianças pequenas. Objetivamos,
ainda, pensar em questões teóricas e práticas fundamentadas nos pressupostos teóricos da Pedagogia
Freinet e, alinhados à perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, discutir caminhos possíveis a uma educação
humanizadora. As técnicas Freinet possibilitam a realização de um trabalho na escola da infância voltado
para a apropriação das máximas qualidades humanas, enquanto as situações reais, vivenciadas por meio
dessas técnicas, ampliam o contato da criança com a cultura mais elaborada, com o professor e com seus
pares.
Palavras-chave: Educação Infantil. Técnicas Freinet. Registro.
ABSTRACT
This article presents issues related to Early Childhood Education, anchored in the Historic-Cultural Theory.
We also found, in studies of Freinet, contributions that have been subsidizing our work with young children.
We intend, through this article, highlight the work with the Freinet techniques, documentation forms and,
also, its implications in working with young children. We aim still think theoretical and practical issues
based on theoretical assumptions of Freinet Pedagogy aligned perspective Theory Historical-Cultural,
possible paths to a humanizing education. The Freinet techniques allow the realization of a work in
childhood school facing the appropriation of the highest human qualities, while the real situations
experienced by the techniques, expand the child's contact with the most elaborate culture, with the
teacher and with their pairs.
Keywords: Early Childhood Education. Freinet Techniques. Documentation.
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Mundial, em 1914, modifica seus planos, não lhe opressiva e tradicional) tornou-se agravante,
permitindo a conclusão deste último curso. fazendo com que Freinet se dispusesse a
Infelizmente a guerra lhe trouxe graves apresentar seus argumentos, criando o slogan
problemas de saúde, pois a absorção de gases Abaixo aos manuais escolares, em que
tóxicos afetou seus pulmões, enfraquecendo-o repugnava o isolamento da experiência prática no
fisicamente. Porém, segundo Sampaio (1994), a campo educacional, concepção esta, muito cara à
debilidade física não o impediu de retomar suas pedagogia tradicional. Diante disso, o educador
atividades voltadas para o âmbito educacional. francês aproveita os congressos para divulgar
No ano de 1922, é convidado para ir a suas ideias, entretanto, tal fato provocou a ira
Altona, perto de Hamburgo, na Alemanha. Na daqueles cujas ideias no âmbito político
ocasião, aproveita a oportunidade para atualizar- educacional divergiam das suas levando-os a
se bem como ainda apreciar o trabalho atacá-lo por meio de corte de verbas, entre
pedagógico que ali era garantido às crianças, com outros fatores que pudessem prejudicar o
a ausência de regras, castigos e de autoritarismo desenvolvimento de seu trabalho. (ibidem)
do professor. Ressalta-se, que essas observações Em 1933, em meio a uma briga acirrada
possibilitam-lhe refletir acerca do de ideários, sua escola, situada em uma classe
desenvolvimento de seu próprio trabalho. Assim, rural em Bar-sur-Loup, para onde pedira para ser
Freinet começa então a se envolver em várias transferido, é submetida a inquéritos até mesmo
atividades ligadas à educação, tornando-se, entre os textos impressos por suas crianças passam a
os anos de 1923 a 1925, colaborador na revista ser analisados, no intuito de se encontrar algo
Clarté do Partido Comunista. Em seus artigos, que comprovasse subversão em seu trabalho.
defendia a obrigatoriedade da escolarização a Destaca-se que mesmo com manifestações de
todas as crianças de 6 a 10 anos. (Ibidem) pais, sindicato e professores que o apoiavam,
Como marco de seu trabalho, no ano de ainda em 1933, Freinet foi abolido do ensino
1924, Freinet insere a imprensa no espaço público, assim deixa Bar-Sur- Loup. Depois de
escolar, fator esse que trouxe mudanças nas algum tempo, é chamado a retornar para Bar-
atitudes de professores e dos alunos frente a essa Sur-Loup, aldeia em que iniciara seu magistério.
experiência a qual propiciava uma nova forma de Contudo, não aceita o convite, justificando que
se pensar o processo da apropriação do não poderia se retirar e fazer regredir o
conhecimento. A disseminação desse novo olhar movimento.
sobre a pedagogia, que trazia consigo a Em 1935, começa em Vence (Alpes
relevância de formar o sujeito autônomo e Marítimos) uma escola livre, tida como a primeira
cooperativo, projeta Freinet como uma figura escola proletária particular. Nela, aprofunda e
proeminente no universo acadêmico, pois, a cria outras técnicas, amadurecendo suas
partir de então, começa a participar ativamente concepções sobre a educação do trabalho.
de congressos e, nos anos de 1925 a 1927, torna- (ibidem)
se referência internacional. Nesse período (1925), Alvo de muitas perseguições políticas e
conhece Élise, que, pelo seu olhar aguçado e ideológicas, Freinet é preso em 1940 e mandado
sensível por meio da arte, o ajuda a aprimorar para o campo de concentração de Var. Embora
suas técnicas. Casa-se em 1926. sua doença pulmonar se agravasse ainda mais, tal
Nesse tempo de efervescência, nasce o fato não o imediu de lecionar para seus
CEL (Cooperativa de Ensino Leigo), com o objetivo companheiros do exílio. Élise consegue libertá-lo
de ampliar não somente as publicações e, logo em seguida, ele se congrega à Resistência
referentes às concepções de Freinet – e a Francesa.
educação, como também propagar a fabricação e Sua militância em defesa da educação
difusão de novos instrumentos pedagógicos. direcionava suas práticas para a organização de
Como se não bastasse tantas atividades, o CEL uma pedagogia infantil sólida, voltada para a
realizava ainda, intercâmbios de circulares, atualidade social e política da época, e que
boletins e revistas infantis, desencadeando, aos deveria caminhar ao próprio sentido da vida.
poucos, a correspondência entre professores que Em 1950, a perseguição a Freinet volta a
tinham interesse em desenvolver a proposta se acentuar, sendo ele acusado de apresentar
freinetiana. uma proposta pedagógica a serviço da burguesia.
A oposição entre as correntes Diante desse cenário deixa o partido comunista e
educacionais (escola renovada e ativa e escola se defende das acusações, esclarecendo que o
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trabalho na escola deve ser visto não só como um da atividade na perspectiva da teoria, que precisa
meio didático, mas como uma prática ligada à ter sentido e significado para o sujeito.
vida e ao contexto histórico-social dos alunos. Portanto, o conceito de
Em 1956, passa a discutir intensamente atividade está
a quantificação de alunos por sala de aula lança, necessariamente ligado ao
inclusive, uma Campanha Nacional a respeito, conceito de motivo. Não
há atividade sem motivo, a
lutando para que o número de alunos em cada
“atividade não motivada”
classe não ultrapassasse a 25. Em 1966, aos 70 não é uma atividade
anos, falece na cidade de Saint Paul, em sua carente de motivo, sim
própria escola, deixando uma pedagogia baseada uma atividade com um
na essencialidade da vida humana. (ibidem) motivo subjetivo e
Freinet, por sua própria história de vida, objetivamente oculto.
em destaque a sua condição de saúde e sua luta (LEONTIEV, 1978, p. 82,
1
pela sobrevivência de seus ideários educacionais tradução nossa).
em pleno pós-guerra, torna-se defensor de uma
educação cuja espinha dorsal estivesse pautada Nesse processo, as funções
em uma metodologia que abarcasse a psicológicas superiores são desenvolvidas
cooperação e na atividade. Nessa perspectiva (linguagem, memória, imaginação, atenção,
freinetiana, a criança é sujeito das suas criatividade – formas psíquicas
aprendizagens e, no que concerne ao professor, desenvolvidas), as quais mantêm uma
ele assume o papel de mediador nesse processo. relação próxima com o desenvolvimento da
Sobre mediação, faz-se necessário
atividade guia da criança, que inicialmente é
esclarecer, segundo a teoria histórico-cultural,
estabelecida coletivamente, para que depois
apregoada por Vygostski (2007), que o homem
não nasce humano, torna-se humano por meio seja interiorizada. Segundo Barros (2014,
das suas apropriações dos bens materiais e não p.146) “É o nível atual de nossos
materiais produzidos pelas gerações ao longo da conhecimentos (a apropriação da cultura)
história. Esse processo dá-se pela relação entre o que contribui para esse processo”.
ensino e a aprendizagem e os homens sendo que Assim:
estes últimos apropriam-se do uso social dos Para essa promoção, as
objetos da cultura humana e dos produtos não- atividades a serem
materiais com a arte, a ciência, a filosofia. Dessa propostas na escola na
forma, a “internalização das atividades infância precisam ser
organizadas de forma
socialmente enraizadas e historicamente
intencional e que estejam
desenvolvidas constitui o aspecto característico em consonância com as
da psicologia humana; é a base do salto necessidades específicas
quantitativo da psicologia animal para a da criança, em cada
psicologia humana” (VYGOTSKY, 2007, p. 58). período de seu
Portanto, é possível afirmar que por desenvolvimento.
meio dessa apropriação o homem desenvolve (BARROS, 2014, p.146)
suas aptidões transformando a si mesmo e a sua
realidade. Nessa perspectiva, podemos Ao refletirmos sobre o caráter
compreender a mediação como um processo de humanizador de uma atividade pedagógica, ou
intervenção do homem nas atividades realizadas seja, aquela que leva o indivíduo a apropriação
por outros homens. Diante do exposto cabe dos bens materiais e não materiais faz-se
indagar sobre como a mediação configura-se na necessário considerar que as vivências a serem
dimensão pedagógica? No intuito de responder a oferecidas às crianças devem partir de suas
esse questionamento, inicialmente torna-se necessidades, e, a partir delas, por meio da
necessário compreender o conceito de atividade. mediação do professor, incutir nos alunos
Leontiev (1978), discípulo de Vigotski, afirma que
a necessidade é a condição fundamental da 1
“Por consiguiente, el concepto de actividad está
atividade, porém, só ela não basta, precisa “[...] necesariamente unido al concepto de motivo. No hay actividad sin
ser transformada em algo em si” (LEONTIEV, motivo; la actividad "no motivada" no és una actividad carente de
motivo, sino una actividad con un motivo subjetiva y objetivamente
1978), em motivos, essenciais para a concretude oculto”. (LEONTIEV, 1978, p. 82).
Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 14, n. 2, p.51-59 abr/jun 2017. DOI: 10.5747/ch.2017.v14.n2.h305
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objetivamente oculto” (LEONTIEV, 1981, p. 83, escolar, o jornal mural, a roda da conversa, a
tradução nossa).4 correspondência interescolar, o livro da vida, o
Nesse contexto, os professores têm o fichário, o álbum da turma e a aula-passeio para
papel de criar novos motivos e novas auxiliá-lo em seu trabalho pedagógico.
necessidades nas crianças, para que estas possam Na Escola Freinet, por exemplo, os
apropriar-se da cultura mais elaborada criada jornais não são imitações nem substitutos dos
pela humanidade ao longo da história. jornais de adultos, são produções originais,
Diante desses apontamentos, é possível cujos conteúdos atendem aos verdadeiros
pensar que a fusão dos contrários é a força interesses das crianças, tal como são expressos
motriz para que a aprendizagem ocorra que, para nos textos livres, e trazem como conteúdos
Freinet, orientado como era pelo materialismo, elementos da vida, de exteriorização do
“é o resultado de uma dialética permanente pensamento das crianças. Sua originalidade e
entre ação e pensamento que permitem a importância consistem numa seleção de textos
interpenetração entre a teoria e a prática” (ELIAS, produzidos e impressos pelas crianças e
2004, p. 49). agrupados numa encadernação especial para os
Em suma, pode-se dizer que Freinet, correspondentes, familiares, bem como a
durante sua vida, escreveu várias obras comunidade escolar.
discutindo suas próprias técnicas e temáticas, O jornal escolar deve ser realizado
como a psicologia, a política, a relação com os cumprindo todo o processo que o envolve. Com o
pais e a própria política educacional, além de ter passar do tempo, a escolha das notícias a serem
sido um importante militante em defesa de uma publicadas torna-se cada vez mais democrática,
educação com objetivos claros, direcionados à ou seja, as crianças passam a priorizar as que lhes
formação do sujeito autônomo, participativo e são mais interessantes. O registro por meio do
cooperativo. desenho, incorporado nas ilustrações das
No intuito de melhor compreendermos notícias, é uma atividade muito esperada pelas
a concepção freinetiana discutiremos, na sessão crianças.
subsequente, sobre suas técnicas pedagógicas, A roda da conversa é o primeiro
que por sua vez, trazem contribuições momento de reunião da turma. Nessa ocasião
importantes na forma de conceber o processo da cada aluno pode expressar-se livremente
apropriação do conhecimento pela criança. manifestando suas ideias, opiniões e
sentimentos. É também um momento em que se
2. As técnicas Freinet: formas de trabalho e suas planeja o dia, discutem-se os conteúdos a serem
implicações para a Educação Infantil trabalhados e se contam as novidades. A roda
Repensar as práticas pedagógicas, assim final propicia a avaliação das atividades realizadas
como as concepções de criança, desenvolvimento ao longo do dia, privilegiando o registro e a
humano e aprendizagem, torna-se essencial dado sistematização do aprendizado.
ao fato de que as concepções orientam o A correspondência interescolar ocorre
processo der ensino e de aprendizagem. durante todo o ano letivo, essa técnica permite a
Consequentemente, redirecionaremos a atual utilização dos diferentes tipos de linguagens para
concepção geral sobre a apropriação do que as crianças expressem e comuniquem suas
conhecimento, da cultura humana, inserida no ideias, vontades, curiosidades, estudos, para
espaço educacional. tanto, as crianças podem valer-se do desenho, da
A pedagogia Freinet se estrutura por música, da escrita, da poesia, da pintura, etc. A
um certo conjunto de técnicas indissociáveis que escrita e a leitura das cartas, são atividades
se concretizam pela organização cooperativa. A desafiadoras para as crianças, pois possibilitam-
sala de aula, nessa perspectiva, deve ser lhes a realização de constantes pesquisas e
compreendida como um espaço de diálogo, investigações sobre os fenômenos da natureza, o
escolhas e compartilhamento de conhecimentos. meio escolar, os lugares vizinhos, os bairros, o
Para tanto, o professor pode valer-se de meio familiar, o meio geográfico, entre outros. É
algumas técnicas de Freinet como o jornal ainda um veículo de divulgação dos álbuns e de
troca de informações com outras crianças sobre
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“La actividad no puede existir sin un motivo; la actividad “no os estudos em desenvolvimento. A
motivada” no entraña uma actividad privada de motivo, sino uma correspondência contribui para a apropriação da
actividad com um motivo subjetiva y objetivamente oculto”.
(LEONTIEV, 1980, p. 83).
linguagem escrita e oral pelas crianças, as quais
Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 14, n. 2, p.51-59 abr/jun 2017. DOI: 10.5747/ch.2017.v14.n2.h305
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possibilidades, ou seja, “[...] a criança exerce a trabalho, que é organizado de maneira a garantir
liberdade, mas arca com tudo o que ela que as crianças tenham vivências adequadas e
comporta: frustrações, limitações e necessidade necessárias desde a Educação Infantil. Concebe a
de organização para o desenvolvimento do criança como um sujeito capaz que, desde
trabalho” (SAMPAIO, 1994, p. 210). Nessa pequena estabelece relações com outras pessoas,
perspectiva, acredita-se que o objetivo essencial com o meio, com os objetos e com o próprio
da Educação Infantil seja criar nas crianças o conhecimento, apropriando-se dele. Enfatiza
desejo de comunicar-se, de saber, de expressar- Freinet: "À criança, sobretudo, era preciso dar o
se (exprimir-se) por diferentes linguagens. direito de viver plenamente como criança, sob
As experiências com as técnicas Freinet todos os aspectos. Era necessário respeitá-la para
cooperam com o processo de humanização das que pudesse desenvolver suas capacidades e sua
crianças na escola, o que implica garantir o personalidade, sem afastar-se de uma finalidade
direito à apropriação da cultura, aos bens social e humana mais ampla" (SAMPAIO, 1994,
culturais historicamente construídos pelo p.45).
homem. A escola tem um importante papel, que E essa condição de um meio melhor
é o de oferecer o acesso, como também o de poderá ser ampliada pelo trabalho do professor,
fazer com que as crianças se apropriem dos por meio da valorização daquilo que a criança é
conhecimentos, de forma que os transformem e, capaz de fazer. Quando registramos no jornal
consequentemente, modifiquem sua própria Freinet, por exemplo, e comunicamos aos demais
realidade. Por essa razão, aquilo que estamos fazendo, não só mostramos a
[...] só faremos educação importância do nosso trabalho como também
se deixarmos que cada valorizamos as produções das crianças.
criança realize a sua Freinet (1969), com a proposta da
própria experiência e imprensa escolar, na qual as crianças podiam
adquira os mecanismos
imprimir os textos produzidos por elas, com a
em estreita ligação com a
elaboração do seu
construção do Livro da Vida, narrando as
pensamento: de outro experiências e a vida das crianças na escola,
modo, ela desperdiça, em certamente colabora para o modo como
puro detrimento da sua pensamos a documentação hoje e pela
formação de homem, as importância que damos para a memória desse
horas mais preciosas da tempo da infância como essencialmente
sua existência. E forja o direcionado ao próprio reconhecimento da
instrumento da sua criança, em seu processo ativo, na atividade
escravização. (FREINET, pedagógica e na produção da sua própria história.
1977, p. 77).
Nesse sentido, o professor também precisa estar
envolvido, de maneira que a documentação seja
Desse modo, o registro que acompanha
vista de forma processual e reflexiva, em sua
de várias formas as técnicas de Freinet torna-se
própria formação.
fundamental, pois possibilita, quando
Com do Livro da Vida, por exemplo, as
compreendido pelo educador em sua essência, a
crianças têm a possibilidade de guardar seus
reflexão e reestruturação de suas práticas
materiais, de organizar as suas vivências, de
pedagógicas, em outras palavras, tornam-se
relatar os acontecimentos e, com isso, a sua
peças de um processo de formação do docente
participação na escola é valorizada. Conforme
diante do seu próprio trabalho, que poderá
aponta Sampaio (1994), para Freinet, o Livro da
possibilitar às crianças outras vivências e, assim,
Vida era o lugar onde ficavam armazenados os
novos caminhos possíveis para a apropriação do
momentos das crianças, as anotações por quem
conhecimento.
desejasse e, ainda, pelo próprio Freinet. Nesse
material, as crianças anexavam suas impressões,
3. Freinet – o registro como fonte de
registravam os lugares visitados, constituindo-se
documentação das vivências infantis
como um documento de articulação entre as
A Pedagogia Freinet, ao abarcar o
crianças e suas famílias.
conjunto das técnicas, dos princípios que a
Aprendemos com Freinet a registrar as
norteiam e as formas de registro, possibilita ao
ações das crianças como modo de incentivar a
professor planejar intencionalmente seu
livre expressão e, ainda, compartilhar as
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vivências, como vemos por meio das sua individualidade e de sua liberdade, torna-se
correspondências, com o objetivo de ampliar o um ser moral e histórico, assim como o
círculo de leitores e partilhar com outras crianças educador". A autora ressalta que "Exercer a
as vivências na escola e fora dela. igualdade de todos os homens não significa
Atualmente, compreendemos o registro aceitar a uniformidade, não significa que todos
como forma de valorizar as produções das tenham que pensar a mesma coisa, diante da
crianças e como um instrumento metodológico mesma situação" (NASCIMENTO, 1995, p.70).
e/ou avaliativo. De acordo com Sampaio (1994), Em se tratando do registro, quanto mais
Freinet afirmava que, "[...] para conhecer, avaliar, a produção demonstrar a identidade da criança,
ordenar e medir algo tão cambiante e fugidio maior será seu desejo em partilhar com os
como a alma da criança, precisamos de amplas outros, de mostrar o que fez, de apresentar suas
enquetes, baseadas em documentos precisos e experiências. Sabemos que, para comunicar aos
realizados em diversos meios e para diferentes outros, precisamos contar com o apoio do
idades" (SAMPAIO, 1994, p.50). professor, que orienta e medeia as ações das
Nesse sentido, voltamos o olhar para a crianças com seus pares e com a comunidade. O
importância do registro com o intuito de papel do professor para Freinet era o de "[...]
conhecer melhor cada criança, valorizar suas permitir que seus alunos tomassem decisões e
produções, acompanhar o vivido e, ainda, o que, acima de tudo, fossem responsáveis pelas
trabalho do professor. Para Madalena Freire5 atitudes assumidas [...]", valorizando assim, o
(1996), o registro é compreendido como ação de lugar e a responsabilidade do aluno. E, ainda,
descrever a prática e pensar sobre ela, acreditava que "[...] os professores não eram
apropriando-se da ação, de sorte a representar propriamente mestres, mas sobretudo guias,
um instrumento metodológico do professor, ao amigos e encorajadores de crianças que, tratadas
lado do planejamento, da observação e da dessa forma, vivem sempre felizes e confiantes"
reflexão. (SAMPAIO, 1994, p.64).
Assim, quando registramos, optamos Desse modo, o trabalho com a
igualmente por melhorar a nossa prática documentação, seja no Livro da Vida, na
enquanto professores e estamos dispostos a imprensa ou outra forma de registro, possibilita
refletir sobre o trabalho que realizamos com as também o aprimoramento do trabalho do
crianças pequenas. Dessa maneira, começamos a professor, no sentido de ampliar as suas ações
entender a importância do processo como com relação ao grupo de trabalho e,
acompanhamento das ações, como vivências em especialmente, na reflexão do trabalho realizado.
si, como possibilidade de interação com as O olhar do professor volta-se para a criança não
crianças e não apenas como produto final. apenas para aquilo que ela faz ou é capaz de
Certamente, essa liberdade poderia ser fazer sozinha, mas para como o professor pode
enfatizada nos dias atuais, por exemplo, na intencionalmente ampliar o contato da criança
escola da infância, na escolha das brincadeiras, com a cultura, mediar a relação da criança com
dos materiais que serão usados ou, ainda, outros grupos e colaborar para uma educação de
quando confeccionamos portfólios com as qualidade.
crianças, quando documentamos as suas Todo trabalho que desenvolvemos na
vivências, permitindo que manuseiem diferentes escola da infância dependerá da nossa
materiais e, sobretudo, tenham liberdade de intencionalidade docente, do que e de que como
escolher aquilo que irá ou não compor seu propomos. Se quisermos que nossas crianças se
portfólio ou outro modo de registro. Com os apropriem cada vez mais da cultura elaborada e
registros, podemos também compreender e ampliem suas qualidades humanas, precisamos
acompanhar a evolução dos desenhos da criança, organizar a escola da infância de maneira que
e as elas próprias podem avaliar a evolução dos atenda às especificidades das crianças e que as
seus traçados. reconheça como cidadãos que possuem seus
Para Nascimento (1995), o processo direitos garantidos, um dos quais é o de
educativo encontrado em Freinet engaja apropriar-se daquilo que o homem produziu e
corresponsabilidade: "[...] o aluno, consciente de produz, ao longo da história.
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Filha do educador Paulo Freire, professora e escritora.
Reconhecida nacionalmente por sua obra “A paixão de conhecer o
mundo”, publicada em 1983, e por diversos outros trabalhos.
Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 14, n. 2, p.51-59 abr/jun 2017. DOI: 10.5747/ch.2017.v14.n2.h305
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