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Governo do Estado do Amazonas

Wilson Miranda Lima


Governador

Universidade do Estado do Amazonas

André Luiz Nunes Zogahib


Reitor

Kátia do Nascimento Couceiro


Vice-Reitora

Secretaria de Estado de Educação e Desporto

Maria Josepha Penella Pêgas Chaves


Secretária de Estado de Educação e Desporto

Curso de Especialização Saberes e Práticas

Maristela Barbosa Silveira e Silva - Coordenadora Geral


Alcides de Castro Amorim Neto - Coordenador Pedagógico
Cláudio Barros Vitor - Coordenador Pedagógico
Carlos Renato Rosário de Jesus - Coordenador Pedagógico
Jorge de Menezes Rodrigues - Coordenador Pedagógico
Jeiviane dos Santos Justiniano - Coordenadora Pedagógica
Kelly Christiane Silva de Souza - Coordenadora Pedagógica
Meire Terezinha Silva Botelho de Oliveira - Coordenadora Pedagógica
Otávio Rios Portela - Coordenador Pedagógico
Roberto Sanches Mubarac Sobrinho - Coordenador Pedagógico

Anni Marcelli Santos de Jesus Samara Nina


Gilson Allefy Projeto gráfico e diagramação
Jamerson Eduardo Reis
Revisão
Tópicos especiais
em alfabetização
e letramento

Silvana Andrade Martins


Lucila Bonina

Universidade do Estado do Amazonas


Escola Normal Superior
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Curso de Especialização Saberes e Práticas para a


Docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental:
Língua Portuguesa e Matemática
Sumário

4 Apresentação

7 Plano de ensino

11 Orientações gerais sobre as atividades

Unidade 1
15 A integração das abordagens teóricas psicogênese
da escrita e consciência fonológica no processo de
alfabetização e letramento na perspectiva da BNCC
e RCA
16 Texto base
40 Textos/vídeos complementares

Unidade 2
41 Consciência fonêmica: a relação entre som e letra na
aprendizagem do sistema da escrita ortográfica
42 Texto base
61 Textos/vídeos complementares

Unidade 3
62 Ensinar a ler e formar leitores: estratégias de
desenvolvimento das competências e habilidades
leitoras na alfabetização
63 Texto base 1
81 Texto base 2
88 Textos/vídeos complementares

Unidade 4
89 Letramento literário na sala de aula
90 Texto base 1
99 Texto base 2
108 Texto base 3
118 Textos/vídeos complementares
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APRESENTAÇÃO

É preciso saber como o


aluno aprende para ensinar melhor.

Esse pensamento foi explicitado por Artur Gomes de Moraes, um dos


grandes nomes da atualidade no campo da alfabetização e letramento, autor
do livro Consciência fonológica na educação infantil e no ciclo de alfabetização
(2019), quando entrevistado pela pedagoga Clarissa Pereira, formada de
professores através das mídias digitais. Replicamos aqui esse pensamento
de Moraes para nos guiar na proposta de ensino que trazemos para esta

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
disciplina Tópicos especiais em alfabetização e letramento.
O objetivo dessa disciplina é discutir conceitos fundamentais sobre
a alfabetização e letramento e implementar práticas de ensino e de
metodologias para o ensino de Língua Portuguesa voltadas para o 1º ano
do Ensino Fundamental Anos Iniciais, fundamentado nos Eixos de Ensino
prescritos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017, e pelo
Referencial Curricular Amazonense (RCA), de 2019.
Sabemos que a BNCC define que a alfabetização das crianças deverá
ocorrer até o segundo ano do ensino fundamental, com o objetivo de
garantir o direito fundamental de aprender a ler e escrever. O RCA, por
sua vez, orienta a implementação da BNCC no âmbito do Sistema de Ensino
do Estado do Amazonas.
Aos professores dos Anos Iniciais, do primeiro e segundo anos,
especialmente, cabe essa “missão” de orientar, mediar, conduzir os alunos
neste processo de desenvolvimento de competências e habilidades de
escrita e de leitura. Diante disso, nessa disciplina, selecionamos os conceitos
e metodologias do ensino de Língua Portuguesa, que são essenciais na ação
pedagógica, na formação continuada do professor, os quais são:
• Unidade I – A integração das abordagens teóricas psicogênese da
escrita e da consciência fonológica no processo de alfabetização e
letramento na perspectiva da BNCC e RCA.
Texto base – PICCO, Paula. A importância da consciência fonológica
no processo de alfabetização com a utilização de recursos
tecnológicos. 2020. p. 05 - 38.
Leituras/vídeos indicados :
BIGOCHINSKI, Elenita; ECKSTEIN, Manuela Pires Weissböck. A importância do
trabalho com a consciência fonológica para a aprendizagem da leitura e da escrita.
Revista Eletrônica do Curso de Pedagogia das Faculdades OPET, p. 44-67, 2016.
LOPES, Flavia. O desenvolvimento da consciência fonológica e sua importância para
o processo de alfabetização. Psicologia escolar e educacional, v. 8, p. 241-243, 2004.
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GONTIJO, Cláudia Maria Mendes; COSTA, Dania Monteiro Vieira; PEROVANO, Nayara
Santos. Alfabetização na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Pro-Posições,
v. 31, 2020. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0110.
CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. Alfabetização e letramento
na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora: Ceale, 2008. Ebook.
Vídeo: 4 atividades de consciência fonológica usando apenas um recurso. Clarissa
Pereira. https://youtu.be/1oMwfSPagx8.
Live: Psicogênese da língua escrita: como a criança aprende a escrever? https://
youtu.be/FIJddCq8Gs44. 57 min.

• Unidade 2 – Consciência fonêmica: a relação entre som e letra na


aprendizagem do sistema da escrita ortográfica.
Texto base – JESUS, Carlos Renato R. de; MARTINS, Silvana A;
MARTINS, Valteir. Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa
Curso de Letras (modalidade presencial mediado por tecnologia).

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Universidade do Estado do Amazonas, Manas: Edições UEA. p. 39 – 55.
Leituras/vídeos indicados :
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. 10ºed. São Paulo: Scipione, 2001.
FARACO, Carlos Alberto. Linguagem escrita e alfabetização. São Paulo: Contexto, 1992.
DILTS, Robert Brian. A estratégia de soletração PNL. Disponível em: https://golfinho.com.
br/print/artigo/a-estrategia-de-soletracao-da-pnl.htm. Data da publicação: 20.01.2004.
João N. Carvalho e outros educadores falam sobre a importância da PNL na Educação:
PNL é aliada no combate ao analfabetismo funcional [Entrevista concedida ao
Portal Golfinho de PNL] Disponível em: https://golfinho.com.br/joao-n-carvalho-e-
outros-educadores-falam-sobre-a-importancia-da-pnl-na-educacao.htm
Apostila de Neurolinguística Aplicada à educação. Disponível em: http://www.
rbenche.com.br/intranet/upload/apostilaprogramacaoneurolinguistica.pdf.

• Unidade 3 – Ensinar a ler e formar leitores: estratégias de


desenvolvimento das competências e habilidades leitoras
na alfabetização
Texto base – BATISTA-SANTOS, Dalve Oliveira; DA CRUZ FERREIRA,
Aliriany Alves. Concepções de leitura e de linguagem: implicações na
formação e no desenvolvimento do leitor proficiente. Humanidades &
Inovação, v. 4, n. 2, 2017. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.
php/humanidadeseinovacao/article/view/238. Acesso em 03/10/22.
SOUZA, Renata Junqueira; COSSON, Rildo. Letramento literário:
uma proposta para a sala de aula.  Caderno de Formação:
formação de professores, didática de conteúdos. São Paulo: Cultura
Acadêmica, v. 2, p. 101-10, 2011. https://acervodigital.unesp.br/
bitstream/123456789/40143/1/01d16t08.pdf. Acesso em 03/10/22.
Leituras/vídeos indicados :
GARCIA, Juliana. Resumo do livro “Estratégias de eleitura”, de Isabel Solé. YouTube,
data da publicação: 05.04.2021. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=sa0k-rJVmZw.
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SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura-6. Penso Editora, 2015.


PIETRI, Émerson de. Práticas de leitura e elementos para a atuação docente. 2007

• Unidade 4 – Letramento literário na sala de aula


Texto base – STOPA, Rafaela; BOBERG, Hiudéa TR. Análise de Propostas
Metodológicas Para o Ensino de Literatura. Anais do CELLI–Colóquio
de Estudos Linguísticos e Literários. Maringá, p. 832-839, 2009.
Leitura para fruição e letramento literário: desafios e possibilidades na
formação de leitores. SILVA, Antonieta; SILVEIRA, Maria Inez. Artigo.
Anais. VI EPEAL. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=
j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjr3dPe
08v6AhX5p5UCHbIqD-sQFnoECAUQAQ&url=https%3A%2F%2Fxdocs.
com.br%2Fdoc%2Fletramento-literario-na-escolaantonieta-silvamaria-
silveira-6nw1wjrgrp81&usg=AOvVaw1zTtwRe2yhbpfooYSAORlU

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Remate de
males, 1999. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/
index.php/remate/article/download/8635992/3701/.
Leituras/vídeos indicados:
Janelas Literárias. Leituras sobre letramento literário: lendo Rildo Cosson –
introdução. Data da publicação: 30.04.2022. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=rmzBVKBMZbQ.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. Editora Contexto, 2007.
BALDI, Elizabeth. Leitura nas séries iniciais: uma proposta para formação de
leitores de literatura. Porto Alegre: Projeto, 2009.
SARAIVA, Juracy Assmann; MÜGGE, Ernani. Literatura na escola: propostas para
o ensino fundamental. Artmed Editora, 2006.
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Plano de ensino

Curso:
Especialização Saberes e Práticas para a Docência nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental: Língua Portuguesa e Matemática
Datas: 3, 10, 17 de dezembro e 7 de janeiro | Ano: 2022 e 2023
Componente curricular:
Tópicos especiais em alfabetização e letramento
Professoras:
Dra. Silvana Andrade Martins e Me. Lucila Bonina
Carga horária total: 40h | Teórica: 30h | Prática: 10h

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Ementa:
Estudo de conceitos e práticas de metodologias para o ensino de Língua
Portuguesa voltadas para o 1º ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais,
fundamentado nos Eixos de Ensino prescritos pela BNCC e pelo RCA.
Objetivos:
Possibilitar o exercício de práticas de ensino e de metodologias para o ensino
de Língua Portuguesa voltadas para o 1º ano do Ensino Fundamental Anos
Iniciais, fundamentado nos Eixos de Ensino prescritos pela BNCC e pelo RCA.
Conteúdo programático:
Apresentação do componente curricular: Tópicos
especiais em alfabetização e letramento
Silvana Andrade
- Ementa, objetivos, metodologia, avaliação e bibliografia.
03/12 Martins e
UNIDADE I – A importância dos conceitos psicogênese da Lucila Bonina
escrita e consciência fonológica para a alfabetização
e letramento.
Silvana Andrade
UNIDADE II – Consciência fonêmica e sua importância
10/12 Martins e
nas práticas de ensino da escrita ortográfica.
Lucila Bonina
UNIDADE III – Literatura e Estratégias de Lucila Bonina e
17/12 Desenvolvimento das Competências e habilidades leitoras Silvana Andrade
na alfabetização. Martins

Lucila Bonina e
07/01 UNIDADE IV – Letramento literário na sala de aula. Silvana Andrade
Martins

Procedimentos metodológicos:

As atividades deste componente curricular serão desenvolvidas pelo


Sistema Presencial Mediado por Tecnologia (aulas ao vivo transmitidas do
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estúdio da UEA para as turmas nos municípios do Estado). Essas atividades


envolverão leitura analítica de textos; diálogos problematizadores;
apresentação de dinâmica local; produção escrita individual e coletiva;
interatividade com as turmas para esclarecimento de dúvidas e orientações
sobre o estudo dos textos, além de explanação do roteiro para produção
dos trabalhos a serem desenvolvidos pelos(as) professores(as) cursistas.

Avaliação:
A avaliação, baseada em uma metodologia formativa, será realizada no decorrer
do processo, enfatizando-se o estudo do material didático como pré-requisito
para: participação nas aulas por meio de debates, questionamentos durante
a interatividade; outras atividades individuais/coletivas em sua turma local e
produção das atividades avaliativas, conforme orientações que constam neste
plano de ensino. A avaliação das atividades individuais e coletivas atenderá
aos seguintes critérios: seguir as orientações para a atividade, bem como a

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
criatividade no envolvimento da experimentação docente.

Primeira atividade: No primeiro momento, deverá assistir ao vídeo indicado nas


referências da Unidade I (ver Apêndice A). Após isso, em um segundo momento,
deverá produzir um baralho com fotos ou figuras para trabalhar a consciência
fonológica. Na sequência, deverá elaborar uma produção escrita explicando uma
ou mais estratégias de desenvolvimento da consciência fonológica, que poderá
ser realizada utilizando esse baralho. Também há a opção de gravar um vídeo
demonstrando essa técnica de ensino. Finalize, compartilhando com toda turma
o material produzido e como será utilizado. A atividade poderá ser realizada de
forma individual ou coletiva. (valor: de 0,0 a 5.0 pontos).

Segunda atividade: O/A cursista deverá selecionar 5 textos produzidos


espontaneamente por alunos do primeiro ou do segundo anos das séries
iniciais para realizar uma análise do desenvolvimento de cada aluno
quanto à aquisição ortográfica. Essa análise consistirá da identificação
e classificação dos desvios ortográficos, seguida da explicação do porquê
do aluno ter escrito desse modo. Depois deverá selecionar o tipo de desvio
mais frequente nesses textos e preparar um cartaz (ou slide) para ensinar
a ortografia da(s) palavra(s) selecionada(s), por meio das estratégias
da Programação Neurolinguística (PNL). Na elaboração do material de
aplicação, explorem o visual da escrita dessas palavras, empregando
imagens, cores, movimento, destacando a letra cuja escrita pretendem
enfatizar. Por fim, compartilhe os resultados com a turma, numa roda de
conversa. (valor: de 0,0 a 5.0 pontos).

Terceira atividade: (valor: de 0,0 a 5.0 pontos). O cursista deverá assistir


ao vídeo ESTRATÉGIAS DE LEITURA I Isabel Solé Resumo do livro, indicado
na Unidade III. Em seguida, proceder a leitura do Texto base 2 da unidade,
especialmente a seção 3 do texto. Com base nessas leituras, elaborar um
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Plano de Aula (ou Sequência Didática, ou Oficina de Leitura, conforme


o enfoque metodológico que escolher seguir), com objetivo de ensinar
estratégias de leitura para uma turma de 1º ano do ensino fundamental,
tendo como objeto de leitura o texto selecionado (anexado abaixo). São
elementos imprescindíveis no trabalho:
- Indicar qual/quais estratégias de leitura serão ensinadas;
- Descrever as atividades/ações que serão feitas pelo professor e pelos
alunos antes, durante e depois da leitura do texto;
- Como avaliará a produção de sentido ou interpretação construída pelos
seus estudantes.
(valor: de 0,0 a 5.0 pontos)

Quarta atividade: Em trios, os estudantes deverão produzir um podcast

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
com duração entre 7 e 12 minutos cujo tema seja: Leitura de literatura nos
anos iniciais. O grupo é livre para criar o roteiro do episódio imaginando
como público-alvo professores em formação. Como requisito mínimo de
conteúdo, devem observar que no roteiro conste:
• ao menos um conceito ou conteúdo trabalhado na disciplina;
• um relato de experiência ou uma relação direta com a prática
pedagógica de vocês;
• um texto (ou trecho) de texto literário
Depois de prontos, os trabalhos serão trocados entre os grupos. Ao
receber o podcast do outro grupo, escutem-no com empatia, atenção e
respeito e escrevam um parágrafo de apreciação elogiando os pontos
positivos do trabalho do grupo e apontando algum ponto a melhorar.
Este parágrafo de apreciação também compõe o trabalho de vocês e
deve ser entregue ao professor(a).
Em anexo, encontrarão um texto com algumas informações sobre o gênero
podcast para orientá-los.
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Bibliografia
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e Cultura. v. 24, n.
9. São Paulo: 1972.

CARVALHO, Maria Angélica Freire de. MENDONÇA, Rosa Helena (orgs.). Práticas de leitura
e escrita. Brasília: Ministério da Educação, 2006.

CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. Alfabetização e letramento na


sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora: Ceale, 2008.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo, Contexto, 2006

FERREIRO, Emilia. Psicogênese da língua escrita. 20. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MENDONÇA, M. R. S.; Leal, Telma Ferraz; SANTOS, C. F.; XAVIER, Antônio Carlos dos
Santos. Alfabetização e letramento: conceitos e relações. (Guia didático do livro). Belo
Horizonte - MG, 2005.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
SARAIVA, Juracy Assman; MÜGGE, Ernani; et al. Literatura na escola: propostas para o
ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2010.


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Orientações gerais sobre as atividades avaliativas


Componente curricular:
Tópicos especiais em alfabetização e letramento
Professoras:
Dra. Silvana Andrade Martins e Me. Lucila Bonina
Texto para terceira atividade

Natureza / Árvores

Quais produtos são feitos das árvores?


Cheias de frutos, folhas e substâncias incríveis, as árvores têm diversas

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
utilidades para os seres humanos

Maria Carolina Cristianini Publicado em 13/03/2020, às 14h00


- Atualizado em 01/03/2022, às 12h00

https://recreio.uol.com.br/noticias/natureza/quais-produtos-sao-feitos-das-arvores.phtml

As árvores estão entre os seres vivos mais antigos da Terra: as


primeiras surgiram há aproximadamente 1 bilhão de anos. Elas se
adaptaram a diferentes condições e estão em todos os lugares, de cidades
a florestas. E, além de serem essenciais para manter o ambiente da Terra,
fornecem diversos produtos para a gente.
Quase tudo em uma árvore tem utilidade: elas nos dão alimentos,
material para construção, substâncias para várias áreas da indústria e
até o papel de livros e revistas.
Várias camadas formam a madeira que sustenta uma árvore. E cada
pedaço tem substâncias diferentes, com aplicações variadas. A madeira é o
produto principal das árvores, usado para fazer móveis e nas construções
de edifícios e casas. A celulose, extraída da polpa da madeira, serve para
fazer papel, celofane e alguns tipos de colas.
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A goma está presente em produtos que contém borracha, como


gomas de mascar, e a resina é aplicada na fabricação de vários tipos de
sabão, verniz e adesivos. Já a seiva está nas famosas caldas doces que os
canadenses e norte-americanos adoram comer com panquecas, e também
dá origem a doces como marshmallows.
A casca é a parte exterior do tronco e protege a árvore de insetos,
perda de água e bruscas mudanças de temperatura. E ainda pode ter
uma utilidade especial: na espécie chamada de sobreiro, a casca produz
a cortiça que forma rolhas de bebidas e quadros de aviso.
Com formatos variados, as folhas são parte essencial para a árvore
fazer fotossíntese, produzir seu próprio alimento e gerar oxigênio para o
ambiente. Para nós, a utilidade vai além, pois as folhas são ricas em fibras
aplicadas na fabricação de produtos como cordas.
As flores possuem uma grande variedade de substâncias usadas
em cosméticos e tratamentos de saúde. É o caso da flor da laranjeira,
que rende óleos cheirosos, também usados como calmantes naturais.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Limão, goiaba, manga e uma infinidade de frutos são consumidos do
jeito que nascem nas árvores. Outros precisam de um preparo especial,
mas quase sempre há forma uma aproveitá-los. É o caso, do cacau, que
dá origem ao chocolate.

FONTE: https://recreio.uol.com.br/noticias/zoo/8-animais-que-vivem-sob-a-terra.phtml
Novas tecnologias educacionais 13

Texto para terceira atividade

TRABALHANDO COM O PODCAST

Os arquivos em áudio podem ser produzidos como parte das atividades dos alunos,
que vão desenvolver sua criatividade, oralidade e trabalho colaborativo.
O podcast é uma ferramenta que resgata a oralidade, inspira criatividade e é usado
cada vez mais por professores e alunos. O fato de estar ganhando mais ouvintes
todos os dias e alcançar também as escolas têm a ver com seu potencial para
desenvolver habilidades cognitivas, além de acrescentar muito ao fazer pedagógico.
O podcast é um arquivo de áudio ou vídeo em formato digital que é transmitido
pela internet – e funciona basicamente como um rádio digital. Você pode baixar o
arquivo no seu computador ou celular para ouvir quando quiser, seja no trajeto a
pé para a escola, no ônibus, no trem ou metrô voltando para casa. Diferentemente
de outros formatos de conteúdos, que fazem uso de textos, imagens e vídeos, o
podcast é feito para ser ouvido, por isso pode ser consumido enquanto você realiza

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
outra atividade. Em cursos, muitos professores fazem uso do podcast para dar
aulas e depois discutir o conteúdo com os alunos de forma presencial.
Na escola, a produção e uso representam uma oportunidade de aproveitar recursos
que temos nas mãos para dar mais sentido às aulas por intermédio da gravação e
audição, dando voz aos alunos e permitindo que desenvolvam seu protagonismo,
dando sentido à aprendizagem e tornando-a mais efetiva.

Como criar podcasts na escola

Uma maneira de criar um podcast é utilizar o software livre e gratuito audacity. Essa
ferramenta pode ser baixada e trabalhada no formato offline, ou seja, sem precisar
de conexão com a internet. Esse programa permite edição, cortes, mixando vozes
e músicas, além de ser interativo e bem intuitivo.
Outra possibilidade são os aplicativos de gravação de voz dos próprios aparelhos
celulares, que permitem gravação e edição. Além disso, os arquivos gerados podem
ser guardados em drives. Outra oportunidade de uso é o Spreaker, um site em que
os alunos podem criar os podcasts diretamente nesse domínio.
A sequência de criação do podcast segue em geral a seguinte ordem:
1. Escolha um tema para seu podcast
Você pode explorar o currículo e escolher um ponto para que os alunos explorem em
podcast. É importante delimitar o foco para que eles não se percam tentando explorar
muitos assuntos diferentes. Isso evita que o podcast fique confuso e cansativo.
OBS: Para este trabalho o tema está escolhido: Leitura de
literatura nos anos iniciais, com a exigência de que o roteiro do
podcast contemple, entre outras coisas possíveis, os tópicos:
• ao menos um conceito ou conteúdo trabalhado na disciplina;
• um relato de experiência ou uma relação direta com a prática pedagógica
de vocês;
• um texto (ou trecho) de texto literário
Novas tecnologias educacionais 14

2. Defina os participantes do podcast


Você pode trabalhar com os alunos em grupos para que eles desenvolvam o
trabalho colaborativo e de forma criativa. Eles podem definir quem vai falar
ou mesmo se vão entrevistar outras pessoas fora do grupo.
3. Crie o roteiro para tratar do tema
Antes de começar a gravar, explique aos alunos que eles precisam escrever
o que vão gravar e em qual ordem. Isso vai ajudar a organizar o pensamento
e evitar os famosos “brancos”, que acontecem mesmo com quem sabe se
expressar muito bem.
OBS: Para este trabalho não é necessário escrever tudo
o que irão falar, mas é preciso fazer um esquema da
organização das ideias/conteúdos a serem apresentados.
4. Faça o ensaio para a gravação

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Ainda que a ansiedade seja grande, reforce junto aos alunos a necessidade de ensaiar
antes da gravação. Com isso, eles vão perceber os possíveis problemas no roteiro. E
vão treinar sua oralidade, controlar se falam muito rápido ou muito devagar.
5. Faça a gravação em um ambiente com pouco ruído
É importante dizer aos alunos que a gravação deve ser feita inicialmente em
uma sala ou espaço controlado, para evitar distrações. Com o tempo, eles vão
perceber outros pontos e se sentir mais à vontade para se expor diante dos
amigos. Isso também vai ajudar a facilitar a edição.
6. Edite seu podcast
Após gravar o podcast, é preciso fazer a edição. Aproveitando os programas
disponíveis ou mesmo os recursos do celular, os alunos podem aproveitar e
retirar os trechos que não ficaram bons.
OBS: Devido às condições de realização do nosso curso e ao
tempo disponível para a realização do trabalho, a edição do
podcast não terá um peso importante na determinação da
nota em detrimento do conteúdo. Façam o melhor que for
possível com os recursos técnicos que tiverem.
7. Publique seu podcast
Depois da edição, o podcast está pronto para ser publicado. Na escola, você pode
aproveitar um computador ou mesmo celular para apresentar os podcasts e
depois convidar a sala para uma reflexão.
OBS: Para este trabalho, inicialmente a “publicação” do podcast
acontecerá por envio direto entre os grupos que deverão fazer
escrever a apreciação uns dos outros. Mas em outro momento,
a turma pode pensar em disponibilizar em um drive de acesso
a todos ou no grupo de comunicação da turma.
Texto baseado no original “Chegou a hora de inserir o podcast na sua aula”, de Débora
Garofalo, disponível em https://novaescola.org.br/conteudo/18378/chegou-a-hora-
de-inserir-o-podcast-na-sua-aula
unidade 1
A integração das abordagens teóricas psicogênese
da escrita e consciência fonológica no processo
de alfabetização e letramento na perspectiva da
BNCC e RCA

Texto base
Leituras/vídeos indicados
Novas tecnologias educacionais 16

Texto base

A IMPORTÂNCIA DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO


PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO COM A UTILIZAÇÃO
DE RECURSOS TECNOLÓGICOS
Paula PICCO

RESUMO
A alfabetização é um pilar fundamental para o desenvolvimento pleno das crianças, é um
processo de suma importância para o professor alfabetizador. De acordo com a BNCC, a
criança no 1º ano tem a compreensão do princípio alfabético e no 2º, passa a ter mais
contato com pontuação e a regularidade ortográfica. Com base nessa variabilidade esta
pesquisa tem como objetivo conceituar a alfabetização, analisar a construção das hipóteses

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
da escrita ao mesmo tempo em que entram em contato com textos reais e conceituar a
função social de cada uma correlacionando entre a consciência fonológica, a leitura e a
escrita. Toda essa análise partirá de uma pesquisa qualitativa e bibliográfica, buscando
conhecimentos para analisar não só a importância da aquisição do sistema alfabético-
ortográfico, mas também a fim de mostrar a importância da consciência fonológica para
o desenvolvimento da criança em fase de alfabetização. Durante o processo, pretendemos
investigar de que forma os recursos digitais ou plataformas podem auxiliar no processo
de alfabetização (consciência fonológica), a fim de desenvolver habilidades em manipular
os sons das letras para construção de novas palavras.
Palavras-chave: Alfabetização. Consciência fonológica. BNCC. Recursos tecnológicos.

ABSTRACT
Literacy is a fundamental pillar for the full development of children. It is an important
process for the literacy teacher. According to the BNCC, children in the 1st year understand
the alphabetical principle, however during the 2nd year, they have more contact with
punctuation rules and orthographic regularity. Based on this variability, this research aims
to conceptualize literacy, analyze the construction of writing hypotheses concomitantly
to the student contact with real texts, and conceptualize the social function of each one
correlating to phonological awareness, reading and writing. All of this analysis will start
from a qualitative and bibliographic research, searching for knowledge to analyze not
only the importance of acquiring the alphabetical-orthographic system, but also in order
to show the importance of phonological awareness for the development of children in
the literacy phase. During this process, we intend to investigate how digital resources or
platforms can assist in the literacy process (phonological awareness), in order to develop
skills to use the letters’ sounds to build new words.
Keywords: Literacy. Phonological awareness. BNCC. Technological resources.

1 Introdução

A temática a ser pontuada em suas diferentes vertentes na educação


ainda ocasiona polêmica no campo da alfabetização. A partir dos anos de
1980, as teorias da psicologia e da lingüística passaram a ser consideradas
Novas tecnologias educacionais 17

suportes para alfabetização, trazendo em sua forma de análise uma


mudança no foco do ensino em métodos de alfabetização para o foco na
aprendizagem do sistema de escrita alfabética pela criança, compreendendo
então que esta é a representação dos sons da língua.
De acordo com o decreto nº 9765 de 11/4/2019, que instituiu a política
nacional de alfabetização, são definidas em linhas gerais ações relacionadas
à alfabetização, estabelecendo seis componentes essenciais, dentre esses,
dois deles são: a consciência fonêmica e a instrução fonêmica sistemática.
Dentro deste cenário de alfabetização, o último grande salto se deu com
a evolução do uso dos recursos tecnológicos, visto que, hoje, é considerado
um forte aliado para auxiliar no processo de descoberta do mundo da leitura
e da escrita.
A partir destas considerações, pretende-se estudar de que forma
os recursos digitais ou plataformas podem auxiliar no processo de
alfabetização (consciência fonológica), a fim de desenvolver habilidades

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
em manipular os sons das letras para construção de novas palavras.
É de conhecimento que a fase de alfabetização é um dos momentos
mais desafiadores e repleto de descobertas para os alunos. Esse é um
processo imprescindível e que garante a seqüência da aprendizagem.
Conforme a BNCC, a criança precisa aprender a ler e desenvolver a escrita
construindo sentidos coerentes para textos orais e escritos.
Para isso, os recursos tecnológicos vêm sendo cada vez mais passíveis
no desenvolvimento de um novo paradigma educacional, oportunizando
uma nova leitura ao que se tinha como eixo norteador da leitura e da escrita.
Segundo a BNCC, utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação
de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do
cotidiano (incluindo as escolares) ao comunicar, acessar e disseminar
informações, faz com que o indivíduo seja mais perspicaz em produzir
conhecimentos e resolver problemas.
Devido a essa magnitude, enfatiza-se a importância desta pesquisa que
contribui, diretamente, para estudos e mudanças de estratégias que auxiliarão
na aquisição do sistema de escrita alfabética. Além disso, ela objetiva explorar o
uso de recursos digitais para desenvolver a capacidade de segmentar de modo
consciente as palavras em suas menores unidades; apropriando-se assim da
linguagem escrita (codificação e decodificação de sinais).
É fundamental se propor um trabalho sistemático envolvendo a
consciência fonológica, identificando e comparando palavras semelhantes
e diferentes das sílabas iniciais, mediais e finais, garantindo assim a
ludicidade necessária por meio do uso dos recursos digitais.
Estudiosos serão à base da pesquisa a fim de revelar e comprovar
que os recursos tecnológicos devem ser usados sim para desenvolver a
criatividade dos alunos. Além disso, suas pesquisas poderão auxiliar os
professores a aprimorarem a maneira de ensinar nesse novo contexto
histórico para que se adaptem aos novos tempos, atendendo a demanda
desta nova geração.
Novas tecnologias educacionais 18

2 REVISÃO DE LITERATURA

Para a constatação do que se apresenta nesse aspecto foram


pesquisados diferentes autores, que conceituam o processo de alfabetização
e suas hipóteses da escrita como forma de fundamentar o que de fato é
apresentado explicitamente ao longo do trabalho. Além disso, leva-se em
consideraçãoa influência da geração Z1 neste processo, uma vez que este
grupo se destinaàs crianças que estão em constante desenvolvimento e
evoluem de acordo com suas necessidades.
Outra tese abordada está relacionada ao conceito de consciência
fonológica e a visão da BNCC no processo de construção da leitura e da escrita,
incluindo autores que explanam sobre a importância dedesenvolver nas
crianças a consciência fonológica para melhor desenvolvimento na habilidade
de manipular os sons e as letras, preparando-as para iniciar a alfabetização.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
2.1 O QUE É ALFABETIZAÇÃO?

Para Emilia Ferreiro (1991), tradicionalmente, a alfabetização inicial


é considerada em função da relação entre o método utilizado e o estado
de maturidade ou de “prontidão” da criança. Os dois pólos do processo de
aprendizagem (quem ensina e quem aprende) têm sido caracterizados sem
que se leve em conta o terceiro elemento da natureza: a natureza do objeto
de conhecimento envolvendo esta aprendizagem.
Neste sentido, percebe-se que a alfabetização é um processo de
construção de conhecimento e, como tal, é desencadeada pela interação
permanente entre a criança e o objeto de aprendizagem. Segundo Paulo
Freire (1989) as crianças já estão imersas no processo de alfabetização
antes mesmo de entrar na escola. Diz ainda que o ato de ler não se esgota
na decodificação pura da palavra escrita, mas se antecipa e se alonga na
inteligência do mundo.
Partindo desse pressuposto entendemos que a partir do momento
que a criança ingressa na escola, o professor tem a função de conduzi-la
a vivenciar situações reais, uma vez que a alfabetização é um ato social e
tem uma função comunicativa dentro do contexto social.
Subentende-se que a alfabetização então consiste em aprender as letras do
alfabeto e de sua utilização como código de comunicação, ou seja, a apropriação
do sistema de escrita pressupõe a compreensão do princípio alfabético,
indispensável no domínio da leitura e da escrita. Nesse contexto, a criança
desenvolve a habilidade de ler e escrever, proporcionando o conhecimento
das letras e a habilidade lingüística necessária para comunicação.
Já para Soares, a alfabetização é a aprendizagem da técnica, domínio
da escrita, da leitura e da relação que existe entre grafemas e fonemas, assim
como dos diferentes instrumentos da escrita. Pode-sedizer que alfabetização,
1 1TOLEDO, P. B. F.; et al. O Comportamento da Geração Z e a Influência nas Atitudes dos
Professores. Simpósio de Excelência e Gestão em Tecnologia: anais. 9. Resende, 2012.
Novas tecnologias educacionais 19

além de representar os sons emletras na escrita e representar as letras em


sons na leitura, auxilia as crianças a codificar e decodificar os símbolos, para
então processar e compreender o código escrito. Soares explica que:

“[...] no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e


psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança no mundo
da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela
aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização –
e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e escrita, práticas sociais que envolvem a língua
escrita – o letramento(SOARES, 2004, p.14).

Esse processo vai além da decodificação e codificação dos símbolos,


em que não se basta somente adquirir habilidades mecânicas, é necessário
desenvolver a habilidade de interpretar, compreender, criticare produzir
o conhecimento. Por essa razão, o processo de aquisição da leitura e da

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
escrita se faz necessário por meio da apropriação do sistema alfabético-
ortográfico, num contexto do letramento (práticas de leitura e escrita com
práticas sociais) que envolva a língua escrita.
Para Morais:

“[...] a aprendizagem dessas regras e convenções do alfabeto não


é algo que se dá da noite para o dia, nem mera acumulação de
informações que a escola transmite, prontas para o alfabetizando,
mas por um percurso evolutivo em que os aprendizes precisam
dar conta de dois tipos de aspectos do sistema alfabético: os
conceituais e os convencionais(MORAIS, 2012, p.48 -50).

Pode-se entender então, que a alfabetização, é a aquisição de uma


tecnologia: o sistema alfabético-ortográfico. Para isso, é necessário conhecer
o sistema de regras da escrita para compreender o que é lido e transmitir
com clareza as ideias, de modo que as pessoas compreendam o texto.
Pode-se dizer ainda que é um processo pelo qual se adquire o domínio
de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja,
o domínio da tecnologia, técnicas para exercer o domínio da escrita
interligados entre dois fatores.
Val (2006) define a apropriação da escrita como um processo complexo
e multifacetado, que envolve tanto o domínio do sistema alfabético-
ortográfico quanto à compreensão e o uso efetivo e autônomo da língua
escrita em práticas sociais diversificadas, embora seja difícil a concepção
da separação entre leitura e escrita
Freire (1989) já depreendeo conceito de alfabetização com um
significado mais abrangente na medida em que vai além do domínio do
código escrito. Enquantoa prática discursiva possibilita uma leitura crítica da
realidade, também se constitui como um importante instrumento de resgate
da cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais,
que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação social.
Novas tecnologias educacionais 20

É fato que a alfabetização não é um processo apenasde memorização.A


criança precisa construir um conhecimento para compreender o que a
escrita representa e de que forma ela representa graficamente a língua
escrita. A criança pode desenvolver a leitura e a escrita, porém se utilizar
pouco desta habilidade não se tornará completa no domínio da leitura e
da escrita nas diversas práticas sociais
Para as pesquisadoras Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, a escrita
não é apenas uma técnica de transcrição de sons em letras, ou seja, um
código, já que para elas, os códigos são racionalmente construídos com
fins determinados. Para queo seu uso seja feito por um número limitado de
pessoas e/ou especialistasé necessário que haja uma finalidade, como por
exemplo: o código Morse, o Braille, o ascii, o binário, o de barras, e outros.
Subentende-se então que falar em alfabetização como a aprendizagem
da codificação, segundo as pesquisadoras supracitadas, é ao mesmo
tempo falar da escrita de um código, o que para elas não corresponde à

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
verdade. Sendo assim, quando se entende que ler e escrever corresponde
à aprendizagem da decodificação e da codificação, entende-se que se trata
do ensino e da aprendizagem de uma técnica em que os aprendizes são
solicitados a memorizar as correspondências grafemae fonema para que
aprendam a ler e a escrever, mas não só isso, eles sempre serão participantes
de comunidades e práticas sociais letradas diferentes.

2.2 HIPÓTESES DA ESCRITA

Ferreiro e Teberosky em sua obra A Psicogênese da língua escrita


afirma que:

“[...] a mão que escreve e o olho que lê estão sob o comando de um


cérebro que pensa sobre a escrita que existe em seu meio social e
com o qual toma contato através de sua própria participação em
atos que envolvem o ler e o escrever em práticas sociais mediadas
para a escrita(FERREIROe TEBEROSKY, 1999, p.8).

Considerando essa afirmação, o professor deve estar atento nas


tentativas de escrita dos seus alunos, assim como, deve investigar o
percurso da escrita de cada um, uma vez que se trata de um caminho cheio
de obstáculos, conflitos, conquistas e aprendizagens.
Ferreiro afirma ainda que:

“[...] a invenção da escrita foi um processo histórico de construção


de um sistema de representação, não um processo de codificação.
Uma vez construído, poder-se-ia pensar que o sistema de
representação é aprendido pelos novos usuários como um
sistema de codificação. (FERREIRO, 1995, p.12).

Sendo assim, elucida-se que a construção da escrita acontece em


uma ordem sistematizada de representação, e posteriormente, codificação
Novas tecnologias educacionais 21

da língua materna. Neste sentido, o professor passa de transmissor para


mediador do processo, com responsabilidade de organizar situações
desafiadoras, estimular a troca de conhecimento e os avanços destes em
que o processo de construção implica em reconstrução.
Outrossim, a aprendizagem é um processo de apropriação do
conhecimento que só é possível com o pensar e o agir do sujeito sobre o
objeto que ele quer conhecer. Portanto, a habilidade de poder ler e escrever
pela criança acontece a partir do contato entre a criança e os objetos escritos.
Apesar das diferenças individuais, ao tentar compreender o sistema de
escrita e sua função, a criança entra em contato com este objeto (a escrita)
e busca a aprendizagem na medida em que constrói o raciocínio lógico. O
processo evolutivo de aprender a ler e escrever, por sua vez, passa por níveis
de conceitualização que revelam as hipóteses a que cada criança chegou.
Ainda de acordo com Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), a criança
passa por um processo de aquisição de escrita baseado em cinco níveis

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
de hipóteses: pré- silábica, intermediária, hipótese silábica, hipótese
silábico-alfabética e hipótese alfabética. A caracterização de cada nível
não é estática, podendo então a criança estar numa determinada hipótese
e mesclar conceitos do nível anterior.

2.2.1 Nível 1 – Hipótese pré-silábica

Nesse estágio, a criança não estabelece o vínculo entre a fala e a


escrita, ela supõe que a escrita é outra forma de desenhar ou de representar
coisas e utiliza-se de desenhos e rabiscos para escrever. Ela também
demonstra a intenção de escrever por meio de um traçado linear com
formas diferentes. Supõe-se nesse contexto que a escrita representa os
objetos e não os seus nomes: coisas grandes devem ter nomes grandes,
coisas pequenas devem ter nomes pequenos. Ainda nessa fase ela também
faz uso de letras do próprio nome ou letras e números na mesma palavra.
Pode conhecer ou não os sons de algumas letras ou de todas elas. Além
disso, faz registros diferentes entre palavras modificando a quantidade e
a posição. Caracterizandouma palavra com uma letra inicial em que só ela
sabe o que quis escrever.
Depreende-se que no nível da hipótese pré-silábica a criança não
diferencia a grafia de uma palavra com a outra. Nesta fase a criança é a
única capaz de identificar o que fez e é neste momento queo professor se
torna a chave fundamental do processo, pois se torna escriba do aluno,
assim a escrita pode funcionar como veículo de comunicação (figuras 1 e 2).
Novas tecnologias educacionais 22

Figura 1 – Hipótese da escrita: Pré-silábica (exemplo 1)


ABACAXI

TOMATE

BOLA


Fonte: o autor (2020).
Figura 2 – Hipótese da escrita: Pré-silábica (exemplo 2)
ABACAXI

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
TOMATE

BOLA

Fonte: o autor (2020).

2.2.2 Nível 2 – Hipótese Intermediário ou silábico sem valor sonoro

No nível de hipótese silábico sem valor sonoro, a criança começa a ter


consciência de que existe alguma relação entre a pronúncia e a escrita, além
de começar a desprender a escrita das imagens, dos números e das letras.
Nas tentativas de escrita a criança apresenta progresso gráfico e
construtivo em relação ao nível anterior, embora só demonstre estabilidade
ao escrever seu próprio nome ou palavras que teve oportunidade e interesse
de gravar, uma vez que ainda conserva as hipóteses da quantidade mínima
e da variedade de caracteres (figura 3 e 4).

Figura 3 – Hipótese da escrita: Intermediário – silábico sem valor sonoro (exemplo 1)

Fonte: o autor (2020).


Novas tecnologias educacionais 23

Figura 4 – Hipótese da escrita: Intermediário – silábico sem valor sonoro (exemplo 2)

Fonte: o autor (2020).

2.2.3 Nível 3 – Hipótese silábica ou silábica com valor sonoro

Na hipótese silábica a criança supõe que a escrita representa a fala,


tenta fonetizar a escrita e dar valor sonoro as letras. Supõe-se que deve
escrever tantos sinais quanto forem às vezes que mexe a boca, ou seja, para

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
cada sílaba oral corresponde uma letra ou um sinal. As letras começam a
serem usadas com valores silábicos fixos e o conflito entre a nova fase e a
fase anterior provoca na criança um amadurecimento educacional.
Nesta fase, cada sílaba oral corresponderá uma letra ou um sinal. As
tentativas de escrita da criança habituam-se aparecer com a representação
de uma letra para cada palavra, ou seja, a criança começa compreender
que as sílabas representam sons e isto provoca um amadurecimento do
processo de construção da escrita (figuras 5 e 6).

Figura 5 – Hipótese da escrita: Silábico – silábico com valor sonoro (exemplo 1)

Fonte: o autor (2020).

Figura 6 – Hipótese da escrita: Silábico – silábico com valor sonoro (exemplo 2)

Fonte: o autor (2020).


Novas tecnologias educacionais 24

2.2.4 Nível 4 – Hipótese sílabico alfabético

Quando a criança passa da hipótese silábica para a silábico-alfabético,


ela inicia uma busca por símbolos para expressar a escrita dos objetos
referidos, tentando aproximar o máximo à representação sonora da
representação gráfica.
Na fase silábico-alfabético a criança não se contenta mais em registrar
uma letra para cada sílaba, ela passa a escrever, colocando mais letras
(sílabas que correspondem os sons). Há momentos em que ela escreve
atribuindo a cada sílaba uma letra, e outros que ela representa as unidades
sonoras menores, os fonemas.

Figura 7 – Hipótese da escrita: Silábico–alfabética (exemplo 1)

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Fonte: o autor (2020).

Figura 8 – Hipótese da escrita: Silábico–alfabética (exemplo 2)

Fonte: o autor (2020).

2.2.5 Nível 5 – Hipótese alfabética

Quando chega na hipótese da escrita alfabética a criança compreende


que a escrita tem uma função social: a comunicação. Entende-se então que
cada um dos caracteres da palavra corresponde a um valor sonoro menor
do que a sílaba.
Embora, na transição para esta fase a criança ainda possa omitir letras
e não separar todas as palavras na frase, ela é capaz de demonstrar que
conhece o modo de construção da escrita (figuras 9 e 10).
Novas tecnologias educacionais 25

Figura 9 – Hipótese da escrita: Alfabética (exemplo 1)

Fonte: o autor (2020).

Figura 10 – Hipótese da escrita: Alfabética (exemplo 2)

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Fonte: o autor (2020).

2.3 GERAÇÃOZ E ALFABETIZAÇÃO

É indiscutível que a cada geração mudam-se as formas de se relacionar,


de se comunicar, de trabalhar e até mesmo de enxergar a realidade.
Primeiramente, é importante estabelecer qual é o conceito da palavra
geração nesse novo contexto midiático de nossa sociedade. A Geração Z,
por exemplo, está direcionada a um grupo de pessoas que nasceu entre o
começo dos anos 90 e o fim da primeira década do século XXI (2010). Esse
grupo pertence àquelas pessoas que nascem e vivem num mesmo período
de tempo e passam por grandes diferenças nos contextos políticos, sociais,
culturais, econômicos e tecnológicos.
Essas adversidades existentes influenciam diretamente nos hábitos
e na forma de como as pessoas se comportam, agem e convivem umas
com as outras, na sociedade. Por essa razão, tais indivíduos aprendem
os mesmosprincípios, passam pelas mesmas mudanças e compartilham
ensinamentos durante o seu ciclo.
Apesar de dividirmos as gerações, as experiências, os gostos e até
mesmo a forma de encarar os problemas e as conquistas tendem a ser
similares entre os indivíduos de um mesmo grupo.
Segundo Lopes, Pereira e Silva (2016) esta geração é caracterizada por
pessoas que estão acostumadas a ter acesso rápido àquilo que procuram,
Novas tecnologias educacionais 26

tendem a apresentar um perfil impaciente, inclusive no processo de


aquisição do conhecimento, isso significa que a concentração desse grupo
diante das informações é muito pequena se não estiver ligada ao interesse.
Esta geração foi a primeira a ser classificada como nativa digital, ou seja,
os primeiros que tiveram contato com as novas tecnologias digitais, como
computadores, tablets, smartphones, videogames. Todo esse aparato faz parte da
vida dessas pessoas que provoca além de uma familiaridade com as informações,
o conforto com aquilo que já estão habituados a viver: a tecnologia.
É fato que desde pequenos são familiarizados com todas as possibilidades
da era tecnológica, e se sentem totalmente à vontade perante qualquer
componente eletrônico e tecnológico, isso faz com que os desafios por ela
impostos não sejam impossíveis de serem resolvidos, visto que esses indivíduos
nunca se viram sem estes recursos, o uso tornou-se algo habitual e simples.
Por fazer parte de um período em que a tecnologia marcou
presençasente-se seguro para com o funcionamento das ferramentas que

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
circundam o universo de forma a beneficiar a todos que tenham interesse.
De acordo com Borges e Silva (2013),esta geração foi instituída com tal
denominação porque passa muito tempo zapeando, olhando a tv, grudada
ao telefone e não dá importância para a inter-relação.
Subentende-se então que as pessoas da Geração Z já não conseguem
seimaginar viver num mundo em que todas as situações ao seu redor
não estejam conectadas num ambiente online, e com troca instantânea
de informações.
Barreiras não existem para esse grupo. Afinal, estes não conheceram
o mundo sem tecnologia, talvez seja por isso que para eles não existam
fronteiras, os “amigos virtuais” estão espalhados pelo mundo, através das
redes sociais (BORGES; SILVA, 2013).
Dessa forma, pode-se inferir que as pessoas da geração Zsão:
nativos digitais; pessoas constantemente conectadas à internet; de forte
responsabilidade social e ambiental; adeptos a interação e exposição de suas
opiniões no ambiente online; acostumados a terem respostas e informações
rapidamente (instantaneidade); muito ansiosos, imediatistas e acostumados
com processos rápidos e habituados com os avanços das novas tecnologias.
Como diz Wiesel (2010),quando se refere a eles“são críticos, dinâmicos,
tecnológicos e tendem a transformar as interações ecologicamente corretas
de agora em hábitos, preferências e ações”.
Desta geração é que se desencadeou a capacidade em desenvolver
várias atividades ao mesmo tempo, tornando-os multifacetados. Ela nasceu
em meio à globalização, em um mundo conectado. Seus integrantes se
adaptam facilmente às novas tecnologias podendo usufruir de informação,
entretenimento e estabelecer comunicação a um “click” de distância.
Porém, mesmo que dentro desse contexto novo da tecnologia em prol
do conhecimento as famílias não estejam no mesmo patamar, a adaptação
natural tornou essas crianças predispostas a essa inovação, tornando-as aptas
para desenvolver o que for necessário para sua interação social e educacional.
Novas tecnologias educacionais 27

Considerando, nesse processo, que as crianças apresentam facilidade


para lidar com a tecnologia, nada melhor que utilizar essa ferramenta para
conseguir atenção e engajamento no processo de alfabetização. A criança se
depara por toda a parte com diferentes recursos tecnológicos, que podem
facilitar na alfabetização, já que esta é o processo de aquisição do código
escrito(alfabeto), envolvendoas capacidades essenciais para a alfabetização.
Como sabemos alfabetizar é compreender que existe uma relação entre as
letras e os sons e, para isso, o papel do professor é mediar, acompanhar,
intervir, orientar o percurso individual com auxílio dos recursos tecnológicos.
Quando bem utilizados, as inúmeras funções dessas tecnologias
acabam despertando o interesse dos alunos e facilitando na aprendizagem.
Cabe ao professor então, por meio de seu planejamento, apresentar
situações intencionais do uso da escrita e leitura utilizando os artefatos que
a tecnologia oferece ao mundo da escrita.Portanto, é importante, nessa nova
era que o educador aja de forma criativa e analítica, e leve para a sala de aula

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
as ferramentas como aliadas de forma a engajar e estimular o interesse,
levando-se em consideração todas as características da geração Z.
No contexto da sala de aula, segundo Toledo e colaboradores (2012),
o comportamento da Geração Z orienta-se no sentido de acabar com o
reinado das aulas expositivas, pois já não basta a estes alunos intercalarem
conteúdos e exercícios: para atrair a atenção deles a tecnologia passa a ser
a principal aliada dos professores.
As ferramentas são apenas um caminho, um agente facilitador que não
dispensa a necessidade de planejamento, adequação à tarefa e utilização
consciente, mas elas transformam o universo da alfabetização em algo
prazeroso, que condiz com a compreensão daquilo que se almeja.

2.4 O QUE É CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA?

É no período da educação infantil e dos anos iniciais que as crianças


aprendem a ler e a escrever e desenvolvem a capacidade de entender a fala
e a escrita analisando-a em seus diferentes momentos (grafema, fonema,
sílaba, palavra).
Antes que as crianças compreendam o sistema alfabético, elas
devem entender que aqueles sons associados às letras são precisamente
os mesmos sons da fala. Para nós este conceito parece ser muito fácil,
porém para as crianças entenderem que a linguagem falada é composta
por pequenas unidades da fala que correspondem as letras, é muito difícil.
Cavalheiro, Santos e Martinez(2010) revelam que a consciência
fonológica não pode ser desvinculada da aprendizagem da leitura e da
escrita. Apresentam que sem o trabalho com a consciência fonêmica,
muitas crianças apresentariam dificuldade para aprender a ler e escrever.
Compreender o conceito de consciência fonológica, examinando
diferentes e variadas concepções que vêm sendo formuladas em relação a
este, quando buscam explicar seu papel no desenvolvimento da habilidade
Novas tecnologias educacionais 28

em manipular os sons e as letras, auxiliam a fim de apropriar-se do sistema


alfabético de escrita.
Situar a consciência fonológica no conjunto de habilidades
metalingüísticas é entender que o objetivo da mensagem é a própria
linguagem utilizada no momento da comunicação.
No decorrer, veremos algumas definições de consciência fonológica
por pesquisadores estrangeiros e brasileiros:

“[...] Consciência fonológica é toda forma de conhecimento


consciente, reflexivo, explícito, sobre as propriedades da linguagem.
Esses conhecimentos são suscetíveis de ser utilizados de maneira
intencional. A consciência fonêmica é a forma de consciência
fonológica referente aos fonemas (MORAIS, 1996, p.309).

Pode-se dizer que a consciência fonológica nesse caso está associada


ao conhecimento das regras de correspondência entre grafemas e fonemas

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
permitindo à criança uma aquisição da escrita com maior facilidade, uma
vez que possibilita a generalização e memorização destas relações (sons
e letras). “A habilidade metafonológica corresponde àquela (habilidade)
de identificar os componentes fonológicos em unidades lingüísticas e de
intencionalmente manipulá-los.” (GOMBERT, 1992).
Infere-se então que a habilidade metafonológica é quando uma criança
toma consciência, analisa e manipula segmentos ou pedaços da fala, o
que inclui a distinção do tamanho das palavras e/ou de suas diferenças
e semelhanças sonoras, além de ter percebido que a linguagem oral se
constitui de palavras, sílabas e fonemas.

“[...] Freqüentemente, o termo consciência fonêmica tem sido usado


como equivalente ao termo consciência fonológica. Para sermos
mais precisos, a consciência fonêmica se refere a uma compreensão
sobre as menores unidades sonoras que compõem a cadeia falada:
os fonemas. A consciência fonológica engloba unidades sonoras
maiores, tais como sílabas e rimas (IRA, 1998, p.3).

Pode-se dizer que a consciência fonêmica, nesse caso, é a atividade


mais sofisticada da consciência fonológica, uma vez que requer a
compreensão de que as palavras são formadas por estruturas mínimas e
que podem ser recombinadas e transpostas foneticamente. Dentro desse
contexto estão englobadas as habilidades em reconhecimento e produção
de rimas, análise, síntese, reversões e outras manipulações silábicas e
fonêmicas, além de habilidades em realizar a correspondência entre
fonema e grafema e vice-versa. É a consciência dos sons que compõem as
palavras que ouvimos e falamos(CARDOSO eMARTINS, 1991).
Entende-se com esse autor que apalavra é constituída por diversos
sons ou grupos de sons e que eles podem ser segmentadas em unidades
menores (sílabas). De forma genérica o termo consciência fonológica
Novas tecnologias educacionais 29

tem sido utilizado para referir-se à habilidade em analisar as palavras


da linguagem oral de acordo com as diferentes unidades sonoras que as
compõem (BARRERAeMALUF, 2003).
Segundo Capovilla e Capovilla, (2000):

“[...] Refere-se tanto a consciência deque a fala pode ser


segmentada quanto a habilidade de manipular tais segmentos, e
se desenvolve à medida que a criança vai tomando consciência do
sistema sonoro da língua, ou seja, de palavras, sílabas e fonemas
como unidades identificáveis.

Conformedefinição do PNAIC:

“[...] É um vasto conjunto de habilidades que nos permitem refletir


sobre as partes sonoras das palavras. Além de usarmos as palavras
para nos comunicarmos, podemos assumir diante delas uma

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
atitude metacognitiva, refletindo sobre sua dimensão sonora.
Quando reflete sobre os segmentos das palavras, a pessoa está
pondo em ação a consciência fonológica (BRASIL, p. 20-21, 2012).

Pode-se dizer então que a consciência fonológica é a habilidade


metalingüística, erefere-se à capacidade de pensar a própria língua; é o
conhecimento que cada um de nós tem sobre os sons da língua materna, ou
seja, é uma competência que permite identificar, manipular e refletir sobre
os sons da fala. É também capacidade de perceber que a língua é formada
por palavras, as palavras por sílabas, e as sílabas por fonemas (sons). A
criança então é capaz de identificar que essas unidades (palavras, sílabas)
podem se repetir várias vezes em diferentes palavras e frases.
Nota-se que os diferentes conceitos de cada autor em evidência
apresentam alguns pontos em comum sobre a consciência fonológica. A
definição de um conhecimento consciente, explícito, ou seja, é a habilidade
de dominar os sons de unidades menores da fala sendo fundamental para
a criança aprender a ler e a produzir escrita alfabética.
A consciência fonológica divide-se em dois níveis muito complexos:
a consciência silábica e a consciência fonêmica, sendo esta a ordem de
trabalho durante a aquisição da leitura e escrita.
As etapas de aquisição da consciência fonológica dependem das
experiências lingüísticas, do desenvolvimento cognitivo da criança, e da
exposição ao sistema alfabético para aquisição da leitura e escrita. Ainda
podemos dizer que ela apresenta níveis para o desenvolvimento da leitura
e da escrita. São eles:

• Noção de palavra (capacidade de segmentar a frase em palavras,


organizá- las e dar-lhe sentido);
• Noção de rima (capacidade de identificar rimas);
• Aliteração (capacidade de identificar ou repetir a sílaba ou fonema
no início da palavra);
Novas tecnologias educacionais 30

• Consciência silábica (capacidade de segmentar palavras em sílabas,


a criança tem de identificar e discriminar as sílabas);
• Consciência fonêmica (capacidade de manipular e isolar os fonemas
que compõem a palavra).

2.5 VISÃO DA BNCC EM RELAÇÃO À ALFABETIZAÇÃO


E CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA

Atualmente, as unidades de ensino da educação básica baseiam seus


currículos em diretrizes estaduais e municipais, em livros didáticos escolhidos
pela rede e pelos resultados de testes nacionais de avaliação de ensino.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o conjunto de
competências e habilidades que norteiam as aprendizagens essenciais
que os alunos devem desenvolver ao longo da educação básica. Ela é
um documento que direciona a organização curricular e a qualidade da

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
educação para todos, buscando acabar com as diferenças curriculares
apresentadas nas diversas políticas educacionais, sempre focando no pleno
desenvolvimento do aluno como cidadão.
O documento mantém os principais pressupostos presentes em diretrizes
anteriores, como os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCNs), mas também
incorpora mudanças significativas, principalmente a questão tecnologia.
ABase Nacional Comum Curricular (BNCC) define que a alfabetização
das crianças deverá ocorrer até o segundo ano do ensino fundamental,
com o objetivo de garantir o direito fundamental de aprender a ler e
escrever. Sua base também norteiacom foco principal da ação pedagógica
na alfabetização as especificidades da apropriação do sistema alfabético
de escrita (língua).
Segundo a BNCC desde o nascimento, as crianças participam
de situações comunicativas cotidianas com as pessoas com as quais
interagem. Progressivamente, as crianças vão ampliando e enriquecendo
seu vocabulário e demais recursos de expressão e de compreensão,
apropriando-se da língua materna – que se torna, pouco a pouco, seu
veículo privilegiado de interação.
A BNCC propõe para alfabetização a integração de duas tendências:
a perspectiva construtivista, aquela que reconhece a centralidade do texto
que tem como objetivo principal o letramento, o trabalho com as práticas
sociais de leitura e escrita, a qual proposta assemelha-se aos PCNS quando
assume a perspectiva enunciativa-discursiva, ou seja, o sentido não está
pronto, vai ser construído na interação entre os sujeitos, e indica ainda
a necessidade de sempre considerar a função do texto, a importância da
criança de conhecer textos de sua realidade.

A alfabetização e suas práticas aparecem em quatro eixos:


a) Oralidade, que envolve o conhecimento da língua oral e estratégias
de fala e escuta;
Novas tecnologias educacionais 31

b) Análise Lingüística/Semiótica, que sistematiza, de fato, a


alfabetização e seu período de 5 anos;
c) Leitura/Escuta que se dá devido destaque ao letramento por meio
de uma progressiva adequação às estratégias de leitura em variados
tipos de texto;
d) Produção de texto, que também, progressivamente, incorpora
estratégias de escrita de diferentes gêneros textuais, sempre aplicado
dentro do conceito de práticas letradas situadas.

A BNCC, ao tratar do processo de alfabetização, afirma que é preciso


que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura –
processos que visam a que além (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga
“decodificar e codificar” os sons da língua (fonemas) em material gráfico
(grafemas ou letras). Para isso, faz-se necessárioo desenvolvimento de
uma consciência fonológica dos fonemas do português do Brasil e de sua

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
organização em segmentos sonoros maiores como sílabas e palavras)
e do conhecimento do alfabeto do português do Brasil em seus vários
formatos (letras de imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas) além
do estabelecimento de relações grafofônicas entre esses dois sistemas de
materialização da língua (BRASIL, 2017, p.87-88).
Pode-se, portanto inferir que a segunda tendência é o trabalho
que permite aos alunos a refletir sobre o sistema de escrita alfabética,
considerando as contribuições da perspectivaconstrutivista (hipóteses
da escrita), processos pelo qual a criança se apropria da escrita, e também
aponta um trabalho com a consciência fonológica, o conhecimento das
letras e dos sons para a criança a evoluir na escrita espontânea. Outra
questão apresentada na BNCC é a inclusão de atividades específicas
sobre notação alfabética (consciência fonológica), isso não quer dizer
que não será trabalhado o texto e sua função social, uma vez que não
basta apenasdominar o sistema de escrita para estar alfabetizado, faz-se
necessário escrever e ler diferentes gêneros textuais.
Dentro do contexto estabelecido sabe-se que é por meio da capacidade
de codificação e decodificação dos sons da língua (os fonemas) em material
gráfico (os grafemas), que ocorre a formação da chamada consciência
fonológica, que se trata da organização da sonoridade que, em geral, os
falantes possuem.
Segundo a BNCCpara o processo de alfabetização evoluir é necessário
que a criança seja capaz dedistinguir desenhos de letras, conhecer o
alfabeto da língua materna, perceber a relação entre fonema e fonema.
Essas capacidades envolvidas no conhecimento fonográfico são básicas
para a alfabetização, que, mais tarde ainda no Ensino Fundamental, será
complementada com o conhecimento ortográfico do português brasileiro.
Para a criança concluir o processo de alfabetização, a BNCC pontua oito
habilidades fundamentais. São elas: compreender diferenças entre escrita
e outras formas gráficas (outros sistemas de representação); dominar as
Novas tecnologias educacionais 32

convenções gráficas (letras maiúsculas e minúsculas, cursiva e script),


conhecer o alfabeto; compreender a natureza alfabética do nosso sistema
de escrita; dominar as relações entre grafemas e fonemas; saber decodificar
palavras e textos escritos; saber ler, reconhecendo globalmente as palavras.

2.6 CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E O USO DA TECNOLOGIA

No experimento realizado com alunos da educação infantil comprovou-


se que o uso dos jogos digitais de consciência fonológica vem apresentando
uma grande melhoria no processo da aquisição da leitura e da escrita,
que vão ao encontro dos resultados de pesquisa da tese do doutorado de
Americo Amorim.
Neste ensaio ele apresenta atividades que estimulam a consciência
fonológica com atividades lúdicas gamificadas desenvolvidas em tablets,
onde comprovou-se que as crianças que utilizaram estas atividades

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
avançaram muito no processo da escrita e da leitura.
Consciência fonológica, de acordo com Amorim2, é um conceito que une
uma série de habilidades relacionadas à capacidade de operar os sons da fala.
Podemos afirmar que a manipulação das letras e dos sons pode-se estimular
de formas diferentes utilizando diversos jogospara explorar a rima, as sílabas
iniciais, mediais, finais, a separaçãoe junção das sílabas. Nessa análise é
perceptível quequando bem estimuladaàs habilidades que envolvem estes
objetos de aprendizagem levam as crianças lerem ea escreverem melhor.
É importante nesse aspecto salientar as necessidades a serem
desenvolvidas e a consciência de que as habilidades fonológicas não se
aperfeiçoam ao mesmo tempo, nem em uma mesma atividade. Um bom
jogo é desafiador, permite a interação entre os participantes e mostra a eles
se alcançaram seu objetivo sem que o professor precise dar essa indicação
(SANTOMAURO, 2013, p. 31-33).
Todos estes têmo objetivo de estimular a consciência fonológica de
maneira lúdica e prazerosa, já queas crianças da geração alpha querem
inventar, interagir e se conectar sempre. Na maioria das vezes esse grupo
de crianças sãoatentas e observadoras, são mais inteligentes, por estarem
inseridas em um ambiente com estímulos constantes e a tecnologia se faz
presente diariamente, promovendo a interação com o objetivo esperado.

3 METODOLOGIA

O método escolhido para interpretação do material coletado é qualitativo,


cujo maior objetivo não é quantificar resultados, mas sim perceber e
compreender por que a consciência fonológica é importantena alfabetização.
A pesquisa qualitativa “trata da investigação de valores, atitudes, percepções e
2 NOGUEIRA, F. Jogo digital melhora aprendizagem de leitura e escrita na infância, diz
estudo. Disponível em: < https://porvir.org/jogo-digital-melhora-aprendizagem-de-leitura-
e-escrita-na-infancia-diz-estudo/>
Novas tecnologias educacionais 33

motivações do público pesquisado, com o objetivo principal de compreendê-


lo em profundidade; não se tem, nesse caso, uma preocupação estatística
(CHEMIN 2012 apud GONÇALVES; MEIRELLES, 2004).
Além da pesquisa bibliográfica que objetiva compreender alguns
conceitos básicos que envolvem a consciência fonológica na criança,
traz conceitos sobre alfabetização e as hipóteses da escrita para melhor
compreensão dos processos que permeiam o desenvolvimento da
consciência fonológica e a importância das tecnologias digitais nos atuais
processos de alfabetização.
Quanto aos meios de investigação trata-se de uma abordagem de
análise de documentos, segundoLudke e André, 1986:

“[...] A análise documental constitui uma técnica importante


na pesquisa qualitativa, seja complementando informações
obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
um tema ou problema.

A pesquisa está engajada a uma investigação empírica envolvendo


os teóricos como Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Artur Gomes de Morais,
Adams, Foorman, Lundberg, Beeler, dentre outros documentos oficiais
que abordam o tema.

4 ANÁLISE E DISCUSSÕES

Após analisar os conceitos referentes a esses elementos em questão,


podemos vislumbrar qual a importância da consciência fonológica na
alfabetização, uma vez que, por meio desta pesquisa,pode-se compreendera
importância de se trabalhar de forma significativa a capacidade de
segmentar de modo consciente as palavras em suas menores unidades no
processo de alfabetização, o qual desenvolve umahabilidade que acontece
de forma simultânea com outras.
A respeito da discussão do uso da tecnologia no processo de
alfabetização e no desenvolvimento da consciência fonológica, a revisão
da literatura nos informa que a aprendizagem baseada em diferentes
recursos tecnológicos, motiva porque é divertida e versátil, sendo possível
ser adaptada no processo de leitura e escrita.
A revisão de literatura, nesse contexto, enfatiza a importância do
desenvolvimento da consciência fonológica por meio do uso da tecnologia,
que enaltece a ideia do quanto é motivante ao ensinar de maneira diferente,
ou seja, utilizando-se de diferentes recursos tecnológicos para esta geração;
porém, toda essa diferenciação ocorre porqueé preciso ser combinada
com outras estratégias de aprendizagem, tão funcional quanto ao uso da
tecnologia. Vale ressaltar nesse aspecto queé preciso ter em mente, que o
uso da tecnologia é apenas uma das formas das crianças aprenderem os
mais diversos conteúdos.
Novas tecnologias educacionais 34

Essa dinâmicadiferenciada acaba por contribuir com o processo de


aprendizagem do aluno podendo afirmar que durante a alfabetização, a
apropriação do sistema alfabético-ortográfico é que se conheceos sons das
letras, sílabas e palavras, acarretando num aprendizado de forma fluida,
contribuindo para a formação de crianças leitoras e produtoras de textos.
Considerando o processo de alfabetização como um todo, temos a
prerrogativa de analisar os vocábulos em letras e formas; sons e regras de
correspondências. A partir disso, pode-se então afirmar que a estrutura
fonológica da linguagem oral serve de base para o processamento fonológico.
Sendo assim, subentende-se quea consciência fonológica na alfabetização
deve ocorrer por meio de estímulos e que esseexercício se dá através do
desenvolvimento das habilidades trabalhadas, ou seja, da reflexão, identificação
e da manipulação dos sons presentes em nossa língua. A criança deve perceber
as palavras, as frases, as sílabas, os fonemas; ou seja, os componentes da fala
tão importantes para o desenvolvimento das crianças.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Conforme a BNCC pontua os professores têm uma missão
imprescindível para a aprendizagem das crianças a partir do conjunto de
habilidades que são trabalhadas com elas. Dessa forma, a ação pedagógica
deve criar condições para que os conhecimentos prévios dos alunos
sejam resgatados e reconhecidos como parte integrante do processo de
desenvolvimento da leitura e da escrita.
A consciência fonológica, por sua vez, na alfabetização, exige que
seja pensada de forma que vise a contribuir com o aprendizado da criança
de maneira satisfatória. Isso significa que o professor se abstraia de um
embasamento teórico sobre a lingüística, compreendendo que o processo
de aquisição da língua escrita não se dá pela decodificação e codificação
de letras e sílabas, mas de que é preciso que se tenha compreensão em que
se consiste o ato de ler e escrever e suas funções sociais.

5 CONCLUSÃO

É notória a presença das tecnologias da informação e comunicação


(TICs) em nosso cotidiano, uma vez que se tornamelas aliadas às boas
práticas pedagógicas, possibilitando assim uma nova forma de interação
social que contribua efetivamente no processo de alfabetização.
Pautado nesse contexto de que os recursos digitais são importantes no
desenvolvimento das habilidades, devemos lembrar que a influência dos
recursos tecnológicos, no processo de alfabetização e desenvolvimento da
consciência fonológica, não podem ser deixados de lado, já que contribuem
mutuamente para as expectativas projetadas. Nesse sentido é importante
salientar o uso de jogos, softwares, que facilitam a aprendizagem da criança
dentro de um contexto social diferenciado que promoverá de forma lúdica
o conhecimento objetivado durante toda pesquisa.
Subentende-se quea utilização dos recursos tecnológicos implica numa
mudança significativa no processo de alfabetização.É importante também
Novas tecnologias educacionais 35

ressaltar que saber utilizar destas ferramentas é fundamental, principalmente


para as crianças da geração Z e alpha, visto que é importante que a criança
aprenda a interagir de uma forma mais complexa dentro do mundo digital.
Depreende-se, portanto, que o uso dos jogos implica em uma mudança
no processo de ensino aprendizagem, quando bem planejado e orientado,
auxiliando na estimulação da consciência fonológica, nas habilidades de
observação, análise, levantamento de hipóteses, busca de suposições e
tomada de decisões, promovendo uma transformação significativa no ensino.
É fato que, em meados de 1998 chegava ao Brasil, para uso no meio
acadêmico, a internet. Em 1996, o acesso à internet por linha discada já
havia se expandido. E assim, a nossa geração foi convidada a conhecer
ummundo sem limites.
Mal sabíamos que esse novo mundo mudaria a nossa forma de nos
comunicarmos e de construirmos o conhecimento e principalmente os
métodos de aquisição da leitura e escrita.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Sem perceber, a tecnologia já se fazia presente em todos os locais e,
com isso o mercado de trabalho também começou a mudar e a exigir outras
habilidades, antes desnecessárias.
Para Kenski (2012) a introdução das novas tecnologias como
instrumento para aprendizagem modificam comportamentos e o saber
de maneira muito rápida.

“[...] Um saber ampliado e mutante caracteriza o estágio do


conhecimento na atualidade. Essas alterações refletem-se sobre
as tradicionais formas de pensar e fazer educação. Abrir-se para
as novas educações, resultantes de mudanças estruturais nas
formas de ensinar e aprender possibilitadas pela atualidade
tecnológica é o desafio a ser assumido por toda a sociedade
(KENSKI, 2012, p. 41).

Com o avanço da tecnologia, os jogos estão cada vez mais reais


e desafiadores. A gamificação é uma excelente estratégia pedagógica,
e crescem ações nas salas de aula que tornam o aprendizado mais
significativo e real.
Partindo desse pressuposto os jogos digitais passaram então a ter
um papel fundamental durante o processo de alfabetização, afinalalém de
se tornarem o centro das atenções consegue desenvolver a concentração,
o raciocínio lógico e a colaboração entre as crianças, incentivando de
maneira lúdica a leitura e a escrita. Sabe-se que o ato de jogar exige
uma movimentação mental e, em muitos momentos, a criança tem que
colocar em prática o aprendizado adquirido para avançar pelas fases,
testando hipóteses, além disso, nessa nova abordagem a ação de favorece
a apropriação e interpretação dos recursos lingüísticos primordiais à
alfabetização. É nesse momento que entra o processo impulsionador da
importância em se saber ler e escrever.
De acordo com Perrenoud (2000, p. 26)
Novas tecnologias educacionais 36

“[...] durante muito tempo a tarefa do professor era assimilada à


aula magistral seguida de exercícios. Com as novas tecnologias
essa concepção de ensino mudou. As novas tecnologias se
tornaram então excelentes ferramentas de apoio ao processo
educacional. E para essa aderência às novas tecnologias faz-
se necessária a competência por parte do docente. A noção
de competência designará aqui uma capacidade de mobilizar
diversos recursos cognitivos para enfrentar um dos tipos de
situações (PERRENOUD, 2000, p.26).

É importante destacar ainda que na literatura, identifica-se que os


recursos digitais tais podem ser utilizados, para auxiliar no processo de
alfabetização, como uma forma de fazer a criança se acostumar com a
leitura e a escrita. O importante nesse dinamismoé ter em mente que a
tecnologia na educação não deve ser banalizada, sendo usada sempre de
forma significativa, o aplicativo eo software são ótimas ferramentasque

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
podem ajudar nesse processo, afinal, tanto uma quanto a outra contém
elementos visuais que incentivam a leitura e a escrita.
É fundamental, portanto ter o conhecimento de que utilizar a
tecnologia em sala de aula e no processo de alfabetização é algo que precisa
ter um bom planejamento pedagógico para que não se torne apenas uma
distração para as crianças. Tais recursos são lúdicos e proporcionam uma
experiência mais ampla para as crianças que estão aprendendo as palavras,
seus sons e significados. Vale, nesse contexto, oportunizar as ferramentas
que a tecnologia oferece como forma de aprimorar o trabalho e diversificar
as estratégias a respeito do processo.
Novas tecnologias educacionais 37

Referências

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Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Novas tecnologias educacionais 40

Textos/vídeos complementares

A importância do trabalho com a consciência fonológica para a aprendizagem da


leitura e da escrita. Elenita Bigochinski; Manuela Pires Weissböck Eckstein. ENSAIOS
PEDAGÓGICOS. Revista Eletrônica do Curso de Pedagogia das Faculdades. OPET. ISSN
2175-1773 – Junho de 2016. p. 44- 63. (20 p.)
LOPES, F. O desenvolvimento da consciência fonológica e sua importância para o processo
de alfabetização. Psicologia Escolar e educacional, v. 8, n. 1, p. 241-242, 2004.
GONTIJO, C.; COSTA, D.; PEROVANO, N. Alfabetização na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Pro-posições, n. 31, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-6248-
2018-0110
CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. Alfabetização e letramento na
sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora: Ceale, 2008. Ebook.
Vídeo: 4 atividades de consciência fonológica usando apenas um recurso. Clarissa Pereira.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
https://youtu.be/1oMwfSPagx8.
Live: Psicogênese da língua escrita: como a criança aprende a escrever? https://youtu.be/
FIJddCq8Gs44. 57 min.
Novas tecnologias educacionais 41

unidade 2
Consciência fonêmica: a relação entre som e letra na
aprendizagem do sistema da escrita ortográfica

Texto base
Leituras/vídeos indicados
Novas tecnologias educacionais 42

Texto base

PESQUISA E PRÁTICAS DE FONÉTICA


E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS
Silvana MARTINS
Valteir MARTINS

Nesta unidade, focalizamos dois tópicos. Primeiro, os resultados de


pesquisas sobre aspectos fonético-fonológicos da variedade do português
falado no estado do Amazonas. Segundo, a aplicação dos conhecimentos de
fonologia do português no ensino da ortografia. Para isso, analisam-se os
desvios ortográficos e apresentam-se estratégias de ensino da ortografia,
aplicando os princípios da Neurolinguística.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
3.2 Fonologia, Ortografia e Acentuação

Ao professor de Língua Portuguesa, especialmente, é de suma


importância conhecer a relação entre fonema e grafema para que possa
compreender e orientar seus alunos no processo de apropriação da escrita,
no contexto do letramento.
O interesse por esse assunto não se restringe aos professores das
séries iniciais, pois pesquisas na área da Letras têm constatado que as
dificuldades com ortografia ocorrem também com os alunos do ensino
médio e mesmo entre os universitários.
Nesta perspectiva de estudo, Nascimento (2012), em trabalho de
conclusão de curso de licenciatura em Letras, analisou os desvios ortográficos
na produção de textos de alunos de ensino médio, a partir de um olhar
fonológico. O objetivo foi investigar a ocorrência dos desvios ortográficos
em salas de aula do Ensino Médio. Tratou-se de uma pesquisa na área da
Linguística, que propôs, através da fonologia, auxiliar os professores de língua
portuguesa na identificação, solução ou redução dos desvios em textos dos
alunos. Isso é importante, pois professores e alunos não apenas devem saber
identificar erros ortográficos, mas também devem entender a ocorrência
para que haja uma escrita mais aprimorada, considerando que saber escrever
corretamente as palavras é uma habilidade exigida no contexto social.
É importante ressaltar que a modalidade escrita da língua impõe regras
de como grafar as palavras, isto é, compõem um padrão oficial imposto
por lei (MAROTE e FERRO, 2003, p. 100). Este é o único padrão linguístico
de âmbito verdadeiramente nacional, pois os demais são regionais. A
ortografia inclui a grafia das palavras e também a sua acentuação gráfica.
A fala e a escrita possuem características que as diferenciam. No
entanto, muitos desvios ortográficos ocorrem devido à tendência de se
escrever da forma como se ouve os sons ou como são pronunciados.
Novas tecnologias educacionais 43

3.2.1 As Três Categorias dos Desvios Ortográficos

O ensino da ortografia representa um dos grandes desafios para os


educadores de Língua Portuguesa, isso porque a aprendizagem ortográfica
se constitui em um processo construtivo de apropriação e compreensão
de regras. Nesse sentido, faz-se necessário que o docente entenda as
peculiaridades do sistema de escrita, os processos de aprendizagem pelos
quais os alunos passam, para que possa transformar suas aulas em momentos
de interação e reflexão acerca do objeto de ensino e das experiências
vivenciadas por professor e aluno neste processo de ensino-aprendizagem.
Partindo desse princípio, é necessário que o professor, em sua
prática docente, tenha um embasamento teórico sobre os diversos tipos
de desvios ortográficos, pois a partir desses conhecimentos será possível
elaborar uma metodologia adequada para cada tipo de alteração detectada
na escrita dos alunos.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
O estudo das alterações ortográficas já vem sendo alvo de preocupação
de diversos estudiosos como Cagliari (1999; 1999), Zorzi (1998), entre
outros, os quais procuraram verificar os diversos processos que permeiam o
aprendizado da ortografia no contexto escolar e as dificuldades vivenciadas
por muitos educandos no momento da escrita. Dessa maneira, considerando
as diversas teorias que abordam o tema, bem como os conhecimentos
obtidos em pesquisas que realizamos no âmbito escolar, expomos os
tipos de desvios ortográficos cometidos pelos educandos, suas definições
e características, conforme os diversos níveis de dificuldade ortográfica.
Os desvios ortográficos podem ser classificados em 17 (dezessete)
tipos, enquadrados em três categorias, as quais são:

• Desvios causados pela complexidade ortográfica


• Desvios provenientes da oralidade
• Desvios ortográficos de ordem pessoal

a) Desvios causados pela complexidade ortográfica


Os desvios ortográficos dessa categoria estão intimamente relacionados
às características impostas pelo sistema de escrita da Língua Portuguesa que,
apesar de sua natureza alfabética, não representa uma transcrição perfeita dos
sons da língua, o que equivale dizer, que nem sempre há uma correspondência
biunívoca entre fonema e letra. Esses desvios são considerados como de ordem
perceptivo-visual, os quais necessitam de memorização para que sejam
superados durante o processo de aprendizagem da escrita.

• Representações Múltiplas
• Acentos Gráficos
• Trocas de Letras
• Generalização de Regras
• Problemas Sintáticos
• Omissões de Letras
Novas tecnologias educacionais 44

b) Desvios provenientes da oralidade


Esta classe compreende os desvios ortográficos cometidos pela
utilização da fala como referência principal para a escrita dos fonemas. A
ocorrência desse tipo de desvio demonstra que o aluno ainda não entende a
diferença entre o modo de pronunciar as palavras e a maneira de escrevê-las.

• Apoio na Oralidade
• Junção/Separação de palavras
• Confusão entre -am e -ão
• Acréscimo de Letras

c) Desvios ortográficos de ordem pessoal


São aqueles advindos de possíveis problemas momentâneos (lapsos)
ou de dificuldades individuais patológicas de compreensão da escrita
ortográfica não observados pelo professor. Estes desvios podem indicar

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
que algumas habilidades perceptuais auditivas e visuais precisam ser
desenvolvidas no educando a fim de conduzi-lo à observação das diversas
características gráficas das palavras.

• Surdo/Sonoro
• Letras Parecidas
• Ausência de Nasalização
• Inversão de Letras
• Maiúscula/Minúscula
• Troca de Palavra
• Outras Alterações

3.2.2 Classificação dos Desvios Ortográficos

1) Representações Múltiplas
Os sistemas de escrita alfabética apresentam como característica
essencial correspondência entre sons e letras. Porém, no que se refere à
Língua Portuguesa, podemos encontrar diversos tipos de correspondências:
uma relação estável (biunívoca), na qual uma só letra é sempre utilizada
para escrever um determinado som, conforme é o caso da letra b que
sempre representa o som /b/ e, uma relação não estável (arbitrária), que
se caracteriza pelo fato de que uma letra pode representar vários sons e/
ou de um mesmo som poder ser escrito por diversas letras.
A possibilidade de ocorrência de representações múltiplas ocorre
em palavras em que uma mesma letra pode representar vários sons ou um
mesmo som pode ser representado por mais de uma letra. Por exemplo,
os seguintes fonemas:

• /s/ (s,ss,c,ç,sc,xc,sç,x,z e xs):


Novas tecnologias educacionais 45

Ortografia Desvio
sucesso cuseso
assaltou açaltor
cenoura senora
açaí assaír
nascer nacer, naçer
exclamação esclamação
desça dessa, desa
feliz felís

• /z/ (z, s, x)

Ortografia Desvio
vizinho visinho
açaizeiro açaiseiro

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
atrasado atrazadu
rosa roxa
exílio ezilho

• // (x, ch)

Ortografia Desvio
vexame veichame; vêchame
encher enxer
churrasco xurrasco

• // ( j, g)

Ortografia Desvio
caranguejo caragueigo
gigante jígante
viajei viagei
viagem viajem

• /K/ (c, q, k)

Ortografia Desvio
exclamação esquamação
aquário cacuario
aquário acuarior

• As letras m e n em final de sílaba (representando as vogais nasais):

Ortografia Desvio
encher emxer
viagem viagen
Novas tecnologias educacionais 46

encher emcher
embora enbora

• g (representando os sons // e /g/;

Ortografia Desvio
caranguejo caragejo
guerra gerra
guitarra gítara

• r (representando os sons // e /h/)

Ortografia Desvio
guerra guera
cenoura senolra

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
churrasco churasco
arraial araiau
arranha aranha

• O uso da letra c (grafando os fonemas /k/ e /s/)

Ortografia Desvio
cinema simema
cemitério semiterio

Essas arbitrariedades acabam gerando situações de erros, algumas


vezes inconscientes, quando o aluno não conhece ou não tem esclarecido
essas possibilidades de grafar as palavras.

2) Acentos Gráficos
Esse tipo de desvio define-se pela acentuação não convencional das
palavras. Devido ao desconhecimento ou compreensão inadequada das
regras de acentuação, muitos alunos têm dificuldades em perceber qual
é a sílaba tônica da palavra. Por isso, muitas vezes, deixam de indicar o
acento gráfico ou indicam erroneamente.
Apresentam-se alguns exemplos de desvios ortográficos quanto à
acentuação retirados dos dados coletados juntos a alunos do ensino básico.

Ortografia Desvio
feliz felíz
queimar queíma
aquário aquarío
vexame vêxame

3) Troca de Letras
Novas tecnologias educacionais 47

Os desvios que caracterizam esta classe acontecem devido ao uso incorreto


ou à troca de letras, não somente pela semelhança gráfica entre certas letras,
mas principalmente por ocorrências pouco convencionais de escrita.

Ortografia Desvio
vexame dexame
queimar quelmar
aranha aralha
atrás acrais
cemitério cemitório

4) Acréscimo de Letras
Esta classe refere-se à escrita de palavras com maior número de letras
do que as mesmas deveriam apresentar convencionalmente. Contrariamente
ao caso das omissões, há um aumento no número de grafemas.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Ortografia Desvio
guerra guerrar
aquário áquarior
ônibus ônibuns

5) Omissão de Letras
Os erros por omissão refletem-se nas palavras que são escritas com
um menor número de letras do que deveria haver, caracterizando uma
grafia incompleta. Geralmente esse tipo de desvio ocorre em sílaba que foge
ao padrão consoante-vogal (CV), isto porque grafar sílaba com composição
consoante-vogal é mais simples que escrever aquelas cujas representações
envolvem outras possibilidades como: consoante-vogal-consoante (CVC) ou
consoante-consoante-vogal (CCV). Fazem parte deste grupo palavras como:

Ortografia Desvio
guerra gurra
experimentar esprimentar
herói éroi
experimentar eperimentar

6) Generalização de Regras
Esse tipo de alteração ocorre pela aplicação de um conhecimento
adquirido em determinada situação a outras situações com os quais o aluno
vê semelhança. O fato de uma criança cometer tal alteração pode ser uma
indicação de que ela compreende certas peculiaridades do sistema ortográfico
e generaliza, de modo não convencional, tal procedimento para outras palavras.
Assim, a criança, ao escrever a palavra chapéu como “chapeo”, talvez esteja
indicando que ela compreende em certas situações que o som /u/ que se
pronuncia nas palavras pode transformar-se em “o” na escrita.
Novas tecnologias educacionais 48

Ortografia Desvio
aquário aquareu
feliz felez
sucesso socesso
arraial arraio

7) Problemas Sintáticos
Os desvios caracterizados como problemas sintáticos aparecem
somente nos textos e podem ser caracterizados como de concordância, de
regência, etc. Também podem ser um indicativo das normas da gramática
do português em sua variedade informal da fala, ou ainda evidenciar o uso,
na escrita, de um dialeto local, desprestigiado socialmente e afastado da
norma culta da língua. Por exemplo:

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Os trabalhos dos professores é nós ensinar para que nós alunos aprendermos
mais sobre as coisas...
Hoje, o nosso meio ambiente é cheio de lixo, tem muitas queimada acontecendo...
Todas essas poluição, está afetando o nosso planeta...
A Escola é muito inportante para todos nós Estudar...
Isso sim são coisa inportante...
Trechos de textos produzidos por aluno do 8º ano do EF.

8) Apoio na Oralidade
O sistema de escrita alfabética caracteriza-se pela relação entre
fonemas e grafemas. Porém, tal característica não implica a existência de
uma escrita fonética, isto é, de uma escrita que transcreva a oralidade. Os
desvios por apoio na oralidade são definidos como alterações provocadas
por influência dos padrões orais. É sabido que há uma tendência daquele
que está em processo de alfabetização grafar as palavras da maneira em
que as pronunciam. Eis alguns exemplos.

Ortografia Desvio
queimar quemar
vexame vexami
enxada inchada
bandeja bandeija
caranguejo carrangueijo

9) Junção/Separação não Convencional


Esse tipo de desvio sofre forte influência da linguagem oral, que tem como
característica “um fluxo sonoro continuado”, ou seja, não pronunciamos as
palavras isoladamente. No entanto, a escrita impõe critérios claros e exatos em
relação à segmentação das palavras. Erros desse tipo surgem quando o aprendiz
não segmenta corretamente as palavras produzindo escritas tais como:
Novas tecnologias educacionais 49

Ortografia Desvio
queimar quei mar
Açaí assa-i
sofresse sofre-se
beija-flor beija flor

10) Confusão entre -am/-ão


A troca entre –am/ ão também é um exemplo de influência de padrões orais.
A confusão se dá pela substituição das letras finais de palavras que terminam
com -am e -ão. Além dos padrões fonéticos que podem influenciar nessa troca,
há também a confusão quanto ao morfema que indica, no modo indicativo, os
tempos verbais pretérito perfeito {-am} como em “chamaram” e o futuro do
presente em {-ão}, como em “chamarão”. Nesse caso, também está relacionada
à questão da tonicidade da palavra. Emprega-se a sequência gráfica -ão no caso
das oxítonas, quando se tratam de verbos no tempo futuro, e –am, no caso das

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
paroxítonas, quando são verbos com indicação do pretérito perfeito. Exemplos
extraídos de dados da escrita de alunos do ensino básico são:

Ortografia Desvio
ficarão ficaram
moravam maravão
começaram comesarão

11) confusão entre Surdo/Sonoro


Essas alterações caracterizam-se pela substituição de grupos de
letras que apresentam em comum o fato de representarem fonemas que se
diferenciam unicamente pelo traço de sonoridade, ou seja, um é desvozeado
e, o outro, vozeado. Os fonemas desvozeados ou surdos são produzidos
sem a vibração das cordas vocais, pois estas estão separadas quando o ar
dos pulmões passa pela laringe. Já, na produção dos fonemas vozeados ou
sonoros, as cordas vocais estão unidas e vibram quando ocorre a passagem
do ar pela laringe. Os desvios ocorrem entre os pares mínimos, por exemplo:

Pares mínimos Ortografia Desvio


/p/ e /b bandeja pamteze
/t/ e /d/ desça teça;
/t/ e /d/ experimentar espremendar
/t/ e /d/ desça terça
/k/ e /g/ gigante gicante
/k/ e /g/ aquário aguario
/k/ e /g/ enxugar inchuco
/k/ e /g/ guerra querra
/k/ e /g/ queimar gueimar
/k/ e /g/ caranguejo caranqueijo
Novas tecnologias educacionais 50

/f/ e /v/ viajei fiagei


/f/ e /v/ vexame fechame, fexume
/f/ e /v/ vizinho fizinho
/s/ e /z/ açaí azai
/s/ e /z/ açaizeiro açaiceiro
/s/ e /z/ sofresse sofreze
/s/ e /z/ desça deza
/s/ e /z/ vizinho vissinho
// e // encher enger
/s/ e /z/ rosa roza
// e // queixo quejo, queiju
// e // vexame vejame

12) Letras Parecidas


É a substituição de uma letra por outra em determinada palavra em

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
razão de serem parecidas em termos visuais. É o caso das letras que formam
os dígrafos e das letras m e n em posição inicial de sílaba. Nesses casos
“[...] a noção que está em jogo diz respeito a compreender com precisão
o traçado das letras, assim como o valor sonoro que pode ser atribuído a
cada uma delas” (ZORZI, 2003, p. 103).

Ortografia Desvio
vexame rechame
vizinho vizimho
cinema cinena
excelente exetente

13) Ausência de Nasalização


Este desvio se define pela ausência de marcadores para indicar a
nasalização de determinadas palavras. Alterações desse tipo envolvem
palavras como:

Ortografia Desvio
experimentar esperimetar
congelar cogelar
encher echer
caranguejo caragueijo

14) Inversão de letras


Esse tipo de desvio corresponde à confusão ou alteração quanto à
posição das letras ou sílabas nas palavras, ou seja, quando o grafema ocorre
fora da posição que deveria ocupar convencionalmente na palavra. É o
caso das palavras:
Novas tecnologias educacionais 51

Ortografia Desvio
queimar quiemar
assaltou ausatol
assaltou alsatou
cemitério semiteiro

15) Maiúscula/minúscula
Esse tipo de alteração caracteriza-se pelo emprego inadequado das
letras maiúsculas e/ou minúsculas. Observam-se essas alterações em
frases, palavras compostas e em nomes próprios. Como nas palavras:

Ortografia Desvio
beija-flor beijá-Flor
[...] gosto de dançar gosto de Dançar

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
[...] na rua Senador[...] [...] na rua cenador [...]

16) Troca de Palavras


Caracteriza-se pela troca de uma palavra por outra semelhante. É o
caso das palavras:

Ortografia Desvio
viagem viageiro
vexame feichado

17) Outras alterações


Por outras alterações entende-se aquele tipo de alteração que não se
incluem nos tipos de classificações aqui apresentadas. São aqueles desvios
que podem ocorrer na escrita de algumas crianças, quer por possíveis
problemas momentâneos de atenção ou por padrões idiossincráticos não
observados, por exemplo:

Ortografia Desvio
arraial araíaeir
açaizeiro araiau
guitarra vitar

Nascimento (2012), em sua pesquisa a respeito dos desvios


ortográficos nos textos de alunos de ensino médio, obteve os seguintes
resultados quanto à classificação destes desvios e sua frequência.
Novas tecnologias educacionais 52

Figura 18: Frequência de desvios ortográficos no ensino médio


Fonte: Nascimento, 2012, p. 17.

O gráfico evidencia que, entre os alunos do ensino médio pesquisados,


são os acentos gráficos e o apoio na oralidade os principais desvios
ortográficos constatados. Essas duas dificuldades podem ser minimizadas

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
pela aplicação de estratégias da Programação Neurolinguística, que enfatiza
que, na ortografia, é importante memorizar a imagem da palavra. Portanto,
na escrita das palavras, a pista é a visão e não a audição.

3.3 A Neurolinguística Aplicada à Memorização da Ortografia

De acordo com os PCN’s, é função da escola formar alunos competentes


na utilização adequada da ortografia da língua portuguesa. Entretanto, o
que se tem constatado por meio de pesquisas é que o nível de domínio no
campo ortográfico não está de acordo com a série em que se encontra o
aluno, o que nos leva a questionar a prática pedagógica, que não promove
a memorização de palavras sujeitas à interferência pela oralidade. Na
perspectiva de dinamizar estratégias pedagógicas de ensino de ortografia
que sejam mais efetivas, as técnicas da Programação Neurolingüística têm
apresentado resultados eficazes, conforme resultados obtidos em pesquisas
realizadas por Matheus Miller e Valteir Martins (2009), Jocivana Saraiva
(2016); Jocivana Saraiva e Silvana Martins (2015); Marilza Carriel (2016).
Segundo Bandler & Grinder (1977, p. 13):

A Programação Neurolinguística é a arte e a ciência da


excelência, ou seja, das qualidades pessoais. É arte porque
cada pessoa imprime sua personalidade e seu estilo àquilo que
faz, algo que jamais pode ser apreendido através de palavras e
técnicas. E é ciência porque utiliza um método e um processo
para determinar os padrões que as pessoas usam para obter
resultados excepcionais naquilo que fazem. Esse processo
chama-se modelagem, e os padrões, habilidades e técnicas
descobertos através dele estão sendo cada vez mais usados em
terapia, no campo da educação e profissional, para criar um
nível de comunicação mais eficaz, um melhor desenvolvimento
pessoal e uma aprendizagem mais rápida.
Novas tecnologias educacionais 53

A Programação Neurolinguística pode ser aplicada para apoiar


a prática pedagógica do professor de Língua Portuguesa no ensino
da memorização da ortográfica, através de um procedimento de
aprendizagem dinâmica.
Apresentamos atividades de aprendizagem de ortografia
fundamentadas na Programação Neurolinguística (PNL). Conforme
ressaltam Diltz e Epstein (1999), as pessoas aprendem proporcionalmente
ao uso que fazem dos sentidos. Aprendemos por meio dos sentidos:
aprendemos vendo, ouvindo, sentindo coisas; aprendemos até cheirando
e provando; apesar de, na maior parte do tempo, esses dois últimos sentidos
serem esquecidos pela educação tradicional.
Os autores observam que a educação tradicional tende a enfatizar
principalmente as partes visuais e auditivas da aprendizagem. Mas os
outros sentidos, especialmente as sensações e os movimentos corporais,
são tão importantes na aprendizagem quanto os olhos e os ouvidos.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Mesmo no que poderíamos considerar uma habilidade muito “cerebral”
como a matemática ou a ortografia, os outros sentidos são tão importantes
quanto o que vemos e ouvimos ou visualizamos. No caso da memorização
da forma convencional da escrita de uma palavra, a visão é o principal
sentido a ser focalizado.
No desenvolvimento da ortografia, capacidade de escrever correta
ou incorretamente uma palavra, tradicionalmente, o ensino focaliza a
audição, é o que afirmam Dilts e Epstein (1999, p. 37): “o principal problema
é quando a fonética é usada como a principal estratégia para soletrar e
é levada a extremos [...]”. Pela audição, o aluno é induzido a generalizar
a representação de um som de modo biunívoco: um som representado
sempre pelo mesmo grafema.
Entretanto, na ortografia da língua portuguesa, há palavras que
apresentam o mesmo som, mas cuja representação se distingue, ocorrência
que denominamos como representação múltipla. Vejamos o caso da
representação do fonema /s/ no português, nas palavras: cansaço, açaí, desça,
massa. Se a estratégia do aluno para a apropriação da escrita ortográfica for
a auditiva, ele não conseguirá grafar corretamente a essas palavras.
Para dinamizar a aprendizagem da ortografia, a PNL apresenta
estratégias para memorização das palavras. Sendo a visão o principal
sentido a ser empregado, é importante observar o movimento dos olhos.
Penteado (2001) explica que o movimento dos olhos é importante
indicador que evidencia as estratégias cerebrais na recuperação de
informações. No caso de recuperar a palavra memorizada, a estratégia é
mover os olhos para esquerda e para baixo, para acionar o visual lembrado,
conforme é demonstrado na figura 19.
Novas tecnologias educacionais 54

Figura 19: Movimento dos olhos


Fonte: Penteado, 2001

Para memorizar, os olhos devem se mover para cima e para a esquerda.


Logo, a estratégia para a memorização das palavras é empregar a visão e não
a audição. Cinco passos compõem a estratégia da memorização aplicando
as técnicas da PNL, conforme é apresentado pela figura 20.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Figura 20: Aplicação da PNL à ortografia
Fonte: Oficina do projeto a Neurolinguística Aplicada ao Ensino de Ortografia. PNL/Pibid UEA
(SILVANA MARTINS et.al. 2015).

3.4 Atividades de Aprendizagem

Indique com as letras a, b, c, a categoria do desvio ortográfico que


ocorreu na escrita das palavras abaixo e classifique-o, conforme o modelo.

(a) Desvios causados pela complexidade ortográfica


(b) Desvios provenientes da oralidade
(c) Desvios ortográficos de ordem pessoal

Ortografia Desvio ortográfico Categoria Classificação


atenção atensão a Representação múltipla
cadeira cadera
a partir apartir
encher enxer
guerra querra
hoje oje
árvore arvóre
Novas tecnologias educacionais 55

comprar coprar
gigante jigante
mulher muié

3.5 Aprofundando o Conhecimento

A pesquisa é um caminho eficiente para o aprofundamento do


conhecimento. Nessa perspectiva, propomos que sejam coletadas, por meio
de um ditado, 20 (vinte) palavras que contenham dificuldades ortográficas
referentes à representação múltipla, apoio na oralidade e à acentuação
gráfica, junto a uma turma de alunos de séries finais do ensino fundamental
ou do ensino médio. Após, verifiquem, em ordem decrescente as palavras
em que os desvios foram mais frequentes e classifique o tipo de desvio.

3.6 Exercícios de Aplicação

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Aplique, junto à turma pesquisada, a técnica da PNL para dinamizar a
aprendizagem da ortografia de 5 palavras selecionadas da pesquisa realizadas,
em que os desvios ortográficos foram mais frequentes. Na elaboração do material
de aplicação, explorem o visual da escrita dessas palavras, empregando imagens,
cores, movimento, destacando a letra cuja escrita pretendem enfatizar.
Para exemplificar, apresentamos a ortografia da palavra “fugir”.

Esta palavra possui duas dificuldades para escrevê-la corretamente. A


representação múltipla do fonema // e a ocorrência do –r final em verbos
no infinitivo que, na fala do amazonense, geralmente é elidido. Logo, a
tendência é o aluno escrever: fuji ou fugi. Os verbos na forma infinitiva
devem ser trabalhados no contexto de uma frase: “Ele vai fugir!”, para que
o aluno saiba identificar esse emprego.

3.7 Questão para Reflexão

Considerando que a acentuação gráfica é um dos mais frequentes


desvios ortográficos ocorrentes na escrita dos alunos, qual(is) seria(m)
a(s) hipótese(s) para explicar essa evidente dificuldade no processo de
apropriação da ortografia do português? Como o professor pode trabalhar
a acentuação na ortografia da língua portuguesa para melhor conduzir seu
aluno em sua aprendizagem?
Novas tecnologias educacionais 56

3.8 Síntese

Sumarizando, nesta unidade, apresentamos os resultados de


pesquisas sobre aspectos fonético-fonológicos da variedade do português
falado no estado do Amazonas, tais como processos de neutralização das
laterais e nasais alveolares e palatais diante de /i/, o apagamento do –R no
final de sílaba, o espalhamento da nasalização e a realização fonética da
consoante /S/. Também enfatizamos a relação entre fonema e grafema, a
análise e o tratamento dos desvios ortográficos e a aplicação de estratégias
da Programação Neurolinguística como ferramenta para apoiar o ensino-
aprendizagem da escrita ortográfica.

3.9 Leituras Indicadas

Em referência às características fonético-fonológicas da fala

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
manauara, propomos a leitura dos seguintes estudos:

CORRÊA, Hydelvídia Cavalcante de O. O falar do caboclo amazonense (aspectos fonético-


fonológicos e léxico-semânticos de Itacoatiara e Silves). Dissertação (Mestrado em Letras),
PUC-RJ, 1980.
CAMPOS, Maria Sandra. O FALAR DE BORBA: ASPECTOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS.
Cadernos de Letras da UFF. Dossiê Literatura e humor. No. 37, p. 135-152, 2º sem. 2008.
Disponível em: <http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/37/artigo9.pdf>
MARTINS, Flávia Santos. Comportamento fonético-fonológico do /S/ pós-vocálico em Manaus.
Revista Investigações - Vol. 25, nº 2, Julho/2012. p. 249-274. Disponível em: http://www.
repositorios.ufpe.br/revistas/index.php/INV/article/view/348/293. (Arquivo 19)
Para compreender a relação entre fonema e grafema e o ensino da ortografia, indicamos
a leitura do livro Alfabetização e Linguística, de Luís Carlos Cagliari. São Paulo: Scipione,
2001 e de Escrita e alfabetização, de Carlos Alberto Faraco. São Paulo: Contexto, 1992.
Em referência à Programação Neurolinguística e sua aplicação na educação, sugerimos a
leitura de Aprendizagem Dinâmica, volumes I e II, de Robert Brian Dilts e Todd Epstein,
São Paulo: Summus, 1999 e a Leitura do artigo A estratégia de soletração na PNL, de Robert
Brian Dilts, disponível em <http://golfinho.com.br/artigo/a-estrategia-de-soletracao-da-
pnl.htm> e entrevista de João Nicolau Carvalho: PNL é aliada no combate ao analfabetismo
funcional, disponível em <http://golfinho.com.br/entrevistas-e-teses.htm>, além da apostila
de Neurolinguística Aplicada à educação, disponível em http://www.rbenche.com.br/
intranet/upload/apostilaprogramacaoneurolinguistica.pdf.

3.10 Sites indicados

Como indicação para acompanhar o desenvolvimento da PNL aplicada


ao ensino, recomendam-se o site Golfinho: <http://golfinho.com.br/ e o site da
Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística: <www.pnl.com.br/>,
que ajudam a entender melhor como o ser humano pensa, age e se comunica.
Novas tecnologias educacionais 57

Referências

BANDLER, Richard; GRINDER, John. A Estrutura da Magia. Ed. Guanabara Koogan, 1977.
BARBOSA, Juliana Bertucci. Meu aluno escreve “pexe”! Contribuições da Fonologia para
entender desvios de escrita. In: ABREU, Antônio S.; SPERANÇA-CRISCUOLO, Ana C.. Ensino
de português e linguística: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2016. p. 33-48.
BARBOSA, Plínio; ALBANO, Eleonora C. Brasilian Portuguese. Journal of the International
Phonetic Association. 34(2), 2004, p. 227-232. Disponível em: <http://www.unicamp.br/
iel/site/docentes/plinio/BarbosaAlbano.pdf>. Acesso em 30 de set. de 2016.
BERÇOT-RODRIGUES, Shanay Freire. A realização da fricativa glotal na fala manauara.
Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade Federal do Amazonas – UFAM,
2014. Disponível em: <http://www.ppgl.ufam.edu.br/attachments/article/36/
Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Shanay%20Ber%C3%A7ot->. Acesso em 20 de out. 2016.
BISOL, Leda. (org.) Introdução aos Estudos de Fonologia do Português Brasileiro. 4. ed.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
BISOL, Leda; OLIVEIRA, Demerval da Hora. A palatalização da oclusiva dental e a fonologia
lexical. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11447/6921.>
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http://cvc.instituto-camoes.pt/cpp/acessibilidade/capitulo1_1.html
Novas tecnologias educacionais 61

Textos/vídeos complementares

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e alfabetização, de Carlos Alberto Faraco. São Paulo: Contexto, 1992.
A estratégia de soletração na PNL, de Robert Brian Dilts. Disponível em: <http://golfinho.
com.br/artigo/a-estrategia-de-soletracao-da-pnl.htm>
Entrevista de João Nicolau Carvalho: PNL é aliada no combate ao analfabetismo funcional.
Disponível em: <http://golfinho.com.br/entrevistas-e-teses.htm>
Apostila de Neurolinguística Aplicada à educação. Disponível em: http://www.rbenche.
com.br/intranet/upload/apostilaprogramacaoneurolinguistica.pdf.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
unidade 3
Ensinar a ler e formar leitores: estratégias de
desenvolvimento das competências e habilidades
leitoras na alfabetização

Texto base 1
Texto base 2
Leituras/vídeos indicados
Novas tecnologias educacionais 63

Texto base 1

CONCEPÇÕES DE LEITURA E DE LINGUAGEM:


IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO E NO
DESENVOLVIMENTO DO LEITOR PROFICIENTE

READING AND LANGUAGE CONCEPTS: IMPLICATIONS IN THE


TRAINING AND DEVELOPMENT OF THE PROFICIENT READER

Dalve Oliveira Batista-Santos1


Aliriany Alves da Cruz Ferreira2

Resumo: A presente pesquisa é bibliográfica descritiva de cunho qualitativo e procura discutir


acerca das concepções de leitura e linguagem e as suas implicações na formação do leitor

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
proficiente. Buscou-se embasamento na Linguística Aplicada e em estudiosos que têm como
foco a temática discutida nesta pesquisa, sendo eles: Kleiman {2004}, Coracini {2002; 2005},
Leffa {1996}, Kato {2002}, Fuza, Ohuschi, Menegassi {2011} e Fuza {2010}. Com as discussões
inferiu-se que a concepção de leitura/linguagem que é fundamental para o desenvolvimento
do leitor proficiente é a perspectiva interacional, uma vez que, por meio dela, o sujeito-leitor
dialoga com o autor-texto e constrói múltiplos sentidos a partir das informações que são
disponibilizadas. Além disso, o leitor proficiente consegue agir ativamente em relação aos
discursos emergentes no texto, sustentando um diálogo com o outro e com o mundo.

Palavras Chaves: Concepções de Linguagem; Concepções de Leitura; Leitura; Leitor Proficiente.

Abstract: The present research is a descriptive and biographical study which aimed to discuss
the conceptions of reading and language and their implications in the formation of the proficient
reader. For the theoretical framework for this study is based on the Applied Linguistics literature
and scholars who focus on the theme discussed in this research such as: Kleiman {2004}, Coracini
{2002; 2005}, Leffa {1996}, Kato {2002}, Fuza, Ohuschi, Menegassi {2011} and Fuza {2010}. lt
was inferred form the discussion, that the conception of reading / language that is fundamental
for the development of the proficient reader is the interactional perspective, since the reader-
subject dialogues with the author-text and constructs multiple senses from the lnformation
that is made available. ln addition, the proficient reader is able to act actively in relation to the
emerging discourses in the text, sustaining a dialogue with the other and with the world.

Kay Word: Language Concepts; Concepts of Reading; Reading; Proficient Reader.

Introdução
A riqueza da leitura não está necessariamente nas grandes obras
clássicas, mas na experiência do leitor ao processar o texto. O
significado não está na mensagem do texto mas na série de
1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Universidade Federal do
Tocantins (UFT). dalve@uft.edu.br
2 Universidade Federal do Tocantins (UFT). aliriany201S@hotmail.com
Novas tecnologias educacionais 64

acontecimentos que o texto desencadeia na mente do leitor.


(LEFFA, 1996, p. 1S}

Discutir sobre leitura ou formação do leitor a priori representa uma


atividade simples, posto que essa temática é foco de discussão de muitos
pesquisadores, bem como algo muito presente no cotidiano, principalmente
em se tratando da vida acadêmica. No entanto, quando se observa sobre os
detalhes do conceito e do processo que envolve essas ações, torna-se algo
complexo e com inúmeras possibilidades de discussão. Para desenvolver a
formação crítica do leitor, a prática da leitura exerce um papel fundamental.
Segundo Fuza (2010, p. 8},

[...] a prática da leitura é uma das responsáveis pelas relações sociais


entre os sujeitos, uma vez que possibilita o acesso do indivíduo ao
mercado de trabalho, além de promover a reflexão sobre diferentes
realidades e favorecer a formação de um sujeito-leitor crítico.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
O ato de ler não se resume apenas à decodificação de código, mas uma
prática social, e é essa maneira que precisa sobressair nas escolas para
formar leitores proficientes. Nessa perspectiva, a presente pesquisa faz-
se necessária para compreender as concepções de leitura e linguagem e
como elas contribuem na formação e desenvolvimento do leitor proficiente.
Assim, a escolha dessa temática, se justifica pela necessidade de promover
uma reflexão junto aos professores de Língua Portuguesa acerca da
importância da compreensão das concepções de linguagem e de leitura
que norteiam o ensino e aprendizagem de Língua Materna (LM}.
A relação entre o dueto concepção de linguagem e concepção de leitura
é fundamental na formação e no desenvolvimento do leitor proficiente. Tal
compreensão leva em observação a dependência do texto-leitor, ou seja,
uma depende do texto (leitura foco no texto}, outra do leitor (leitura foco no
leitor} e uma terceira que compreende a interação entre autor/texto/ leitor
(leitura como interação}. Sendo esta última considerada, nesta pesquisa,
importante para o desenvolvimento do leitor proficiente. Dessa forma,
corroborando com essa perspectiva, Coracini (2002, p.14} define que,

na concepção intermediária de leitura, vista como interação entre


os componentes do ato da comunicação escrita, o leitor, portador
de esquemas (mentais} socialmente adquiridos acionaria seus
conhecimentos prévios e os confrontaria com os dados do texto,
"construindo", assim, o sentido. Nessa concepção, o bom leitor é
aquele que é capaz de percorrer as marcas deixadas pelo autor
para chegar à formulação de suas ideias e intenções.

Para assimilação das informações presentes nos textos é preciso que


o leitor consiga ir além da decodificação de símbolos, não se limitando ao
texto, mas fazendo uma ligação do texto com seus conhecimentos prévios,
possibilitando, assim, a construção de múltiplos sentidos.
Novas tecnologias educacionais 65

Diante do exposto, nossa pesquisa é bibliográfica descritiva de


cunho qualitativo e busca discutir a temática das concepções de leitura e
linguagem e sua importância no ensino de Língua Materna. Assim, para
atender ao objetivo proposto, optou-se em dividir o trabalho em três seções.
Na primeira seção, são discutidas as concepções de linguagem e de leitura
na perspectiva de Kleiman (2004}, Coracini (2002, 200S}, Lefta (1996/1999},
Travaglia (1996}, Bakhtin/Volochinov (1992}, Kato (2002}, Fuza, Ohuschi,
Menegassi (2011} e Fuza (2010}.
Na segunda seção, é abordada a relação entre concepção de linguagem
e leitura e o ensino de língua materna, segundo os princípios de Fuza;
Ohuschi; Menegassi (2010} e Leffa (1996}, Koch (200S}, Lima (200S},
Coracini (2002} e Fuza (2010}. Na última seção, serão discutidas reflexões
sobre a formação e desenvolvimento do leitor proficiente, tendo como base
Coracini (200S}, Angelo e Menegassi (2008} e Menegassi (2010}.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Concepções de linguagem e leitura

Nesta seção, inicialmente, discute-se as concepções de linguagem


e leitura em conformidade com os teóricos mencionados anteriormente,
apontando as teorias acerca dessas concepções.

Concepções de Linguagem

Primeiramente, é essencial saber sobre língua, sujeitos e interação,


para assim assimilar as concepções de linguagem. Nesta perspectiva, para
Geraldi (1997, p. 6-7},

a} língua (no sentido sociolinguístico do termo} não está de


antemão pronta, dada como um sistema de que o sujeito se
apropria para usá-la segundo suas necessidades específicas do
momento de interação, mas que o próprio processo interlocutivo,
na atividade de linguagem, a cada vez a (re} constrói;
b} os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem
com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo
resultam como "produto" deste mesmo processo. Neste sentido,
o sujeito é social já que a linguagem não é o trabalho de artesão,
mas trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os
outros e com os outros que ela se constitui. Também não há um
sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se
complementando e se construindo nas suas falas;
c} as interações nãosedãoforadeumcontextosocialehistórico
mais amplo; na verdade, elas se tornam possíveis enquanto
acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma
determinada formação social, sofrendo as interferências, os
controles e as seleções impostas por esta. Também não são, em
relação a estas condições, inocentes. São produtivas e históricas
e como tais, acontecendo no interior e nos limites do social,
constroem por sua vez limites novos.
Novas tecnologias educacionais 66

A língua é concebida no momento em que o sujeito a utiliza, não é


um sistema acabado, fechado. A reconstrução da língua acontece a cada
ato interlocutivo, assim como o sujeito só se constitui a partir da troca de
informações com o outro, pois a linguagem é um ato social, constituída na
interação dos sujeitos. Para assimilar as concepções de linguagem, é preciso
identificar como esses três pontos, língua/sujeito/interação, se realizam
num processo cíclico e de dependência.
Parte-se, agora, para as concepções de linguagem que são concebidas
como: expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e interação.

Figura 1: Concepções de linguagem

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Fonte: elaborada pelas autoras.

A primeira, a que vê a linguagem como expressão do pensamento,


remete à concepção de que a linguagem como literalmente uma cópia
do que os indivíduos pensavam. A gramática normativa parte desta
perspectiva, concebendo a língua como algo homogêneo e estático, sendo
o "certo e errado" requisitos fundamentais para o falante. Essa concepção,
segundo Koch (200S}, concebe um sujeito psicológico e individual, ou seja,
um sujeito independente, dono da verdade e de seu agir. Assim, esse sujeito
é vislumbrado como um ser que arquiteta mentalmente representações de
mundo e deseja que sejam "captadas" pelo interlocutor da maneira como
foram mentalizadas (KOCH, 200S, p.13}.
Na linguagem como expressão do pensamento, o sujeito não sofre
influência do meio externo no processo de compreensão e aquisição
de conhecimento, pois cabe a ele, em consonância com conhecimento
adquirido a respeito das convenções da língua, construir o sentido e
exteriorizá-lo. Seguindo essa linha de pensamento, Fuza; Ohuschi;
Menegassi (2011, p. 482} asseveram que:

A concepção de língua como expressão do pensamento está


relacionada às chamadas gramáticas normativo-prescritivas que,
segundo Possenti (1997, p. 64}, são todas aquelas gramáticas cujo
conteúdo corresponde a um conjunto de regras que devem ser
seguidas e, por isso, destinam-se a ensinar os sujeitos a falarem
e a escreverem corretamente, sendo os transgressores de tais
regras considerados grosseiros, caipiras, incapazes de aprender.
Novas tecnologias educacionais 67

Esse processo posiciona o sujeito como passivo, ou melhor, alguém


que absorve as informações contidas nos textos e, com base nas regras
normativas, expõe sem fazer inferências, servindo apenas para desenvolver
o domínio da língua (do falar bem} sem preocupação com a compreensão
do texto, pois, como afirma Travaglia (1996, p. 22}, "para essa concepção, o
modo como o texto, que se usa em cada situação de interação comunicativa,
está constituído não depende em nada de quem se fala, em que situação
se fala, como, quando e para quem se fala."
A segunda concepção, a linguagem como instrumento de
comunicação, utiliza a linguagem para transferir ao interlocutor as
informações necessárias, e, novamente aqui, o sujeito é passivo, assim como
na primeira concepção. Dessa forma, esta concepção vê a linguagem apenas
como um instrumento de comunicação, pois nela o sistema linguístico é
percebido como um fato objetivo externo à consciência individual.
Na perspectiva da linguagem como instrumento de comunicação, a língua

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
é concebida, segundo Travaglia (1996}, como um código, e emissor e receptor
necessitam dominar esse código para que a comunicação seja efetivada.
Nessa linha de pensamento, Fuza; Ohuschi; Menegassi (2011, p. 482}
afirmam que, "[...] nessa concepção, a linguagem é concebida como uma
ferramenta, empregada para transmitir uma mensagem, uma informação,
utilizando, segundo Geraldi (1997}, a variedade padrão e desprezando-se
as demais variedades linguísticas". Nessa perspectiva, a língua vista como
código, possui a finalidade apenas de transmitir informações sem levar em
consideração o contexto social de interação verbal.
Diferentemente das concepções apresentadas anteriormente,
na terceira vertente, na concepção de linguagem como interação, a
linguagem é compreendida como processo de interação entre os sujeitos
e, por meio dela, esses sujeitos realizam atividades que envolvem o uso
social da linguagem, levando em consideração o contexto no qual eles
estão inseridos. Conforme Bakhtin/ Volochinov (1992, p.127}, a língua é
concebida como um:

[...] processo ininterrupto, realizado através da interação verbal,


social, entre interlocutores, não sendo um sistema estável de
formas normativamente idênticas. Assim, os sujeitos são vistos
como agentes sociais, pois é por meio de diálogos entre os
indivíduos que ocorrem as trocas de experiências e conhecimentos.

Como apresentado na citação acima, o interlocutor deixa de ser passivo,


de absorver, decodificar e repassar as informações, passando a exercer o
papel de sujeito ativo, fazendo as inferências pertinentes, pautado no meio
social para produção do enunciado. O sujeito, por meio da linguagem,
interage de forma significativa com o meio e com o outro, promovendo
práticas dialógicas no processo de apreensão e construção do conhecimento.
Ainda nessa perspectiva, Bakhtin/ Volochinov (1992, p. 290} afirma que:
Novas tecnologias educacionais 68

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que


sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não
é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam
tão variados como as próprias esferas da atividade humana [...].
A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e
escritos}, concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma
ou doutra esfera da atividade humana.

Conforme o autor, a sociedade se constitui por meio de práticas


linguageiras, do uso social da linguagem (usos dos gêneros textuais, orais
e escritos}. O sujeito, por meio da interação, assume um papel de agente
transformador. Esse papel perpassa o simples ato comunicativo, pois aqui
o sujeito transforma e é transformado por sua ação.
Dessa forma, na linguagem como interação, o sujeito ao utilizar a
língua não faz apenas transmitir e exteriorizar um pensamento, ou repassar
informações ao receptor, mas sim realiza ações, age sobre o interlocutor

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
(ouvinte/leitor}.

Concepções de Leitura

A leitura, em uma acepção geral, pode ser compreendida como um


processo de representação, de atribuição de sentidos, pois, como afirma
Leffa (1996, p. 10},

A leitura é basicamente um processo de representação. Como


esse processo envolve o sentido da visão, ler é, na sua essência,
olhar para uma coisa e ver outra. A leitura não se dá por acesso
direto à realidade. Nessa triangulação da leitura o elemento
intermediário funciona como um espelho; mostra um segmento
do mundo que normalmente nada tem a ver com sua própria
consistência física. [...] Como esses espelhos oferecem imagens
fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é possível
quando se tem um conhecimento prévio desse mundo.

Conforme observado, a leitura somente é concretizada quando o leitor


consegue fazer as inferências entre a sua realidade com aquilo que está
sendo mostrado no texto. Para isso, o leitor precisa ter conhecimento do
mundo e, portanto, ter a capacidade de sustentar o diálogo texto- leitor.
Nessa linha de pensamento, Kleiman (2004, p.80} afirma que a leitura
"pressupõe a figura do autor presente no texto através de marcas formais
que atuam como pistas para a reconstrução do caminho que ele percorre
durante a produção do texto".
De acordo com Coracini (200S, p. 20}, numa perspectiva clássica, o
processo de leitura dar- se-á: "[...] (1} enquanto decodificação: descoberta
do sentido; e (2} enquanto interação: construção do sentido [...]". Essas
perspectivas direcionam o olhar do leitor: na primeira, esse leitor
desempenha o papel de decodificador do que está exposto no texto; já, na
Novas tecnologias educacionais 69

segunda, o leitor apropria-se do texto produzindo sentido, utiliza o texto


como suporte para as novas significações.
Com isso, é notório como as concepções de leitura sofreram com as
influências nessa área no decorrer do tempo, em que ora se focalizava
numa perspectiva do texto, ora no leitor e, intermediariamente, surge a
perspectiva de interação entre texto-leitor. A este respeito, Fuza (2010,
p.12}, com base em outros estudiosos, apresenta três concepções de leitura:

A leitura centrada no texto pode ser denominada: leitura sob a


perspectiva do texto; leitura como extração (processo ascendente/
bottom up}; leitura como decodificação. A leitura centrada no
leitor é denominada: leitura sob a perspectiva do leitor; leitura
como atribuição (processo descendente/top down}. O diálogo
entre texto e leitor promove o surgimento do conceito de leitura
como interação. (FUZA, 2010, p.12} grifo nosso.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
A leitura centrada no texto, ou processo ascendente/bottom-up3
(KATO, 2002}, privilegia as informações contidas na superfície textual. O
leitor precisa assimilar o que está sendo dito no texto, sem espaço para
compreensão fora desse contexto. No processo descendente/top-down4
(KATO, 2002}, acontece uma inversão dos papéis, pois, nessa vertente, o
leitor passa a ser o centro em que todas as inferências do texto serão feitas
a partir do próprio leitor. A última forma de leitura, a interação, procura
estabelecer uma ligação entre o texto e o leitor, atribuindo a ambos os
papéis necessários para efetivação da leitura.
A leitura enquanto interação possibilita as múltiplas leituras (vários
sentidos} de um texto, um contraponto que leva em consideração as informações
contidas no texto e as informações adquiridas do leitor sobre o texto.
Percebe-se, dessa forma, que a leitura não deve ser entendida como um
produto acabado, mas sim como processo contínuo em que o leitor precisa
receber as informações. A leitura deve deixar que esse sujeito, mediante
o conhecimento adquirido, exerça um papel ativo na sociedade, afinal o
leitor não deve ser considerado um sujeito passivo, que recebe tudo do texto.
Resumindo, as concepções de leitura são concebidas da seguinte forma:

3 O processo bottom-up significa, em sua tradução, "de baixo para cima", em que o processo
da leitura é concebido em sentido ascendente, desde as unidades menores (letras e
conjuntos de letras} até as mais amplas e globais (palavras e textos}.
4 O processo top-down, em sua terminologia, significa "de cima para baixo", em que a
leitura é desenvolvida em sentido descendente, do geral (unidades mais globais para mais
discretas}. Nesse processo, o leitor é o principal eixo na construção de sentidos.
Novas tecnologias educacionais 70

Figura 2: Concepções de Leitura

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Fonte: elaborada pelas autoras.

Diante do gráfico (concepções de leitura}, não se pretende dizer que


uma concepção é melhor que a outra, pois é necessário considerar a leitura
como extração e atribuição, já que o leitor precisa conhecer e compreender
os aspectos linguísticos que permeiam o texto para decodificação dos dados.
É fundamental utilizar o conhecimento e contexto social/histórico que
circundam o texto e o próprio leitor para, assim, atribuir sentidos a sua leitura.
Destarte, com o uso dos processos (foco no texto, foco no leitor
e interação autor-texto- leitor} é que os sujeitos promoverão a via
intermediária de leitura como interação, não podendo pautar apenas
em uma vertente, mais utilizá-las simultaneamente na obtenção de um
resultado satisfatório para a construção dos sentidos pelo leitor.

Relação entre concepção de linguagem e leitura

Diante do discutido até aqui, notou-se que as concepções de linguagem


e de leitura entrelaçam entre si, buscando articular as diferentes teorias de
compreensão e de interpretação da realidade com mecanismos presentes
na metodologia, na busca da compreensão crítica do ato de ler. Dessa forma,
a presente pesquisa busca analisar as concepções de leitura e linguagem
e as suas implicações na formação do leitor proficiente.
Nesta seção, discutir-se-á a relação das concepções de linguagem com
as concepções de leitura, tendo como enfoque o ensino de leitura. Assim,
será demonstrado como é concebido o leitor dentro dessas perspectivas e
as implicações delas no ensino de leitura.
Como foi discutido anteriormente, existem três concepções de
linguagem e três concepções de leitura. A concepção da linguagem como
espelho do pensamento, segundo Fuza, Ohuschi e Menegassi (2011},
orientou muitos docentes em suas práticas pedagógicas primarem por
Novas tecnologias educacionais 71

um ensino de Língua Materna (LM} pautado em convenções de língua


(regras, conceitos} numa perspectiva normativa e centrada no processo
de transmissão do saber/conhecimento.
Ainda na perspectiva desses autores (2011, p. 483}, neste período
(que foi durante a década de 60}, o processo de ensino e aprendizagem
fundamentava-se em, "textos literários e no reconhecimento de normas e
de regras de funcionamento da língua, haja vista que os alunos da época
faziam parte de classes privilegiadas da sociedade que já frequentavam a
escola com certo domínio da norma culta".
Na linguagem como expressão do pensamento, a língua é estática,
regida por regras gramaticais, ou seja, não se tem abertura para estudar
as variações linguísticas, o uso da linguagem em seus variados contextos,
já que a percepção aqui é de "certo ou errado".
Nessa concepção, o indivíduo usa a prática de leitura para exteriorizar
seu pensamento, o falar bem é uma característica dessa concepção de

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
linguagem, pois como afirma Leffa (1996, p. 12}, "erros de leitura oral são
vistos como provas de deficiência em leitura. A leitura é um processo linear
que se desenvolve palavra por palavra. O significado é extraído - vai-se
acumulando - à medida que essas palavras vão sendo processadas".
Na perspectiva de Koch (200S, p. 16}, o texto é entendido "como um
produto lógico do pensamento (representação mental} do autor, nada mais
cabendo ao leitor/ouvinte se não captar essa representação mental [...]".
Infere-se, assim, que o significado vai do texto ao leitor, não cabendo este
questioná-lo. E ler, nessa concepção, é extrair sentido do texto, direcionando
a aprendizagem à oratória, um exemplo típico é a leitura em voz alta.
Essa prática nos remete a um ensino de LM pautado em regras
gramaticais (exercícios de fixação de conteúdos}, pois acredita-se que, por
meio da apropriação destas, o sujeito terá um domínio efetivo das práticas
de oralidade e escrita. Dessa forma, nesta concepção (linguagem como
expressão do pensamento/leitura como extração} "o domínio do bem falar
constituía-se como objetivo da concepção de linguagem como expressão do
pensamento, não garantindo que o aluno tivesse compreendido realmente
o texto". (FUZA, OHUSCHI e MENEGASSI, 2011, p. 484}.
Na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, como
discutido anteriormente, a linguagem é idealizada como uma ferramenta,
usada para transmitir uma mensagem ou informação e a leitura aparece
como um processo de decodificação, ou seja, é trabalhada de uma forma
descontextualizada, não levando em consideração o leitor, pois o foco é o
texto. Lima, (200S, p. 20} ao discorrer sobre o assunto, afirma que,

Nessa perspectiva, pode se falar em des-cobrir ou des-vendar o


sentido (tirar as cobertas ou as vendas}, ou melhor, pode se afirmar
que o significado se encontra depositado para sempre nas palavras
ou nos signos: a função do leitor - depreende-se daí - seria a de
resgatar esse significado impresso nos sinais gráficos ou pictóricos.
Novas tecnologias educacionais 72

Diante da afirmação de Lima (200S}, compreende-se que a leitura


é vista aí como um processo ascendente (bottom up}, pois se espera do
leitor em relação ao texto, um processo mecânico, de decodificação, que
não ativa a reflexão e o posicionamento proficiente do leitor na construção
dos sentidos. Nessa abordagem, o sentido é homogêneo e está explícito na
superfície do texto.
Por fim, a concepção de linguagem como interação se distingue das
concepções anteriores, pois não é apenas organizada pela atividade mental
e transmitida pelo indivíduo para o meio social. É um processo que leva em
consideração o contexto sócio-histórico-cultural na produção de sentidos,
uma visão dialógica, pois o social interfere no individual. Essa concepção
é resultado da interação entre leitor/texto/autor. De acordo com Coracini
(2002, p. 1S}, essa concepção é

[...] vista como interação entre os componentes do ato da

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
comunicação escrita, o leitor portador de esquemas (mentais}
socialmente adquiridos acionaria seus conhecimentos prévios
e os confrontaria com os dados do texto, "construindo" assim,
o sentido. Nessa percepção, o bom leitor é aquele que é capaz
de percorrer as marcas deixadas pelo autor para chegar à
formulação de suas ideias e intenções.

Diante disso, compreende-se que, antes mesmo da leitura, é possível


ativar os conhecimentos prévios a respeito do texto, como uma estratégia que
possibilita ao leitor se posicionar diante de um texto e ter uma reflexão crítica.
Porém, no contexto educacional, é observado que o papel do professor
e do aluno ainda está vinculado a uma prática de leitura respaldada no
processo de decodificação dos signos. As escolas ainda estão norteadas
por um processo de leitura que privilegia ou o texto ou leitor, deixando de
lado o processo interacional, que é considerado significativo para formação
de leitores proficientes. Em sua pesquisa, Fuza (2010, p. 13} destaca que,

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira1 (INEP, 2003}, muitos estudantes
brasileiros chegamà 4ªsériedo Ensino Fundamentalsemterem
desenvolvido competências e habilidades básicas de leitura, sem sair,
na maioria das vezes, do nível da decodificação, o que não possibilita
o diálogo entre autor-texto-leitor. Diante disso, o trabalho com a
escrita, consequentemente, é afetado, pois é a partir da leitura que
se adquirem informações e se desenvolve o senso crítico dos sujeitos.

Nas salas de aulas, ainda se procura enfatizar o ensino de leitura através


da passividade do aluno, pois cabe ao estudante interiorizar a gramática
normativa e executar os exercícios que estão nos livros didáticos, constituindo
atividades que priorizam a repetição dessa assimilação de regras e impedindo
que o aluno consiga ir além dessas regras de memorização das normas. Nessa
perspectiva, Fuza; Ohuschi; Menegassi (2011, p. 482} afirmam que
Novas tecnologias educacionais 73

[...] a aprendizagem da teoria gramatical é tida como garantia para se


chegar ao domínio das linguagens (oral e escrita}, isto é, acredita-se que
a prática de exercícios gramaticais leva à incorporação do conteúdo e
que a gramática normativa deve ser um núcleo de ensino [...].

Essas práticas de exercícios que focalizam na incorporação do


conteúdo remetem à concepção de linguagem como expressão do
pensamento, que espera com a repetição, com a prática da leitura em voz
alta, o domínio da linguagem tanto oral quanto escrito, pois os educandos
exteriorizarão o conhecimento adquirido através da prática de repetição.
Apesar de, na maioria das vezes, o material escolar (livro didático,
exercícios de fixação, etc.} direcionar para formação de um leitor passivo,
que não consegue inferir sobre aquilo que está exposto, o professor5 precisa
possibilitar um ambiente que promova o processo de compreensão e
interpretação por parte dos alunos em relação ao texto. Tem que demonstrar
que a leitura vai além das letras grafadas no papel. Dessa forma, no âmbito

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
educacional, o educador precisa ser a ponte que liga o texto e o leitor (aluno},
pois este ainda se encontra em amadurecimento.
Diante do exposto, compreende-se que, na concepção de linguagem
como interação, a leitura é

[...] resultado da interação entre leitor-texto-autor, que são


responsáveis pela construção dos significados do texto e pela
produção de sentidos. A leitura não é tida apenas como uma
prática de extração, haja vista que implica compreensão e
conhecimentos prévios que são constituídos antes mesmo da
leitura (FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011, p. 494}.

Nesse processo, devemos levar em consideração que existe um diálogo


entre as concepções de leitura e linguagem, em que cada uma se torna
etapa para outra, como é demonstrado na figura a seguir:

Figura 3: Diálogo entre as concepções de leitura e de linguagem

Fonte: elaborada pelas autoras


5 Mesmo não dando um enfoque mais amplo no papel do professor neste processo, nesta pesquisa,
compreende-se que ele tem um papel fundamental no processo de ensino e aprendizagem de
leitura, por promover e possibilitar estratégias que venham facilitar este processo.
Novas tecnologias educacionais 74

Destarte, assume-se nesta pesquisa as concepções de linguagem e


leitura enquanto interação. Porém, vale ressaltar que todas as concepções
dialogam entre si, uma vez que se trata de um processo ascendente em que
cada concepção de linguagem/leitura se refere a processos de conhecimentos
fundamentais para o crescimento do leitor. Quanto à concepção na visão da
interação, o papel do leitor é de dialogar com o texto, utilizando a linguagem
não mais para expressar ou transmitir conhecimento, mas sim para
compreendê-la de forma significativa dentro da sua funcionalidade.

Reflexões sobre a formação e desenvolvimento do leitor proficiente

Tendo em vista as concepções de linguagem e leitura e como essas


concepções são desenvolvidas no ambiente escolar, torna-se importante,
também, refletir "em que" e "como" estas concepções contribuem na/para
formação leitor proficiente.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Todavia, é válido elencar a relevância que o ato de ler ou o saber
ler exerce atualmente sobre o indivíduo, pois trata de uma habilidade
fundamental para a sociedade letrada, já que toda atividade humana exige
essa habilidade, desde o ato de pegar o ônibus (atividade cotidiana} ou algo
de maior complexidade (ler um artigo científico}. E, principalmente, esse ato
de ler tem que ser feito por leitores proficientes (Kleiman, 2004}, pessoas
que consigam compreender nos textos os elementos implícitos, para que
ocorra o diálogo do texto presente com outros textos lidos e para que se faça
a ligação entre o conhecimento de mundo e aquilo que está exposto no texto.
Ao constatar a importância do ato de ler na vida do sujeito, precisa-
se verificar como as concepções de leitura, embasadas nas concepções de
linguagem (que vai do processo de extração ou decodificação - expressão do
pensamento; o foco no texto - instrumento de comunicação; a interação leitor/
texto/autor/-interação}, colaboram para a formação do leitor proficiente.
Seguindo essa linearidade do processo, Coracini (200S, p. 22} afirma
que, no ambiente escolar "ainda vigora, com grande intensidade, a visão da
leitura como decodificação, segundo a qual o texto teria uma única leitura
correta e possível, ou seja, a do professor ou do livro didático".
Nessa visão (processo ascendente/bottom-up}, a formação do leitor
se restringe ao processo de decodificação, dando ao sujeito o papel de
passividade em relação ao seu desenvolvimento proficiente. Assim, essa
prática limita o sujeito a extrair do texto apenas aquilo que é permitido,
impossibilitando a construção de uma leitura diferente, uma vez que tudo
já está presente no texto. Como menciona Coracini (200S, p.14}, o texto
nessa concepção "objetifica, ganha existência própria, independente do
sujeito e da situação de enunciação: o leitor seria, então, o receptáculo de
um saber contido no texto, unidade que é preciso capturar para construir
o sentido" (grifo da autora}.
Entretanto, como todo processo, salienta-se que essa concepção é uma
etapa para o desenvolvimento proficiente do sujeito, uma vez que é necessário,
Novas tecnologias educacionais 75

a priori, que o leitor decodifique o sistema linguístico e tenha um domínio


mediano das convenções de sua língua. Todavia, o que não pode acontecer é
o prolongamento dessa etapa que, segundo Menegassi (2010, p. 9},

[...] A formação do leitor é uma fase extremamente importante e


necessária, entretanto, não se pode permanecer nela por muito
tempo, pois, caso contrário, o desenvolvimento do leitor não se
constitui, o que impede o indivíduo de formar-se um cidadão
crítico e consciente junto à sociedade.

Agora com o foco exclusivamente no leitor (processo descendente/


top-down} é provável que o desenvolvimento do leitor proficiente seja
"comprometido", pois é uma fase que consiste em atribuir significados
ao texto, baseados nos conhecimentos prévios do leitor, possibilitando
abertura no texto para variadas interpretações. Para Kato (2002}, focar
unicamente no leitor que possui apreciações diversas sobre vários assuntos

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
implica tornar a leitura em um ato exagerado de suposições individuais.
No entanto, é correto inferir que todas essas fases são fundamentais
para a formação e desenvolvimento do sujeito, porque, para haver diálogo
entre o leitor e o texto, é preciso que o sujeito leitor consiga, por meio do
seu conhecimento sócio-histórico-cultural, estabelecer uma relação com
texto. Sendo assim, essa terceira vertente da interação autor/texto/leitor
propicia o diálogo desses três pontos fundamentais para realização de uma
leitura crítica e proficiente.
Em relação ao leitor proficiente, Kleiman (2004, p. S1} o caracteriza
como aquele que:

Faz escolhas baseando-se em predições quanto ao conteúdo do


livro. Essas predições estão apoiadas no conhecimento prévio,
tanto sobre o assunto (conhecimento enciclopédico}, como
sobre o autor, a época da obra (conhecimento social, cultural,
pragmático} o gênero (conhecimento textual}. Daí ser necessário
que todo programa de leitura permita ao aluno entrar em contato
com um universo textual amplo e diversificado.

Dessa maneira, o leitor proficiente é aquele que consegue fazer as


mediações do conhecimento prévio, com os vários discursos que estão
marcados nos textos. Nesse sentido, compreende-se que, no processo de
formação e desenvolvimento do leitor proficiente, é necessário que esse
sujeito assimile que:

[...] a} toda leitura envolve uma produção - e não uma extração,


simplesmente - de sentidos, constituídos a partir do saber do
leitor e das circunstâncias da leitura; b} tanto os ditos como os
não-ditos fazem parte do texto; assim, saber ler significa perceber
as transparência; e c} cabe ao leitor perceber as estratégias de
manipulação presentes no texto, o que o torna um sujeito ativo,
Novas tecnologias educacionais 76

capaz de perceber a ideologia no texto, questioná-lo, julgá-lo e


colocar-se contra. (ANGELO e MENEGASSI, 2008, p.131}.

Enfim, o desenvolvimento do leitor precisa estar pautado numa


formação completa, ou melhor, o sujeito/leitor proficiente é aquele que
desenvolve a capacidade de fazer as inferências necessárias do texto,
fazendo diálogo com os vários vieses que interligam a compreensão e a
construção dos sentidos.
Diante do discutido, compreende-se que "saber ler" e "formar um
leitor" são atividades diferentes e necessitam ser levadas em consideração.
Para a primeira prática (saber ler}, trata- se de decodificar um conjunto de
signos linguísticos disponíveis nas atividades que envolvem a linguagem.
Já, na segunda prática (formar um leitor}, o leitor necessita apreender o
processo de compreensão e interpretação e interagir com o autor-texto na
construção dos sentidos que estão disponíveis dentro e fora do texto, pois,

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
como afirma Freire (1997}, "a compreensão do texto a ser alcançada por sua
leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto".
Esse processo de construção de sentidos permite que a leitura se
constitua como prática social, pois nessa atividade o leitor assume um papel
de sujeito ativo e responsável diante das informações disponibilizadas
nas práticas linguageiras, mediadas pelos gêneros textuais. Além disso,
esse papel ativo permite a ele tornar-se proficiente e competente para
transformar e ser transformado na construção da sua cidadania, ou seja,
na construção da consciência crítica, política e social dos sujeitos.
Diante do exposto, acredita-se que a atividade de leitura na sala, com
a finalidade de formar e desenvolver o leitor crítico, deve ser reestruturada,
uma vez que a dinâmica adotada pelas escolas no ensino da leitura é
padronizada, limitada e mecanizada, o que acaba bloqueando o momento
da leitura como algo prazeroso e dissipa o sujeito de um amadurecimento
proficiente efetivo, proficiência essa que o mundo exige do leitor.
Silva (1998, p.26} defende que

[...] ler é um ato libertador. Quanto mais vontade consciente de


liberdade, maior o índice de leitura. Um dos efeitos da leitura
é o aprimoramento da linguagem, da expressão, saber dizer o
que quer, é menos manobrável. Não falo apenas da liberdade de
escolher governos ou sistemas de trabalho, mas também a de
influir corretamente na vida comum.

A leitura é um exercício contínuo de troca de saberes (texto/leitor}, e


possibilita a cada nova leitura o crescimento desse leitor em se posicionar
ativamente diante da sociedade. Contudo, no âmbito escolar, o que se
presencia, na maioria das vezes, é um ato no qual o professor exerce voz
de autoridade, não permitindo as múltiplas leituras e a construção dos
múltiplos sentidos, pois, nesse contexto, existe uma "única verdade, única
leitura e único sentido".
Novas tecnologias educacionais 77

Dessa forma, precisa-se trabalhar em sala de aula o ensino da leitura


em consonância com as especificidades individuais do sujeito, já que o
leitor é um ser social e, por isso, deve-se considerar o meio social, cultural
e o acesso às informações que cada um tem na sua região.
Contrapondo essa diversidade, os livros didáticos padronizados, com
metodologias fechadas e um educador "proibido" de exercer um papel
de mediador, criam, nas escolas, obstáculos em proporcionar a formação
proficiente do aluno. Nas propostas de leitura das escolas ainda prevalecem
o processo de leitura como decodificação e exercícios de extração de
fragmentos fiéis aos textos e, como menciona Brasil (1997, p. S8}, "uma
prática de leitura que não desperte nem cultive o desejo de ler não é uma
prática pedagógica eficiente".
A proficiência do aluno dá-se pela internalização desse sentimento de
prazer pelo ato da leitura e a liberdade de expressão, de colocar nos textos
sua própria impressão com auxílio no conhecimento prévio adquirido sobre

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
o seu meio e amparado também na teorização aprendida na sala de aula.
Por outro lado, compreende-se que a formação e desenvolvimento do
leitor proficiente transcende o âmbito da sala de aula, pois o crescimento
teórico fundamental para vida escolar, cotidiana do indivíduo parte de
uma didática bem mais ampla. É válido e fundamental o papel da escola no
ensino de leitura, contudo não pode ser pensada como o único meio viável
de possibilitar posicionamento do sujeito proficiente: parte da interação
como um todo (meio social, familiar, escolar, individual}.

Considerações finais

A pesquisa buscou discutir as concepções de leitura e linguagem e


as suas implicações na formação do leitor proficiente. Para tanto, buscou-
se especificamente verificar o processo de ensino e aprendizagem de LM
pautados nas concepções de linguagem: 1} como expressão do pensamento;
2} instrumento de comunicação; e 3} interação. A primeira concepção com
focalização no autor impossibilita o sujeito de fazer outras inferências,
deixando o texto como elemento essencial no ato de ler, ou seja, o texto
traduz aquilo que o autor quis passar, o texto é um produto acabado.
Na segunda vertente, a linguagem como instrumento de comunicação
procura internalizar no sujeito a norma culta, por intermédio de exercícios
de repetição para tornar o indivíduo capaz de decodificar os signos, e, a
terceira e última vertente, como elucidado na pesquisa, é uma concepção
que se preocupa com o posicionamento proficiente do sujeito, não apenas
para o saber das normas ou o texto como central nas interpretações. Como
mencionam Fuza; Ohuschi; Menegassi (2011}, o ensino da língua materna
tem como objetivo levar ao aluno não apenas o conhecimento de normas
gramaticais, mas, acima de tudo, despertar o senso crítico, reflexivo do
sujeito sobre o mundo, permitindo que ele utilize a linguagem/língua como
uma ferramenta de interação com o seu meio social.
Novas tecnologias educacionais 78

Durante o desenvolvimento da pesquisa, evidenciou-se que as


concepções de leitura/ linguagem possuem perspectivas diferentes em
relação à forma de conceber o processo de ensino e aprendizagem de
leitura. Entretanto, apreendeu-se que a abordagem da linguagem e da
leitura enquanto interação possibilita efetivamente a formação proficiente
do leitor. Como evidenciam Fuza; Ohuschi; Menegassi (2011, p.49S}, ao
notar que o texto está incompleto, "o sujeito age ativamente, trazendo para
o texto seus conhecimentos e utilizando a palavra do outro para formular
sua própria, produzindo um elo entre o que já foi dito e o novo".
Destarte, salienta-se que todas essas fases (decodificação, extração
e levantamento dos conhecimentos prévios} experimentadas pelo sujeito
são somatórias que auxiliam na formação do sujeito proficiente que passa
a ser atuante sobre o outro e sobre o mundo (KATO, 2002}.
Por fim, espera-se que este trabalho sirva como motivador para
desenvolver dentro do ambiente escolar uma metodologia de ensino

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
considerando não apenas uma ou outra concepção isoladamente, mas que
desenvolva o diálogo entre essas concepções nas aulas de LM, priorizando
o conhecimento pleno do leitor(aluno}.
Novas tecnologias educacionais 79

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Novas tecnologias educacionais 80

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Recebido em 20 de dezembro de 2016.


Aceito em 6 de fevereiro de 2017.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Novas tecnologias educacionais 81

Texto base 2

LETRAMENTO LITERÁRIO:
UMA PROPOSTA PARA A SALA DE AULA
Renata Junqueira de Souza1
Rildo Cosson2

Resumo: Considerando que a escrita acompanha a vida das pessoas do começo ao fim, as
práticas sociais que articulam a leitura e a produção de textos em contextos diversificados
são denominadas letramento. Entre esses contextos, a literatura ocupa uma posição
privilegiada porque conduz ao domínio da palavra a partir dela mesma. Por força dessa
característica, o letramento literário requer da escola um tratamento diferenciado que
enfatize a experiência da literatura. Uma forma de proporcionar tal experiência pode ser
efetivada por meio de oficinas de leitura, as quais buscam desenvolver a competência

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
leitora dos alunos por meio de estratégias específicas.
Palavras Chaves: Letramento literário, Leitura literária, Educação literária, Oficina de leitura.

1. LETRAMENTOS

De todas as competências culturais, ler é, talvez, a mais valorizada


entre nós. Em nossa sociedade, a presença da leitura é sempre vista de
maneira positiva e sua ausência de maneira negativa. Inúmeros são os
programas e as ações destinadas a erradicar o analfabetismo, com este
verbo mesmo, pois não saber ler é uma praga e o analfabeto uma espécie
que ninguém lamenta a extinção. De um adulto, aceita-se o fato de não saber
realizar com os números as quatro operações, afinal na hora do aperto há
sempre uma calculadora à mão, mas não a falta da leitura.
Ler é fundamental em nossa sociedade porque tudo o que somos,
fazemos e compartilhamos passa necessariamente pela escrita. Ao nascer,
recebemos um nome e um registro escrito. Ao morrer, não é diferente.
Precisamos da escrita para atestar nossa morte. Entre um ponto e outro
que tece a linha da existência, somos crianças e os brinquedos, como o
vídeo-game, demandam que saibamos ler. A televisão a que assistimos está
repleta de palavras escritas, mesmo naquelas situações em que o locutor
leu o texto, oralizando a escrita. As músicas que cantamos foram antes
escritas. Tiramos carteira de motorista e precisamos conhecer as leis que
estão escritas. Namoramos e trocamos as cartas pelos e-mails e torpedos
para falar de amor com suas palavras truncadas. Casamos e temos filhos,
assinamos contratos, seguimos instruções e lemos o jornal de domingo. A
vida é, a todo momento, permeada pela escrita.
1 Faculdade de Ciências e Tecnologia – Departamento de Educação – UNESP /
Presidente Prudente.
2 Cefor da Câmara dos Deputados / Brasília Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita –
Faculdade de Educação – UFMG.
Novas tecnologias educacionais 82

Para entendermos como a escrita atravessa a nossa existência das mais


variadas maneiras, criamos o termo letramento, ou seja, designamos por
letramento os usos que fazemos da escrita em nossa sociedade. Dessa forma,
letramento significa bem mais do que o saber ler e escrever. Ele responde
também pelos conhecimentos que veiculamos pela escrita, pelos modos como
usamos a escrita para nos comunicar e nos relacionar com as outras pessoas,
pela maneira como a escrita é usada para dizer e dar forma ao mundo, tudo
isso de maneira bem específica. Falando de uma maneira mais elaborada,
letramento designa as práticas sociais da escrita que envolvem a capacidade
e os conhecimentos, os processos de interação e as relações de poder relativas
ao uso da escrita em contextos e meios determinados (STREET, 2003).
É porque as práticas sociais da escrita são diversificadas que, talvez,
seja mais adequado falar de letramentos, assim no plural, para designar
toda a extensão do fenômeno, ou mesmo de multi-letramentos, que procura
abranger toda a complexidade dos meios de comunicação de que, hoje,

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
dispomos (THE NEW LONDON GROUP, 1996). Vem dessa compreensão da
pluralidade do letramento a extensão do significado da palavra para todo
processo de construção de sentido, tal qual encontramos em expressões
como letramento digital, letramento informacional, letramento visual,
letramento financeiro, letramento midiático ou em expressão concorrente a
exemplo do “numeramento”, usado para designar o processo de construção
de sentido feito com os números e não as palavras.

2. Letramento literário

O letramento literário faz parte dessa expansão do uso do termo


letramento, isto é, integra o plural dos letramentos, sendo um dos usos
sociais da escrita. Todavia, ao contrário dos outros letramentos e do
emprego mais largo da palavra para designar a construção de sentido em
uma determinada área de atividade ou conhecimento, o letramento literário
tem uma relação diferenciada com a escrita e, por consequência, é um tipo
de letramento singular.
Em primeiro lugar, o letramento literário é diferente dos outros tipos
de letramento porque a literatura ocupa um lugar único em relação à
linguagem, ou seja, cabe à literatura “[...] tor- nar o mundo compreensível
transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores
e formas intensamente humanas” (COSSON, 2006b, p. 17). Depois, o
letramento feito com textos literários proporciona um modo privilegiado
de inserção no mundo da escrita, posto que conduz ao domínio da palavra a
partir dela mesma. Finalmente, o letramento literário precisa da escola para
se concretizar, isto é, ele demanda um processo educativo específico que a
mera prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar.
É por entender essa singularidade que se define o letramento literário
como “[...] o processo de apropriação da literatura enquanto construção
literária de sentidos” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67). Nessa definição,
Novas tecnologias educacionais 83

é importante compreender que o letramento literário é bem mais do que


uma habilidade pronta e acabada de ler textos literários, pois requer uma
atualização permanente do leitor em relação ao universo literário. Também
não é apenas um saber que se adquire sobre a literatura ou os textos literários,
mas sim uma experiência de dar sentido ao mundo por meio de palavras que
falam de palavras, transcendendo os limites de tempo e espaço.

3. Letramento literário em sala de aula

O letramento literário enquanto construção literária dos sentidos


se faz indagando ao texto quem e quando diz, o que diz, como diz, para
que diz e para quem diz. Respostas que só podem ser obtidas quando se
examinam os detalhes do texto, configura-se um contexto e se insere a obra
em um diálogo com outros tantos textos. Tais procedimentos informam que
o objetivo desse modo de ler passa pelo desvelamento das informações do

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
texto e pela aprendizagem de estratégias de leitura para chegar à formação
do repertório do leitor.
Dessa maneira, na sala de aula, a primeira coisa a fazer é selecionar
o livro que será lido e discutido pela turma. Já nesse momento, o professor
precisa ficar atento ao processo de escolarização da literatura. São várias
as instâncias de escolarização da literatura mencionadas por Magda Soares
(1999), a começar pela biblioteca que determina rituais de leitura, como
se deve ler, o que ler e em quanto tempo ler. A leitura e o estudo dos textos
literários é, em sala de aula, outra instância da escolarização. Não podemos
negar que essa escolarização pode acontecer de maneira inadequada quando
a escola utiliza um texto literário, deturpando-o, falseando-o, transformando
o que é literário em pedagógico. Para se evitar esta inadequação, alguns
cuida- dos devem ser tomados, tais como privilegiar o texto literário e
prestar atenção ao escolher um texto do livro didático, pois esse pode estar
fragmentado, além do mais já se trata da transposição de um suporte para
o outro. Devemos escolher o texto no seu suporte original, ou seja, o livro
infantil. Respeitar a integralidade da obra também é importante, pois não
podemos retirar ou saltar partes do texto que, por alguma razão, achamos
inadequadas para nossos alunos. Colocar a Chapeuzinho Vermelho debaixo
da cama por não saber depois explicar o porquê dela sair viva da barriga
do lobo não é a solução. Afinal, o texto literário carrega em sua elaboração
estética as várias possibilidades de atribuição de sentidos. Desse modo,
respeitar o texto faz parte da adequada escolarização do mesmo. Soares
(1999) evidencia ainda que a adequada escolarização da literatura é aquela
que conduz a práticas de leitura que ocorrem no contexto social, a atitudes
e aos valores que correspondem ao ideal de leitor que se quer formar.
Assim, a partir do texto escolhido, o professor pode trabalhar com aquilo
que Girotto e Souza (2010) chamam de Oficina de leitura – momentos específicos
em sala de aula em que o docente planeja o ensino das estratégias de leitura.
As oficinas começam com o professor lendo em voz alta e mostrando como
Novas tecnologias educacionais 84

leitores pensam enquanto leem. Segundo Harvey e Gouvis (2008), quando


lemos, os pensamentos preenchem nossa mente, fazemos conexões com o
que já conhecemos ou, ainda, inferimos o que vai acontecer na história. São as
conversas interiores com o texto que está sendo lido e o que passa pela nossa
mente quando lemos que nos ajudam a criar um sentido.
Assim, tornar visível o invisível, ou seja, fazer com que os alunos percebam
o que vem em mente quando leem é função do professor. A sugestão é que ele
estabeleça em sua rotina não só momentos de leitura individual, mas também
espaços em que molde o ato de ler. Para tanto, um texto deve ser escolhido
e sua leitura em voz alta iniciada com interrupções do próprio docente que,
ao perceber uma habilidade de leitura, a comenta e a exemplifica aos alunos.
De acordo com Pressley (2002), são sete as habilidades ou estratégias
no ato de ler: conhecimento prévio, conexão, inferência, visualização,
perguntas ao texto, sumarização e síntese. Claro que, ao ler, todas essas
habilidades são colocadas em ação sem uma ordem específica, mas ao

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
ensinar ao aluno tais mecanismos, o professor agirá didaticamente,
explicando-os conforme surgem no decorrer da leitura do texto.
O conhecimento prévio é considerado por vários autores como
a estratégia “guarda-chuva”, pois a todo momento o leitor ativa
conhecimentos que já possui com relação ao que está sendo lido. Assim,
antes de ler, as crianças geralmente acionam conhecimentos prévios que
podem estar relacionados às ideias do texto. A atividade de acionar essas
informações interfere diretamente na compreensão durante a leitura.
Passar rapidamente os olhos pela história na pré-leitura, frequentemente,
resulta na formulação de hipóteses baseadas no conhecimento prévio do
leitor sobre o assunto tratado na narrativa e a forma como ele é abordado.
Tais hipóteses representam o começo da compreensão dos significados do
texto e serão confirmadas durante a leitura do livro.
A estratégia de conexão permite à criança ativar seu conhecimento prévio
fazendo conexões com aquilo que está lendo. Assim, relembrar fatos importantes
de sua vida, de outros textos lidos e de situações que ocorrem no mundo, em
seu país ou sua cidade, ajuda a compreender melhor o texto em questão.
Outra estratégia, a inferência, é compreendida como a conclusão ou
interpretação de uma informação que não está explícita no texto, levando
o leitor a entender as inúmeras facetas do que está lendo. Uma inferência
é uma suposição ou uma oferta de informação que não está explícita no
texto – algo como ler nas entrelinhas.
Quase de maneira espontânea, realizamos a estratégia de visualização,
pois ao ler, deixamos nos envolver por sentimentos, sensações e imagens,
os quais permitem que as palavras do texto se tornem ilustrações em
nossa mente. Essa estratégia é uma forma de inferência, por isso tanto a
visualização, quanto a inferência propriamente devem ser trabalhadas de
maneira bem próxima. Ao visualizarmos quando lemos, vamos criando
imagens pessoais e isso mantém nossa atenção permitindo que a leitura
se torne significativa.
Novas tecnologias educacionais 85

Ensinar os alunos a fazerem perguntas ao texto também auxilia na


compreensão da história. Essa estratégia ajuda as crianças a aprenderem
com o texto, a perceberem as pistas dadas pela narrativa e, dessa maneira,
facilita o raciocínio. Os alunos podem aprender a perguntar ao texto e essas
questões podem ser respondidas no decorrer da leitura com base no texto
ou com o conhecimento do próprio leitor.
Já a habilidade da sumarização parte do pressuposto de que
precisamos sintetizar aquilo que lemos, e para que isso seja possível é
necessário aprender o que é essencial em um texto, ou seja, buscar a
essência, separando-a do detalhe. Ao elencar aquilo que é importante na
narrativa, o professor poderá mostrar ao aluno as ideias principais do texto,
aumentando assim a chance de compreender melhor a história lida.
Por fim, a estratégia de síntese significa mais do que resumir um texto,
pois ao resumir anotamos as ideias principais de um parágrafo ou de um
texto, parafraseando-o. A síntese ocorre quando articulamos o que lemos

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
com nossas impressões pessoais, reconstruindo o próprio texto, elencando
as informações essenciais e modelando-as com o nosso conhecimento.
Ao sintetizar, não relembramos apenas fatos importantes do texto, mas
adicionamos novas informações a partir de nosso conhecimento prévio,
alcançando uma compreensão maior do texto.
Dessa forma, a primeira atividade da oficina de leitura são essas
aulas introdutórias, em que o professor modela uma ou duas estratégias
de compreensão do texto, para a seguir orientar a prática guiada. Segundo
Girotto e Souza (2010), nessa etapa, professor e alunos praticam a estratégia
juntos em um contexto de leitura partilhada, refletindo por meio do texto e
construindo significados através da discussão. As crianças devem explicitar
para os colegas as estratégias que estão sendo feitas no decorrer da leitura.
Depois disso, os alunos tentam aplicar sozinhos as habilidades
de leitura – leem individual e silenciosamente. Podem anotar seus
pensamentos ao lado do texto ou em post-its e o docente, geralmente,
conversa com as crianças sobre seus achados, suas questões ao texto.
A última etapa das oficinas de leitura, como vemos no gráfico abaixo,
é a avaliação e a conversa em grupo sobre o texto lido. Esse momento serve
para o professor avaliar se os objetivos foram alcançados, a recepção de seus
alunos e o envolvimento no ato de ler. De acordo com Girotto e Souza “[...]
o professor precisa ainda retomar o processo de leitura a fim de verificar
o quê, para quê, como e em que momento os alunos utilizaram a referida
estratégia de leitura”. (2010, p. 63).
Novas tecnologias educacionais 86

Fonte: Girotto e Souza, 2010, p.63. Ver referências.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Enfim, diante do uso efetivo das oficinas de leitura, do papel do
professor em sala de aula, explicitando as habilidades de leitura, respeitando
o texto literário em sua integridade, considerando o conhecimento prévio
de cada aluno, bem como o ritmo de cada um, podemos vislumbrar leitores
literários, que não só compreenderão o texto, mas também utilizarão a
literatura em seu contexto social.
Para concluir, cumpre enfatizar que o objetivo maior do letramento
literário escolar ou do ensino da literatura na escola é nos formar como
leitores, não como qualquer leitor ou um leitor qualquer, mas um leitor
capaz de se inserir em uma comunidade, manipular seus instrumentos
culturais e construir com eles um sentido para si e para o mundo em que
vive, posto que “[...] a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita
matéria na poesia são processos formativos tanto da língua quanto do leitor.
Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos dizer e nos dizem
de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo e nós mesmos”
(COSSON, 2006a, p. 16).
Novas tecnologias educacionais 87

Referências

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10, p. 14-16, 2006a.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006b.
GIROTTO, Cyntia; SOUZA, Renata. Estratégias de leitura: para ensinar alunos a
compreenderem o que lêem. In: SOUZA, Renata (org.) Ler e compreender: estratégias
de leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2010.
HARVEY, Stephanie; GOUVIS, Anne. Strategies that work: teaching comprehension for
understanding and engagement. USA: IRA, 2008.
PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora
da escola. In: ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tania (Orgs.). Escola e leitura: velha crise;
novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
PRESSLEY, Michael. Reading instruction that works: the case for balanced teaching.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
New York: Gilford, 2002.
SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy
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juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
STREET, Brian. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in
theory and practice. Current issues in Comparative Education, [New York], v. 5, n. 2,
p. 77-91, Columbia University, 2003. Disponível em: <http://www.tc.columbia.edu/cice/
Archives/5.2/52street.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2007.
THE NEW LONDON GROUP. A pedagogy of multiliteracies: designing social futures.
Harvard Educational Review, v. 66, n. 1, 1996. Disponível em: <http://wwwstatic.kern.org/
filer/blogWrite44ManilaWebsite/paul/articles/A_Pedagogy_of_Multiliteracies_Designing_
Social_Futures.htm>. Acesso em: 10 mar. 2007. ISSN 0017-8055.
Novas tecnologias educacionais 88

Leituras/vídeos indicados

Vídeo: ESTRATÉGIAS DE LEITURA I Isabel Solé Resumo do livro. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=sa0k-rJVmZw
Livro: Estratégias de leitura, de Isabel Solé. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. Este livro
faz parte do acervo do Programa Nacional da Biblioteca Escolar do Professor, do FNDE
Livro: Práticas de leitura e elementos para a atuação docente, de Émerson de Pietri.
(especialmente os dois primeiros capítulos). 2.ed. Rio de Janeiro: Ediouro: 2009. Este livro
faz parte do acervo do Programa Nacional da Biblioteca Escolar do Professor, do FNDE

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
unidade 4
Letramento literário na sala de aula

Texto base 1
Texto base 2
Texto base 3
Leituras/vídeos indicados
Novas tecnologias educacionais 90

Texto base 1

ANÁLISE DE PROPOSTAS METODOLÓGICAS


PARA O ENSINO DE LITERATURA
Rafaela STOPA (PG – FAFIJA)
Hiudéa T. R. BOBERG (FAFIJA)

Tendo em vista toda a problemática que envolve a abordagem da


literatura no ensino fundamental e médio, procederemos à análise dos livros
Letramento literário: teoria e prática, de Rildo Cosson e Literatura na escola:
propostas para o ensino fundamental, de Juracy Assman Saraiva e Ernani
Mügge, com o intuito de verificar se essas publicações podem auxiliar o
trabalho do professor em sala de aula e se correspondem ao desenvolvimento

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
de uma didática da literatura. Os livros abordados ganharam um recorte
específico no que concerne à literatura no ensino fundamental.
O interesse em realizar um estudo sobre publicações voltadas ao
ensino de literatura surgiu através da experiência vivenciada na disciplina
de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa. A
partir do acompanhamento do trabalho de diversos professores do Ensino
Fundamental e Médio, pôde-se verificar que a abordagem de textos literários
em sala de aula, geralmente, dá-se somente com o modelo proposto pelo livro
didático, e até mesmo a maneira de estudá-lo acaba seguindo as orientações
do manual. Assim, além de o conteúdo se restringir a fragmentos de obras
escolhidos de acordo com os critérios de seus criadores, a literatura acaba se
transformando em um pretexto para o estudo da gramática, para o exercício
da reescrita, entre outras tarefas de caráter utilitarista.
Por outro lado, muitos educadores abrem espaço para o questionamento
e debate sobre textos literários, o que, infelizmente, não é garantia de um
trabalho eficiente. As atividades acabam por retringir-se ao lugar-comum
da teoria literária: analisar enredo, espaço, tempo, personagens e narrador,
de forma mecânica, privilegiando um modelo de origem estruturalista,
depois vulgarizado pela escola brasileira. Tais estudos são importantes
para uma melhor compreensão da estética literária, o problema é não haver
uma mudança de perspectiva.
Pensando nessa problemática, o Grupo de pesquisa Literatura e Ensino,
da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho, sob a
liderança da Professora Hiudéa Tempesta Rodrigues Boberg, busca e pesquisa
propostas metodológicas para o ensino de literatura que auxiliem o trabalho
do professor. Em nossas leituras sobre o ensino de literatura, encontramos
muitos textos que tratam da falta de preparo do docente para abordar o texto
literário e outros problemas. Segundo Aguiar e Bordini, no livro Literatura: a
formação do leitor: alternativas metodológicas, o ponto nelvrágico da questão está
no baixo domínio da leitura por parte dos professores, que seria resultado
da dificuldade do pleno acesso a informações.
Novas tecnologias educacionais 91

Entretanto, para o Grupo de Pesquisa, o nó górdio deste assunto está no


fato de o professor ver-se sem orientação para sistematizar os procedimentos
didáticos utilizados em sala. Há uma vasta bibliografia sobre os problemas
concernentes ao ensino de literatura, mas pouca sobre metodologias que
realmente orientem esse tipo de trabalho. As autoras acabam chegando a
essa conclusão: “O esvaziamento do ensino de literatura se acentua, portanto,
não só pelo pequeno domínio do conhecimento literário do professor, mas
também pela falta de uma proposta metodológica que o embase”1.
Com isso, entende-se a importância de realizar esta análise de forma
a subsidiar uma avaliação para mudança de estratégias, para que as
atividades desenvolvidas em sala de aula com textos literários sejam um
instrumento de incentivo à formação de leitores competentes e fruidores.
Em relação às duas propostas metodológicas a serem expostas, já avaliadas
pelo Grupo de Pesquisa, pretende-se averiguar quais as suas contribuições
para o desenvolvimento do ensino de literatura e verificar se há realmente

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
um trabalho que valorize a estética do texto literário e que trate o aluno
como o sujeito desse processo. Esperamos também alertar os docentes
para a necessidade da adoção de metodologias no ensino de literatura.
Sobre a relevância das estratégias que norteiem o trabalho do professor,
Michel Launay, docente visitante na Universidade de São Paulo, em entrevista
concedida à Maria Thereza Fraga Rocco, pontuou que “É necessário que exista
uma didática; os problemas de educação da criança são muito importantes.
[...]. É importantíssimo que exista um pensamento didático ou pedagógico
sério”2. Também Bosi, indagado pela mesma pesquisadora sobre o papel de
uma didática da literatura, afirmou que “[...] acho importante que se pense
numa ‘didática da literatura’. É claro que ninguém deve ir cegamente dar
uma aula de literatura ou planejar um curso, sem se preocupar com suas
etapas, motivação, modos de avaliação, etc.”3.
Além dessas reflexões, vale ressaltar que independentemente da
estratégia eleita pelo professor ou até mesmo na falta dela, não se pode
perder de vista o que Antonio Candido4 afirmou sobre a literatura: ela revela
o homem e atua em seu desenvolvimento, mediante suas funções que
satisfazem a necessidade universal de fantasia, contribuem para a formação
da personalidade e representam certas realidades social e humana. Nas
análises realizadas, buscou-se perceber se as propostas enfocam a relação
texto-leitor, privilegiando as funções destacadas por Candido.
Em Letramento literário: teoria e prática, de 2006, Rildo Cosson propõe
estratégias de ensino de literatura na perspectiva do letramento literário e
na introdução esclarece que seu livro: “[...] não foi escrito para especialistas,
mas sim para professores que desejam fazer do ensino de literatura
uma prática significativa para si e para seus alunos”5. Considerando tal
afirmação, espera-se que o conteúdo apresentado esteja em consonância
com a realidade do professor e das salas de aula brasileiras.
Inicialmente são feitas algumas reflexões sobre a literatura e o seu
ensino, sua didatização, comentários sobre a seleção de textos e o processo
Novas tecnologias educacionais 92

da leitura literária. Dentre as ponderações, é interessante destacar um


posicionamento de Cosson em relação à idéia de trazer o texto literário
para o contexto vivenciado pelo aluno. “Um exemplo disso [extrapolação
de situações tematicamente relacionadas] é a leitura de Lucíola, de
José de Alencar, como ensejo para discutir com os alunos a questão da
prostituição”6. O nosso entendimento é de que essa opinião versa sobre o
uso do texto com o motivo único de debater a prostituição, pois acreditamos
não haver nada de mal no fato de o aluno ligar o livro a fatos do cotidiano.
Voltando ao tema do ensino, o autor oferece aos seus leitores duas
seqüências: a básica e a expandida, a primeira voltada ao ensino fundamental
e a segunda ao ensino médio. Ambas são fundamentadas em três perspectivas:
a da técnica da oficina, devido a sua ludicidade e caráter de aprender fazendo;
a da técnica do andaime, que seria uma metáfora sobre a idéia da troca de
conhecimentos entre docente e aluno e por último, a técnica do portfolio, já
que esta prática permite o registro e o encadeamento das atividades.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Apenas a seqüência básica será enfocada, visto que este trabalho analisa
propostas para o ensino fundamental. A seqüência básica é muito bem explicada
e exemplificada, por isso, torna-se mais prático reproduzir a esquematização
da estratégia de Cosson realizada pelo Grupo de Pesquisa. Observe as etapas:

1ª Etapa - Motivação: preparar o aluno para a leitura do texto


- elemento da motivação: o tema do texto a ser trabalhado;
- observação da estrutura e da temática do texto. Duração: uma aula

2ª Etapa - Introdução: apresentação do autor e da obra


- informações básicas sobre o autor, ligadas ao texto a ser lido;
- apresentação da obra e sua importância, justificando a escolha;
- optar ou não por antecipar parte do enredo (estratégia para despertar a
curiosidade do leitor);
- apresentação física da obra e exploração dos elementos paratextuais (leitura
coletiva do objeto livro);
- levantamento de hipóteses sobre a leitura feita (orelha, capa, contracapa,
prefácio) e justificativa da primeira impressão, após o término da leitura da obra.
Duração: uma aula

3ª Etapa - Leitura: acompanhamento da leitura


- leitura de texto curto (em sala de aula) ou leitura de texto extenso (extraclasse);
- acompanhamento sem policiamento, a fim de auxiliar os alunos em suas
dificuldades;
- aplicação de intervalos (no máximo três) para apresentação dos resultados
das leituras dos alunos;
- caracterização dos intervalos: leitura de textos menores que tenham ligação
com texto maior; leitura conjunta de um capítulo ou trecho de capítulo, para
ser trabalhado estilisticamente em microanálise;
- atividades do intervalo: período destinado a perceber dificuldades de leitura
(vocabulário, estrutura composicional, interação com o texto, ritmo de leitura).
Duração: definição do período necessário para a realização da leitura
Novas tecnologias educacionais 93

4ª Etapa - Interpretação: construção do sentido do texto


- construir o sentido do texto, por meio de inferências: partir do entretecimento
dos enunciados, que constituem as inferências, para chegar à construção do
sentido do texto;
- interpretação interior: decifração de palavras, páginas, capítulos, até chegar
à apreensão global da obra;
- interpretação exterior: concretização da interpretação como ato de construção
de sentido;
- compartilhamento das interpretações dos alunos: reflexão e externalização
das interpretações;
- registro das interpretações: desenho, música, resenha, performances, diário
anônimo, colagens, maquetes, júri simulado, feira do livro, produção literária.
Duração: suficiente para o término desta etapa

Cosson expõe os resultados de uma aplicação da seqüência básica feita


com professores de Língua Portuguesa. Os temas eleitos foram a moradia e
a violência urbana. Para a motivação não foram utilizados textos literários e

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
sim recortes de jornais da seção de imóveis, de modo que cada um escolheu
um imóvel e teve de justificar a escolha. Para a introdução, optou-se pelo
texto No retiro da figueira, de Moacyr Scliar, devido ao seu tema: a violência nas
cidades. O final do texto foi retirado e os leitores tiveram de criá-lo e depois
lê-lo para a turma. Este foi o momento da interpretação cuja continuidade
se deu com um debate sobre os diferentes finais e o final de Scliar.
Os alunos-professores quiseram saber se poderiam dar continuidade
a essa atividade e novas sugestões foram dadas, o que serviu para Cosson
lembrar que “[...] a seqüência não é algo intocável”7. O professor pode
adaptá-la conforme se faça necessário e conveniente. Além das duas
seqüências, também há no livro sugestões de oficinas de caráter lúdico,
na perspectiva do letramento. Elas podem ser utilizadas tanto na motivação
quanto ao final da leitura, para a continuidade do trabalho, ou até mesmo,
quando o professor quiser fazer algo diferente em sua aula.
Com Letramento literário: teoria e prática, o professor entra em contato
com novas maneiras de se enfocar o texto literário em sala de aula por meio
de uma metodologia simples, com a qual a leitura pode ser estimulada e
bem desenvolvida. Apesar de trazer algumas concepções como o ensino de
literatura aliado ao de língua portuguesa, o autor não se esqueceu de tratar
o texto como um objeto estético e de fruição ao mostrar preocupação em
atender e depois romper com o horizonte de expectativas inicial dos leitores.
O livro Literatura na escola: propostas para o ensino fundamental, de Juracy
Assman Saraiva e Ernani Mügge, tem apresentação de Regina Zilberman,
que depois de comentar sobre a literatura e a escola, tece considerações
sobre o Projeto Carrossel de Letras, cujo objetivo maior é formar leitores
sem perder de vista o ensino de Língua Portuguesa, cujos resultados estão
publicados neste livro. Zilberman pondera que: “Literatura na escola
ministra, portanto, boas lições ao professor, revitalizando uma parceria
centenária com propostas inovadoras, já testadas e aprovadas, capazes de
mostrar que o texto em sala de aula pode, sim, formar leitores [...]”8.
Novas tecnologias educacionais 94

Na primeira parte há a fundamentação teórica e metodológica da


proposta. Saraiva e Mügge esclarecem as concepções do Projeto desenvolvido
na cidade de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul, através de parceria entre o
Município, a Universidade e Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do
Sul. Houve uma capacitação dos professores do Ensino Fundamental e o curso
ministrado ajudou a desmistificar algumas práticas arraigadas no docente,
como o receio de trabalhar com a literatura devido à sua complexidade e a
falta de entendimento de sua importância para a formação das crianças.
A proposta é fundamentada na Estética da Recepção, e em relação às
estratégias, os autores afirmam que buscaram articular o texto literário
com seu contexto de produção e recepção, e também fazer uso da
interdisciplinaridade. É muito interessante ressaltar o fato de professor e
aluno terem sido, desde o início do processo, preparados e principalmente,
ouvidos sobre as atividades desenvolvidas. “As sugestões e avaliações de
ambos foram acolhidas como parte do processo de concepção de novas

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
atividades, e os produtos delas resultantes, à medida que conquistavam a
valorização da comunidade, legitimaram o trabalho do professor e da escola”9.
Saraiva trata das questões relativas às formas de enfoque do texto
literário na escola e faz considerações sobre a natureza da literatura, citando
teóricos e poetas para comprovar suas argumentações, sempre retomando a
importância da valorização da simbiose texto-leitor, da função humanizadora
da literatura e de se levar em consideração o horizonte de expectativas do
aluno. Este é um ponto do texto que causa certo estranhamento, pois Antonio
Candido não foi citado e, afinal, ele é um dos pesquisadores sobre literatura
que mais defende esse seu aspecto humanizador.
A pesquisadora questiona os procedimentos que orientam a leitura
literária no contexto escolar e critica os exercícios de concepção mecanicista.
Aproveita o ensejo para explicar que a perspectiva adotada no livro é bem
diversa das praticadas na escola. Defende que o ensino de língua não deve ser
separado do da literatura, pois se constitui em um binômio harmonioso que
“[...] preenche a função de ativar a percepção do funcionamento da língua e
oportuniza a vivência daquilo que não pode ser cognitivamente apreendido”10.
Após essas reflexões, Saraiva passa a expor as etapas que constituem
a metodologia, as quais também foram esquematizadas para facilitar sua
compreensão:

1ª etapa ou leitura compreensiva


- leitura integral do texto;
- exercícios de leitura para ajudar na compreensão;
- trabalho de análise para entender a plurissignificação do texto literário, o
qual privilegie o plano da expressão e o do conteúdo.
Ao final, o leitor deverá estar apto a responder: “Como o texto diz aquilo que diz”?11

2ª etapa ou leitura interpretativa


- resulta da sobreposição de leituras (confronto da análise crítica com as
impressões iniciais);
Novas tecnologias educacionais 95

- momento em que se estabelece a relação entre texto e experiência de mundo


do leitor;
- leitura crítica: reflexão e recriação (atuação do texto sobre o leitor). O leitor
conseguirá responder: “Qual é o sentido do texto”?12

3ª etapa ou etapa de aplicação


- ampliação da experiência literária (relação entre manifestações do presente
e do passado);
- horizontes de recepção e produção (contexto estético-histórico-cultural e
percepção do texto como ponto de convergência de valores e ideologias).
O leitor deverá responder: “Que diálogo há entre o texto e o contexto estético-
histórico- cultural atual e o momento de sua produção”?13

Feitas as explicações sobre a teoria e a metodologia, tem início a


segunda parte do livro, que traz os roteiros de leitura. Estes são compostos
de três etapas: a introdutória, que consiste na sensibilização do leitor; a

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
da leitura compreensiva e interpretativa, na qual se busca os sentidos
nas entrelinhas, e a da transferência e aplicação, que valoriza a produção
textual do aluno. Nesta última parte, busca-se também uma abordagem
interdisciplinar. Os roteiros são apresentados de forma bem didática, com
exercícios para os alunos e sugestões dirigidas aos professores. No total são
21 roteiros, dos quais 14 são voltados para o ensino fundamental de nível 2.
O livro em questão é a única publicação brasileira que traz um conteúdo
realmente voltado à aplicação em sala de aula, com orientações sobre a
condução das atividades e até mesmo sobre as atitudes do profissional.
Um de seus maiores méritos é que para cada obra sugerida, as etapas são
respeitadas, porém com atividades bem diversas, privilegiando as diferenças
de cada texto. Os roteiros trazem os nomes dos autores e de colaboradores,
sendo que estes não recebem um esclarecimento sobre quem são e quais
são seus papéis nas criações. Acreditamos que sejam professores, devido
à afirmação de que eles foram ouvidos. Talvez, por isso, Literatura na escola
consiga atender às necessidades reais do ensino fundamental, já que neste
nível, as aulas de literatura e língua portuguesa não se separam.
Contudo, muitas atividades não trazem grande inovação, e acabam
enfocando a retomada de elementos explícitos, o trabalho com a linguagem
de maneira convencional, além de existirem algumas incongruências entre
o conteúdo dos roteiros e a exposição da teoria feita anteriormente. Segundo
a explicação das autoras, na terceira etapa haveria o estudo do contexto
de produção da obra lida, para que o aluno estivesse apto a compreender
o diálogo entre o momento atual e o de produção da obra. Mas os dados
sobre o autor e a obra são privilegiados apenas em autores canônicos e
para os roteiros de 8ª série. Ou seja, não há coerência entre parte da teoria
proposta e a prática que a exemplifica.
Isso poderá ser verificado através da análise de alguns roteiros. Como
são 14 voltados ao ensino fundamental nível 2, elegemos três deles para
esta leitura crítica: A bolsa amarela, de Lygia Bojunga, indicado para 4ª e 5ª
Novas tecnologias educacionais 96

séries; Escola, de José Paulo Paes, indicado para 6ª e 7ª séries e O colar de


diamantes, de Guy de Maupassant, indicado para 7ª e 8ª séries. A escolha
teve como critério as séries e os diferentes gêneros textuais.
A atividade introdutória à recepção d’A bolsa amarela é bem interessante
e pode ser feita de três maneiras diferentes. Todas as opções têm um caráter
bastante lúdico e cativante. Quanto à leitura compreensiva, infelizmente,
as atividades ficam um pouco aquém do esperado. A maioria delas exige
apenas uma retomada dos elementos da obra, como exercícios de resumo e
ordenação de parágrafos. Algumas tarefas privilegiam o conhecimento que a
leitura trouxe para a criança, porém logo são abandonados na transferência
e aplicação da leitura. Nesta etapa são privilegiados exercícios de linguagem,
mas também, algumas ligações intertextuais, como pesquisa de origem de
nomes com os familiares e a assistência de um filme. A produção textual ficou
por conta da produção de cartas e da escrita da relação do filme com o texto.
Em relação ao enfoque do poema Escola, a atividade introdutória baseia-

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
se mais em conversas para perceber o posicionamento dos alunos em relação
ao tema, o que é muito bom, tendo em vista que deixa os alunos se expressarem
e debaterem sobre o assunto enfocado. Na etapa da leitura compreensiva, são
feitos exercícios de domínio do código lingüístico e há um trabalho interessante
que aborda a intertextualidade com quadros de Van Gogh e Portinari. Na
transferência de leitura aparecem novos textos, letras de música para que os
alunos façam uma leitura contrastiva. A produção sugerida é a que o aluno
se imagine como diretor de escola e narre esse dia ou imagine como seria a
escola ideal e a descreva e também produza um rap com o tema escola.
O colar de diamantes também tem como atividade introdutória uma
conversa que aguce a curiosidade do leitor a respeito do tema e também a
sugestão de se explorar o significado das palavras desconhecidas pelos alunos.
Por se tratar de narrativa, a leitura compreensiva parte da recomposição da
história por fragmentos e também pela descrição de personagens, opiniões
sobre atitudes, o papel do narrador. Neste roteiro, aparece a contextualização
da obra, em exercícios que o aluno deverá apontar elementos que retratem
a sociedade do século XIX e reconhecer os valores burgueses. É requisitado
também que o aluno pesquise a biografia do autor para melhor entender as
criticas que ele dirigiu à sociedade. Na atividade de aplicação são solicitados
exercícios contrastivos, confecção de texto dissertativo e leitura de um quadro
que sugere uma aproximação com a personagem do conto para que o aluno
crie um episódio sobre a vida da personagem.
Apesar de a teoria e as metodologias propostas não guardarem muita
coerência com a prática sugerida, Literatura na escola oferece ao professor
roteiros que realmente condizem com o trabalho que deve ser desenvolvido
em sala de aula, e por isso é muito válido. Contudo, não podemos esquecer
de que a leitura literária também deve ser estimulada como um momento
de fruição, algo a ser realizado não apenas com intuito pragmático, para
não correr o risco de utilizar o “texto como pretexto”, conforme um artigo de
Marisa Lajolo14, escrito nos anos 80. Mesmo que verse sobre livros didáticos,
Novas tecnologias educacionais 97

podemos emprestar seus conceitos para lembrar que alguns procedimentos


adotados na abordagem de textos literários, menosprezam o diálogo entre
obra e receptor, o que reflete na inobservância da leitura como fonte de
realização pessoal e de saber, bem como o potencial que representa para
o indivíduo desenvolver sua sensibilidade e sua percepção estética.
O trabalho com textos literários em sala de aula não pode acontecer de
maneira aleatória, com textos escolhidos somente por critérios do professor
e utilizados com intuitos pragmáticos. Com as propostas aqui apresentadas,
pretendemos mostrar que existem alternativas na busca pelo desenvolvimento
da leitura fruidora na escola, pois ela deve ser estimulada, não imposta.
É preciso esclarecer que o texto literário, mesmo em confronto com outras
formas de arte, deve ser sempre o objeto principal das aulas de literatura, pois
ele, além de proporcionar a experiência estética, estimula o desenvolvimento
da criticidade, por meio de seu caráter dialógico, o que leva o aluno à reflexão.
E, como afirmou Antonio Candido: “A literatura desenvolve em nós a quota

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos
para a natureza, a sociedade, o semelhante”15. Por isso, ela deve ser valorizada
como uma oportunidade em que ocorre a construção de sentidos, para a qual
o leitor trará suas impressões, seus conhecimentos e suas experiências de
leitura, participando ativamente do processo literário.

'Notas de fim'
1 AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura. a formação do leitor:
alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p. 34
2 Apud ROCCO, Maria T. F. Literatura/Ensino: uma problemática. 2. ed. São Paulo: Ática,
1992. p. 191.
3 _____. p. 108.
4 CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e Cultura. v. 24, n.
9. São Paulo: 1972.
5 COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo, Contexto, 2006. p. 11
6 _____. p. 23
7 _____. p. 72
8 SARAIVA, Juracy Assman; MÜGGE, Ernani; et al. Literatura na escola: propostas para o
ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 13
9 _____. p. 20
10 _____. p. 47
11 _____. p. 50
12 _____. p. 50
13 _____. p. 50
14 LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina. Leitura em crise na
escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 52 - 62.
15 CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Duas Cidades, 1995. p. 249
Novas tecnologias educacionais 98

Referências

AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a formação do leitor:
alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e Cultura. v. 24, n.
9. São Paulo: 1972.
_______. O direito à literatura. In: Vários escritos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Duas
Cidades, 1995.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo, Contexto, 2006.
LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina. Leitura em crise na
escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 52 - 62.
ROCCO, Maria T. F. Literatura/Ensino: uma problemática. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992.
SARAIVA, Juracy Assman; MÜGGE, Ernani; et al. Literatura na escola: propostas para o

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.
Novas tecnologias educacionais 99

Texto base 2

LETRAMENTO LITERÁRIO NA ESCOLA: DESAFIOS E


POSSIBILIDADES NA FORMAÇÃO DE LEITORES
Antonieta Mírian de Oliveira Carneiro SILVA1
Maria Inez Matoso SILVEIRA2

Resumo: A leitura atende a diversas finalidades e, entre elas, o deleite, a fruição e a reflexão.
Entretanto, ultimamente, nas práticas escolares da leitura, os gêneros literários têm servido
apenas como pretexto para o ensino da língua ou são vistos como passatempo ou diversão.
Nesse sentido, repensar e ressignificar as práticas de leitura literária deve implicar a promoção
do letramento literário - uma discussão recente e que precisa ser disseminada na escola. Neste
ensaio, são abordados, à luz de autores como Bordini & Aguiar (1993), Cândido (1995), Cosson
(2007), Zilberman (1989) dentre outros, o conceito, a gênese e a função social da literatura,

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
bem como o letramento literário e seus postulados. As autoras apresentam uma proposta
fundamentada no método recepcional e fazem um convite à reflexão sobre os desafios e as
possibilidades da formação de leitores na perspectiva do letramento literário.
Palavras Chaves: leitura; fruição; letramento literário; formação de leitores

Introdução

Na sociedade hodierna, em que as informações circulam rapidamente


e quase sempre associadas à imagem e à oralidade, tratar da leitura para
fruição parece ser assunto anacrônico e paradoxal. Ledo engano! Esta é
uma discussão imprescindível, visto que o homem interage no mundo
porque é capaz de lê-lo de diferentes formas, com fins e sentidos diversos.
Dentre as funções sociais da leitura que a escola deve contemplar em
seus projetos e propostas curriculares, está a função que diz respeito à
fruição, ao deleite e à experiência estética da palavra. Há de se concordar
com Silveira (2005, p.16) quando afirma que:

A leitura escolar deve contemplar o aspecto formativo de educando,


estimulando-lhe a sensibilidade estética, a emoção, o sentimento [...] o
texto literário tem muito a contribuir para o aprimoramento pessoal,
para o autoconhecimento, sem falar do constante desvelamento do
mundo e da grande possibilidade que a leitura de determinada obra
oferece para o descortínio de novos horizontes para o homem, no
sentido da formação e do refinamento da personalidade.

Se somente a leitura para a fruição/literária, de características


sensorial, linear, criativa, não basta para a formação do leitor proficiente,
1 Mestranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAL. E-mail:
amocsilva@hotmail.com
2 Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística e
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAL. E-mail: mimatoso@uol.com.br
Novas tecnologias educacionais 100

sem ela, dificilmente o sujeito apropriar-se-á de tal proficiência; por isso,


na escola, urge repensar concepções e redimensionar práticas vigentes
quando se trata desse tipo de leitura.
No cotidiano da escola, mais especificamente no âmbito da sala
de aula, os gêneros literários têm exercido, muitas vezes, o papel de
pretexto para ensinar aspectos gramaticais da língua e como objetos de
interpretações prontas e acabadas, e, quando não, são vistos como mero
passatempo. Outro equívoco é associar a leitura literária ao mero prazer,
como se prazer ou desprazer pela leitura não fosse uma produção social e
cultural, pois ninguém nasce gostando ou não de ler; tendo prazer ou não
pela leitura. “Os defensores do mero prazer, por vezes, são contraditórios,
pois o único valor que atribuem à literatura é o reforço das habilidades
linguísticas” (COSSON, 2007, p. 29).
As pessoas não leem porque não gostam, mas pelas condições
que subjazem à relação leitor/texto que são, muitas vezes, paralisantes

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
e insignificantes. O leitor proficiente não nasce pronto; tal condição
é consequência da atmosfera leitora reinante no seu contexto social,
principalmente, no que diz respeito à escola e, essencialmente, à sala de aula.
Há também os sujeitos para quem a literatura é objeto de luxo,
sacralizado e distante do contexto sociocultural, e isso acaba por revelar
a condição elitizada dada à literatura pela classe dominante. A exclusão
literária parece ser algo natural, ou talvez, inexistente, por ser muito sutil
nos discursos dominantes, mas é tão contundente nas políticas e nos
programas de leitura e, sobretudo, nas práticas pedagógicas, que sua falta
vai deixando um triste rastro. É um silêncio estratificado numa sociedade
“não” leitora literária ou de leitores superficiais.
Para muitos excluídos literariamente, a ausência da leitura literária em
suas vidas dá-se não só por falta de referências culturais, mas, também, pela
forma como a literatura lhe é retratada na escola, como um bem inacessível
e distante da realidade. Nesse imbróglio, tornar o ensino e a aprendizagem
da literatura uma prática significativa é urgente e necessário; para tanto,
há que se repensar o seu conceito, o seu valor e a sua função social.
Nessa direção estudos recentes apontam para o letramento literário – uma
configuração especial de letramento – em que a literatura é compreendida
de forma mais ampla.
Na perspectiva do letramento literário, o foco não é somente a
aquisição de habilidades de ler gêneros literários, mas o aprendizado da
compreensão e da ressignificação desses textos, através da motivação de
quem ensina e de quem aprende. A literatura precisa de um processo de
“escolarização”, mas não de forma descaracterizada e negada sua função
social. Nesse sentido, o letramento literário é uma estratégia metodológica
no direcionamento, fortalecimento e ampliação da educação literária
oferecida aos alunos a fim de torná-los leitores proficientes, dentro e fora
do contexto escolar; noutras palavras, é o uso social da literatura.
Novas tecnologias educacionais 101

Nessa discussão apresentam-se algumas questões pertinentes: qual o


papel do professor na formação do leitor? O que está subjacente à falácia de
que “os alunos não gostam de ler”? Qual tem sido a função da leitura literária
na escola? Como uma proposta de letramento literário pode contribuir na
formação de leitores? Estas questões terão seus desdobramentos no decorrer
deste pequeno ensaio, com base em leituras e compilações bibliográficas, e
enfocará conceito, gênese e função social da literatura, o letramento literário
e seus postulados. A conclusão é um convite à reflexão sobre os desafios e
as possibilidades da leitura literária na formação de leitores na perspectiva
do letramento. Salientamos que as discussões aqui postas não esgotam a
temática; ao contrário, instigam a outras leituras e pesquisas.

1. Literatura: gênese, conceito e função

Desde que o mundo é mundo, as crianças crescem, e as pessoas

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
envelhecem, havendo sempre a necessidade de todos os povos, em
qualquer parte do mundo, de qualquer credo, de entrar em contato com
alguma espécie de fabulação. Impossível e insuportável seria a vida sem
as possibilidades de transcendência que a literatura proporciona. A
literatura não faz o homem melhor e nem pior; mas o humaniza em sentido
profundo, porque o faz viver com todas as contradições e vicissitudes que
a vida oferece. Portanto, “negar a fruição da literatura é mutilar nossa
humanidade” (CÂNDIDO, 1995, p. 235).
Diante de tal lugar na vida do homem, uma definição de literatura não
é nada simples, por se tratar de arte feita de palavras, e os sentidos que
têm a palavra literária são tantos quantos são os sentidos e os silêncios da
vida. Mesmo sendo uma das tantas definições que existem, a creditada a
Cândido (1995) atende aos objetivos dessa discussão:

Chamarei de literatura, de maneira mais ampla possível, todas


as criações de toque poético, ficcional ou dramático, em todos os
níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que
chamamos folclore, lenda, até as formas mais complexas e difíceis
de produção das grandes civilizações (CÂNDIDO, 1995, p. 242).

Ainda de acordo com Cândido (1995), a literatura como força


humanizadora exerce três funções na expressão e formação do homem.
A primeira é a função psicológica e está ligada à necessidade de ficção e
fantasia do ser humano e à capacidade de se reelaborar o real através da
ficção. A segunda função é a formativa e se dá através de inculcamentos
não maniqueístas, como faz a própria vida. E, por fim, a terceira função
que é a de conhecimento do mundo e do ser, pois a literatura é uma forma
de representação de uma dada realidade social e humana. E nesse sentido,
a humanização é possível porque
Novas tecnologias educacionais 102

Ao confirmar e negar, propor e denunciar, apoiar e combater, a


literatura possibilita ao homem viver seus problemas de forma
dialética, tornando-se um "bem incompressível”, pois confirma
o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande
parte no subconsciente e no inconsciente" (CÂNDIDO, 1995, p. 243).

A prática da literatura consiste exatamente numa exploração das


potencialidades da linguagem, da palavra e da escrita. Ela diz o que somos
e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos, e isso se
dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada, pois uma leitura
literária nunca será a mesma: o leitor sempre terá algo a ressignificar.
No exercício da literatura, podemos ser outros, podemos viver
como os outros, podemos romper os limites do tempo e do espaço de
nossa experiência e, ainda sim, sermos nós mesmos. É por isso que
interiorizamos com mais intensidade as “verdades” dadas pela poesia e
pela ficção. Segundo Campos (2003, p.13), “conhecimento e prazer fundem-

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
se no texto literário. No entanto, dentro do currículo escolar tornam-se
dicotômicos. Desprovido da sua essência, o texto literário é transformado
num empobrecido sistema moralizante primário”.
Segundo a teoria estética da recepção, o texto literário tem função
diversa da exercida pela linguagem verbal ao longo das rotinas cotidianas.
A linguagem literária não se contenta em fotografar os objetos, mas busca
revelar o mundo em suas relações. Ela adquire sua inteira dimensão quando
o leitor lhe atribui sentido e a percebe enquanto objeto estético e não mais
como mero artefato (CAMPOS, 2003, p. 18).
Por ter a função maior de tornar o mundo compreensível, transformando
sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente
humanas é que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas
(COSSON, 2007, p. 17). Nesse sentido, a discussão e a promoção do letramento
literário são oportunidades e, ao mesmo tempo, desafios no efetivo ensino e
aprendizagem da literatura na perspectiva da humanização.

2. Letramento literário: conceito e abordagens

No Brasil, já é praticamente consensual a definição de letramento


defendida por Soares (2006) como “estado ou condição de quem não apenas
sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a
escrita e a leitura”. O letramento literário seria visto, então, como estado ou
condição de quem não apenas é capaz de ler texto em verso e prosa, mas
dele se apropriar efetivamente por meio da experiência estética; saindo
da condição de mero expectador para a de leitor literário.
No campo das produções teóricas brasileiras sobre o tema, destacam-
se as contribuições do professor e pesquisador Rildo Cosson (2007) que,
além do aparato teórico, apresenta também estratégia metodológica a
partir de práticas observadas em suas pesquisas. As discussões sobre o
letramento literário nesse trabalho estão fundamentadas em seus estudos.
Novas tecnologias educacionais 103

O letramento literário precisa acompanhar, por um lado, as três


etapas básicas do processo de leitura - antecipação, decifração do
código e interpretação - e, por outro, o saber literário associado à função
humanizadora da literatura. Segundo Cosson (op.cit), a linguagem literária
compreende três tipos de aprendizagem.
a) A aprendizagem da literatura, que se dá através da experiência
estética do mundo por meio da palavra, e instiga os sentidos, os sentimentos
e a intimidade, pois há uma relação tátil, visual, sensorial, emocional do
leitor com o texto.
b) A aprendizagem sobre a literatura, que envolve os conhecimentos de
história, teoria e crítica; prevalência dos didatismos nos currículos escolares.
c) A aprendizagem por meio da literatura, que está relacionada aos
saberes e às habilidades proporcionadas aos usuários pela prática da leitura
literária: ampliação do universo cultural do leitor através dos tantos temas
humanos, sociais, políticos, ideológicos, filosóficos, dentre outros, que são

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
tratados nos gêneros literários.
Os itens “a” e “c” são imprescindíveis na formação do leitor literário;
entretanto, são as oportunidades de aprendizagens mais negadas nas
práticas docentes, pois há uma preocupação exacerbada com questões
meramente teóricas e, com isso, a literatura tem sido a grande vítima dos
desgostos e dos fastios literários dos alunos.
O prazer pela leitura literária passa pela interação significativa entre
leitor e texto e esta, por sua vez, passa pelas condições de leitura oferecidas
e pela imprescindível mediação do professor. A realidade da leitura literária
nas escolas e nas práticas pedagógicas ainda aponta para muitos equívocos
que travam o desenvolvimento do letramento literário dos alunos. Assim,
vale perguntar: e o letramento literário do professor? Pensemos nisso.
A seleção de textos literários pelas escolas e pelos professores podem
não estar contribuindo significativamente para a ampliação do repertório
de leitura dos alunos, pois existem alguns agravantes, tais como os ditames
dos programas que determinam a seleção de textos de acordo com os fins
educacionais: simples fluência da leitura nas séries iniciais; ratificação
de determinados valores, incluindo a cultura nacional, no ensino médio.
Consideremos também as condições limitadas e precárias oferecidas para
a leitura literária nas escolas, que vão desde a escassez de acervo até a
ausência de bibliotecas ou mesmo de salas de leitura. Mas, talvez, o que
seja mais determinante é o cabedal de leituras literárias do professor.
Como será a seleção de livros e de leituras numa proposta que visa o
letramento literário? O letramento literário trabalhará sempre com o atual, seja
ele contemporâneo ou não. É essa atualidade que gera a facilidade e o interesse
de leitura dos alunos. Para a efetivação do letramento literário, é necessário
que o professor selecione os gêneros a partir de alguns critérios, como:
a) não desprezar a cânone, pois é nele que encontrará a herança
cultural; também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos
textos, mas sim em sua atualidade;
Novas tecnologias educacionais 104

b) do mesmo modo, precisa aplicar o princípio da diversidade, aqui


entendido para além da simples diferença entre os textos que têm lugar
na escola, o conhecido e o desconhecido, o simples e o complexo, o novo
e o velho, o trivial e o estético, e toda miríade de textos que faz da leitura
literária uma atividade de prazer e de conhecimentos singulares.

3. O letramento literário e seus postulados

Para a promoção do letramento literário, é necessário ir além da


simples leitura do texto literário e superar sofismas sobre leitura e literatura
que ainda pertencem ao senso comum, como os relatados abaixo.
Primeiramente, acha-se que os livros falam por si mesmo ao leitor – afinal,
se lemos as obras literárias fora da escola com prazer sem que nos sejam
dadas instruções especiais, por que a escola precisa se ocupar de tal forma
da leitura literária? O contraponto a este sofisma é que a nossa leitura fora

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
da escola está fortemente condicionada pela maneira como ela nos ensinou
a ler. Os livros, como os fatos, jamais falam por si mesmos. “O que os fazem
falar são os mecanismos de interpretação que usamos, e grande parte deles
são aprendidos na escola” (COSSON, 2007, p. 26).
Outra pressuposição do senso comum é que ler é apenas um ato solitário.
No sentido de que lemos apenas com os olhos - a decodificação - a leitura
é, de fato, um ato solitário, mas a interpretação é um ato solidário, defende
o citado autor. E não pode haver negação de outras formas de leitura – a
oral, por exemplo – que tende a ser um ato transitivo. Então, o ato físico de
ler pode até ser solitário, mas o significado nunca deixa de ser solidário,
uma vez que implica interação e diálogo.
Outro sofisma do senso comum é de que é impossível expressar os
sentimentos despertados através da leitura literária, pois a verbalização do que
foi sentido ou compreendido apenas empobrece o diálogo íntimo entre o leitor e o
texto. Nesse caso, a leitura literária é tratada como uma experiência mística,
uma epifania. Tal alegação desconsidera que até as experiências místicas
são de alguma maneira transmitidas por aqueles que a experienciam. A
obra literária vista como objeto de contemplação, adoração e sacralidade,
afasta ainda mais os neófitos leitores.

4. Proposta metodológica – o método recepcional

A teoria da Estética da Recepção considera o sentido um efeito


experimentado pelo leitor, já que o texto lhe causa estranhamento e o faz
construir sentidos. Para Zilberman (1989), o leitor deve vivenciar esquemas
de textos que o levem a ampliar seus horizontes de expectativas e suas
habilidades com a leitura literária.
Nessa perspectiva, Bordini & Aguiar (1993) fizeram uma pesquisa
acerca dos métodos de ensino de literatura e desenvolveram o Método
Recepcional, que consiste em colocar o aluno em contato com textos
Novas tecnologias educacionais 105

literários conhecidos e desconhecidos; simples e complexos; novos e


antigos; triviais e estéticos, sempre discutindo os textos a partir das leituras
e do interesse do grupo.
O método recepcional valoriza o papel do leitor em todas as suas cinco
etapas, quais sejam:
a) Determinação do horizonte de expectativas – etapa em que o professor,
através de conversas informais, verificará os interesses dos alunos, o estilo
de vida, as preferências, os valores, a fim de pensar em estratégias de
ruptura e de ampliação.
b) Atendimento do horizonte de expectativas – etapa em que serão
proporcionadas à classe experiências com textos literários a partir do
desejo dos alunos. Buscam-se textos literários e atividades que sejam
prazerosas e atendam aos interesses imediatos.
c) Ruptura do horizonte de expectativas – momento em que serão
introduzidos textos que abalem as certezas dos alunos, mas a continuidade à

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
etapa anterior se assemelhará no aspecto temático, na estrutura ou linguagem,
para que o aluno sinta-se seguro e motivado para continuar participando.
d) Questionamento do horizonte de expectativas – fase em que serão
comparados os dois momentos anteriores, verificando quais conhecimentos
os alunos se apropriaram.
e) Ampliação do horizonte de expectativas – etapa em que os alunos,
conscientes de suas novas possibilidades e com mais autonomia, partem
para a busca de novos textos que atendam às suas expectativas; mas, agora,
ampliadas no tocante a temas e composição mais complexos. Este método
em espiral parte do pressuposto de que a formação leitora é processual,
assim, as ações pedagógicas devem ser planejadas de forma que ampliem
a consciência dos alunos em relação à literatura e à vida.

Arrematando ideias

A leitura literária é um processo de comunicação que demanda


respostas do leitor. Este pode penetrar no texto de diferentes maneiras e
explorá-lo sob os mais variados aspectos - cognitivos, afetivos, estéticos
e sociais. Ninguém nasce sabendo ou gostando de literatura; aprende-se
a gostar! Como também, a simples leitura não garante crítica, fruição ou
prazer, nem as fichas de leitura meramente classificatórias; os resumos,
muitas vezes, mais cerceiam do que ampliam os horizontes do leitor.
O segredo maior da literatura é justamente o envolvimento único que
ela nos proporciona num mundo feito de palavras. Explorar ao máximo as
potencialidades desse tipo de texto propicia condições para que o encontro
do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para ele e para
a sociedade em que todos nós estamos inseridos.
A ausência da leitura literária, enquanto objeto de ensino com propósito
de fomentar o exercício de reflexão e de formação de consciência crítica,
tem deixado lacunas e sequelas na formação do leitor; este, cada vez mais, lê
Novas tecnologias educacionais 106

menos; compreende menos e mais se distancia da leitura literária. E não pode


ser atribuída somente ao aluno a responsabilidade por tal distanciamento,
pois no ambiente escolar, sobretudo na sala de aula, o uso dos textos
literários tem sido ineficaz e ineficiente, pois está limitado apenas a questões
puramente pragmáticas e de ensinamentos didáticos e desconsidera as
principais características e função social deste tipo de gênero.
O letramento literário na escola se diferencia da leitura literária que
fazemos independente da escola. Quando o leitor lê um livro e fica embevecido
pelas palavras e estas aninhadas em sua memória, ele externa toda sua
emoção e até convence a outras a pessoas a lerem; nesse caso, a leitura
literária tem um caráter mais individual, em que a interação/interpretação/
ressignificação dá-se entre leitor e texto. Mas a condição de leitor autônomo
está associada às estratégias aprendidas durante as vivências escolares.
Na escola, é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos
construídos individualmente. A razão disso é que, segundo Cosson (2007,

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
p.66), “por meio do compartilhamento de suas interpretações, os leitores
ganham consciência de que são membros de uma coletividade e de que
essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de leitura.” Por isto, na
perspectiva do letramento, não basta apenas o aluno ser “ledor”; a simples
leitura, ou as leituras à deriva, muito pouco contribui, pois o aluno lê da
maneira como lhe foi ensinado e a competência leitora depende, em grande
parte, do modo de ensinar e de aprender na escola.
A leitura literária, numa proposta de letramento, tem a função de
ajudar ao aluno, e também ao professor, a ler melhor a si mesmo, aos outros
a ao mundo através das conexões texto-leitor (relações com as experiências
de vida do aluno/leitor), texto-texto (intertextualidade - relações com
outros textos) e texto-mundo (relações estabelecidas entre o texto lido e
os acontecimentos globais).
A leitura para fruição é importante não só porque contribui na
formação do leitor criativo e autônomo, visto que os horizontes propostos
pela literatura são ilimitados e suas interpretações, dada a natureza
polissêmica da palavra literária, infinitas. Mas, sobretudo, porque nos
fornece, como nenhuma outra leitura, as ferramentas necessárias para
conhecer e interagir com proficiência com o mundo da linguagem a partir do
território da subjetividade. Nesse sentido, a contribuição da leitura literária
na formação de leitores passa pela efetivação de práticas pedagógicas de
leitura que tenham o letramento literário como eixo norteador.
Novas tecnologias educacionais 107

Referências

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor:
alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
CAMPOS, Maria Inês Batista. Ensinar o prazer de ler. 3ª Edição. São Paulo: Olho d’água, 2003.
CÂNDIDO, Antônio. Vários Escritos. O Direito à Literatura. 3ª Edição. São Paulo: Duas
Cidades, 1995.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 1ª Edição. São Paulo: Contexto, 2007.
SILVEIRA, Maria Inez Matoso. Modelos Teóricos e estratégias de leitura de leitura: suas
implicações no ensino. Maceió: EDUFAL, 2005.
SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª Ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história literária. São Paulo: Ática, 1989.

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
Novas tecnologias educacionais 108

Texto base 3

A LITERATURA E A FORMAÇÃO DO HOMEM


Antonio CANDIDO

Nesta palestra, desejo apresentar algumas variações sobre a função


humanizadora da literatura, isto é, sobre a capacidade que ela tem de
confirmar a humanidade do homem. Para este fim, começo focalizando
rapidamente, nos estudos literários, o conceito de função, vista como o
papel que a obra literária desempenha na sociedade.
Este conceito social de função não está muito em voga, pois as
correntes mais modernas se preocupam sobretudo com o de estrutura, cujo

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
conhecimento seria, teoricamente, optativo em relação a ele, se aplicarmos
o raciocínio feito com referência à história. Em face desta os estruturalistas
optam, porque acham que é possível conhecer a história ou a estrutura, mas
não a história e a estrutura. Os dois enfoques seriam mutuamente exclusivos.
Que incompatibilidade metodológica poderia existir entre o estudo da
estru tura e o da função social? O primeiro pode ser comparativamente mais
estático do que o segundo, que evocaria certas noções em cadeia, de cunho
mais dinâmico, como: atuação, processo, sucessão, história. Evocaria a idéia de
pertinência e de adequação à finalidade; e daí bastaria um passo para chegar
à idéia de valor, posta entre parênteses pelas tendências estruturalistas.
Mais ainda: a idéia de função provoca não apenas uma certa inclinação
para o lado do valor, mas para o lado da pessoa; no caso, o escritor (que produz
a obra) e o leitor, coletivamente o público (que recebe o seu impacto). De fato,
quando falamos em função no domínio da literatura, pensamos imediatamente
(1) em função da literatura como um todo; (2) em função de uma determinada
obra; (3) em função do autor, — tudo referido aos receptores.
Ora, uma característica do enfoque estrutural é não apenas concentrar-
se na obra tomada em si mesma (o que aliás ocorria em outras orientações
teóricas anteriores), mas relacioná-la a um modelo virtual abstrato, que
seria a última instância heurística. Isto provém do desejo de chegar a um
conhecimento de tipo científico, que supera o conhecimento demasiado
contingente da obra singular em proveito de tais modelos genéricos, a que
ela se subordina e de que é uma manifestação particular; e que portanto
a explicam. Eles não seriam a-históricos, mas talvez trans-históricos,
porque possuem generalidade e permanência muito maiores, em relação
às manifestações particulares, (obras) que passam para segundo plano como
capacidade explicativa. Através da mudança das manifestações particulares,
eles permanecem, como sistemas básicos e como princípios de organização,
escapando até certo ponto à história, na medida em que são modelos; mas
integrando-se nela, quando vistos em suas manifestações particulares.
Novas tecnologias educacionais 109

O ponto de vista estrutural consiste em ver as obras com referência


aos modelos ocultos, pondo pelo menos provisória e metodicamente
entre parênteses os elementos que indicam a sua gênese e a sua função
num momento dado, e que portanto acentuam o seu caráter de produto
contingente mergulhado na história.
Isto é dito para justificar a afirmação inicial: que os estudos modernos de
literatura se voltam mais para a estrutura do que para a função. Privada dos
seus apoios tradicionais mais sólidos (o estudo da gênese, a aferição do valor,
a relação com o público), a noção de função passa de fato por uma certa crise.
Seria possível, no entanto, focalizá-la? É claro, desde que não
queiramos substituir um enfoque pelo outro. O enfoque estrutural
(inclusive sob a modalidade mais recente, conhecida como estruturalismo)
é responsável pelo maior avanço que os estudos literários conheceram em
nosso tempo. Mas vai ficando cada dia mais claro que uma visão íntegra
da literatura chegará a conciliar num todo explicativo coerente a noção

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
de estrutura e a de função, que aliás andaram curiosamente misturadas e
mesmo semanticamente confundidas em certos momentos da Antropologia
inglesa dos anos de 1930 e 1940. E nós sabemos que a Antropologia é, com
a Lingüística, uma das grandes fontes do estruturalismo contemporâneo.
Voltando aos pontos de referência mencionados acima: na medida em
que nos interessa também como experiência humana, não apenas como
produção de obras consideradas projeções, ou melhor, transformações de
modelos profundos, a literatura desperta inevitavelmente o interesse pelos
elementos contextuais. Tanto quanto a estrutura, eles nos dizem de perto,
porque somos levados a eles pela preocupação com a nossa identidade
e o nosso destino, sem contar que a inteligência da estrutura depende
em grande parte de se saber como o texto se forma a partir do contexto,
até constituir uma independência dependente (se for permitido o jogo de
palavras). Mesmo que isto nos afaste de uma visão científica, é difícil pôr
de lado os problemas individuais e sociais que dão lastro às obras e as
amarram ao mundo onde vivemos.
Digamos, então, para encerrar esta introdução: há no estudo da obra
literária um momento analítico, se quiserem de cunho científico, que precisa
deixar em suspenso problemas relativos ao autor, ao valor, à atuação psíquica
e social, a fim de reforçar uma concentração necessária na obra como objeto
de conhecimento; e há um momento crítico, que indaga sobre a validade da
obra e sua função como síntese e projeção da experiência humana.
Tendo assim demarcado os campos, vejamos alguma coisa sobre a
literatura como força humanizadora, não como sistema de obras. Como
algo que exprime o homem e depois atua na própria formação do homem.

II

Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos


ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta
Novas tecnologias educacionais 110

se baseiam numa espécie de necessidade universal de ficção e de fantasia,


que de certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua
vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades
mais elementares. E isto ocorre no primitivo e no civilizado, na criança e no
adulto, no instruído e no analfabeto. A literatura propriamente dita é uma das
modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade universal,
cujas formas mais humildes e espontâneas de satisfação talvez sejam coisas
como a anedota, a adivinha, o trocadilho, o rifão. Em nível complexo surgem
as narrativas populares, os cantos folclóricos, as lendas, os mitos. No nosso
ciclo de civilização, tudo isto culminou de certo modo nas formas impressas,
divulgadas pelo livro, o folheto, o jornal, a revista: poema, conto, romance,
narrativa romanceada. Mais recentemente, ocorreu o boom das modalidades
ligadas à comunicação pela imagem e à redefinição da comunicação oral,
propiciada pela técnica: fita de cinema, radionovela, fotonovela, história
em quadrinhos, telenovela. Isto, sem falar no bombardeio incessante da

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
publicidade, que nos assalta de manhã à noite, apoiada em elementos de
ficção, de poesia e em geral da linguagem literária.
Portanto, por via oral ou visual; sob formas curtas e elementares, ou
sob complexas formas extensas, a necessidade de ficção se manifesta a cada
instante; aliás, ninguém pode passar um dia sem consumi-la, ainda que
sob a forma de palpite na loteria, devaneio, construção ideal ou anedota.
E assim se justifica o interesse pela função dessas formas de sistematizar
a fantasia, de que a literatura é uma das modalidades mais ricas.
A fantasia quase nunca é pura. Ela se refere constantemente a
alguma realidade: fenômeno natural, paisagem, sentimento, fato, desejo
de explicação, costumes, problemas humanos, etc. Eis por que surge a
indagação sobre o vínculo entre fantasia e realidade, que pode servir de
entrada para pensar na função da literatura.
Sabemos que um grande número de mitos, lendas e contos são
etiológicos, isto é, são um modo figurado ou fictício de explicar o
aparecimento e a razão de ser do mundo físico e da sociedade. Por isso há
uma relação curiosa entre a imaginação explicativa, que é a do cientista,
e a imaginação fantástica, ou ficcional, ou poética, que é a do artista e do
escritor. Haveria pontos de contacto entre ambas? A resposta pode ser uma
especulação lateral no problema da função, que nos ocupa.
Interessado em estudar a formação do espírito científico, Gaston
Bachelard procurou investigar como ele ia surgindo duma espécie de
progressiva depuração, a partir da ganga imaginativa do devaneio, — que
seria um estado de passividade intelectual a ser anulado. Mas aos poucos
o devaneio lhe foi aparecendo, não apenas como etapa inevitável, ou solo
comum a partir do qual se bifurcam reflexão científica e criação poética,
mas a condição primária de uma atividade espiritual legítima. O devaneio
seria o caminho da verdadeira imaginação, que não se alimenta dos resíduos
da percepção e portanto não é uma espécie de resto da realidade; mas
estabelece séries autônomas coerentes, a partir dos estímulos da realidade.
Novas tecnologias educacionais 111

Uma imaginação criadora para além, e não uma imaginação reprodutiva


ao lado, para falar como ele.
O devaneio (rêverie) se incorpora à imaginação poética e acaba na
criação de semelhantes imagens; mas o seu ponto de partida é a realidade
sensível do mundo, ao qual se liga assim necessariamente. Para Bachelard,
esta espécie de carga inicial da imaginação é formada pelos quatro
elementos da tradição eleática; os simples do mundo, segundo a visão de
tantos séculos: terra, água, ar e fogo.
Independente de aceitarmos ou não o ponto de vista de Bachelard, a
referência a ele serve neste contexto sobretudo como amostra do laço entre
imaginação literária e realidade concreta do mundo. Serve para ilustrar em
profundidade a função integradora e transformadora da criação literária
com relação aos seus pontos de referência na realidade.
Ao mesmo tempo, a evocação dessa impregnação profunda
mostra como as criações ficcionais e poéticas podem atuar de modo

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
subconsciente e inconsciente, operando uma espécie de inculcamento
que não percebemos. Quero dizer que as camadas profundas da nossa
personalidade podem sofrer um bombardeio poderoso das obras que
lemos e que atuam de maneira que não podemos avaliar. Talvez os contos
populares, as historietas ilustradas, os romances policiais ou de capa-
e-espada, as fitas de cinema, atuem tanto quanto a escola e a família na
formação de uma criança e de um adolescente.
Isto leva a perguntar: a literatura tem uma função formativa de tipo
educacional?
Sabemos que a instrução dos países civilizados sempre se baseou nas
letras. Daí o elo entre formação do homem, humanismo, letras humanas e
o estudo da língua e da literatura. Tomadas em si mesmas, seriam as letras
humanizadoras, do ponto de vista educacional?
Seja como for, a sua função educativa é muito mais complexa do que
pressupõe um ponto de vista estritamente pedagógico. A própria ação
que exerce nas camadas profundas afasta a noção convencional de uma
atividade delimitada e dirigida segundo os requisitos das normas vigentes.
A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma
vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa, — o Verdadeiro, o
Bom, o Belo, definidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para
reforço da sua concepção de vida. Longe de ser um apêndice da instrução
moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente em grande
voga), ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como
ela, — com altos e baixos, luzes e sombras. Daí as atitudes ambivalentes
que suscita nos moralistas e nos educadores, ao mesmo tempo fascinados
pela sua força humanizadora e temerosos da sua indiscriminada riqueza. E
daí as duas atitudes tradicionais que eles desenvolveram: expulsá-la como
fonte de perversão e subversão, ou tentar acomodá-la na bitola ideológica
dos catecismos (inclusive fazendo edições expurgadas de obras-primas,
como as denominadas ad usum Delphini, destinadas ao filho de Luís XIV).
Novas tecnologias educacionais 112

Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua


com toda a sua gama, é artificial querer que ela funcione como os manuais
de virtude e boa conduta. E a sociedade não pode senão escolher o que
em cada momento lhe parece adaptado aos seus fins, enfrentando ainda
assim os mais curiosos paradoxos, — pois mesmo as obras consideradas
indispensáveis para a formação do moço trazem freqüentemente o que as
convenções desejariam banir. Aliás, essa espécie de inevitável contrabando
é um dos meios por que o jovem entra em contacto com realidades que se
tenciona escamotear-lhe.
Vejamos um exemplo apenas. Todos sabem que a arte e a literatura
têm um forte componente sexual, mais ou menos aparente em grande
parte dos seus produtos. E que age, portanto, como excitante da imaginação
erótica. Sendo assim, é paradoxal que uma sociedade como a cristã, baseada
na repressão do sexo, tenha usado as obras literárias nas escolas, como
instrumento educativo. Basta lembrar, na venerável tradição clássica,

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
textos como a Ilíada, o Canto IV da Eneida, o Canto IX dos Lusíadas, os idílios
de Teócrito, os poemas apaixonados de Catulo, os versos provocantes de
Ovídio, — tudo lido, traduzido, comentado ou explicado em aula. Esta
situação curiosa chegou até os nossos dias de costumes menos rígidos, e
vive gerando brigas entre pais e professores, por causa da leitura de Aluísio
Azevedo ou Jorge Amado.
O revestimento ideológico de um autor pode dar lugar a contradições
realmente interessantes, — os poderes da sociedade ficando inibidos de
restringir a leitura de textos que deveriam ser banidos segundo os seus
padrões, mas que pertencem a um autor ou a uma obra que, por outro lado,
reforçam estes padrões. Nada mais significativo do que a voga, até há poucos
anos, de Olavo Bilac, poeta que em muitos versos apresentava o sexo sob
aspectos bastante crus, perturbando a paz dos ginasianos, cujos mestres
não ousavam todavia proscrevê-los porque se tratava de um escritor de
conotações patrióticas acentuadas, — pregador de civismo e do serviço
militar, autor de obras didáticas adotadas e cheias de “boa doutrina”.
Paradoxos, portanto, de todo lado, mostrando o conflito entre a idéia
convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundo os padrões oficiais)
e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada
complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não corrompe nem
edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o
que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver.

III

Chegamos agora ao ponto mais complicado. Além das funções


mencionadas (isto é: satisfazer à necessidade universal de fantasia e
contribuir para a formação da personalidade) teria a literatura uma função
de conhecimento do mundo e do ser? Por outras palavras: o fato de consistir
na construção de obras autônomas, com estrutura específica e filiação
Novas tecnologias educacionais 113

a modelos duráveis, lhe dá um significado também específico, que se


esgota em si mesmo, ou lhe permite representar de maneira cognitiva, ou
sugestiva, a realidade do espírito, da sociedade, da natureza?
Muitas correntes estéticas, inclusive as de inspiração marxista,
entendem que a literatura é sobretudo uma forma de conhecimento, mais do
que uma forma de expressão e uma construção de objetos semiologicamente
autônomos. Sabemos que as três coisas são verdadeiras; mas o problema
é determinar qual o aspecto dominante e mais característico da produção
literária. Sem procurar decidir, limitemo-nos a registrar as três posições e
admitir que a obra literária significa um tipo de elaboração das sugestões
da personalidade e do mundo que possui autonomia de significado; mas
que esta autonomia não a desliga das suas fontes de inspiração no real,
nem anula a sua capacidade de atuar sobre ele.
Isto posto, podemos abordar o problema da função da literatura
como representação de uma dada realidade social e humana, que faculta

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
maior inteligibilidade com relação a esta realidade. Para isso, vejamos um
único exemplo de relação das obras literárias com a realidade concreta: o
regionalismo brasileiro, que por definição é cheio de realidade documentária.
Trata-se de um caso privilegiado para estudar o papel da literatura
num país em formação, que procura a sua identidade através da variação
dos temas e da fixação da linguagem, oscilando para isto entre a adesão aos
modelos europeus e a pesquisa de aspectos locais. O Arcadismo, no século
XVIII, foi uma espécie de identificação com o mundo europeu através de
seu homem rústico idealizado na tradição clássica. O Indianismo, já no
século XIX, foi uma identificação com o mundo não-europeu, pela busca
de um homem rústico americano igualmente idealizado. O Regionalismo,
que o sucedeu e se estende até os nossos dias, foi uma busca do tipicamente
brasileiro através das formas de encontro, surgidas do contacto entre o
europeu e o meio americano. Ao mesmo tempo documentário e idealizador,
forneceu elementos para a auto-identificação do homem brasileiro e
também para uma série de projeções ideais. Nesta palestra, o intuito é
mostrar que a sua função social foi ao mesmo tempo humanizadora e
alienadora, conforme o aspecto ou o autor considerado.
Mas antes de ir além, um parêntese para dizer que hoje, tanto na
crítica brasileira quanto na latino-americana, a palavra de ordem é
“morte ao Regionalismo”, quanto ao presente, e menosprezo pelo que
foi, quanto ao passado. Esta atitude é criticamente boa se a tomarmos
como um “basta!” à tirania do pitoresco, que vem a ser afinal de contas
uma literatura de exportação e exotismo fácil. Mas é forçoso convir que,
justamente porque a literatura desempenha funções na vida da sociedade,
não depende apenas da opinião crítica que o regionalismo exista ou deixe
de existir. Ele existiu, existe e existirá enquanto houver condições como
as do subdesenvolvimento, que forçam o escritor a focalizar como tema
as culturas rústicas mais ou menos à margem da cultura urbana. O que
acontece é que ele se vai modificando e adaptando, superando as formas
Novas tecnologias educacionais 114

mais grosseiras até dar a impressão de que se dissolveu na generalidade dos


temas universais, como é normal em toda obra bem feita. E pode mesmo
chegar à etapa onde os temas rurais são tratados com um requinte que em
geral só é dispensado aos temas urbanos, como é o caso de Guimarães Rosa,
a cujo propósito seria cabível falar num super-regionalismo. Mas ainda aí
estamos diante de uma variedade da malsinada corrente.
Fechando o parêntese, voltemos ao assunto com uma consideração
de ordem geral: o Regionalismo estabelece uma curiosa tensão entre tema
e linguagem. O tema rústico puxa para os aspectos exóticos e pitorescos
e, através deles, para uma linguagem inculta cheia de peculiaridades
locais; mas a convenção normal da literatura, baseada no postulado da
inteligibilidade, puxa para uma linguagem culta e mesmo acadêmica.
O Regionalismo deve estabelecer uma relação adequada entre os dois
aspectos, e por isso se torna um instrumento poderoso de transformação da
língua e de revelação e autoconsciência do País; mas pode ser também fator

Eixo 4: Intervenções pedagógicas para a docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (TCC)
de artificialidade na língua e de alienação no plano do conhecimento do
País. As duas coisas ocorrem nas diversas fases do regionalismo brasileiro,
e eventualmente em obras diferentes do mesmo autor. Tomemos como
exemplo dois autores da mesma fase, que se conheceram e se estimaram:
Coelho Neto (1864-1934) e Simões Lopes Neto (1865-1916).
Ambos escreveram num momento de grande voga da literatura
regionalista, quando ela parecia mais autêntica do que outras
modalidades, porque se ocupava de tipos humanos, paisagens e costumes
considerados tipicamente brasileiros. No conjunto, foi uma tendência falsa,
correspondendo a modalidades superficiais de nacionalismo, baseada
numa distância insuperada entre o escritor e o seu personagem, que ficava
reduzido ao nível da curiosidade e do pitoresco. Não obstante, alguns
escritores conseguiram posição bem mais humanizadora. Os dois exemplos
abaixo procuram sugerir as duas posições.
O regionalismo de Coelho Neto (cuja obra se desenvolveu na maior
parte em outros rumos) mostra a dualidade estilística predominante
entre os regionalistas, que escreviam como homens cultos, nos
momentos de discurso indireto; e procuravam nos momentos de
discurso direto reproduzir não apenas o vocabulário e a sintaxe, mas o
próprio aspecto fônico da linguagem do homem rústico. Uma espécie de
estilo esquizofrênico, puxando o texto para dois lados e mostrando em
grau máximo o distanciamento em que se situava o homem da cidade,
como se ele estivesse querendo marcar pela dualidade de discursos a
diferença de natureza e de posição que o separava do objeto exótico que
é o seu personagem.
O conto “Mandovi”, de seu livro Sertão, pode ser tomado como caso
típico dessa concepção alienadora. Vejamos um trecho:
— Não vou? Ocê sabi? Pois mió. Dá cá mais uma derrubada aí modi
u friu, genti. Um dos vaqueiros passou-lhe o copo e Mandovi bebeu com
gosto, esticando a língua para lamber os bigodes. Té aminhã, genti.
Novas tecnologias educacionais 115

— Adeu!
— Eh! Tigre... livanta. Com a ponta do pé espremeu o ventre de um cão
negro que se levantou ligeiro e, rebolindo-se a acenar com a cauda, pôs-se
a mirá-lo rosnando. Bamu! Adeu, genti. E, da porta, para rir, bradou: — Dá
um tombu nesse queixada comedô, genti.
Fora a noite ia esplêndida, fresca e de lua. A estrada, muito branca,
insinuava-se pelo arvoredo e perdia-se nas sombras quietas. O caboclo
lançou os olhos ao céu estrelado onde a lua brilhava e, passando o cajado
pelas costas, à altura dos ombros, vergou os braços sobre ele deixando as
mãos pendentes e pôs-se a caminho, precedido pelo cão que seguia com o
focinho baixo, em zig-zagues, a fariscar a erva e o pó.
A primeira coisa que se nota neste centauro estilístico é a injustificável
dualidade de notação da fala, que não pode ser explicada senão por motivos
de ideologia.
Do contrário, por que tentar uma notação fonética rigorosa para a

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fala do rústico e aceitar para a do narrador culto o critério aproximativo
normal? Com efeito, supondo no narrador Coelho Neto uma performance
fônica do tipo da que é corrente entre as pessoas cultas do Rio de Janeiro
e nas cidades do Litoral Norte do País, o lógico seria (levando o critério
adotado até às últimas conseqüências), que a escrita se apresentasse assim:
— Não vô? ocê sabi? pois mió. Dácá mai zuma dirrubada aí módiu
friu, genti. Unduch vaqueiruch passôlhocópo i Mandovi bebeu com gôchto,
chticando a língua pra lambê ruch bigodich etc.
Isto não poderia ocorrer, porque na verdade o procedimento
exemplificado com o texto de Coelho Neto é uma técnica ideológica
inconsciente para aumentar a distância erudita do autor, que quer ficar
com o requinte gramatical e acadêmico, e confinar o personagem rústico,
por meio de um ridículo patuá pseudo-realista, no nível infra-humano dos
objetos pitorescos, exóticos para o homem culto da cidade. Digo pseudo-
realista, porque na verdade o que ocorre é uma dualidade de critérios. Com
efeito, ao narrador ou personagem cultos, de classe superior, é reservada a
integridade do discurso, que se traduz pela grafia convencional, indicadora
da norma culta. Nos livros regionalistas, o homem de posição social mais
elevada nunca tem sotaque, não apresenta peculiaridades de pronúncia,
não deforma as palavras, que, na sua boca, assumem o estado ideal de
dicionário. Quando, ao contrário, marca o desvio da norma no homem
rural pobre, o escritor dá ao nível fônico um aspecto quase teratológico,
que contamina todo o discurso e situa o emissor como um ser à parte, um
espetáculo pitoresco como as árvores e os bichos, feito para contemplação
ou divertimento do homem culto, que deste modo se sente confirmado na
sua superioridade. Em tais casos, o regionalismo é uma falsa admissão do
homem rural ao universo dos valores éticos e estéticos.
No entanto, o seu propósito consciente era o contrário. Ele se
apresentou como um humanismo, como uma recuperação do homem posto
à margem; e de fato pode ser assim, quando a deliberação temática, isto
Novas tecnologias educacionais 116

é, a decisão de escolher e tratar como tema literário o homem rústico, é


seguida de uma visão humana autêntica, que evite o tratamento alienante
dos personagens. Esta visão se traduz pelo encontro de uma solução
lingüística adequada; e dependendo dela é que o Regionalismo pode ter
um sentido humanizador ou um sentido reificador. Dito de outro modo:
pode funcionar como representação humanizada ou como representação
desumanizada do homem das culturas rurais.
Contrastando com o caso negativo de Coelho Neto, vejamos o caso positivo
de Simões Lopes Neto, — escritor cuja ficção, quantitativamente parca, mas
qualita tivamente elevada, se desenvolveu toda dentro do Regionalismo.
Simões Lopes Neto começa por assegurar uma identificação máxima
com o universo da cultura rústica, adotando como enfoque narrativo a
primeira pessoa de um narrador rústico, o velho cabo Blau Nunes, que
se situa dentro da matéria narrada, e não raro do próprio enredo, como
uma espécie de Marlowe gaúcho. Esta mediação (nunca usada por Coelho

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Neto, encastelado numa terceira pessoa alheia ao mundo ficcional, que
hipertrofia o ângulo do narrador culto) atenua ao máximo o hiato entre
criador e criatura, dissolvendo de certo modo o homem culto no homem
rústico. Este deixa de ser um ente separado e estranho, que o homem culto
contempla, para tornar-se um homem realmente humano, cujo contacto
humaniza o leitor.
Veja-se o final do conto “Contrabando”:
Era já lusco-fusco. Pegaram a acender as luzes.
E nesse mesmo tempo parava no terreiro a comitiva; mas num
silêncio, tudo.
E o mesmo silêncio foi fechando todas as bocas e abrindo todos os
olhos. Então vimos os da comitiva descerem de um cavalo o corpo entregue
de um homem, ainda de pala enfiado...
Ninguém perguntou nada, ninguém informou de nada; todos
entenderam tudo...; que a festa estava acabada e a tristeza começada...
Levou-se o corpo pra sala da mesa, para o sofá enfeitado, que ia ser o
trono dos noivos. Então um dos chegados disse:
— A guarda nos deu em cima... tomou os cargueiros... E mataram o
capitão, porque ele avançou sozinho pra mula ponteira e suspendeu um
pacote que vinha solto... e ainda o amarrou no corpo... Aí foi que o crivaram
de balas... parado... Os ordinários!... Tivemos que brigar, pra tomar o corpo!
A siadona mãe da noiva levantou o balandrau do Jango Jorge e
desamarrou o embrulho; e abriu-o.
Era o vestido branco da filha, os sapatos brancos, o véu branco, as
flores de laranjeira...
Tudo numa plastada de sangue... tudo manchado de vermelho, toda
a alvura daquelas coisas bonitas como que bordada de colorado, num
padrão esquisito, de feitios estrambólicos... como flores de cardo solferim
esmagadas a casco de bagual!...
Então rompeu o choro na casa toda...
Novas tecnologias educacionais 117

Com a utilização do narrador fictício fica evitada a situação de


dualidade, porque não há diferença de cultura entre quem narra e quem
é objeto da narrativa. No entanto, aí está um ritmo diferente, estão certos
vocábulos reveladores e ligeiras deformações prosódicas, construindo
uma fala gaúcha estilizada e convincente, mas ao mesmo tempo literária,
esteticamente válida. Para o seu narrador Blau Nunes, o autor tinha dois
extremos possíveis: ou deformar as palavras e grafar toda a narrativa
segundo a falsa convenção fonética usual em nosso Regionalismo, de que
vimos um exemplo em Coelho Neto; ou adotar um estilo castiço registrado
segundo as convenções da norma culta. Simões Lopes Neto rejeitou
totalmente o primeiro e adaptou sabiamente o segundo, conseguindo
um nível muito eficiente de estilização. Graças a isto, o universo do
homem rústico é trazido para a esfera do civilizado. O leitor, nivelado ao
personagem pela comunidade do meio expressivo, se sente participante
de uma humanidade que é a sua, e deste modo, pronto para incorporar à

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sua experiência humana mais profunda o que o escritor lhe oferece como
visão da realidade.
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Textos/vídeos complementares

Vídeo 1: Leituras sobre letramento literário: lendo Rildo Cosson – introdução. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=rmzBVKBMZbQ
Letramento literário: teoria e prática, de Rildo Cosson. 1ª Edição. São Paulo: Contexto, 2007.
Este livro faz parte do acervo do Programa Nacional da Biblioteca Escolar do Professor, do FNDE.
Leitura nas séries iniciais: uma proposta para formação de leitores de literatura, de
Elizabeth Baldi. Porto Alegre: Editora Projeto, 2009. Este livro faz parte do acervo do
Programa Nacional da Biblioteca Escolar do Professor, do FNDE.
Literatura na escola: propostas para o ensino fundamental, de SARAIVA, Juracy Assman;
MÜGGE, Ernani; et al. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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