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GRADUAÇÃO

Unicesumar

HISTÓRIA ANTIGA

Professora Me. Adriele Andrade Ceola

Acesse o seu livro também disponível na versão digital.


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Wilson de Matos Silva
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NEAD - Núcleo de Educação a Distância
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C397CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Amanda Peçanha Dos Santos
Distância; CEOLA, Adriele Andrade.
Projeto Gráfico
História Antiga. Adriele Andrade Ceola. Jaime de Marchi Junior
Maringá-Pr.: Unicesumar, 2019. Reimpresso em 2021. José Jhonny Coelho
216 p. Arte Capa
“Graduação - EaD”. Arthur Cantareli Silva
1. História. 2. Antiga . 3. EaD. I. Título. Ilustração Capa
Bruno Pardinho
ISBN 978-85-459-1920-9 Editoração
CDD - 22 ed. 901 Robson Yuiti Saito
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Qualidade Textual
Monique Coloni Boer
Ilustração
Rodrigo Barbosa da Silva
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Crian-
do oportunidades e/ou estabelecendo mudanças
capazes de alcançar um nível de desenvolvimento
compatível com os desafios que surgem no mundo
contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógi-
ca e encontram-se integrados à proposta pedagógica,
contribuindo no processo educacional, complemen-
tando sua formação profissional, desenvolvendo com-
petências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos
em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no
mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm
como principal objetivo “provocar uma aproximação
entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o
desenvolvimento da autonomia em busca dos conhe-
cimentos necessários para a sua formação pessoal e
profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fó-
runs e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe
das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma
equipe de professores e tutores que se encontra dis-
ponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em
seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe
trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória
acadêmica.
CURRÍCULO

Professora Me. Adriele Andrade Ceola


Professora de História no Centro Universitário de Maringá. É integrante do
Grupo de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade e Tardo-Antiguidade
(STVDIA); possui graduação em História pela Universidade Estadual de
Maringá (2014) e mestrado em História pela mesma instituição (2017). Tem
experiência em história com ênfase em história antiga, atuando sobre os
seguintes temas: Narrativa Histórica, Biografia, Principado, Tácito e Plutarco.

http://lattes.cnpq.br/4706656588443514.
APRESENTAÇÃO

HISTÓRIA ANTIGA

SEJA BEM-VINDO(A)!
Olá, caro(a) aluno(a)! Seja bem-vindo(a) ao mundo antigo! Sou a professora Adriele An-
drade Ceola, responsável por pensar e preparar o material da disciplina de História Antiga.
Este material foi planejado com muito zelo, com a finalidade de ser um guia para sua
viagem às civilizações antigas. Isso significa que ele pode servir como manual, que ofe-
recerá a você conhecimento básico sobre alguns elementos da Antiguidade, mas ne-
cessita de seu interesse e dedicação em buscar mais informações, fazer pesquisas, ler os
materiais indicados e realizar as atividades propostas.
Você perceberá que o livro possui alguns direcionamentos de estudos: em primeiro lu-
gar – e também a maior parte do livro – apresentará os conteúdos e os fatos históricos
de algumas civilizações do Oriente e do Ocidente antigos. Em segundo, desenvolverá os
conteúdos metodológicos acerca do estudo da Antiguidade, oferecendo instrumentos e
materiais para fortalecer um pensamento crítico sobre as sociedades antigas. Em terceiro
lugar, com o objetivo de paramentar suas leituras, apresentará um glossário de conceitos
específicos das civilizações antigas, que deverá ser consultado no decorrer da leitura.
O material foi organizado em cinco unidades temáticas, que, ao mesmo tempo, infor-
marão a você sobre os fatos do passado e apresentarão as preocupações teóricas e me-
todológicas. É preciso que você se atente que, para os estudos acerca das civilizações
orientais antigas, a organização da escrita foi baseada nas características constantes das
sociedades, como práticas econômicas, organização social e vida política; para as civili-
zações ocidentais, a organização se deu de forma distinta, visto que é possível descrever
as mudanças nas sociedades a partir da cronologia política. Todas as unidades possuem
fontes históricas imagéticas, que não são meramente ilustrativas; no entanto, os docu-
mentos históricos escritos e uma fonte imagética foram reunidos e organizados na últi-
ma unidade, juntamente com os passos metodológicos da análise crítica.
O tema da primeira unidade é Oriente Próximo Antigo. Nela, trabalharemos as distintas
sociedades em aspectos comuns, tendo em vista que não constituem um reino unifica-
do. Sendo assim, estudaremos as práticas econômicas, considerando a principal ativida-
de – a agricultura – e a importância das cheias dos rios Tigre e Eufrates nessa produção; a
organização da sociedade; as distintas culturas ou cidades-estados que predominaram
na região; e, por fim, a hipótese causal hidráulica e as suas fragilidades.
A segunda unidade contemplará também uma sociedade que se desenvolveu na parte
oriental do mundo: o Egito Antigo. Diferente do Oriente Próximo Antigo, o Egito foi um
reino unificado, longínquo e duradouro. Discutiremos suas práticas econômicas, enfa-
tizando a agricultura dependente do rio Nilo; a organização piramidal e burocrática da
sociedade; as fases políticas do período faraônico; e a legitimação da sociedade pelas
crenças e pelas práticas religiosas.
APRESENTAÇÃO

A Grécia Antiga será abordada na terceira unidade. Esta civilização é considerada


como parte do mundo ocidental antigo e, quando comparada às civilizações do
Oriente, possuímos mais informações a seu respeito. Assim, a unidade foi organi-
zada de acordo com a divisão temporal política e contemplará a organização da
sociedade nos Períodos Homérico, Arcaico e Clássico, e na Era Helenística.
A quarta unidade se refere à Roma Antiga. Esta civilização foi a última da Antiguida-
de do Ocidente, que, após profundas transformações, deu início ao período conhe-
cido como Idade Média. Essa unidade foi organizada de forma similar ao da Grécia
Antiga, visto que a explicação priorizou a divisão temporal pautada nos modelos
políticos da civilização, o que significa que você estudará a Monarquia (ou a Realeza
Romana), a República e o Império.
Por fim, a quinta unidade diverge das demais, visto que sua temática irá referir-se às
fontes e aos métodos dos historiadores classicistas. Dessa maneira, você estudará
as especificidades do ofício do historiador especialista em Antiguidade, as etapas
da metodologia de uma análise de fonte histórica, e, enfim, trechos de documentos
históricos das sociedades trabalhadas em todo o livro.
Espero que sua leitura seja agradável e que possa enriquecer sua formação. Desejo-
-lhe sucesso e excelente estudo!
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL

15 Introdução

16 Estabelecimento dos Primeiros Povos do Oriente Próximo

26 A Organização das Sociedades

31 Os Principais Povos: Uma Cronologia

35 Hipótese Causal Hidráulica: Uma Perspectiva Interpretativa

39 Considerações Finais

45 Referências

46 Gabarito

UNIDADE II

O EGITO ANTIGO

49 Introdução

50 As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo

71 Sociedade Egípcia: Organização Piramidal

77 Cultura Fúnebre: A Justificativa da Sociedade por Meio da Crença

81 Considerações Finais

87 Referências

88 Gabarito
10
SUMÁRIO

UNIDADE III

MUNDO GREGO ANTIGO

91 Introdução

92 Período Homérico: Os Primórdios da Civilização Grega

99 O Período Arcaico: O Nascimento da Pólis

104 O Período Clássico: A Consolidação da Política

111 Domínio Macedônico

115 Considerações Finais

121 Referências

122 Gabarito

UNIDADE IV

O MUNDO ROMANO ANTIGO

125 Introdução

126 Fundação de Roma

131 Os Tempos da Realeza

136 O Período da República Romana

147 O Império Romano

158 Considerações Finais

164 Referências

165 Gabarito
11
SUMÁRIO

UNIDADE V

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA


ANTIGUIDADE

169 Introdução

170 As Especificidades do Trabalho da História Antiga

178 Pontos a Serem Considerados na Análise de um Documento

181 Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia


Antiga e Roma Antiga

199 Considerações Finais

205 Referências

206 Gabarito

207 CONCLUSÃO
Professora Me. Adriele Andrade Ceola

I
O ORIENTE PRÓXIMO

UNIDADE
ANTIGO: OS POVOS DO
CRESCENTE FÉRTIL

Objetivos de Aprendizagem
■ Estudar sobre o estabelecimento dos primeiros povos na região do
Oriente Próximo Antigo;
■ Desenvolver a questão da organização das sociedades, suas
hierarquias e relações;
■ Apresentar algumas das culturas predominantes e cidades-estados
que nos legaram maiores informações da região do Oriente Próximo;
■ Discutir sobre a Hipótese Causal Hidráulica e a teoria interpretativa
do estabelecimento das civilizações derivada do marxismo.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O estabelecimento dos primeiros povos do Oriente Próximo;
■ A organização das sociedades;
■ Os principais povos: uma cronologia;
■ Hipótese Causal Hidráulica: uma perspectiva interpretativa
15

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), o Oriente Próximo Antigo é, ao mesmo tempo, chamativo


e enigmático. Chamativo, pois, muitas vezes, olhamos as civilizações que nele
existiram com alteridade, isto é, como exóticas e diferentes de nossa realidade.
Assim, essa região nos desperta interesse por atribuirmos atenção somente ao
que seja distinto de nós, sem compreendermos as sociedades em determinados
tempo e espaço. Enigmático, visto que convivemos com a presença de poucos
documentos e a dificuldade em compreender àqueles que persistem, tornando
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seu conhecimento trabalhoso e lacunoso. Essa característica se deve ao fato de


que as civilizações ali se desenvolveram há milhares de anos antes da nossa Era,
e muitos dos materiais produzidos se perderam, foram destruídos ou sobrevi-
veram em fragmentos e espalhados por toda a região.
No Brasil, há dificuldade maior para o conhecimento das civilizações orientais
antigas: os estudos acerca dessas civilizações, muitas vezes, não estão traduzidos
para o português. Além disso, ao empreendermos um levantamento bibliográfico
acerca das civilizações orientais na academia brasileira, facilmente identificamos
volume menor de trabalhos em comparação com as civilizações grega e romana.
Apesar das dificuldades “o Oriente ajudou a definir a Europa (ou Ocidente),
como sua imagem, ideia, personalidade e experiência de contraste” (SAID, 1990,
p. 13-14), isto é, se Grécia e Roma foram o berço da civilização Ocidental, o
Oriente Próximo foi o berço da civilização. Sua organização de sociedade, prá-
ticas econômicas e cultura foram tão complexas que não podemos descartar sua
relevância para as demais sociedades, o que significa que seu estudo e conheci-
mento são primordiais no campo da história.
Nesta unidade serão oferecidos alguns direcionamentos do que foi o Oriente
Próximo Antigo, pois seria pretensão e ousadia afirmar que daremos conta de
explicar toda sua história em algumas páginas. Espero instigar seu senso de histo-
riador a buscar novas informações e a realizar mais leituras acerca dessa temática.
Bons estudos!

Introdução
16 UNIDADE I

ESTABELECIMENTO DOS PRIMEIROS POVOS DO


ORIENTE PRÓXIMO

Olá, caro(a) aluno(a) e futuro(a) professor(a) de História! Com a leitura desta


unidade, você iniciará seus estudos acerca das civilizações do Antigo Oriente
Próximo. Para tanto, selecionei para você os estudos acerca das principais carac-
terísticas físicas da região, que são fundamentais para compreender as práticas
econômicas, as organizações social e administrativa, e os aspectos culturais.
Você entrará em contato com a forma de organização social e a relação entre as

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diferentes hierarquias. Entrará em contato, brevemente, com as civilizações que
mais nos renderam informações e predominaram por um tempo na região. Por
fim, conhecerá uma proposta interpretativa do estabelecimento dos povos nessa
localidade baseada na visão marxista, bas-
tante influente na academia brasileira.
Antes de adentrarmos no conte-
údo acerca do Oriente Próximo Antigo,
é importante ressaltar que você perce-
berá o uso do termo “civilização”, além
de “povos”, “comunidade” e “sociedade”
para designar os grupos humanos que se
tornaram sedentários e desenvolveram
relações entre si. O vocábulo “civilização”,
por vezes, pode denotar questionamen-
tos, pois, usualmente, é empregado como
forma de exaltar uma sociedade em
detrimento de outra. No entanto, neste
material, o termo não terá esse sentido
pejorativo, mas seguiremos a perspec-
tiva em que Um relato de rações de cevada emitidas mensalmen-
te para adultos (30 ou 40 pintas) e crianças (20 pin-
tas) escritas em cuneiforme em tábua de barro, es-
crita no ano 4 do rei Urukagina (cerca de 2350 a.C).

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


17

[Civilização] significa grande número de pessoas atuando de forma


organizada, pela incorporação de conhecimentos sociais e sob uma li-
derança que vai se estabelecendo e adquirindo legitimidade (PINSKY,
1994, p. 46).

Isso quer dizer que o conceito não é utilizado para designar uma sociedade
melhor ou pior do que a outra, mas corresponderá aos grupos humanos estabe-
lecidos que possuíam organização econômica, social, política e cultural.
A segunda ressalva a ser colocada é que, quando nos referimos à história do
Oriente Próximo Antigo, temos que ter sempre em mente que falamos de anos antes
da nossa Era, isto é, do segmento de tempo que veio antes de Cristo – a.C. –, visto
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que as primeiras civilizações dessa região se desenvolveram há milhares de anos.


Feitas as observações, é possível identificar os primeiros traços das socie-
dades orientais antigas durante o período Neolítico, em torno de 10000 a.C. e
6000 a.C., momento em que houve o início do desenvolvimento da agricultura,
da criação de animais, do comércio, da cerâmica, da arquitetura e dos princípios
de uma vida urbana. Não se sabe os motivos que levaram os homens a se tor-
narem sedentários, por isso, há diversas hipóteses explicativas sobre o assunto
– como veremos adiante sobre a hipótese causal hidráulica.
O Oriente Próximo Antigo é uma forma genérica utilizada para referir-
-se à região, pois não foi conhecido assim por seus habitantes, visto que muitas
cidades existiram concomitantemente na localidade e não havia unidade ou
poder central, mas diversas autoridades locais. Nesse sentido, outras expressões
generalizantes podem ser empregadas para referir-se à região, como: Crescente
Fértil – devido ao formato de lua crescente que as terras cultiváveis possuíam; e
Mesopotâmia – termo de origem grega que, decomposto, “meso” significa meio,
“potâmia”, rio e o sentido final é “[terra] entre rios”.
Dialogando com essa ideia de heterogeneidade da região, para compreendê-la
convém ter em mente que o Oriente Próximo não tem sido nunca uma
entidade coerente nem claramente definida, mas o que melhor repre-
senta é uma série de sistemas econômicos, políticos e culturais que se
sobrepunham (KUHRT, 2000, p. 18, tradução da autora).

Isso significa que não houve características generalizantes durante os primeiros


milênios de civilização oriental, mas diversas cidades-estados ou cultura predo-
minante que, em determinado, período se destacava na região ou centralizava a

Estabelecimento dos Primeiros Povos do Oriente Próximo


18 UNIDADE I

autoridade por curto segmento de tempo. Nesse sentido, a presente unidade não
tratará das especificidades de cada cidade desenvolvida, mas discutirá a respeito
dos pontos em comum na economia, na política, na cultura e na organização social.
Como qualquer estudo de outra sociedade antiga, não temos documentos
que nos permitam dar uma data exata da origem das sociedades. Os indícios nos
levam a crer que os homens deixaram os aspectos tribais e começaram a estabe-
lecer-se em comunidades com organizações mais complexas por volta de 4000
a.C., isto é, sua história é tão longínqua, que coincide com a Idade do Bronze.
Também não é possível identificar com precisão os territórios que foram ocupa-

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dos por essas cidades-estados. Kuhrt (2000) afirma que os sítios arqueológicos
indicam que elas ocuparam as atuais regiões de Israel, do Líbano, da Jordânia, de
parte da Síria, do Iraque, da Turquia e do Irã, bem como parte do Golfo Pérsico
e da Península Arábica, conforme exemplifica o mapa abaixo:

Figura 1 – Mapa do Antigo Oriente Médio


Fonte: Wikipédia (2013, on-line)¹.

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


19

Apesar dessas incertezas em relação aos antigos povos orientais que subsistiram
em tempo tão longínquo, podemos ainda obter informações e identificar aspec-
tos em comum entre eles. Dentre essas semelhanças, é possível identificar forças
produtivas muito parecidas e diálogo entre as cidades baseadas nessas ações.

AS PRÁTICAS ECONÔMICAS E ADMINISTRATIVAS DO ANTIGO


ORIENTE PRÓXIMO
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Quando nos referimos a qualquer sociedade da antiguidade – sejam orientais ou oci-


dentais – e suas forças produtivas, a expressão mais adequada para essas ações é “práticas
econômicas”, pois essas sociedades não eram organizadas com a finalidade de possuírem
economia, como foi imaginado no período da modernidade, isto é, como atividades
autônomas e independentes dos demais aspectos da comunidade. Isso significa que
as práticas econômicas antigas não estavam dissociadas da política, das crenças, da
ideologia ou da organização social, mas todos estes aspectos da vida se interligavam.
Não é possível compreender as práticas econômicas da Mesopotâmia sem
conhecer como era seu meio ambiente, que é, até hoje, muito específico. Este
território pode ser dividido didaticamente em duas regiões: Alta Mesopotâmia
– montanhosa – e Baixa Mesopotâmia – com planícies. Como você já deve ter
observado no mapa, a palavra Mesopotâmia – “[terra] entre rios” – significa que
os solos cultiváveis eram localizados entre os rios Tigre e Eufrates. Kuhrt (2000)
afirma que, inicialmente, as comunidades não haviam criado mecanismos para
controlar o avanço e o recuo das águas fluviais, dessa forma, a princípio, elas se
sustentavam com o que os pântanos ofereciam – a caça e a coleta. As cheias dos
rios não eram tão regulares, o solo tinha a propensão de ficar muito úmido com
a vinda das águas dos rios e, em seguida, ressecar facilmente.
Somado a esses fatores, João (2013) afirma que as correntezas dos rios não eram
calmas, pelo contrário, eram fortes e poderiam destruir os territórios produtivos, bem
como prejudicar o que havia sido plantado. É importante demarcar que os rios não
eram iguais, o rio Tigre era mais violento e a utilização de suas águas demandava mais
esforços; o Eufrates, apesar de fortes correntezas, era mais fácil de ser utilizado e o
avanço de suas águas sobre o solo era maior, isto é, a área fertilizada era mais extensa.

Estabelecimento dos Primeiros Povos do Oriente Próximo


20 UNIDADE I

No entanto, esses mesmos rios, que dificultavam o cultivo da terra ini-


cialmente, tornaram-se primordiais para que a produtividade agrícola se
desenvolvesse. De acordo com Cardoso (2005), os homens passaram a observar
que essas cheias possuíam regularidades e construíram diques, canais, méto-
dos de irrigação e regos, a fim de dominarem com mais propriedade o que essas
águas poderiam oferecer. Dentre as dominações impostas pelo homem ao meio
ambiente, foi observado que o avanço das águas se dava entre março e maio, e a
baixa entre junho e setembro. Esse movimento dos rios estava ligado ao degelo
dos picos das montanhas da Alta Mesopotâmia.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“A agricultura intensiva era a base da vida econômica e da urbanização”
(CARDOSO, 2005, p. 38) dos povos orientais antigos. O cultivo de terras na
Mesopotâmia passou a ser dependente das cheias dos rios, pois, de acordo com
Rocha (2010), estes eram caudalosos. Isso significa que as águas eram enrique-
cidas com húmus, que era composto por substâncias orgânicas de animais e de
vegetais, fertilizando as terras que banhavam. Em consonância, João (2013) afirma
que as civilizações da Mesopotâmia não existiriam sem os rios e suas regulari-
dades, visto que o restante do ambiente era árido e raramente chovia.
Os principais produtos a serem cul-
tivados eram os grãos, dentre os quais
podemos identificar cevada, trigo e ger-
gelim, produzidos em larga escala, e,
frequentemente, os excedentes eram usa-
dos como produtos de troca. Além desses,
legumes, raízes e pomares de frutas eram
existentes para completar a alimentação.
Diante do fato de o cultivo das terras
ser umas das principais atividades de caráter
econômico, as demais práticas desse cunho
eram complementares e poderiam depender
do calendário da agricultura. Nesse sentido,
uma das principais atividades complemen-
tares à agricultura foi a criação de animais.
Figura 2 – Cisterna de água da antiga cidade mesopotâmica de
Entre os gados criados podemos citar ovinos, Dara, localizada atualmente na Turquia

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


21

caprinos, suínos, bovinos e muares. Poucos desses animais eram destinados à alimen-
tação com suas carnes e leite, mas eram relevantes para o transporte, para o auxílio
nos instrumentos da produção agrícola e a pelagem servia para a confecção de tecidos.
Diferente da agricultura, que detinha território estabelecido para a produção,
a criação de animais era itinerante, pois não existia território bem demarcado
para a atividade, mas havia os pastores, que cuidavam e direcionavam os ani-
mais para lugares em que não interfeririam na produção agrícola.
Além dessa atividade, Cardoso (2005) destaca outras práticas econômicas
secundárias: a pesca, a caça e a coleta. Evidentemente, a pesca estava ligada às
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

águas dos rios Tigre e Eufrates, esta atividade funcionava como uma maneira de
completar a alimentação tanto das camadas mais abastadas da sociedade quanto
das mais pobres. A caça e a coleta possuíam o mesmo objetivo da pesca, mas era
realizada em territórios mais afastados e a busca era por animais ou por alimen-
tos que as comunidades não haviam criado ou plantado.
Apesar da produção local e dos produtos que os antigos orientais conseguiam
com seus próprios trabalhos e esforços, nem todos os materiais ou alimentos de
que necessitavam conseguiam em sua região, ou seja, essas civilizações não eram
autossuficientes. Diante de uma produção de grãos excedentes, as civilizações da
Mesopotâmia também desenvolveram o comércio. Em conformidade com Mcintosh
(2005), na Mesopotâmia havia a troca de grãos por aquilo que eles não possuíam em
seus territórios, como a madeira, o cobre, o estanho, as pedras duras, assim como
por artigos de luxo, como o ouro, a prata, lápis-lazúli e tecidos finos. Esses mate-
riais eram utilizados na confecção de instrumentos para trabalhos mais resistentes,
assim como objetos de decoração e pompa dos estamentos sociais mais abastados.
A atividade comercial não se restringia as trocas entre as cidades-estados da
Mesopotâmia, mas também se dava com civilizações de outras regiões. Conforme
Kuhrt (2000), as civilizações do Oriente Próximo Antigo não eram isoladas, pois os
indícios arqueológicos nos indicam contato com os egípcios e com povos do Egeu.
Essas características sugerem que o comércio ocorria tanto por terra quanto pelo mar,
em curtas ou em longas distâncias. É importante demarcar que, apesar do comércio
bem desenvolvido e inclusive com povos de regiões distantes, o uso da moeda não
era frequente: a cevada e os demais grãos eram usados como unidades de valor de
trocas internas; e os lingotes de metal eram usados para as trocas externas.

Estabelecimento dos Primeiros Povos do Oriente Próximo


22 UNIDADE I

De acordo com João (2013), além dessas atividades expostas até o momento,
há indícios de que existia a produção artesanal bem desenvolvida. Os estudos
arqueológicos encontraram esculturas, ourivesaria, vestígios de carpintaria,
alfaiataria entre outras. O artesanato era atividade subordinada ao plantio, visto
que era empregada nos momentos em que o cultivo das terras não era possível
(os trabalhadores das terras eram direcionados a essas atividades nos momen-
tos das cheias), e estava ligada ao pagamento de dívidas dos homens que haviam
sofrido com a fome e deviam para os templos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As civilizações do Antigo Oriente Próximo estão separadas de nós por milha-
res de anos e, ainda assim, os estudos atuais comprovam a existência de prá-
ticas econômicas desenvolvidas e diversificadas. Você já parou para refletir
como essas atividades se organizavam? Será que estes homens e mulheres
conseguiam imaginar as práticas econômicas de forma autônoma?

Caro(a) aluno(a), você identificou diversas naturezas das práticas econômicas


no Antigo Oriente Próximo, mas a organização e a administração dessas ativi-
dades suscitou e suscita até hoje questionamentos e dúvidas de como ocorriam.
O que sabemos com mais clareza é que havia forte centralização da organiza-
ção, conforme exposto a seguir:
A instauração de uma máquina administrativa centralizada se vê refletida
na tipificação cada vez maior ao longo de todo período, da escrita, os sis-
temas de peso, calendário, os registros e arquivos. O governo das regiões
conquistadas estava nas mãos dos reis e dos governadores nomeados pelos
reis, mas alguns lugares contavam com um chefe militar local. Ainda em
algumas ocasiões quem recebia a nomeação de governador ou quem era
confirmado no cargo de príncipe local, só governaria com a permissão dos
reis [...] (KUHRT, 2000, p. 72 – adaptado e traduzido pela autora).

O excerto deixa claro que havia um sistema de práticas administrativas centrali-


zado, que poderia ser liderado pelos reis, pelos chefes locais ou por funcionários
reais. Essa centralização administrativa controlava as trocas, a organização

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


23

dos pesos, registrava a produção agrí-


cola e artesanal, bem como controlava
o calendário. As descobertas sobre o
funcionamento da administração se
deram por volta da segunda metade
do século XX e essas características
administrativas são os principais vestí-
gios da existência de um tipo de Estado
local, o que significa que as cidades
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

funcionavam como pequenos Estados


autônomos.
O centro organizador dessas cidades
eram os templos e eles desempenhavam
Figura 3 – Réplica do Portão do Templo da deusa Ishtar,
papel fundamental na sociedade: ruínas babilônicas na atual região do Iraque

Os templos devem ser imaginados como enormes complexos, com ter-


ras, reservas de pesca, rebanhos, oficinas artesanais e uma participação
direta e talvez predominante no comércio de longo curso e nos emprés-
timos usurários de prata e cereal (CARDOSO, 2005, p. 46).

Isso significa que além do comando religioso, esses complexos religiosos funciona-
vam como organismo regulador da vida desses homens nos aspectos econômicos,
sociais e políticos. Isso prova que as atividades não eram autônomas e que a
mentalidade humana nesse período era muito diferente da nossa forma de pen-
samento. Dialogando com a colocação de Cardoso (2005), Janson e Janson (2009)
afirmam que os templos não devem ser imaginados como simples construções
afastadas das cidades, mas sim como o centro das cidades, pois as casas, os arma-
zéns e as oficinas artesanais se desenvolviam ao redor deles.
Os templos eram detentores de terras, de riquezas e demandava trabalho, e,
de alguma forma, todos os habitantes de determinada comunidade respondiam
às autoridades desses lugares. Esses espaços possuíam, a princípio, uma assem-
bleia de anciãos, que funcionava como corpo jurídico e administrativo, e, no
decorrer das transformações das sociedades, os poderes se transferiram para as
mãos dos reis, de seus familiares e dos funcionários.

Estabelecimento dos Primeiros Povos do Oriente Próximo


24 UNIDADE I

Antes mesmo da aparição da escrita, por volta de 3000 a.C., as escavações


demonstram a existência de rituais religiosos na região do Antigo Oriente
Próximo. Essas cerimônias estavam abrigadas por construções mais simples,
que possuíam esculturas e oferendas.
Os indícios demonstram que, desde o princípio, os templos não foram cons-
truções isoladas. O templo da deusa Ishtar, por exemplo, possuía três edi-
fícios produzidos em tijolos cozidos, com espaços públicos e privados, que

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ficavam sob os cuidados dos sacerdotes. O papel desses locais foi decisivo
na organização das civilizações orientais antigas.
Fonte: adaptado de Mcintosh (2005).

Cardoso (2005) afirma que não devemos imaginar que somente os templos eram
os grandes proprietários e administradores das cidades-estados, pois havia outros
domínios e poderes concomitantes. No caso das terras, podemos afirmar que,
inicialmente, as propriedades eram comuns, isto é, pertenciam à comunidade.
No entanto, por volta do II milênio a.C. já existia uma divisão de propriedade:
I. Propriedades reais: que poderiam ser divididas entre trabalhadores que
deviam as corveias, lotes arrendados ou concedidos aos militares;
II. Propriedades dos templos: que poderiam ter empregos semelhantes às
propriedades reais, mas eram menos expressivas;v
III. Propriedades privadas: geralmente lotes pequenos, porém numerosos.

Apesar dessa divisão, as fontes sobreviventes nos indicam que as terras reais e
dos templos eram as mais expressivas em tamanho e em produção. Esta carac-
terística demonstra a centralização e o poder administrativo dos templos, ao
mesmo tempo em que permite conhecer que o sistema administrativo também
se encontrava nas mãos da família real e dos homens enriquecidos.

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


25

O Código de Hamurábi
Todas as relações sociais das civilizações do Antigo Oriente Próximo eram
complexas; além disso, não havia unificação política e de costumes. Isso sig-
nifica que cada cidade-estado era independente uma da outra nas organi-
zações política, hierárquica, econômica e legislativa.
No campo legislativo, um dos códigos mais antigos da humanidade é o Có-
digo de Hamurábi. A reunião de leis é homônima ao rei que governou entre
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1792 a.C. e 1750 a.C. Esse código não foi tão inovador quanto a historiografia
tradicional costumava defender; atualmente sabemos que reuniu e transcre-
veu as práticas e as leis já existentes na sociedade. Entretanto, o fato de não
ser inovador não retira sua importância documental, pois revela elementos
significativos da civilização, visto que as normas abrangem todos os aspectos
da vida em sociedade, como, por exemplo, as leis que regem o comércio de
escravos, as punições para roubo, os acordos de casamentos entre outros.
Fonte: adaptado de Pinsky (1994).

Podemos perceber que as civilizações do Antigo


Oriente Próximo tinham práticas econômicas
bem desenvolvidas, isto é, a atividade principal
era a agricultura, mas também havia a pecu-
ária, o comércio, a pesca, a caça, a coleta e o
artesanato, que complementavam a vida dessas
sociedades e as interligavam. Também é percep-
tível uma administração centralizada, na figura
real e nos templos, que se constituía de forma
eficaz para a época.

Figura 4 – Estela com o Código de Hamurábi

Estabelecimento dos Primeiros Povos do Oriente Próximo


26 UNIDADE I

A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES

Caro(a) futuro(a) professor(a) de História, atualmente, vivemos em um con-


texto no qual as pessoas são vistas como iguais, não havendo aspectos físicos ou
providenciais que tornem um humano superior ao outro. No entanto, quando
voltamos nosso olhar para milhares de anos atrás, não era exatamente dessa
forma que os homens se enxergavam. As ideias, as crenças, a cultura, as insti-
tuições, a política, as leis, entre outros eram completamente diferentes do modo
como acontecem em nossos dias. Na questão social, em muitas das civilizações

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
antigas havia hierarquia bem definida e respeitada quase sem questionamentos.

Quando lidamos com as populações do Oriente Próximo Antigo estamos nos


referindo a civilizações que existiram há milhares de anos a.C. Será que a visão
de mundo dessas sociedades permitia a percepção dos seus membros como
iguais uns aos outros?

No caso das civilizações do Antigo Oriente Próximo, havia divisões hierárqui-


cas sociais bem definidas e não questionadas. No entanto, vale lembrar que nem
todas as cidades-estados possuíam a mesma estrutura ou divisão entre as camadas
de forma tão definitiva. É importante salientar que trabalhamos com os pontos
em comum entre as sociedades e não com as divergências.
Em todas as antigas cidades mesopotâmicas, os habitantes livres pertenciam
à cidade e deveriam responder aos deuses locais. Nesse sentido, cada indivíduo
desempenhava papel bem definido e participava dos cultos e das homenagens
às divindades. Todos deveriam aceitar e executar a sua função, fazer oferendas
e homenagens aos deuses, a fim de assegurar o bom funcionamento da cidade.
De acordo com Kramer (1990), a média de habitantes das cidades-estados
orientais antigas era de 15 a 30 mil habitantes, haja vista que os grandes centros
possuíam número maior. O menor volume de pessoas desses centros ocupava
as camadas mais abastadas e a maioria da população era formada por homens e

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


27

mulheres pobres. Entretanto, apesar de os estamentos menos providos de riqueza


serem mais numerosos, os documentos sobreviventes do período estão quase
silenciados para eles, visto que nossas maiores informações são sobre os reis, a
sua família e os funcionários que ocupavam importantes funções. As fontes a
respeito de camponeses, de escravos ou de artesãos são indiretas, isto é, eles são
mencionados na descrição do feito de um rei ou em materiais arqueológicos.
Posto isso, podemos afirmar que a estrutura social do Antigo Oriente Próximo
levou séculos para constituir-se da forma como a conhecemos, pois os fatos histó-
ricos não acontecem sem precedentes, isso quer dizer que a humanidade vive em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

processo de constantes transformações e mudanças, que não são necessariamente


um progresso ou um regresso, mas respeitam as possibilidades de tempo e de espaço.
Nas sociedades orientais antigas, é possível perceber alguns estamentos sociais bem
definidos: rei, família real e funcionários, militares, camponeses e escravos.
A figura real esteve presente desde
os primórdios das civilizações orien-
tais, a princípio como um chefe de tribo,
mas, conforme a complexidade social
aumentava, as funções reais ficavam mais
claras. Segundo Kuhrt (2000), as primei-
ras comunidades do Oriente Próximo
Antigo possuíam a figura de um Rei-
Sacerdote, a autora defende a hipótese de
que o surgimento desse poder se baseou
no desenvolvimento das relações huma-
nas, da produção e do comércio, isto é,
conforme a complexidade se intensifi-
cava, a necessidade pela presença de um
líder para controlar e organizar a civili-
zação crescia. Sendo assim, Figura 5 – Rei Sargão II e Senaqueribe, reis da Assíria
Uma chave para começar a entender a estrutura político-social, seria ver no
monarca o protetor da comunidade que atuava em nome da divindade tutelar
da cidade, da construção e mantimento dos templos, funções que ocupavam
sua parcela no poder real.

A Organização das Sociedades


28 UNIDADE I

A privilegiada relação que o rei mantinha com a divindade assegurava a


ajuda dela, a prosperidade e o bem-estar da cidade, a mudança de atenção
constante do soberano às necessidades do deus ou da deusa em questão al-
terava o andamento da sociedade (KUHRT, 2000, p. 49, tradução da autora).

O trecho anterior deixa claro que o bom funcionamento das civilizações depen-
dia do desempenho excelente do rei. O monarca, junto com sua rainha consorte,
não eram deuses ou deusas, mas eram os homens e as mulheres que atuavam
diretamente com as divindades, isto é, eram, ao mesmo tempo, subordinados e
representantes dos deuses tutelares; suas boas funções resultavam na paz e na
prosperidade da cidade-estado.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Mesmo quando o poder real se dissociou da função de sacerdote, o monarca
continuou a presidir os cultos. Em todas as cidades-estados ele foi o símbolo
de centralização política e produtiva, e era respeitado como homem superior
aos demais. O poder do rei era sem igual, ele viajava com o seu séquito, rece-
bia homenagens, era visto como o guerreiro mais forte e sábio, assim como era
o responsável por nomear sacerdotes e demais funcionários.
Os funcionários reais, inclusive os sacerdotes, não eram todos tratados da
mesma forma e nem agiam de maneira semelhante. Os documentos epigráficos e
imagéticos atestam que estes indivíduos poderiam ser tão ricos e refinados quanto
os reis, assim como empobrecidos e bajuladores, semelhantes aos camponeses.
Um dos cargos mais respeitáveis no Antigo Oriente Próximo era o do sacer-
dote. Vale demarcar que não havia sacerdócio, mas sacerdotes, o que significa
que estes homens eram funcionários das cidades. Eles atuavam junto ao rei na
organização e na presidência dos cultos aos deuses. De acordo com Kuhrt (2000),
juntamente ao soberano da cidade, os sacerdotes comandavam edificações de tem-
plos, fabricação de estátuas, homenagens e oferendas para contentar os deuses.
Apesar dessas informações, não há muitos dados de como acontecia a prepara-
ção para desempenhar a função de sacerdote, mas sabemos que eles deveriam
vestir-se de forma distinta dos demais e possuíam alimentação diferenciada,
assim como cada um se especializava em uma divindade ou em poucas delas.
Geralmente, os escolhidos para o cargo eram homens da família real.
De acordo com Pozzer (1998/1999), há indícios da existência de sacerdotisas.
Estas não tinham tantas funções quanto um sacerdote homem, pois, usualmente,
elas habitavam um templo e cuidavam dos cultos internos, realizando preces,

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


29

oferendas e homenagens. Essas moças eram retiradas jovens de suas famílias e não
tinham a permissão para contrair matrimônio, pois se dedicavam integralmente
à vida sacerdotal. As sacerdotisas eram provenientes das camadas superiores da
sociedade, inclusive muitas princesas desempenhavam a função.
De importância similar aos sacerdotes, havia os funcionários reais responsá-
veis pela administração das cidades e dos templos. Conforme Mcintosh (2005),
eles eram nomeados pelo rei e atuavam junto dele. Suas atribuições eram: orga-
nizar o comércio interno e externo, a produção artesanal e têxtil, as lavouras,
as cobranças de impostos, entre outros. Esse estamento social não era homogê-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

neo, havia funcionários muito ricos, bem como aqueles que tinham tantas posses
quanto um artesão, ou seja, eram pobres, mas, apesar disso, encontravam-se em
uma escala social e ideológica acima dos trabalhadores artesãos e camponeses.
Ainda no estamento dos funcionários reais das cidades, é possível encon-
trar os militares. Mcintosh (2005) afirma que as cidades-estados da região do
Crescente Fértil eram muito violentas, pois os conflitos internos e as disputas
entre as cidades da região eram frequentes e constantes. Esse fato fez com que os
militares fossem indispensáveis e importantes para as civilizações. Kuhrt (2000)
expõe que, além do caráter militar do rei, o corpo de soldados e os demais milita-
res eram primordiais. Estes eram treinados e desempenhavam as funções bélicas
quase exclusivamente, como recompensa, recebiam donativos dos reis, dentre
os quais até a posse de propriedades.

As relações entre as cidades-estados no Oriente Próximo Antigo não eram tão pa-
cíficas. Havia os acordos matrimoniais e comerciais, mas estes não garantiam a
estabilidade por longo período de tempo. Existem vestígios atestando que muitos
reis empreendiam guerras contra cidades vizinhas ou mais distantes, com a finali-
dade de destronar os reis rivais para expandir seus territórios e posses.
É possível encontrar também, na história dessa região, reis de determinadas
cidades-estados que conseguiam manter monarcas de cidades vizinhas sob
suas ordens, dessa forma, mesmo não sendo as autoridades políticas, atuavam
como juízes.
Fonte: adaptado de Kuhrt (2000).

A Organização das Sociedades


30 UNIDADE I

Na base da estrutura social das antigas civilizações mesopotâmicas, encontra-


vam-se os camponeses. Estes indivíduos contemplavam a maioria das populações,
mas as informações a respeito deles são obscuras, visto que grande parte era
analfabeta e se dedicava às suas funções braçais. Apesar da dificuldade em conhe-
cê-los, é fácil perceber que eles sustentavam os demais estamentos sociais, já que
as produções agrícolas e artesanais eram realizadas por eles.
Em tempos propícios para o cultivo de terras, eram esses homens que se diri-
giam à agricultura, ao mesmo tempo em que faziam a manutenção dos diques e
dos canais. Na época das cheias, quando os solos não podiam ser manuseados,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
os camponeses eram dirigidos para oficinas artesanais, a fim de confeccionar
instrumentos de trabalho, ou ainda eram encaminhados para as construções
pertencentes às cidades-estados, aos reis ou aos funcionários reais.
Todos os grãos cultivados, os animais criados, as frutas, os vegetais e os ani-
mais de caça que conseguiam não lhes pertenciam, mas eram de posse do Estado.
Esses indivíduos recebiam uma porcentagem de suas produções que era sufi-
ciente para o próprio sustento, além disso, pagavam impostos à cidade-estado
que pertenciam. A mobilidade social era rara, mas possível; um camponês pode-
ria especializar-se em alguma função artesanal que o dispensava do cultivo de
terra para desempenhar o novo trabalho manual.
Ao contrário do que usualmente imaginamos, os escravos não eram tão
economicamente expressivos. Geralmente, eram estrangeiros, trabalhadores
endividados que não conseguiam sanar a dívida ou famílias muito pobres, que
se vendiam ou vendiam alguns de seus membros para conseguirem melhores
condições de vida, pois liberdade não era sinônimo de boa vida. Além disso, os
escravos poderiam fazer fortuna e comprar suas liberdades.
A organização social das civilizações do Oriente Próximo Antigo era bem
definida e com pouca mobilidade. Cada indivíduo pertencia à cidade-estado
e desempenhava sua função baseado nisso. Os mais abastados compunham a
minoria populacional, mas gozava de muitos privilégios e riquezas, enquanto
a maioria da população era trabalhadora e detinha o mínimo para sobreviver.

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


31

Com o conhecimento acerca da estrutura social das civilizações do Oriente


Próximo Antigo, reflita sobre o motivo de a mobilidade social ser difícil de
acontecer.

OS PRINCIPAIS POVOS: UMA CRONOLOGIA

Desde o início da unidade, afirmamos que as civilizações do Oriente Próximo


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Antigo não estabeleceram centralização política, mas, como consequência, não


constituíram império ou reino único e duradouro, somente alguns momentos
dispersos de centralização. No entanto, nos livros de história é comum acharmos
divisões temporais seguidas pela predominância de um povo, como os Sumérios,
Acádios, Babilônios e Assírios. Isso se explica pelo fato de que, apesar de não
haver dominação de um povo sobre o outro, houve o fortalecimento de uma ou
mais cidades e culturas em detrimento de outras.
Neste momento, caro(a) estudante, não falaremos de todas as cidades-estados
que se fortaleceram na região, mas iremos expor as que mais nos renderam infor-
mações, que, por consequência, são as mais conhecidas. Você notará também que,
mesmo que a cultura suméria tenha enfraquecido diante de outras culturas, foi antece-
dente de muitas delas; e é justamente por essa ancestralidade que o Oriente Próximo,
embora não tenha sido unificado, suas cidades possuíam muitos aspectos em comum.

SUMÉRIA E ACÁDIA (APROXIMADAMENTE 6000 a.C. – 1900 a.C.)

Quando pensamos nos povos sumérios, não podemos imaginar somente uma
cidade com esta denominação, mas sucessivas cidades coexistentes, ou sucessivas
perpetuando características semelhantes, ou seja, podemos afirmar sobre a
existência de uma cultura predominante. Kramer (1990) apresenta que as primei-
ras comunidades que demonstraram indícios dos aspectos sumerianos datam de,
aproximadamente, 6000 a.C., ainda nas primeiras sociedades neolíticas. Podem
ser consideradas, então, a primeira cultura na região.

Os Principais Povos: Uma Cronologia


32 UNIDADE I

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Conforme Kuhrt (2000), as maiores cidades sumérias
foram: Samarra, Ubaid, Uruk, Ur, Umma, Ki-Utu, Elam,
Kirsh, Lagash e Akshak, que embora não fossem as úni-
cas, são as mais conhecidas na atualidade. Os principais
legados destas cidades, em detrimento das demais, foi
a utilização de sistemas de escrita por ideogramas, que
antecederam o cuneiforme; a fabricação de cerâmicas
simples e decoradas; a produção de escultura de ani-
mais, de humanos e de divindades; e o comércio com
cidades vizinhas. É importante demarcar que, consi-
derando a longevidade do predomínio da cultura, as
cidades sumerianas se transformaram e se tornaram
complexas e distintas umas das outras.
Apesar de esses centros urbanos terem aspectos cultu-
rais comuns, não havia unificação política, pelo contrário,
os conflitos entre eles eram constantes e os reis buscavam
sobressair-se diante dos demais. Por volta de 2300 a.C.,
os conflitos entre os sumérios se intensificaram e, como
resultado, houve o enfraquecimento dos centros urba-
Figura 6 – Sargão I, da Acádia
nos, abrindo espaço para os acadianos ganharem forças e Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)².

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


33

dominarem as cidades sumerianas. O grande conquistador da Acádia foi Sargão I


– cujo nome significa “o rei legítimo” e não se sabe seu prenome verdadeiro –, que
conseguiu estabelecer um império e unificar temporariamente a região.
O Império Acádio se manteve até, aproximadamente, 2100 a.C e foram os
familiares de Sargão I que continuaram o poder. A queda da Acádia se deu por
pressões externas e desordens de cidades sob seu domínio. Por breve período
entre 2100 a.C. e 1900 a.C., as cidades sumerianas passaram a predominar na
região até sucumbirem diante dos babilônios.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

BABILÔNIA (APROXIMADAMENTE 1894 a.C. – 1500 a.C.)

As informações de como a Babilônia se tornou preponderante dentre as demais


na região do Antigo Oriente Próximo são obscuras, geralmente fontes de outros
povos que relataram a ascensão babilônica. Os vestígios demonstram que, ini-
cialmente, eles eram subordinados a um rei sumério e reuniram forças para se
emanciparem dessa dependência.
Kuhrt (2000) também escreve sobre eles e afirma que os babilônios são
possíveis descendentes dos sumérios da cidade de Uruk. A forma que eles se
fortaleceram e subordinaram muitas cidades da região é sempre descrita como
violenta, já que aniquilavam seus rivais e pouco utilizavam da diplomacia e de
alianças. Diante dessa intimidação por parte dos monarcas, o poder era cen-
tralizado, isto é, os reis de outras cidades-estados respondiam ao poder dos
soberanos babilônicos.
A primeira dinastia dessa civilização foi instituída por Hamurábi, que perdu-
rou por cerca de 150 anos. Entretanto, a centralização que Hamurábi proporcionou
não se manteve após sua morte. O domínio subsequente ao primeiro rei dos
babilônios permaneceu com as roupagens de ser umas das maiores e mais for-
tes cidades do Oriente Próximo Antigo, e não o centro de um império.
Além da violência e a forte centralização do poder, os babilônios são lem-
brados pela reunião de leis conhecida como Código de Hamurábi. Muitas de
suas características culturais, econômicas e religiosas são semelhantes aos povos
sumérios e acádios.

Os Principais Povos: Uma Cronologia


34 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 7 – Soldados sumérios – relevo em um tablete de escrita cuneiforme

ASSÍRIA (APROXIMADAMENTE 1200 a.C. – 614 a.C.)

Decorrido um longo período sem uma tentativa de centralizar os povos da


Mesopotâmia, outra cidade – chamada Assíria – passa a destacar-se em rela-
ção à Babilônia. Localizada mais à esquerda das margens do rio Tigre, em uma
região mais chuvosa e não completamente dependente da irrigação, além disso,
era detentora de importantes rotas comerciais.
A cidade suméria ancestral que deu origem foi Assur. Kuhrt (2000) afirma
que não há informações sobre os motivos de a cidade ter se fortalecido, mas
uma das hipóteses mais aceitas se refere ao crescimento comercial externo e de
longas distâncias. Isso se explica pelo fato de que o rei era o correspondente do
deus protetor da cidade, mas os governadores eram poderosos comerciantes.
Entre os monarcas que chegaram ao poder, o mais conhecido foi Sargão II, que
se considerava descendente de Sargão I, da Acádia.
O enfraquecimento não possui muitas explicações, mas sabemos que os povos
do Oriente Próximo Antigo foram independentes até o crescimento do Império
Aquemênida, isto é, a dominação da civilização Persa, por volta de 550 a.C.

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


35

Hebreus
O povo hebraico tem sua origem datada por volta do ano 1000 a.C. Prova-
velmente são herdeiros dos mesopotâmicos, pois os estudos mais aprofun-
dados acerca dos mitos e da língua identificaram heranças acadianas. No
entanto, é importante demarcar que os hebreus não são mesopotâmicos e
nem egípcios. Esta civilização nunca formou um Estado e nem deteve um
território bem definido, visto que era nômade e o que a mantinha unida
era a identidade em comum – religião, língua, crença, leis, política, práticas
econômicas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A principal fonte escrita de informação é a Bíblia, apesar da historicidade de


alguns fatos serem contestados. Ainda que os hebreus não sejam parte da
civilização mais antiga que se tem conhecimento, formam a principal ponte
entre a cultura oriental e ocidental, justamente por seus costumes.
Fonte: adaptado de Pinsky (1994).

HIPÓTESE CAUSAL HIDRÁULICA: UMA PERSPECTIVA


INTERPRETATIVA

Aluno(a) de História, a esta altura você deve saber que os fatos históricos são
imutáveis, o que se modifica é a forma que o historiador analisa esses acon-
tecimentos. Por exemplo, na história romana sabemos do fato que, durante o
reinado do imperador Nero (37-68 d.C. governou entre 54-68 d.C.), a cidade de
Roma foi praticamente destruída por um incêndio. No entanto, há hipóteses que
defendem que foi o próprio Nero que ateou fogo na cidade, assim como há teses
que defendem que a quantidade considerável de construções em madeira pró-
ximas umas das outras – que era um ambiente propício para o alastramento de
um princípio de incêndio – seja a forma de análise mais adequada do episódio.
Por enquanto, deixemos a história de Roma de lado e nos atentemos ao
Oriente Próximo. Conforme discutido até o momento da unidade, apesar da
existência de dúvidas e de incertezas, sabemos como as práticas econômicas fun-
cionavam, os espaços geográficos ocupados pelas civilizações, como a estrutura
social era organizada e conhecemos muitos aspectos da cultura e das crenças.

Hipótese Causal Hidráulica: Uma Perspectiva Interpretativa


36 UNIDADE I

Vista do rio Eufrates, na Turquia, perto da barragem de Ataturk.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Todavia, uma questão ainda paira sobre esses povos: por que as civilizações do
Oriente Próximo Antigo se estabeleceram nas regiões aparentemente inóspitas
das margens dos rios Tigre e Eufrates?
Inicialmente, parece uma questão simples de responder, mas o texto até
aqui provou que a resposta não é tão óbvia, nem ao menos conclusiva, visto
que falamos de seres humanos que viveram há milhares de anos antes de nós.
Atualmente, as ideias mais aceitas sobre os motivos de formação e de desenvol-
vimento de sociedades complexas no Oriente defendem a identidade comum
– língua, crenças, sentimento de familiaridade entre outros –, segurança e orga-
nização da produção agrícola e pecuária.
Esta hipótese, que leva em consideração vários aspectos da sociedade, nem
sempre foi a predominante dentro da historiografia. Até a metade do século XX,
a academia brasileira detinha um viés marxista marcante para analisar os mode-
los de sociedades. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), em
alguns de seus ensaios, dentre os quais podemos citar a Ideologia Alemã, pen-
saram modelos econômicos materiais para determinadas sociedades, a fim de
compreendê-las, pois acreditavam que os homens se uniam em sociedades devido
à vida material, como no excerto a seguir
A associação até agora conhecida não era de modo algum a união volun-
tária (que se apresenta, por exemplo, no Contrato Social), mas uma união
necessária, baseada nas condições dentro das quais os indivíduos desfru-
tavam da contingência (comparar, por exemplo, a formação do Estado
na América do Norte e as repúblicas da América do Sul). Esse direito
de poder desfrutar com toda a tranquilidade da contingência dentro de
certas condições é o que se chamava até agora de liberdade pessoal. Essas
condições de existência são naturalmente apenas forças produtivas e as
formas das trocas de cada período (MARX e ENGELS, 2001, p. 93-94).

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


37

Diferentemente da hipótese sociológica de que os homens se unem por inte-


resse próprio e liberdade individual, para Marx e Engels os homens se unem
em sociedade com a finalidade de sobrevivência alcançada pelo trabalho ou,
em outras palavras, pelo mundo material. Baseados nos aspectos de cada época,
os autores formularam esboços de sociedade e de seus modos de produção,
e cada novo modo era mais desenvolvido que seu anterior. A sequência des-
ses esboços de sociedade foi pensada da seguinte forma: Modo de Produção
Primitivo; Modo de Produção Asiático; Modo de Produção Escravista; Modo de
Produção Feudal; Modo de Produção Capitalista; Modo de Produção Socialista;
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e Modo de Produção Comunista. Estes modos de produções eram “rascu-


nhos” de sociedade para usos próprios dos autores e, por este motivo, eles
não deixaram explícito o que compreenderia cada modelo, somente algumas
características gerais.
Entre esses, o que mais nos interessa no momento é o Modo de Produção
Asiático. De acordo com Cardoso (1984), esse esboço foi pensado por Marx e
Engels como modelo de sociedade da Índia e da China antigas, onde o poder
real era centralizado e a população tinha como principal atividade a agricultura
dependente dos rios. Nessas civilizações, não havia a concepção de propriedade
privada e cada indivíduo se apropriava do que lhe fosse necessário para sobre-
viver, visto que o excedente ia para a unidade globalizante e para as divindades.
A principal tese de formação das sociedades para o Modo de Produção
Asiático é a hipótese causal hidráulica, pois havia a ideia de que o poder central
controlava as drenagens e as irrigações, e a partir da necessidade dessa centrali-
zação das forças produtivas hidráulicas é que as civilizações se desenvolveram:
O controle, armazenagem e uso de grandes massas de água através de
obras hidráulicas exigem um trabalho maciço que tem de ser coorde-
nado, disciplinado e dirigido, o que impõe a subordinação à autoridade
reguladora de um Estado forte e eficaz; este acaba por esmagar a liber-
dade do grupo que lhe está submetido (CARDOSO, 2005, p. 18).

O excerto se refere ao poder central de âmbito estatal, isto é, faz referência ao


próprio monarca. Acreditava-se que era o rei quem comandava diretamente os
meios de produção relacionados às águas, sem considerar um papel influente
dos funcionários.

Hipótese Causal Hidráulica: Uma Perspectiva Interpretativa


38 UNIDADE I

Caro(a) aluno(a), você deve ter notado que os argumentos desse modelo
de interpretação das sociedades orientais antigas são plausíveis e críveis, o que
torna compreensível a grande influência nos meios acadêmicos. Por conseguinte,
a partir da década de 50, a academia brasileira passa a considerar novas verten-
tes historiográficas, principalmente as que permitiam a utilização de materiais
diversos e o diálogo com as demais ciências, ou seja, o campo documental se
amplia e novas informações são alcançadas.
Nesse sentido, o Modo de Produção Asiático não é completamente aban-
donado, mas passa a ser percebido como interpretação possível em seu tempo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e espaço: o século XIX. A Hipótese Causal Hidráulica, derivada desse modo de
produção, a partir da nova realidade de estudos, não se sustenta. Cardoso (1984)
apresenta que os controles de irrigação, de drenagem e os demais sistemas de
controles hídricos não eram controlados por um poder de caráter estatal, mas
administrados pelas próprias comunidades locais – quando estavam em bom
funcionamento e bem controlados –, passando ao domínio do poder central.
Diante disso, a tese de que as sociedades se formavam pela necessidade de poder
monárquico para o controle das águas não é mais uma explicação suficiente.

Os estudos históricos são dependentes do tempo e do espaço que o histo-


riador ocupa. Com efeito, há mutabilidade da escrita da história e da inter-
pretação dos fatos. Nesse sentido, é possível desconsiderar completamente
a importância das interpretações de viés marxista, apesar de superados?

A que devemos atribuir o estabelecimento das civilizações da Mesopotâmia?


Os dados que dispomos não permitem que cheguemos a uma resposta pronta
e decisiva, devemos imaginar uma série de fatores, como militarismo, questões
demográficas, culturais e políticas. A necessidade de uma administração da orga-
nização das águas certamente pode ser incluída entre os fatores, mas não pode
ser vista como único motivo.

O ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO: OS POVOS DO CRESCENTE FÉRTIL


39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final da primeira unidade, que buscou trabalhar


com os diversos aspectos comuns das distintas civilizações do Oriente Próximo
Antigo. Dentre os assuntos discutidos, podemos citar a geografia do local e a
dependência agrária das águas dos rios Tigre e Eufrates; as diversas práticas
econômicas desenvolvidas na região; a organização da sociedade; algumas das
principais cidades-estados; e, por fim, um modelo teórico de análise de socie-
dade e sua falência.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Na discussão acerca das características da região conhecida, como


Mesopotâmia, Crescente Fértil ou Oriente Próximo Antigo abordamos que
essas civilizações não se formaram repentinamente, mas levaram séculos para
se estabelecerem e passarem da fase de caça e de coleta até dominarem as cheias
dos rios, desenvolverem a agricultura e as relações sociais complexas.
Na questão das práticas econômicas, foi discutida a relevância e a dependên-
cia dessas sociedades pelas águas caudalosas dos rios Tigre e Eufrates. Todavia,
a agricultura não foi a única atividade de caráter econômico, visto que havia a
criação de animais, o comércio, a pesca, a caça, a coleta e o artesanato.
Vimos também como as sociedades se organizavam hierarquicamente e
quais eram os principais aspectos e as atividades de cada estamento. Além disso,
discutimos que essa organização social só pode ser compreendida conforme as
ideias de seu tempo e espaço.
Em seguida, apresentei-lhe algumas das principais cidades-estados e suas
culturas – Suméria, Acádia, Babilônia e Assíria –, que se destacaram dentre as
demais por determinado tempo, a ponto de tentarem unificar a região, que per-
petuaram sua cultura ou ainda que influenciavam outras cidades.
Abordamos ainda a Hipótese Causal Hidráulica, derivada do Modo de
Produção Asiático, que, por muito tempo, foi uma das teorias mais influentes
dentro da academia brasileira, mas que, atualmente, não sustenta a explicação
da formação de sociedades complexas das margens dos rios Tigre e Eufrates.

Considerações Finais
40

1. Apesar de todo conhecimento que dispomos acerca do Oriente Próximo Anti-


go, muitas informações que possuímos não são definitivas, assim como muitas
lacunas permanecem em nosso conhecimento. Sobre o Oriente Próximo Antigo,
analise as afirmações a seguir e assinale com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
( ) O Oriente Próximo Antigo também pode ser denominado como Crescente
Fértil ou Mesopotâmia.
( ) As civilizações do Oriente Próximo Antigo se desenvolveram entre as mar-
gens dos rios Tigre e Eufrates.
( ) Todos os eventos das sociedades do Antigo Oriente Próximo são datados
antes da nossa Era, isto é, antes de Cristo.
( ) Os territórios das atuais Índia, China e Tailândia foram regiões que abriga-
ram as antigas civilizações do Oriente Próximo.
Assinale a alternativa que possua a sequência correta:
a) V, F, V, F.
b) F, F, V, V.
c) V, V, V, F.
d) V, V, F, F.
e) V, V, V, V.
2. As características geográficas da região do Oriente Próximo Antigo são bas-
tante específicas, visto que se divide em pântanos e em desertos. Apesar do
aparente aspecto inóspito deste local, muitas civilizações complexas ali se es-
tabeleceram. Nesse sentido, assinale a alternativa correta referente às práticas
econômicas da região:
a) Apesar de uma vasta gama de práticas econômicas, como criação de ani-
mais, comércio, artesanato, caça, pesca e coleta, a principal atividade era o
cultivo de terras e a produção de grãos.
b) A criação de animais era uma atividade tão importante quanto o cultivo das
terras. Para seu desenvolvimento, havia territórios bem estabelecidos e es-
trutura própria de organização.
c) Para o desenvolvimento das atividades de cultivo da terra, todos os indivíduos
das civilizações eram encaminhados para o trabalho: desde os reis aos escravos.
d) As atividades comerciais no Antigo Oriente Próximo se davam internamen-
te; não havia trocas entre cidades-estados e com os povos de outras regiões.
e) A agricultura era a principal atividade econômica. Para seu desenvolvimen-
to, eram utilizadas as águas pluviais.
41

3. A organização social das antigas civilizações orientais era muito diferente da


estrutura social que possuímos atualmente. A hierarquia social era bem demar-
cada e cada indivíduo tinha sua função bem definida. Acerca da organização
social dessas sociedades, considere as afirmações a seguir:
I. O rei e a sua rainha consorte eram considerados divindades sobre a terra.
II. Todos os indivíduos deveriam executar com maestria suas funções, para ga-
rantir o bom funcionamento da cidade.
III. O sacerdote era uma figura de suma importância nas sociedades orientais
da antiguidade, por isso somente homens poderiam desempenhar a função.
Assinale a alternativa correta:
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
4. O Oriente Próximo Antigo foi constituído de muitas cidades-estados, que nun-
ca consolidaram uma centralização política. Apesar disso, algumas cidades ou
culturas sobressaíram em determinado período em relação às demais. Consi-
derando as cidades-estados e as culturas predominantes abordadas no texto,
associe uma coluna a outra:
(1) Suméria.
(2) Acádia.
(3) Babilônia.
(4) Assíria.
( ) O rei mais conhecido foi Sargão I.
( ) O rei mais conhecido foi Hamurábi.
( ) Possuía importantes rotas comerciais.
( ) Primeira cultura predominante na região, que legou muitos aspectos aos
povos subsequentes.
42

A sequência correta é:
a) 1, 2, 3, 4.
b) 4, 3, 2, 1.
c) 3, 2, 1, 4.
d) 2, 4, 3, 1.
e) 2, 3, 4, 1.
5. Até a metade do século XX, muitos dos estudos brasileiros de história estiveram
pautados na vertente teórica marxista. Esse predomínio também foi aparente nas
pesquisas referentes às sociedades antigas, sobretudo as do Oriente Próximo. Nes-
se sentido, o surgimento das primeiras civilizações na região do Oriente Próximo
Antigo foi entendido por meio da Hipótese Causal Hidráulica, derivada do Modo
de Produção Asiático. A respeito desta temática, considere as afirmativas a seguir:
I. A Hipótese Causal Hidráulica é uma forma de interpretação do estabeleci-
mento das antigas civilizações orientais que foi superada, pois não consi-
dera outras questões, como militarismo, demografia, cultura e política, que
também são fatores prováveis que contribuíram para o estabelecimento
dos povos.
II. A Hipótese Causal Hidráulica defende que os sistemas de controle das águas
– irrigação, diques, canais – eram realizadas por um poder central.
III. A Hipótese Causal Hidráulica defende a ideia de que as formas de controle
do manejo das águas, a princípio, davam-se por autoridades locais e, poste-
riormente, passavam para as mãos das autoridades de âmbito estatal.
Assinale a alternativa correta:
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
43

Escrita Cuneiforme
As sociedades do Antigo Oriente Próximo foram as pioneiras a organizarem civilizações
com relações e organizações complexas. Frente às suas características bem desenvolvidas
e ao caráter sedentário, proporcionaram a criação de um sistema de escrita bastante eficaz.
Cada língua falada – dentre as quais podemos destacar a suméria e a acádia – possuía suas
palavras e seus símbolos de escrita, mas todas utilizavam o estilo cuneiforme de escrita.
O Cuneus – em latim, significa cantos – deu origem à denominação do sistema de es-
crita, visto que a grafia se dava com estiletes que proporcionavam três dimensões em
planos com argila fresca. Vale demarcar que essa forma de escrita não surgiu sem prece-
dentes e passou por diversos processos até estabelecer-se na forma silábica e composta
em tabletes de argila – que é o modelo mais recente e conhecido.
Dentre as fases de formação do cuneiforme, é possível identificar a fase I (pictográfica)
e a fase II (silábica). A primeira fase era integrada por um alfabeto de ideogramas, isto é,
desenhos que simbolizavam coisas e não sons; a compreensão se dava pela mensagem
e não havia leitura propriamente dita. A segunda fase empregava a escrita fonética, o
que significa que as palavras ou os sons eram escritos.
Os indivíduos capazes de escrever em cuneiforme eram os escribas. O saber ler e escrever
no Oriente Próximo Antigo era mais do que um privilégio, era uma superioridade social.
Somente as famílias mais abastadas poderiam custear a educação, visto que era longa e
custosa. A formação destes sujeitos era realizada em centros especializados – eduba, casa
de tabletes – e durava da infância até o início da vida adulta. Os estudantes deveriam ser
disciplinados e desenvolver bem a grafia, caso contrário sofriam duros castigos físicos.
A forma de escrita era empregada principalmente nas práticas administrativas e econômicas
das cidades-estados. Somente nos tabletes de períodos mais recentes é que foi identificado
o uso da escrita para cultura e saber. Isso se deve ao fato de que esse sistema de escrita surgiu
com a necessidade de maior controle da produção agrícola e comercial na região.
Por muito tempo essas línguas foram consideradas mortas, pois não havia decifração,
bem como não havia pessoas capazes de realizar a leitura. As primeiras tentativas de
decifração dos escritos cuneiformes se deram por volta do ano 1530, visto que as insti-
tuições medievais de ensino passaram a ensinar alguns aspectos dos povos hebreus e
árabes, mas, por muitos séculos, os pequenos tabletes permaneceram misteriosos. No
século XVIII, houve crescente interesse por parte dos viajantes pelas ruínas do Império
Aquemênida, junto a isso, veio o interesse por decifrar os escritos antigos. Entretanto, foi
somente no início do século XIX, quando os pesquisadores tiveram interesse em com-
preender os escritos do Rochedo de Behistun, que houve as primeiras decifrações do
alfabeto – sendo completamente desvendado em 1877. Essa decodificação foi possível,
pois o rochedo continha inscrições em persa, elamita e assírio; o persa já havia sido des-
vendado com a ajuda da comparação com o grego, visto que muitos materiais persas
sofreram a influência helena no período do Império Helenístico.
Fonte: adaptado de Pozzer (1998/1999).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Sociedades do Antigo Oriente Próximo (2005)


Ciro Flamarion S. Cardoso
Editora: Editora Ática
Sinopse: a partir do fins dos anos 50, uma polêmica internacional se
travou em torno do conceito de modo de produção asiático. Não
somente procurou-se renovar a visão de determinadas sociedades –
muitas delas não-asiáticas –, como também criticou-se a noção de que,
em princípio, todas as sociedades devessem atravessar as mesmas etapas
em seu desenvolvimento histórico. Esse livro aborda essa polêmica,
tomando-a como pano de fundo para a análise das sociedades do antigo
Oriente Próximo, através de dois exemplos: Egito e Baixa Mesopotâmia.

As primeiras civilizações (1994)


Jaime Pinsky
Editora: Atual
Sinopse: As primeiras civilizações é uma obra enganadoramente fácil que,
uma vez iniciada, se lê de uma só vez. O texto claro é fruto de cuidadosa
elaboração e sua leveza esconde anos de pesquisa e docência do historiador
Jaime Pinsky. No livro, está narrado o fascinante processo civilizatório que
conduz nossos ancestrais à conquista da fala, da agricultura, da escrita, à
criação das cidades e dos impérios, à construção de templos e palácios, ao
controle sobre os rios, à criação da civilização. Pitecantropídeos e Homo
sapiens, coletores e agricultores, sociedades tribais e grandes impérios,
egípcios, mesopotâmicos e hebreus são retratados nas páginas deste
livro, cujo fascínio não decorre apenas dos temas tratados, mas da forma
como são tratados: o passado não é algo encerrado, mas presente em
cada um de nós, tanto como herdeiros do patrimônio cultural – do fogo ao
monoteísmo ético – quanto por sermos personagens da mesma aventura
humana já trilhada pelos que nos antecederam.
45
REFERÊNCIAS

CARDOSO, C. F. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática, 2005.


CARDOSO, C. F. A Falência da Hipótese Causal Hidráulica. In: CARDOSO, C. F. O Egito
Antigo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
JANSON, H. W.; JANSON, A. Iniciação à História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
JOÃO, M. T. D. Tópicos de História Antiga Oriental. Curitiba: Intersaberes, 2013.
KRAMER, V. (org.). A Era dos Reis Divinos: 3000-1500 a.C. Tradução e adaptação de
Pedro Paulo Poppovic. Rio de Janeiro: Cidade Cultural, 1990.
KUHRT, A. El Oriente Próximo en la Antigüedad (c. 3000 – 330 a.C.). Barcelona:
Crítica, 2000.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MCINTOSH, J. R. Mesopotamia: new perspectives. Santa Barbara/Denver/Oxford:
ABC Clio, 2005.
PINSKY, J. As Primeiras Civilizações. São Paulo: Atual, 1994.
POZZER, K. M. P. Escritas e Escribas: o cuneiforme no antigo Oriente Próximo. Clás-
sica, São Paulo, v. 11, n. 11/12, p. 61-80. 1998/1999. Disponível em: <https://revista.
classica.org.br/classica/article/view/449>. Acesso em: 14 maio 2019.
ROCHA, I. E. S. História do Oriente Próximo Antigo: uma introdução. In: VENTURINI, R.
L. B. (org.). História Antiga I: fontes e métodos. Maringá: EDUEM, 2010.
SAID, E. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1990.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹ Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Crescente_F%C3%A9rtil#/media/File:Mapa_do_
Crecente_Fertil_en_galego.png. Acesso em: 14 maio 2019.
² Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sarg%C3%A3o_da_Ac%C3%A1dia#/media/Fi-
le:Sargon_of_Akkad.jpg. Acesso em: 15 maio. 2019.
GABARITO

1. Alternativa C.
2. Alternativa A.
3. Alternativa B.
4. Alternativa E.
5. Alternativa D.
Professora Me. Adriele Andrade Ceola

II
UNIDADE
O EGITO ANTIGO

Objetivos de Aprendizagem
■ Explicar como ocorriam as práticas econômicas no Egito Antigo, e
apresentar a divisão temporal egípcia baseada nos acontecimentos
políticos;
■ Discutir acerca da sociedade hierárquica piramidal e a burocracia
existente, bem como apresentar alguns estamentos sociais – Faraó,
Vizir, Sacerdote, Artesão e Camponês;
■ Apresentar como a crença foi determinante para a legitimação e a
manutenção do funcionamento da sociedade egípcia.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ As práticas econômicas e a política no Egito Antigo;
■ Sociedade egípcia: organização piramidal;
■ Cultura Fúnebre: justificativa da sociedade por meio da crença.
49

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à segunda unidade!


Neste momento, você estudará a antiga civilização egípcia. Como não é pos-
sível abordar toda a história desta sociedade em algumas páginas, trataremos das
características gerais que compreendem de 3500 a.C. até 332 a.C. aproximada-
mente, visto que é o momento em que os egípcios se mantiveram independentes
e nos legaram toda sua cultura original.
O Egito Antigo foi o primeiro reino unificado que se tem conhecimento, e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

também a mais longa experiência humana documentada de continuidade polí-


tica e cultural. Diante destas características, quando pensamos em Egito Antigo,
alguns adjetivos definem a organização e a durabilidade dessa sociedade: contí-
nuo e longínquo, exótico e misterioso.
Contínuo, pois as características egípcias permaneceram por toda a sua exis-
tência e com poucas alterações. Longínquo, pois a autonomia egípcia perdurou
por, mais ou menos, três milênios. Apesar das características indicarem durabi-
lidade, isso não significa que o Egito foi estagnado, visto que houve momentos
de ausência de poder, de invasões, de descentralização, mas, acima de tudo, con-
tinuaram com os mesmos aspectos políticos e culturais.
Exótico, porque a sociedade egípcia possuía organização e características
únicas, que, quando comparadas a outras civilizações, destacavam-se por serem
distintas e complexas. Aqui cabe o alerta de que temos que olhá-la em seu tempo
e espaço, a fim de evitar interpretações erradas ou anacrônicas.
Misteriosa, pois, assim como as civilizações do Antigo Oriente Próximo, exis-
tem muitas lacunas e dificuldades para estudar os materiais existentes. No Brasil,
diferente do que ocorre com os povos do Oriente Próximo Antigo, há grupos de
estudos acadêmicos tradicionais que se debruçam sobre os egípcios, mas ainda
são menores quando comparados aos grupos que se dedicam às antigas civili-
zações dos gregos e dos romanos.
Diante dessas características, convido-o(a) a navegar na barca do conheci-
mento com destino ao Egito Antigo. Bons estudos!

Introdução
50 UNIDADE II

A esfinge e as pirâmides de Gizé.

AS PRÁTICAS ECONÔMICAS E A POLÍTICA NO EGITO

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ANTIGO

Caro(a) aluno(a) de História, com a leitura desta unidade você iniciará seus estu-
dos sobre o Egito Antigo. Para isso, selecionei algumas características gerais que
o(a) farão compreender esta civilização tão distante de nós no tempo e no espaço.
Dentre elas, você estudará as práticas econômicas e políticas, considerando a geo-
grafia da região, a importância do Rio Nilo e os principais acontecimentos políticos
no decorrer da autonomia egípcia; conhecerá a organização social, que se man-
tinha hierárquica e burocratizada, e, por fim, algumas características da crença
egípcia, que ajudavam a legitimar as estruturas política e social da civilização.
É interessante demarcar que o Egito Antigo é uma das civilizações que mais
despertam interesse nos indivíduos – desde a antiguidade até os dias atuais. Dentre
as muitas justificativas que podem explicar esse fato, Cardoso (1984a) e Vercoutter
(1980) seguem a perspectiva da longevidade e da continuidade dos aspectos sociais,
políticos e, principalmente, culturais, como é possível visualizar na seguinte colocação:
A história do Egito constitui, por conseguinte, a mais longa experiência
da civilização humana. Ela se estende do IV milênio a.C., no mínimo,
até a Era Cristã. Durante este período extremamente longo, homens
falaram a mesma língua, tiveram a mesma concepção da vida e do
além-túmulo, viveram sob as mesmas leis (VERCOUTTER, 1980, p. 8).

A colocação afirma que a língua, as crenças, a concepção de realeza e as produções


econômicas, pouco se alteraram ao longo da existência egípcia. Entretanto, isso não
quer dizer que as características foram estagnadas, mas que, quando comparadas à
nossa realidade de globalização, constantes informações e mudanças no cenário eco-
nômico, político e cultural, a essência egípcia foi mais constante. O que podemos

O EGITO ANTIGO
51

afirmar é que o Egito Antigo possuía uma cultura original, visto que não foi impor-
tada de outros povos: ela nasceu, desenvolveu-se e enfraqueceu no vale do Nilo.
Conhecida algumas das características gerais, é importante compreender
como essa sociedade se organizava econômica e politicamente. Nesse sentido,
convido-o(a) a continuar a leitura!

AS PRÁTICAS ECONÔMICAS DO EGITO ANTIGO


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Assim como para as civilizações do Oriente Próximo Antigo, quando pensamos


nos aspectos econômicos da sociedade egípcia, a melhor expressão para designar
essas atividades é “práticas econômicas”, a justificativa para a utilização do termo
se baseia na precaução de confusões sobre o que entendemos por economia. Os
egípcios antigos não tinham vida econômica independente dos demais setores
da vida, isto é, os aspectos econômicos se misturavam com a política e a cultura.
O Egito Antigo foi um reino africano que possuía geografia muito particular
– terras férteis em meio a um deserto muito seco e extenso. Para entender as prá-
ticas econômicas egípcias, é primordial o conhecimento geográfico dessa região:
Três fatores geográficos influenciaram a civilização egípcia: 1º o Egito é
um oásis; 2º possui um clima saariano; 3º é aproximadamente dez vezes
mais comprido do que largo (VERCOUTTER, 1980, p. 16).

Isso significa que o Egito foi um vale às margens do rio Nilo cercado por um
deserto seco e inóspito de areia. De acordo com Funari e Gralha (2010), essas
características geográficas se configuraram por volta de 10000 a.C.; até este período
a região era coberta por uma floresta equatorial, mas devido a um aquecimento
global no final da última Era Glacial, o deserto se espalhou e secou essa região.
O Nilo era o único rio em mil quilômetros, sua origem vinha do interior do con-
tinente africano, onde ainda havia matas equatoriais e picos de montanhas que
derretiam e ajudavam a manter suas águas.
De acordo com Bakos (2008), o Egito foi naturalmente isolado: desertos nas pro-
ximidades, o Mar Mediterrâneo ao norte e cataratas ao sul. Todas essas características
podem ser visualizadas no mapa a seguir – a pequena faixa verde representa o Nilo
e as terras férteis, e, o restante, as terras improdutivas e pouco habitadas do deserto:

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


52 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 – Mapa do Antigo Egito (a região acima é chamada de Baixo Egito e a região mais abaixo é
chamada de Alto Egito)

O Rio Nilo era visto e tratado como um deus – chamado de deus Hapi, que repre-
sentava as cheias –, visto que trazia vida ao Egito. Suas águas tinham substâncias

O EGITO ANTIGO
53

orgânicas que fertilizavam as terras para o cultivo; era utilizado para o consumo,
pois as chuvas eram escassas; servia como meio de comunicação na extensão territo-
rial egípcia; além disso, poderia proporcionar peixes para completar a alimentação.
Diante desta importância dada ao Nilo, os egípcios tinham como principal
prática econômica a agricultura dependente das cheias deste rio, semelhante ao
que ocorria com a região do Oriente Próximo Antigo em relação aos rios Tigre e
Eufrates. No caso egípcio, o Nilo banhava as terras às suas margens, levando águas
escurecidas e fertilizadas com elementos orgânicos, isto é, com húmus. As cheias
eram menos violentas do que do Tigre e Eufrates, mais regulares em seu período e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

traziam tanta fertilidade quanto o que acontecia com o Crescente Fértil. Em resumo,
A inundação anual do Nilo é muito menos violenta do que os rios Ti-
gre e Eufrates, e também muito mais regular em sua data. Além disto,
começa em julho, e a retirada das águas, em fins de outubro, coinci-
de com o momento adequado para semear. Depois, entre a colheita
e a nova inundação, passam-se vários meses, permitindo a limpeza e
conserto dos diques e canais. Depois que o cereal é segado, o solo dos
campos se torna seco e se fende, ficando pronto para ser penetrado
em profundidade pela água e pelos aluviões fertilizantes da inundação.
Assim, não são necessárias no Egito as importantes obras de proteção
contra a cheia fluvial imprescindíveis na Baixa Mesopotâmia. [...] Em
circunstâncias tão favoráveis, o sistema hidráulico de irrigação por tan-
ques desenvolvido na antiguidade foi bem mais simples do que o da
Mesopotâmia (CARDOSO, 1984a, p. 22-23 - adaptado).

Esse calendário para as cheias e os recuos demonstrava três estações do ano bem
definidas: inundação (entre julho e outubro); a saída, que representava a época
da semeadura (entre novembro e fevereiro); e a colheita (entre março e junho).
De acordo com Cardoso (1984a), o plantio nas terras que haviam sido inun-
dadas pelo Nilo não requeria tantos esforços, pois os camponeses plantavam com
o solo ainda mole e, por vezes, contavam com o auxílio do gado de pequenos ani-
mais, que passavam em cima dos grãos e os enterravam ou ajudavam a separar
os grãos dos talos em plantas já colhidas. O gado maior era utilizado para car-
regar o arado ou outros instrumentos mais pesados de plantio.
Na figura a seguir, é possível visualizar a utilização de animais no trabalho
agrícola:

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


54 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 2 – Pintura encontrada na tumba do escriba Menna, em Tebas, no Egito

Os principais produtos cultivados nessas grandes produções eram os grãos: trigo


duro, cevada, linho e sésamo. No entanto, outros produtos poderiam ser cul-
tivados em locais distintos, que necessitavam de irrigação, como: alho, cebola,
pepino, alface, demais verduras e legumes. Também é possível encontrar o cul-
tivo de árvores frutíferas – principalmente de tâmaras, videiras e oliveiras.
Essa produção era essencialmente voltada à alimentação, visto que a base
alimentar dos egípcios era de pães ou de bolos – feitos com trigo ou cevada – e
cerveja – também feitas com os grãos. Havia distinção de alimentos entre os mais
abastados e os mais pobres: os mais abastados tinham direito a comer verduras,
legumes, carnes e a beber vinhos das mais variadas frutas, leite e cerveja refi-
nada; enquanto os mais pobres tinham poucos grãos para proverem o mínimo
para a alimentação diária. O linho também era utilizado para confecção de rou-
pas – o que explica a grande quantidade das representações com roupas brancas.
Toda a produção egípcia era direcionada para o Estado Egípcio, ou seja,
todos os produtos plantados ou confeccionados pertenciam ao poder central,
personificado na figura do faraó. Como o reino era muito extenso para que o
faraó cuidasse pessoalmente de toda produção, o Egito era dividido em nomos,
unidades administrativas que se assemelhavam a províncias e eram governadas
por uma espécie de primeiro ministro, conhecido como nomarca, vizir ou tjati.
Todos os nomos deveriam registrar e repassar a produção ao poder central do
faraó, além de ser responsável por redistribuir toda a produção para cada esta-
mento social e a quantidade recebida era compatível à função.

O EGITO ANTIGO
55

As fontes históricas nos renderam as informações de que os egípcios eram


ativos na domesticação de animais e suas tentativas se estenderam a animais
exóticos, como os flamingos. As principais criações eram de bois, de vacas, de
asnos, de cabras e de porcos. Fora o auxílio que essas criações proporcionavam
na produção agrícola, os animais eram usados na alimentação – leite e carne –
e para o sacrifício aos deuses. Caminos (1994) afirma que as fezes dos animais
também eram aproveitadas para fazer bolos e usadas como combustível para
acender os fornos ou para as iluminações.
Os animais eram criados livres nos pântanos, isto é, próximo das terras agri-
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culturáveis, mas longe o bastante para não prejudicarem o plantio. A principal


base alimentar da maioria dos egípcios não continha carne, mas alguns dos ani-
mais de criação eram selecionados para a engorda, a fim de serem consumidos.
A criação nunca foi a principal atividade econômica no Egito e, como conse-
quência, conforme a necessidade de expandir as terras produtivas, a atividade
foi diminuindo.
Na sequência, é possível visualizar uma imagem que contém um episódio
da criação de animais:

Figura 3 – Cena em uma pedra da criação de animais no Egito Antigo

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


56 UNIDADE II

Outras atividades de menor importância também foram desenvolvidas.


Atrelada ao rio Nilo, a pesca era praticada para complementar a alimentação.
Havia restrições religiosas quanto ao consumo de peixe, apesar disso, a atividade
era praticada. A caça também era comum e poderia ocorrer nas terras do Estado
egípcio, mas direcionadas aos pântanos; esta atividade poderia ser realizada por
lazer – no caso dos indivíduos mais abastados da escala social – ou para com-
plementar a alimentação – os camponeses ou os indivíduos mais pobres podiam
pedir permissão aos reis ou vizíres para caçarem nas propriedades do Egito.
A figura a seguir é a reprodução de uma imagem encontrada no mural de uma

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tumba egípcia. Nela, é possível observar um casal – provavelmente das camadas
superiores da sociedade – em uma pequena embarcação. O homem está posi-
cionado para atacar a ave com um bumerangue e, em uma de suas mãos, vemos
o instrumento de caça, na outra, as aves já capturadas:

Figura 4 – Cena de caça do Egito Antigo

Nos pântanos, havia ainda a extração de papiro. Este vegetal foi muito utilizado em
diversos setores da vida egípcia, pois rendia uma espécie de papel – conhecido sim-
plesmente como papiro – usado na fabricação de cordas, de tecidos grosseiros ou,
ainda, sua madeira era utilizada para a construções de embarcações e de móveis.

O EGITO ANTIGO
57

Outra prática econômica existente no Egito foi a produção artesanal. Nesta


atividade, havia divisão clara entre artesanato refinado e grosseiro. Na parte refi-
nada havia a ourivesaria, a fiação de tecidos finos ou importados, o material para
escrever, as construções de embarcações, a produção de vinho de uva e de tâmara,
entre outras. As camadas sociais consumidoras destes produtos eram as mais
abastadas e quem os fabricava eram os artesãos especializados nestas funções.
Na produção artesanal menos refinada estavam a produção de pão, a indústria
de couro, as redes, os instrumentos de trabalho, os vasilhames etc. Os indivíduos
consumidores eram os funcionários reais menos favorecidos e os camponeses; os
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que confeccionavam eram artesãos menos especializados ou camponeses, que tra-


balhavam nestas funções em períodos diferentes dos trabalhos executados na terra.
No setor do artesanato, vale destacar a importância da construção naval, haja
vista a relevância do rio Nilo na vida dos egípcios. Valbelle (1994) apresenta que,
no Egito, desenvolveu-se uma complexa produção de embarcações, que poderiam
ser simples – feitas a partir do papiro, utilizadas por pescadores empobrecidos
ou para atividades mais básicas – ou requintadas – feitas de madeiras impor-
tadas, resistentes, capazes de levar muitas pessoas, utilizadas tanto pelo faraó e
seus familiares, quanto por funcionários reais de alta estirpe, que necessitavam
de locomoção por toda a extensão do território egípcio.
Assim como acontecia no Antigo Oriente Próximo, no Egito não havia a utiliza-
ção de moedas: todos os trabalhadores eram pagos in natura e as trocas comerciais
internas eram feitas na base de produtos. Esta característica nos leva a conhecer
que o comércio com povos estrangeiros era pouco expressivo. De acordo com
Cardoso (1984a), havia trocas comerciais com povos do Oriente Próximo, com
povos mais ao sul da África e com a população do Egeu, mas sua principal moeda
de troca era composta por grãos, resultados da produção excedente. Os principais
produtos comprados eram pedras duras, utilizadas na fabricação de estátuas, de
construções para o Estado e de ferramentas de trabalho; madeira mais resistente,
para a fabricação de embarcações, de móveis, de portas ou de pequenos objetos;
tecidos refinados; metais e pedras preciosas. Quase não havia importação de ali-
mentos para o Egito, visto que sua produção alimentar era quase autossuficiente.

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


58 UNIDADE II

Até o momento, foi possível observar a existência de diversas atividades


econômicas e de uma agricultura que demandava muito esforço dos cam-
poneses. Você já parou para refletir como e quando os egípcios consegui-
ram tempo e mão de obra para as construções grandiosas e complexas que
sobrevivem até hoje?

Outra atividade econômica desenvolvida no Egito Antigo e que até a hoje se

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mantém, despertando tanta admiração e mistério, foram as construções de tem-
plos, de tumbas, de palácios e de monumentos diversos. As construções estatais
egípcias estavam ligadas às atividades artesanais, visto que demandava a produ-
ção de tijolos cozidos ou crus e de ornamentos. Conforme Cardoso (1984b), as
construções foram possíveis porque o calendário produtivo era bem estabelecido
e, com a cheia do Nilo, a mão de obra camponesa ficava sem muitas obrigações
com o plantio, como o autor expõe no excerto a seguir:
[...] vemos que o ciclo da agricultura básica durava pouco mais de meio
ano, apenas. Isto quer dizer que era possível dispor de abundante mão-
-de-obra para atividades artesanais da aldeia, para trabalhar nas ins-
talações de irrigação e para grandes obras estatais (templos, palácios,
sepulcros, monumentos diversos) (CARDOSO, 1984b, p. 29).

Isso significa que, ao contrário do que tradicionalmente foi defendido, as gigan-


tescas construções egípcias foram realizadas por homens livres, não por escravos,
embora estes não estivessem ausentes. Além disso, diferente de nossa mentali-
dade atual, esta atividade não visava o lucro econômico, mas tinha finalidades
religiosas e estatais; mesmo com estes propósitos, a construção desses lugares
era de importância reconhecida para os egípcios.

O EGITO ANTIGO
59

Além de todos os trabalhos para garantir a sobrevivência – no caso dos campo-


neses –, manter a satisfação dos deuses – no caso do faraó e dos sacerdotes –
ou ainda para manter a estrutura egípcia em funcionamento – demais homens e
mulheres de diversas categorias –, existia também o pagamento da corveia, um
trabalho compulsório ao Egito, visto que o Estado estava acima de todos os indi-
víduos, pois pertencia aos deuses. Nas palavras de Cardoso (1984b): “Em princípio,
todos os egípcios, sem excetuar o próprio faraó, pelo menos em forma simbólica e
ritual [...]” deveriam pagar a corveia. A maior parte da mão de obra das grandiosas
construções foram fruto do pagamento das corveias. Isso significa que cada indi-
víduo dessa sociedade tinha a obrigação do trabalho extra em sua função, para
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manter a satisfação divina e as estruturas egípcias.


Fonte: adaptado de Cardoso (1984b).

DIVISÃO TEMPORAL POLÍTICA DO EGITO FARAÔNICO

Caro(a) aluno(a), vimos que o Egito Antigo foi um reino unificado que perdurou
por milhares de anos com características duradouras. Todavia, você deve ter se
atentado que, apesar dessa durabilidade, ele não foi estagnado. Isso significa que
muitas modificações ocorreram no Egito, principalmente no campo político. Diante
disto, a historiografia atual dividiu didaticamente os períodos históricos egípcios
baseado nas modificações políticas, como pode ser observado no quadro a seguir:
Quadro 1 – Cronologia egípcia de acordo com a organização política

Cronologia Aproximada da Civilização Egípcia


Antes de 4500 a.C. Períodos Paleolítico e Mesolítico
4500 a.C. – 3500 a.C. Períodos Neolítico e Eneolítico (pré-dinástico)

3500 a.C. – 2920 a.C. Período da Unificação (protodinástico)

2920 a.C. – 2575 a.C. Dinástico Primitivo


2575 a.C. – 2134 a.C. Reino Antigo

2134 a.C. – 2040 a.C. Primeiro Período Intermediário

2040 a.C. – 1640 a.C. Reino Médio


1640 a.C. – 1550 a.C. Segundo Período Intermediário

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


60 UNIDADE II

1550 a.C. – 1070 a.C. Reino Novo


1070 a.C. – 712 a.C. Terceiro Período Intermediário
712 a.C. – 332 a.C. Época Tardia
332 a.C. – 31 a.C. Período Ptolomaico
30 a.C. – 311 d.C. Período Romano
311 d.C. – 642 d.C. Períodos Romano Oriental ou Bizantino
642 d.C. Fim do Mundo Egípcio/Conquista Muçulmana
Fonte: adaptado de Cardoso (1984a) e de Funari e Gralha (2010).

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Neste momento, quando tratamos de política, não me referi à perspectiva atual, que
corresponde ao momento em que todos têm o direito de participar quase ativamente
das decisões da sociedade, mas à instituição (ou às instituições) que centralizavam e
organizavam a civilização. No caso egípcio, discutimos a questão do poder faraônico,
isto é, o governante era uma espécie de rei, com atribuições e autoridades divinas.
A presença humana na região do Egito Antigo pode ser datada desde a última
Era Glacial, todavia, nossa abordagem não se dará para todos os períodos dispostos
na tabela, mas nos concentraremos entre 3500 a.C. à 332 a.C., momento em que o
Egito possuía a política faraônica independente de outros povos. Nesse sentido, as
divisões temporais trabalhadas serão: Dinástico Primitivo; Reino Antigo; Primeiro
Período Intermediário; Reino Médio; Segundo Período Intermediário; Reino Novo;
Terceiro Período Intermediário; e Época Tardia. Os períodos conhecidos como “rei-
nos” são os de prosperidade e de relativa paz no funcionamento político egípcio. Já
os momentos denominados “período intermediários” são de crise e de instabilidade.
Antes de aprofundarmos a discussão sobre os períodos políticos, é importante
retornarmos ao mapa exposto anteriormente. De acordo com Vercoutter (1980), a
faixa territorial que compreendia o Antigo Egito se parece com “um braço de rega-
dor”: o “tubo flexível” mais ao sul do mapa é conhecido como Vale, esta região é
a parte mais estreita do reino e também chamada de Alto Egito – pois é o começo
do reino; o “crivo”, mais ao norte do mapa, é conhecido como Delta, composto pela
região mais larga de terras cultiváveis, local onde houve mais tentativas de invasões
e conhecido como Baixo Egito –fica mais distante do início do reino.
No período Protodinástico da civilização egípcia, essa geografia demarcava dois
reinos distintos: Reino do Delta e Reino do Vale. Não há fontes contemporâneas

O EGITO ANTIGO
61

do período que nos ofereça informações sobre os motivos da unificação, que se


deu por volta de 3500 a.C. O único testemunho sobrevivente sobre o fato vem de
uma placa cerimonial, chamada de Paleta de Narmer, que homenageia o primeiro
faraó que se tem conhecimento. Este documento é datado de quinhentos anos mais
tarde ao acontecimento, o que o faz ser uma fonte questionável. Em sua narrativa
imagética, é possível ver Narmer – que também pode ser conhecido como Menes
ou Aha – com a coroa do Vale empreendendo um avanço militar sobre o reino
do Delta. Narmer é o vitorioso da guerra, pois em outro episódio aparece com as
duas coroas: vermelha do Vale e branca do Delta. De acordo com Funari e Gralha
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(2010), a desconfiança dessa narrativa se dá pela dúvida se a placa carrega uma


versão da realidade ou se traz um fato do passado de forma lendária.
A obscuridade sobre a narrativa leva a outra versão da unificação. Muitos
egiptologistas defendem que a unificação do reino se deu a partir de uma aliança
matrimonial, ou seja, o rei do Vale se casou com uma princesa do Delta e, por
falta de herdeiros homens do reino do Delta, o genro, de origem do Alto Egito,
torna-se rei de ambas as regiões.
Independentemente de ter sido pela conquista militar ou por um acordo
matrimonial, a única informação que podemos afirmar com segurança é que foi
um “escorpião rei” da região do Vale que conquistou o poder da região do Delta e
unificou os dois reinos distintos. Essa dualidade do poder faraônico é constante em
muitas das fontes sobre o período e retomada em muitos cerimoniais da época, tal
qual a informação da origem do poder real vindo do Alto Egito, que é muito aceita.

Paleta de Narmer.

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


62 UNIDADE II

Apesar de não termos conhecimento (e possivelmente jamais conhecere-


mos) sobre o que de fato aconteceu para que o Reino do Delta e o Reino do
Vale se unificassem, qual versão parece ser mais plausível? É possível pensar
em mais uma versão de unificação?

Na sequência do período protodinástico, temos o momento conhecido como


Dinástico Primitivo. Os anos que correspondem a essa temporalidade incluem o

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período em que houve a formação das estruturas tradicionais egípcias. Conforme
Cardoso (1984a), esse momento foi dirigido pelas primeiras três dinastias que
se tem conhecimento. Além disso, os dois reinos não se encontravam em total
estabilidade, tornando comum que diversos festivais de reunificação, de reentro-
nização e de divinização do rei – todos os eventos com o propósito de legitimar
e de garantir as unidades de ambas as partes.
Culturalmente, além dos diversos festivais para legitimar o poder real, a reli-
gião egípcia já tinha muitas de suas características bem formadas, principalmente
no aspecto fúnebre. Funari e Gralha (2010) afirmam que a crença da necessi-
dade de preservação do corpo e dos pertences materiais dos faraós já ganhava
espaço, assim, as mastabas e as pirâmides de degraus datam desse momento.
Após o período Dinástico
Primitivo, temos o Reino Antigo,
que compreende da IV a VIII
dinastias. O período é um dos
mais conhecidos na atualidade
por suas pirâmides em Mênfis,
que se tornaram o símbolo do
Egito; referimo-nos às três pirâ-
mides: uma de Khufu (Quéops),
de Khafa (Quéfren) e de Menkaura
(Miquerinos). A esfinge egípcia
mais famosa também data desse
período e foi realizada para Khufu. Figura 5 – Pirâmide de degraus de Djoser – III Dinastia

O EGITO ANTIGO
63
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Figura 6 – Esfinge de Gizé/Esfinge de Khufu, localizada no mesmo complexo das três pirâmides, em Mênfis

Essas construções, para nós, não devem simbolizar somente a beleza e despertar
admiração, mas sua grandiosidade deve ser interpretada como o auge da potên-
cia do poder faraônico. Se os faraós tinham poder econômico para custear as
construções gigantescas e bancar a mão de obra para as construções é porque
as cheias do Nilo e as práticas econômicas iam muito bem.
O Reino Antigo é finalizado com o Primeiro Período Intermediário. O poder
faraônico entra em instabilidade, pois há descentralização do poder central, isto
é, diferente da divisão entre o Vale e o Delta, que a época Dinástica Primitiva
enfrentou. Neste momento, os administradores de cada nomo, os vizíres, assumi-
ram o poder local e passaram a agir como reis em cada unidade administrativa,
assim, o reino conhece um curto período de fragmentação política.
Somado ao enfraquecimento da autoridade do faraó e à autonomia dos vizí-
res, no Primeiro Período Intermediário houve insuficiência das cheias do Nilo,
o que significou um período de fome para grande parte da população. Cardoso
(1984a) menciona que houve até mesmo a prática de canibalismo. A instabili-
dade interna, fez com que o Egito ficasse vulnerável às invasões estrangeiras,
assim, esse período de crise também foi demarcado pela invasão dos povos do
Oriente Próximo no Baixo Egito e a invasão dos núbios, vindos do interior do
continente africano.

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


64 UNIDADE II

A primeira fase de crise foi finalizada com a reunificação do Egito, que deu iní-
cio ao Reino Médio. O faraó que reunificou o reino outra vez era originário do sul; as
dinastias que se sucederam durante esse segmento de tempo foram da IX a XIV. A prin-
cipal característica do período foi a divisão administrativa do Egito em quatro regiões,
com o propósito de o faraó ter mais autoridade sob os vizíres e os nomos. A domina-
ção estrangeira, que ocorreu na região do Delta, não foi completamente findada, pois
a presença dos povos asiáticos, chamados hicsos, também marcou o período.
O tempo de estabilidade mais uma vez foi interrompido e o Segundo Período
Intermediário pode ser datado. O que causou o momento de crise foi a cres-

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cente presença estrangeira instalada no reino egípcio. De acordo com Funari e
Gralha (2010), essa presença de estrangeiros provocou nova fragmentação polí-
tica, visto que três dinastias se instalaram concomitantemente: XV dinastia de
hicsos; XVI dinastia de hicsos menores; e XVII dinastia de egípcios tebanos.
Apesar dos problemas políticos decorridos do momento, não podemos dizer
que esse período intermediário foi completamente negativo. Cardoso (1984a)
afirma que, mesmo tomando os devidos cuidados de análise, é possível identi-
ficar na civilização egípcia um percurso mais lento para avanços tecnológicos
quando comparados aos povos do Oriente Próximo Antigo. Com a instituição
de dinastias de origem estrangeira, o Egito se abriu às inovações que os povos
do Oriente Próximo podiam oferecer.
Mais uma vez, um faraó egípcio vindo do Vale conseguiu retomar o poder e
reunificar politicamente o reino. Temos o início do Reino Novo, que correspondeu
XVIII a XX dinastias – as mais famosas do Egito, visto que Nefertiti, Akhenaton,
Tutancâmon e muitos dos reis com o nome de “Ramsés” governaram nesse período.
Documentalmente, essa fase é uma das mais iluminadas do período faraônico e, con-
sequentemente, é o que mais dispomos de informações. O momento comportou uma
tentativa de imperialismo egípcio, o que demonstra o grande poder militar da região.
De acordo com Hornung (1994), para a realeza, o momento foi marcado pelos
casamentos consanguíneos. Havia a crença de que os faraós eram divinos, filhos
dos deuses ou seus protegidos, e essa característica divina era hereditária, isto é,
não só o pai era responsável por dar continuidade ao sangue sacro, mas a mãe era
a grande responsável por dar vida aos herdeiros divinizados. No entanto, as mulhe-
res não ficaram com o papel de progenitoras exclusivas, pois muitas delas foram

O EGITO ANTIGO
65

expressivas na política, sendo rainhas consortes ou assumindo o papel de faraó.


O período ainda foi marcado pela criação do Vale dos Reis, local em que os
faraós do Reino Novo foram sepultados, localizado em Tebas. Além dos hipo-
geus (tumbas subterrâneas escavadas em rochas), que protegiam os corpos dos
soberanos, ainda há uma construção religiosa grandiosa e que nos rende mui-
tas informações sobre o Egito: o Templo de Lúxor.
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No Reino Novo, é conhecida a figura da rainha faraó Hatshepsut, uma princesa


legítima que se casou com o faraó Djehutimés II. No entanto, seu matrimônio
não gerou herdeiros masculinos e, após a morte de seu marido, o herdeiro do
trono foi um filho muito jovem de uma esposa secundária. Diante do impedi-
mento pela idade do novo faraó, Hatshepsut assumiu o governo egípcio e se
tornou a nova faraó mulher do Egito. Seu governo durou cerca de vinte anos
e só se findou com sua morte, por causas naturais. Vale destacar que ela não
foi a única e nem a primeira faraó mulher, mas a mais conhecida devido seu
hipogeu ter resistido ao tempo, pois os documentos nos permitem conhecer
outras rainhas-faraó, como: Nefrusobek, da 12.ª dinastia; Tausret, da 20.ª dinas-
tia; e Nictóris, de dinastia desconhecida.
Fonte: adaptado de Hornung (1994).

A última dinastia do período não era


da linhagem real, isto é, herdeiros dos
casamentos incestuosos, mas eram con-
siderados protegidos do deus sol Rá. Os
diversos faraós que se sucederam no
poder eram chamados de Ramsés.
O poder faraônico mais uma vez
se enfraqueceu e se fragmentou. Como
resultado, houve o Terceiro Período
Intermediário, correspondente XXI e
XXIV dinastias. Neste período, muitos
faraós governaram paralelamente e, além
disso, eram estrangeiros líbios e núbios. Figura 7 – Templo de Lúxor

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


66 UNIDADE II

Aproximadamente, em 712 a.C., um faraó núbio, Shabaka, conseguiu reu-


nificar o Egito e, assim, teve início a Época Tardia. Todavia, os acontecimentos
políticos do período anterior haviam modificado a essência faraônica, o que
resultou em um Egito com bom funcionamento econômico e religioso, mas
não havia mais grandiosidade do poder do faraó. Nesse momento, os egípcios
guerrearam com os assírios e, posteriormente, foram dominados pelo Império
Aquemênida. Houve breve período de independência, mas, no ano 332 a.C.,
Alexandre, o magno, anexa o Egito ao Império Macedônico.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Cleópatra VII Philopator, personagem muito explorada pela mídia como uma
figura bela e sedutora, não foi contemporânea ao poder faraônico descrito
nesta unidade. Ela pertenceu à dinastia dos Ptolomeus, que sucederam os ma-
cedônicos, de origem helena e que coexistiram aos romanos. Não há fontes
suficientes que atestem sua beleza e sedução, o que sabemos é que foi a últi-
ma governante egípcia apresentada como uma faraó.
Fonte: a autora.

Dinastias egípcias

Caro(a) aluno(a), até o momento falamos da divisão política de forma abstrata e


pouco aprofundamos sobre cada dinastia. A seguir, há uma lista com os nomes
de cada faraó e de cada dinastia. O objetivo de apresentarmos não é para que
você a decore, mas para que tenha em mãos uma lista confiável para eventuais
consultas, a fim de localizar-se no tempo e no espaço.
A cronologia a seguir foi baseada na lista real do sacerdote egípcio Manethon,
contemporâneo do período romano.

O EGITO ANTIGO
67

Quadro 2 – Relação cronológica da realeza egípcia

Rei Scórpion II DINASTIA


Hotepsekhemui
I DINASTIA Nebré
Nârmer (Menés) Nineter (Neterimu)
Época Pré-Tinita e Aha Uneg
Tinita Djer Senedj
(3000-2780 a.C.) Uadj Peribsen
Den-Udimu Khasekhem
Adjib Khasekhemui
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Semerkehet
Ka
III DINASTIA (2778-2723 a.C.) V DINASTIA (2563-2423 a.C.)
Neterierkhet-Djeser Userkaf
Sekhemkhet Sahuré
Sanakt (Nebka) Neferirkaké-Kakay
Khaba Shepseskaré
Neferka Neferefré
Hu (Huny) Niuserré-iny
Menkauhor-Adauhor
Reino Antigo
IV DINASTIA Dedkaré-Isesy
(2780-2400 a.C.,
Sneferu Unas
aproximadamente)
Quéops
Didufry VI DINASTIA (2423-2300 a.C., aproxi-
Quéfren madamente)

Miquerinos Teti

Shepseskaf Usirkaré
Mariré-Pepi I
Meriré-Antiemsaf
Neferkaré-Pepi II

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


68 UNIDADE II

FIM DA VI DINASTIA X DINASTIA (Heracleopolitana: 2130-


Pepi II (fim de seu reinado) 2070 a.C.)

Merenré II Neferkaré (2130-2120 a.C.)

Nitóris Kheti III (2120-2070 a.C.)


Merikaré (2070-2050 a.C.)

VII DINASTIA (fictícia)


XI DINASTIA (TEBANA: 2100-2000
Primeiro Período a.C.)
Intermediário VIII DINASTIA (?-2220 a.C.)
Antef I (2130-2120 a.C.)
Dinastia muito mal conhecida: impossível
fornecer a lista dos reis. Antef II (2120-2070 a.C.)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Antef III (2070-2065 a.C.)

IX DINASTIA (Heracleopolitana: 2222-


2130 a.C.) (a X e a XI dinastias são paralelas na
Kheti I (2222-2180 a.C.) vigência inicial da segunda)

Vários reis desconhecidos (2180-2130 a.C.)


FIM DA XI DINASTIA (2065-2000 a.C.)
Mentuotep I (2065-2015 a.C.)
Mentuotep II (2015-2010 a.C.)
Mentuotep III (2007-2000 a.C.)

XII DINASTIA (2000-1785 a.C.)


Reino Médio
Amenemés I (2000-1970)
(2065-1785 a.C.,
Sesóstris I (1970-1936 a.C.)
aproximadamente)
Amenemés II (1938-1904 a.C.)
Sesóstris II (1906-1888 a.C.)
Sesóstris III
Amenemés III (1850-1800 a.C.)
Amenemés IV (18000-1792 a.C.)
Sebekneferuré (1792-1785 a.C.)

O EGITO ANTIGO
69

XIII DINASTIA (1785-1680 a.C.) XV E XVI DINASTIAS (HICSOS: 1730-


Khutaui Amenemés Sebekhotep I 1580 a.C.)

Sean khtaui Sekhemkaré Chian

Khutaui Penten Apopi I

Amenemés Senbuf Apopi II

Ameny Antef Amenemés Aasehré


Segundo Período Aakenenré-Apopi III
Khutauiré Ugaf
Intermediário
Neneferibré-Sesóstris
(1785-1580 a.C.)
Seguem 27 reis, entre os quais muitos XVII DINASTIA (1680-1580 a.C.)
Khendjer, Neferhotep, Sebkhotep e Quinze reis, usando frequentemente
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Didumés; a lista termina com o reinado de o nome de Antef ou Sebekemsaf; a


Nehesy. dinastia termina com os reinados de
A ordem dos reis da XIII e da XIV dinastias SekeneuréTaá e Kamés.
é bastante incerta, muitos certamente
tiveram reinados paralelos.
XVIII DINASTIA (1580-1314 a.C.) XIX DINASTIA (1314-1200)
Ahmés (1580-1558 a.C.) Ramsés I (1314-1200 a.C.)
Amenófis I (1557-1530 a.C.) Sethi I (1312-1298 a.C.)
Thutmés I (1530-1520 a.C.) Ramsés II (1301-1235 a.C.)
Thutmés II (1520-1505 a.C.) Meneptah
Hatshepsut (1505-1484 a.C.) Amenmés
Reino Novo
Thutmés III (1504-1450 a.C.) Meneptah-Siptah (1219-1210 a.C.)
(1580-1200 a.C.)
Amenófis II (1450-1425 a.C.) Sethi II
Thutmés IV (1425?-1408) Ramsés-Siptah
Amenófis III (1408-1372 a.C.) Iarsu
Amenófis IV – Akhenaton (1372-1354 a.C.)
Semenkaré
Tutankhamon/ Ay/ Horemheb (1354-1314)
XX DINASTIA (1200-1085)
Sethnakht (1220-1198 a.C.)
Decadência Ramsés III (1198-1166 a.C.)
Ramsés IV/Ramsés V/Ramsés VI/Ramsés VII/Ramsés VIII/Ramsés IX/Ramsés X/Ramsés XI
(1166-1085 a.C.)

As Práticas Econômicas e a Política no Egito Antigo


70 UNIDADE II

XXI DINASTIA (1085-950 a.C.) XXIV DINASTIA (730-715 a.C.)


Smendés/Herthor (1085-1054 a.C.) Tefnakht (730-720 a.C.)
Psusenes I/Pinezem (1054-1009 a.C.) Bokenranet (720-715 a.C.)
Amenófis (1009-1000 a.C.)
Siamon (1000-984 a.C.) XXV DINASTIA (Etíope: 751-656 a.C.)
Psusenes II (984-950 a.C.) Piankhy (751-716 a.C.)
Chabaka (710-701 a.C.)
XXII DINASTIA (950-730 a.C.) Chabataka (701-689 a.C.)
Chechanq I (950-929 a.C.) Taharka (689-663 a.C.)
Osorkon I (929-833 a.C.) Tanutamon (663-656 a.C.)

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Período Inferior Taklot I (893-870 a.C.)
(1085-332 a.C.) Osorkon II (870-847 a.C.) *As XXII, XXIII, XXIV e XV dinastias são
Chechanq II (847-823 a.C.) parcialmente paralelas. As datas da XXIII
são bem próximas.
Chechanq III (823-722 a.C.)
Pamy (772-767 a.C.)
XXVI DINASTIA (Saíta: 663-525 a.C.)
Chechanq IV (767-730 a.C.)
Psammetik I (663-609 a.C.)
Necau (609-594 a.C.)
XIII DINASTIA (817?-730 a.C.)
Psammetik II (594-588 a.C.)
Pedubast (817?-763 a.C.)
Ápries (588-568 a.C.)
Cheqchanq IV (763-757 a.C.)
Amásis (568-526 a.C.)
Osorkon III (757-748 a.C.)
Psammetik III (526-525 a.C.)
Takelot III/Amonrud/Osorkon IV (748-730 a.C.)
XXVII DINASTIA (525-404 a.C.) XXIX DINASTIA (398-378 a.C.)
Cambises (525-522 a.C.) Neférites I (398-392 a.C.)
Dário I (522-485 a.C.) Ácoris I (398-380 a.C.)
Xerxes (485-464 a.C.) Psamuthis (380-379 a.C.)
Primeira Dominação
Artaxerxes (464-424 a.C.) Neférites II (379-378 a.C.)
Persa
Dário II (424-404 a.C.)
XXX DINASTIA (378-341 a.C.)
XXVIII DINASTIA Nectânabe I (378-360 a.C.)
Amirteu (404-398 a.C.) Teôs (361-359 a.C.)
Nectânabe II (359-341 a.C.)

Segunda Domina- Artaxerxes III Okhos (341-338 a.C.)


ção Persa (341-333 Arsés (338-335 a.C.)
a.C.) Dário III Codomanos (335-333 a.C.)
Conquista de Ale- _
xandre (332 a.C.)

Fonte: adaptado de Vercoutter (1980).

O EGITO ANTIGO
71
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SOCIEDADE EGÍPCIA: ORGANIZAÇÃO PIRAMIDAL

Caro(a) aluno(a), apesar de o Egito Antigo ser um dos reinos unificados mais
longínquos de nosso tempo que se há conhecimento, as luzes sobre seu funcio-
namento são muito recentes, visto que datam de 1822, quando Jean François
Champollion conseguiu finalizar a tradução dos hieróglifos. Até a decifração da
escrita egípcia, todo o conhecimento que tínhamos sobre este reino era prove-
niente de fontes indiretas, ou seja, de autores gregos e romanos.

A Egiptologia, isto é, a ciência que estuda o Egito Antigo, foi fundada em 22 de setembro
de 1822, visto que esta data foi marcada pela divulgação da decifração dos hieróglifos.
Esta escrita se encontrava adormecida desde o período da Antiguidade Tardia, mas sua
utilização se iniciou com a unificação dos dois reinos egípcios em, aproximadamente,
3500 a.C.
Foi Jean François Champollion quem encabeçou o empreendimento da tradução dos
hieróglifos. Sua fonte de trabalho foi a Pedra de Rosetta, encontrada pela missão
científica que Napoleão Bonaparte levou ao Egito; tal estela continha a mesma inscri-
ção em três formas distintas: grego, demótico e hieróglifo, e foi a partir da compara-
ção dos ideogramas hieroglíficos com o grego que foi possível a decifração desse tip
o de escrita egípcia. O demótico é a forma mais simples dos hieroglíficos e foi usada mais
cotidianamente no Egito; sua tradução se deu por Thomas Young, em 1829.
Fonte: adaptado de Bakos (2008).

Sociedade Egípcia: Organização Piramidal


72 UNIDADE II

Outra questão importante a ser apresentada é que, apesar de o Egito estar locali-
zado no continente africano, não temos fontes que nos permitem definir qual a
etnia da população. Cardoso (1984a) aponta que alguns pesquisadores dizem que
a população era de brancos vindos dos desertos; outros que foram negros vindos
do interior da África; e outros, ainda, que possuíam etnia semelhante à popu-
lação do Oriente Próximo. No entanto, é provável que dificilmente consigamos
findar essa discussão, o que significa que devemos focar no fato de a sociedade
egípcia ter sido muito complexa, independentemente da etnia de sua população.
Podemos afirmar, então, que tanto a fontes de origem egípcia quanto as

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estrangeiras nos legaram muitas informações sobre a sociedade egípcia, dentre
as quais que o Egito era “um formigueiro humano”. No período de dominação
romana, estima-se que a população atingia sete milhões de habitantes. Todavia,
é preciso deixar claro que os números para a antiguidade não são possíveis de
serem provados nem ao menos são confiáveis, e apresento esta estatística para
iluminar seu conhecimento a respeito dos dados da população.
De acordo com Funari e Gralha (2010), o que sabemos com clareza é que a
sociedade egípcia pode ser representada de forma piramidal:

Figura 8 – Sociedade piramidal egípcia


Fonte: a autora.

O EGITO ANTIGO
73

Como é possível observar na imagem apresentada, o topo social era ocupado


unicamente pelo faraó. Em seguida, havia a família real e os funcionários de alta
categoria; na sequência, os funcionários de menor categoria. O outro segmento
era ocupado por camponeses, que compunham a maior parte da população, e,
por fim, havia os escravos, tidos como pouco significantes.
Quase não havia mobilidade social, o único meio possível era a passagem de
um camponês para o status de funcionário de baixa categoria, visto que poderia
tornar-se um artesão. Além disso, a sociedade era burocrática, pois toda deci-
são passava de estamento a estamento e, depois, era repassada pelo faraó. De
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acordo com Cardoso (1984a), o engessamento da sociedade era reforçado com


a hereditariedade das castas.
O faraó era o topo da organização social. De acordo com Hornung (1994), ele
era uma figura muito importante, pois poderia ser considerado um deus, filho de
um deus ou o seu representante. Era o responsável pelo bom funcionamento do
Estado Egípcio ou ele mesmo era reconhecido como a personificação do Egito, o
que significa que, com suas preces e oferendas, deveria agradar aos deuses e fazer
o Egito funcionar. Caso não cumprisse seu dever, os problemas decorrentes do
reino eram colocados como sua culpa. Diante dessa importância, o faraó era o
principal sacerdote e administrador do Egito.
Abaixo do faraó e designado por ele, havia o
vizir – também nomeado como nomarca ou tjati,
conforme já exposto anteriormente – que era uma
espécie de primeiro ministro. O faraó era o res-
ponsável por todo o reino egípcio, mas, como não
era possível cuidar de todo o sistema de forma efi-
caz e presente, o faraó designava a administração
dos nomos, para este funcionário. De acordo com
Cardoso (1984a), apesar da responsabilidade e das
decisões da redistribuição da produção ser uma
decisão faraônica, os vizíres assumiam o papel
de forma local, pois o rei não dava conta de assu-
mir todas as responsabilidades. Essa característica
Figura 9 – Reprodução da máscara mortuária do
demarca a forte burocracia egípcia. faraó Tutancâmon

Sociedade Egípcia: Organização Piramidal


74 UNIDADE II

Outros indivíduos presentes no estamento de funcionários de alta catego-


ria eram os sacerdotes. Conforme Pernigotti (1994), não havia sacerdócio no
Egito, mesmo havendo preparação e restrição na vida de quem assumisse a fun-
ção; os homens e as mulheres eram nomeados pelo rei e o auxiliava nos cultos.
Havia hierarquia dentro da função sacerdotal, que aparecia na execução da fun-
ção dentro dos templos: o Primeiro Profeta ou sumo sacerdote, que era a mais
alta categoria sacerdotal, abaixo somente do faraó; o “pai do deus” ou sacerdotes
puros; em seguida, havia o segundo, o terceiro e o quarto profetas, que, geral-
mente, eram auxiliares dos sumos sacerdotes; em seguida, havia os sacerdotes

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vulgares; o inspetor dos profetas; os organizadores de objetos; os selecionado-
res de animais para sacrifício; o intérprete de sonhos; e os sacerdotes-horários,
que observavam os astros. As categoriais eram independentes umas das outras
e poderiam abrigar diferentes funções, por exemplo: as mais altas eram respon-
sáveis por abrir a sala escura do deus, banhar, vestir, alimentar e orar para os
deuses, e as mais baixas desempenhavam funções corriqueiras da manutenção
dos templos, por exemplo, acendendo e apagando as tochas.
Os sacerdotes poderiam levar a vida de um egípcio comum, usando ves-
tes normais, com cabelos e alimentação como os demais, ou deveriam assumir
postura diferente e séria, tendo vida mais restrita, com vestes específicas, com
o corpo todo depilado e limpo, fazendo alimentação limitada e pura. Pernigotti
(1994) apresenta que nem sempre os sacerdotes possuíam tal função exclusiva-
mente – as fontes nos permitem saber que estes homens poderiam acumular
cargos civis, por exemplo, um profeta poderia ser um vizir.
No estamento social de funcionários de baixa categoria estavam os artesãos.
Não havia diferença entre artista e artesão, somente os que eram mais especia-
lizados no trabalho manual e outros que produziam materiais mais grosseiros.
Valbelle (1994) afirma que alguns poderiam estar em uma categoria acima, pois
muitos sacerdotes que transcreviam os encantamentos nos sepulcros ou nos
templos poderiam ser considerados artesãos, porém a maioria era composta
por funcionários menos especializados. O artesão poderia ser um camponês que
fabricava os instrumentos de trabalho, as roupas e os utensílios enquanto a cheia
do Nilo estivesse sobre a terra, um construtor de embarcações ou, os mais espe-
cializados, que confeccionavam estátuas, joias ou exerciam a função de escriba.

O EGITO ANTIGO
75

Você já parou para pensar que produzir os hieróglifos, isto é, escrever no


Egito Antigo, era a função de um artesão?
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Figura 10 – Desenho representando antigos murais egípcios sobre os artesãos

Compondo a maior parte da sociedade egípcia e, ao mesmo tempo, sendo a


categoria menos privilegiada e que tinha condições piores do que um escravo,
encontramos o camponês. De acordo com Donadonni (1994), os camponeses
compunham a “espinha dorsal” do Egito e, apesar disso, pouco se sabe sobre eles,
pois eram analfabetos e pouco abordados nas fontes escritas. O que podemos
afirmar é que conviviam com a miséria, o excesso de trabalho e não recebiam
sepultamentos apropriados. Em suma,

Sociedade Egípcia: Organização Piramidal


76 UNIDADE II

Recebendo uma miséria pelo seu trabalho, nunca possuía os meios, nem
lhe era dada a oportunidade, para melhorar a situação, para encontrar
processos melhores de ganhar o pão quotidiano e alterar a sua humilde
posição. Viver sem a menor esperança de dias mais propícios, inexora-
velmente acorrentado ao degrau mais baixo da escala social, agrilhoado
durante toda a vida: assim decorria a sua martirizada existência. Todavia,
aperceber-se-ia ele desse fato: Tendo nascido camponês, estava marcado,
e marcado ficava até o fim dos seus dias – era camponês, humilde escravo
meio morto de fome, sem vontade própria, sujeito às ordens, empurrado
de um lado para o outro, espancado. Desprezado por todos, ninguém se
compadecia dele (CAMINOS, 1994, p. 36).

Isso significa que a principal força produtiva egípcia provinha dos camponeses
e, mesmo assim, suas chances de mudança de condição eram quase inexistentes.

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Trabalhavam muito e pagavam altos impostos, o que ocasionava no mínimo de
alimento para a sobrevivência. Se não cumprissem suas funções, eram castiga-
dos e poderiam ser mortos, mas nenhum homem de nenhuma categoria social
se sensibilizava com tal condição precária.
Caminos (1994) aponta que os camponeses tinham consciência de sua condi-
ção difícil e não estavam felizes com isso, mas a sociedade egípcia era envolta pela
crença de que cada indivíduo detinha seu lugar na sociedade e, caso questionassem
ou fugissem do Egito, eram excluídos do culto egípcio e, consequentemente, não
atingiriam o “paraíso agrário”.
Caro(a) aluno(a), você ainda deve questionar-se sobre os motivos dessa manu-
tenção de condição de vida. Perceba: a crença egípcia pregava a vida eterna da alma
– mesmo para os camponeses –, e estes, ao morrerem, teriam as mesmas funções
que tiveram em vida, mas, ao contrário do mundo material, o paraíso agrário era
um local em que nunca haveria fome, isto é, todos possuiriam cerveja e pão refina-
dos à vontade, os trabalhos não seriam excessivos e os castigos seriam extintos. No
entanto, somente os egípcios que cumprissem as funções estipuladas divinamente,
por meio dos faraós, tinham o direito de gozar do paraíso. A fuga da função excluía a
chance da vida eterna e simbolizava a morte eterna do sujeito; o medo de perder todas
essas regalias funcionava como o incentivo para manter a difícil condição em vida.
Os escravos não tinham a chance de serem incluídos neste culto estatal,
visto que todos eram vistos como estrangeiros – inclusive os camponeses que
tivessem perdido sua liberdade –, o que explica que, apesar de possuírem con-
dições de sobrevivência melhores do que os camponeses livres, encontravam-se
no estamento inferior, pois não tinham o direito de entrarem no paraíso agrário.

O EGITO ANTIGO
77
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Estela de Minnakht, chefe dos escribas. durante o reinado de Aí (1321 a.C.) A imagem mostra os hieróglifos.

CULTURA FÚNEBRE: A JUSTIFICATIVA DA


SOCIEDADE POR MEIO DA CRENÇA

Conforme discutimos na unidade anterior, aqui também vale a investigação


sobre os motivos da unificação e da legitimação da civilização. Vimos que para
as sociedades do Antigo Oriente Próximo, houve intenso debate acadêmico bra-
sileiro sobre a Hipótese Causal Hidráulica e o Modo de Produção Asiático.
Para o Egito, foram atribuídos os mesmos motivos e as mesmas justificativas
para explicar a formação da civilização pela necessidade de controle da água. De
forma semelhante, a teoria foi abandonada, pois a administração dos mecanis-
mos de controle das águas era local e, além disso, o Egito sempre demonstrou
poder forte e centralizado baseado nas crenças.
Sem retirar a grande importância que os aparatos administrativo, militar e as práticas

Rememorando a discussão da Hipótese Causal Hidráulica, você acredita ser


mais plausível a teoria para o Egito Antigo do que para as civilizações do
Oriente Próximo Antigo?

Cultura Fúnebre: A Justificativa da Sociedade por Meio da Crença


78 UNIDADE II

econômicas tiveram na unificação dos reinos do Vale e do Delta e manutenção do


Reino Egípcio, um dos aspectos que mais chamou e ainda chama a nossa atenção
para a sociedade egípcia são suas características culturais. No pensamento gené-
rico comum atual, quando se fala em Egito, automaticamente há a associação às
pirâmides construídas no Reino Antigo. Apesar de esses sepulcros não represen-
tarem toda a existência egípcia, nem ao menos uma fração da vasta cultura deste
reino africano, é um símbolo da imponência que a cultura que nos legou.
De acordo com Cardoso (1984a), é primordial conhecer que o pensamento
egípcio antigo era pré-filosófico e mítico. Isso não significa que o pensamento

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
era pré-lógico, mas que as reflexões abstratas não eram o centro do pensamento.
A mentalidade egípcia era baseada na acumulação de experiências, assim como
em exemplos práticos e concretos. Em consonância, Gralha (2009) afirma que a
materialidade das práticas mágico-religiosas se dava por meio da iconografia, da
arquitetura e da escrita hieroglífica, o que explica a durabilidade dos materiais em
que os templos, as tumbas e as estátuas dos deuses eram confeccionadas. Além
disso, a magia no Egito era vista como implícita às coisas: as boas palavras e ações,
assim como as más, atraíam acontecimentos dessas naturezas e cada objeto, ou ser
vivo, detinham magia. Assim, os indivíduos levavam a vida com muito cuidado.
Além disso, essa forma de pensar estava engajada em preservar o estado das estru-
turas, isto é, era um pensamento conservador e conformista, e, para isso, faziam-se
necessários rituais, preces, orações e receitas funcionais, que mantinham o estado
das coisas e, consequentemente, afastava o caos e aproximava a prosperidade:
[o pensamento] Estava, outrossim, engajado no esforço de preservar
a estrutura político-social vigente e a ordem cósmica, através de uma
ética e de observâncias rituais adequadas; ou em fornecer, pragmatica-
mente, regras, receitas funcionais às diversas atividades. O mito expli-
cava o mundo descrevendo, em cada caso, como algum fato suposta-
mente se dera pela primeira vez num longínquo passado (CARDOSO,
1984a, p. 83, adaptação da autora).

No Egito, a palavra tinha poder criador, quase mágico. Bem como tudo o que
era visto e imaginado era associado aos deuses e às suas ações. Nesse sentido,
cada indivíduo na sociedade tinha suas obrigações e suas responsabilidades para
manter o mundo em harmonia. De acordo com Gralha (2009), essa crença con-
tribuía para a manutenção do Estado Egípcio:
Durante o Egito Faraônico, mitos, práticas mágicas e religiosas parecem

O EGITO ANTIGO
79

ter sido a base no processo de manutenção do poder e da legitimidade


tornando o monarca o mediador entre os deuses e os homens. Além dis-
so, o monarca é aquele que promove a manutenção da ordem afastando
o caos para além das fronteiras do Egito (GRALHA, 2009, p. 26).

Se o Egito se mantinha com uma pequena camada da população com privilégios


e a maioria populacional com condições mínimas de sobrevivência, é porque,
do contrário, o sofrimento se instauraria no mundo e o paraíso agrário, alcan-
çado com a vida eterna, tornar-se-ia inatingível.
Dialogando com a ideia anterior, Cardoso (1984a, p. 91-92) expõe que as cren-
ças funerárias foram primordiais para a religião egípcia e para manter a sociedade
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

com suas características originais. Os mortos eram imaginados como renascendo


em suas tumbas e, por este motivo, deveriam receber comida e bebida. A sobre-
vivência no mundo dos mortos só era atingida depois que a alma passasse pelo
tribunal de Osíris – onde seu coração era pesado em uma balança e deveria ser
mais leve do que a pluma da deusa da justiça Maat –, isso era alcançado tendo
exercido bem suas funções em vida e com a ajuda dos encantamentos realiza-
dos pelos sacerdotes. Caso o coração não fosse puro, ele era atirado ao monstro
e devorado, o que implicava na morte eterna do sujeito. A seguir, é possível ver
uma cena completa do Tribunal de Osíris, no qual o falecido faz suas confissões;
no fundo da imagem, há suas preces transcritas e o seu coração é pesado com a
pluma de Maat. Muitas divindades assistem o episódio:

Figura 11 – Papiro contendo a cena do Tribunal de Osíris, Museu Egípcio de Turim – Itália
Fonte: Phil Norfleet (2011, on-line)¹.

Cultura Fúnebre: A Justificativa da Sociedade por Meio da Crença


80 UNIDADE II

A alma por si só não bastava. Para que o morto continuasse a viver por toda a
eternidade, seu corpo e seus pertences deveriam ser mantidos e protegidos. De
acordo com Câmara (2014), isso explica a existência de sepulcros resistentes, que
comportaram por milhares de anos os corpos e as riquezas dos indivíduos, da
mesma forma que as técnicas de mumificação se desenvolveram e diversos cor-
pos de reis ou de homens muitos ricos do Egito existem até hoje. Essas crenças
e técnicas foram essencialmente egípcias, visto que homens gregos e romanos
muito poderosos – como Alexandre, o magno, e Augusto – provavelmente tive-
ram seus corpos reduzidos a pó com a ação do tempo.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Em resumo:
Os egípcios, em geral, acreditavam na vida eterna, que poderia ser
garantida pela piedade tida pelos deuses, pela preservação do corpo
por meio da mumificação e pela manutenção de um enxoval funerário
(FUNARI E GRALHA, 2010, p. 31).

Todas essas crenças estavam vinculadas à religião. Esta não surgiu com as caracte-
rísticas prontas, mas foi resultado da superposição e da organização das divindades
dos nomos. Esse início religioso espelhou toda a religião egípcia, pois do perí-
odo Protodinástico até o Período de Dominação Romana, cada nomo possuiu
sua divindade titular. O faraó era o responsável por manter longe a ira dos deu-
ses e seu poder era legitimado pela crença em sua detenção do poder divino.
O que dizemos até aqui não é uma defesa de que a religião e a cultura fúne-
bre foram os únicos propósitos que mantiveram e legitimaram a unificação e a
manutenção da unidade do Reino Egípcio, mas que esses elementos foram pri-
mordiais e coexistiram com demais fatores, isto é, não eram meros elementos
decorativos e chamativos.

O EGITO ANTIGO
81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim da segunda unidade. Espero que você tenha
apreciado e aprendido mais acerca do interessante e original mundo egípcio,
assim como tenha conseguido compreender os motivos de o Egito ser contínuo,
longínquo, exótico e misterioso.
Você pôde estudar a respeito das práticas econômicas do Egito Antigo e
conhecemos a geografia específica e única desta região, isto é, um oásis em
meio a um deserto opressor e seco. Diante dessas características geográficas, foi
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

possível conhecer as práticas econômicas: a agricultura dependente das águas


enriquecidas pelo húmus do Rio Nilo; a criação de animais, a utilização destes
no auxílio do plantio e no complemento alimentar; a pesca e a caça, que foram
atividades menores e complementares; as importantes produções artesanais, que
compreendiam também a construção de embarcações; e, por fim, como decor-
riam as construções.
Em seguida, foi possível conhecer a divisão temporal egípcia baseada nos
acontecimentos políticos, dos quais nos limitamos a conhecer a Unificação, o
Período Protodinástico, o Dinástico Primitivo, o Reino Antigo, o Primeiro Período
Intermediário, o Reino Médio, o Segundo Período Intermediário, o Reino Novo,
o Terceiro Período Intermediário e a Época Tardia – divisões estas que se deli-
mitam dos anos aproximados de 3500 a.C. e 332 a.C.
Conhecemos a organização social, destacando seu aspecto piramidal,
cujo topo era ocupado pelo faraó e a base era composta, em sua maioria, por
camponeses e escravos. Assim, foi possível observar as atribuições e as princi-
pais características dos faraós, dos vizíres, dos sacerdotes, dos artesãos e dos
camponeses.
Vimos ainda um dos principais motivos de manutenção da estrutura egíp-
cia: a crença. Estudamos algumas características da religião egípcia, bem como
a importância que os ritos e as crenças possuíam para legitimarem a estrutura
da sociedade egípcia e o poder faraônico.

Considerações Finais
82

1. O Egito Antigo é uma das civilizações que mais despertam interesse na huma-
nidade. É possível datar o fascínio e a apropriação de seus elementos desde os
povos coexistentes no Oriente Próximo Antigo, na Grécia e na Roma antigas.
Tal estima pelos elementos egípcios se dá pela originalidade e pela complexi-
dade de todas as suas estruturas. Assim, analise as afirmações a seguir e assina-
le com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
( ) O Egito Antigo era um oásis fértil cercado por um deserto seco.
( ) A geografia egípcia era particular, visto que suas terras cultiváveis eram
mais largas do que cumpridas.
( ) O rio Nilo e suas cheias eram primordiais para o desenvolvimento humano
na região do Egito Antigo. Frente a isso, ele era considerado uma divindade.
( ) A sociedade egípcia era organizada hierarquicamente, e a figura que perso-
nificava o Estado era o camponês.
Assinale a alternativa que contenha a sequência correta:
a) V, F, V, F.
b) V, V, F, F.
c) F, F, V, V.
d) V, V, V, V.
e) F, F, F, F.
2. A organização da sociedade egípcia pode ser comparada a uma pirâmide: a
base larga representa a maioria populacional, composta por camponeses; os
estamentos afunilam até chegarem ao topo estreito, ocupado pelo faraó. Além
disso, a sociedade era burocrática, visto que toda produção e todas as decisões
eram centralizadas na figura do faraó e, posteriormente, redistribuídas. Acerca
da sociedade egípcia, analise as afirmativas a seguir:
I. Os camponeses faziam parte da principal fonte de mão de obra da agricul-
tura e das construções do Egito.
II. Os sacerdotes pertenciam ao estamento social de funcionários de alta ca-
tegoria.
III. O faraó poderia ser considerado um deus, filho de um deus ou o represen-
tante do deus; o que legitimava seu poder.
IV. A categoria dos artesãos não era homogênea, visto que os sacerdotes pode-
riam desempenhar a função, decorando as tumbas e os templos, da mesma
forma que os camponeses desempenhavam a função para confeccionar os
instrumentos de trabalho.
83

Está correto o que se afirma em:


a) I, II.
b) I, III.
c) I, II, III.
d) I, II, IV.
e) I, II, III, IV.
3. Quando estudamos o Egito Antigo, percebemos que suas estruturas foram
longínquas e duradouras, mas não estagnadas; as mudanças mais rápidas e
perceptíveis estão no campo da política. Diante disso, a história egípcia foi
temporalmente dividida a partir dos acontecimentos de cunho político. Nesse
sentido, considere as afirmativas a seguir:
I. A história faraônica independente do Egito compreende de 3500 a.C. até
332 a.C., aproximadamente.
II. As pirâmides de Mênfis, as mais conhecidas do Egito, datam do Reino Novo.
III. Não é possível afirmar que no Egito houve invasões de povos estrangeiros.
IV. Os períodos de instabilidade política no Egito são conhecidos como “perío-
dos intermediários”.
Está correto o que se afirma em:
a) II e IV.
b) I e III.
c) I e IV.
d) I, III e IV.
e) I, II, III e IV.
4. Diferente de nós, a sociedade egípcia detinha hierarquia muito clara e cada
indivíduo possuía sua função bem demarcada. Dentre os estamentos existen-
tes nessa sociedade, percebemos uma forte burocracia, bem como uma quase
inexistente mobilidade social. Sobre a sociedade egípcia, relacione as colunas:
1. Rei.
2. Vizir.
3. Sacerdote.
4. Artesão.
5. Camponês.
84

( ) Responsável pelo auxílio da administração dos nomos.


( ) Dentre suas produções, foi responsável pela construção de embarcações.
( ) Havia hierarquia dentro da própria função; uns eram responsáveis pelo zelo
das divindades, outros pela seleção de animais para o sacrifício.
( ) “Espinha dorsal” do Egito, visto que compunha a maioria da mão de obra
egípcia.
( ) Personificação do reino egípcio, detentor de caráter divino.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:
a) 2, 4, 3, 5, 1.
b) 1, 4, 2, 5, 3.
c) 1, 3, 4, 2, 5.
d) 5, 4, 3, 2, 1.
e) 1, 2, 3, 4, 5.
5. Muitas pesquisas acadêmicas se preocupam em estudar a origem das civiliza-
ções e como aconteceu a manutenção de suas unificações. Para a egiptologia
não foi diferente, muitos estudiosos se debruçaram e se desdobram até a atu-
alidade para explicar esses episódios. Sobre esse assunto, assinale a alternativa
correta:
a) Os historiadores atuais conseguiram comprovar a origem e a manutenção
da unificação egípcia pela hipótese causal hidráulica.
b) A unificação do reino do Vale ao Reino do Delta e sua manutenção têm
como única e autêntica explicação os aspectos culturais e a crença no pa-
raíso agrário.
c) A unificação e a legitimação do poder faraônico são comprovadamente
pautadas nos aspectos administrativos, isto é, pela necessidade da organi-
zação da produção local dos nomos.
d) A unificação do reino egípcio e a legitimação faraônica possuem diversos
fatores explicativos – como práticas econômicas, administração e militaris-
mo –, mas um dos motivos que se destaca por ser original e manter-se na
mentalidade da humanidade é a cultura, sobretudo as crenças religiosas.
e) A unificação e a legitimação do poder faraônico se devem aos aspectos ad-
ministrativos, econômicos e militares. Os aspectos culturais, principalmente
o religioso, não tiveram vínculo à manutenção com o poder estatal egípcio,
visto que havia separação clara entre todos esses setores.
85

Egiptofilia, Egiptomania e Egiptologia


Caro(a) aluno(a), você sabia que o apego e o fascínio aos elementos e aos objetos egípcios
pela humanidade, principalmente da sociedade contemporânea, possui estudos acadê-
micos? A seguir, você lerá trechos de um capítulo escrito pela professora doutora Marga-
ret Marchiori Bakos, que se dedica ao estudo sobre esses usos do passado nas formas da
egiptofilia, da egiptomania e da egiptologia:
“Atualmente, o Egito antigo é lembrado no mundo todo, principalmente através de três
imagens: as pirâmides, as esfinges e os obeliscos. Vale então a questão: quando tais mo-
numentos foram criados e como se transformaram em ícones internacionais, metonímias,
transnominações atemporais da civilização egípcia?
Para a egiptofilia, que se preocupa em entender as manifestações de apreço para com
o exotismo daquela sociedade e o desejo de posse de coisas relativas ao Egito antigo, a
resposta à segunda questão seria de razão estética: beleza e grandiosidade. Para a egipto-
mania, que dá conta das práticas de reutilização de traços da cultura do antigo Egito a que
atribuiu novos significados, a resposta é mais pontual. Embora, às vezes, ela desconheça
a história dos monumentos e descure dos objetivos das apropriações de caráter místico,
religioso e/ou marqueteiro, há uma razão que se afirma: ‘O Egito é um veículo antigo para
anunciar o moderno. O Egito vende!’.
A egiptologia, ciência que trata com rigor científico de tudo o que se relaciona ao antigo Egito,
inclusive das práticas de egiptofilia e egiptomania, confere uma cronologia ao estudo da história
desses monumentos. Procura ajudar na busca de respostas sobre o sentido dessa reutilização
dos ícones e das possibilidades de construção de uma identidade entre quem se apropria e o
conteúdo original do objeto apropriado. A egiptologia foi fundada a partir da necessidade de
decifração da pedra de Rosetta, encontrada pela missão científica que Napoleão Bonaparte le-
vou ao Egito, encabeçada por Jean François Champollion, que se encarregou de comunicar a
descoberta à Academia Francesa de Belas Artes, em 22 de setembro de 1822.
A gênese da egiptomania é de difícil resgate. De um lado, porque seu surgimento é
muito antigo, iniciando no contexto umbilical da história da humanidade. De outro, pela
liberdade, multiplicidade, originalidade, beleza e variedades de técnicas empregadas.”
[...]
“A egiptomania, segundo Jean Marcel Humbert, é bem mais que uma simples mania. Con-
siste no empréstimo dos mais espetaculares elementos, da gramática, de ornamentos que
se constituía na essência original da arte do antigo Egito. Esses elementos decorativos são
então trazidos novamente à vida através desses usos.”
[...]
“A egiptomania começou na antiguidade e é praticada até os dias atuais. Depois de tantos
séculos, ela ainda detém uma extraordinária vitalidade e força, manifesta pelo uso, cópia e
recriação de formas do antigo Egito: é muito mais que uma moda ou mero exotismo.
[...]
A egiptomania é o fenômeno mais antigo e mais longo de transculturação jamais ocorrido
na história da humanidade [...]”
Fonte: Bakos (2008, p. 19-21, grifos da autora).
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Egito Antigo (1984)


Ciro Flamarion S. Cardoso
Editora: Brasiliense
Sinopse: fugindo das abordagens convencionais do Egito Antigo, que
costumam apresentá-lo como um mundo encantado de pirâmides
mágicas, esse livro analisa diretamente as estruturas econômico-sociais
e a história política da civilização egípcia. O estudo desses 2.700 anos de
estabilidade em língua, organização social e política é desmistificador,
além de ser imprescindível para o entendimento do estágio intermediário
entre uma organização tribal e uma sociedade de classes, regulada pelo
Estado.

Deuses, Faraós e o Poder (2017)


Júlio César Mendonça Gralha
Editora: Barroso
Sinopse: Deuses, Faraós e o Poder é fruto da dissertação de mestrado
defendida pelo autor. Contém questionamentos atuais que contribuem
para o conhecimento e a pesquisa dos novos graduandos, mestrandos
e doutorandos. Além disso, a publicação pode auxiliar o leitor fascinado
pelo Egito Antigo, tão mágico e misterioso, a compreender o poder dos
faraós.

Site em inglês, em funcionamento desde 1997, que compartilha informações científicas sobre o
Egito Antigo e trechos de fontes.
Web: http://www.ancient-egypt.org/index.html.

Site que dá acesso à revista acadêmica Mundo Antigo, coordenado pelo Núcleo de Estudos em
História Medieval, Antiga e Arqueologia Transdisciplinar (Nehmaat), possuindo diversos artigos
referentes ao Egito Antigo.
Web: http://www.nehmaat.uff.br/.
87
REFERÊNCIAS

BAKOS, M. M. Visões Modernas do Mundo Antigo: a Egiptomania. In: FUNARI, P. P. A.;


SILVA, G. J. da; MARTINS, A. L. (org.). História Antiga: contribuições brasileiras. São
Paulo: Annablume, 2008.
CÂMARA, M. B. P. da. Espaço Sagrado e Espaço Doméstico: um estudo sobre os tem-
plos e casas no Antigo Egito. Alétheia Revista de Estudos sobre a Antiguidade e
o Medievo, Bagé, n. 1, v. 9, p. 110-120. 2014. Disponível em: https://periodicos.ufrn.
br/aletheia/article/view/6182/4893. Acesso em: 3 jun. 2019.
CAMINOS, R. O Camponês. In: DONADONI, S. (org.). O Homem Egípcio. Lisboa: Pre-
sença, 1994.
CARDOSO, C. F. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 1984a.
CARDOSO, C. F. A corveia no contexto econômico-social do Egito Faraônico. Histó-
ria em Cadernos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 19-25. 1984b.
DONADONI, S. Introdução. In: DONADONI, S. (org.). O Homem Egípcio. Lisboa: Pre-
sença, 1994.
FUNARI, R. dos S.; GRALHA, J. C. de M. O Egito Antigo. In: VENTURINI, R. L. B. (org.). An-
tiguidade Oriental e Clássica: economia, sociedade e cultura. Maringá: Eduem, 2010.
GRALHA, J. C. M. A Legitimidade do Poder no Egito Ptolomaico: cultura material
e práticas mágico-religiosas. 2009. 276 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
Disponível em: < http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/280830/1/Gra-
lha_JulioCesarMendonca_D.pdf>. Acesso em: 16 maio 2019.
HORNUNG, E. O Rei. In: DONADONI, S. (org.). O Homem Egípcio. Lisboa: Presença, 1994.
PERNIGOTTI, S. O Sacerdote. In: DONADONI, S. (org.). O Homem Egípcio. Lisboa:
Presença, 1994.
VALBELLE, D. O artesão. In: DONADONI, S. (org.). O Homem Egípcio. Lisboa: Presen-
ça, 1994.
VENTURINI, R. L. B. (org.). História Antiga I: fontes e métodos. Maringá: Eduem, 2010.
VERCOUTTER, J. O Egito Antigo. São Paulo: Difel, 1980.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹
Em: http://platopagan.tripod.com/. Acesso em: 20 maio 2019.
GABARITO

1. Alternativa A.
2. Alternativa E.
3. Alternativa C.
4. Alternativa A.
5. Alternativa D.
Professora Me. Adriele Andrade Ceola

III
UNIDADE
MUNDO GREGO ANTIGO

Objetivos de Aprendizagem
■ Explicar o processo de ocupação da região de Hélade e apresentar
alguns aspectos da sociedade do Período Homérico;
■ Apresentar como se deu a formação das cidades-estados gregas,
priorizando a discussão acerca de Atenas e de Esparta;
■ Desenvolver o conhecimento sobre a consolidação política de Atenas
e de Esparta e apresentar as diferenças em seus governos;
■ Esclarecer sobre os momentos de Pan-Helenismo e apresentar o
período de domínio macedônico.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O Período Homérico: os primórdios da civilização grega;
■ O Período Arcaico: o nascimento da pólis;
■ O Período Clássico: a consolidação da política;
■ Domínio Macedônico.
91

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à terceira unidade!


Neste momento, você dará início aos estudos acerca da Grécia Antiga, con-
siderada o “berço da civilização ocidental”. Para isso, é preciso que tenha em
mente que ela se constituiu de forma distinta dos povos orientais estudados até
o momento. Além disso, foi uma civilização que se desenvolveu na parte oci-
dental do mundo antigo.
O termo Grécia é uma criação romana, visto que esta civilização se reconhe-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cia como Hélade – palavra com sentido aproximado à “terra do sol”. O termo não
era uma simples designação territorial, mas expressava um conceito de como
esses povos se reconheciam.
A civilização grega deve ser compreendida como uma “colcha de retalhos”,
visto que foi uma abstração, sem unidade governamental ou territorial. Os hele-
nos se reconheciam basicamente pela língua, pela religião, pelo comportamento
e pelos costumes em comum.
É importante destacar que a Grécia, apesar de ter sido essencialmente agrá-
ria, é usualmente lembrada pela vida urbana. Sua geografia não apresentava rios
como o Tigre, o Eufrates e o Nilo, que detinham cheias regulares que enrique-
ciam as terras às suas margens; a geografia grega era mais seca e montanhosa.
Nesta unidade, você se deparará com a explanação dos períodos históricos
gregos pautados na política ateniense e aceito pela historiografia tradicional, que
abrange do século XX a.C. ao século III a.C., divididos em: Processo de Formação;
Período Homérico; Período Arcaico; Período Clássico; e Dominação Macedônica.
Esta divisão não pode ser entendida de forma rígida nem literal, mas como um
auxílio para a localização no tempo. Frente a essas características, convido-o(a)
a conhecer mais sobre a Grécia Antiga. Bons estudos!

Introdução
92 UNIDADE III

Templo Parthenon, Grécia.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PERÍODO HOMÉRICO: OS PRIMÓRDIOS DA
CIVILIZAÇÃO GREGA

Olá, caro(a) futuro(a) professor(a) de história! Com a leitura desta unidade, você
iniciará seus estudos sobre o mundo grego antigo, sobretudo o de Atenas e de
Esparta. Para facilitar a sua compreensão sobre essa civilização, optei por divi-
dir a unidade cronologicamente, de acordo com a política ateniense:
■ Processo de formação da Hélade (século XX a.C. – XII a.C.): estabeleci-
mento dos primeiros povos antecessores aos helenos;
■ Período Homérico (XII a.C. – IX a.C.): primeiras organizações gregas
propriamente ditas;
■ Período Arcaico (século IX a.C. – VI a.C.): surgimento das primeiras
cidades-estados;
■ Período Clássico (século VI a.C. – IV a.C.): florescimento político e
cultural;
■ Domínio Macedônico/Período Helenístico (século IV a.C. – III a.C.): enfra-
quecimento das estruturas helenas e domínio de um império estrangeiro.

Desde a Antiguidade, a civilização grega desperta interesse, devido à sua cultura:


filosofias, paideia, preparação militar, religião, entre outros. Todavia, é impor-
tante demarcar que a Grécia nunca constituiu um império, nem ao menos foi
unificada, visto que era constituída por cidades-estados independentes umas
das outras e que até possuíam rivalidades entre si. Os momentos Pan-Helênicos
eram excepcionais e não representavam união política, econômica ou militar,

MUNDO GREGO ANTIGO


93

somente alianças ou aspectos em comum. Vale destacar que a civilização grega


conviveu com constantes conflitos, tanto por antagonismos internos quanto por
ameaças estrangeiras, isto é, não foi uma civilização pacífica.

Diante dessa diversidade de cidades-estados gregas, você já parou para


pensar como nosso conhecimento sobre a Grécia é limitado?
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

PROCESSO DE FORMAÇÃO DA HÉLADE

Figura 1 – Mapa da Grécia Antiga com regiões ocupadas durante o Período Arcaico e o Período Clássico
Fonte: Wikipédia (2007, on-line)¹.

Período Homérico: Os Primórdios da Civilização Grega


94 UNIDADE III

A Hélade era extensa, localizada na Península Balcânica (como é possí-


vel observar no mapa anterior), ia do Mar Negro – a leste – até o sul da Itália
– a oeste –, com alguns pontos até a Espanha. A paisagem foi caracterizada por
montanhas, planícies e vales, que dificultavam a comunicação entre as diversas
regiões e que contribuiu para a formação fragmentada da civilização. Além disso,
O clima é seco, quente no verão e, no inverno, caracteriza-se por chu-
vas violentas. A vegetação é pobre. Pouca floresta nas elevações, e nas
baixas altitudes estende-se uma vegetação de arbustos. Nos vales e so-
bre as encostas das colinas, a cultura da vinha e da oliveira muito cedo
substituiu a dos cereais, exceto, talvez, na planície do Elêusis – parti-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cularmente fértil. Poucas áreas destinadas a pastagens, salvo no vale
do Céfiso – “o branco Cabo Colona, rico em equinos”, na evocação de
Sófocles. Em suma, um país pobre (MOSSE, 1987, p. 12).

Isso significa que a constituição geográfica grega foi muito distinta das civiliza-
ções do Oriente Próximo Antigo e do Egito Antigo, pois era um local pedregoso,
seco e com chuvas violentas, o que resultava em uma vegetação pobre e com
solos pouco férteis para o cultivo. Diversos rios cortavam a Hélade, mas os mais
literariamente famosos foram o Céfiso, que cortava Atenas e era utilizado na
agricultura e na criação de animais, e o Eurotas, que cortava Esparta e contri-
buiu para terras férteis da região. A grande vantagem geográfica da Grécia foi a
existência dos portos: a península balcânica dava acesso a diversos mares, com
águas mais amenas, que facilitavam a navegação; consequentemente, o comér-
cio marítimo era propiciado.
A origem da civilização grega é obscura, visto que não há muitas fontes
sobreviventes do processo. Os próprios gregos antigos não sabiam como suas
origens se deram, e, para explicar os fatos, recorriam aos mitos, aos deuses e
aos semideuses: os atenienses acreditavam que seu fundador era o herói e semi-
deus Teseu. Esparta também aceitava um herói e semideus como seu fundador:
Héracles, popularmente conhecido como Hércules.
De acordo com Ceola (2017), Hesíodo (viveu entre os séculos VIII a.C. e
VII a.C.), em sua obra Os Trabalhos e Os Dias, defendia que a humanidade havia
sobrevivido por longo processo de decadência, visto que passaram pela Era de
Ouro, Era de Prata, Era de Bronze, Era dos Heróis e se encontravam na pior de
todas: Era de Ferro.

MUNDO GREGO ANTIGO


95

No campo da historiografia atual, conforme Banhos e Rocha (2010), é prová-


vel que o processo de ocupação do território onde se formaria a Hélade tenha se
iniciado por volta de 2000 a.C., tanto por nativos quanto por estrangeiros Aqueus,
na região do Pelasgos e da Peloponésia. Em torno de 1700 a.C. os Eólios e os
Jônios chegaram à Hélade, fundando Creta e Micenas. Em 1200 a.C., as popu-
lações gregas se uniram na Guerra contra Tróia e acessaram o Mar Negro. No
mesmo período da Guerra de Troia, houve uma violenta invasão dos Dórios,
que desarticulou o mundo estabelecido.
É possível que a última onda migratória tenha destruído cidades inteiras, o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que em parte explica a obscuridade das fontes sobre a origem da Grécia. Ademais,
forçou os habitantes da Hélade a se reorganizarem e se rea-
daptarem para a proteção.
Diante deste novo cenário, Mosse (1987) afirma que os
povos se organizaram em pequenos grupos familiares, em
unidades conhecidas como gens. Estes grupos funcio-
navam como pequenos “principados”, cujo chefe da
família era o rei; além disso, eram fortemente milita-
rizados e sobreviviam da agricultura de subsistência.
Foram esses novos pequenos grupos agrícolas
familiares que se estabeleceram e deram início
à civilização grega propriamente dita.

O PERÍODO HOMÉRICO

Do século XII a.C. a, aproximadamente, o século


IX a.C. poucas fontes sobreviveram sobre a Grécia.
O que temos como documentos históricos são as
parcas cerâmicas e os poemas épicos do aedo Homero,
intituladas Ilíada e Odisseia. É justamente por estes
dois títulos serem as principais fontes escritas des-
ses séculos, que este período ficou conhecido como
“homérico”. Figura 2 – Estátua do poeta Homero

Período Homérico: Os Primórdios da Civilização Grega


96 UNIDADE III

Reverenciado em toda a Antiguidade Clássica como o primeiro e maior poeta


da Grécia, Homero é quase universalmente considerado o autor da Ilíada e da
Odisseia, algumas vezes atribuindo-se a ele outros títulos antigos, como Cipria
(Cupria) e Tebaide (Thebais).
Fonte: adaptado de Bowder (1982).

Sobre esses poemas serem fontes de informação, Vidal-Naquet (2001) e Ceola


(2017) alertam para algumas ressalvas ao estudá-los:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1.ª As epopeias não são narrativas históricas, o que lhes retira o
compromisso de narrar os fatos tal qual aconteceram.
2.ª Os fatos narrados misturam os feitos dos homens, dos heróis e dos
deuses.
3.ª Os versos das epopeias foram compostos com a finalidade de serem
cantados, isto é, a beleza nas palavras e na estrutura do texto era parte
da intenção, sendo, por vezes, mais importante do que os fatos narrados.
4.ª Os versos foram transcritos por volta do final do século IX a.C. ou
século VIII a.C., o que significa que a escrita não foi feita por Homero,
mas sim por algum autor desconhecido contemporâneo do Período
Arcaico. A distância temporal entre a criação e a transcrição dos poe-
mas épicos sugere que muitos versos foram aprimorados, modificados
e podem ter perdido as informações iniciais.
5.ª Não sabemos se Homero de fato existiu, se foi um nome fictício de al-
gum aristocrata importante ou, ainda, se existiram inúmeros “homeros”.
6.ª Se Homero realmente existiu, ele foi um aedo, o que lhe rendia a ins-
piração das Musas, que não possuíam o compromisso com a verdade.
7.ª E, por fim, diante de todas essas imprecisões sobre Homero, deve-
mos questionar se ele foi o compositor dessas obras épicas.

Caro(a) aluno(a), com base nas obscuridades dos poemas épicos Ilíada e
Odisseia, assim como da vida de Homero, você percebeu como os classicis-
tas lidam com a escassez de documentos? Você acha possível trabalhar com
os poemas apesar dessas lacunas nas informações?

MUNDO GREGO ANTIGO


97

Ilíada e Odisseia são obras monumentais, estudadas desde a Antiguidade até os


dias de hoje e, apesar de todas as fantasias e as imprecisões encontradas em seus
versos, muitas informações sobre como os homens se organizaram naquela época
podem ser encontradas. A veracidade desses acontecimentos é confrontada com
os materiais arqueológicos e epigráficos. Em outras palavras, não podemos retirar
a relevância dos poemas épicos como fontes históricas, mas devemos munir-nos
de uma série de cuidados ao tratá-los.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A palavra economia, natural nos dias de hoje, é derivada do conceito de oikos, ten-
do em vista que a gerência desta propriedade era conhecida como “oikonomia”.
Fonte: a autora.

De acordo com Mosse (1994), no Período Homérico, a sociedade se organizava


em propriedades rurais, denominadas oikos. Os oikos não eram unicamente as
propriedades de terras, mas abrigavam também os animais, as produções, as
famílias, os escravos e as trocas. Em suma, era constituído pelo “domínio e todos
aqueles que o compõe” (MOSSE, 1984, p. 57). Isso significa que esses domínios
funcionavam como vilas quase autossuficientes.
Dentro dessas propriedades, as atividades eram diversas: havia criação de animais,
plantio e trocas. Os trabalhadores também eram variados, poderiam ser membros
da família, camponeses livres e escravos. Tudo isso era supervisionado pelos senho-
res proprietários do oikos, que eram os reis do período homérico – o próprio Ulisses
(ou Odisseu) era um rei, por ser um senhor do oikos. O poder da realeza se base-
ava no consenso geral, na hereditariedade, na força militar, na religião, na posse e na
prosperidade do oikos. Vale destacar que a autoridade desses reis não ultrapassava
os limites de seus domínios, isto é, não mandavam em outros oikos, embora pudes-
sem desenvolver relação de interdependência. Em resumo, o chefe dessas famílias
era responsável pelas questões e pela administração externas à casa.
O oikos não era composto somente por propriedades de pastagem e de cultivo, mas
também detinha moradias – residências que, por vezes, eram descritas como simples

Período Homérico: Os Primórdios da Civilização Grega


98 UNIDADE III

casas de campo, outrora como luxuosos palácios. Independentemente da simplicidade


ou da ostentação destas casas, quem reinava sobre elas eram as senhoras dos oikos.
As mulheres, nesse contexto, não eram figuras secundárias, mas exerciam papel
bem estabelecido, desempenhando a função de rainhas de seus lares, responsáveis
por guardar o tesouro e as provisões das casas; zelavam pela alimentação e pela
vestimenta de todos aqueles que pertenciam ao oikos; administravam a distribui-
ção da função doméstica e o tratamento dos servos nesse ambiente; e, por fim,
cuidavam para receber bem aqueles que se hospedavam em suas residências. Ao
desempenhar funções domésticas, a mulher não era considerada inferior durante

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a Grécia Antiga, visto que o lar era sagrado; como Coulanges (2008) afirma, uma

As mulheres consideradas “respeitáveis” na Grécia Antiga eram muito disputa-


das. Os pretendentes deveriam ser generosos nos dons para cativar uma boa
esposa, como é possível observar na seguinte colocação: “[...] na maior parte dos
casos, é rivalizando em generosidade que os pretendentes tentam sempre con-
quistar uma rapariga ou uma jovem mulher que a guerra tivesse deixado viúva”.
Fonte: adaptado de Mosse (1989).

parte das crenças antigas se desenvolvia no interior das casas, e o lar era o fogo
sagrado, consequentemente, o papel da mulher nessa sociedade era primordial.
Conforme Mosse (1989), apesar de o modelo de governo ser dividido entre peque-
nos “principados”, já é possível identificar a ágora, isto é, a praça pública onde
ocorriam debates e decisões comuns entre os senhores dos oikos. Essa caracte-
rística demonstra que as unidades governamentais homéricas não eram isoladas,
mas se relacionavam expressivamente.
Não há informações suficientes que atestem quando as modificações na
sociedade decorreram, mas por volta do século IX a.C., a ágora passou a ser mais
utilizada pelos senhores dos oikos e estes começaram a agir como magistrados,
não havendo rei que governasse sobre todos.

MUNDO GREGO ANTIGO


99

O PERÍODO ARCAICO: O NASCIMENTO DA PÓLIS

Por volta do século IX a.C. e VIII a.C., as


comunidades helenas cresceram e modifi-
caram seus modelos de governo. O período
também é mal iluminado documental-
mente, sendo os poemas Os Trabalhos e os
Dias e Teogonia, de Hesíodo, as principais
fontes escritas. Esses poemas não são épi-
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cos e não foi a inspiração das Musas que fez


o poeta cantar os versos; ele escreveu sobre
sua realidade. Há outras fontes escritas que
persistiram no tempo, porém são fragmen-
tadas e pouco expressivas.
Ao lado dos poemas mais realistas, os
materiais arqueológicos formam um corpo
documental importante para o período:
as cerâmicas, as estátuas e as construções.
Retrato de Hesíodo na cédula de 50 drachma
(Moeda grega), de 1939.

Pouco se sabe com certeza sobre Hesíodo, além dos indícios esparsos em Os
Trabalhos e os Dias. Aparentemente, o poeta escreveu suas obras após a com-
posição dos poemas homéricos, mas não muito mais tarde – talvez no século
VIII a.C. Seu pai, um negociante em Cime, na Aiolis, viu-se compelido pela po-
breza a emigrar para Ascra, na Beócia, onde Hesíodo nasceu e viveu a vida de
um camponês.
[...]
A originalidade de Hesíodo consiste no fato de ele ter sido o primeiro poe-
ta grego a procurar seu assunto em fontes alheias ao mito ou à fantasia. Ao
contrário, ele incorporou a Os Trabalhos e os Dias máximas de ordem ética e
conselhos práticos derivados de sua própria experiência, adaptando-os à vida
de um camponês.
Fonte: adaptado de Harvey (1986).

O Período Arcaico: O Nascimento da Pólis


100 UNIDADE III

De acordo com Banhos e Rocha (2010), nesse momento há o desenvolvimento


de comunidades que não são propriedades dos senhores e nem são pólis. Eram
comunidades fragmentadas, possuidoras de ágoras e fortificadas com muralhas.
Nas palavras de Finley (1963, p. 30), a organização se dava da seguinte forma:
A irregularidade do desenvolvimento em nenhum aspecto foi mais
assinalada do que no referente à urbanização. De um ponto de vista
meramente residencial, o modelo mediterrânico parece ter sido o da
aglomeração em aldeias à volta de cidadelas e de complexos palaciais,
de preferência a explorações agrícolas espalhadas. Do ponto de vista
comunitário, tinha que haver um centro onde os cidadãos pudessem

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reunir-se sempre que necessário (a ágora, no seu sentido primitivo,
muito antes de esta palavra ter vindo a significar também “Praça do
Mercado”). Habitualmente, havia também uma Acrópole, cidadela em
local elevado, para defesa. Depois, começam as variantes.

A geografia da Hélade era cortada por montanhas, vales e planícies, o que significa
que as comunidades se desenvolveram de forma fragmentada. Todas as comu-
nidades conhecidas possuíam organizações semelhantes ao que Finley (1963)
apresenta: a urbanização não se dava como as nossas cidades de hoje, pois eram
aldeias não habitadas, haja vista que a população se abrigava em propriedades
rurais e se dirigia para as cidades a fim de se reunirem quando necessário. Além
disso, devido à Grécia Antiga ter sido uma civilização que conviveu com a vio-
lência, as fortificações das cidades, a militarização da população e os locais de
abrigo para tempos conflituosos eram comuns.
Caro estudante, aqui vale explicar que o oikos não foi extinto, ele perdurou
por toda a existência da Grécia Antiga, até mesmo sob a dominação romana.
A principal atividade econômica da Grécia sempre foi o cultivo de terra; a vida
urbana e o comércio marítimo eram secundários.
É importante destacar que, nesse momento, as comunidades gregas demons-
traram suas distinções. Esparta se desenvolveu na Península do Peloponeso, em
um vale cercado por montanhas altas, pântanos e despenhadeiros, que torna-
vam a cidade isolada e fortificada naturalmente. Finley (1963) afirma que chamar
Esparta de urbana no Período Arcaico é uma cortesia, visto que era essencial-
mente agrícola e tributária; não havia investimento em locais urbanos, conforme
podemos atestar com a descrição a seguir:

MUNDO GREGO ANTIGO


101

Esparta, ou Lacedomônia, capital da Lacônia, um Estado no sudeste do


Peloponeso fundado por dórios. A cidade, situada às margens do rio
Eurotas, era pouco mais que um grupo de povoados, sem belos edifí-
cios, e não dispunha de fortificações até a época do domínio macedô-
nio sobre a Grécia (HARVEY, 1986, p. 210).

O governo espartano se formou no Período Arcaico, visto que até o Período Clássico
o sistema não se alterou substancialmente. Esparta desenvolveu um sistema gover-
namental de diarquia, isto é, uma monarquia de dois reis: um rei ancião, conselheiro
e tido como “sábio”, e outro rei guerreiro, que deveria ser o principal líder mili-
tar. De acordo com Harvey (1986), existiam duas famílias consideradas reais: os
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Agidas e os Euripontidas, ambas supostamente descendentes de Héracles. Além


destas figuras, havia um corpo de magistrados que detinha poder político de deci-
são e de veto, dentre os quais os legisladores eram os mais expressivos.
O historiador Heródoto (485 a.C.-425 a.C.) atribuiu a formação da constituição
espartana a Licurgo, por volta do século VIII a.C, que previa forte presença estatal
sobre a vida dos cidadãos e uma formação militar rígida. Conforme Jardé (1977),
os meninos espartanos começavam o treinamento físico a partir dos sete anos de
idade e se tornavam soldados por volta dos dezessete. Os estrangeiros que residiam
nas cidades por tempo considerável, conhecidos como periecos, também tinham
direito de se alistarem. Por sua vez, os escravos só eram
armados em casos excepcionais.
Ao contrário de Esparta, Atenas não era natural-
mente isolada, visto que estava localizada na região
da Ática, com terras pouco férteis, porém agraciadas
com portos naturais e boa localização para o contato
com povos estrangeiros (BANHOS; ROCHA, 2010),
ou seja, Atenas era mais cosmopolita.
De acordo com Finley (1963), o sistema polí-
tico do Período Arcaico ateniense foi a oligarquia; o
que significa que uma pequena parcela de cidadãos
abastados e proprietários de terra – os antigos reis
homéricos – faziam parte de um corpo de magistra-
dos, que desempenhava diferentes cargos políticos, Figura 3 – Busto de Licurgo
cuja magistratura mais poderosa era a do arconte. Fonte: Wikipédia (2006, on-line)².

O Período Arcaico: O Nascimento da Pólis


102 UNIDADE III

A origem desse modelo político é obscura; não existem fontes suficientes que
expliquem os motivos e quando os reis começaram a desempenhar as magistra-
turas. O que podemos afirmar com mais precisão é que Atenas preparava seus
cidadãos enriquecidos para a vida política, isto é, prezava pela filosofia, pela
retórica e pela oratória, assim como pelas artes liberais – dança, canto e teatro.
Nesse período, alguns problemas eram enfrentados pelos gregos. A popula-
ção havia crescido expressivamente e não havia terras suficientes para todos, ao
mesmo tempo em que os mais pobres estavam sendo muito taxados, a escravi-
dão por dívidas se expandiu e houve diversas tentativas de conquista do poder

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pelos tiranos. A “válvula de escape” dessas pressões populacional e política foi
encontrada na colonização – em grego, apoikia.
A maior parte dos homens que se dirigiam às terras que seriam colonizadas
era formada por aqueles que não estavam contentes com o sistema governamen-
tal das cidades ou não eram os primogênitos (ficariam fora da herança de suas
famílias, pois somente os primeiros filhos herdavam todas as posses). Nessas
expedições, sempre havia a liderança de um “fundador” de origem aristocrata,
que levava junto de si helenos militarizados, que dizimavam as populações locais.
O processo de colonização e de contato com outros territórios fez com que
a Grécia desenvolvesse o uso de moedas, devido às trocas comerciais, visto que
as trocas em espécie não davam conta do comércio marítimo.
De acordo com Finley (1963), os principais territórios ocupados com a colo-
nização grega foi uma parte da atual Espanha, a Sicília e o norte da África. Estes
domínios eram essencialmente agrários, pois, apesar de o comércio marítimo
ser rentável, era arriscado. Vale salientar que esse processo de colonização não
foi imperialista, pois as “cidades-mães” não subordinavam os novos territórios
e os novos espaços eram tratados como uma cidade grega como qualquer outra.
A solução pela colonização não perdurou muito tempo, pois a população
continuava crescendo e a crise era constante:
Parece que dois fatos deram origem à ruptura do equilíbrio social: por
um lado, a situação de dependência em que se encontrava a maior par-
te dos camponeses atenienses, obrigados ao pagamento da sexta parte
de sua colheita; por outro, o endividamento crescente da massa cam-
ponesa e a ameaça que sobre ela pesava de ser reduzida à escravidão
(MOSSE, 1987, p. 14).

MUNDO GREGO ANTIGO


103

Isso quer dizer que os problemas internos de propriedade não foram resol-
vidos. Dialogando com a autora anterior, Finley (1963) apresenta que por volta
dos séculos VII a.C. e VI a.C. a situação não era pacífica, nem mesmo a aristo-
cracia se encontrava unida: alguns indivíduos se aproveitavam da situação para
alcançar prestígio pessoal.
Para atender à demanda maior da população grega – tanto em Atenas quanto
em Esparta – foi instituída a figura do legislador, que exercia tanto poder quanto
os arcontes ou os reis.
Caro(a) aluno(a), chamo aqui a sua atenção para esclarecer que os aconteci-
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mentos políticos dissertados têm foco em Atenas, pois não possuímos fontes que
esclareçam o processo de leis espartanas ou que nos deem nomes de seus legisladores.
Nesse sentido, no ano 641 a.C., o legislador Drácon (viveu durante o século
VII a.C.) realizou a primeira tentativa de reformas na sociedade ateniense. Sua
legislação foi o primeiro código de leis de Atenas, porém as normas eram con-
servadoras e não atendiam à demanda populacional de ampliação dos direitos
políticos e de amenização da crise econômica. As leis elaboradas por Drácon
perduraram até o início do século VI a.C.
No ano 594 a.C., Sólon (638 a.C.-558 a.C.) foi nomeado arconte ateniense.
Posteriormente, atingiu a função de legislador. Atenas se encontrava em cons-
tantes crises e a solução por parte de Sólon foi a confecção de um novo código
de leis, que alterou o cenário político e econômico da cidade. Entre suas medi-
das, as três principais foram:
■ A abolição da escravidão por dívida e a libertação do escravo desta condição;
■ A divisão da população de acordo com a renda, o que resultou em novas
instituições políticas de caráter mais popular: Boulé – assembleia de 400
cidadãos livres; Eclésia – assembleia que aprovava as leis; e Helieu – tri-
bunal popular, que rivalizava com o tribunal dos aristocratas;
■ A reforma e a unificação dos pesos e das medidas atenienses.
A nova legislação foi decisiva para o contexto ateniense, considerando seu aspecto
popular. Essas medidas deram a oportunidade de Sólon tornar-se tirano, mas
ele recusou o posto e exerceu somente a função de legislador. No entanto, ape-
sar de ter recusado tornar-se um tirano, suas reformas abriram caminho para
que a tirania se instaurasse em Atenas.

O Período Arcaico: O Nascimento da Pólis


104 UNIDADE III

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O PERÍODO CLÁSSICO: A CONSOLIDAÇÃO DA POLÍTICA

O Período Clássico teve seu início entre os séculos VI a.C. e V a.C. e é conside-
rado o período de maior florescimento político e cultural da Hélade, haja vista
o momento da consolidação da pólis, que
não era um local, embora ocupasse um território definido, eram as pes-
soas atuando concertadamente e que, portanto, tinham de reunir-se e
tratar de problemas face a face. Era uma condição necessária, embora
não única, de autogoverno (FINLEY, 1963, p. 49).

Caro(a) aluno(a), você deve ter percebido que as cidades-estados não surgiram
sem precedentes no Período Clássico, visto que já no século VII a.C., no perí-
odo Arcaico, as cidades já estavam bem estabelecidas. Todavia, a consolidação
da pólis proposta nesse momento se baseia na maior clareza de fragmentação
entre as cidades e nas definições políticas mais estruturadas.
Neste momento, cada grego tinha consciência de ser grego, mas, acima de
tudo, desfrutava do sentimento de pertencimento local, como podemos obser-
var nas palavras a seguir:
Em suma, os Gregos não só se consideravam como Gregos (Helenos),
em contraposição aos bárbaros, mas também e em primeiro lugar,
como membros de grupos e subgrupos no interior da Hélade. Um ci-
dadão de Tebas era um tebano e um Beócio bem como um grego, e
cada termo tinha um significado emocional próprio apoiado por mitos
específicos (FINLEY, 1963, p. 31).

MUNDO GREGO ANTIGO


105

Esse sentimento de pertença dos indivíduos para cada região era demarcado pela
diferença cultural de cada lugar, bem como pela crescente rivalidade entre as
diferentes cidades, sendo o antagonismo mais conhecido entre Esparta e Atenas.

ESPARTA

Esparta, também conhecida como Lacedomônia, foi fundada por volta do século
IX a.C. pelos dórios. Localizava-se na Lacônia, na região do Peloponeso e seu
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isolamento natural contribuiu para uma espécie de conservadorismo da socie-


dade, devido ao difícil contato com povos estrangeiros.
Conforme Banhos e Rocha (2010), não houve mudanças expressivas no
cenário político espartano. No Período Clássico os principais componentes da
constituição política eram os dois reis hereditários, a gerousia, ou Senado, a apellá,
ou assembleia, e os éforos. Vale desta-
car que, nesse momento, os reis haviam
perdido parte do poder e desempenha-
vam funções sacerdotais e militares,
enquanto as outras instituições eram
mais decisivas politicamente.
Dialogando com os autores ante-
riores, Harvey (1986) afirma que
no topo da comunidade política se
encontravam os cidadãos plenos e os
guerreiros. Cada chefe de família pos-
suía lote de terra próximo à cidade, que
era inalienável e passava de geração
para geração pelos primogênitos. Os
cidadãos eram nominalmente iguais
perante as leis, mas o Estado supervi-
sionava de perto cada indivíduo, para
torná-los parte de uma unidade pode- Figura 4 – Busto de Menelau. Giacomo Brogi, século XIX,
exposto no Museu do Vaticano, em Roma
rosa militarmente. Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)³.

O Período Clássico: A Consolidação da Política


106 UNIDADE III

Todos os cidadãos espartanos, fossem homens ou mulheres, deveriam ser aptos


para defender sua cidade militarmente. Nesse sentido, caso uma criança nasces-
se com alguma deficiência ou enfraquecida, era abandonada para morrer.
Fonte: adaptado de Harvey (1986).

A sociedade estava dividida basicamente entre esparciata (indivíduo nascido

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espartano e rico), perieco (indivíduo livre, mas não era cidadão. Geralmente,
trabalhava com o comércio), hilotas (escravos e trabalhadores da terra) e espar-
tanos (cidadãos empobrecidos).
Devido à concentração de terras e de produção nas mãos de poucos indi-
víduos, esse período marcou o declínio populacional de Esparta, pois muitos
homens morriam em guerra e os que permaneciam sucumbiam com a fome.
Em relação ao contato com outras cidades-estados, a princípio, Esparta seguiu
uma política de conquistas das cidades vizinhas no Peloponeso. Posteriormente,
passou a interagir com essas cidades por alianças políticas e militares. O fortale-
cimento espartano gerou grande rivalidade contra Atenas, que também expandia
suas alianças na Ática, ocasionando a Guerra do Peloponeso.

ATENAS

Atenas se constituiu de modo distinto de Esparta. Localizava-se, aproximada-


mente, a cinco quilômetros de distância do mar, na região da Ática, e foi fundada
pelos jônios. Isso significa que a cidade-estado tinha constante contato com os
povos estrangeiros, sendo necessária portanto, a construção de muralhas para
a sua proteção.

MUNDO GREGO ANTIGO


107

O Período Clássico de Atenas é mar-


cado pelas reformas de Sólon, pois foram as
medidas deste legislador que delinearam o
modelo governamental que se consolidou.
Conforme Mosse (1987), após suas refor-
mas em Atenas, os tiranos ganharam espaço
para conquistar a liderança governamental,
sobressaindo até mesmo os arcontes.
Vale destacar que a tirania foi uma posi-
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ção tipicamente democrática e popular, visto


que, para sua existência, era necessário que
a população mais pobre escolhesse o líder.
O termo tirano não designava aquele que
fosse perseguidor ou cruel, mas era um cargo
político sem legitimidade, pois somente os
magistrados e os aristocratas detinham as
decisões legislativas. Figura 5 – Estátua da deusa Atena da Academia de Atenas

Palavra neutra, originariamente ‘tirano’ significava o fato de um homem se apo-


derar do poder sem ter autoridade constitucional legítima (diferente de um rei);
não continha juízo de valor sobre suas qualidades pessoais ou de governante.
Fonte: adaptado de Finley (1963).

O Período Clássico: A Consolidação da Política


108 UNIDADE III

A tirania foi uma instituição tipicamente democrática. O termo democracia


vem do grego demos, pequenas comunidades autônomas com base na residên-
cia, isto é, era composta pela população menos abastada de Atenas, que também
compunha uma assembleia popular denominada boulé. Eram justamente esses
populares, membros da assembleia, junto com os demais cidadãos livres e pobres
de Atenas, que detinham o poder de eleger o tirano.
A legislação proposta por Sólon tentou erradicar a tirania, mas o que ocorreu
foi justamente o contrário. No ano 561 a.C., Licurgo e Mégacles empreenderam
uma disputa para ocupar o cargo de tirano. Da disputa, a terceira vertente, a de

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Psístrato (?-527 a.C.), saiu vitoriosa:
Assim, Psístrato inscrever-se-ia no esquema tradicional do tirano de-
magogo, da época arcaica, que para tomar o poder, sublevava contra a
aristocracia as massas camponesas empobrecidas que dele esperavam
algumas vantagens materiais (MOSSE, 1987, p. 17).

De acordo com o excerto, a base do poder tirânico se estruturava na população


mais pobre, que esperava receber alguma vantagem econômica. É importante
que fique claro que a população menos favorecida de Atenas não possuía cons-
ciência política e se desinteressava por lutas estéreis; desejava apenas conseguir
vantagens materiais e, para isso, tornava-se perigosa à aristocracia.
Finley (1963) também trabalha com a questão dos tiranos e escreve que estes
sujeitos não glorificavam a si mesmos, nem ao menos detinham poderes excepcio-
nais, mas ocupavam papéis de magistrados poderosos e agiam em conformidade
com as leis. Psístrato, por exemplo, tomou medidas para diminuir a miséria dos
camponeses, ao mesmo tempo em que não retirou os privilégios dos aristocratas.
Após Psístrato, seus filhos Hípias e Hiparco assumiram a tirania. Diferente
de seu pai, ambos incentivaram a cultura e passaram a agir como reis, centrali-
zando o poder em suas mãos – atitude que rendeu o assassinato de ambos. Com
a morte dos filhos de Psístrato, Atenas ficou um tempo sem a liderança de um
tirano, mas, após a ameaça espartana, dois homens passaram a disputar o cargo:
Clístenes (565 a.C.-492 a.C.) e Iságoras (viveu durante o século VI a.C.).
Clístenes se apoiava na população mais empobrecida, enquanto Iságoras
detinha o apoio da elite, a favor da diplomacia com Esparta. O primeiro saiu
vitorioso e empreendeu reformas que definiram a democracia ateniense:

MUNDO GREGO ANTIGO


109

■ Isonomia: todos os cidadãos atenienses eram iguais perante a lei. Entendia-se


por cidadãos homens livres, acima dos 18 anos, filhos de pai e de mãe ate-
nienses – mulheres, crianças e escravos não eram considerados cidadãos;
■ Dividiu a sociedade em dez tribos;
■ Cada tribo tinha o direito de enviar 50 membros para a boulé;
■ Instituiu a lei do ostracismo.
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Com base nos dados apresentados até então, você considera a democracia um
modelo de governo realmente popular?

As reformas propostas por Clístenes perduraram até o domínio macedônio,


iniciado por Filipe II. O modelo político clisteniano era democrático, com lide-
ranças tirânicas, que convenciam a população pela demagogia.

PAN-HELENISMO

Até o momento, discutimos sobre a Grécia pautados em uma dicotomia entre


Atenas e Esparta, e você conheceu a fragmentação dessa civilização. Todavia, vale
lembrar que a Hélade detinha aspectos em comum, bem como momentos de
unificação da sociedade, em que as cidades-estados gregas se reuniam – conhe-
cidos pela historiografia atual como pan-helenismo e não eram incomuns.
É relevante lembrarmos que pan-helenismo é um conceito que não simbo-
liza unicamente momentos concretos. Isso quer dizer que os primeiros traços
pan-helênicos foram: a língua falada, que apesar de existirem diversos dialetos,
a língua comum era a grega; a religião, visto que mesmo existindo cultos domés-
ticos e deuses titulares para cada cidade, todos os gregos acreditavam no mesmo
panteão divino; os comportamentos e os costumes em comum, isto é, todos os
gregos tinham educação com aspectos em comum e este comportamento, por
meio da educação, era entendido como philantophya – significa que os gregos
se enxergavam como mais “humanizados” do que os bárbaros.

O Período Clássico: A Consolidação da Política


110 UNIDADE III

Além dessas abstrações, que identifi-


cavam o “ser grego”, o primeiro elemento
pan-helênico concreto que podemos
apresentar é o Templo de Delfos. Delfos
foi uma região do Parnaso utilizada como
santuário oracular e recinto sagrado do
deus Apolo. A construção do templo
e os demais edifícios em anexo foram
construídos em semicírculo, formando

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um teatro natural, próximo a um des-
penhadeiro abismal. Era comum todos
os helenos, independentemente de suas
cidades de origem, dirigirem-se a Delfos
para se consultarem com o oráculo ou
para fazer preces ao deus Apolo.
Outro ponto comum a todos os Figura 6 – O Templo de Delfos

gregos era Olímpia. A cidade, utili-


zada como centro de festividades sacras,
ficou tradicionalmente conhecida pelos
jogos olímpicos, iniciados em 776 a.C.
em homenagem a Zeus. No entanto,
ela também abrigava os oráculos de
Dondona, em Épiro e em Claros; além
de ser o local em que os jogos Píticos,
Istímicos e Nemeus ocorriam.
Além dos elementos religiosos, as
guerras também foram momentos pan-
-helênicos. A primeira delas foi a sucessão
de conflitos conhecidos como Guerras
Médicas (499 a.C.-449 a.C.). Em meados
do século VI a.C., o Império Persa havia
crescido e se fortalecido, assim como
havia conquistado diversas cidades gregas. Figura 7 – Ruínas da cidade de Olímpia – Grécia

MUNDO GREGO ANTIGO


111

Os atenienses iniciaram uma luta de reconquista dos territórios e os persas se volta-


ram com mais ambição ao território da Hélade. Frente à ameaça bárbara, os helenos
esqueceram suas diferenças e priorizaram sua identidade em comum, o que significa
que todas as cidades-estados gregas se uniram em combate para eliminar a ameaça
estrangeira, com destaque para os exércitos ateniense e espartano.
Também houve a Guerra do Peloponeso (431 a.C.-404 a.C.). Esta foi interna
e se deu, basicamente, contra Atenas e sua aliança com a Confederação Délia,
contra Esparta e suas aliadas do Peloponeso e da Beócia, divisão resultado das
alianças e das lideranças firmadas contra os persas. As causas desta guerra são
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atribuídas à rivalidade entre Atenas e Esparta, cidades-estados de destaque das


Guerras Médicas, que predominaram sobre as outras. O conflito marcou pro-
fundamente a Grécia, tendo como resultado enfraquecimento mútuo, deixando
a Hélade, sobretudo Atenas, suscetível ao domínio estrangeiro dos macedônios.

DOMÍNIO MACEDÔNICO

A Grécia ficou suscetível ao domínio estrangeiro após a Guerra do Peloponeso


(431 a.C.- 404 a.C.), que dividiu a nação em duas ligas: de Delos – liderada por
Atenas – e de Peloponeso – com a liderança de Esparta. Ambas eram cidades-es-
tados poderosas e desejosas da soberania helena. O conflito teve Esparta como a
vencedora, mas tanto esta quanto Atenas saíram enfraquecidas, isto é, com pou-
cos homens para a proteção, com as práticas econômicas em crise e sem poderem
investir em mais uma guerra intensa.
De acordo com Harvey (1986), Esparta não foi totalmente capturada pela
Macedônia durante o século IV a.C., pois a queda efetiva da Lacedomônia só se
deu 222 a.C. pelos macedônios e, posteriormente, pelos romanos, em 146 a.C.
Entretanto, é importante esclarecer que apesar da resistência espartana diante da
ameaça estrangeira, o Estado se encontrava em crise: os cidadãos estavam endivi-
dados e a população pobre havia tomado o governo das mãos da aristocracia. Tais
problemas geravam conflitos internos, reformas na legislação e instabilidade política.

Domínio Macedônico
112 UNIDADE III

Mosaico antigo de Alexandre, o Grande. O mosaico fica na Casa do Fauno, Pompéia, Itália.

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Esparta diferia de outras cidades-estados em relação ao papel da mulher.
As esposas espartanas não eram simples donas-de-casa, mas recebiam trei-
namento físico, eram ativas na política e, em casos extremos, poderiam ir ao
campo de batalha defender sua cidade.
Fonte: adaptado de Harvey (1986).

Por conseguinte, Atenas sempre foi uma cidade cobiçada pelos reis macedônios.
De acordo com Mosse (1987), desde a Guerra do Peloponeso, os macedônios ini-
ciaram sua política de infiltração na Grécia. Inicialmente, o reino macedônico
era aliado das cidades gregas, mas quando a Grécia entrou em conflito interno,
a Macedônia ofereceu apoio às cidades helenas menos favorecidas e as incorpo-
rava, a fim de alcançar e cercar territorialmente as principais cidades.
Filipe, da Macedônia, almejava enfraquecer Atenas internamente, mas encon-
trou resistência personificada na figura do orador e advogado Demóstenes (384
a.C.-322 a.C.), que incentivava Atenas a formar uma aliança militar com as cida-
des que continuaram independentes, para expulsar a ameaça macedônica. No
ano 338 a.C., mais territórios foram conquistados e Atenas tentou fechar suas
muralhas e armar seus escravos para a defesa.
Filipe não conseguiu submeter Atenas e nem uma parte considerável da
Hélade, pois faleceu no ano 336 a.C. Quem conseguiu o feito foi o seu filho e
herdeiro do trono Alexandre, o Grande, no ano 322 a.C.

MUNDO GREGO ANTIGO


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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 8 – Mapa do Império Macedônico das conquistas de Alexandre, o Grande

A dominação macedônia não teve a pretensão de despertar a hostilidade dos ate-


nienses ou dos demais helenos. Pelo contrário, os helenos e, principalmente, os
atenienses continuaram com suas organizações políticas e seu desenvolvimento
cultural. Alexandre tinha admiração pela cultura grega, visto que teve como pre-
ceptor o filósofo Aristóteles, desse modo, disseminou a cultura helenística por
todos os territórios sob seu domínio e, por isso, seu reinado ficou conhecido
como Império Macedônico e Império Helenístico.

OS SERVOS

É importante discutirmos sobre a escravidão na antiguidade grega, o que não


significa que os servos existiram exclusivamente no período Helenístico, pois as
fontes escritas e as arqueológicas nos permitem conhecer a existência de servos
desde os primórdios da civilização da Hélade. Nesse sentido, a escravidão era
parte da cultura grega, isto é, sempre existiu e era importante para a civilização.
Ao estudar a escravidão antiga, devemos considerar que não havia etnia ou
nação mais comumente escravizada, indivíduos de qualquer sociedade podiam
tornar-se servos. Finley (1989) afirma que ser um escravo era fazer parte dos
bens pessoais de outro homem, ter essa condição reconhecida aos olhos da lei
e da opinião pública.

Domínio Macedônico
114 UNIDADE III

A escravidão foi muito expressiva na Antiguidade Grega, mas não compactuo


com a ideia marxista de Modo de Produção Escravista, haja vista que os escra-
vos trabalhavam lado a lado com homens livres. Além disso, a categoria social
dos servos era heterogênea, pois o escravo poderia ser um “instrumento falante”,
que deveria dar sua força de trabalho e ser considerado quase um ser irracional
ou poderia ter funções e condições de vida melhores do que muitos cidadãos.
As únicas funções que os escravos não poderiam desempenhar eram as políti-
cas. Entretanto, ele poderia ser o rústico trabalhador braçal do campo ou das minas,
desenvolver as funções civis e administrativas nas cidades, e o pastoreio, ou os traba-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
lhos artesanais – que demandavam especialização da mão de obra –, que poderiam
render-lhe melhores condições de vida. Havia também os escravos domésticos, que se
tornavam de confiança de seus senhores e poderiam ser considerados parte das famílias.

Os escravos gregos eram os primeiros pedagogos dos cidadãos abastados da Anti-


guidade grega e romana. Quando as crianças nasciam, eram encaminhadas às servas
para serem amamentadas e, em seguida, encaminhadas a um(a) pedagogo(a)– um(a)
escravo(a) letrado(a) – que dava as primeiras instruções para as crianças até os sete
anos (em média), quando finalmente eram levadas às escolas. Ademais, os(as) peda-
gogos(as) continuavam sua função educativa, pois eram os(as) responsáveis por levar
as crianças até as escolas.
Fonte: a autora.

Conforme Mosse (1994), o comércio de escravos era rentável e muitos membros


da própria cidade poderiam tornar-se escravos de outros cidadãos. Em Atenas,
a escravidão de cidadãos atenienses só se findou com as reformas de Sólon no
século VI a.C. Apesar dessa proibição, os atenienses poderiam escravizar gregos
de outras cidades, pois a escravidão não foi questionada, ao contrário, os gregos
não conseguiam imaginar uma sociedade civilizada sem essa prática.
Caro(a) aluno(a), não sugiro que os homens eram desejosos por tornar-se escravos,
nem que o trabalho escravo era dispensável. O que quero salientar é que a escravidão
não era vista como desumana ou cruel. Ser cidadão livre era ideologicamente desejá-
vel pelos homens, mas a existência de servos era inegável. Os trabalhadores escravos
eram mais numerosos do que os livres, mas não eram exclusivos.

MUNDO GREGO ANTIGO


115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim da terceira unidade. Espero que você tenha
apreciado o estudo sobre a história de uma das civilizações mais conhecidas da
Antiguidade Ocidental, e almejo que você tenha adquirido novos conhecimen-
tos sobre a Grécia e suas organizações política, social, econômica e cultural.
Nesta unidade, a explicação tomou como guia duas cidades helenas – Atenas
e Esparta –, tradicionalmente vistas como rivais. No entanto, vimos que a Hélade
foi espaço de diversas cidades e contato com outros povos. Nossa discussão se
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

baseou na cronologia política ateniense, abordando os primórdios da civiliza-


ção da Hélade, considerando seus aspectos geográficos que contribuíram para
sua constituição fragmentada. Você também pôde conhecer algumas tribos que
foram antecedentes dos gregos.
Em seguida, discorremos sobre a importância dos escritos de Homero para
o período que vai do século XII a.C. ao VIII a.C. e as imprecisões e os cuida-
dos que devemos tomar ao utilizar as epopeias Ilíada e Odisseia como fontes
históricas. Além disso, você aprendeu sobre alguns aspectos da organização da
sociedade do Período Homérico.
Na sequência, vimos que o Período Arcaico demarcou mudanças significa-
tivas no contexto da Hélade, visto que é considerado o momento de nascimento
das cidades e da formação da política.
Observamos que o Período Clássico demarcou, para Esparta, uma continui-
dade do Período Arcaico, porém com o enfraquecimento do poder monárquico
e o fortalecimento do poder oligárquico. Vimos que, para Atenas, simbolizou
um momento de florescimento político e cultural, e a consolidação do modelo
político democrático.
Ademais, vimos o enfraquecimento das cidades-estados gregas e a domina-
ção estrangeira dos macedônios, bem como os servos na Grécia Antiga.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
116

1. A Grécia se constituiu como uma “colcha de retalhos”, isto é, desde o período


do estabelecimento das primeiras tribos na região, a composição era fragmen-
tada. Sobre os aspectos geográficos e a desagregação da Hélade, analise as
afirmativas a seguir:
I. A Hélade se localizava na Península Itálica.
II. A paisagem grega comportava montanhas, vales e planícies.
III. O clima era seco e quente, no verão; no inverno, havia chuvas violentas.
IV. Não havia rios na geografia helena, o que significa que a Grécia era depen-
dente das águas do mar.
Assinale a alternativa correta:
a) III
b) II e III.
c) I, II e III.
d) II, III e IV.
e) I, II, III e IV.
2. O Período Homérico é conhecido como a “Idade das Trevas” grega, não no sen-
tido pejorativo de estagnação política, econômica e cultural, mas por ser um
período pouco “iluminado”, de não haver muitas informações sobreviventes.
Acerca do Período Homérico, analise as afirmativas a seguir e assinale com V, as
verdadeiras, e com F, as falsas:
( ) O período que vai do século XII a.C. até, aproximadamente, o século IX a.C.,
ficou conhecido como “homérico” pelo fato de as únicas fontes escritas so-
breviventes serem as epopeias Ilíada e Odisseia, de Homero.
( ) O Período Homérico só é conhecido pelas epopeias, tendo em vista que
nenhum outro material, de nenhuma outra natureza sobreviveu ao tempo.
( ) No Período Homérico, a sociedade se organizava no oikos e cada uma des-
sas unidades produtivas possuía um rei, o senhor do oikos.
( ) As mulheres não eram relevantes no Período Homérico, visto que suas po-
sições sociais se igualavam as posições dos escravos.
Assinale a alternativa que contenha a sequência correta:
a) V, V, V, V.
b) F, F, F, F.
c) V, F, V, F.
d) V, V, F, F.
e) F, F, V, V.
3. O Período Arcaico Heleno simbolizou diversas mudanças na organização gre-
ga, visto que as cidades começaram a despontar e as figuras dos reis homéricos
desapareceram. Sobre o Período Arcaico, avalie as afirmações a seguir e a rela-
ção proposta entre elas:
117

I. Esparta possuía geografia isolada naturalmente e, no Período Arcaico, a so-


ciedade era essencialmente agrícola. Seu modo de governo era a monar-
quia de dois reis.

PORQUE

II. Atenas era geograficamente mais aberta ao contato com estrangeiros. No


Período Arcaico, deu seus primeiros sinais de urbanização e o governo de-
senvolvido foi o oligárquico.
Assinale a alternativa correta:
a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é justificativa correta da I.
b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é justificativa
correta da I.
c) A asserção I é proposição verdadeira e a II é proposição falsa.
d) A asserção I é proposição falsa e a II é proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.
4. A Grécia Antiga se constituiu de forma fragmentada e cada pólis era indepen-
dente uma da outra. Apesar da constituição desagregada, os gregos se reco-
nheciam como membros de uma mesma sociedade e se reuniam com aspectos
e acontecimentos específicos. Nesse sentido, explique o que era o pan-helenis-
mo e apresente ao menos três exemplos dos momentos pan-helênicos.
5. A Grécia nunca constituiu um império, mesmo em sua política de colonização
ou quando Atenas e Esparta firmaram alianças políticas e militares. No entanto,
a Grécia integrou dois impérios na Antiguidade: o Macedônico e o Romano.
Sobre a dominação dos macedônios, considere as afirmativas a seguir:
I. A Grécia ficou suscetível à dominação dos macedônios depois da Guerra do
Peloponeso, pois com o conflito longo e intenso, a região foi enfraquecida
internamente.
II. Esparta só sucumbiu aos macedônios no ano 222 a.C. Apesar da resistência
à dominação estrangeira, a cidade estava em crise internamente desde o
fim da Guerra do Peloponeso.
III. Atenas sempre foi cobiçada pelos reis macedônios e, apesar de resistirem à
submissão em primeiro momento, foram dominados no final do século IV
a.C. por Alexandre, o Grande.
Assinale a alternativa correta:
a) II.
b) III.
c) I, II.
d) II, III.
e) I, II, III.
118

Demagogos atenienses
A democracia ateniense funcionava baseada na decisão das assembleias e a maioria de seus
membros eram provenientes da demos. Geralmente estas eram poderosas, visto que de-
tinham o poder de escolha e veto, ao mesmo tempo em que aconteciam com frequência.
As assembleias eram heterogêneas, no sentido em que havia homens enriquecidos, que
não faziam parte da aristocracia, e camponeses trabalhadores (os membros mais ricos
e proprietários de terra ocupavam as magistraturas mais respeitadas, ou compunham o
corpo de juízes). Não sabemos qual era o critério para a escolha dos homens que inte-
gravam as assembleias, mas os indícios levam a crer que os mais velhos eram prioritários
a compor os grupos.
As assembleias nunca se repetiam, isto é, havia uma espécie de rodízio dos homens que as
compunham, sobretudo nos períodos de instabilidade; isso significa que alguns ou todos
os membros eram trocados de reunião para reunião. Em tempos de paz, os citadinos eram
os mais comuns a compô-las; em tempos conflituosos, os rústicos se protegiam dentro das
muralhas das cidades e participavam mais ativamente das discussões políticas.
Estas reuniões de cidadãos poderiam manter ou alterar a decisão das reuniões anterio-
res, por exemplo, um mesmo assunto poderia ser debatido três vezes na semana e po-
deria obter três resultados diferentes, perdurando a decisão da assembleia mais recente.
Os pensadores gregos antigos, como Platão e Aristóteles, eram contrários a esse modelo
de governo. Estes filósofos acreditavam que a política deveria ser conduzida pelos mais
abastados, pois estes teriam tempo para a dedicação da política e o treinamento refle-
xivo para deliberar sobre os encaminhamentos das cidades. Os mais pobres eram vistos
como irracionais e levados pela emoção, ou seja, não eram os melhores membros para
compor uma assembleia política importante.
Como explicado anteriormente, a democracia não seguia o ideal platônico ou aristotélico,
pois os populares eram decisivos para os encaminhamentos citadinos. A fim de convencer
essa população, os indivíduos desejosos a assumir os papéis de líderes políticos deveriam
119

ser bons oradores ou ter quem falasse em seus nomes. Estes oradores se apoiavam na
ignorância e na emoção da população, convencendo-a a decidirem a seu favor.
Essas figuras ficaram conhecidas como “demagogos”, a princípio sem sentido pejorativo,
pois “o vocabulário grego era normalmente vago e impreciso, a parte dos títulos formais
para obras individuais ou institucionais” (FINLEY, 1981, p. 14, tradução da autora). O ter-
mo não aparece recorrentemente na literatura grega, mas seu sentido é vivo na menta-
lidade dos indivíduos, conforme apresentado na seguinte passagem:
[...] não há termo mais familiar no panorama ateniense do que o dema-
gogo, e sua sequela: o bajulador, apesar da raridade da palavra. O dema-
gogo é uma figura pejorativa: “conduzir o povo” é conduzi-lo mal (em de-
finitivo, conduzi-lo mal por trás do fracasso no empenho de conduzi-lo
adequadamente). O demagogo se deixa levar pelos próprios interesses,
pelo desejo de possuir o poder e através do poder, enriquecer (FINLEY,
1981, p. 13, tradução da autora).
O demagogo atuava na demos, suas palavras incitavam os populares empobrecidos pe-
los sentimentos e pelas ofertas que, geralmente, não eram possíveis de cumprir. Estes
oradores só existiram devido à democracia, que só funcionou pela atuação dos dema-
gogos, pois dominavam a “arte de falar bem” e não só dissimulavam, como também
deveriam convencer os indivíduos a tomarem boas decisões; o uso da palavra para sa-
tisfazer os próprios desejos não era a regra.
Nem sempre vistos de forma negativa, os oradores foram comuns em quase todos os
períodos políticos atenienses. No entanto, quando a democracia se estruturou, a mani-
pulação de interesses pela palavra se tornou negativa e a figura demagógica se tornou
algo pouco desejável.
Até a atualidade, quando pensamos em políticos que tentam ludibriar os votantes pela
palavra, pejorativamente atribuímos a ele o título de “demagogo”, sem compreender
que o sentido original do título não era completamente ruim.
Fonte: adaptado de Finley (1981).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Grécia e Roma (2018)


Pedro Paulo Funari
Editora: Contexto
Sinopse: Grécia e Roma é uma excelente porta de entrada para o leitor
conhecer a Antiguidade Clássica, que tanta influência teve – e ainda tem
– na civilização ocidental. A obra segue uma sequência clara e trata de
aspectos essenciais a respeito do período, destacando os elementos que
permanecem importantes nos dias de hoje.
Comentário: disponível na Biblioteca Pearson.

300
Ano: 2007
Sinopse: Grécia, 480 a.C., na Batalha de Termópilas, no contexto das
Guerras Médicas, o rei Leônidas e seus 300 guerreiros de Esparta lutam
bravamente contra o numeroso exército do rei persa Xerxes. Após três dias
de muita luta, todos os espartanos são mortos. O sacrifício e a dedicação
destes homens uniram a Grécia no combate contra o inimigo persa.

Núcleo de Estudos da Antiguidade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NEA-UERJ), que


disponibiliza trabalhos online e divulga eventos específicos sobre Antiguidade Clássica.
Web: http://www.neauerj.com/.

A Areté é uma ONG que tem por missão fomentar a cultura helênica no Brasil. Promove palestras,
cursos e grupos de estudos sobre diferentes temáticas relacionadas à Grécia antiga e atual.
Web: http://www.arete.org.br/.
121
REFERÊNCIAS

BANHOS, A.; ROCHA, J. Grécia Antiga. In: VENTURINI, R. L. B. (org.). Antiguidade


Oriental e Clássica: economia, sociedade e cultura. Maringá: Eduem, 2010.
BOWDER, D. Quem foi quem na Grécia Antiga. São Paulo: Art Editora, 1982.
CEOLA, A. A. A Construção das Imagens dos Imperadores Galba, Otão e Vitélio
por Tácito e Plutarco. 2017. 177 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2017.
COULANGES, F. A Cidade Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FINLEY, M. I. Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1963.
FINLEY, M. I. Demagogos Atenienses. In: FINLEY, M. I. (org.). Estudios sobre Historia
Antigua. Madrid: Akal, 1981.
FINLEY, M. I. A civilização grega era baseada no trabalho escravo? In: FINLEY, M. I.
Economia e Sociedade na Grécia Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura Clássica Grega e Latina. São Paulo:
Jorge Zahar, 1986.
JARDÉ, A. A Grécia Antiga e a Vida Grega. São Paulo: Edusp, 1977.
MOSSE, C. Atenas: a história de uma democracia. Brasília: Editora UnB, 1987.
MOSSE, C. A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo. Lisboa: Edições 70, 1989.
MOSSE, C. O Homem e a Economia. In: VERNANT, J. P. (org.). O Homem Grego. Lis-
boa: Presença, 1994.
VIDAL-NAQUET, P. O Mundo de Homero. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹ Em: https://en.wikipedia.org/wiki/Ancient_Greece#/media/File:Map_of_Archaic_
Greece_(English).jpg. Acesso em: 21 maio 2019.
² Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Licurgo_de_Esparta#/media/File:Lycurgus.jpg.
Acesso em: 22 maio 2019.
³ Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Menelau#/media/File:Brogi,_Giacomo_(1822-
1881)_-_n._4140_-_Roma_-_Vaticano_-_Menelao_-_Busto_in_marmo.jpg. Acesso
em 22 maio 2019.
GABARITO

1. Alternativa B.
2. Alternativa C.
3. Alternativa B.
4. O pan-helenismo é traduzido como os momentos específicos de unificação da
Hélade. Essa união não significa que todos se submetiam aos mesmos governos,
mas se constituía de interesses em comum ou de encontros geográficos dos su-
jeitos habitantes da Hélade. Alguns dos elementos considerados pan-helênicos,
além da língua, da religião e dos costumes em comum, podemos mencionar o
oráculo de Delfos, a cidade de Olímpia – que promovia diversos jogos (jogos
olímpicos para Zeus, jogos Pítios, jogos Istímicos, Nemeus e o oráculo de Don-
dona) –, as Guerras Médicas e a Guerra do Peloponeso.
5. Alternativa E.
Professora Me. Adriele Andrade Ceola

O MUNDO ROMANO

IV
UNIDADE
ANTIGO

Objetivos de Aprendizagem
■ Discutir como se deu a fundação de Roma nas versões mitológica e
historiográfica;
■ Esclarecer o regime político monárquico;
■ Explicar o funcionamento político e social republicano, os conflitos
internos e externos, até a morte do ditador Júlio César;
■ Apresentar as transformações políticas, sociais e econômicas na
República que resultaram no modelo político imperial e suas duas
fases: Principado e Dominato.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Fundação de Roma;
■ Os tempos da realeza;
■ O Período da República Romana;
■ O Império Romano.
125

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) ao estudo da civilização que se desenvol-


veu na parte ocidental do mundo antigo: a Roma Antiga.
Roma, ao lado da Grécia, é tradicionalmente lembrada como o “berço da
civilização ocidental”, pois muitos dos aspectos dessa sociedade antecederam
características das sociedades atuais, como o latim – mãe de diversas línguas
vernáculas atuais –, os demasiados países que se modelam no estilo republicano,
variadas leis, que se baseiam no direito romano, até o nascimento do cristianismo,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

entre outros. No entanto, devemos ter cautela e estudar a sociedade romana em


seu tempo e espaço, a fim de evitar o anacronismo, pois é incorreto pensar que
todos os elementos supracitados são exatamente iguais na atualidade e que pos-
suem os mesmos objetivos que os da Antiguidade.
Dentre todas as civilizações estudadas até o momento, Roma é a que mais nos
legou fontes de informação, visto que é considerada a última civilização antiga
antes da Idade Média Ocidental, mas isso não significa que as lacunas estejam
preenchidas e que haja abundância de documentos.
Diferente das demais civilizações estudadas neste livro, a academia brasileira
possui grupos de estudos tradicionais acerca de Roma, que organizam eventos
e mantém revistas acadêmicas.
Nesta unidade, o estudo sobre a civilização romana abrangerá a política, a
economia, a sociedade e a cultura organizadas em uma divisão temporal baseada
nos modelos políticos romanos antigos, o que significa que veremos a funda-
ção de Roma, o período da Realeza (ou Monarquia), a República e o Império.
Desejo-lhe bons estudos!

Introdução
126 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O Coliseu, Roma, Itália.

FUNDAÇÃO DE ROMA

Para facilitar sua compreensão, dividimos a história de Roma de acordo com


seus modelos políticos. Vale destacar que os períodos não devem ser compre-
endidos de forma literal nem como divisões temporais rígidas, mas como uma
organização para o auxílio na localização do tempo e do espaço dos estudos.
Assim, você estudará:
■ Período Monárquico ou Realeza: séculos VIII a.C. a VI a.C. – período de
estabelecimento dos primeiros povos na região do rio Tibre e o governo
dos setes reis de Roma;
■ República: séculos VI a.C. a I a.C. – período de expansão territorial e de
governo político dos magistrados e dos senadores;
■ Império: século I a.C. a V a.C. – período de governo dos magistrados, dos
senadores e do imperador, e de conquistas imperiais até o século II d.C.

Esclarecida a divisão, tradicionalmente, a fundação de Roma é aceita no ano 753


a.C., isto é, no século VIII a.C., o que indica que Roma teve mais de mil anos de
existência. No entanto, não devemos nos apegar às datas, pois podem não ser
precisas e devem ser utilizadas para auxiliar-nos na localização temporal. Além
disso, a história da fundação de Roma é obscura e possui duas versões: a lendá-
ria – vista como oficial para os romanos – e a historiográfica – defendida nos
estudos atuais como mais próxima da realidade.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


127

A versão lendária possui quatro fontes históricas principais: Virgílio (70 a.C.-19
a.C.), Tito Lívio (59 a.C.-19 d.C.), Dionísio de Halicarnasso (viveu entre os séculos
I a.C. e I d.C.) e Dião Cássio (155 d.C.-229 d.C.). Os autores apresentam pontos
em comum da criação de Roma, o que nos indica um consenso sobre a versão.
Conforme Grimal (2011), os romanos acreditavam que Eneias – possivel-
mente filho da deusa Vênus –, um dos mais importantes guerreiros troianos que
sobreviveu à Guerra de Troia, juntamente de seus guerreiros e únicos sobrevi-
ventes da guerra, empreendeu diversas viagens até chegar à região do Láscio, na
província itálica, à direita do rio Tibre. Eneias casou-se com Lavínia, filha do
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

rei latino local, e ali perpetuou sua descendência, criando o reino de Alba com
a mistura dos sangues troiano e latino.
Durante cerca de 500 ou de 400 anos, o reino de Alba viveu em relativa
paz, até o momento em que houve uma conspiração no interior da família pela
herança do trono, que fez com que muitos varões fossem assassinados e as moças
fossem obrigadas a se tornarem vestais. Reia Sílvia, que era a filha do rei deposto
e sobrinha do rei usurpador, e podia gerar varões herdeiros legítimos da realeza,
foi obrigada a tornar-se uma vestal, mas acabou envolvendo-se com Marte –
deus da guerra – e, desse relacionamento, nasceram os gêmeos Rômulo e Remo.

Na religião romana, as vestais eram as filhas virgens dos reis no período mo-
nárquico, incumbidas da preservação do fogo no templo de Vesta, a lareira
do Estado. Elas preparavam o bolo de sal para várias festas públicas e ti-
nham sob custódia certo número de objetos sagrados.
As vestais, de início, escolhidas nas famílias patrícias, eram quatro, viviam em
uma casa perto do Fórum e recebiam um estipêndio para seu sustento. Se
fossem consideradas culpadas de faltar à castidade, eram enterradas vivas em
uma câmara subterrânea, situada perto da porta da Colina. Após 30 anos de
serviço, elas retornavam à vida privada. Existiram em Alba e em Roma.
Fonte: adaptado de Harvey (1986).

Fundação de Roma
128 UNIDADE IV

O tio de Reia, rei de Alba, ciente da existência dos meninos, lançou-os no


rio Tibre em um cesto de vime. Com o auxílio dos deuses, os bebês chegaram
até o Palatino, onde foram acolhidos e amamentados pela Lupa Capitolina (Loba
Capitolina), até o pastor Fáustulo encontrá-los e criá-los como seus próprios filhos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 1 – Estátua de bronze da Loba Capitolina e os gêmeos Rômulo e Remo – Museu do Capitólio, Itália

Depois de adultos, Rômulo e Remo se dirigiram até Alba e assassinaram o rei cul-
pado por tê-los separado de sua mãe. O reino de Alba desapareceu das fontes de
informações, mas é possível que tenha persistido fragilizado pela crise política. Não
há fontes de informação que atestem que os gêmeos tenham governado a cidade.
Rômulo e Remo decidiram fundar a própria cidade, na região do Láscio, no
alto do Palatino, na planície do rio Tibre, no ano 753 a.C., de acordo com Catão,
o velho (234 a.C.-149 a.C). O local era desértico e pantanoso, isto é, precisou ser
drenado e trabalhado para atrair indivíduos para a região, além dos albaneses
que os seguiram após a morte do rei de Alba. Ademais, uma fronteira sagrada,
conhecida como pomerium, foi estabelecida em torno da cidade.
Remo tinha o desejo de criar a cidade no monte Aventino e não no Palatino,
onde foram encontrados por Fáustulo. Para Rômulo, essa atitude era vista como
desrespeitosa para com as fronteiras sagradas, então recorreram aos auspícios

O MUNDO ROMANO ANTIGO


129

divinos. Os sinais foram ambíguos, os gêmeos acabaram brigando, e Rômulo


acabou matando Remo. Caro(a) aluno(a), aqui, vale destacar que apesar dessa
atitude extrema por parte de Rômulo, ele não foi visto como mau, mas sim o
vitorioso de uma disputa, visto que ele estava acima dos humanos comuns, pois
descendia de Vênus e era filho de Marte, ou seja, era quase um deus.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Os romanos não possuíam muitas informações sobre seu passado, então


buscavam explicações nos mitos e nas lendas. O heroísmo de Eneias, consi-
derado grandioso, era visto como um ponto de equilíbrio com o crime co-
metido por Rômulo contra seu irmão gêmeo, Remo.
Fonte: adaptado de Pereira (1984).

Essa é a versão lendária e oficial para os romanos sobre a criação de Roma. A versão
historiográfica é menos fantástica, porém mais cientificamente aceitável. De acordo
com Corassin (2001), Roma se localizava em um local estratégico: foi constituída às
margens do rio Tibre, seu litoral era banhado pelo Mar Mediterrâneo, à leste, havia
acesso ao canal para o Mar Negro, ao norte, seus vizinhos eram os etruscos, outros
vizinhos territoriais eram os sabinos e os sicilianos – de cidades expressivas economica-
mente. Em resumo, um local cosmopolita e possuidor de rotas comerciais importantes.
Pereira (1984) afirma que Roma teve origem modesta, em uma região de
colina e de pântanos; local distante o suficiente do mar para não sofrer ataques de
piratas e de saqueadores, bem como protegido por suas colinas e próximo a um
rio. A população que deu origem a Roma foi um entrelaçado de povos latinos,
gregos, asiáticos e africanos, que se misturaram e renderam uma cultura única.
A seguir é possível visualizar um mapa aproximado da constituição das cidades:

Fundação de Roma
130 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 2 – Mapa da Itália durante o século IV a.C.


Fonte: Wikipédia (2015, on-line)¹.

A constituição populacional e a etnia local provavelmente foram compostas


por latinos, gregos, etruscos, sabinos, asiáticos e africanos. Por ser um ponto de
encontro de importantes rotas comerciais, juntamente com o poderio militar,
Roma se consolidou e cresceu de forma expressiva e rápida na região da Itália e
em pouco tempo se tornou a cidade mais importante da região.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


131

OS TEMPOS DA REALEZA

Os séculos da Realeza, também conhe-


cidos como Monarquia, coincidem com
a fundação oficial de Roma por Rômulo,
que compreende do século VIII a.C. até o
estabelecimento da República no século
VI a.C. O segmento de tempo que com-
põe esse período é obscuro, visto que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

não há fontes escritas contemporâneas


que atestem os fatos, mas sim documen-
tos arqueológicos e escritos posteriores.
Em consonância com os autores
contemporâneos da República e do
Império, sobretudo Tito Lívio, o perí-
odo da Realeza teve o governo de sete
reis de origens romana, sabina e etrusca.
Todavia, essa quantidade de reis para
um período de cerca de 250 anos de
Monarquia, somado ao fato de que
alguns monarcas apresentados na lite-
ratura são fictícios, indica-nos que é
provável que tenha havido mais de sete
reis e as informações sobre eles tenham
se perdido.
Os sete reis romanos foram: Rômulo, de origem lendária; Numa, de ori-
gem sabina; Túlio Ostílio, de origem latina e sabina, isto é, um romano; Anco
Márcio, descendente de etruscos e de gregos; Lúcio Tarquínio, etrusco; Sérvio,
um ex-escravo romano; Tarquínio, o Soberbo, de origem etrusca. Como é pos-
sível observar, poucos foram os reis de origem romana, o que significa que havia
forte presença estrangeira em territórios romanos.

Os Tempos da Realeza
132 UNIDADE IV

Caro(a) aluno(a), neste momento, nosso estudo se delineará no estilo de “anais”,


isto é, basearemos a discussão do período da realeza conforme o governo de cada rei,
visto que são os dados que possuímos atualmente e com mais clareza. Além disso,
O rei não era um personagem qualquer, elevado ao trono por acaso e
mantido no posto apenas pela subserviência de seus súditos. Era desig-
nado pelos deuses, e mais, era a imagem viva do grande deus da cidade,
esse Júpiter que a tudo domina do alto do Capitólio, uma das colinas vi-
zinhas do Platino. O poder do rei espelhava somente a onipotência de Jú-
piter; portanto não é de se espantar que Rômulo, quando desapareceu do
mundo dos vivos, fosse considerado um deus (GRIMAL, 2011, p. 19-20).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O rei foi a figura central do período da Monarquia, seu poder era considerado
o reflexo do poder do mais importante deus do panteão romano: Júpiter (Zeus,
na mitologia grega). Dialogando com a colocação de Grimal (2011), Corassin
(2001) assevera que o rei detinha os poderes militar e religioso, bem como usava
a toga de cor púrpura, coroa de louro, cetro, litores e trono de marfim, tudo para
assemelhar-se a Júpiter – o rei dos deuses.
Como já mencionado anteriormente, Rômulo, o fundador da cidade, foi
o primeiro monarca. Suas principais medidas foram para a consolidação e a
estruturação de Roma. De acordo com Grimal (2011), os primeiros moradores
romanos eram pastores e camponeses empobrecidos. Para conseguir mais cida-
dãos para a cidade, o primeiro rei prometeu asilo aos criminosos e aos fugitivos;
como consequência, aventureiros de toda a parte se dirigiram a Roma, sendo eles
criminosos ou homens esperançosos de conseguirem terras para sair da misé-
ria. Em poucos anos, Roma havia crescido e a planície do rio Tibre não era mais
suficiente, como podemos averiguar na colocação a seguir:
O vilarejo do Palatino logo se revelou insuficiente. As colinas vizinhas, o
Quirinal, o Viminal, o Esquilino e o Aventino, foram desbravadas; houve
um esforço para secar os vales pantanosos e, em alguns anos, Roma já era
uma cidade apresentável, que comportava vários bairros, uma praça, o
Fórum, onde se reuniam os cidadãos e, sobretudo, uma arena vastíssima,
onde eram realizadas as corridas de biga (GRIMAL, 2011, p. 23).

No reinado de Rômulo, Roma se tornou uma cidade e consolidou muitas de suas


características alcançando crescimento expressivo em pouco tempo. O problema desse
crescimento populacional foi que pessoas do sexo masculino se dirigiram a Roma em

O MUNDO ROMANO ANTIGO


133

busca de novas oportunidades de sobrevivência, contudo, quase não havia mulheres


em meio a eles, então não havia crescimento populacional natural e, em pouco tempo,
os cidadãos romanos morreriam. Nenhum homem com algum nome nas cidades vizi-
nhas desejava entregar suas filhas aos romanos, pois eram homens de passado duvidoso.
O plano do primeiro rei de Roma para acabar com o problema era convidar
os sabinos – os pais de família e suas famílias –, que ocupavam uma região vizinha
da cidade para uma festividade em honra ao deus Netuno. Enquanto os homens
se divertiam com os jogos e as corridas, os romanos raptaram as donzelas e as
desposaram. Este episódio gerou grande guerra entre sabinos e romanos, que se
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findou com a interseção das sabinas desposadas, implorando para que genros e
sogros não se matassem, visto que, caso isso ocorresse, ficariam desamparadas. O
resultado do acontecimento foi a unificação de Sabina e Roma em uma só cidade.
No campo político, Rômulo não governou sozinho, visto que seus poderes
eram mais concentrados na religião e nas forças bélicas. Corassin (2001) escreve
que havia estrutura aristocrática de auxílio ao rei, isto é, um conselho de anci-
ãos (patres familias), com amplos poderes políticos, inclusive de escolher os reis
– esse conselho poderoso ficou conhecido como Senado. Havia divisão social
baseada em tribos, conhecidas como cúrias, compostas por cidadãos romanos,
com direito a participar da política e recrutados para o exército.
Rômulo desapareceu misteriosamente e o Senado escolheu Numa, um homem
em idade avançada e pacífico. De acordo com Grimal (2011), os romanos esta-
vam esgotados do temperamento guerreiro do primeiro rei e desejavam mais
passividade e organização interna. O segundo rei se baseava na religião para o
governo, inclusive é lembrado por conversar com as Musas. Ele foi responsá-
vel por estruturar o modelo político romano, criar leis e definir a religiosidade
romana, em suma, foi considerado um sábio.
O próximo rei romano foi Túlio Ostílio, que tinha como seus antecedentes
os latinos e os sabinos, o que fazia dele romano. Tal qual Rômulo, ele foi um rei
guerreiro, desejoso por expandir o poderio e os territórios romanos. Uma de
suas ações mais lembradas foi a guerra contra Alba, a cidade havia se recons-
truído e era considerada a capital do Láscio. Como resultado do conflito, Roma
e a Etrúria passaram a ser as cidades mais importantes da região.

Os Tempos da Realeza
134 UNIDADE IV

O sucessor de Túlio Ostílio foi Anco Márcio, meio etrusco e meio grego, que
manteve Roma estável, sem muitas alterações comparadas ao governo do último
rei. Harvey (1986) afirma que, durante seu governo, realizou pequenos anexos
territoriais, por exemplo, incorporou a região da Óstia (cidade mais próxima do
litoral oeste) ao domínio romano.

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Figura 3 – Sítio Arqueológico da antiga cidade de Óstia, próximo a Roma

Após a morte do quarto soberano de Roma, a cidade passou a estar sob o domí-
nio etrusco. Devido à antiguidade da civilização etrusca, não sabemos ao certo sua
origem, apenas que foi estabelecida no Láscio, na atual região da Toscana. As infor-
mações que possuímos é que foi uma cidade forte militarmente, que dominou uma
região considerável da Península Itálica e do norte da África. Apesar do aspecto
bélico, Grimal (2011) assevera que foi como culto aos mortos bem desenvolvido.
O quinto rei de Roma foi Lúcio Tarquínio, também nominado como Tarquínio
Prisco, um etrusco, sem antecedentes romanos. O monarca priorizava o incentivo

O MUNDO ROMANO ANTIGO


135

ao luxo, à riqueza, ao comércio, à urbanização e ao artesanato – elementos que


não correspondiam ao ideal e ao estilo de vida dos patres. Isso levou à conspira-
ção dos romanos de nascimento, que compunham o Senado e as magistraturas,
a assassiná-lo depois de pouco tempo de governo.
Após esse período de governo de um rei estrangeiro e pouco preparado a condu-
zir Roma, o rei seguinte tem origem obscura, provavelmente oriundo de Roma. Seu
nome era Sérvio, um ex-escravo. Sua subida ao poder foi considerada uma interven-
ção dos deuses, pois quando Tarquínio Prisco se encontrava no poder, uma vidente
previu que Sérvio um dia se tornaria rei. Após o mau governo do quinto monarca,
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o ex-escravo foi aclamado e acolhido como o novo soberano. Seus feitos são marca-
dos pelo investimento na defesa da cidade e, além disso, reorganizou as cúrias em
número de cinco, de acordo com a fortuna, haja vista que eram organizadas por
região. Essa nova divisão social determinava a tributação e a posição no exército.
Sérvio foi substituído por Tarquínio, o Soberbo, de origem etrusca. Este
soberano não foi descrito como bom governante, tendo em vista seu orgulho
exacerbado, somado ao desgosto de sua origem estrangeira por parte dos patres.
Não há informações suficientes sobre seu governo, apenas que mantinha aliança
próxima com a Etrúria.
O fim dos tempos da Realeza veio juntamente com a expulsão de Tarquínio.
A narrativa para este fato é literária e provavelmente fantasiosa, haja vista que a
historiografia atribui à sua expulsão parte da dizimação da dominação estran-
geira sobre Roma. A versão lendária comporta a narrativa de que um dos filhos
do rei, cujo nome era Sexto Tarquínio, desonrou a esposa de seu primo em fun-
ção de uma aposta e esta mulher, chamada Lucrécia, por ser respeitável, cometeu
suicídio. De acordo com Corassin (2001), o escândalo foi a público, uma revolta
popular aconteceu e os Tarquínios foram expulsos.
Não sabemos ao certo se a versão da desonra de Lucrécia é verídica, mas se o
episódio realmente aconteceu, serviu como estopim para a expulsão dos etruscos
de Roma, pois o fato é considerado o marco da retomada da liberdade romana.

Os Tempos da Realeza
136 UNIDADE IV

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O PERÍODO DA REPÚBLICA ROMANA

Após a expulsão de Tarquínio, o Soberbo, Roma teve a pretensão de erradicar a


monarquia com o pretexto de que ela rendia tiranos – com o sentido pejorativo
do termo – e retirava a liberdade do povo. O ano 509 a.C. foi aceito como o ofi-
cial do início da República.
Para prevenir o retorno da Monarquia, o poder que cabia ao rei foi divi-
dido entre dois cônsules – eram eleitos na assembleia do povo e governavam
por um ano –, que deveriam vigiar um ao outro, para que nenhum homem reu-
nisse poder exacerbado.

É constante no período da República o uso dos termos povo, população


e cidadãos de Roma. Você já parou para pensar se todos os habitantes de
Roma faziam parte do povo romano?

Res Publica, etimologicamente, significa “coisa pública”, isto é, elemento comum a


todos. O termo poderia ser utilizado para as leis, os cidadãos, os costumes, a política,
a religião, enfim, para tudo o que fosse comum aos romanos. Foi empregado para o
modelo de governo instaurado durante o século VI a.C., pois o poder passou para as
mãos do “Senado e o Povo de Roma” (SENATVS POPVLVSQVE ROMANVS - SPQR).

O MUNDO ROMANO ANTIGO


137

A “democracia” decorrente nesse momento em Roma é completamente dife-


rente do que decorreu na Grécia, assim como é distinta do que pensamos na
contemporaneidade, haja vista que um grupo restrito tinha o direito de partici-
par das magistraturas e as assembleias populares eram inicialmente compostas
por patrícios e, posteriormente, foram aceitos plebeus de origem abastada.
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O termo República não era utilizado pelos romanos para denominar o governo
entre 509 a.C a 27 a.C.; o conceito foi simplificado pelos estudos historiográfi-
cos posteriores para fins didáticos de localização temporal, visto que os roma-
nos sempre consideraram qualquer de seus períodos como uma res publica,
pois chamavam os seus modelos políticos de “união dos interesses comuns”.
Fonte: adaptado de Mendes (2006).

De acordo com Salcedo (2010), a República Romana pode ter vivenciado três eta-
pas: Aristocrática (políticos eram exclusivamente patrícios), Democrática (plebeus
conquistaram alguns cargos e participaram de decisões políticas) e Decadente
(concentração de poderes nas mãos de poucos líderes políticos e militares).
Elucidada as características iniciais do modelo republicano, podemos con-
siderar que, ao expulsarem os etruscos, os romanos romperam os acordos
diplomáticos com quase todas as cidades do Láscio. Tarquínio, o soberbo bus-
cou abrigo na Etrúria e conseguiu alianças militares para reconquistar seu poder.
Grimal (2011) aponta que este conflito parecia ser o fim para Roma, pois eram
menos equipados e em menor número, mas eram mais fortes e corajosos; ape-
sar desse heroísmo apresentado nas fontes, a vitória dos romanos foi alcançada
por questões geográficas, visto que os rivais invadiram o território romano sem
conhecer o espaço.
O início da República sinalizou um período de crise econômica, – sobretudo
sobre os plebeus – com perda de homens nas batalhas e falta de aliança com as
cidades vizinhas. A solução para a recuperação foi a política imperialista, a fim
de conquistar povos, territórios e, consequentemente, riquezas.

O Período da República Romana


138 UNIDADE IV

O primeiro empreendimento expansionista de Roma se deu na Itália, no


século III a.C. Os romanos incorporaram toda a Península Itálica em seu sis-
tema; as cidades desta região deveriam prestar contas a Roma e render soldados,
no entanto a população local não era considerada cidadã romana e aqueles que
alcançavam a cidadania eram vistos como cidadãos de segunda classe (latinos).
Somente os senadores – que eram considerados verdadeiros cidadãos de nas-
cimento – tinham o direito de ocupar o posto de cônsul. De acordo com Corassin
(2001), os patres familias se aproveitaram do pretexto de devolver a liberdade a
Roma para assumir todas as magistraturas políticas e legislativas, bem como os

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poderes sacerdotais, e excluir os plebeus do poder.

Os patres familias eram considerados os verdadeiros cidadãos de Roma, pois


descendiam dos primeiros habitantes da planície do Tibre, possuíam proprie-
dades agrárias e realizavam cultos domésticos aos antepassados. Eram estes
homens os “patrícios”, verdadeiro povo de Roma.
Por conseguinte, havia os plebeus, homens de origem estrangeira. Estes não
eram necessariamente pobres, visto que havia plebeus tão ricos quanto os
patrícios, mas eram ideologicamente inferiores por não descenderem dos pri-
meiros habitantes de Roma.
Fonte: a autora.

Com poucos poderes, servindo de soldados para o exército e enfrentando a crise


de Roma estavam os plebeus. Caro(a) aluno(a), chamamos aqui a sua atenção
para compreender que as ordens sociais romanas eram definidas pelas ideias e
não pela materialidade, pois muitos dos plebeus eram tão ricos quanto os patrí-
cios, mas, por serem vistos como inferiores, sofriam como os plebeus pobres.
Apesar da heterogeneidade da ordem social plebeia, grande parte desses
indivíduos era pobre e, devido à crise econômica que assolava Roma, eram escra-
vizados por senadores e não possuíam poder legislativo para alterar a situação. O
resultado foi o conflito entre patrícios e plebeus. Estes se retiraram das cidades
e pararam com suas funções e, como consequência, o número de trabalhado-
res citadinos, a mão de obra camponesa e o número de soldados diminuíram.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


139

Para resolver a situação, a plebe reivindicava uma magistratura que pudesse


ser ocupada por plebeus e que pudesse haver relações entre eles e os patrícios,
sobretudo pelo casamento. Aproximadamente, no ano 287 a.C. chegou ao fim a
divisão social entre patrícios e plebeus (CORASSIN, 2001).

A Lei das Doze Tábuas foi um código do direito romano composto por vol-
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ta de 450 a.C., por cidadãos de Roma para atender aos anseios dos plebeus.
Teve inspiração na legislação grega, sobretudo a de Sólon, porém não alte-
rava profundamente as leis romanas, mas se constituía de forma escrita, o
que já ocorria na sociedade – e simbolizou avanço no campo jurídico.
Fonte: adaptado de Pereira (1984).

No decorrer dos séculos de período republicano, Roma passou por diversos con-
flitos no campo político e por todo o período novas magistraturas foram criadas.
No quadro a seguir é possível visualizar algumas das funções e de suas atribuições:
Quadro 1 – Cargos públicos da República Romana

MAGISTRATURA DURAÇÃO ATRIBUIÇÕES


Magistrado superior em política, admi-
Consulado Um ano
nistração e comando militar.
Censo: recenseamento dos cidadãos,
elaboração das listas de cavaleiros e
A cada cinco anos, album do Senado.
Censura
por 18 meses
Censura: exame dos costumes e ges-
tão do patrimônio do Estado.

Competência judiciária e política em


Pretura Um ano Roma. Comando militar. Governo de
Província a partir do século I a.C.

Auxiliares dos magistrados superio-


Questura Um ano res, com encargos financeiros e de
gestão do Tesouro.

O Período da República Romana


140 UNIDADE IV

Superintendência dos mercados e


Edilidade Um ano
vias públicas. Organização de jogos.
Um ano Competência geral, podendo vetar
Tribunado da (criado após a luta todo ato de um magistrado e opor-se
Plebe entre patrícios e às decisões do Senado. Direito de
plebeus) propor plebiscitos.
No máximo seis Indicado em caso de guerra ou de revo-
Ditadura
meses lução, em ocasiões excepcionais.
Fonte: adaptado de Corassin (2001).

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A EXPANSÃO IMPERIALISTA REPUBLICANA

As conquistas romanas na Península Itálica fizeram com que a cidade se fortale-


cesse e se tornasse uma espécie de capital da região. Esse crescimento despertou
a rivalidade entre Roma e Cartago.
Cartago era uma cidade um pouco mais antiga do que Roma, descendente
dos fenícios, havia desenvolvido o comércio e possuía uma marinha poderosa,
com inúmeros navios. De acordo com Grimal (2011, p. 60), os cartaginenses não
admitiam concorrência, principalmente na questão comercial, e, dessa forma,
afundavam navios rivais e dizimavam a população que os ameaçasse. Para evi-
tar o confronto com Roma, firmaram um acordo com os romanos, de que não
poderiam intervir ou invadir a Sicília e a Sardenha, que funcionavam como pon-
tes comerciais.
O acordo foi desrespeitado por Roma, atendendo aos pedidos dos sicilianos,
que acusavam os cartaginenses de tirania. Além disso, os romanos ambiciona-
vam o trigo, o tesouro e o ponto estratégico das duas ilhas, expulsando, assim,
os cartagineses da Sicília e da Sardenha. Como resultado, iniciou-se um conflito
de três fases entre Roma e Cartago, que ficou conhecido como Guerras Púnicas.
A Primeira Guerra Púnica aconteceu entre 264 a.C. e 241 a.C.: Roma era infe-
rior no sentido bélico, perdendo grande parte de sua frota naval com os confrontos
no mar e por tempestades. Contudo, os romanos saíram vitoriosos, pois concen-
traram suas forças nos territórios siciliano e sardenho, conseguindo expulsar os
cartaginenses.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


141

A Segunda Guerra Púnica durou de 218 a.C. a 200 a.C.: foi o momento de
atuação de Aníbal, de Cartago. Ele havia gestado uma rivalidade contra Roma
e começou sua fase do conflito tomando muitos territórios que pertenciam aos
romanos. Estes adotaram uma estratégia mais branda, o que significa que fir-
maram alianças diplomáticas com povos vizinhos, e, aos poucos, expulsaram a
força cartaginesa de seus domínios.
A Terceira Guerra Púnica, e última fase do conflito, aconteceu entre 149 a.C.
e 146 a.C., e simbolizou o fim de Cartago. Apesar das derrotas sofridas, a cidade,
descendente dos fenícios, conseguiu manter-se ativa comercialmente, porém
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subordinados a Roma. A atividade comercial simbolizava ameaça para a capital


da Península Itálica, que empreendeu uma retaliação e acabou com a cidade de
Cartago. É desse período a famosa frase proferida por Catão, o velho: “Delenga
Carthago” (“Cartago deve ser destruída”).
Ao fim das Guerras Púnicas, Roma havia tornado-se a grande potência do
Mediterrâneo. Seus domínios cresceram expressivamente, como é possível visu-
alizar na seguinte colocação:
No decorrer do século II a.C. as legiões romanas submeteram a Mace-
dônia durante a Terceira Guerra Macedônica (171-168 a.C.), destruí-
ram Cartago no final da Terceira Guerra Púnica (de 149 a 146 a.C.),
submeteram a maior parte da península Ibérica e ocuparam a Grécia
em 146 a.C. Os territórios ocupados foram anexados ao Estado romano
e organizados em forma de novas províncias: a Hispânia em 197 a.C., a
Macedônia em 148 a.C. e a província da Ásia (antigo reino de Pérgamo)
em 133 a.C. (CORASSIN, 2001, p. 37).

Isso significa que as guerras e os enfrentamentos foram rentáveis ao Estado


romano. Ao derrotar seus rivais, Roma passava a atuar sobre os territórios pela
tributação, pela ocupação ou pelos saques. As conquistas também simbolizavam
terras férteis, minas, trabalhadores, novos mercados, novos ricos e uma propul-
são ao crescimento do número de escravos. É importante destacar que Roma
estava presente sobre os territórios derrotados, mas não suprimiu os costumes
locais; por vezes, até incorporavam algumas características.
Ao mesmo tempo em que as anexações de territórios foram benéficas a
Roma, também transformaram suas estruturas, principalmente a social, como
podemos observar na colocação a seguir:

O Período da República Romana


142 UNIDADE IV

Em Roma, a ideia imperialista pouco a pouco conquistava uma par-


te dos senadores e dos cidadãos. Muitos soldados, depois de anos de
guerra, não se acostumavam mais com a rotina do trabalho no campo.
Os oficiais não queriam renunciar às novas oportunidades de glória e
de butim (saque), e os negociantes itálicos e fornecedores do exército
queriam novas chances de comércio. A Itália começou a ter interesses
econômicos no Oriente (CORASSIN, 2001, p. 37).

Isso quer dizer que Roma havia consolidado um corpo militar forte, que, diante
das riquezas encontradas nas conquistas territoriais, não conseguiria estabele-
cer-se nos trabalhos campestres. A República romana estava em marcha para a

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conquista da maior parte do mundo conhecido.
O enriquecimento de Roma estava concretizado no prestígio da aristocracia
descendente dos patrícios, isto é, no poder do Senado, haja vista que os senadores
eram os comandantes das batalhas vitoriosas. A fim de se distinguirem dos demais
homens, no ano 180 a.C. foi criada uma ordem social para os aristocratas, a cha-
mada ordo senatorius (ordem senatorial). Os indivíduos desta ordem se destacavam
pela riqueza, pelas propriedades agrárias, pela política, pelos privilégios recebidos
do Estado e pela distinção pessoal, o que significa que construíram uma identi-
dade própria. Além disso, para a vida pública, foi criado o cursus honorum e os
sujeitos pertencentes à ordem senatorial percorriam a carreira política progressiva-
mente, da qual a última (e mais honrosa) magistratura alcançada era o consulado.
A ordo senatorius se perpetuava hereditariamente, porém não era enrijecida,
visto que era possível os homine novi ascenderem até ela. Era considerado homo
novvs o homem de origem plebeia ou provincial, que detinha riqueza suficiente
para custear a magistratura política e possuía uma educação semelhante à dos
senadores para serem aceitos na categoria. Vale assinalar que um homem que
havia sido escravo, mas que se encontrasse na condição de liberto, jamais entra-
ria para a ordem dos senadores.
Os membros da ordem deveriam deter suas riquezas de fontes seguras e
duradouras, isto é, deveriam deter latifundium, constituído por diversas proprie-
dades privadas geradoras de riqueza. O comércio era inadmissível, pois não era
prática segura e tinha influência ou origem estrangeira.
O comércio e a exploração de minas, apesar de não serem atividades bem-
-vistas, não eram negadas pelos romanos, e os homens enriquecidos que as

O MUNDO ROMANO ANTIGO


143

praticavam faziam parte da ordo equester, isto é, a ordem equestre ou a ordem


dos cavaleiros. De acordo com Corassin (2001), os membros desta ordem pos-
suíam fortuna, prestígio, dignidade e poderiam passar seu lugar na ordem de
maneira hereditária.
Os cavaleiros só se encontravam abaixo dos senadores, não por riqueza ou
moral, mas por questões ideológicas de nascimento, ou seja, seus antepassados
possuíam origem estrangeira. Os membros desta ordem estavam mais próximos
de conseguirem adentrar na ordem senatorial, caso desejassem avançar no cur-
sus honorum, contanto que assumissem a riqueza vinculada às terras e pudessem
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

custear as magistraturas senatoriais.


Com o estabelecimento dessas ordens sociais, Roma se fechava para os ter-
ritórios conquistados, o que significa que os romanos caminhavam para uma
grande crise. O modelo político da República não atendia às necessidades pro-
vinciais nem as exigências internas.

A aristocracia de Roma estava cada vez mais fechada, consequentemente, não


atendiam aos interesses dos provinciais. Diante dessa situação, os senadores
resolveram intervir nas terras públicas. Tibério Graco foi eleito tribuno da ple-
be e propôs uma reforma agrária, com a intenção de preservar os pequenos
e os médios proprietários, visto que estes eram os soldados dos exércitos. Os
grandes proprietários passaram a temer a expropriação e acusaram Tibério de
tentativa de tirania. Como resultado, o primeiro Graco foi assassinado.
Anos mais tarde, o irmão mais novo de Tibério, Caio, foi eleito tribuno da
plebe e retomou algumas das ideias do irmão de forma menos incisiva. No
entanto, ele também foi acusado de tirania e foi morto.
Fonte: adaptado de Corassin (2001).

OS SÉCULOS FINAIS DA REPÚBLICA

Roma havia consolidado uma oligarquia política fechada, que atendia com exce-
lência às demandas internas da cidade. Todavia, esse grupo político não atendia
às exigências do império que se formou.

O Período da República Romana


144 UNIDADE IV

As instituições republicanas foram eficazes para a prevenção da concentração


de poderes por um único homem por muito tempo, mas, com a expansão territo-
rial, as medidas não se sustentavam, visto que os poderes pessoais começaram a
fortalecer-se nas províncias. As conquistas territoriais estimularam o poder militar
dos romanos e prejudicaram a harmonia e a durabilidade das magistraturas. Estes
fatos resultaram em duas modificações políticas: nos territórios conquistados, os
comandantes dos exércitos assumiam a função de procônsul e passavam a deter
mais autoridade do que os senadores e magistrados da cidade de Roma; a situa-
ção tensa de guerra possibilitou prorrogar a duração de todos os cargos políticos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os pequenos e médios proprietários foram afetados pela política voltada aos
mais abastados e se encontravam cada vez mais empobrecidos. Diante de todos
os problemas, o cenário romano possibilitou a abertura de destaques pessoais
de alguns indivíduos.
O primeiro sujeito a conseguir destaque individual como líder político foi
Gaio Mário (157 a.C.-86 a.C.). Conforme Harvey (1986), este general abriu o
caminho para os prestígios pessoais dos militares, visto que, quando assumiu
o consulado, ele profissionalizou o exército, isto é, instituiu que os soldados
deveriam ser voluntários, independente das ordens sociais a que pertenciam, e
receberiam donativos em troca dos serviços prestados.
As medidas de Mário levaram Roma à primeira guerra civil, pois os volun-
tários itálicos que serviam nos exércitos em defesa da nação empreenderam
disputas requerendo a cidadania romana, enquanto os cidadãos romanos con-
tinuavam considerando-os estrangeiros e resistiam à concessão de cidadania.
Corassin (2001) assevera que a guerra social se intensificou com a disputa pelo
consulado entre Mário – apoiado pelos populares – e Sula (138 a.C.-78 a.C.) –
que recebeu o apoio dos aristocratas cidadãos de Roma.
Mário foi acusado de praticar a tirania, visto que suas medidas políticas eram
muito populares e foram interpretadas como atitudes para potencializar seus
poderes pessoais. Da disputa pelo consulado, Sula saiu vitorioso. Ele alcançou o
poder, mas agiu de forma contrária ao que os aristocratas defendiam: assumiu
o cargo extraordinário de ditador e concedeu a si mesmo poderes ilimitados.
Esse foi um momento de grande instabilidade interna em Roma, como
Corassin (2001, p. 59) evidência:

O MUNDO ROMANO ANTIGO


145

A vida política em Roma, na fase final da República, foi caracterizada


por um clima de insegurança, sendo constantemente perturbada por
conjurações, assassinatos e tumultos nas ruas.

Roma parecia estar prestes a perder sua libertas. A situação de crise e de dis-
putas internas parecia estar generalizada, tanto na capital romana quanto nos
territórios anexados.
A segunda fase da guerra civil chegou após a morte de Sula. Neste momento,
três generais de origens senatoriais firmaram secretamente acordos políticos e
militares contra o Senado em exercício – aliança que ficou conhecida como triun-
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virato. Os três generais participantes foram: Pompeu (106 a.C.-48 a.C.), Júlio
César (100 a.C.-44 a.C.) e Crasso (114 a.C.-53 a.C.).
Cada um desses militares foi enviado para uma região em que os confli-
tos estavam intensos. Corassin (2001) aponta que Crasso foi direcionado para
os territórios orientais, mas morreu em combate; Pompeu ficou em Roma e se
aproximou do Senado; Júlio César foi para a Gália e se distanciou do Senado.
Em Roma, Pompeu aumentava seus prestígios político e pessoal, e conse-
guiu chegar ao consulado. Tal atitude foi interpretada por César como traição
ao triunvirato. A oposição entre os dois homens simbolizou o início do segundo
estágio da guerra civil em Roma. No ano 49 a.C., César decidiu cruzar o rio
Rubicão para perseguir Pompeu – foi nesse momento que as fontes atribuíram
a ele a famosa frase: alea iacta est (a sorte está lançada/os dados estão lançados).
Pompeu perdeu o conflito e em 48 a.C. foi para o Egito, onde foi assassinado ou
morto em combate.
César ficou em Roma e aumentou seus poderes pessoais, mas continuou a
ser opositor ao corpo senatorial. No ano 45 a.C., ele foi aclamado imperator e
assumiu o cargo excepcional de ditador, ficando acima dos senadores. Em fun-
ção de sua posição, passou a reunir poderes para si pela autocracia e, em 44 a.C.,
aclamou-se ditador vitalício.
Atuando como ditador, reformou o Senado e diminuiu as funções desta ins-
tituição, aprovou medidas que beneficiavam a plebe e adotou o caráter sagrado
para seu posto. Frente a essas atitudes, o Senado o acusou de aspirações à rea-
leza, planejando, assim, uma conspiração. César foi assassinado pelas mãos dos
senadores em uma assembleia senatorial.

O Período da República Romana


146 UNIDADE IV

Corassin (2001) afirma que os senadores


agiram dessa forma porque acreditavam que
alcançariam a glória por erradicar a tentativa
de retorno à monarquia. Todavia, obtiveram o
efeito contrário. Apesar do descontentamento
do Senado para com Júlio César, este possuía
popularidade expressiva diante dos soldados e
da plebe. Como resultado, os idealizadores de
seu assassinato foram perseguidos e uma nova

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fase de guerra civil foi desencadeada.
No cenário político, Roma se dividiu em duas
facções: os mais conservadores, que diziam defen-
der a libertas republicana, tinham como líderes
Marco Túlio Cícero (106 a.C.-43 a.C.) e Pompeu
(135 a.C.-87 a.C.) – pai de Pompeu que participou
do primeiro triunvirato –, e a ala dos partidários
Figura 4 – Estátua em bronze de Júlio César,
de César, encabeçada por Marco Antônio (83 Fórum Romano, Roma-Itália, 46 a.C.
a.C.-31 a.C.) e Otávio (63 a.C.-14 d.C.).
Otávio e Marco Antônio se juntaram a Lépido (90 a.C.-13 a.C.), e formaram o
segundo triunvirato. Mais uma vez, cada general foi direcionado a um local para as
batalhas e Otávio – filho adotivo de Júlio César – ficou na região de Roma. Lépido
é a figura menos comentada desse período e, no ano 36 a.C., Otávio conseguiu
enfraquecê-lo politicamente e tirá-lo da disputa pela liderança de Roma. Marco
Antônio havia se dirigido ao Egito, envolvendo-se romanticamente com Cleópatra
VII (69 a.C.-31 a.C.), mas este e Otávio passaram a disputar a liderança de Roma.
O confronto marítimo final ficou conhecido como Batalha do Ácio (31 a.C.).
Otávio era considerado o divi filivs por ser herdeiro de César, além disso, conse-
guiu aumentar seu apoio ao acusar Marco Antônio de “orientalismo”, isto é, de
entregar Roma a uma rainha estrangeira.
Marco Antônio e Cleópatra estavam, visivelmente, diante de uma derrota,
dessa forma, suicidaram-se simbolizando a vitória de Otávio. Isso significou que
o caminho para o Principado estava aberto e o filho adotivo de César era o vito-
rioso para o governo.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


147

O IMPÉRIO ROMANO

Caro(a) aluno(a), antes de estudarmos os fatos referentes ao Império Romano, é


preciso ter em mente que os conteúdos que serão descritos são eventos e organi-
zações da capital do império, isto é, da cidade de Roma e da península itálica. Ao
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conquistar um território, Roma não dizimava a população e os costumes locais,


o que significa que, apesar da presença de correspondentes de Roma nos terri-
tórios anexados, cada local detinha suas próprias particularidades.
Outro aspecto importante acerca do Império Romano é que ele pode ser
dividido didaticamente em dois momentos: Principado e Dominato. As deno-
minações seguem os aspectos do governante do momento, o que significa que,
no Principado, quem conduzia Roma era um princeps e, no Dominato, o gover-
nante era o dominvs. A divisão também tem outra denominação, ou seja, o
Principado pode ser entendido como Alto Império, e o Dominato pode ser cha-
mado de Baixo Império. As designações de Alto e de Baixo caíram em desuso,
pois poderiam ser interpretados pejorativamente, sendo o primeiro momento
visto como melhor do que o segundo, o que de fato não aconteceu.
O período imperial romano detinha aspecto bastante peculiar, pois não
representava o retorno da monarquia, visto que o imperador não desempenhava
a função de rei, nem ao menos agia como os demais magistrados, apesar de ser
visto como um deles. O Império ainda era visto como uma república, com todas
as suas instituições e ideais, mas passou a deter um condutor, personificado na
figura de imperador. Isso significa que, em relação à República, no início do
Império, não houve mudanças muito profundas, a não ser pela existência de um
condutor do império – a figura do imperador era considerada um mal necessário.
De acordo com Mendes (2006), os romanos não tinham consciência de que esta-
vam vivendo um período político distinto da República, pois o imperador não era um
monarca e houve continuidade do que estava acontecendo. Apesar dessa caracterís-
tica, o modelo imperial simbolizou um período de relativa paz em Roma, tendo em

O Império Romano
148 UNIDADE IV

vista que sinalizou o fim das guerras civis. Além disso, os senadores e os magistra-
dos não perderam seus poderes políticos, contudo, suas autoridades foram limitadas.
Nesse sentido, uma das melhores definições para esse período é: império dos cidadãos.

O PRINCIPADO

O Principado é visto, tradicionalmente, como o período entre 27 a.C. até 268 d.C.,
embora seu início e seu fim sejam bem variáveis. O fato é que Júlio César lançou

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as bases para a instauração do Principado, instituído por seu herdeiro, Otávio.
Otávio foi mais astuto do que Júlio César e não se autoproclamou ditador
ou rei, pelo contrário, quando saiu vitorioso da Batalha do Ácio, alegou que seu
dever como político estava cumprido e renunciou todos os cargos. Diante dessa
atitude, o Senado lhe concedeu poderes excepcionais: reafirmou o título de impe-
rator e o reconheceu como partidário da liberdade republicana, intitulando-o
Augustus. Nesse sentido, Otávio passou a deter os títulos honrosos de Imperator
Caesar Augustus, além de ser considerado um princeps.
Desse modo, o Principado continuava com as roupagens republicanas, como
podemos observar na passagem a seguir:
No ano de 27 a.C., ao ser aclamado pelo Senado o condutor de Roma,
Otávio não poderia fazer suas reformas a ponto de consolidar um re-
gime efetivamente monárquico, visto que o Senado e os magistrados
ainda eram muito presentes nas decisões políticas e bélicas do império
romano (CEOLA, 2017, p. 87).

O funcionamento do Império não era um retorno à Realeza, pois o condutor de


Roma não era um rei, mas um cidadão que, aos poucos, conquistava magistra-
turas que eram exercidas até o fim de suas vidas. O próprio Otávio não assumiu
todos os poderes de Roma; ele recebeu atribuições no decorrer de sua vida e os
imperadores poderiam assumir atribuições diferentes uns dos outros. As únicas
autoridades permanentes da função eram: a tribunicia potestas (poder legisla-
tivo); pontificatus maximus (mediação entre os deuses e os homens); imperium
proconsulare maius (autoridade para governar Roma e os territórios anexados).

O MUNDO ROMANO ANTIGO


149

Como o sistema imperial não era uma monar-


quia, não havia regra para sucessão ao posto de
imperador, então a escolha do próximo soberano
poderia acontecer de quatro formas distintas: por
hereditariedade, adoção, nomeação pelo Senado,
nomeação pela guarda pretoriana ou aclamação
pelas legiões. A forma mais comum foi a sucessão
pela hereditariedade.
Diante disso, podemos identificar a existência
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de algumas dinastias no Principado:


■ Júlia-Claudiana: Otávio, Tibério, Calígula,
Cláudio e Nero;
■ O ano dos quatro imperadores: Galba, Otão
e Vitélio;
■ Flávia: Vespasiano, Tito e Domiciano;
■ Antonina: Nerva, Trajano, Adriano,
Antonino Pio, Marco Aurélio e Cômodo;
■ Severa: Sétimo Severo, Caracala, Geta, Figura 5 – Otávio Augusto, estátua em bronze
Macrino, Heliogábalo e Alexandre Severo. – Fórum de Roma

Apesar da escolha pessoal de cada imperador para seu sucessor, nem todas as indi-
cações eram aceitas. De acordo com Ceola (2017), para que um condutor de Roma
fosse aceito, deveria deter a aprovação do Senado, dos magistrados, das forças mili-
tares e dos deuses. Caso os imperadores retirassem a autoridade dos magistrados
e dos senadores, poderiam ser acusados de tirania e serem depostos. Da mesma
maneira, eles deveriam ser bons militares, pois o imperador era o comandante de
todas as tropas, e, por fim, era o sacerdote máximo no culto imperial aos deuses.
Além de todas as aceitações, a nominação de princeps era derivada das ati-
tudes do imperador, isto é, ele deveria ser o primeiro cidadão, o que significa
colocar os interesses da república romana acima de seus desejos individuais,
fazendo dele um cidadão excelente. A fim de alcançar essa superioridade pes-
soal para exercer bem suas funções, o governante poderia apoiar-se nas ideias de

O Império Romano
150 UNIDADE IV

algumas filosofias de origem helênica: o estoicismo ou o epicurismo. Essas cor-


rentes filosóficas defendiam a supressão das paixões ou das doenças da alma, e
o florescimento das virtudes, isto é, os imperadores deveriam ser moderados ou
literalmente apáticos. Poucos foram os monarcas que conseguiram ser vistos dessa
forma, sendo eles: Otávio, Nerva (30-98 d.C.), Trajano (53-117 d.C.), Adriano
(76-138 d.C.), Antonino Pio (86-161 d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.).

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Entre, aproximadamente, 332 a.C. até 30 a.C., o mundo passou por um proces-
so conhecido como helenização, um fenômeno de difusão da cultura grega
pelo mundo, principalmente no campo da ciência, da educação e da filosofia.
Roma não ficou de fora desse processo e sofreu forte influência da cultura
grega na formação de suas próprias características. Tal fato pode ser atestado
nas filosofias em evidência em Roma (Estoicismo e Epicurismo), de origem
grega, nas produções artísticas (esculturas, mosaicos, literaturas e concepção
de mundo) e na língua – o grego foi o idioma mais falado no Império Romano.
Fonte: adaptado de Polesi (2014)

Agora que você compreendeu a respeito do caráter do poder do imperador, é


importante conhecer como a sociedade havia se estabelecido. As ordens sociais
criadas na República continuaram a existir durante o período imperial, inclusive
a distinção entre ordem senatorial e ordem equestre, que permanecia a mesma.
De acordo com Alföldy (1989), durante o Principado, essas ordens foram melho-
res definidas, pois, apesar de as questões ideológicas serem muito importantes e
da necessidade de aprovação do imperador, era possível adentrar às ordens sena-
torial e equestre mediante um valor mínimo pago para exercer a função. Isso
significou uma integração maior nos territórios romanos, já que os provinciais
tinham maiores chances de pertencer às ordens.
Além da mudança social, cada cidade detinha sua ordem local, chamada de
ordem dos decuriões ou ordo decvrionvm. Das três ordens sociais citadas, esta
era composta por homens menos abastados, mas, ainda assim, muito ricos. Seus
membros eram responsáveis por cuidar das cidades e investir na proteção delas.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


151

Nos escritos historiográficos mais tradicionais, é possível observar a descrição


da plebe urbana como preocupada com o “pão e circo”, que, muitas vezes, é
visto como uma política imperial. No entanto, essa colocação foi criada pelo
poeta satírico Juvenal (50-130 d.C.), que fazia fortes críticas a alguns aspec-
tos de Roma. A expressão caiu em desuso, pois a maioria da plebe urbana
trabalhava, mas, quando não havia trabalho, os inscritos pelo censo romano
recebiam pequenas quantidades de alimento para completar a alimentação.
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Os espetáculos geralmente eram em homenagem aos deuses ou como uma


forma de agradar a plebe, que era perigosa se estivesse descontente. Atualmen-
te, esses eventos não são vistos como meras distrações de uma plebe ociosa.
Fonte: adaptado de Corassin (2001).

Na questão dos territórios de Roma, a


expansão foi contida. Corassin (2001)
aponta que os romanos tinham cons-
ciência de que o império não poderia
expandir-se indefinidamente, pois, ape-
sar de os conflitos abrirem espaço para
riquezas, simbolizava, ao mesmo tempo,
investimento para os confrontos e perda
de muitos homens em batalha. Ao invés
de conquistas de novos territórios, a
nova política era de manutenção das
fronteiras. A extensão máxima do impé-
rio romano foi alcançada no ano 117
d.C., sob o comando de Trajano, como
pode ser observado no mapa a seguir:
Mosaico mostrando entretenimentos romanos do
século I Museu Jamahiriya, Trípoli, Líbia

O Império Romano
152 UNIDADE IV

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Figura 6 – Extensão Máxima De Roma

Durante a política expansionista, Roma havia conquistado povos “bárbaros”.


A terminologia bárbaro é muito vaga e muitas fontes a traduziam como os
homens que possuíam costumes e comportamentos distintos aos dos romanos
das ordens sociais. No entanto, durante o império, os povos conhecidos como
bárbaros foram mais bem definidos como aqueles que viviam além das frontei-
ras, não detinham os costumes greco-romanos e nem falavam latim. Apesar de
possuir definição mais clara, a condição de bárbaro continuava muito ampla,
pois, quando os povos eram conquistados e incorporados ao sistema romano,
nem sempre eram vistos de forma diferente de um bárbaro.
Considerando, então, como bárbaros somente os povos que não faziam
parte do Império Romano, muitos permaneciam nas proximidades e ameaça-
vam as fronteiras, o que resultou em uma atenção especial dos imperadores para
as regiões limítrofes. Isso significa que desde o período de Otávio havia legiões
permanentes nas fronteiras, a fim manter o território romano.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


153

O DOMINATO

Após a morte do imperador Severo Alexandre (208d.C. - 235 d.C., governou


entre 222d.C - 235d.C.), as estruturas do Império começaram a entrar em
profunda crise, que levou o Império Romano ao período chamado Dominato.
Este segundo momento do período imperial perdurou de 235 d.C. até 476
d.C. Alföldy (1989) e Corassin (2001) concordam com a ideia de que não
há apenas uma causa que explique o período de crise, mas uma sucessão de
fatores que levariam Roma a modificar-se profundamente.
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Alguns dos fatores são: a centralização do poder imperial, isto é, os imperadores


aos poucos deixavam de ser princeps e assumiam o caráter de dominvs – passavam
a ser senhores absolutos e soberanos de Roma; a militarização dos imperadores,
dos magistrados e dos senadores; a perda de investimentos nas cidades; a ameaça
dos bárbaros das fronteiras; a mudança de visão de mundo; o enfraquecimento do
culto imperial, ao mesmo tempo em que o cristianismo crescia.
[...] o Império romano sofreu uma transformação em todos os domí-
nios da vida que veio a provocar alterações profundas na estrutura da
sociedade. Essas alterações não consistiram apenas numa profunda
modificação na estratificação da sociedade, mas, igualmente, na cons-
tituição de um novo modelo social

[...] A crise era total (ALFÖLDY, 1989, p. 173).

O excerto se refere aos anos 235 d.C. e 284 d.C., momento em que Roma passou
pelo período conhecido como “anarquia civil e militar”, pois não havia liderança
bem estabelecida – cerca de 25 imperadores passaram pelo poder – e várias guer-
ras civis e confrontos com os bárbaros na fronteira tomaram conta dos territórios
romanos. Após esse período de quase cinquenta anos, Diocleciano (244-311 d.C.)
assumiu um Império Romano profundamente transformado.
Caro(a) aluno(a), aqui chamo a sua atenção para que compreenda essas
transformações na sociedade romana como tentativas de manter e de recupe-
rar o Império, e não como um período de decadência e de perda da essência do
significado do “ser romano”.

O Império Romano
154 UNIDADE IV

Diocleciano não era romano de nascimento e assumiu o posto de imperador


em 284 d.C. Seu objetivo de governo foi empreender reformas políticas a fim de
estabilizar o império. A principal reforma foi a instauração da Tetrarquia, isto é,
instituiu a divisão do poder para quatro imperadores para governar o Império
Romano. Conforme Salcedo (2010), Diocleciano dividiu os territórios romanos
para distintas autoridades: Diocleciano se responsabilizou pelo Oriente e pelo
Egito; Maximiano (250-310 d.C.), pela Itália e pela África; Galério (250-311 d.C.),
pela Grécia e pela Danúbia; e Constâncio Cloro (250-306 d.C.) com as provín-
cias ocidentais e os Alpes Gálicos. Esse governo perdurou por cerca de 20 anos.

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No ano 305 d.C., Diocleciano abdicou de seu cargo como imperador, e foi
viver o restante de sua vida como cidadão comum. Sem Diocleciano, a Tetrarquia
não sobreviveu. Constantino (272-337 d.C.) foi o sucessor de que, a princípio,
governou com Licino (250-325 d.C.), mas logo assumiu o cargo sozinho.
Um dos feitos mais conhecidos de Constantino foi sua adesão ao cristianismo
e o decreto ao fim da perseguição aos cristãos. Este imperador aprovou algumas
reformas, por exemplo, a capital do império passou a ser Constantinopla – região
mais próxima das fronteiras – e aceitou soldados mercenários ao corpo legionário.
De acordo com Alföldy (1989), a organização da sociedade também se alte-
rou. A ordem senatorial tinha perdido a essência da ideologia, de os senadores
serem os verdadeiros cidadãos de Roma. A partir de Diocleciano, qualquer
homem rico o bastante poderia compor o Senado, o que significa que a maioria
passou a ser de origem provincial. Além disso, essa organização passou a fun-
cionar como uma assembleia de conselheiros do imperador, isto é, não era tão
influente quanto foi no período do Principado. A ordem equestre passou a pos-
suir poucas distinções ideológicas dos senadores e sua maior diferença era o
caráter de cavalaria que havia se fortalecido. Eles passaram a poder ocupar qual-
quer magistratura da vida pública.
A ordem dos decuriões havia quase de dissipado por completo. As cidades
estavam completamente prejudicadas por tensões internas e pela invasão dos

O MUNDO ROMANO ANTIGO


155

bárbaros. Isso significa que investir nas cidades não gerava retorno e era muito
custoso. Todos os indivíduos de posse se recusavam a investir nesses espaços.
Os cidadãos menos abastados também passaram a sofrer com as consequ-
ências das transformações na sociedade. A maioria da população romana era
agricultora e, com a falta de investimento das cidades, a plebe urbana passou a
procurar sustento nas terras e abandonou a insegurança das cidades. De acordo
com Jones (1971), esse movimento da plebe para a terra ajudou a impulsio-
nar o surgimento do colonato, que se constituía em homens livres arrendarem
uma parte da propriedade de grandes latifundiários ou de médios proprietá-
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rios mediante um contrato de cinco anos. Durante a existência do contrato, os


trabalhadores deveriam pagar aos donos dos territórios um imposto chamado
capitatio, composto, geralmente, por uma grande parte da produção das pro-
priedades arrendadas, que resultava na ligação quase permanente dos colonos à
terra, o que lhes gerava quase a condição de servos.
Do século III d.C. em diante, Roma passou por profundas transformações
em sua estrutura, que modificaram permanentemente seu funcionamento. Diante
dessa nova realidade e dos constantes conflitos internos que a deixava enfra-
quecida a ataques externos, durante o governo de Teodósio I (346-395 d.C.), o
território romano foi dividido em ocidental e oriental para seus filhos.
Nesse momento, o Império Romano já havia perdido muitos territórios; os
servos e os homens livres possuíam quase as mesmas condições de vida, tanto no
aspecto ideológico quanto no aspecto material; os proprietários de terra estavam
agindo de forma independente do Império e haviam fortalecido suas fortunas
latifundiárias; o culto imperial perdia forças e o cristianismo se sobressaía sobre
as demais religiões. Em suma, o Império havia se modificado e cedido espaço a
outras formas de pensamentos e de organizações.
O Império Romano do Ocidente perdurou até 476 d.C., até a morte de seu
último imperador Rômulo Augusto. A parte oriental se transformou em Império
Bizantino e resistiu até o século XV d.C.

O Império Romano
156 UNIDADE IV

O Cristianismo

Se você se sentiu curioso para entender o papel do cristianismo na sociedade


romana, saiba que não está sozinho neste interesse. O cristianismo é uma institui-
ção que se iniciou timidamente nas províncias orientais do Império Romano e se
tornou uma das mais poderosas organizações religiosas do mundo, que, durante
toda a sua história e suas transformações, resiste bem consolidada até os dias atuais.

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A comunidade cristã viu-se muito cedo em sua história forçada a perguntar-
-se o que era ela afinal.
(Robert A. Markus)

Afinal, o que significava ser cristão no Império Romano? Por que o cristianismo
foi perseguido no Império? As respostas para estas perguntas não são simples
nem imediatas.
De acordo com Markus (1997), o debate sobre uma identidade cristã não
é conclusivo, assim como não sabemos se os primeiros cristãos se converteram
ou aderiram ao cristianismo, visto que a conversão é mais profunda e alterava
todos os sentidos da vida humana, enquanto que a adesão é uma aceitação, sem
modificações marcantes na vida dos sujeitos.
Os primeiros cristãos do Império eram romanos, continuavam a vestir-se
iguais aos demais, comiam e bebiam dos mesmos alimentos, ou seja, não havia
distinções aparentes. O que era essencial para o cristianismo e o que era mun-
dano não era uma tarefa fácil de distinguir.
No entanto, eles passaram a preocupar-se com a alma e negaram o culto aos
deuses romanos e, consequentemente, ao culto imperial. Negar o culto imperial

O MUNDO ROMANO ANTIGO


157

era similar a negar Roma, nenhuma outra religião dos povos conquistados pelos
romanos havia proibido essa religião.
Diante disso, Ste Croix (1974) assevera que a negação foi uma das grandes
motivações para a perseguição dos cristãos, mas, como o cristianismo era visto
inicialmente como uma “superstição” (os romanos não sabiam ao certo como
funcionavam seus ritos) e categorizado como “má religião”, muitos foram perse-
guidos simplesmente por serem cristãos. Na maior parte do tempo, os convertidos
viveram em paz integrados à sociedade; muitas das perseguições eram localiza-
das e fora da cidade de Roma. O que conhecemos atualmente são três grandes
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momentos de perseguição sistemática: com Nero, em 64 d.C.; em 250 d.C., no


governo de Décio; e em 313 d.C., com Diocleciano.
O cristianismo nem sempre correspondeu à maior parte da população
romana. O número de adeptos à religião cresceu expressivamente no período
do Dominato, isto é, do século III d.C. em diante. Essa adesão ou conversão por
parte dos homens se deu devido ao que a religião pregava: compaixão e espe-
rança da vida eterna. A religião oficial do Império não oferecia dias melhores
por toda a eternidade nem possuía sentido de caridade e, frente ao momento
conturbado de quase 50 anos de conflito após a dinastia antonina, o cristianismo
ganhou adeptos e cresceu expressivamente.
As perseguições no período do Dominato eram realizadas sob o pretexto do
número excessivo de homens negarem os deuses romanos, o que explicava uma
parte da crise que Roma enfrentava. Todavia, neste período, a religião não podia
ser mais ignorada ou destruída, pois o número de cristãos e de não cristãos estava
quase igualado – isso significa que os imperadores deveriam aceitar o cristia-
nismo, para utilizar a religião como elemento integrador do império em conflito.
Dessa forma, Constantino, no ano 321 d.C., publicou um edito que proibia
a perseguição aos cristãos. Se este imperador se converteu verdadeiramente ao
cristianismo ou não, não é algo que podemos atestar com segurança.
O cristianismo foi assumido como religião oficial do Império no ano 380
d.C., sob o governo de Teodósio I.

O Império Romano
158 UNIDADE IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final da quarta unidade. Espero que você tenha
compreendido os acontecimentos de Roma em seus contextos e sem preconcei-
tos, bem como tenha percebido os traços dessa cultura que se perpetuou pelo
tempo, e que muitas vezes é vista como o berço do mundo ocidental.
Você pôde conhecer como ocorreu a formação da cidade de Roma, seus
antecedentes e as versões sobre sua fundação, observando a localização e a geo-
grafia da região. Em seguida, estudamos sobre a realeza romana, como o governo

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monárquico funcionava e como a sociedade se organizava.
Em seguida, discutimos a respeito do modelo República, sobre o funciona-
mento político da cidade, os principais conflitos internos e externos, a política
expansionista e, por fim, os eventos que levaram à formação e à consolidação
do Império.
Também vimos sobre as organizações do Império Romano e você pôde com-
preender como a historiografia atual divide o período imperial: Principado – o
início do Império, cujo governante era visto como o princeps – e Dominato – a
segunda metade do modelo imperial, que demonstrou as maiores transforma-
ções nas estruturas romanas, preponderantes na Idade Média Ocidental. Sobre
este período, foi discutida a organização da sociedade e os funcionamentos polí-
tico, cultural e econômico. Estudamos, ainda, os eventos decorridos em Roma,
que transformaram expressivamente as estruturas da civilização e expusemos
brevemente o que era ser cristão naquele período.

O MUNDO ROMANO ANTIGO


159

1. A história de Roma pode ser dividida da seguinte forma: Realeza ou Monarquia


(séculos VIII a.C. ao VI a.C), República (século VI a.C. ao I a.C.) e Império (século
I a.C. ao V d.C.). Essa organização se baseia nos modelos políticos vigentes e
foi proposta pelos estudiosos atuais. Sobre essa divisão temporal, analise as
afirmativas a seguir:
I. A divisão proposta para Roma era uma divisão temporal comum também
entre os romanos.
II. A divisão temporal atestada é rígida e reconhecida, não permitindo malea-
bilidade do tempo.
III. Essa divisão temporal tem como propósito auxiliar quem estuda a civiliza-
ção romana a localizar-se no tempo e no espaço.
Assinale a alternativa que contenha a resposta correta:
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.
2. Desde a fundação de Roma até, aproximadamente, o ano 506 a.C., a cidade
detinha o modelo político monárquico. De acordo com Tito Lívio, sete reis pas-
saram pelo poder até a instauração do poder do Senado e a erradicação da
realeza. Sobre o período da Monarquia Romana, assinale a alternativa correta:
a) O primeiro rei de Roma foi Tarquínio, o Soberbo.
b) Rômulo e Remo governaram a cidade de Roma por muitos anos em conjunto.
c) A realeza romana seguia o estilo absolutista, isto é, não havia instituições
que governavam Roma em auxílio do rei.
d) Rômulo foi o primeiro rei de Roma. Os prováveis seis reis posteriores a ele
tinham origens diversas, visto que foram romanos, sabinos e etruscos.
e) A monarquia era o modelo desejável entre os romanos. O seu fim se deu, exclu-
sivamente, pelo episódio escandaloso envolvendo o filho do último rei de Roma.
3. O modelo político conhecido como República Romana foi instaurado em Roma
com a finalidade de erradicar a monarquia. A respeito desse modelo, analise as
afirmativas a seguir e assinale com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
( ) Juntamente com o modelo político republicano, foi instaurada a magistra-
tura de imperador.
( ) Desde a instauração do modelo político republicano, as diferenças entre
patrícios e plebeus foram extintas.
( ) Ao ser instaurado o modelo político republicano, o poder que correspondia
ao rei ficou dividido, a princípio, entre dois cônsules.
160

( ) Durante a República Romana, não houve conquistas territoriais, visto que


eles tiveram seu início com as Guerras Púnicas.
Assinale a alternativa que contenha a resposta correta:
a) V, V, V, V.
b) F, F, F, F.
c) V, F, V, F.
d) F, F, F, V.
e) F, F, V, F.
4. Os romanos não nomeavam seus modelos políticos, o que significa que a Mo-
narquia, a República e o Império são denominações atuais para fins didáticos.
O período conhecido como Império também possui uma divisão atual, sendo
o primeiro momento deste governo conhecido como _______ ou ______, por
ser o governo do ______; e a segunda parte desse período é conhecida como
______ ou ______, por ser o período do governo do ______.
Assinale a alternativa que complete o texto corretamente:
a) Principado, Alto Império, princeps, Dominato, Baixo Império, dominus.
b) Dominato, Baixo Império, dominus, Dominato, Alto Império, princeps.
c) Alto Império, Baixo Império, Principado, Dominato, princeps, dominus.
d) Dominus, princeps, Alto Império, Baixo Império, Principado, Dominato.
e) Principado, Baixo Império, princeps, Dominato, Alto Império, dominus.
5. Roma possui cerca de 1500 ou 2000 anos de existência no mundo ocidental e, ao
longo desses anos, passou por transformações na sociedade, na economia, na polí-
tica e na cultura. Sobre a história de Roma, associe corretamente as colunas a seguir:
1. Monarquia/Realeza Romana.
2. República Romana.
3. Império Romano.
( ) O Senado e os magistrados foram as principais instituições governantes.
( ) O Senado, os magistrados e o imperador foram as lideranças políticas.
( ) Júlio César exerceu o cargo de ditador vitalício.
( ) Período que possuiu a presença dos etruscos no governo.
( ) Período dividido em dois momentos: Principado e Dominato.
Assinale a alternativa que contenha a sequência correta:
a) 2, 3, 3, 2, 1.
b) 2, 3, 2, 1, 3.
c) 3, 3, 3, 1, 2.
d) 3, 2, 1, 3, 2.
e) 1, 2, 3, 1, 2.
161

Tyrannus e rex iustus


O exercício do poder de um imperador romano contava com vários suportes, como as
forças armadas e o reconhecimento legal constitucional. Entretanto, para manter o po-
der, o governante dependia da aceitação de seus súditos quanto à sua personalidade,
aos seus talentos e às suas qualidades. Para tanto, o princeps precisava possuir e ter re-
conhecidas as suas virtudes imperiais, pois deveria ser representado como a encarnação
de todas elas, ou seja, como um homem superior.
Dentre os imperadores do Principado, poucos foram considerados verdadeiramente
aptos a governar, o que explica muitos dos assassinatos, das traições e das conspira-
ções para a destituição desses soberanos. Esses homens, considerados pouco prepara-
dos para o governo, frequentemente eram caracterizados como tyrannus pela literatura
contemporânea do Império Romano.
Nesse sentido, observamos que a questão da tirania e a sua concepção se encontra-
va muito presente no pensamento greco-romano. Béranger (1935, p. 85) assevera que
o termo tyrannus é uma das primeiras contribuições da cultura helênica para a latina,
embora tenha sofrido algumas alterações em seu significado com o tempo. Na Grécia, o
conceito de tyrannus remetia ao chefe ou ao governante, mas em Roma recebeu o sen-
tido proposto por Platão (428-337 a.C.), isto é, o tirano como o egoísta, o injusto, o mais
infeliz dos homens; além disso, sua carência de moral justificava a sua ilegitimidade.
Oliveira (1996) segue a mesma perspectiva do historiador francês e acrescenta que o
tyrannus era considerado aquele que não estava apto a comandar, assim, provocava a de-
sordem e usava o Estado para satisfazer seus desejos individuais, ao considerar os cidadãos
submissos a ele. No caso específico de Roma, é possível encontrar essa denominação para
os homens que não governassem com o apoio ou a aprovação do Senado. Isso significa
que esse tipo de governante era visto como o modelo cruel, violento e perseguidor. Diante
disso, a tyrannia não era expressa de uma só maneira, mas possuía diversas faces como
Aquela que aparece com as expressões estereotipadas, frequentemente
com as ideias relacionadas com a crueldade;
Aquela que tem um caráter de uma injúria (com o significado primitivo
esquecido) endereçada a quem visasse o poder;
Aquelas que os escritos, incluindo a filosofia, distinguiam e opunham rex
e tyrannus, um simbolizando o sábio, o justo (senhor de suas paixões) o
outro injusto (escravo delas);
Aquela que, para evitar uma transcrição banal “tyrannus, tyrannis”, e para
render uma noção latina, os autores recorriam a palavra - dominnus” e
seus derivados (BÉRANGER, 1935, p. 92).
Martin (2004) complementa essa ideia ao pontuar que as diversas faces que as figuras
dos tiranos tiveram deveram-se às tentações que o posto e o poder proporcionavam. Na
função de imperador, era possível o desarranjo ou a falta de autoridade, bem como o
agir em conformidade com o senado ou centralizar as decisões em si. O cargo, ao possi-
bilitar contato com a riqueza do império, permitia ainda o uso do dinheiro com parcimô-
162

nia ou prodigalidade, vaidade e megalomania; assim, a moderação, uma das qualidades


que os imperadores deveriam possuir, era difícil de ser alcançada.
Como antítese ao tyrannus havia o rex iustus, que trazia a ideia de bondade e de justiça,
muitas vezes conduzido pela filosofia que agia em virtude do bem comum, pressupon-
do que o rex era o substituto desejável do tyrannus. Béranger (1953, p. 91) declara que,
para os romanos, essa concepção estava baseada na figura de Júpiter, o rei dos deuses,
o qual se caracterizava como um optimus. Por essa razão, encontramos as designações
de optimus princeps para aqueles considerados soberanos adequados.
Para que o imperador conseguisse atingir o patamar de governante desejável, esperava-se
que detivesse uma série de qualidades ou de virtudes, as quais tinham por base as correntes
filosóficas então em evidência. Na Roma imperial, as ideias de virtude se voltavam ao estoi-
cismo, embora não fossem exclusividade deste. Sêneca, adepto da filosofia estoica, tratou
das concepções de tyrannus e de optimus princeps em seu Tratado sobre a clemência:
Portanto, não é surpreendente que os princepis, os reis e os que estão
encarregados com o poder público – seja qual for seu nome – sejam
objetos de apreço mais além dos afetos privados, pois, os homens sen-
satos colocam antes as questões da coletividade do que os pessoais, é
lógico que também seja a pessoa mais querida que se tem encarnado
a república. Com efeito, faz tanto tempo que César se tem revestido da
república que não poderiam separar um do outro sem prejuízo de am-
bos. Efetivamente aquele necessita da força e este da cabeça (SÊNECA,
Tratado sobre a Clemência, I, IV: III).
O filósofo afirmou que o governante estava vinculado ao Estado, reforçando a ideia
de “cabeça” do corpo do Império, já mencionada anteriormente, e, assim, o soberano
deveria colocar, à frente de seus interesses, o bem comum. A atitude de inserir o bem
do governado antes do interesse particular era digna de afeição e de honra, compro-
misso encargo dos imperadores, uma vez que a República se encontrava sob sua tutela.
De acordo com Oliveira (1996), o filósofo estoico tentou definir o que seria o rex iustus,
entendido entre os romanos como optimus princeps, justamente como aquele que colo-
cava o bem-estar da República acima de tudo, de modo que o princeps deveria zelar pela
libertas republicana e pelos cidadãos de Roma.
Apesar dos soberanos disporem de cargo de grande poder, agindo sobre todos os se-
tores romanos e de suas determinações sobressaírem, como descrevemos até aqui, isso
não garantia a aceitação do povo quanto à sua forma de governo. O fato evidencia que o
exercício do poder imperial era complexo e que existia forte propensão para considera-
rem os soberanos como tyrannus, cabendo ao imperador tomar medidas para que essa
visão a seu respeito fosse modificada. Era, portanto, da responsabilidade do governante
agir de forma a comprovar a sua preocupação com a coletividade de Roma, a fim de que
não fosse recebido como um imperador pouco preparado.
Fonte: adaptado de Ceola (2017).
MATERIAL COMPLEMENTAR

História da Vida Privada – Do Império Romano ao Ano Mil


Phillipe Ariès e George Duby (organizadores)
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: esse volume cobre um período de cerca de oito séculos, das
transformações do Império Romano à alta Idade Média ocidental e à Bizâncio
dos séculos X e XI. O livro reúne ensaios que examinam a vida cotidiana
de cidadãos e de escravos, de senhores e de servos – sua sexualidade, o
casamento, a família, as diversas formas de moradia, as atitudes religiosas e as
práticas funerárias, compondo um quadro dos comportamentos individuais
e sociais no período abordado.

Roma
Ano: 2005
Sinopse: contando com 22 episódios, a série se inicia em 52 a.C., quando
o general romano Júlio César derrota seu inimigo Vercingetórix na batalha
de Alésia. Seu êxito desequilibra a batalha pelo poder contra o cônsul de
Roma, Pompeu, que representa a luta entre o povo que apoia César e os
patrícios, que apoiam Pompeu. A série trata dessa luta de poderes, na qual
César, triunfante, tenta transformar a República Romana em um Império.
Este objetivo, entretanto, somente será atingido por seu sobrinho-neto,
Otávio Augusto, no ano 27 a.C. Para ambientar esta troca histórica, a série
se baseia não apenas nos líderes desse período, como César, Pompeu e
Otávio, mas também nas vidas dos legionários Lúcio Voreno e Tito Pulo,
personagens mencionados no livro V dos Comentários sobre a Guerra das
Gálias, que se trata de um drama fictício baseado nos fatos históricos
relevantes do período.

Núcleo de Estudos Mediterrânicos, que pesquisa sobre a região do Mediterrâneo desde a


antiguidade, como um espaço de trocas e de formação de identidades.
Web: http://nemed.he.com.br/

Grupo de Trabalho em História Antiga da Anpuh, que integra pesquisadores de diversas


especialidades da antiguidade oriental e clássica de diversas regiões do Brasil.
Web: http://www.gtantiga.com/

O Laboratório de Estudos sobre o Império Romano é um grupo de pesquisa de História Antiga,


Arqueologia e Letras Clássicas sediado no departamento de História da Universidade de São Paulo.
Web: http://leir.fflch.usp.br/

Material Complementar
164
REFERÊNCIAS

ALFÖLDY, G. A História Social de Roma. Lisboa: Presença, 1989.


CEOLA, A. A. A Construção das Imagens dos Imperadores Galba, Otão e Vitélio
por Tácito e Plutarco. 2017. 177 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2017.
CORASSIN, M. L. Sociedade e Política na Roma Antiga. São Paulo: Atual, 2001.
GRIMAL, P. História de Roma. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1986.
JONES, A. H. El Colonato Romano. In: FINLEY, M. I. Estudios sobre Historia Antigua.
Madrid: Akal, 1971.
MARKUS, R. A. Introdução: Secularidade. In: MARKUS R. A. O Fim do Cristianismo
Antigo. São Paulo: Paulus, 1997..
MENDES, N. M. O Sistema Político do Principado. In: SILVA, G. V. (org.). Repensando
o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Vitória: Edufes,
2006.
PEREIRA, M. H. da R. Estudos de História da Cultura Clássica: a cultura romana.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1984.
POLESI, R. Ética Antiga e Medieval. Curitiba: Intersaberes, 2014.
SÁINZ, M. J..; SALCEDO G. El Estado Romano: sistema político y jurídico. Multidisci-
plina, n. 6, p. 72-86. 2010.
STE CROIX, G. E. M. Por que fueron perseguidos los primeros cristianos? In: FINLEY,
M. I. Estudios sobre Historia Antigua. Madrid: Akal, 1974.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹ Em: https://en.wikipedia.org/wiki/Latin_War#/media/File:Italy_IV_century_BC_-_
Latina.svg. Acesso em: 23 maio. 2019.
165
GABARITO

1. Alternativa C.
2. Alternativa D.
3. Alternativa E.
4. Alternativa A.
5. Alternativa B.
Professora Me. Adriele Andrade Ceola

V
HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA

UNIDADE
DO OFÍCIO DO HISTORIADOR
DA ANTIGUIDADE

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as características específicas do trabalho do historiador
classicista;
■ Explicar os passos de um historiador classicista para a análise de
documentos;
■ Fornecer trechos de documentos das civilizações trabalhadas no
decorrer do livro.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ As especificidades do trabalho da História Antiga;
■ Pontos a serem considerados na análise de um documento;
■ Documentos de referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo,
Grécia Antiga e Roma Antiga.
169

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à quinta e última unidade!


Neste momento, você verá como funciona a instrumentalização do trabalho
do historiador classicista, isto é, as especificidades, os desafios e as dificuldades
deste ofício, bem como o que deve ser considerado ao entrar em contato com
um documento histórico.
Até aqui, o livro permitiu que você estudasse os conteúdos referentes às
diversas civilizações do Oriente e do Ocidente: Oriente Próximo Antigo, Egito
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga. Para esta unidade, você deverá munir-se
dos conhecimentos adquiridos nas unidades anteriores para compreender com
maior êxito a instrumentalização do ofício do classicista.
No cenário brasileiro, os estudos referentes à Antiguidade têm crescido
expressivamente e, junto a esse interesse, muitos especialistas têm se preocu-
pado em sistematizar métodos, traduzir fontes e reafirmar os cuidados que se
deve ter ao trabalhar com periodizações separadas da contemporaneidade por
milhares de anos.
A princípio, estudaremos as especificidades do historiador que pesquisa o
período da Antiguidade, evidenciando seus desafios, documentos e cuidados.
Em seguida, serão apresentadas as considerações que devem ser feitas ao realizar
uma análise de documento da Antiguidade, isto é, alguns pontos que auxiliam
no olhar crítico sobre uma fonte. Serão oferecidos trechos de documentos histó-
ricos com breves comentários, que completam as unidades trabalhadas durante
este livro e que, futuramente, poderão servir-lhe de instrumentos de trabalho
para seu exercício de docência, visto que o trato com os documentos históricos
durante as aulas é primordial no ensino de história.
Convido-o(a), então, a conhecer o mundo do historiador classicista, suas
dificuldades e seus desafios.
Bons estudos!

Introdução
170 UNIDADE V

AS ESPECIFICIDADES DO TRABALHO DA HISTÓRIA


ANTIGA

Com o auxílio deste livro, sua caminhada nos


estudos da história antiga o(a) possibilitou
conhecer um pouco das civilizações orientais
antigas – o Oriente Próximo Antigo e o Egito
Antigo –, além das civilizações ocidentais anti-
gas – a Grécia Antiga e a Roma Antiga –, ou

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
seja, até então você conheceu alguns fatos his-
tóricos sobre estas civilizações. Nesta unidade,
você verá os assuntos metodológicos sobre o
trato das fontes da Antiguidade.
Apresento-lhe as especificações do trabalho
do historiador classicista, isto é, a necessidade
do diálogo com outras disciplinas, a heteroge-
neidade da natureza das fontes e a escassez de
documentos históricos. Demonstro-lhe alguns
dos principais métodos que devem ser utilizados
para tratar uma fonte histórica, a fim de evitar o
anacronismo e extrair o máximo de informações
de um material, além de trechos de documentos
Clio no carro da história. Na antiga Câmara
específicos das civilizações apresentadas. do Senado, no Capitólio dos EUA.
Você já refletiu sobre como o historiador
especialista da Antiguidade alcança suas informações? Certamente, ser histo-
riador classicista é encontrar muitos desafios no ofício, a começar pela distância
temporal em que nossa sociedade se encontra das civilizações da Antiguidade, o
que significa que muitas lacunas estão presentes, muitos materiais se perderam e
muitos documentos históricos não foram produzidos com a intenção de registrar
para o futuro, mas para responder algum anseio de seu momento de produção.
Hartog (2003, p.195) aponta algumas das características que devem ser o
ponto de partida para compreender o trato da história antiga:

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


171

[...] a raridade documental permanece, não obstante, a condição de


base do ofício de classicista.

Raridade quer dizer antes de tudo descontinuidade na diacronia. [...] A


essas dificuldades práticas e epistemológicas suscitadas por esses elos
ausentes – ao mesmo tempo verticalmente e horizontalmente – acres-
centa-se ainda a heterogeneidade documental: um texto, uma escava-
ção, uma imagem são “discursos” diferentes, cada um seguindo sua
trilha própria, com sua lógica particular, que no entanto precisam ser
entrecruzados em algum lugar. Tarefa bastante delicada, tendo em vista
que o texto, a escavação e a imagem são, cada qual a seu modo, múl-
tiplos, complexos e conheceram, segundo o ritmo de diferentes tem-
poralidades, mudanças e variações. Eis o que implica ser historiador
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

da antiguidade – ou a tarefa impossível de situar-se, com acuidade e


finura, na encruzilhada de múltiplas competências.

Deste excerto, podemos destacar duas características essenciais das fontes para
os estudos da Antiguidade: a raridade e a heterogeneidade. A raridade documen-
tal se relaciona à escassez de documentos históricos, que nos permite conhecer
esse período tão distante de nós e se deve à falta de preservação dos materiais,
assim como à ação do tempo sobre objetos e escritos pouco resistentes. A hete-
rogeneidade se liga à ideia da corrente historiográfica da Nova História, isto
é, estudar a Antiguidade estritamente por fontes escritas é limitar o conheci-
mento acerca do período, o que significa que não podemos desprezar as fontes
imagéticas, literárias, epigráficas, numismáticas entre outras. Diante de tama-
nha diversidade, é necessário questionar as fontes a fim de extrair informações.

A Nova História faz parte da terceira geração da École des Annales, uma corren-
te historiográfica que despontou na década de 70, encabeçada por Jacques
Le Goff e Pierre Nora. Ela carrega consigo todas as características dos Annales,
compreende, portanto, a importância do uso de fontes de diversas naturezas
e do diálogo entre as ciências irmãs e a história. Além disso, a Nova História se
pauta na criticidade do historiador, isto é, o pesquisador não é passivo diante
dos dados, mas deve questionar e interpretar seus significados.
Fonte: a autora.

As Especificidades do Trabalho da História Antiga


172 UNIDADE V

Os aspectos preliminares acerca das fontes da Antiguidade levam o historia-


dor especialista a desenvolver habilidades metodológicas que nem sempre são
requeridas a outros historiadores especialistas em temporalidades mais recentes.
Isso significa que o classicista deve conhecer, pelo menos de forma geral, línguas
mortas, ter noção de arqueologia, saber lidar com a epigrafia e a numismática,
domínio de contexto e munir-se de outras metodologias que o aproximem de
um tempo que está há milhares de anos antes de seu nascimento. Apesar de todas
essas especializações, o pesquisador da história antiga é consciente de que jamais
conseguirá preencher todas as lacunas, bem como sabe que seus documentos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
não são contínuos e nem dialogam entre si.

Longe vão os bons tempos em que os historiadores da Antiguidade (fosse


ela do Oriente Médio ou Greco-Romana) podiam relegar a arqueologia à
condição de atividade subsidiária de menor importância.
(Moses I. Finley)

As ações do tempo e do homem destruí-


ram muitos materiais que poderiam servir
de fontes históricas, por isso, o classicista
deve aceitar todos os materiais sobreviven-
tes da Antiguidade como fontes históricas
– de objetos encontrados em uma escava-
ção a uma escrita em um papiro –, e, para
que isso seja possível, é necessário estabele-
cer diálogo entre as distintas ciências irmãs.
No caso da Antiguidade, as que mais esta-
belecem esse contato são a numismática, a
epigrafia, a linguística, a etimologia, a lite-
ratura e a arqueologia.

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


173

No caso da arqueologia, a relação parece mais óbvia e também mais constante.


Além disso, muitos pesquisadores da Antiguidade despertaram seu interesse pelo
período em questão inspirados em filmes de arqueólogos aventureiros, que precisam
explorar locais muito antigos e desvendar mistérios, como Indiana Jones ou Tomb
Raider. No entanto, não podemos enganar-nos e pensar que o arqueólogo ou o his-
toriador classicista atua como esses personagens fictícios, pois a “arqueologia estuda
a totalidade material das sociedades humanas” (JOÃO, 2013, p. 107) e, apesar da
Antiguidade, em muitos casos, parecer uma aventura ou um mistério, o ofício des-
ses profissionais se desenvolve de forma diferente dos aventureiros de Hollywood.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A arqueologia e a história antiga estão em constante diálogo; elas se com-


pletam e se auxiliam:
Para começar, acredito que seja falso falar da relação entre a história e
a arqueologia. Não estão em questão duas disciplinas qualitativamente
distintas, mas dois tipos de testemunhos históricos. Portanto, não pode
haver dúvida quanto a prioridade geral ou superioridade de um tipo
de testemunho sobre o outro; tudo depende, em cada caso, do tipo de
testemunho disponível e das questões particulares a serem respondidas
(FINLEY, 1994, p. 28).

Finley (1994) apontou que uma ciência é dependente da outra, isto é, a arqueolo-
gia necessita da história antiga para significar o material encontrado, compreender
o que é, como foi utilizado e qual a sua importância; ao mesmo tempo, a história
antiga necessita da arqueologia para ampliar seu campo documental. Além disso, não
podemos dizer que uma fonte arqueológica é superior a uma fonte escrita, ou vice-
-versa, pois o que determinará a superioridade de uma fonte é o questionamento do
pesquisador. Para explicar essa colocação, tomemos como exemplo a mumificação
realizada no Egito Antigo: se o pesquisador pretende estudar os processos de mumi-
ficação, a múmia será a melhor fonte de estudo. Contudo, se o pesquisador tem a
pretensão de estudar os aspectos ideológicos de uma mumificação, os encantamen-
tos escritos em papiros e nas paredes dos sepulcros são as fontes mais adequadas.
Hartog (2003) afirma que o historiador classicista atua na ausência de fontes, o
que significa que todo material sobrevivente do período é igualmente importante,
independentemente de ser uma fonte arqueológica ou escrita, e que a arqueologia
beneficiou os estudos antigos, pois abriu novas possibilidades de informações. Para
esse profissional, não há distinção entre fontes primárias e secundárias, visto que

As Especificidades do Trabalho da História Antiga


174 UNIDADE V

todas dizem algo e são relevantes no processo de construção histórica, por exem-
plo: ao descobrir um novo papiro, tanto o material (fonte primária) quanto o seu
escrito (fonte secundária) são primordiais no processo histórico. A importância é
atribuída de acordo com o questionamento que se faz e o objetivo do historiador.
Caro(a) aluno(a), não sugiro que o historiador especialista em Antiguidade
seja melhor do que os demais profissionais da história, nem ao menos que seu
trabalho seja mais árduo comparado ao demais. Afinal, o historiador classicista é,
acima de tudo, um historiador, mas suas preocupações, limites e dificuldades são
distintas. Tomando-as como direção, utilizemos como exemplo o historiador do

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tempo presente, que detém a dificuldade inversa: a abundância de fontes e, den-
tre elas, tem a possibilidade de utilizar as fontes orais – documentos históricos de
natureza nada simples, com diversos desafios –, que podem ocultar e demonstrar
o que seu falante intenciona, e questionar uma fonte oral pode causar indignação
do locutor. No entanto, como um historiador da Antiguidade pode trabalhar com
fontes orais? Infelizmente, a comunicação com os mortos ainda não é possível!
Retomando o tema da escassez de fontes e da heterogeneidade dos materiais
disponíveis, os historiadores especialistas em Antiguidade devem desenvolver a
prática de retomar e de revisar os documentos que já foram exaustivamente tra-
balhados, bem como retomar os trabalhos já escritos referentes a eles. Conforme
Hartog (2003), os demais especialistas da história visualizam essa prática como
“ruminação” e repetição, mas é uma atividade necessária para o classicista.
A escrita historiográfica é um reflexo de seu próprio tempo, já que novos
questionamentos são constantemente realizados e um novo olhar sobre o pas-
sado é lançado. Para elucidar essas questões da repetição e da revisão do passado,
podemos citar o próprio caso do Império Romano. Guarinello (2010) assevera
que durante o período de imperialismos, entre os séculos XIX e XX, os estudos
sobre o Império Romano se pautavam no império como unidade sólida, con-
sistente e com províncias completamente romanizadas. Esse tipo de abordagem
dizia mais dos séculos XIX e XX, e a intencionalidade de imperialismos sólidos,
do que do Império Romano em si. Atualmente, vivemos em um contexto em
que as diferenças são consideradas e este aspecto se reflete em nossas aborda-
gens sobre o Império Romano, ou seja, os estudos atuais envolvem questões de
gênero, de sexualidade e de diferenças territoriais no Império Romano.

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


175

Caro(a) aluno(a), sabendo que a história é um espelho da atualidade, qual


é a temática da Antiguidade de seu interesse? O que a temática escolhida
reflete de sua realidade?

Esclarecida a necessidade de estudar as fontes materiais da Antiguidade, não


podemos desconsiderar a importância daquelas que provêm da escrita. Muitas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

fontes de caráter administrativo e oficial chegaram à contemporaneidade, mas


não podemos ignorar que a maior parte delas é literária.
Lidar com as fontes de caráter administrativo e oficial não atribui confiança
aos dados informados neles. Finley (1994) assevera que muitos desses documen-
tos não são um balanço das civilizações, mas documentos localizados, ou seja,
de um espaço pequeno e de um curto período de tempo. No caso dos documen-
tos administrativos, muitos eram documentos de uso pessoal.
Por exemplo, Columela (4 d.C-70 d.C.) e Catão, o Velho (234 a.C.-149 a.C.)
deixaram importantes obras sobre a vida rural na Antiguidade, assim como mui-
tos registros numéricos de ganhos, de perdas, de cabeça de gado e de peso de
produção. Todavia, não podemos confiar piamente nesses dados, pois são infor-
mações de duas propriedades particulares, o que significa que não demonstram
o funcionamento de todas as propriedades da sociedade em que estavam inseri-
das e também não estavam preocupados em anotar todos os números de forma
fiel e exata, o que torna os dados imprecisos.
Apesar dessas desconfianças que devemos ter com as fontes oficiais e admi-
nistrativas sobre a Antiguidade, é muito frequente a aparição de números e de
estatísticas em muitos trabalhos. Finley (1994, p. 38) justifica essa atitude com a
sensação de segurança de precisão que os números nos proporcionam, por exem-
plo, dizer que “havia doze cavalos na propriedade” nos dá maior segurança do
que dizer “havia poucos cavalos na propriedade”.
Outra natureza das fontes escritas da Antiguidade, e que compõe a maior
parte delas, é a presença de textos literários. Aqui, proponho-lhe um exercício:
quando pensa em história antiga e suas fontes escritas, você se lembra de quê?

As Especificidades do Trabalho da História Antiga


176 UNIDADE V

Muitos podem lembrar-se de narrativas históricas, como dos autores Flávio


Josefo, Tito Lívio, Tácito, Heródoto e Tucídides. Entretanto, se você se lembrou
de Ilíada e de Odisseia, de Homero, de Eneida, de Virgílio, ou de escritos filosó-
ficos de Sêneca, de Aristóteles, de Platão, de Sócrates, de Demócrito etc., saiba
que todos estes tratados são literários, ora de caráter fantasioso, para explicar a
humanidade pelos mitos e pelos eventos dos deuses, ora de pensamentos racio-
nais, para refletir aquela sociedade, porém sem excluir a ação dos deuses e sem
a preocupação de que a humanidade, em tempos futuros, poderia lê-los.
Quando direcionamos nosso olhar aos escritos de caráter histórico dos

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autores da Antiguidade, devemos ter cautela para não depositar confiança em
tudo o que é escrito. Os autores possuíam métodos de escrita: escreviam pau-
tados em fontes confiáveis e priorizavam assuntos políticos, militares e étnicos,
entretanto, não admitiam lacunas e, quando se deparavam com “vazios”, eles os
preenchiam com invenções, suposições e explicações míticas. Ademais, os his-
toriadores escreviam conforme suas realidades, carregados de juízos de valor e
descreviam os fatos conforme suas visões.
Sobre os escritos literários, em muitos estudos historiográficos datados do século
XVI ao século XIX sobre a Antiguidade, encontramos a referência à história antiga
como a “época dos heróis”, devido ao caráter literário das fontes escritas. Apesar de
poético, a Antiguidade não era composta somente de heróis, mas de homens comuns,
como eu e você, que trabalhavam, divertiam-se, sofriam, adoeciam e possuíam crenças
em seus deuses ou Deus. Isso significa que não podemos ler as fontes sem critici-
dade, caso contrário, consideraremos os antigos como “heróis”. É necessário ler os
documentos literários sempre questionando-os, de forma semelhante a outras fontes.
Apesar do caráter fantasioso que os escritos literários possuem, dizem muito a
respeito de uma época. Tomando o exemplo de Odisseia, de Homero, quando há a
referência de Odisseu como rei, ao mesmo tempo em que sua propriedade parece
mais bucólica e possível de não ser transmitida de forma hereditária, podemos inter-
pretar que, no momento em que a obra foi produzida, a sociedade era composta
de reis que atuavam em suas propriedades e que, dentro de uma sociedade maior,
existiam diversos reis. Apesar desse caráter monárquico, nem sempre o poder era
transmitido hereditariamente. Em suma, apesar de uma narrativa mítica, Homero
demonstrou as características de uma sociedade que possui a existência comprovada.

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


177

Sendo documentos literários ou materiais, todos devem ser analisados critica-


mente, serem questionados e entrecruzados para gerar informações sobre o passado.
Hartog (2003) e Finley (1994) concordam que os materiais utilizados como
fontes históricas pelo historiador da Antiguidade não foram produzidos com a
intenção de servir como fonte histórica. É um erro muito comum pegarmos um
material e atribuirmos a ele um significado, na crença de que seu sentido origi-
nal seja aquele que conferimos, como no excerto a seguir:
A primeira pergunta a ser formulada com relação a qualquer documento
refere-se à razão ou ao motivo de ele ter sido escrito. Essa pergunta não é
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

feita com suficiente frequência, pois presume-se inconscientemente que


os motivos e propósitos são evidentes por si mesmos, ou seja, são mais ou
menos os mesmos que os nossos (FINLEY, 1994, p. 44).

Todo documento possui um propósito e, geralmente, não é o mesmo que o


nosso. Nenhum material foi produzido sem uma finalidade e cabe ao historia-
dor questionar qual é o seu objetivo. Além disso, todos os materiais carregam
um pouco de seus autores e são dirigidos a um público, como Finley (1994,
p. 43) aponta:
Duas distinções preliminares devem ser feitas, ambas um tanto óbvias.
A primeira é entre, de um lado, documentos provenientes de e dirigi-
dos a cidadãos comuns (ou grupos, como uma associação de arrecada-
ção de impostos) e, de outro, documentos originários de um órgão pú-
blico, seja o Estado, uma subdivisão dele (tal como um demo ateniense)
ou um templo. A segunda é entre documentos destinados à circulação
particular e ao conhecimento público.

O autor expressa que é possível um documento ter sido produzido por um ou


por vários homens, podendo ser um sujeito comum ou um líder político, bem
como o material pode ter sido produzido para uma pessoa em especial ou ser
um comunicado para uma sociedade. Seja qual for seu autor e para quem ele se
dirige, o historiador deve considerar ao tratar de um material.
Futuro(a) professor(a) de história, você deve imaginar o quão trabalhoso é
pesquisar sobre a Antiguidade, mas saiba que a beleza do ofício do classicista é
justamente essa, além da variedade de descobertas, dos questionamentos e das
respostas que as fontes podem oferecer – o resultado de todos os trabalhos car-
rega a gratificação da pesquisa em Antiguidade.

As Especificidades do Trabalho da História Antiga


178 UNIDADE V

Só defendo que o historiador aborde seu material tendo em mente ques-


tões significativas. Os documentos por si sós, não fazem perguntas, embora
por vezes possam fornecer respostas.
(Mosés I. Finley)

PONTOS A SEREM CONSIDERADOS NA ANÁLISE DE


UM DOCUMENTO

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Caro(a) aluno(a), você deve ter observado como o trabalho do historiador classi-
cista é complexo, visto que requer muitos cuidados e diálogo com outras ciências,
pois trabalha com a escassez de fontes. Diante dos limites dos estudos acerca da
Antiguidade, Venturini (2010a) sistematizou alguns pontos para realizar a aná-
lise de documento:
■ Considerar o contexto histórico adequado a cada documento;
■ Analisar o conteúdo do documento e esclarecer os termos específicos
utilizados;
■ Pesquisar a respeito dos nomes próprios citados;
■ Identificar a importância do documento para o processo analisado.

Cada um dos pontos apresentados é um passo primordial para compreender


o documento, para extrair informações a partir dos nossos questionamentos e
para entendê-los em seu momento histórico.
Considerar o contexto histórico adequado a cada documento talvez seja o
passo mais importante em uma análise de fonte. Contextualizar é entender o
tempo e o lugar nos quais o material foi composto. Quando se há a compreensão
dos ocorridos de um momento, o risco de cometer anacronismo é menor, o que
significa que o caminho para compreender o conteúdo do documento se abre.

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


179
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Analisar o conteúdo do documento e esclarecer os termos específicos utilizados


é o ofício de identificação e de análise, isto é, responder os seguintes questiona-
mentos: sobre o que o documento aborda? Por que esse assunto aparece nesse
contexto? Ao mesmo tempo, é preciso identificar e analisar os termos especí-
ficos, isto é, os conceitos referentes à época. Muitos termos possuem sentidos
construídos historicamente, ou seja, o que significa atualmente nem sempre foi
seu sentido original. Quando não se possui consciência disso, a compreensão
dos textos ou até mesmo de imagens passam despercebidas em uma análise.
Usualmente, muitos documentos não são entendidos em sua plenitude porque
alguns termos não são compreendidos ou são interpretados de maneira errônea.
Pesquisar a respeito dos nomes próprios citados é um passo a mais para
alcançar a compreensão sobre o documento. O primeiro nome próprio que
deve ser pesquisado e considerado é o de quem produziu o documento: quem
era, onde nasceu, onde viveu e quais eram suas funções em vida. Em seguida, é
preciso identificar os nomes citados no próprio documento, pois podem eviden-
ciar com quem o autor pretende/pretendia dialogar e por que esse(s) sujeito(s)
é(são) citados. Os nomes de lugares demonstram qual o local de origem do docu-
mento ou a importância de mencionar determinados locais.

Pontos a Serem Considerados na Análise de um Documento


180 UNIDADE V

Identificar a importância do documento para o processo analisado é a função


do classicista em seu auge, pois é o momento em que há o olhar crítico do historia-
dor da história antiga. Esse ponto solicita que o profissional da história relacione o
documento, o conteúdo, o autor, os nomes próprios, os lugares e o processo de cons-
trução da história. É o momento de perguntar: qual o sentido desse documento nesse
contexto histórico? Isto é, qual a relação entre o autor, o público, a obra e a história?
O modelo de análise apresentado até então se mostra muito eficaz para o
primeiro olhar sobre uma fonte histórica. No entanto, há formas mais amplas,
com pontos específicos de análise. Venturini e França (2010b, p. 177) apresen-

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tam outros passos de uma análise de documento a partir dos métodos anteriores:
1. Lugar de origem e datação do documento: significa que é preciso identi-
ficar onde o documento foi produzido e qual o ano exato ou aproximado;
2. Estudo da forma adotada pelo texto: (por exemplo: texto de ficção –
romances, tragédias, comédias, epopeias, sátiras –, cartas, leis, narrativas
imagéticas, entre outros) identificar qual o tipo de material apresentado,
para utilizar as teorias e os métodos adequados de análise do documento;
3. Resumo do conteúdo do texto: identificar o assunto central e os assun-
tos secundários de um documento;
4. Identificação e estudo do contexto histórico em que o documento está
inserido: pesquisar a respeito dos acontecimentos da época em que o
documento foi produzido;
5. Estudo minucioso dos termos utilizados no documento: realizar leitura
crítica a fim de identificar os conceitos específicos de cada época, bem
como seus significados originais. Neste ponto, também é possível inserir
a pesquisa sobre nomes próprios de pessoas e de lugares;
6. Apresentação do autor, reconhecendo seu meio cultural e o momento
de produção do texto: reconhecer quem produziu o documento, qual a
sua trajetória, as suas funções e as condições de vida;
7. Discussão da temática sugerida pelo documento no quadro das abor-
dagens historiográficas: relacionar o conteúdo do documento com as
produções historiográficas, isto é, ler como os escritos históricos atuais
analisam o documento escolhido e quais as formas de leitura possíveis;
8. Reconhecimento da relação autor-público do documento: identificar
para quem o autor produziu o material e o motivo de um documento
dessa natureza ser dirigido para determinado público.

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


181

Ressalto que muitos pontos são apresentados para o trato de uma fonte histórica, toda-
via, nem todos os documentos responderão ou possuirão os passos apresentados. Por
exemplo, muitos testemunhos, principalmente os arqueológicos, sobreviveram em
fragmentos, o que significa que não é possível identificar todo o seu conteúdo. Outros
não possuem assinatura de autoria, assim, não é possível identificar o autor e o seu
meio sociocultural. Os passos apresentados são uma forma mais eficaz de olhar criti-
camente um material histórico, mas isso não significa que seja um modelo engessado.
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DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA: ORIENTE PRÓXIMO


ANTIGO, EGITO ANTIGO, GRÉCIA ANTIGA E ROMA
ANTIGA

Até este momento, você se deparou com diversos conteúdos e debates historio-
gráficos de informações referentes às civilizações da Antiguidade. Todavia, a
história antiga não se traduz unicamente pela interpretação crítica dos dados,
mas também na reunião destes por meio de fontes históricas, sejam elas escri-
tas ou materiais.
A seguir, há uma proposta prática do ofício do classicista, isto é, serão apre-
sentados trechos de documentos históricos e de comentários críticos de como
devem ser lidos os documentos, a fim de que você tenha contato inicial com as
fontes. Para tanto, dividimos os materiais de acordo com suas respectivas socie-
dades de origem.
É importante relembrar que as civilizações orientais – Oriente Próximo
Antigo e o Egito Antigo – possuem menor quantidade de documentos históri-
cos sobreviventes, quando comparadas à Grécia e a Roma antigas.

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
182 UNIDADE V

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Hieróglifos egípcio.

DOCUMENTOS REFERENTES AO ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO

Dilúvio Sumério
Minha humanidade, em sua destruição eu vou...
(37 linhas perdidas)
Para Mintu eu vou devolver o... de minhas criaturas,
Eu vou devolver o povo aos seus povoados,
Das cidades, em verdade eles construirão seus lugares de
(divinos) rituais, eu farei pacífica sua sombra,
De nossas casas, em verdade eles assentarão seus tijolos
Em lugares puros,
Os lugares de nossas decisões em verdade eles estabelecerão
Em lugares puros
Ele dirigiu o... dos lugares sagrados
Aperfeiçoou os ritos e as exaltadas divinas ordenações,
Na terra ele... ou colocou, o ... ali.
Depois que Anu, Enlil, Enki, e Ninhursag
Haviam modelado o povo cabeça-negra
A vegetação exuberou da terra,
Animais, criaturas quadrúpedes da planície, foram habilmente criados
(PINSKY, 2003, p. 43-44)

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


183

Comentário: a Epopeia de Gilgamesh persistiu em forma de narrativa por muitos


anos, mas foi compilada por volta de 1700 a.C. e sua autoria é anônima. A temática
da obra se refere às aventuras do rei sumério Gilgamesh, que não podemos afir-
mar se existiu verdadeiramente – mas há muitas narrativas míticas sobre sua figura.
O texto apresentado se refere ao grande dilúvio que aconteceu na região da
antiga Mesopotâmia, nas cidades sumérias, e, após a esse desastre natural, várias
cidades se reorganizaram. A narrativa é frequentemente comparada ao dilúvio da
história bíblica de Noé e muitos estudiosos defendem que ele inspirou Homero
a compor Ilíada. O documento é considerado um dos marcos da sedentariza-
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ção e da formação das cidades dos povos sumérios.


Texto sobre o rei Sargão, o Velho (Sargão I)
Sargão, o poderoso rei de Acádia, eu sou.
Minha mãe foi uma concubina, meu pai eu não conheci.
Os irmãos de meu pai amavam as montanhas.
Minha cidade é Azupiranu, que está situada as margens do Eufrates.
Minha mãe concubina concebeu-me, secretamente ela me fez nascer
Ela me colocou numa cesta de junco, com betume ela selou minha tampa.
Ela me jogou ao rio, que não me cobriu
O nome conduziu e me levou até Akki o tirador de água
Akki, o tirador de água, retirou-me quando mergulhava
Seu jarro.
Akki, o tirador de água, tomou-me como seu filho e criou-me (PINSKY,
2003, p. 59-60)

Comentário: o texto tem autoria anônima, pois, provavelmente, foi legado


pela tradição oral. Sua criação data do período acadiano no Oriente Próximo
Antigo, mas não há informações que atestem o período de sua transcrição. O
assunto principal do documento narra a origem de um dos reis mais conheci-
dos da Acádia: Sargão I ou Sargão, o Velho. O período de existência e de governo
deste rei é longínquo e obscuro, consequentemente, os dados sobre sua vida não
são claros, bem como não sabemos como governou. É provável que os próprios
orientais antigos não tenham tido informações suficientes sobre o monarca, o
que explica a narrativa de uma personalidade divinizada.

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
184 UNIDADE V

Apesar do caráter mítico do texto, é possível identificar importantes informações


contextuais, por exemplo: o modelo de governo era a monarquia, a organização
da região se dava por cidades-estados – que funcionavam como pequenos reinos
independentes uma das outras – e a localização do documento. Enfim, encontra-
mos inúmeros elementos de acordo com a pergunta que se faz ao texto.
Enuma Elish – Mito de Criação da Babilônia
Quando Marduk ouviu o discurso dos deuses
Ele concebeu o desejo de realizar coisas sábias

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ele abriu sua boca e disse para Ea,
Ele aconselha o que ele ponderou em seu coração:
Eu juntarei sangue para formar osso,
Eu darei existência a Lullu, cujo nome será “homem”
Eu criarei Lullu-homem.
No qual o esforço dos deuses será deixado para que estes descansem.
Eu irei habilidosamente alterar a organização dos deuses:
Embora eles sejam honrados como um, eles serão divididos em dois.
Ea respondeu, como ele dirigiu uma palavra a ele,
Expressando seus comentários sobre o descanso dos deuses.
Deixe um irmão deles ser dado a mim.
Deixe-o perecer para que as pessoas sejam modeladas.
Deixe os grandes deuses se reunirem.
E deixe o culpado ser entregue para que eles possam permanecer.
Marduk reuniu os grandes deuses,
Usando magnanimidade ele deu sua ordem,
Enquanto ele falava, os deuses o ouviam:
O rei dirigiu a palavra aos Anunnaki,
Seu antigo juramento foi de fato verdadeiro,
Agora também digam a mim a solene verdade:
Quem foi aquele que instigou a guerra,

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


185

Quem fez Tia-mat rebelar-se, e iniciar a batalha?


Deixem que quem instigou a guerra seja entregue
Que eu poderei lançar a punição sobre ele, enquanto vocês sentam e
descansam.
Os Igigi, os grandes deuses, responderam a ele,
Isto é, Lugaldimmerankia, o conselheiro dos deuses, o senhor,
Qingu é aquele que instigou a guerra,
Que fez Tia-mat rebelar-se e iniciar a batalha
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Eles o acorrentaram, segurando-o diante de Ea,


Eles infligiram a pena sobre ele e cortaram seus vasos sanguíneos.
De seu sangue Ea fez a humanidade,
Sobre a qual ele impôs o serviço dos deuses, libertando os deuses.
E ele impôs o serviço dos deuses sobre eles –
Esta tarefa está além da compreensão.

Pois Nudimmud realizou a criação com a habilidade de Marduk –

Rei Marduk dividiu os deuses,

Todos os Anunnaki em grupos superiores e inferiores.

Ele designou 300 nos céus para guardar os decretos de Anu


E indicou-os como guardas.

Depois ele rearranjou a organização do submundo.

No céu e no submundo ele dispôs 600 deuses.

Depois ele organizou todos os decretos.

E distribuiu rendas entre os Anunnaki do céu e do submundo,

Os Anunnaki abriram suas bocas

E se dirigiram ao seu senhor Marduk,

Agora, senhor, vendo que vós estabelecestes nossa liberdade

Qual favor nós podemos fazer a vós?

Deixe-nos fazer um santuário de grande renome:

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
186 UNIDADE V

Sua câmara será nosso lugar de descanso, dentro do qual repousaremos.


Deixe-nos erigir um santuário para abrigar um pedestal
Dentro do qual nós poderemos repousar quando nós o terminarmos.
Quando Marduk ouviu isto,
Ele sorriu tão brilhantemente quanto a luz do dia
Construam Babilônia, a tarefa que vós visais.
Deixem que tijolos para ela sejam moldados, e ergam o santuário!
Os Anunnaki empunharam a picareta.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Por um ano eles fizeram os tijolos necessários.
Quando chegou o segundo ano,
Eles ergueram o pico do Esagil, uma réplica do Apsu.
Eles construíram o imponente zigurate de Apsu
E para Anu, Enlil e Ea, eles estabeleceram seus [...] como uma moradia.
Ele sentou em esplendor diante deles,
Suas pontas [do zigurate] estavam voltadas para a base de Esharra.
Depois que eles completaram o trabalho do Esagil
Todos os Anunnaki construíram seus próprios santuários.
300 Igigi do céu e 600 do Apsu, todos eles, se reuniram.
Eu assentei os deuses, seus pais, no banquete
No imponente santuário o qual eles construíram para sua morada,
Esta é Babilônia, sua morada fixa,
Tirem proveito aqui! Sentem-se alegremente!
Os grandes deuses sentaram-se,
Canecas de cerveja foram dispostas e eles sentaram para o banquete
(THE ENUMA ELISH, 1902, adaptação da autora).

Comentário: o texto é de autoria anônima e narra a criação da Babilônia. Não


é possível datar sua origem, embora as pesquisas atuais afirmem que varia entre
a Idade do Bronze ao século XII a.C.

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


187

As origens de uma sociedade antiga não possuem lacunas somente na atu-


alidade, mas os próprios indivíduos da Antiguidade não sabiam ao certo como
suas civilizações surgiram. Nos dias de hoje, buscamos respostas científicas, pau-
tadas em fontes e em análises metódicas, contudo, na Antiguidade, não havia
rigor científico nas explicações, assim, as respostas provenientes das religiões
ou dos mitos eram suficientes para responder os anseios daquelas sociedades.
O trecho do documento citado é riquíssimo para compreender a sociedade
babilônica, visto que a narrativa central gira em torno do mito criador da cida-
de-estado, ao mesmo tempo em que apresenta diversas divindades. Muitas dos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

deuses e das deusas citados no documento foram cultuados em outras cidades-


-estados da região.
Epílogo do Código de Hamurábi
[Estas são] as sentenças da justiça, que Hamurábi, o rei forte, estabele-
ceu e que fez o país tomar um caminho seguro e uma boa direção. Eu
sou Hamurábi, o rei perfeito. Para com os cabeças-pretas, que Enlil me
deu de presente e dos quais Marduk me deu o pastoreio, não fui negli-
gente, nem deixei cair os braços; eu lhes procurei sempre lugares de
paz, resolvi dificuldades graves, fiz-lhes aparecer à luz. Com a arma po-
derosa que Zababa e Ishtar me outorgaram, com a sabedoria que E a me
destinou, com a habilidade que Marduk me deu, aniquilei os inimigos
em cima e em baixo [no norte e no sul], acabei com as lutas, promovi o
bem-estar do território. Eu fiz os povos dos lugarejos habitar em verdes
prados, ninguém os atormentará. Os grandes deuses chamaram-me, eu
sou o pastor salvador, cujo cetro é reto, minha sombra benéfica está es-
tendida sobre minha cidade. Eu encerrei em meu seio os povos do país
da Suméria e Acádia, sob minha divindade protetora eles prosperaram,
eu sempre os governei em paz, em minha sabedoria eu os abriguei.
Para que o forte não oprima o fraco, para fazer a justiça ao órfão e à
viúva, para proclamar o direito do país em Babel, a cidade cuja cabeça
An e Enlil levantaram, na Esagila, o templo, cujos fundamentos são tão
firmes como o céu e a terra, para proclamar as leis do país, para fazer
direito aos oprimidos, escrevi minhas preciosas palavras em estela e
coloquei-a diante de minha estátua de rei da justiça.
Eu sou o rei que é imensamente grande entre os reis. Minhas palavras
são escolhidas, minha habilidade não tem rival. Por ordem de Sha-
mash, o grande juiz do céu e da terra, possa minha justiça manifestar-se
no país, pela palavra de Marduk, meu senhor e, possam meus estatutos
não ter opositor, possa o meu nome ser pronunciado para sempre com
honra na Esagila que eu amo (BOUZON, 1987, p. 222-223).

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
188 UNIDADE V

Comentário: o Código de Hamurábi data, aproximadamente, do século XVIII


a.C. e é constituído de uma reunião de leis para a sociedade. Apesar de serem
leis para reger os homens, a inspiração de sua criação ou de sua escrita é deri-
vada das divindades, o que demonstra o poder político vinculado às crenças.
Os estatutos que seguem o epílogo tratam de diversas áreas da vida humana:
aspectos econômicos, sociais, culturais e religiosos, e, possivelmente, foi inspirado nas
leis que já eram aplicadas naquela sociedade, mas que ainda não tinham sido escritas.
A autoria é atribuída ao rei Hamurábi, todavia não sabemos ao certo quem
produziu o material, apesar da probabilidade de ter sido um ou mais escribas.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Trecho da carta da princesa Nin-Sata-Pada da cidade de Uruk
Isso é o que Nin-Sata-Pada, a mulher escriba,

sacerdotisa da divina Meslamtaea,

filha de Sin-kãSid, rei de Uruk,

sua escrava, disse (POZZER, 1998/1999, p. 68).

Comentário: a carta data do século XVIII a.C. e foi escrita pela princesa Nin-
Sata-Pada. Esta foi uma sacerdotisa na cidade de Durum e se reconhecia como
uma escriba.
Apesar de curto, o trecho tem muito a dizer sobre os orientais antigos. A prin-
cípio, podemos verificar que a função de escriba não era exclusividade do sexo
masculino. Adiante, identificamos que as princesas das cidades-estados orientais
antigas nem sempre eram utilizadas como meio de conseguir alianças políticas,
tendo em vista que eram educadas a desempenharem diversas funções. Ainda,
apontamos mais uma vez o forte laço que ligava o poder político das sociedades
orientais antigas à religião e às religiosidades.

DOCUMENTOS REFERENTES AO EGITO ANTIGO

Caro(a) aluno(a), até aqui você visualizou alguns documentos referentes aos
povos do Crescente Fértil Antigo. Neste momento, você entrará em contato com
alguns documentos escritos e imagéticos do Egito Antigo com o mesmo rigor
crítico. Boa leitura e boa análise!

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


189

Paleta de Narmer
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 – Frente e costas da Paleta de Narmer – Royal Ontario Museum, Toronto, Canadá
Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)¹.

Comentário: a Paleta de Narmer é o documento mais antigo acerca da unifica-


ção do Egito Antigo. Não há informações sobre quem a produziu, mas sabemos
que foi uma placa comemorativa sobre a unificação do Egito em honra a Narmer,
confeccionada a cerca de 500 anos após o acontecimento.
A paleta possui a narrativa imagética da conquista de Narmer – o rei do Vale
do Egito e a maior figura da imagem à esquerda – sobre o Delta, por meio da
decapitação de seu rival. Na mesma imagem, é possível visualizar a figura de um
falcão, que representava uma divindade. À direita, na primeira linha, Narmer
aparece com as coroas do Vale e do Delta, o que simboliza a união das duas tri-
bos; à sua frente há quatro indivíduos que carregam os símbolos das principais
divindades legitimadoras do novo rei; na linha abaixo, há dois leões que entre-
laçam seus pescoços, demonstrando a união de duas partes.

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
190 UNIDADE V

Hino à Cheia do Nilo


I. Saudações a ti, Cheia (Hápi)! Aquela que brota da terra [que vem]
fazer viver o Egito. Que dissimula sua imagem, trevas durante o dia,
depois que os criados cantaram em sua homenagem. Que inunda os
prados que Rá criou, para fazer viver todo [o gado jovem]. Que sacia a
fome das regiões montanhosas que estão distantes da água: o que desce
do céu é seu orvalho.
II. Senhor dos peixes. Tu conduzes os pássaros migratórios rumo ao
Sul; não existe pássaro que retorne durante o período dos ventos quen-
tes. (Aquela) que criou a cevada e que faz nascer o trigo polvilhado, que
ricamente abastece os templos. [Quando] diminuem [os bolos de ofe-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
renda aos deuses], então milhões perecem entre os homens. (Aquela)
que produz voracidade de tal maneira que o país inteiro sofre; o grande
e o pequeno erram. (Mas) [os homens se reúnem] quando ela se apro-
xima, quando Khnoum a cria. Quando ela aparece, então o país exulta,
então todo o mundo se regozija. Cada dentadura aparece no riso, cada
dente é descoberto [...].
XIII. Engrossa, Cheia, para que te tragam oferendas... Que se façam
oferendas a cada deus, [tais como as que se faz a Cheia]: incenso e azei-
te fino, bois de longos chifres, bois de curtos chifres e aves em holocaus-
to (VENTURINI, 2010b, p. 118, adaptação da autora).

Comentário: obra lírica composta durante a XIX dinastia. De acordo com


Venturini (2010b), não possui autoria e seu objetivo é exaltar os benefícios trazidos
pela regularidade das cheias do rio Nilo. Este era primordial para o funcionamento
do Egito, pois era utilizado como fertilizante para as terras agriculturáveis, para
a comunicação e para trocas internas. O hino à sua homenagem demonstra sua
grande importância, tanto que foi considerado a personificação do deus Hápi.
Sátira dos Ofícios, Duaf-Khety: o Camponês
O camponês passa a vida a lamentar-se,
tem a voz rouca como a do corvo.
Têm feridas fétidas nos dedos e nos braços.
Está farto de estar na lama,
e veste-se de farrapos e de trapos. É como se vivesse entre os leões;
quando adoece, jaz no solo húmido.
Quando abandona o campo e regressa a casa, à tardinha,
fica exausto com o caminho (CAMINOS, 1997, p. 26).

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


191

Comentário: o texto foi escrito pelo vizir Duaf a seu filho Khety com o obje-
tivo de convencer seu filho a tornar-se um escriba. Não é possível saber com
exatidão a data do documento, mas é provável que tenha sido elaborado no perí-
odo do Reino Novo.
Com o propósito de introduzir seu filho na escola de escribas, Duaf des-
creve as desgraças da vida de um camponês, considerando os esforços físicos e
as suscetibilidades às doenças.
Atribuições de um vizir: texto da tumba de Reckimire
Sua majestade diz a ele:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

[...] Vê bem, ser vizir não é coisa doce e agradável, é mesmo, por vezes,
ofício amargo como fel.

Vê, o vizir é o cobre que protege o ouro da casa de seu senhor, ele não
baixa seu rosto diante de altos funcionários e juízes, e ele não faz de
qualquer pessoa o seu cliente. Se um homem reside na intimidade de
seu senhor, deve, por eles, agir da melhor forma que puder, mas não
tem que fazer o mesmo por qualquer outro.

Litigantes do Sul e do Norte, do país inteiro virão [...] Tu, tu cuidarás


para que todas as coisas sejam feitas em conformidade com o que cons-
titui a lei, e também lhes é de direito, assegurando a justiça para cada
homem (VENTURINI, 2010b, p. 119).
Comentário: o texto foi encontrado na tumba de Reckimire, vizir de Tutmósis
III, da XVIII dinastia. O documento não tem assinatura de autoria, mas,
por tratar-se de um papiro, acredita-se que um escriba ou sacerdote o tenha
escrito.
É possível que o documento tenha sido produzido com o intuito de ser um
auxílio a um encantamento ou uma prece para ajudar o indivíduo que foi morto
na pesagem do coração. Apesar desse objetivo religioso e fúnebre, no conteúdo
do texto é possível identificar a amplitude e a importância da função do vizir,
bem como a proximidade que possuía com o faraó.
Para não morrer pela segunda vez: Encantamento CLXXVI do Livro dos Mortos
Em verdade, aborreço-me no País do Leste! Que não me arrastem aos
subterrâneos de tortura! Pois eu não cometi ações detestadas pelos
deuses. E quando passo pela região de Mesket sou reconhecido puro.
No dia de meus funerais o deus Neb-er-dier me concede a purificação
diante do Senhor dos Mundos (O LIVRO DOS MORTOS, 1996, p. 226)

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
192 UNIDADE V

Comentário: o documento faz parte de uma reunião de papiros encontrados


nas tumbas egípcias de vários tempos e é conhecido como Livro dos Mortos. Este
encantamento data do período do Reino Novo. O texto não possui assinatura de
autoria, mas, devido ao seu caráter sagrado, quem o escreveu foi um sacerdote.
De acordo com a religião egípcia, a verdadeira vida dos homens pertencen-
tes ao reino egípcio se iniciaria após a morte, no paraíso agrário, mas, para isso,
era preciso passar pelo tribunal de Osíris e ter o coração pesado e contrabalan-
çado com a pena da deusa Maat. As linhas do texto são orações para auxiliar na
confirmação da purificação do morto diante do tribunal e evitar a morte eterna.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
DOCUMENTOS REFERENTES À GRÉCIA ANTIGA

Odisseia, VI: 2-12. A relação entre os feácios e Cíclopes


[...] Mas Atena
foi à cidade populosa dos feácios, que antes
tinham habitado na espaçosa Hipereia, perto
dos Ciclopes, homens de terrível insolência,
que continuamente os pilhavam por serem mais fortes.
Foi de lá que os trouxe o divino Nausítoo e os estabeleceu
em Esquéria, longe dos homens que comem pão.
Em torno da cidade construíra um muro; edificara casas,
templos dos deuses e procederá à divisão das terras.
Mas agora, vencido pelo destino, estava já no Hades;
o rei era Alcínoo, cujos conselhos igualavam os dos deuses (HOMERO,
[s.d.], apud MALTA, 2017, p. 2).

Comentário: os versos anteriores fazem parte de Odisseia, compostos por Homero


por volta do século XII a.C. A obra toda narra a longa jornada do rei Odisseu
em retorno ao seu lar depois da Guerra de Troia.
A temática central dos cantos apresentados se refere aos seres mitológicos
Ciclopes e o povo feácio. Apesar disso, há assuntos secundários que nos dizem
muito sobre o Período Homérico, por exemplo, a prática da pilhagem como um

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


193

meio de adquirir riquezas, a existência de fortificação nas cidades e a crença do


panteão grego já bem desenvolvido.
As raças que existiram no mundo: Os Trabalhos e Os Dias, Hesíodo
[...] Primeira de todas entre os humanos de fala articulada,
fizeram os imortais que tem moradas olímpias uma raça de ouro.
Eles existiram no tempo de Crono, quando este reinava no céu;
como deuses viviam, o coração sem cuidados, sem contato com
sofrimento e miséria [...]
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

[...] Então uma segunda raça, e muito pior, depois


fizeram os que tem moradas olímpias, a de prata,
que não se assemelhava à de ouro nem em corpo nem em pensamento.
[...]
[...] E Zeus pai uma outra raça de humanos de fala articulada,
a terceira, de bronze fez, em nada igual à de prata,
mas nascida de freixos, terrível e vigorosa; [...]
[...] Mas quando a terra encobriu também essa raça,
De novo ainda outra, a quarta sobre a terra que muitos nutre,
Zeus filho de Crono fez, mais justa e valorosa,
a raça divina dos homens heróis, que são chamados
semideuses, a geração anterior à nossa na terra imensurável.
[...] Então Zeus fez outra raça {de humanos de fala articulada,
a daqueles que hoje} tem nascido sobre {a terra que muitos nutre.}
Que eu não mais fizesse parte então da quinta raça
de homens, mas tivesse morrido antes ou nascido depois.
Pois a raça agora é bem a de ferro [...] (HESÍODO, 2012, s/p.)

Comentário: Os Trabalhos e os Dias foi elaborado por volta do século VIII a.C.
por Hesíodo, originário da Beócia, na Grécia. Os assuntos principais da obra se
ligam às descrições de sua vida, ao trabalho rural, às trocas comerciais e ao sen-
timento de injustiça diante da decisão dos juízes na partilha dos bens de seu pai
entre ele e seu irmão Perses. Apesar da temática, Hesíodo transparece, em seus
escritos, sua visão de mundo, isto é, seu conhecimento de como o mundo foi

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
194 UNIDADE V

criado. Nesse sentido, no excerto apresentado, ele expõe as raças humanas que
existiram na terra: as de ouro, de prata, de bronze, de heróis e de ferro.
Decreto Soloniano citado por Aristóteles (Constituição de Atenas, 12, 4)
Repartirei a Atenas, sua pátria fundada pelos deuses, muitos homens
que haviam sido vendidos, ilegalmente ou não, outros, ainda foram le-
vados ao exílio e que nem mais falavam a língua ática, como acontece
quando vagamos por meio mundo. Outros, enfim, que aqui mesmo
viviam na escravidão infame, sofrendo os caprichos dos seus senhores,
alforriei. Isso tudo o fiz pela força da lei, unindo a força bruta à justiça.
Fui até o fim, como bons, aplicando para cada qual a reta justiça. Se
alguém estivesse no meu lugar, alguém malvado e arrogante, não teria

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mantido o apoio popular (VENTURINI, 2010b, p. 122-123).

Comentário: o documento data do século IV a.C., originário de Atenas na Grécia


Antiga. Foi transcrito por Aristóteles, mas, supostamente, faz parte de um dis-
curso proferido por Sólon.
O trecho em questão diz respeito à abolição da escravidão dos cidadãos ate-
nienses, uma das reformas de Sólon que abriu espaço para a tirania.
Oração Fúnebre de Péricles
Nossa constituição política nada tem a invejar as leis que regem nossos
vizinhos. Longe de imitar os outros, damos um exemplo a seguir. Pelo
fato de que o Estado entre nós é administrado pelo povo e não por
uma minoria, nosso regime tomou o nome de democracia. No que diz
respeito às divergências particulares, a igualdade é assegurada a todos
pelas leis, mas no que se refere à vida pública, cada um obtém consi-
deração em virtude de seu mérito e a classe a qual pertence importa
menos do que seu valor pessoal (VENTURINI, 2010a, p. 133).

Comentário: trecho encontrado em História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides,


cuja data é o século V a.C. A obra tem como temática principal a Guerra do Peloponeso,
a qual Tucídides foi contemporâneo. O trecho em questão diz respeito ao funciona-
mento da Democracia ateniense, visto que menciona que todos os homens poderiam
participar igualmente da vida política, independentemente de suas posses.
Lei Ateniense contra a tirania
Que os legisladores resolvam: se alguém se rebelar contra o Povo visan-
do implantar a Tirania, ou junta-se a conspiradores, ou se alguém atenta
contra o Povo de Atenas ou contra a Democracia, em Atenas, se alguém
cometeu algum destes crimes, quem o matar estará livre de processo. Não
será permitido que nenhum conselheiro do Conselho do Areópago, ou
reúna-se no Conselho para deliberar, sobre nenhum assunto. Se alguém,

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


195

quando o Povo ou a Democracia, em Atenas, tiver sido deposto, dirigir-se-


-á ao Areópago, reunindo-se em Conselho, deliberando sobre qualquer as-
sunto, perderá sua cidadania, pessoalmente, e seus descendentes, seus bens
confiscados, cabendo à Deusa o dízimo (VENTURINI, 2010b, p. 123).

Comentário: conforme Venturini e França (2010b), a criação da lei é datada


entre os anos 337 a.C. e 336 a.C., e está presente em uma estela de mármore em
Atenas. É provável que as leis tenham sido pensadas por legisladores que faziam
parte da aristocracia da cidade-estado, mas a estela tem autoria anônima.
O documento apresenta uma legislação de transição da pólis independente
para a pólis sob a autoridade das monarquias helenísticas, e a proibição da tira-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nia servia como medida de segurança para essa nova dominação.

DOCUMENTOS REFERENTES A ROMA ANTIGA

Eneida, Virgílio (livro I, canto I-XIV)


Eu, que entoava na delgada avena

Rudes canções, e egresso das florestas,

Fiz que as vizinhas lavras contentassem

A avidez do colono, empresa grata

Aos aldeões; de Marte ora as horríveis

Armas canto, e o varão que, lá de Tróia

Prófugo, à Itália e de Lavino às praias

Trouxe-o primeiro o fado. Em mar e em terra

Muito o agitou a violenta mão suprema,

E o lembrado rancor da seva Juno;

Muito em guerras sofreu, na Ausônia quando

Funda a cidade e lhe introduz aos deuses;

Donde a nação latina e albanos padres,

E os muros vêm da sublimada Roma (VIRGÍLIO, 2005, s/p.).

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
196 UNIDADE V

Comentário: Virgílio (70 a.C.-19 a.C.) era proveniente da Gália, de uma


família de ordem equestre. Iniciou sua carreira sendo advogado e retórico, mas
abandonou essas funções para tornar-se poeta. Foi um dos mais renomados e
conhecidos poetas romanos.
Eneida narra a trajetória de Eneias – um troiano que é salvo dos gregos –
até a região do Láscio. O trecho citado se refere à chegada de Eneias com outros
troianos nos territórios da Península Itálica, evidenciando a forte influência
divina na trajetória e na do herói.
AB VRBE CONDITA, Tito Lívio (livro I, IX: I-V)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Roma era já era tão forte, que seu potencial bélico estava a altura de qual-
quer outra cidade vizinha; mas, devido a falta de mulheres sua grandeza
estava condenada a durar uma geração, ao não ter em si a possibilidade de
perpetuar-se e nem existir matrimônios com os povos fronteiriços. Então,
por conselho do Senado, Rômulo enviou uma ligação aos povos circun-
dantes para apresentar uma petição de aliança e enlaces matrimoniais com
o novo povo: que também a cidade, como as demais, nasceram de quase
nada, mas, depois, tinham a seu favor seu próprio valor e aos deuses la-
vravam um grande poder e um grande nome; que de sobra sabiam que
os deuses haviam propiciado o nascimento de Roma, e que o valor não ia
faltar; que, por conseguinte, não recusassem, homens como eram, mesclar
seu sangue e sua raça com outros homens. A legação não foi escutada favo-
ravelmente em parte alguma [...] (LÍVIO, 2007, s/p, adaptação da autora)

Comentário: Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.) de família de ordem equestre, era pro-
veniente de Pádua. Ab Urbe Condita é uma de suas obras mais conhecidas, e que
nos foi legada quase em sua totalidade. Seu projeto contou com o objetivo de nar-
rar toda a história de Roma – de sua fundação até os dias do governo de Otávio.
O trecho apresenta um dos grandes problemas da fundação da cidade de
Roma, isto é, a falta de mulheres, que levou os romanos a tentarem alianças para
consegui-las e constituir um povo de origem romana, mas, devido à obscuridade
da origem dos primeiros cidadãos de Roma, nenhuma proposta foi aceita. Este
problema inicial levou Rômulo a planejar o rapto das sabinas.
Ode, Horácio (V, livro IV)
Tu que fizeste nascer a bondade dos deuses, guardião excelente da raça de
Rômulo, tu tens estado longe de nós há muito tempo. Tu tinhas prometi-
do um pronto retorno ao conselho venerável dos Pais, voltas. Devolves a
luz à tua pátria, ó bom chefe! Pois desde que teu rosto, em outra prima-
vera, brilhou aos olhos dos povos, os dias foram mais agradáveis e os sóis
tiveram mais brilho (HORÁCIO [s.d.], apud SILVA, 2001, p. 48).

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


197

Comentário: Horácio (65 a.C.-8 a.C.) foi um poeta lírico e satírico de Roma.
Teve formação influenciada pelos helenos, foi muito conhecido em seu tempo e
mencionado na posteridade. A obra Odes é dividida em quatro livros de longos
poemas líricos de assuntos diversos – geralmente, sobre a mitologia. O excerto se
constitui de um elogio a Otávio, enquanto este estava nas Gálias, referenciando
o imperador como o restaurador da República romana.
Epigramas, Marco Valério Marcial
- Oh Sexto, qual é a coisa, qual é a ousadia que te trai à Roma? O que tu
esperas aqui? O que tu procuras? Dize-me.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

- Eu discutirei as causas com eloquência maior que a de Túlio, e nos


vossos tribunais não haverá igual.

Atestino e Cive discutem causas, tu os conheces bem; mas não ganham


nem para o aluguel.

- Bom, se não puder discutir causas, eu comporei versos. Quanto tu


ouvires os meus versos, pensarás que são de Virgílio.

Louco. Todos os que tu vês tremer de frio, sob capas ralas, são Ovídios
e Virgílios.

- Então, irei às salas dos grandes.

- Também estas dão comida a poucos; os outros morrem de fome.

- Que devo fazer? Aconselha-me; mas, em todo caso, eu quero viver


em Roma.

- Se tu és honesto, ó Sexto, só poderás viver aqui por acaso (VENTU-


RINI, 2010b, p.132).

Comentário: Marco Valério Marcial (44-102 d.C.) foi originário da província


da Hispânia, mas viveu muito tempo de sua vida em Roma, onde tentou sobre-
viver como escritor. Embora tivesse algumas propriedades, seus rendimentos
não eram suficientes para manter uma vida na Roma dos césares. Como saída,
viveu como um cliente.
Muitas de suas obras são de teor cômico, usualmente baseadas em sua rea-
lidade. Muitos dos assuntos tratam de beberrões, de prostitutas, de libertinas,
de homossexuais, de bajuladores, de avarentos, entre outros.

Documentos de Referência: Oriente Próximo Antigo, Egito Antigo, Grécia Antiga e Roma Antiga
198 UNIDADE V

No excerto apresentado, a temática se vincula ao viver em Roma. Possivelmente


partindo de sua realidade, ele dialoga com um jovem chamado Sexto sobre as
dificuldades em viver naquela cidade e como ela se encontrava mergulhada em
corrupção durante a época dos imperadores.
Edito de Milão – Sobre a Morte dos Perseguidores, Lactâncio, XLVIII
Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontramo-nos em Milão
para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, deci-
dimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino
deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo
que todos, cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
religião de sua preferência. Assim, Deus que mora no céu ser-nos-á
propício a nós e a todos os nossos súditos. Decretamos, portanto, que,
não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos,
os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-la
sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça ou
moleste (LACTÂNCIO, 2000, s/p).

Comentário: Cecílio Firmino Lactâncio (250 d.C.- ?), de origem africana, foi um
professor de retórica não cristão que se converteu ao cristianismo. Suas obras
mais conhecidas são as de temática cristã: De opificio Dei, De ira Dei, Institutiones
Divinae e De mortibus persecutorum.
O texto apresentado é um trecho do edito realizado pelos imperadores
Constantino e Licínio. Proferido no ano 313 d.C., assegurou a tolerância e a liber-
dade do culto dos cristãos por todos os domínios do Império Romano.
Caro(a) aluno(a), até aqui você pôde visualizar diversos trechos de documen-
tos datados desde o Oriente Próximo Antigo a Roma Antiga. Cabe ressaltar que
não inseri todas as fontes históricas utilizadas, somente aquelas imprescindíveis
para os estudos das unidades. Além disso, os comentários não se constituíram
de análises dos documentos, mas são direcionamentos para a compreensão dos
trechos e para o seu auxílio no exercício da leitura crítica.
Espero que tenha apreciado esta unidade. Bons estudos!

HISTÓRIA ANTIGA: A PRÁTICA DO OFÍCIO DO HISTORIADOR DA ANTIGUIDADE


199

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espero que você tenha compreendido a instrumentalização do ofício do historia-


dor classicista, considerando as dificuldades e os limites que compõem o trabalho
deste profissional. Ao mesmo tempo, espero tê-lo inspirado a aventurar-se nas
análises de documento, e quem sabe, se tornar um classicista.
Identificamos as especificidades do ofício do historiador classicista e as
maneiras de contornar os limites impostos pelo período. Você deve ter notado
que os estudiosos da Antiguidade convivem com a escassez das fontes –mate-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

riais ou escritas –, ao mesmo tempo em que há variedade da natureza de


documentos. Devido a esses aspectos, o historiador da Antiguidade deve tra-
tar todas as fontes igualmente, isto é, todas são equitativamente importantes.
A heterogeneidade leva o historiador classicista a dialogar com outras ciên-
cias, como a epigrafia, a numismática, a etimologia e, principalmente, com
a arqueologia.
Destacamos os principais métodos para uma análise de documento. Foi pos-
sível perceber que há duas formas de organizar esses métodos, mas o objetivo
de ambos é identificar o significado original das fontes e de forma mais com-
pleta possível, isto é, entender o documento em seu tempo e espaço, os motivos
de ter sido composto e a sua importância no processo da construção da escrita
da história.
Foram apresentados diversos trechos de documentos, tanto escritos quanto
materiais, que complementam as unidades deste livro, visto que muitas informa-
ções dos capítulos anteriores se basearam na leitura crítica desses documentos.
Junto a eles, há um breve comentário, que não é uma análise, mas um direcio-
namento para facilitar sua leitura e, posteriormente, auxiliá-lo(a) nas análises
dos trechos.

Considerações Finais
200

1. Considere a afirmação a seguir:


“Todos os documentos são igualmente importantes, não havendo distinção
entre materiais e escritos, visto que todos podem ser utilizados como fontes
históricas”.
Assinale a alternativa que melhor explique a colocação para a história antiga:
a) A afirmação significa, para o historiador da história antiga, que, para uma
maior compreensão do período, é necessário considerar todos os tipos de
conteúdo que possam ser utilizados como fontes históricas, haja vista que
os documentos materiais e escritos podem proporcionar-nos muitas respos-
tas sobre o passado.
b) A afirmação explicita a superioridade das fontes escritas em detrimento das
fontes de outras naturezas. Isso significa que, no campo da história antiga,
não há espaço para o diálogo com a arqueologia, a numismática, a epigrafia,
a etimologia e as demais ciências que podem oferecer outros métodos e
informações.
c) A afirmação quer dizer que há distinção visível entre os materiais que po-
dem ser utilizados como fontes históricas para a Antiguidade, visto que os
materiais arqueológicos são mais informativos do que os materiais escritos.
d) A afirmação sugere que não é possível estudar a história antiga, pois não há
fontes e métodos que nos ajudem a recuperar as informações sobre civiliza-
ções que existiram há milhares de anos.
e) A afirmação sugere que o historiador classicista é autônomo, o que significa
que seu ofício pode ser realizado de forma solitária e sem diálogo com as
demais ciências.
2. O ofício do historiador classicista detém especificidades que especialistas de
outros tempos históricos geralmente não possuem. Diante disso, avalie as afir-
mativas a seguir e assinale com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
( ) O historiador classicista convive em seu ofício com a escassez de fontes.
( ) Para o historiador classicista, as fontes orais são as naturezas mais comuns
de documentos históricos.
( ) Ao lidar com as fontes referentes à Antiguidade, o historiador classicista
deve considerar o caráter heterogêneo das fontes.
( ) As fontes históricas da Antiguidade devem ser lidas sem questionamentos,
pois todas foram produzidas com o intuito de serem úteis para a posteridade.
201

Marque a alternativa que corresponde à sequência correta:


a) V, F, V, F.
b) V, V, V, V.
c) F, F, F, F.
d) V, V, F, F.
e) F, F, V, V.
3. A relação do historiador da história antiga e das suas fontes não é simples nem
imediata, visto que a Antiguidade está distante da nossa realidade. Assim, a
visão de mundo dos homens e seus modos de vida são distintos de nossa reali-
dade. Acerca do estudo da história antiga, analise as afirmativas a seguir:
I. O historiador classicista é superior aos demais estudiosos da história, visto
que seus estudos requerem maiores esforços.
II. O historiador classicista deve priorizar a utilização de documentos oficiais,
pois os demais materiais são acessórios.
III. O historiador classicista deve estar ciente da necessidade de questionar suas
fontes, pois elas não fazem perguntas, mas podem oferecer respostas.
Assinale a alternativa que corresponde à resposta correta:
a) I.
b) I e II.
c) I e III.
d) III.
e) I, II e III.
4. Diante da distância temporal em que nos encontramos das civilizações da An-
tiguidade, ao nos depararmos com os documentos históricos dessas socieda-
des, alguns métodos devem ser considerados e aplicados para a análise crítica
dos materiais. Assim, considere as afirmativas a seguir:
202

I. Para a análise ou a leitura crítica de um documento, é necessário considerar


o contexto histórico no qual o material está inserido.
II. Para a análise ou a leitura crítica de um documento, é preciso identificar o
autor que o produziu e para quem produziu.
III. Para a análise ou a leitura crítica de um documento, é preciso identificar so-
bre o que ele está tratando, isto é, qual o seu assunto.
Identifique a alternativa correta:
a) I.
b) II.
c) I e II.
d) II e III.
e) I, II e III.
5. Leia o trecho do documento a seguir:
“Quanto às tradições que nos chegaram, que devem sua magnificência mais às
lendas dos poetas que aos monumentos remanescentes do passado, sem alte-
ração, não tenho a intenção de confirmá-las ou refutá-las. Faz-se essa conces-
são à Antiguidade, a fim de que, misturando-se o divino ao humano, se tornem
mais veneráveis os primórdios das cidades. Assim, se a algum povo deve-se
permitir que consagre suas origens, atribuindo sua autoria aos deuses, a glória
militar do povo romano é tal que, quando cita principalmente Marte como seu
ancestral, bem como seu fundador, todas as nações suportam-no com o mes-
mo ânimo com que suportam o império”.
Fonte: Lívio (2007, livro I: VI-VII).
A partir da leitura do documento, analise-o evidenciando o local de origem, a
datação do documento, o meio sociocultural do autor e a temática central do
trecho.
203

O estudioso da história antiga e suas fontes


O moderno estudioso da Antiguidade não pode simplesmente repetir a prática antiga.
Não pode escrever uma história de Roma reelaborando em linguagem moderna o la-
tim de Lívio, da mesma forma que este já havia parafraseado ou traduzido o grego de
Políbio. O ‘patrimônio comum da pesquisa histórica’ que surgiu no final do século XVII
tornou esse procedimento inaceitável. Mas devemos acrescentar que esse patrimônio
parece não interferir seriamente na prática de ‘resgatar’ Lívio e outros antigos através da
reescritura de seus relatos, em vez de apenas repeti-los ou parafraseá-los; uma reescritu-
ra que termina tacitamente por aceitar a veracidade essencial do original. Infelizmente,
os dois mais longos relatos da história romana republicana, área em que os problemas
se mostram atualmente mais agudos e acirradamente discutidos, as histórias de Lívio
e de Dionísio de Halicarnasso, foram escritos cerca de 500 anos (em números muito ar-
redondados) depois da data tradicionalmente atribuída à fundação da República, 200
anos depois da derrota de Aníbal. Por mais que tentemos, não conseguiremos localizar
qualquer de suas fontes escritas além de 300 a.C., a maioria delas não além da época
de Mário e Sila. Entretanto, os primeiros séculos da República, e mesmo os séculos que
imediatamente a antecederam, são narrados em detalhe por Lívio e Dionísio de Hali-
carnasso. Onde foram eles buscar suas informações? Não importa quantas afirmações
antigas possamos documentar ou pressupor, independentemente de sua possível con-
fiabilidade: no fim, acabamos defrontando com uma lacuna. Mas os escritores antigos,
como os historiadores desde então, não toleravam as lacunas e preenchiam-nas de uma
forma ou de outra, em última instância recorrendo à pura invenção.
A habilidade dos antigos em inventar e sua capacidade de acreditar são persistentemen-
te subestimadas. Uma vez que os estudiosos das Antiguidades observaram que séculos
haviam transcorrido entre a destruição de Tróia e a ‘fundação’ de Roma, de que outra
forma poderiam eles ter preenchido essas perturbadoras lacunas em seu conhecimen-
to, senão através da invenção de uma lista de reis albanos para preencher esse lapso de
tempo? Ou como podiam contestar um relato já existente, senão através da proposição
de uma alternativa, por exemplo, proporcionando um apoio (ou uma hostilidade) ide-
ológico, a um determinado grupo étnico, tais como os etruscos ou os sabinos, que de-
sempenharam um importante papel na primitiva história de Roma? Não é de estranhar
que, mesmo no estado irremediavelmente fragmentário do material sobre a primitiva
Roma que conseguiu sobreviver, existia uma incrível variedade de versões, variedade
que continuou a crescer e a se multiplicar até o início do Principado.
Fonte: Finley (1994, p. 13-14).
MATERIAL COMPLEMENTAR

História Antiga
Norberto Luiz Guarinello
Editora: Contexto
Sinopse: embora seja uma disciplina consolidada em muitas
universidades no mundo, não há definição explícita do que seja a história
antiga. Na prática, tanto no ensino quanto na pesquisa, a história antiga
costuma estudar os primórdios do Ocidente, após uma pré-história vaga
e geral. Não é a história antiga do mundo, portanto, mas a história de um
recorte específico do passado: o das origens do Ocidente. Grécia e Roma
ganham destaque especial, ao lado de capítulos sobre os estudos acerca
da Antiguidade.
Comentário: disponível na Biblioteca Pearson.

A Odisseia
Ano: 1997
Sinopse: adaptação da epopeia Odisseia, de Homero. Após dez anos, a
Guerra de Tróia chega ao fim e o herói Odisseu faz uma viagem de volta
para casa. Ele enfrenta criaturas mitológicas, deuses e outros inimigos
poderosos. Essa adaptação revela a força e a bravura do herói mítico e a
sua luta para voltar ao lar, onde é aguardado por sua esposa Penélope.
205
REFERÊNCIAS

BOUZON, E. O Código de Hamurábi. Petrópolis: Vozes, 1987.


CAMINOS, R. A. O Camponês. In: DANADONI, S. O Homem Egípcio. Lisboa: Presen-
ça, 1997.
FINLEY, M. I. História Antiga: testemunhos e modelos. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
GUARINELLO, N. L. Ordem, Integração e Fronteiras no Império Romano: um ensaio.
Mare Nostrum, São Paulo, v. 1, p. 113-127. 2010.
HARTOG, F. Os antigos, o passado e o presente. Brasília: Editora UnB, 2003.
HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Tradução, introdução e notas de Alessandro Ro-
lim de Moura. Curitiba: Segesta, 2012. Disponível em: http://www.segestaeditora.
com.br/download/ostrabalhoseosdias.pdf. Acesso em: 24 maio 2019.
JOÃO, M. T. Tópicos em História Antiga Oriental. Curitiba: InterSaberes, 2013.
LACTANCIO, L. C. F. Sobre la muerte de los perseguidores. Tradução de Ramón
Teja. Madrid: Editorial Gredos, 2000.
LÍVIO, T. Ab Urb Condita (Historia de Roma desde su fundación). Libros I-III. Tra-
dução, estudos e notas de José Antonio Villar Vidal. Madrid: Editorial Gredos, 2007.
MALTA, A. Os feácios e a transição de Odisseu na Odisseia. Acta Scietiarum: cultu-
re and languades. Maringá, v. 39, n. 1, p. 1-11. 2017. Disponível em: https://www.re-
dalyc.org/jatsRepo/3074/307450084002/html/index.html. Acesso em: 28 maio 2019.
O LIVRO DOS MORTOS. O livro dos Mortos do Antigo Egito: O Primeiro Livro da
Humanidade. Introdução e tradução de Edith Negraes. São Paulo: Hemus, 1996.
PINSKY, J. 100 Textos de História Antiga. São Paulo: Contexto, 2003.
POZZER, K. M. P. Escritas e Escribas: o cuneiforme no Antigo Oriente Próximo. Clássi-
ca, São Paulo, v. 11/12, n. 11/12 1998/1999, p. 61-80.
SILVA, G. V. da. Política, ideologia e arte poética em Roma: Horácio e a criação do
principado. Politeia, Vitória da Conquista, v. 1, n. 1, p. 29-51. 2001.
THE ENUMA ELISH. The Enuma Elish: the epic of creation. Tradução de Leonard
William King. Londres: Kessinger Publishing, 1902.
VENTURINI, R. L. B. (org.). História Antiga I: fontes e métodos. Maringá: Eduem, 2010a.
VENTURINI, R. L. B. (org.). Antiguidade Oriental e Clássica: economia, sociedade e
cultura. Maringá: Eduem, 2010b.
VIRGÍLIO, P. M. Eneida. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Campinas: Clássico
Jackson, 2005.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹ Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Paleta_de_Narmer. Acesso em: 28 maio 2019.


GABARITO

1. Alternativa A.
2. Alternativa A.
3. Alternativa D.
4. Alternativa E.
5. Local de origem e datação do documento: o documento foi elaborado na
cidade de Roma ou em Pádua (cidade de origem do autor). Acredita-se que a
obra tenha sido composta nos momentos das guerras civis que levaram ao fim
do período republicano, mas foi publicada entre os anos 27 a.C. e 25 a.C., isto é,
em um momento impreciso, que não sabemos afirmar se foram os anos finais
da República ou os anos iniciais do Império, haja vista que não há consenso com
datas na Roma Antiga.
Meio sociocultural do autor: o autor da obra é Tito Lívio, que viveu entre os
anos 59 a.C. até 17 d.C. Nasceu na atual região de Pádua (nordeste da Itália) e,
embora fosse de família abastada, não pertenceu à ordem senatorial, mas era
proveniente da ordem equestre. Ele nunca exerceu nenhuma magistratura, visto
que dedicou sua vida à filosofia e aos escritos. Apesar do distanciamento da vida
política, ele foi próximo ao imperador Otávio e demonstrou preferência pelo sis-
tema político republicano.
Temática central do excerto: a obra inteira (Ab VRBE Condita) é composta por
142 livros e tem por objetivo contar a história de Roma desde sua fundação,
em 753 a.C., até o governo de Otávio. O trecho em questão possui como tema
central a dificuldade em conhecer os primórdios dessa civilização, visto que as
informações que sobreviveram para Lívio misturavam os feitos dos homens e
dos deuses. Apesar da dificuldade, o autor não negou a ancestralidade divina de
Roma, devido ao crescimento rápido da cidade e ao poder militar que possuíam.
207
CONCLUSÃO

Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim da nossa trajetória pela História Antiga. Espero
que este livro tenha sido instrutivo, visto que foi pensado para transmitir novas in-
formações e novos métodos para sua formação acadêmica, e instigante, para inspi-
rá-lo a buscar novas informações.
Espero que você tenha compreendido que as civilizações da Antiguidade se cons-
tituíram de forma distinta da nossa realidade, parecendo, por vezes, fazer parte de
outro mundo. Apesar disso, eram compostas por homens que viveram há milha-
res de anos e buscavam a sobrevivência, sentiam fome, sede, frio e calor, amavam,
guerreavam, protegiam a si e a seus familiares, enfim, com sentimentos similares
aos nossos.
Para concluir, gostaria de destacar alguns pontos: a primeira e a segunda unidade
foram referentes ao mundo oriental antigo. Na primeira, é importante compreender
que as características apresentadas sobre o Oriente Próximo Antigo foram aspectos
comuns entre as distintas sociedades que se desenvolveram na região entre os rios
Tigre e Eufrates. Na segunda, é preciso destacar que o Egito Antigo foi um reinado
unificado, longo e com modificações lentas.
A terceira e a quarta unidades dizem respeito a civilizações do mundo ocidental
antigo. Na terceira, é fundamental que tenha ficado claro que a Grécia nunca foi
um reino unificado, mas deve ser vista como uma sociedade dividida em cidades
quase autônomas. Nosso enfoque se resumiu em duas cidades: Atenas e Esparta. Na
quarta unidade, é preciso que você tenha entendido que nosso estudo foi focado
na cidade de Roma, visto não ter sido possível tratar de todas as províncias romanas
neste momento.
A quinta unidade teve como objetivo demonstrar a você a instrumentalização do
ofício do historiador classicista e que, apesar de suas especificações, é um historia-
dor, que necessita de instrumentos e de métodos para desenvolver suas pesquisas.
Desejo-lhe sucesso na vida acadêmica!
GLOSSÁRIO

O presente glossário foi organizado por ordem alfabética. Contempla conceitos


referentes à Antiguidade que o(a) auxiliarão na compreensão dos textos presentes
nas cinco unidades deste livro.
Aedo: figura constante nos banquetes da Grécia Antiga. Inspirado pelas Musas, ele
celebrava os deuses ou os grandes feitos dos heróis, por meio de versos cantados.
Esperava-se que o aedo proporcionasse prazer aos convivas e esquecimento das
aflições do presente.
Ágora: praça pública das cidades gregas antigas, em que ocorriam os debates po-
líticos e o mercado. Posteriormente, o conceito foi utilizado como sinônimo de as-
sembleia do povo em contraposição a Boulé.
Anais: estilo narrativo muito utilizado na Antiguidade como forma de descrever
eventos ano a ano.
Apellá: espécie de assembleia popular dos cidadãos de Esparta.
Ática: região montanhosa com geografia física árida. Formava parte da Grécia Cen-
tral. Sua cidade principal era Atenas.
Augusto: derivado do termo augur, que possuía a conotação de divino ou algo superior
aos humanos. Na Roma Antiga, o título honorífico foi oferecido a Otávio pelo Senado,
pois ele foi visto como o restaurador da paz e estava acima dos demais cidadãos.
Boulé: conselho formado, a princípio, por 400 cidadãos – a partir das reformas de
Clístenes passou a ser composto por 500 cidadãos – escolhidos entre as tribos ter-
ritoriais. Tinha como função aprovar novas leis por meio de deliberações diretas.
César/Caesar: nome pelo qual o ditador vitalício de Roma (Caio Júlio César) ficou
conhecido. Foi utilizado posteriormente pelos imperadores na forma de título, para
demonstrar o poder popular que o cargo representava.
Cuneiforme: desenvolvida pelos sumérios, era um tipo de escrita formada por de-
senhos, feitas em tabletes de argila talhadas com lâminas (do latim cuneus). Foi mui-
to utilizada na administração (tributação) e no comércio, embora também tenha
sido utilizada para literatura.
Cursus Honorum: literalmente, significa “carreira de honras”. Era uma espécie de
trajetória de magistraturas que um cidadão romano poderia exercer até chegar ao
consulado e ao proconsulado. Esta carreira lhe renderia prestígio e respeito dentro
da sociedade.
Demagogia: a arte de falar bem. A demagogia permitia o uso da retórica e da ora-
tória para convencer os cidadãos atenienses. Geralmente, os demagogos eram con-
tratados por tiranos para auxiliá-los a convencer a demos, as assembleias e os ma-
gistrados a aceitarem suas decisões.
209
GLOSSÁRIO

Demiurgo: trabalhadores livres rurais atenienses. A maioria trabalhava em proprie-


dades dos aristocratas.
Demótico: tipo de escrita egípcia, datada a partir do Reino Novo, derivada da sim-
plificação da escrita hierática.
Eclésia: assembleia popular em Atenas, que tinha como função aprovar leis por de-
liberações públicas.
Éforos: cinco cidadãos que gozavam de poderes administrativos, militares, judiciais
e políticos na Atenas antiga.
Elêusis: cidade na região da Ática, situava-se próxima ao mar e a 16 km de Atenas.
Sua fama se deve ao grande santuário de Deméter, destruído pelos persas nas Guer-
ras Médicas e reconstruído séculos mais tarde pelo tirano Péricles.
Epigrafia: ciência especializada nos estudos das inscrições das civilizações da An-
tiguidade.
Etimologia: ciência que estuda a origem e os significados originais das palavras,
além da evolução sofrida com o tempo.
Eupátridas: cidadãos de Atenas que tinham direito de participar da vida política.
Mulheres e crianças estavam excluídas desse grupo.
Faraó: etimologicamente, significava “grande casa”. A partir do Reino Novo, passou
a ser um título utilizado pelos reis egípcios, justamente por estes monarcas serem
vistos como os representantes do reino ou a personificação do Estado.
Gens: sistema social dos primórdios da sociedade romana. Organizavam-se em clãs
que descendiam de ancestral masculino comum. Originariamente, as genes eram
unidades familiares dos patrícios.
Gerousia/Gerúsia: conselho político espartano formado por cidadãos com mais de
60 anos, responsáveis por elaborar leis da cidade, que seriam posteriormente vota-
das na assembleia.
Helieu: representava as instituições de justiça em Atenas.
Héracles/Hércules: um dos mais famosos heróis ou semideuses da mitologia gre-
ga. Acreditava-se que fosse filho do deus Zeus com uma mulher mortal. Lembrado
por sua força, sua coragem, sua resistência, sua benevolência e seu bom apetite. Al-
guns estudiosos acreditam que ele pode ser a descrição heroica de uma pessoa real:
senhor de Tírins. As lendas mais famosas ao seu redor são seus doze trabalhos e a
relação direta com descendentes de outras divindades. Os espartanos acreditavam
que Héracles fosse seu ancestral.
Hierático: simplificação da escrita hieroglífica dos egípcios antigos. Se constituía de
maneira cursiva e prática para os usos cotidianos e administrativos.
GLOSSÁRIO

Hieróglifo: estilo de escrita egípcia mais famoso. Inventado em fins do período pré-
-dinástico e aperfeiçoado sob as primeiras dinastias. Composto por fonogramas e
pictogramas.
Homo Novus: etimologicamente, significa “homem novo”. Esta expressão era utili-
zada para designar os indivíduos de Roma que eram desejosos por estabelecer uma
carreira de honras, mas não eram cidadãos romanos de nascimento.
Hoplitas: soldados espartanos especializados no uso de lanças, encouraçados,
combatiam a pé e em fileiras cerradas. A partir do período clássico, grande parte das
cidades-estados gregas passaram a treinar soldados nesta categoria.
Imperator: título romano que faz referência à posição de comandante supremo dos
exércitos.
Imperium: denotava muito mais do que extensão territorial. Utilizado desde os
tempos da República, significava, além de território, o poder dos magistrados e, pos-
teriormente, do imperador, das leis e dos exércitos. O emprego do termo mudou
de sentido com o tempo e foi simplificado (já na Idade Moderna) como o modelo
político depois da aclamação de Otávio Augusto.
Latifundium: propriedades de terra dos aristocratas romanos. Essas terras geral-
mente eram espalhadas em lotes por diferentes regiões.
Libertas: concepção filosófica romana relacionada à República com sentido aproxi-
mado à “liberdade”. Acreditava-se que a libertas só era alcançada no Estado romano
a partir do bom governo dos magistrados, do Senado e, por vezes, do Imperador,
visto que os demais períodos ou tipos de governo eram propensos à monarquia e à
perda da liberdade dos cidadãos.
Libertos: antigos escravos que, por compra ou por presente de seus senhores, con-
quistaram a liberdade. Esses homens não atingiam a condição de cidadãos plenos
dentro de Roma, mesmo se fossem enriquecidos, mas seus filhos poderiam gozar
desse privilégio. Era costume, mesmo depois da conquista da liberdade, eles conti-
nuarem leais aos seus senhores e prestar-lhes serviços, bem como serem herdeiros
de fortunas dos aristocratas sem descendentes. Muitos deles exerciam funções ad-
ministrativas no império e habitavam o palácio dos imperadores.
Metecos: estrangeiros livres que residiam em Atenas. Não tinham direitos políticos,
estavam proibidos de adquirir terras, mas podiam dedicar-se ao comércio e ao ar-
tesanato.
Musas: filhas de Zeus e da Memória. Sempre presentes, sabem de tudo o que é,
o que foi e o que será. Na mitologia grega, elas inspiravam os aedos e os poetas a
cantarem as informações que elas lhes transmitiam.
211
GLOSSÁRIO

Ostracismo: dispositivo legal introduzido em Atenas pelo tirano Clístenes, conce-


bido para prevenir qualquer tentativa contra as instituições vigentes. A Eclésia era
a assembleia votante responsável por ostracizar ou não determinados sujeitos. A
medida recebe essa denominação, pois os nomes das pessoas que seriam conde-
nadas a esse tipo de exílio eram escritos em fragmentos de cerâmica conhecidos
como Ôstrakon. O ostracismo previa a saída do condenado da cidade, a perda da
cidadania e de suas riquezas (que ficavam para a cidade).
Paideia: denominação do sistema de formação ética dos gregos, a fim de formar um
cidadão exemplar e benéfico à sociedade. Essa espécie de educação fazia obrigató-
rio o ensino de ginástica, de música, de gramática, de retórica, de matemática, de
geografia, de história natural e de filosofia.
Pan-helenismo: momentos físicos ou abstratos em que ocorria a unificação de to-
das as cidades-estados da Hélade.
Pane et Cincenses: “pão e circo”, expressão utilizada por Juvenal (55-127 d.C., poeta
satírico) para designar a política imperial que oferecia pão e lazer à plebe urbana
desocupada, a fim de manter a paz e a aprovação desta. A expressão deve ser inter-
pretada com cautela, pois é muito incisiva e Juvenal teve a intenção de depreciar a
plebe e o governo.
Pater família: literalmente, significa “pai de família”. Designação utilizada pelos
romanos para denominar os primeiros cidadãos de Roma, os chefes de clãs, tidos
como “patriarcas”, que possuíam vínculo considerável com as propriedades. Foi da
figura do pater familia que surgiu a ideologia da camada social dos “patrícios”.
Peloponeso: situada ao sul da Grécia, era uma extensa península ligada à Grécia
continental pelo Istmo de Corinto. Suas principais divisões territoriais políticas fo-
ram: Argos, Lacônia (onde se localizava Esparta), Messênia, Élis, Acaia e Arcádia.
Periecos: etimologicamente, significa “moradores em volta”. Na Lacônia, eram habi-
tantes livres e cidadãos de suas próprias cidades, mas não de Esparta. As cidades dos
periecos eram subordinadas a Esparta e deveriam render soldados e pagar tributos.
Philantropia: a palavra filantropia é uma das que mais sofreu alteração histórica
de sentido, visto que, atualmente, significa “amor à humanidade”. Na Grécia Anti-
ga, seu sentido era muito diverso; a philantropia significava a humanidade de uma
pessoa, o que era intrínseco ao indivíduo, mas que poderia ser aprimorado com o
refinamento da alma, isto é, os bons modos e os estudos. Essa humanidade não era
o que diferenciava o homem de um animal irracional, mas um homem “humano” de
um homem “bárbaro”, ou seja, de um homem que não havia polido a sua alma e os
seus modos.
Pomerium: fronteiras simbólicas e sagradas da cidade de Roma.
GLOSSÁRIO

Princeps: conota o sentido de “primeiro cidadão” dentre os cidadãos de Roma. O título


era sinônimo de imperador na primeira metade do Império Romano. Os governantes
dignos de receberem o título eram vistos e deveriam agir como cidadãos exemplares
e condutores de Roma, que colocavam os interesses do Estado acima dos seus.
Púnico: sinônimo de cartaginês, isto é, que veio da cidade-estado de Cartago.
Rapsodo: espécie de poeta, com função semelhante à do aedo. Este sujeito recitava
os versos oralmente, geralmente para um grande grupo de pessoas.
Rego: referentes às técnicas da agricultura, significa pequenas valas por onde a
água passa.
Res Publica: etimologicamente, significa “coisa pública”. Seu sentido abordava as
leis, a plebe urbana e rural, os cidadãos, o modelo político, o corpo de senadores
e magistrados. Os romanos não atribuíam nomes exclusivos aos seus modelos po-
líticos e, por isso, empregavam o uso deste. O termo res publica foi utilizado pelos
romanos também para o período que conhecemos como imperial.
Shaduf: instrumento simples baseado no princípio do contrapeso para a elevação
dos recipientes com água.
Sófocles: viveu entre 496 a.C. e 406 a.C. e foi um dos grandes nomes da tragédia
grega. Exerceu funções militares e políticas por muitos anos. Entre suas obras mais
conhecidas estão Édipo Rei, Eléctra, Antígona e Ájax.
SPQR: SENATVS POPVLVSQVE ROMANVS, “O senado e o povo de Roma”. Sigla que
designava as instituições públicas de Roma ou o corpo senatorial e de magistrados.
Teseu: personagem lendário da mitologia grega. Possivelmente, filho do rei mítico
Aigeus ou do deus Poseidon. Há diversas lendas vinculadas a ele, como a batalha
contra Sínis e a tentativa de envenenamento de Medeia contra ele. É considerado o
fundador de Atenas ou o rei que conseguiu a synoikismos (união das comunidades
em uma cidade-estado).
Tethas/Tétas: homens livres que se tornaram escravos por dívidas em Atenas.
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