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"AQUI A BALA COME, NÃO TEM


AVISO PRÉVIO": FAVELA,
NECROPOLÍTICA E A
RESISTÊNCIA DAS MULHERES-
MÃES GUARDIÃS DA ME...
Monique Cruz

Cruz, Monique

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Juliana Farias

Flagrant es de racismo: imagens da violência policial e as conexões ent re o at ivismo no Brasil e nos Es…
Geísa Mat t os

Voce mat ou meu filho Anist ia Int ernacional


Sindicat o Conferent es
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

Monique de Carvalho Cruz

“AQUI A BALA COME, NÃO TEM AVISO PRÉVIO”: FAVELA,


NECROPOLÍTICA E A RESISTÊNCIA DAS MULHERES-MÃES GUARDIÃS DA
MEMÓRIA

Orientadora: Profa. Dra. Kátia Sento Sé Mello

Rio de Janeiro
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

Monique de Carvalho Cruz

“AQUI A BALA COME, NÃO TEM AVISO PRÉVIO”: FAVELA,


NECROPOLÍTICA E A RESISTÊNCIA DAS MULHERES-MÃES GUARDIÃS DA
MEMÓRIA

Dissertação de Mestrado submetida ao


Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Mestre em Serviço
Social.

Orientadora: Profa. Dra. Kátia Sento Sé Mello

Rio de Janeiro
2020
“AQUI A BALA COME, NÃO TEM AVISO PRÉVIO”: FAVELA,
NECROPOLÍTICA E A RESISTENCIA DAS MULHERES-MÃES GUARDIÃS DA
MEMÓRIA

Monique de Carvalho Cruz

Banca Examinadora

Rio de Janeiro, 13 de Janeiro de 2020.

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Kátia Sento Sé Mello
Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Miriam Krenzinger
Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna
Universidade Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________________________________
Dr. Marco Julián Martínez Moreno
Universidade Federal do Rio de Janeiro
DEDICATÓRIA

Para todas as mulheres que me alimentaram, me abraçaram, me


educaram e me protegeram, na figura da minha mãe, Severina
Lindolfo de Carvalho Cruz
AGRADECIMENTOS

Demorei dez anos para concluir a graduação que deveria ter sido concluída em quatro.
Isso parece um pouco frustrante, mas, na real, hoje, aos 35 anos terminando o mestrado e
ingressando no doutorado, tudo parece estar no lugar que deveria. Sou uma grande mulher, no
tamanho, na ética, no compromisso (e na modéstia), como se vê.
Apesar de não ter atendido às exigências acadêmicas a minha vida pessoal deu um salto
de qualidade no que se refere a ter acessado um emprego na área para qual me preparei para
estar, a ter construído boas relações em vários âmbitos da vida; a ter alcançado alguns bons
degraus no desenvolvimento intelectual, mas, acima de tudo, gosto do que me tornei, e faria
tudo de novo. A única coisa que nos resta é a integridade e o compromisso ético com quem
somos e com quem está ao nosso lado.
Por isso, agradecer a vida, e aquelas que passaram por aqui me ajudando da construir
esse castelo que não é de areia – com todas as dificuldades, me sentindo plena – é algo
necessário. Aos meus pais Severina e Pedro, meu sustento material, afetivo e político, que tem
me apresentado a capacidade humana mais bela: a de reinventar-se pra ser feliz. Ao meu irmão
Michel, meu orgulho! Obrigada pelas leituras, correções e tradução pro Abstract. Ao meu irmão
Max (in memoriam) por fazer parte da minha vida sempre, com os exemplos que deixou pra
nós. À minha família paterna na figura do meu casal exemplo Betinha e Rick, às minhas
crianças João, Bê, Julhinha e Kayke que fazem a vida mais leve. À minha família materna na
figura das minhas tias queridas Dadá, Rosa e Ana mulheres que literalmente me alimentaram,
o corpo e alma. Ao meu amor Fábio, por todo apoio, por compartilhar as responsabilidades da
vida adulta, por ter sempre olhos e ouvidos atentos aos meus textos. Por compartilhar das
reflexões políticas em tempos tão difíceis, onde o que nos resta é estar vivos. Te amo vida. Às
minhas amoras queridas da vida Ariana e Rachel, minha marida. E aos seus companheiros,
meus amigos de copo e de reflexão prático-teórico-política Wellington e Ivam (G-Zus).
Ao Coletivo de Negras e Negros Dona Ivone Lara, da ESS/UFRJ que lutaram pelas
cotas na pós-graduação e que me impulsionaram para essa luta política tão importante que
acabou me levando para o mestrado. Especialmente Lilian pela dedicação, Corato, companheira
da vida e Rafinha, minha perita predileta. Ao meu compa querido Wanderson, pelos bizus meia-
hora antes da prova de seleção para o mestrado. Ao Coletivo Zacimba Gaba pelo apoio e afeto
por todas as trocas. Às minhas/meus compas da Justiça Global, que me acolheram como parte
dessa equipe pequena de alcance tão grande. Às/aos companheiras/os do CRESS/RJ por todo
apoio e carinho. À Glaucia Marinho e Rodrigo Reduzino pelo incentivo preto tão necessário e
pelos sambas da vida. À Juliana Farias e Marcelle Decothè pelas gargalhadas e contribuições
para reflexão sobre os temas trabalhados nesta dissertação.
À minha orientadora Kátia pela paciência, pela dedicação e por amar o que faz, me
levando a dar bons rumos à minha produção acadêmica. Às professoras queridas Patricia Farias
(ESS/UFRJ) e Mônica Lima (IFCS/UFRJ) pelas contribuições fundamentais na banca da
qualificação. E às professoras Miriam Krenzinger e Paula Poncioni da ESS/UFRJ por
atenderem nosso chamado para participar da banca examinadora assim como o prof. Marco
Martínez. À Adriana Vianna pelo apoio e cuidado e por ser mais que banca examinadora, por
ser amiga e parceira na luta. Aos “meus colegas de orientação” pelas trocas, sugestões e
aprendizados compartilhados.
Aos queridos pretos Deley De Acari, poeta, amigo, griot e Willian SEVERO IDD pela
inspiração que levou ao título desta dissertação – espero que vocês um dia façam uma poesia
juntos –, e pela luta que travam no campo político a partir da cultura favelada fazendo nossa
vida cheia de orgulho. Aos que lutam pela favela nos inúmeros cantos do Rio de Janeiro e do
Brasil, na figura do meu amigo Fransérgio e minha mana querida Renata Trajano do Complexo
do Alemão.
Às mulheres-mães que lutam pela memória de filhos (seus e de outras), pelos que foram,
pelos que ficaram, pelos que virão, na figura das mulheres da Rede de Comunidades e
Movimentos Contra a Violência e das Mães de Maio. Ao meu coletivo Fórum Social de
Manguinhos que (re)existe. Para as mulheres que foram embora nessa luta deixando saudade
D. Julia Procópio (Rede), Vera Lúcia Santos (Mães de Maio), Janaína Soares (Mães de
Manguinhos) e da querida Marielle Franco, todas assassinadas pelo Estado genocida brasileiro
Presente!
E, por fim, com todo amor, admiração e gratidão, por toda generosidade, pelo
compartilhamento da vida e pela confiança política que depositam em mim: às Mães de
Manguinhos: Fátima Pinho, Ana Paula de Oliveira, Eliene Vieira e Alerrandra Pinho. Muito
obrigada por tudo!
Em memória da minha amiga querida feminista abolicionista penal Elisabete Amorim
Leandro, Rest In Power Bete. <3 Bete Leandro, Presente! Hoje e Sempre!
Pa pum! Ficou assustado chefão?
Quando a bala come não tem aviso prévio!
Primeira lei da favela hein:
Ande sempre preparado
Para nunca ser pego de surpresa

Pá pum

Mais um corpo estirado no chão


Não precisa nem ser vidente
A mídia vai falar que era ladrão
Acho que tão contratando médico demais
Toda semana tem operação

Pá pum pum pum pum

Hoje o pique tá Reveillón



Pistola
Pum
Fuzil
Bum
Granada
Trrrr
Glock em rajada

Vinte e oito anos escutando isso todo dia


Porra! Pode me chamar de rei da balística

O dia amanheceu
Domingão
Vou na feira comprar meu pastel com caldo de cana
Xiiii, arrombaram minha porta. Fudeu. Acho que foram os canas... Quem não deve não teme?
Vai nessa pra tu ver!
Pior coisa desse mundo é pagar sem dever.
Eu pensei que pra invadir casa dos outros precisava de um mandado.

No asfalto é uma coisa


Na favela primeiro eles batem pra depois partir pro diálogo
Gagueja pra tu ver! Se tu não vai sair todo arregaçado.

Rei da balística de Willian Severo - Imperador da Dança.


RESUMO

A principal questão que orienta este trabalho é: como as mulheres-mães organizadas atuam
diante dos impactos da necropolítica em suas vidas? Os princípios democráticos conquistados
ao longo dos séculos, desde que foram forjados pelos pensadores clássicos, são caros para as
inúmeras democracias em todo o mundo. Países como o Brasil, os chamados “países em
desenvolvimento”, possuem princípios que forjam e representam instrumentos que podem ser
utilizados para a garantia da sobrevivência das populações, principalmente daquelas
caracterizadas como minorias. Contudo, a reflexão que se busca apresentar passa justamente
por identificar algumas peculiaridades da democracia brasileira que poderiam nos permitir
afirmar que existe uma espécie de estado de exceção concretizado em prisões arbitrárias, mortes
e violações dos direitos humanos em suas múltiplas dimensões. Busca-se trabalhar algumas
categorias para demonstrar que as UPPs podem ser consideradas como uma estratégia colonial
tardo-moderna de ocupação. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a Segurança
Pública é considerada um direito e ao longo de mais de 30 anos foi implementada a partir de
diversas perspectivas nos governos democráticos, sempre impactando de forma letal a vida nos
territórios favelados. O destaque para a política de ‘pacificação’ se deve ao fato de que, o
movimento de Mães e familiares de vítimas letais do Estado em Manguinhos se organiza
especialmente em casos de homicídios cometidos por agentes trazidos para os territórios por
conta desta política. Se acreditamos nas palavras de Angela Davis quando afirma que “quando
as mulheres negras se movimentam, movimentam toda sociedade”, estamos falando não
somente da base de sustentação material da sociedade brasileira, mas também das possíveis
genitoras de um povo livre, conforme as afirmações de Débora Silva: “as Mulheres-Mães a
quem devemos a continuidade de nossa existência, que seguem gerando vida e que vão parir
um novo Brasil”.

Palavras-chave: Favela; Necropolítica; Movimento Social; Sensibilidades jurídicas;


Relações Raciais;
ABSTRACT

The main question that guides this paper is: How do organized women-mothers act on the
impacts of necro-politics in their lives? The democratic principles conquered over the centuries,
since they were created by the classical philosophers, are important for countless democracies
around the world. Countries like Brazil, the so-called "developing countries", have principles
that forge and represent instruments that can be used to ensure the survival of populations,
especially those characterized as minorities. However, the reflection we seek to present is
precisely the identification of some peculiarities of Brazilian democracy that may allow us to
affirm that there is a kind of status of exception in arbitrary arrests, deaths and human rights
violations in their multiple dimensions. Some categories are tempted to show that the UPPs can
be considered a late colonial occupation strategy. Since the promulgation of the 1988'
Constitution, Public Security has been considered a right and for the past 30 years has been
implemented from various perspectives on democratic governments, always lethally impacting
life in favela territories. One of the impacts of the 'pacification' policy is the organization of the
movement of victims mothers in Manguinhos, especially in cases of homicides by state agents.
If we believe Angela Davis's words, when she says that "when black women move, they move
the whole society", we are talking about the basis material of support for Brazilian society, but
also about the possibility of free mothers. According to statements by Debora Silva: The
women-mothers to whom we owe the continuity of our existence, who continue to generate life
and who will give birth to a new Brazil.

Key words: Favela; Necropolitics; Social movement; Legal sensitivity; Race realations;
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: A favela pede paz e lembra os mortos na parede. Campo Society. Acervo pessoal.
........................................................................................................................................ 44
Figura 2: Nas paredes, a saudade. Pichação próxima à Estrada de Manguinhos. Acervo pessoal.
........................................................................................................................................ 44
Figura 3: "UPP Mata inocente". Pichação em piar da linha férrea, na rua Leopoldo Bulhões.
Reprodução da internet. .................................................................................................. 44
Figura 4: Mapa do Instituto Pereira Passos mostrando a localização das UPPs em janeiro de
2017. Reprodução da internet. ........................................................................................ 57
Figura 5: Casa localizada no Campo do Esperança, crivada de balas. Março/2016. Acervo
pessoal. ........................................................................................................................... 67
Figura 6: Nas paredes o sangue de João Batista, assassinado em abril/2016 na janela de casa.
Acervo pessoal. ............................................................................................................... 67
Figura 7: Capa do Jornal do Brasil, 1981. Notícia de uso de helicóptero como base de tiro em
Manguinhos. Reprodução da internet. ............................................................................ 70
Figura 8: Forte esquema de segurança montado pela UPP local para acompanhar a manifestação
organizada pelos moradores contra o mandado coletivo deferido pelo Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro. Acervo pessoal....................................................................................... 74
Figura 9: Moradores da CDD protestam contra mandado de busca e apreensão genérico
destinado a toda Cidade de Deus. Acervo pessoal. ........................................................ 75
Figura 10: Os próprios moradores com quem conversei, me sugeriram fotografar os “P2”
(policiais à paisana) como forma de garantir a segurança das pessoas no protesto. Acervo
pessoal. ........................................................................................................................... 76
Figura 11: Protestos de moradores da CDD contra o uso de mandados de busca e apreensão
genéricos. Acervo pessoal. ............................................................................................. 79
Figura 12: Captura de tela Google Maps com marcação a partir da localização da torre da
CIDPOL até o local das mortes. ..................................................................................... 82
Figura 13: Fotografia ampliada e recorde com a visão que os moradores têm a partir local onde
as pessoas foram baleadas. Acervo pessoal. ................................................................... 82
Figura 14: Cartazes produzidos pelos jovens amigos de Matheus no dia de seu sepultamento.
Março/2013. O primeiro citando a política de morte envolvida na atuação das UPPs de outros
locais da cidade. Acervo pessoal .................................................................................... 90
Figura 15: Na primeira foto, cartaz produzido pelos amigos de Matheus com fotografias de
vítimas das UPPs de outros lugares do Rio. Na segunda fotografia, o desejo de justiça divina.
Acervo pessoal. ............................................................................................................... 90
Figura 16: Cartaz convidando a comunidade a fazer parte da oficina de cartazes para a ocupação
da SESEG, após a morte de Matheus Casé. Março/2013. .............................................. 91
Figura 17: Ato político realizado pelo FSM e FJRJ com a participação de ativistas de
movimentos socais e organizações de Direitos Humanos. Acervo pessoal. .................. 91
Figura 18: Tenente da UPP Jacarezinho acompanha manifestação de moradores ao lado de
policiais fardados e à paisana com armas em punho. Foto: Patrick Granja, Jornal A Nova
Democracia ..................................................................................................................... 94
Figura 19: Manifestação após o assassinato de Paulo Roerto realizada pelo Fórum Social de
Manguinhos teve a presença de muitos movimentos organizados, das favelas, coletivos de
estudantes e moradores de Manguinhos. Foto: Rachel Barros e Vik Bierkbeck. ........... 96
Figura 20: As Mães de Acari. Foto: reprodução da internet. ....................................... 107
Figura 21: Vigília da Candelária (Centro do RJ) realizada em 20 de junho de 2017. Foto: Acervo
pessoal. ......................................................................................................................... 113
Figura 22: Em 1979 Marli Pereira Soares foi sozinha ao Batalhão no período da Ditadura
empresarial-civil-militar. Marli ainda vivia em uma região conhecida pela atuação de grupos
de extermínio. Foto: reprodução da internet. ................................................................ 114
Figura 23: Espaço preparado para as reuniões do IV Encontro Nacional de Mães e Familiares
de Vítimas do Terrorismo de Estado, realizado em maio de 2019 em Hidrolândia – GO. Foto:
Acervo Pessoal. ............................................................................................................ 119
Figura 24: Movimentos de Mães e Familiares realizam ato na frente da Igreja da Candelária por
ocasião do II Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado no
Rio de Janeiro – maio/2017. Foto: acervo pessoal. ...................................................... 120
Figura 25: Com a bandeira das Mães de Manguinhos, Eliene Vieira, Monica Cunha e Ana Paula
impedindo a passagem do caveirão pacificador no Ato Justiça Para Ághata no Complexo do
Alemão, 2019. Foto: May Donaria ............................................................................... 121
Figura 26: Cartazes de atividades culturais em Manguinhos em 2013. Acervo Pessoal..122
Figura 27: Cartazes de atividades cultural (em memória de Paulo Roberto) e de plenária em
Manguinhos para discutir segurança pública em 2014. Acervo Pessoal ...................... 122
Figura 28: Manifestação realizada na Praça da Piedade em Salvador durante o III Encontro
Nacional das Mães. No centro a Bandeira das Mães de Manguinhos, à direita, Janina Soares
com a camiseta com a foto de Christian. Foto: acervo pessoal. ................................... 124
Figura 29: Fotografia da bandeira das Mães de Manguinhos produzida em 2019. Foto:
reprodução da internet. ................................................................................................. 124
Figura 30: As placas instaladas em Manguinhos. A primeira em maio de 2016 e a segunda em
maio de 2019. Fotos: reproduzida da internet. Foto 02: acervo pessoal. ..................... 125
Figura 31: Desenho no muro do Campo Society, maio/2016. Reprodução da internet.126
Figura 32: Desenho no muro do Campo Society, maio/2016. Reprodução da internet.126
Figura 33: O dia do plantio. Foto: Planta na Rua, maio de 2016. ................................ 127
Figura 34: Colocação de nova placa em memória de Vera Santos em maio de 2019. Na foto da
esquerda para direita: Paula Bonatto (FSM), Eliene Vieira, Patricia Oliveira (Rede) e Ana Paula.
Foto: Rafael Daguerre, Mídia 1508. ............................................................................. 128
Figura 35: Ana Paula Oliveira, Fátima Pinho (com Anthony na barriga) e Eliene Vieira, As
Mães de Manguinhos <3. Foto: Coletivo Mulheres do Vento. ................................... 135
LISTA DE ABREVIAURAS E SIGLAS

Alerj – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro


BOPE - Batalhão de Operações Especiais
CCDH Alerj – Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio
de Janeiro
CDH Alerj – Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro
CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CIDPOL – Cidade da Polícia
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CORE – Coordenadoria de Recursos e Operações Especiais da Polícia Civil do RJ
DPERJ – Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
FJRJ – O Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro
Frente – Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
FSM – Fórum Social de Manguinhos
GLO – Garantia da Lei e da Ordem
ISP – Instituto de Segurança Pública
MNU – Movimento Negro Unificado
MPF – Ministério Público Federal
OEA – Organização dos Estados Americanos
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PMERJ – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios
PSF – Políticas de Saúde da Família
R.O – Registro de Ocorrência
Rede – Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
SESEG – Secretaria de Estado de Segurança
TEIAS – Território Integrado de Atenção à Saúde em Manguinhos
TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Unisuam – Centro Universitário Augusto da Motta
UPP – Unidade de Polícia pacificadora
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: O campo de pesquisa e as implicações da pesquisadora .................. 15

Percurso no campo e dimensões de um problema .......................................................... 25

CAPÍTULO 1: Construção do território da favela e seus dilemas na democracia brasileira


........................................................................................................................................ 33

1.1 A categoria território e sua aplicabilidade para a análise da violência vivida nas favelas
........................................................................................................................................ 41

CAPÍTULO 2: Estratégias de ocupação colonial tardo-moderna, segurança pública e a


necropolítica materializada nos territórios favelados ................................................... 54

2.1 Necropolítica concretizada: a violência materializada no território ......................... 65


2.2 Os filhos das Mães de Manguinhos: ......................................................................... 88

CAPÍTULO 3: A resistência das mulheres-mães guardiãs da memória ..................... 108


CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 132
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 136
HEMEROGRAFIA ...................................................................................................... 145
ANEXOS ...................................................................................................................... 157
15

INTRODUÇÃO
O campo de pesquisa e as implicações da pesquisadora

O objetivo deste trabalho é analisar a maneira como mulheres, cujos filhos foram
mortos por forças militarizadas do Estado brasileiro, lidam com sua perda. A principal
questão que orienta este trabalho é: como estas atuam diante dos impactos da
necropolítica em suas vidas?
Como veremos adiante, compreendemos a necropolítica como um processo
institucionalizado por parte do Estado que desenvolve e implanta políticas que suspendem
direitos universais garantidos pela Constituição de 1988 a determinados segmentos da
população especialmente em seus locais de moradia através de mecanismos e
instrumentos diversos. São tecnologias de guerra que implementam a vigilância e o
confinamento, que impõem medo e terror tendo como auge a morte física.
O Estado utiliza seu poder bélico para matar estas pessoas e impor um ambiente
de medo e insegurança. A epígrafe “Aqui a bala come, sem aviso prévio”1, poesia de
Severo IDD2, parece enunciar a fala da favela em relação a necropolítica (MBEMBE,
2016) que nem sempre é reconhecida por esse nome. No entanto, representa aquilo que
denominamos violência do Estado por meio de suas máquinas de guerra – que não se
referem somente aos caveirões terrestres e aéreos, mas também às forças (armadas ou
não), instituídas legal e ilegalmente nesses territórios (SANTOS, 2007). É sobre o
enfrentamento desta violência pelas mulheres-mães que trataremos. Elas se constituem
como guardiãs da memória conforme já citado por Deley de Acari no lançamento de seu
livro “Ainda Teremos Dublin?”, ao criarem territórios de memória como afirma Farias
(2014).
Visando atingir o objetivo acima proposto, analiso casos de morte de moradores
ocasionados pela ação da ocupação colonial tardo-moderna (MBEMBE, 2016) de
territórios favelados do Rio de Janeiro e o impulso que estes casos deram à constituição

1
O Título desta dissertação foi construído a partir do pensamento de dois homens negros que eu chamaria
de intelectuais orgânicos da favela, de gerações diferentes e separadas por décadas, mas que experienciam
o genocídio negro (NASCIMENTO, 2016) em duas favelas do Rio de Janeiro, ambas na Zona Norte:
Manguinhos e Acari. Um deles é Wanderley Cunha, Deley de Acari, que já passa dos 65 anos de idade, o
outro é William Severo de 28 anos. Deley é poeta, treinador de futebol, escritor. Severo é dançarino e poeta.
2
IDD é a sigla de Imperadores da Dança, grupo de dançarinos do passinho formado por jovens “crias” de
Manguinhos.
16

do coletivo de mulheres Mães de Manguinhos durante o período compreendido entre os


anos de 2013 e 2019.
Ao contrário da ideia de que estas mulheres não vivem o seu luto – ou mesmo a
de que perdem suas vidas – elas tomaram a dor de suas perdas como uma espécie de
alavanca para resgatar sua memória e recuperar a dignidade de seus filhos e irmãos,
contribuindo para a luta e resistência das comunidades das quais fazem parte. Nesta
direção, pode-se dizer que este coletivo produz um discurso e um movimento público
para fora dos ‘muros’ da Favela, mas também um discurso e um movimento para dentro,
para seus moradores.
Analiso os discursos e as práticas de luta destas mulheres para fora e para dentro
de seus territórios. Além disso, esta pesquisa é de caráter qualitativo, caracterizada pela
observação participante e entrevistas. Cabe destacar que sou moradora da Favela de
Manguinhos e membro de coletivos que atuam na luta por direitos nas favelas.
Falar sobre o território onde uma favela se localiza, conforme a perspectiva que
escolhi usar nesta dissertação, diz respeito ao [...] território usado [que] são objetos e
ações sinônimo de espaço humano, espaço habitado. [...] (SANTOS, 1998, p.16). Isto
quer dizer que na constituição desses locais existe uma história, uma memória, que se fez
a partir da construção das relações sociais daqueles que ali construíram suas casas,
creches, que construíram materialmente suas vidas, uma vez que é a partir de, e para esse
espaço habitado que essas mulheres mães transformaram luto em luta trazendo elementos
fundamentais como instrumentos, como a manutenção da memória de seus entes queridos
e das violências sofridas, caracterizando-as não como processos individuais e
contemporâneos, mas coletivos e vividos historicamente em seus lugares de moradia e na
cidade em que vivem, como veremos adiante.
Notoriamente há um paradoxo no entendimento do senso comum em relação aos
moradores de favelas, que não são questões colocadas pelo olhar do outro, os de fora,
mas, também pelos de dentro, são questões que dizem respeito à formação socioespacial
da cidade. Ao olharmos para os ensinamentos de Fanon (1968), podemos realizar um
paralelo entre a cidade do colonizado (a favela) e a cidade do colonizador (as zonas da
cidade que precisam estar “seguras”):
A Zona habitada pelos colonizados não é complementar da zona habitada pelos
colonos. Estas duas zonas se opõem, mas não em função de uma unidade
superior. Regidas por uma zona puramente aristotélica obedecem ao princípio
da exclusão recíproca: não há conciliação possível, um dos termos é demais.
A cidade do colono é a cidade sólida, toda de pedra e ferro. É uma cidade
iluminada, asfaltada, onde os caixotes de lixo regurgitam de sobras
17

desconhecidas, jamais vistas nem mesmo sondadas. [...]. A cidade do colono é


uma cidade saciada [...] A cidade do colono é a cidade dos brancos
estrangeiros.
A cidade do colonizado [...] a cidade negra, a medina, a reserva, é uma cidade
mal afamada, povoada de homens mal afamados, aí se nasce não importa onde,
não importa como. Morre-se não importa onde, não importa de quê. É um
mundo sem intervalos, onde os homens estão uns sobre os outros, as casas
umas sobre as outras. A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta
de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. É uma cidade de negros, uma
cidade de árabes. [...] (FANON, 1968, p.29).

Ao falarem sobre as favelas cariocas, Machado da Silva e Leite (2007)


demonstram como existe uma ideia construída no senso comum de que os moradores de
favelas seriam coniventes com o “tráfico de drogas” em seus locais de moradia,
especialmente quando estes se rebelam contra a violência estatal. Demonstram também
como a vivência no mesmo território produziria aproximações “gerando um tecido
homogêneo que sustentaria uma subcultura desviante e perigosa”, autorizando o uso banal
da violência.
Importante lembrar que os registros históricos criados por Mattos (2007; 2012),
Chalhoub (2011; 2016) e outros com os quais dialogarei ao longo desta dissertação,
demonstram como as favelas se constituíram na cidade sob a ideia de que seriam lugares
perigosos, anti-higiênicos e ocupados “por toda sorte de malfeitores”, lugares que por
terem sido ocupados por pessoas negras desde a origem – escravizadas, fugidas ou libertas
– seriam “as aldeias do mal” (MATTOS, 2007).
Trabalho ainda com o pressuposto de que as favelas seriam territórios negros, por
serem locais de moradias de pessoas pobres que possuem em sua gênese o conflito racial,
que delegou aos negros os piores locais da cidade. Por conta disso, seriam locais onde as
leis podem ser suspensas, não somente pela ação dos chamados “bandidos”– que em tese,
o são por atuarem “à margem da lei” – , mas principalmente por agentes de Estado
notadamente policiais e militares que atuam sob a égide do estado de exceção
(AGANBEM,2004).
Como dizem na favela, eu sou cria de Manguinhos: nascida e criada, em termos
de desenvolvimento físico e político. Aos “vinte e poucos” anos me tornei ativista no
movimento social no Rio de Janeiro a partir do meu local de moradia, que naquele
momento (2007/2008) entrava em um profundo processo de transformação urbana
pautado pela intervenção do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tema de
muitas pesquisas acadêmicas, algumas das quais participei ativamente como interlocutora
da/os pesquisadoras/es, como no caso da tese Urbanização e “pacificação” em
Manguinhos: um olhar etnográfico sobre sociabilidade e ações de governo (BARROS,
18

2016), defendida pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado


do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).
A implementação do Programa de Aceleração para o Crescimento (PAC)3 na
favela onde parte da minha família vive, trouxe grandes angústias aos moradores pela
iminência das temidas remoções das casas, que futuramente eu descobriria ser algo antigo
na história da cidade do Rio de Janeiro. Era um domingo de missa quando eu e toda
comunidade paroquial recebemos o convite para participar de uma reunião que trataria da
chegada daquelas obras que ofereciam um grande risco para as casas de determinadas
áreas da favela. Naquela altura, já havia iniciado e trancado a faculdade em Serviço Social
no Centro Universitário Augusto da Motta (Unisuam), uma universidade privada
localizada em um bairro próximo, e ingressado via vestibular na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Interessei-me pelo tema e assim pude participar da Comissão de
moradores de Vila Turismo, formada por moradores da localidade na qual cresci.
Logo depois entrei em contato pela primeira vez com as discussões acerca das
cidades e da transformação urbana gerada por intervenções de cunho urbanístico, que se
apresentavam não como possibilidade de melhoria de vida, mas como perda das casas,
dos modos de vida.
No ano de 2006, ainda no primeiro período do curso de Serviço Social na
Unisuam, entrei pela primeira vez em uma unidade prisional: Penitenciária Lemos de
Brito, ainda na Frei Caneca (famosa a rua do Centro do Rio na qual não existem mais
presídios) levada para uma visita técnica organizada pela professora Newvone Costa, a
quem eu devo o apego à luta pela garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade,
que ao longo dos anos e das experiências vividas me tornaram uma ativista pelo
abolicionismo penal4.

3
Política pública que conformou intervenções urbanísticas em algumas cidades do país como forma de
alavancar a economia e permitir o embelezamento das cidades para os chamados megaeventos. Para mais
informações Cf.: Barros (2016).
4
O abolicionismo penal é parte das discussões que a partir da criminologia crítica busca repensar a forma
de punição na sociedade burguesa, que se apresenta basicamente a partir do direito penal. O que se discute
é a possibilidade de uma sociedade sem prisões, onde a responsabilização pelo cometimento de crimes
passe pela reparação do dano causado e consequentemente por uma sociedade menos violenta. Existem
muitas perspectivas teóricas colocadas neste campo. Para mais informações sobre o tema ver Nota técnica
“abolicionismo penal” e possibilidade de uma sociedade sem prisões. Disponível em:
http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-NotaTecnica-FabioSimasJeffersonLee-AbolicionismoPenal.pdf.
Acesso em: 16 Fev. 2019. Ao longo dos últimos anos tenho me dedicado a pensar sobre esse tema de forma
subterrânea em relação à universidade – instituição a qual se filiam a maioria dos abolicionistas – tenho
escrito e participado de debates públicos sobre o tema como forma de atuação política ativista/militante.
Tendo por base a luta das Mães e Familiares de vítimas do Estado, que atuam exigindo justiça e reparação.
A contradição que se apresenta é justamente o combustível que acende o pensamento e a reflexão sobre
19

Assim a estudante frustrada que iniciou a faculdade e só cursou um ano e já nos


poucos semestres de universitária havia se interessado por temas como “criminalidade”,
“cadeia” e “violência policial” .estava ali, encontrando um novo mundo de conhecimento
que hoje se apresenta em articulação com os primeiros temas aos quais deu atenção
especial na formação acadêmica.
Meu objeto de pesquisa para esta dissertação é a transformação da cidade e a
criminalização5, a priori dos moradores de favelas, e principalmente a resistência e luta
que encontrei e aprendo a cada dia, no Fórum Social de Manguinhos e no apoio ao
movimento de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado.
Ao longo dos anos passei a compor alguns grupos em Manguinhos após a
Comissão de Moradores de Vila Turismo – que surgiu para resistir à remoção –, passei a
integrar o Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos6 (LabDHM), ligado à Rede
CCAP7 para discutir temas relacionados a Direitos Humanos, trabalhando principalmente
com a juventude. Em seguida, passei a compor a partir do Laboratório o Fórum de
Juventudes do Rio de Janeiro (FJRJ), e então passando a ser membra do coletivo ao qual
ainda me filio: o Fórum Social de Manguinhos (FSM).
Em 2011, ano em que eu passei a compor o FSM, iniciei também o estágio
curricular obrigatório em Serviço Social – já como estudante da UFRJ – em uma unidade
prisional no Complexo Penitenciário de Gericinó, localizado no bairro de Bangu.
Comecei a atuar também como pesquisadora da Fiocruz a partir do projeto Manguinhos:
Território em Transe8, que teve por objetivo pesquisar a história da formação de
Manguinhos e produzir uma exposição itinerante para circulação na própria favela, em

como caminhar ente as demandas reais da vida política para construir bases para outra sociabilidade que
não encarcere pessoas entendendo esse instrumento, a prisão, como um instrumento fundamental capitalista
de destruição da população negra nos países da Diáspora Africana.
5
Importante destacar que a ideia de “criminalização” que será trazida durante todo o trabalho não
necessariamente trata da ideia de “incriminação”, mas sim da construção de moralidades criminalizadoras
que poderão ou não tratar de imputação de responsabilidade jurídica.
6
O Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos foi formado e se manteve vinculado até a suspensão
de suas atividades em 2011 à organização não-governamental Rede CCAP que atua em Manguinhos desde
1985. Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/programa/laboratorio-de-direitos-humanos-de-manguinhos. Acesso em: 08
Dez.2018.
7
RedeCCAP. Disponível em: http://www.redeccap.org.br/quemsomos.html. Acesso em: 06 Dez.2019.
8
A pesquisa que se tornou uma exposição itinerante iniciou-se em 2011, com a participação de quatro
historiadoras/es e eu como auxiliar de pesquisa. Em 2013 finalmente ela ganhou as ruas das favelas de
Manguinhos e da cidade. Após circular internamente, a exposição chegou a ser levada para outros
municípios em diversas atividades como feiras de ciência e encontros de movimentos sociais.Manguinhos:
Território em Transe promove atividades culturais neste sábado. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/noticia/manguinhos-territorio-em-transe-promove-atividades-culturais-neste-
sabado; Exposição Tá na Rua em Manguinhos. https://www.anf.org.br/a-exposicao-ta-na-rua-em-
manguinhos/. Acesso em: 08 Dez.2018.
20

escolas, equipamentos de saúde e cultura e bairros do entorno. A experiência da atuação


nesse projeto e o contato mais recente com a literatura antropológica têm contribuído para
minha reflexão a respeito do dilema que envolve o pesquisador que é um ator no campo
empírico da pesquisa.
Durante a realização da pesquisa em Manguinhos, eu como única componente da
equipe moradora da favela, pude aprender entre outras coisas os cuidados e compromissos
envolvidos na realização de uma pesquisa como aquela e como a que realizo para a
produção desta dissertação. A confiança política depositada em mim naquele momento
por meus vizinhos mais velhos, me apresentou a responsabilidade de todo/a pesquisador/a
em retornar com o produto de suas pesquisas para seus interlocutores e sobre a
importância das pesquisas acadêmicas como instrumento de transformação social, seja
para a criação e implementação de políticas públicas, seja como instrumento de luta para
os movimentos sociais.
Assim se configurou o campo de pesquisa a partir do qual meu objeto se torna
concreto. O estudo sobre direitos e criminalização, ação política e resistência será
permeado por alguns aspectos históricos que serão incorporados na medida em que sejam
pertinentes à compreensão da constituição do local e da criminalização de pessoas
moradoras de favelas. Assim como a questão da moradia precária, as violências que
atravessam as histórias contadas e vividas como uma possível explicação para a
criminalização e a percepção que os moradores têm sobre a (des)importância de suas
vidas e de seus vizinhos, além da criminalização a partir do local de moradia que justifica
a violência estatal; a vigilância e o controle das pessoas, e a consequente luta das
mulheres-mães de vítimas da violência de Estado por memória, verdade, justiça e
liberdade.
A pesquisa realizada sobre a história de Manguinhos trouxe a possibilidade de
compartilhar com outras moradoras9 as histórias de luta e resistência que envolvem as
vidas nas favelas. De uma história que se contou sobre um lugar que seria composto por
gente criminosa, com “tudo de ruim” que se pode ter nas cidades. É possível demonstrar
como a favela sempre foi e é um lugar de trabalhadoras sem lugar, que ocuparam espaços
em função do trabalho já alcançado ou almejado, a partir de condições de acesso, ou ainda

9
Destaque-se que usarei os termos no feminino sempre que me referir à luta coletiva, ou em relação às
pessoas que vivem e atuam politicamente nas favelas, considerando que as mulheres estão em sua maioria
absoluta nos espaços de disputa, ao passo que não estão nos espaços de poder. Esta é uma escolha política,
que considera as relações estruturantes do poder patriarcal que tem nas mulheres, especialmente, as negras
seu principal alvo como se poderá ver ao longo desta dissertação;
21

da possibilidade de estar próximo ao transporte público ou outra questão fundamental no


que diz respeito às cidades e à vida dos pobres.
Nos anos de 2013 e 2014, atuei em um grupo que viria a formar o Núcleo de Ações
Territorializadas do Museu da Vida, que é um departamento da Casa de Oswaldo Cruz
(COC), uma das unidades da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Eu e outras jovens
moradoras atuávamos como dinamizadoras de um módulo no Programa de iniciação à
Produção Cultural – Pró-Cultural (para jovens aprendizes) sobre memória e identidade.
Manguinhos passava por remoções e em uma das conversas que tivemos na equipe de
trabalho, formada por mim e mais três pesquisadoras (estudantes de História e História
da Arte, além de um coordenador formado em História, servidor da Fiocruz), foi relatada
a história de uma menina que aos oito anos de idade fora removida com sua família de
uma das localidades da favela para local distante e já não lembrava sequer como eram as
ruas onde cresceu e brincou com outras crianças também removidas, e o quanto aquela
remoção seria fundamental para impossibilitar a memória daquela menina, tornando-a
uma pessoa sem memórias de sua infância. O que por outro lado impactaria diretamente
o seu reconhecimento da origem da favela da qual sua família fora removida, segundo as
pesquisadoras.
A memória como tema fundamental no que tange à resistência, também se
conforma neste trabalho, com indícios de ser o elemento central da atuação das mulheres-
mães de jovens privados de liberdade ou mortos, quando marcam no território a memória
de seus filhos e da violência vivida. Demonstram por outro lado a resistência ao
apagamento produzido para além da ação do tempo como destaca Vianna (2019): O
esquecimento, como nos diz o poema de Szymborska, é matéria não apenas do trabalho
do tempo, mas também das mãos que removem os entulhos que ficaram no meio do
caminho como marcas físicas da guerra [...]10.
A memória e os silenciamentos, foram temas discutidos para a construção da
pesquisa e da exposição itinerante em Manguinhos e apresentam elementos para pensar
o papel de alguns instrumentos utilizados na luta travada pelas moradoras das favelas,
pelos movimentos sociais e, especialmente, pelas mulheres-mães na sua luta por justiça.

10
O texto de Vianna, intitulado Políticas da morte e seus fantasmas, foi publicado na Revista Le Monde
Diplomatique Brasil em março de 2019como parte do “Dossiê Estado de Choque”. A autora inicia o texto
com um trecho do poema de Wislawa Szymborska, chamado “Fim e Começo”, que diz:” [...] os que sabem/
o que aqui se passou / devem dar lugar àqueles que pouco sabem / ou menos que pouco, /E por fim, nada
mais que nada [...]”. Disponível em: https://diplomatique.org.br/politicas-da-morte-e-seus-fantasmas/.
Acesso em: 20 Nov. 2019.
22

Elementos que tratam de uma disputa narrativa sobre a memória dos filhos assassinados,
mas que tratam também de marcar o território onde viviam com seus filhos, na construção
de uma memória coletiva.
Pollak (1989) chama atenção para o fato de que alguns pontos de referência como
paisagens, datas, música, folclore, costumes e a arquitetura podem ser tomados como
indicadores empíricos da memória coletiva, uma memória que é comum como no caso
das ruas das favelas ou do tipo de brincadeira e circulação de pessoas que são elementos
que fundamentam e reforçam sentimentos de pertencimento ao passo que definem o que
é comum.
Nesse sentido, o tempo e a paisagem são fundamentais para a discussão que se
pretende travar nos capítulos que seguem, segundo Mbembe (2017, p.2013):
O tempo por consequência, vive-se, vê-se e lê-se na paisagem. Antes da
recordação, existe a visão. Recordar é ver, literalmente o vestígio deixado
fisicamente no corpo de um lugar pelos acontecimentos do passado. Não
existe, no entanto, corpo de um lugar, que não se relacione de certa maneira,
com o corpo humano. A própria vida deve “ganhar corpo” para ser reconhecida
como real [...].
A memória coletiva, e a disputa pelo que elas representam não são algo novo.
Cresci em Maguinhos acompanhando a colocação de faixas, a pichação de nomes nas
paredes, que como bem disse Ana Paula Oliveira das Mães de Manguinhos: não falam só
da memória de quem morreu, mas também pedem liberdade. É comum ver por aí,
“Liberdade pro ‘fulano’”. Tem sido assim em nossa história, que hoje reverbera nas
hastags como a aquela que pede ‘liberdade DJ Rennan da Penha’11.
A memória coletiva nas cidades, especialmente nas favelas, entra na disputa pela
narrativa sobre seus filhos, por parte das mulheres-mães como algo que trata também de
uma disputa com o que conhecemos historicamente trata de uma disputa material e
simbólica sobre o que conhecemos e sobre o que elas querem que gerações
contemporâneas e futuras conheçam. Portanto, trata-se de uma memória que não é apenas
veiculada para fora, para a sociedade como um todo, no âmbito do discurso político
público. Trata-se da construção de uma memória para dentro da localidade que possibilita
recordar, existir e ver o corpo de um lugar (Mbembe, 2016.).
Como moradora de favela que tem familiares em vários municípios da Baixada
Fluminense, cresci ouvindo histórias de execuções; pessoas que desapareceram, pessoas
mortas pela polícia, sobre o crime, o tráfico, e ainda convivi com a perda de amigos para

11
Familiares amigos e fãs se reúnem para enviar cartas a DJ Rennan da Penha. Disponível em:
https://www.almapreta.com/editorias/realidade/familiares-amigos-e-fas-se-unem-para-enviar-cartas-a-dj-
rennan-da-penha. Acesso em: 20 Nov. 2019.
23

a morte e para a prisão, além de sempre ter me sentido sensibilizada pelas chacinas que
apareciam na TV, especialmente a Chacina da Candelária em 1993, na qual meninos/as
da minha idade foram assassinados enquanto dormiam no Centro do Rio de Janeiro. Esses
espectros de morte como chamaria Vianna (2019) em artigo escrito para o Lemonde
Diplomatique Brasil:
Elas [as presenças fantasmagóricas] se inscrevem como tecnologias de
governo em territórios inteiros, passam por gerações, reencarnam nas novas
mortes, nas chacinas, nas imagens replicadas que não dão conta dos números
chocantes que configuram as estatísticas oficiais. Fazem-se presentes sob a
forma de medos, cuidados, vergonhas e raivas que conduzem os vivos em suas
andanças pelo mundo. O silêncio em torno desses mortos é, em verdade,
ensurdecedor.

Essas memórias que fazem parte do que me tornei na vida adulta, são memórias
que construíram minha identidade enquanto parte do grupo das pessoas que podem ser
mortas e presas por viver em determinada área da cidade ou por ter determinada cor de
pele ou tipo de cabelo12. Por outro lado, essa memória coletiva que apresenta violências
como “parte da vida” cotidiana nos conforma também para a luta e resistência e é essa
memória que emerge dos muitos símbolos reconstruídos e/ou transformados a partir dessa
memória que Pollak (1989) chamaria de subterrânea, que vai ajudar a reconstruir nosso
entendimento sobre essas violências.
Para além dos símbolos, nossos corpos, individualmente ou em relação com o
espaço vivido, nesse caso com o território também se conformam como elementos
fundamentais da memória:
A memória e a recordação põem em jogo toda uma estrutura de órgãos, todo
um sistema nervoso, toda uma economia de emoções no centro das quais está
necessariamente o corpo e tudo o que o ultrapassa. [...] Assim, em vários países
africanos que se confrontam com o drama da guerra, a recordação da morte
está diretamente escrita no corpo magoado ou mutilado do sobrevivente, e será
a partir deste corpo e das suas enfermidades que a memória do acontecimento
é refeita. [...] (MBEMBE, 2017 p.208-209)

Como será perceptível, este trabalho está atravessado por esse meu lugar de
moradora, ativista e apoiadora dos movimentos de Mães e Familiares e por esse meu lugar
de mulher negra que me coloca no alvo das políticas genocidas que não se concretizam
somente na morte física, do projétil, na tortura física e psíquica, mas também na

12
Babiy Querino, jovem negra de São Paulo, foi reconhecida como participante de roubo de carro pela
descrição feita pela vítima. Uma fotografia que circulou por WhatsApp, dava conta das características de
uma jovem “da cor parda, cabelos longos encaracolados da cor preta, olhos escuros, magra, altura
aproximada de 1,68m, aparentando ter a idade entre 18 a 20 anos. Em depoimento, uma das vítimas
afirmou que o cabelo de Babiy era familiar. Bárbara Querino, a Babiy: como a justiça condenou uma
jovem negra sem provas. Disponível em: https://ponte.org/barbara-querino-a-babiy-como-a-justica-
condenou-uma-jovem-negra-sem-provas/. Acesso em: 17 Nov. 2019.
24

hipertensão, nas doenças que afetam a psique e do banzo, a morte por tristeza involuntária,
que aos poucos tira a vida e que quando acaba parece uma morte por doença, como foi o
caso de Janaína Soares, mãe de Christian e uma das Mães de Manguinhos, que tombou13
na luta contra o Estado genocida Brasileiro14 em seis de novembro de 2018.
Lélia Gonzales (1935-1994), intelectual negra brasileira dizia que todo negro tem
que ter nome e sobrenome15; além disso relembrava diretriz do Movimento Negro
Unificado (MNU) que afirma que o papel de negras e negros brasileiras/os é falar da
questão racial onde quer que estejamos, e é dessas duas premissas que me valho para
implicar meu papel como pesquisadora acadêmica nesta dissertação e na minha atuação
ativista/militante, que pretendo de forma qualificada e relevante sistematizar dados
qualitativos sobre a criminalização a priori, que justifica socialmente as mortes e prisões
em favelas, assim como dados quantitativos para compreender porque quando um jovem
é assassinado na favela a luta não é “somente” para a responsabilização dos assassinos,
mas antes de tudo é uma luta moral para reestabelecer a dignidade da vítima, ou melhor,
a sua humanidade. Uma luta histórica do movimento negro brasileiro, e dos negros da
Diáspora: a luta pelo reconhecimento de nossa humanidade, essa humanidade que para
Fanon (1968; 2008) é universalizada na figura dos europeus, e desconsiderada em relação
às pessoas negras.
Portanto, esta dissertação parte do pressuposto da existência de uma representação
social, construída a priori das pessoas que vivem em territórios (Santos, 2007) favelados
e periféricos e que frequentemente é utilizada como justificativa para a suspensão e
violação de direitos por parte de agentes do Estado, especialmente homicídios e detenção,
que, por outro lado, e a atuação dos movimentos formados por mulheres mães e
familiares de vítimas dessas violações na luta por memória, verdade, justiça e liberdade.

13
O termo foi usado por Natasha Neri, pesquisadora, apoiadora do Movimento de Mães e Familiares,
diretora do documentário “Autos de Resistência”, em artigo escrito para a Ponte Jornalismo no dia da morte
de Janaína. O Rio não amanheceu: mortes a tiros e uma mãe que tombou. Disponível em:
https://ponte.org/artigo-o-rio-nao-amanheceu-mortes-a-tiros-e-uma-mae-que-tombou/ . Acesso em: 27
Out.2019.
14
Termo muito usado pelos ativistas da Campanha Reja ou Será Mortx, da Bahia.
15
Entrevista com Lélia Gonzales: ‘Negra/o tem que ter nome e sobrenome’. Disponível em:
http://akofena.blogspot.com/2012/01/entrevista-com-lelia-gonzalez-negrao.html. Acesso em: 27 de
Out.2019.
25

Percurso no campo e dimensões de um problema

Somos os cravos que florescem em meio ao holocausto


Sequestramos menos que o mercador na África
Carbonizamos menos que as fogueiras sagradas
Roubamos menos que os clientes dos carros fortes
Não temos 1 dos homicídios do esquadrão da morte
Na lista dos maiores ditadores da terra
Não li o nome saindo dos becos na favela
Pode quebrar nosso sigilo bancário
Não tem fortuna feita com câncer e feto mal formado
Não respondemos pelos crimes da indústria tabagista
Farmacêutica, alcoólica, televisiva e armamentista
Ocupamos os bondes dos 157 em transferência
Porque não fomos convidados pra feira de ciência
[...]
Os Cravos do Holocausto
Eduardo Taddeo

A pesquisa que dá corpo a esta dissertação foi organizada em quatro semestres do


tempo disponibilizado institucionalmente para a conclusão do mestrado. Contudo, os
dados trazidos assim como as bibliografias e outros elementos são relativos a um acúmulo
de pelo menos dez anos de participação em espaços políticos de organização popular que
fomentaram o exercício cotidiano de reflexão sobre a minha condição de mulher negra e
moradora da favela em um país que instituiu sua forma de gerir a vida sobre bases racistas
e patriarcais e que tem a necropolítica (MBEMBE, 2016) sua principal estratégia de
controle das populações pobres.
Além da retomada de anotações em dezenas de cadernos de campo, documentos
aos quais tive acesso e produzi ao longo dos anos como militante do movimento de
favelas, realizei um levantamento bibliográfico de tudo que li ao longo desses anos, na
universidade e fora dela. A busca pela racialização dos debates que tenho feito, como
profissional de uma organização de direitos humanos, pesquisadora de violência
institucional e segurança pública me permitiu acessar outras bibliografias não populares
na universidade, mas que têm sido reencontradas e trazidas com mais força para os
espaços acadêmicos nos últimos anos.
Ficará explicita também a escolha política por privilegiar pensadoras/es negras/os,
o brilhantismo de autoras como Lélia Gonzales (1984; 1979), Angela Davis (2009, 2016,
2018, 2019), Flauzina (2008, 2014), bell hooks (2017, 2019) entre outras são
26

fundamentais para análises que serão trazidas sobre a necropolítica brasileira e a atuação
política de movimentos de mulheres-mães e familiares de pessoas vitimadas pela
violência de Estado em sua atuação que tem como mote a luta por memória, verdade,
justiça e liberdade. A análise das categorias trabalhadas no contexto de luta das mães
também vem acompanhada de uma ampla gama de autoras/es da Antropologia e da
Sociologia. Muitas delas são categorias construídas “a muitas cabeças” exigirão um
tempo maior que e o disponibilizado para um curso de mestrado para que sejam analisadas
a contento.
A vida que fomenta minhas reflexões neste trabalho é mobilizada de forma
violenta pela manutenção da memória da vida arrancada ou violentada “lá na cidade do
outro, do colonizado” (FANON, 1968), onde tudo pode. Os direitos previstos na
Constituição Federal (Cidadã) podem ser suspensos e a violência pode ser exercida sem
os limites colocados pelo Estado Democrático de Direito, que aparece nos discursos
sempre sobre uma égide de questionamento sobre que Estado Democrático de direitos é
esse e a quem ele se destina e porque aqui pode? Nesse lugar onde pode-se prender sem
provas, violar o lar sem mandado, impedir a passagem sem justificativa e exercer a
violência letal como se a favela fosse um matadouro.
Vive-se no cotidiano situações diversas, que geram desde pequenos traumas de
todo dia até o trauma maior da prisão, da tortura e da morte, traumas que se articulam
com as políticas de morte, chamadas por Mbembe (2016) de Necropolítica. Traumas que
não tratam somente de uma destruição física imediata do tiro nas costas de uma criança,
mas psíquica, da mãe, da avó e das tias, que tiveram arrancadas das suas vidas gerando
uma dor insuperável. Violências impetradas por agentes de Estado que nos lembram das
violências que foram tratadas como “casos isolados”, mas que representam a ordem das
práticas em relação às mulheres negras, em seus locais de moradia, ou em qualquer parte
da cidade.
Trago neste item um relato pessoal para representar a práxis estatal cotidiana
exercida por seus agentes para gerar medo nas pessoas de fora e de dentro da favela, a
partir da imposição de terror como instrumento marcado por um forte componente racial:
Os discursos de medo instrumentalizam ações e estratégias que, além do
aniquilamento de negros, propiciam o encapsulamento e a maior apropriação
de riquezas e poderes em mãos de brancos. O terror racial pode ser
compreendido nessa conjuntura como linguagem, discurso e método de
produção e manutenção de privilégios que se estendem até a vida substantiva.
Dessa forma, destitui-se a vida de valor de status de direito para, a partir daí
torná-la privilégio alcançável para aqueles dotados de branquitude.
(WERNEK, 2017, p. 108)
27

As histórias de violências que outras de nós sofreram em outros locais da cidade


onde a violência é tácita e socialmente autorizada sob uma ideia de que se está
combatendo o crime corroboram com o conjunto do que as mulheres-mães de vítimas
chama de terrorismo de Estado16 e por isso a necessidade de iniciar as reflexões com um
relato pessoal.
Era noite de terça-feira em 2016. Decidi não participar da reunião do coletivo do
qual faço parte há cerca dez anos, o Fórum Social de Manguinhos, que se reúne sempre
no mesmo dia da semana em locais itinerantes, sempre dentro da favela. Saí da casa de
minha mãe e aguardava condução quando um carro da Polícia Militar do Estado do Rio
de Janeiro (PMERJ) emparelhou em um carro preto de forma violenta e ordenou ao
motorista que entrasse em uma rua sem saída. Ao perceber quem dirigia o carro decidi
acompanhar a abordagem filmando com o celular.
No volante do carro estava o cunhado de uma amiga querida, mãe de um jovem
que fora assassinado por um policial militar da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de
Manguinhos, dois anos antes. Aos gritos o policial ordenou que o motorista e o carona
saíssem do carro, os dois estavam sendo revistados com as mãos no capô por um policial
que parecia cumprir as ordens do outro que me viu filmando com o celular. Dali em diante
eu passei a ser o alvo dos gritos que antes foram dirigidos aos rapazes do carro. O policial
negro e alto que estava muito nervoso, e arrisco dizer que parecia estar sob efeito de
alguma substância psicoativa estimulante17 – pupilas dilatadas, mãos inquietas, pálpebras
e lábios com movimentos frenéticos18 – gritava perguntando quem eu era, e na tentativa
de demonstrar tranquilidade eu somente dizia boa noite sem ser ouvida. O “pseudo”
diálogo se repetiu por quatro vezes até que ele gritou: documento19!

16
Categoria nativa construída pelos movimentos sociais de mães de pessoas assassinadas, criminalizadas,
presas e/ou torturadas que estão na luta por “memória, justiça, verdade e liberdade” como está escrito na
bandeira do Movimento Mães de Maio de São Paulo. Mulheres-mães que tiveram filhos assassinados e
desaparecidos nos chamados Crimes de Maio de 2006, quando mais de 500 pessoas, a maioria jovens,
foram assassinados em casos que apontam a participação de agentes de estado, em retaliação a ataques que
teriam sido ordenados por criminosos.
17
Para mais informações ver Substâncias psicoativas e seus efeitos. Disponível em:
http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201704/20170424-094213-001.pdf. Acesso em: 30 out.
2018.
18
Pude identificar os efeitos a partir de conhecimentos adquiridos no “Curso de atualização em
aconselhamento motivacional e intervenção breve em crack e outras drogas para agentes comunitários de
saúde, redutores de danos, agentes sociais e profissionais que atuam nos consultórios de rua” Realizado no
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ) nos meses de outubro e
novembro de 2012, quando ainda atuava como estagiária em uma unidade prisional do Complexo Prisional
de Gericinó no Rio de Janeiro.
19
Para ver mais sobre documentação, reconhecimento facial, identidade/identificação Cf. Peirano (2011;
2009; 2006).
28

Entendi naquele momento que contrariá-lo seria o pior a fazer, fui procurar o
documento na bolsa e não encontrei, informei que não tinha. Imediatamente ele me disse
sem constrangimentos: então a senhora vai pra delegacia. Argumentei que não entendia
o motivo de ir para delegacia, afinal eu não estava recusando a me identificar. Fui
respondida que o fato de eu ter filmado a abordagem e estar sem documento seria
imperativo para que eu fosse para a delegacia.
Apesar do medo que comecei a sentir a partir daquele momento, já que os dois
policiais agora se voltavam contra mim como se eu tivesse cometido algo ilícito, usei
termos técnico-jurídicos para informar que os agentes públicos em exercício de sua
função constitucional podem sim ser filmados, considerando que ali havia dois agentes
de Estado e, portanto, guardado o dever de publicidade da atividade pública previsto na
Constituição Federal de 1988, não haveria nenhum ilícito no ato de acompanhar e
registrar a ação20. Outro argumento que utilizei tratou do fato de eu não ter me recusado
a apresentar informações que me identificassem, uma vez que não há obrigatoriedade
legal de apresentar cédula de identidade, bastava o policial me solicitar o número de
algum documento válido para que pudesse me identificar pelos meios cabíveis, somente
em caso de recusa de minha parte, e só nesse caso, o policial poderia me “enquadrar”
neste tipo de contravenção penal21.
De nada adiantou eu ter essas informações, o policial seguia gritando que iria me
levar para a delegacia. O outro policial com ar irônico, afirmou que o fato de eles não
saberem o motivo da minha filmagem, os colocava em risco e, por isso, eu deveria ter
documento de identidade ou ir para a delegacia. Afirmou ainda que se algum crime
estivesse acontecendo ali eu seria testemunha, etc. Perdi a paciência, me senti insegura,
mas perguntei se eles tinham dúvida sobre o seu papel enquanto agentes públicos e que
ali havia uma cidadã, fiscalizando o trabalho de dois policiais e os mesmos em tese
fazendo seu trabalho e que eu sabia do que estava falando principalmente porque eu
ocupava naquele período o lugar de coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura do estado do Rio de Janeiro (CEPCT-RJ), pensei ser esta uma cartada
que permitiria ficar segura diante daquele absurdo (absurdo pra quem, se essa é uma

20
Cidadão tem o direito de filmar abordagem policial. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-
out-03/academia-policia-cidadao-direito-filmar-abordagem-policial. Acesso em: 30 out.2018.
21
Artigo 68 da Lei das Contravenções Penais – Decreto de Lei 3688/41. Disponível
em:https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11735804/artigo-68-do-decreto-lei-n-3688-de-03-de-outubro-
de-1941. Acesso em: 30 out. 2018.
29

prática que faz parte da atuação policial em Manguinhos e outras regiões periféricas da
cidade).
A última fala foi o suficiente para que o policial de fato gritasse me ameaçando
dizendo que se não tivesse um documento eu iria para a delegacia nem que fosse
arrastada. Naquele momento o pânico tomou conta do meu corpo, eu fiquei apavorada e
eu liguei para amigos pedindo ajuda.
Para uma mulher negra no Rio de Janeiro, ser arrastada pelas ruas durante
abordagem policial já não se trata de figura de linguagem, é uma ameaça real após o caso
de Cláudia Silva Ferreira: mulher negra, favelada e mãe de família, arrastada por uma
viatura da PMERJ em uma manhã de domingo(16 de março de 2014), após ser baleada
no Morro da Congonha no bairro de Madureira quando voltava da padaria com um copo
de café e pães para os filhos22.
Após a ameaça, pessoas que não sabiam que eu não morava mais em Manguinhos
se juntaram em volta da situação oferecendo para ir à casa dos meus pais, inclusive de um
rapaz branco que afirmava que os rapazes do carro e eu éramos “gente de bem” que “não
precisava daquilo [o comportamento agressivo em relação a nós]”.. Por fim, amigos
chegaram e um grande bate-boca se fez, mas diante de dois homens brancos, um de olhos
azuis com fala mansa e outro de grande porte físico tudo terminou em ironia. O policial
liberando a todos ameaçando os rapazes do carro que se os “pegasse” ouvindo aquela
música chula de novo, os levaria em cana.
A parte engraçada foi que um dos meus amigos ao perguntar ironicamente o que
era “música chula” ouviu a seguinte frase do agente da lei: procura no Google meu
senhor!
Essa e outras histórias vividas por mim e por muitas moradoras de favelas no Rio
de Janeiro às quais tenho acesso não apenas pelos jornais, mas pela experiência como
ativista do movimento social e pesquisadora de Violência Institucional e Segurança
Pública de uma organização de direitos humanos, me levaram querer compreender os
processos sociais que na atualidade fazem com que a vida das pessoas nas favelas, assim
como não importam os títulos que por ventura tenham ou o conhecimento sobre leis e
seus direitos, diferentemente do que acontece em outros lugares da cidade a depender de
quem questiona, a própria abordagem policial. Os termos utilizados e a criminalização a

Denunciados PMs envolvidos na morte de Cláudia Ferreira arrastada por viatura. Disponível em:
22

https://www.geledes.org.br/denunciados-pms-envolvidos-na-morte-de-claudia-ferreira-arrastada-por-
viatura. Acesso em: 30 out.2018.
30

priori, são a norma como é possível identificar na sistematização de “tipos de violações


de direitos”, identificada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ)
em seu relatório do Circuito Favela Por Direitos23.
O elemento fundamental que identifico analisando meu próprio relato é que neste
local, onde os direitos podem ser suspensos e o exercício do monopólio da violência é o
elemento chave para a mobilização de mulheres que buscam enfrentar essas violências
seja pela memória de seus filhos mortos, seja pela segurança de seus filhos criminalizados
ou pela garantia da vida que ainda existe e que está por chegar ou pela sua própria
dignidade no enfrentamento ao discurso que censura, recrimina e desqualifica a
capacidade das mulheres negras de agenciar , formular e conduzir projetos de sociedade
incluindo a procriação e outras possibilidades humanas (WERNEK, 2017).
Como relatei, várias dimensões de um problema marcam o cotidiano da favela e
aparecem no momento em que um policial afirma que eu não posso filmar uma
abordagem policial e que eu tenho que ter documentos para não ser obrigada a ir à
delegacia e que caso eu me recusasse a ir, iria arrastada. Vários direitos meus foram
violados naquele momento e a ação policial, de uma abordagem violenta poderia ter se
tornado um Registro de Ocorrência (R.O) na delegacia policial. Contudo, tais questões
se apresentam como um emaranhado complexo de múltiplas dimensões que envolvem a
segurança de várias pessoas, inclusive da luta política que realizamos todos os dias nesse
território.
Baseando-me no pensamento de Luciane Rocha me coloco como uma intelectual
orgânica (GRAMSCI apud ROCHA, 2014) falando “de dentro” não só do território, mas
a partir do entendimento de que como Mulher negra minha contribuição se faz para além
do papel de “apoiadora das Mães”, também como parte desse movimento mais amplo que
atua nos círculos dos Movimentos Negros de luta pela vida e pelo reconhecimento de
nossa humanidade e construção de estratégias de resistência à violência de Estado ao
lado das mulheres negras (ROCHA, 2014, p.21).
Assim, interessa analisar nesta dissertação, quais elementos podem ser acionados
em relação ao lugar a partir de onde as mulheres-mães se organizam e para onde também
voltam suas ações que se conformam em luta em nome de alguém, que pode não estar

23
Relatório Parcial do Circuito Favelas por Direitos. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/14Qy6yleYpugnSF3MrBpKhIpu0QmiyYV9/view. Acesso em: 30
out.2018.
31

mais no plano terreno, mas que é evocado como força para seguir vivendo, transformando
luto em luta.
Ainda que o objeto de pesquisa desta dissertação não seja diretamente o Serviço
Social, é importante destacar que se trata da principal forma de ação estatal que hoje se
volta à classe trabalhadora em sua multidiversidade. Sujeitas são as mulheres na luta que
se discute neste trabalho, aquelas responsáveis objetivamente pela manutenção da vida
que são, como é de conhecimento notório, as usuárias fundamentais das políticas públicas
do país. A relevância deste trabalho para os assistentes sociais está, especialmente, em
trazer elementos para a categoria profissional que permita conhecer sua população
usuária, onde a luta pela vida está marcada pela morte em suas diversas espacialidades,
que ao fim e ao cabo serão levadas ao serviço social nas várias instituições as quais nós,
assistentes sociais, atuamos.
Esta dissertação está dividida em quatro partes. Esta introdução, em que busquei
apresentar minha entrada no campo como pesquisadora e o reconhecimento da
importância de refletir e analisar processos que me afetam diretamente como mulher
negra e moradora da favela.
No capítulo 1, intitulado A construção do território da favela e seus dilemas na
democracia brasileira, tratarei da relação entre a conformação histórica da favela como
território e o porquê do uso desse conceito para delimitar espacialmente o alvo da
necropolítica brasileira, de onde surge o movimento das Mulheres-Mães e para apresentar
para onde se volta a sua atuação como resistência enquanto guardiãs das memórias.

No capítulo 2, Estratégias de ocupação colonial tardo-moderna segurança


pública e a necropolítica materializada nos territórios favelados, busco apresentar como
é implementada a necropolítica nas favelas a partir das estratégias de ocupação colonial
tardo-modernas, discutidas a partir de Mbembe (2016; 2017), ao passo que apresento
elementos que visam demonstrar como essa necropolítica se materializa nas favelas, para
analisar os casos dos filhos das Mães de Manguinhos.
No capítulo 3, A resistência das Mulheres-Mães guardiãs da memória, analiso
como as Mulheres-Mães se tornam sujeitas políticas no processo de luta fazendo uso da
memória como ferramenta de luta e denúncia para fora, ao passo que (re)constroem a
resistência para dentro.
Nas considerações finais retomo o caminho traçado que aponta para as
possibilidades futuras de pesquisa, que por sua vez dizem respeito à possível relação entre
32

o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito no Brasil e suas bases racistas,


patriarcais e heterossexistas e o ataque organizado às resistências femininas negras.
33

CAPÍTULO 1
Construção do território da favela e seus dilemas na democracia brasileira

Os princípios democráticos conquistados ao longo dos séculos, desde que foram


forjados pelos pensadores clássicos, são caros para as inúmeras democracias em todo o
mundo. Países como o Brasil, os chamados “países em desenvolvimento” possuem
princípios que forjam e representam instrumentos que podem ser utilizados para a
garantia da sobrevivência das populações, principalmente daquelas caracterizadas como
minorias. Contudo, a reflexão que se busca fazer neste capítulo passa justamente por
identificar algumas peculiaridades da democracia brasileira que poderiam nos permitir
afirmar que existe uma espécie de estado de exceção (Agamben, 2004) colocado para
determinadas populações concretizando-se em prisões arbitrárias, mortes e violações dos
direitos humanos em suas múltiplas dimensões e que é exacerbado na
contemporaneidade.
Interessa refletir sobre as peculiaridades da democracia no Brasil, marcadas pela
forma como se desenvolveu o Estado brasileiro, que visa compreender os processos
sociais que fazem das favelas e periferias locais onde a população vive em cotidiana
suspensão de direitos, suspensão essa que reverbera no número de homicídios cometidos
por agentes de Estado. As hipóteses compartilhadas aqui são fruto da pesquisa realizada
no mestrado, que teve por objetivo compreender como as mulheres-mães de vítimas do
terrorismo de Estado traduzem em seus repertórios discursivos e manifestações públicas
os efeitos das violências sofridas por seus filhos.
A principal hipótese parte da fragilidade da democracia brasileira, baseada na
desigualdade racial – que fomenta a desigualdade social no Brasil24 – que permite que
favelas e periferias vivam sob o modus operandi do estado de exceção discutido por
Agamben (2004), baseado por sua vez na racionalidade colonial difundida a partir da
Europa, na qual se assenta o poder político no país em suas diversas “fases” pós-coloniais
e que se concretiza especialmente no uso da força letal nos territórios favelados
(SANTOS, 2007; 1998).

24
A pobreza no Brasil tem cor, e é preta. Disponível em:https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-
pobreza-brasileira-tem-cor-e-%C3%A9-preta. Acesso em: 21 Fev. 2019.
34

A despeito de ser 54% do total da população25,pessoas negras seguem


desproporcionalmente fora dos bancos escolares26, sendo morta pela violência letal das
polícias e forças militares27 e sendo colocada no trabalho informal, na linha dos menores
salários, etc.28. Estes indicadores apresentam um quadro bastante dramático construído a
partir de uma história de escravização e espoliação do trabalho de pessoas trazidas a força
para o Brasil entre os séculos XVI e XIX (MOURA, 1983; 1994).Isto parece significar
que mesmo na democracia, não puderam ser reparadas econômica e politicamente,
fazendo assim com que a maior parte da população brasileira esteja fora das decisões que
estruturam os grandes pactos pela democracia.
Há um elemento fundamental que atravessa as discussões colocadas como dados
de pesquisa nesta dissertação, que é o fato de as populações negras e indígenas no Brasil
seguirem em luta pelo direito primordial à vida e pelo reconhecimento de sua humanidade
e dignidade.
A igualdade jurídica formal comtemplada pela Constituição Cidadã não reverbera
na vida cotidiana das pessoas que mal têm condições materiais de se desenvolver e que
são impedidas por forças estatais e privadas do exercício da cidadania prevista na Carta
Magna brasileira por se basearem em outros lugares do mundo que em nada se
assemelham ao Brasil.
[...] Ao elaborar o seu texto [da CF88] o legislador constituinte brasileiro
encabeçou o artigo referente aos direitos fundamentais com o princípio da
igualdade jurídica, assim como elegeu a república e a federação como forma
adotada pelo Estado brasileiro. Declarou ainda no mesmo artigo primeiro, ser
a República Federativa do Brasil um Estado Democrático de Direito. Tais
características fazem com que a doutrina jurídica brasileira tome o discurso de
doutrinas oriundas de outros contextos sociais como apropriada para o nosso
sistema, desconsiderando completamente as peculiaridades de nossa
sociedade. (MELLO, 2011, p.3)

Como é de notório conhecimento acerca da história do Brasil, nosso território foi


inicialmente dividido nas chamadas capitanias hereditárias (1548-1759) onde o donatário
recebia da Coroa dois importantes documentos: a Carta de Doação e o Foral. O primeiro
estabelecia a doação da terra a um particular, geralmente membro da pequena nobreza, e

25
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir da realização do censo em 2010.
26
Educação reforça desigualdade entre brancos e negros, diz estudo. Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-11/educacao-reforca-desigualdades-entre-brancos-
e-negros-diz-estudo. Acesso em: 22 Fev.2019.
27
Atlas da Violência. 2018. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/9/atlas-2018.
Acesso em: 21 Fev. 2019.
28
IBGE mostra as cores da desigualdade. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/21206-ibge-mostra-as-cores-da-desigualdade. Acesso em: 21
Fev. 2019.
35

o segundo os direitos e obrigações (CINTRA, 2013). As Capitanias marcaram


profundamente o território e o tipo de sociedade que se estabeleceu no Brasil: elas deram
nomes as localidades, demarcaram o tipo de ocupação territorial, a conformação das
cidades e o tipo de poder altamente concentrado alicerçado na concentração fundiária dos
donatários e senhores de engenho, assim como na exploração das riquezas naturais
(SCHWARCZ & STARLING, 2018) que fundam um grave problema atual que é a
concentração de terra (logo, de riquezas) que por outro lado são também determinantes
na concentração de poder político e econômico na configuração social atual no país se
pensarmos no pacto de fundação desta nação.
Ainda no Brasil Colônia, identificamos os efeitos do mesmo na forma como se
desenvolveram em nossa sociedade os conceitos de povo, cidadão e soberania, que se
basearam em categorias europeias, fundamentadas na exploração e extração de riquezas
liderados por uma pequena elite agrária: primeiro com a extração do pau-brasil e logo em
seguida com o latifúndio monocultor da cana-de-açúcar, passando por produtos do
extrativismo do ouro e de diamantes e por outros produtos como borracha, cacau, etc.
(SCHWARCZ& STARLING, 2018). Sendo hoje a soja o produto com maior exposição
no mercado internacional. Com isso, quero chamar atenção para o fato de que séculos
após a instituição das capitanias hereditárias, seguimos como um país de base extrativista
e agrícola, no qual a concentração de terras segue mantendo a racionalidade colonial para
o poder político que hoje se organiza na democracia.
Embora os pactos possam ter se reconfigurado ao longo dos séculos dando formas
políticas diversas ao poder instituído (monarquia, império, república, etc.), hoje o país se
configura como uma democracia representativa, que nos estudos realizados nas últimas
décadas recebeu a pior nota dos últimos 12 anos sendo classificado como uma democracia
imperfeita. Segundo o Economist Intelligence Unit Democracy Index (departamento
responsável pelo estudo), em 2017 apenas 4,5% da população mundial (que vivem em
11% dos países) vivem em regimes classificado democracia total ou plena. A Economist
Intteligence Unit Democracy usou cinco critérios para avaliar a qualidade das
democracias: processo eleitoral (nível de justiça, liberdade e pluralidade das eleições);
funcionamento do governo (honestidade e eficácia com questões financeiras); cultura
política (participação política dos cidadãos e apoio ao governo) e liberdades civis
(liberdade de expressão e de imprensa)29. Uma informação interessante é de que no caso

29
Estas são as melhores democracias do mundo. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/estas-
sao-as-melhores-democracias-do-mundo/. Acesso em: 17 Fev. 2019.
36

brasileiro, apenas 28% da população está satisfeita com o sistema adotado no país,
segundo a mesma pesquisa30.
A democracia brasileira tem uma origem atada à sociedade colonial e até os dias
atuais carrega consigo os efeitos forjados ainda nos primeiros séculos de existência do
que entendemos hoje como nação. Por exemplo, o chamado voto de cabresto; mesmo nas
grandes cidades segue como prática dos candidatos a representantes da população. No
pleito de 2018, o Rio de Janeiro registrava como área de influência eleitoral de grupos
criminosos uma região inteira com cerca de 2 milhões de pessoas31.
Registra-se cerca de 400 anos de escravização de pessoas negras africanas e seus
descendentes (DIAS; PRUDENTE, 2016) condição fundamental para que esta população
seja identificada como minoria política na contemporaneidade a despeito de compor,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 54% do total da
população, como afirmam Schwarcz e Starling (2018, p. 96):
[...] a escravidão foi mais que um sistema econômico: ela
moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e
cor marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de
mando e obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo
paternalismo e por uma hierarquia estrita.

A cidade do Rio de Janeiro, a partir de onde realizo as análises que trago nesta
dissertação, foi sede do governo colonial que abrigou grande parte da população negra de
escravizados, ex-escravizados e seus descendentes trabalhadores da cidade (FARIAS et.
al, 2006), e vindos de uma migração do campo – que atravessou (em alguns casos ainda
atravessa) a história da formação social brasileira – e que estiveram completamente
apartados do poder político ou de qualquer grande influência em relação a melhoria de
sua condição de vida de seus descendentes (CARVALHO, 1996). Essa população nos
séculos seguintes compôs, majoritariamente, as populações hoje faveladas.
Com o passar do tempo, aqueles que antes eram escravizados, jogados à própria
sorte nas cidades em formação como destacou Moura (1983) foram no final do século
XIX expulsos dos cortiços para os morros, criando espaços de vida que passaram a ser
criminalizados desde então (MATTOS, 2007; CHALHOUB, 2012).
De acordo com Mattos (2007, p.28-29): [...] Pelo menos desde a década de 1900,
os moradores das favelas são comumente vistos como grandes promotores da

30
Democracia representativa é o modelo favorito no mundo. Disponível em:
https://exame.abril.com.br/mundo/numeros-como-a-democracia-e-vista-no-mundo/. Acesso em: 17 Fev.
2019.
31
Mais vivo que nunca tentáculo da milícia mira as próximas eleições. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/14/politica/1526325604_449819.html. Acesso em: 17 Fev. 2019.
37

criminalidade na cidade do Rio de Janeiro [...]. Essas populações são alvo da


necropolítica (MBEMBE, 2016) do Estado brasileiro desde seus primórdios e isso implica
que ao longo do tempo com os inúmeros pactos que culminaram no Estado Democrático
de Direito quase 200 anos depois, a população negra que formou esses territórios não seja
reconhecida dentro da igualdade jurídica formal que a faria detentora de direitos.
Ao longo dos séculos, inúmeras foram as justificativas para a criminalização das
pessoas que vivem nesses locais, onde a moradia é precária, onde a auto-organização
popular garante as mínimas condições materiais para a (re)existência das pessoas que ali
vivem e que quase consequentemente serão reconhecidas como não-sujeitos de direitos,
quando não são vistas como criminosas “natas”. Martins (2018) por exemplo, dá destaque
ao papel do Estado enquanto agente criminalizador, que ao mesmo tempo que cria
estigmas para essa população, também busca responsabilizá-la pela sua condição de
moradia precarizada, para tanto ela cita, um documento emitido pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) em 1949:
Não é de surpreender o fato de os pretos e pardos prevalecerem nas favelas.
Hereditariamente atrasados, desprovidos de ambição, e mal ajustados às
exigências sociais modernas, fornecem em quase todos os nossos núcleos
urbanos o maior contingente para as baixas camadas da população. (...) O
preto, por exemplo, via de regra, não soube e não pôde apresentar à liberdade
adquirida e a melhoria econômica que lhe proporcionou o novo ambiente para
conquistar bens de consumo capazes de lhe garantirem nível decente de vida.
Renasceu-lhe a preguiça atávica [...] (IBGE apud MARTINS, 2018, p.37-38,
grifos meus)

Ao longo dos séculos os poderes instituídos no Brasil investiram em um ideário


no qual existiria um povo brasileiro, sem “cor”, no qual a miscigenação teria criado uma
população colorida e feliz, a exemplo do Brasil retratado por Gilberto Freyre (2003).
Contudo, a maior parte dessa população como dissemos, é deixada de fora dos grandes
pactos pela democracia como demonstra Carvalho (1996). Os quatro séculos de
escravização deixados na história sem reparação que, por exemplo, faz com que tenhamos
duas vezes mais pessoas negras analfabetas em relação às pessoas brancas32. Um dado
interessante é que a despeito dos quase dois séculos de República instituída no Brasil,
somente em 1985 é que pessoas analfabetas passaram a votar no país, um momento
crucial da nossa história, mas que configurou mais um momento em que as elites
instituíam seus pactos.
De acordo com o Censo do IBGE de 2010 cerca de 11,4 milhões de pessoas vivem
em favelas no Brasil. As favelas são locais nos quais há acesso precário ou nenhum às

32
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 (IBGE, 2014)
38

principais políticas públicas como as de saneamento básico, saúde ou educação. Uma


forte marca no debate acerca das favelas, especialmente no Rio de Janeiro, é através da
discussão sobre segurança pública, o que faz com que a violência seja tacitamente
autorizada por conta de um ideário historicamente construído de que esses lugares são
violentos. Na atualidade, basta que olhemos os jornais para constatar que o principal mal
das favelas seria o tráfico de drogas, como já foi em outros momentos históricos a
“propagação das doenças” e a entrega ao ócio como demonstrou Mattos (2007). Ou seja,
na República tal qual no governo monárquico, o poder no Brasil é baseado em uma
racionalidade colonial sempre encontrou na população afro-brasileira e indígena um
inimigo, ou nos termos de Zaffaroni (2014), os hostis da teoria política, ou o “outro” em
Fanon (1968).
A esse inimigo é que se destina a força estatal para a chamada ‘manutenção da
ordem pública’ que implicou no Rio de Janeiro a destruição dos cortiços ainda no início
do século XX e consequentemente a criação das favelas como alvo de um Estado que
seria o responsável pela defesa de seu povo que, por outro lado, encontra no que deveria
ser o povo um hostis que precisa ser enfrentado. Essa população que no imaginário seria
naturalmente criminosa, propagadora de doenças, etc., (MATTOS, 2007; SCWARCZ,
1993) representaria no cerne da nossa república, um problema a ser controlado.
As propostas de modernização, reaparelhamento do sistema de
justiça criminal, vêm, portanto, acompanhadas de uma indecisão
pendular que atravessa toda a história republicana brasileira. [...]
do ponto de vista da problemática republicana, este é o drama de
mais de um século na história política [no Brasil], desde o fim
da escravidão (1988): como garantir controle social absoluto
(porque apoiado em fantasias do Estado absolutista e controle
total – político, social e ideológico) sobre a massa de ex-
escravos? (NEDER, 2009, p. 79-80)

Quando a lei e a ordem são colocadas na contemporaneidade como a garantia da


segurança do povo, como aparece no discurso político-partidário na democracia, baseados
em uma racionalidade que entende a maior parte de sua população como sendo a imagem
do inimigo, a necessidade por sua vez aparece como a principal justificativa para a
suspenção de direitos de alguns – principalmente em seu local de moradia –, como a
garantia da necessidade de outros, gerando assim uma espécie de estado de exceção no
qual há uma suspensão de direitos não como algo excepcional, mas como paradigma de
governo (AGAMBEM, 2004).
O Brasil ao longo dos últimos anos sob o argumento da ‘manutenção da ordem
pública’, da ‘garantia da segurança da população’ e entre outros, justificou que o poder
39

executivo atuasse como legislador por meios de decretos, passando por cima da divisão
dos poderes que tem seu cerne nas discussões de Montesquieu (1689-1755), mas que
também é uma prática citada por Agamben (2004) no que concerne ao estado de exceção.
Um exemplo disso são os decretos que instituíram e ainda instituem volta e meia a Lei de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que permitem o uso das Forças Armadas em função
de polícia, utilizando instrumentos de Defesa nacional para o enfrentamento ao inimigo
interno, sejam esses os varejistas do mercado de drogas das favelas da Maré33 ou os
indígenas Guarani Kaiowa34.
Esse inimigo interno que na contemporaneidade aparece em diversos Estados
nacionais no mundo e implica a utilização de diversas estratégias de ocupação e controle:
Como ilustra o caso Palestino, a ocupação colonial contemporânea é uma
concatenação de vários poderes: colonial, biopolítico e necropolítico. A
combinação dos três possibilita ao poder colonial dominação absoluta sobre os
habitantes do território ocupado. O estado de “sítio em si” é uma instituição
militar. Ele permite uma modalidade de crime que não faz distinção entre
inimigo interno e externo. Populações inteiras são alvo do soberano. [...] O
cotidiano é militarizado. É outorgada a liberdade aos comandantes militares
locais para usar seus próprios critérios sobre quando e em quem atirar. O
deslocamento entre territoriais requer autorizações formais. Instituições civis
locais são sistematicamente destruídas A população sitiada é privada dos seus
meios de renda. Às execuções a céu aberto, somam-se matanças invisíveis.
(MBEMBE, 2016, p.137-138).

A atuação das polícias no Rio de Janeiro, que surge na contemporaneidade como


um importante agente da implementação da necropolítica no Brasil, excede a
discricionariedade característica de sua função estatal desde fundação ainda no início do
Século XIX e configura uma instituição que é racialmente direcionada, violenta e
utilizada pelo poder vigente, seja lá em que período da história social brasileira, seja lá
em que regime político estejamos, com maior ou menor margem de controle por parte da
sociedade.
No Brasil, o surgimento das instituições policiais teve como característica
principal a ação repressiva, voltada para a manutenção da ordem pública diante
da crescente diversidade social e étnica do século XIX. O poder discricionário
da polícia se tornou liberdade de ação frente aos preceitos legais e normativos,
e o arbítrio foi considerado o principal instrumento de controle e manutenção
da segurança no Estado, gestando uma tradição de desrespeito aos direitos
individuais.
[...] A chibata dos tempos do Vidigal foi substituída pelo conhecido “pé na
porta” que ainda hoje dá início à ação policial junto às populações pobres.
(MIRANDA; LAGE, 2007, p.46)

33
Forças Armadas assumem ocupação de 15 comunidades da Maré, Rio. Disponível em:
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/04/forcas-armadas-assumem-ocupacao-de-15-
comunidades-da-mare-rio.html. Acesso em: 21 Fev.2019.
34
Exército bloqueia acesso às fazendas ocupadas por indígenas em MS. Disponível em:
http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2015/09/exercito-bloqueia-acesso-fazendas-ocupadas-
por-indigenas-em-ms.html. Acesso em: 21 Fev. 2019.
40

Essa polícia que não viola os direitos individuais de todos os cidadãos, mas
daqueles que em tese vivem em locais onde tudo parece valer, são os principais atores
institucionais estatais que concretizam na vida cotidiana das populações nas favelas.
Hoje, sob a égide jurídico-formal do Estado Democrático de Direito “[....] O estado de
exceção [que] não é um direito especial (como direito de guerra), mas enquanto suspensão
da própria ordem jurídica, define seu patamar ou seu conceito limite” (AGAMBEN, 2004,
p.15).
É fato que se necessita guardar as devidas proporções do que é o estado de exceção
para o autor citado, a partir de outros contextos históricos completamente diferentes, mas
o que pretendo é apontar como esse mecanismo de atuação estatal que se baseia na
racionalidade colonial – que Bispo (2018) chamaria de “eurocristã”35 – e que se configura
para populações inteiras que não estão de fato dando corpo a um povo. Esse mesmo que
tem servido desde pelo menos a década de 1950 apenas como uma ideia “virtual”
construída sobre princípios liberais de que “todos somos iguais perante as leis”, ao passo
que nas relações sociais concretas isso não acontece, como destaca Mello (2011).
Não se pode ignorar que princípios democráticos balizam de alguma maneira as
relações sociais, ao menos formalmente. E que taticamente esses princípios permitem o
uso de alguns instrumentos jurídicos a partir de instituições estatais. Por exemplo, a
atuação da Defensoria Pública do RJ (DPERJ) em defesa do direito da inviolabilidade do
lar, quando da derrubada de mandados de busca e apreensão coletivos36 no Rio de Janeiro,
mesmo que a maioria dos moradores de favela e a própria DPERJ reconheçam que
conforme o modus operandi das forças militares do Estado basta um agente querer para
invadir residências nas favelas sem preocupação com o direito formalmente instituído.
O racismo arraigado na sociedade brasileira garante, a partir do argumento da
‘necessidade’ como demonstra Agamben (2004), que haja um clamor, principalmente dos
grandes meios de comunicação – que não à toa são tão concentradas em poucas mãos
quanto as terras no país37 – para que haja ‘a qualquer custo’ a ‘manutenção da ordem’,
mesmo que para isso haja a suspensão de direitos da maior parte da população.
Compreendo o racismo como:

35
De origem europeia, fundada no cristianismo católico fundamental para o desenvolvimento do
capitalismo no mundo (BISPO, 2018)
36
DPRJ garante na justiça fim das buscas indiscriminadas no Jacarezinho. Disponível em:
http://www.defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/4814-DPRJ-garante-na-Justica-fim-de-buscas-
indiscriminadas-no-Jacarezinho. Acesso em: 21 Fev. 2019.
37
Quem controla a mídia no Brasil. Disponível em: https://portal.comunique-se.com.br/quem-controla-
midia-no-brasil/. Acesso em: 21 Fev. 2019.
41

[...] uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento,
e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que
culminam em desvantagem ou privilégios para indivíduos, a depender do
grupo racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2018, p.25, grifos do autor)38

Considero ser este um dos principais efeitos de uma democracia baseada e


sustentada pelo poder político-econômico que cerceia os direitos da maioria da população
em favor dos interesses privados da minoria que reverbera na violência estatal, no uso
indiscriminado da força letal nas favelas e periferias e que priva do acesso ao direito
formal instituído na letra fria das leis.
O que interessa aqui é trazer elementos que conformaram e mantém a democracia
brasileira que se mantém com o exercício do necropoder (MBEMBE, 2016) mesmo
quando a gestão estatal se baseia na conciliação das classes sociais administrada por um
governo progressista da esquerda. Necropoder que por um lado retroalimenta a violência
estatal, a suspensão e a violação de direitos da maior parte da sua população,
enfraquecendo as instituições do chamado Estado Democrático de Direito e
implementado um estado de exceção quase que permanente em determinados espaços de
seu território nacional, fragilizando por outro lado a participação política que deve ser o
núcleo central da das democracias em qualquer lugar do mundo.

1.1 A categoria território e sua aplicabilidade para a análise da violência vivida nas
favelas

Tudo lá no morro é diferente


Daquela gente não se pode duvidar
Começando pelo samba quente
Que até um inocente
Sabe o que é sambar
Outro fato muito importante
E também interessante
É a linguagem de lá
Baile lá no morro é fandango
Nome de carro é carango
Discussão é bafafá
Briga de uns e outros
Dizem que é burburim
Velório no morro é gurufim

38
Almeida (2018) apresenta ainda o conceito de preconceito racial e discriminação racial, onde o primeiro
é o “juízo baseado em estereótipo acerca de indivíduos que pertençam a determinado grupo racializado,
que pode ou não resultar em práticas discriminatórias. Considerar negros violentos e inconfiáveis, judeus
avarentos ou orientais “naturalmente” preparados para as ciências exatas são exemplos de preconceito [e o
segundo], a discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de
grupos racialmente identificados. [...] (Idem, 2018, p.25, grifos do autor);
42

Erro lá no morro chamam de vacilação


Grupo do cachorro em dinheiro é um cão
Papagaio é rádio
Grinfa é mulher
Nome de otário é Zé Mané

Linguagem do Morro
(Padeirinho da Mangueira)

Importa neste item, abordar de forma um pouco mais dedicada a ideia de território,
não só por questões metodológicas, mas por considerar que para além de se tratar de uma
categoria de cunho acadêmico, se trata de uma categoria que colabora para a compreensão
sobre a relação existente entre o local de moradia e vida (ou a morte) das pessoas
vitimadas pelo Estado e pela suspensão permanente da ordem democrática nesses locais,
assim como a atuação “pra dentro” do movimento de mães e familiares das vítimas do
terrorismo de Estado como disputa narrativa marcando em seus locais de moradia a
memória de seus filhos e outras vítimas da violência estatal.
Há alguns anos se popularizou o uso da palavra território para se referir às favelas
e bairros de periferia, não só politicamente, mas administrativamente como é o caso do
uso feito pela Fiocruz, mais especificamente pela Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP), ao criar o Território Integrado de Atenção à Saúde em Manguinhos – o TEIAS
Manguinhos39 – para implementar diretrizes territoriais para as políticas de saúde pública,
especialmente das Políticas de Saúde da Família (PSF).
Por outro lado, alguns pensadores do campo da Geografia têm se dedicado a
pensar e dar consistência a um conceito amplo e complexo que pode contribuir para a
localização desse “território” nas reflexões que tenho realizado e que agora tomam corpo
nesta dissertação. Também serão trazidas as perspectivas em relação à categoria, com
objetivo de reconhecer as diversas categorias que podem ser utilizadas em relação às
favelas.
Haesbaert (2004) por exemplo, vai apresentar o nascimento da ideia de território
a partir de uma dupla conotação: material e simbólica, trazendo elementos etimológicos
para apresentar essas conotações a partir da ideia de terra-territorium e de térreo-territor
(terror, aterrorizar), que envolvem diretamente a ideia de exercício de poder. Para este

39
Para mais informações Cf.: PIVETTA; F. CARVALHO, M.A.P (orgs.). Os territórios integrados da
Atenção em Saúde em Manguinhos: somos todos aprendizes. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2012.
Disponível
em:http://andromeda.ensp.fiocruz.br/teias/sites/default/files/arquivo_nossa_producao/livro_fim.pdf.
Acesso em 20 Nov. 2019.
43

autor, podemos falar em “território” se estivermos falando em lugar/espaço/local


atravessado por relações de poder que necessariamente envolvem “dominação e
apropriação” (não necessariamente propriedade) nesse “espaço vivido”. Milton Santos
(1998 e 2006) por sua vez, oferece a ideia de produção do território como recurso, onde
os dominantes privilegiariam o caráter funcional e mercantil do território, enquanto os
dominados o valorizariam como garantia de sobrevivência cotidiana.
Para Santos (1998, p.15): [...] É o uso do território, e não o território em si, que
faz dele objeto de análise social. [...]. Para ele o que o território tem de permanente é ser
nosso quadro de vida, e por isso considera seu entendimento fundamental para afastar o
risco de perda do sentido da nossa existência individual e coletiva, corroborando com
categorias como identidade e memória.
Quando pensamos nas favelas e periferias como espaços de precariedade ou de
solidariedade, estamos falando de construção de possibilidade de vida e
compartilhamento de uma existência que é resistente em grande medida, ao passo que
conforma identidades e reconhecimentos enquanto parte de uma coletividade. Milton
Santos (1998) nesse sentido vai afirmar ainda que o território é sinônimo de espaço
habitado, espaço humano, eu diria que é onde a vida acontece e onde as relações sociais
se concretizam, construindo memória e identidade que garante a existência material das
famílias faveladas.
No campo das Ciências Sociais, Farias (2004) traz o conceito de territórios de
memórias (tratado incialmente por Catela, ao discutir Buenos Aires) ao falar sobre a luta
dos familiares de vítimas da violência estatal nas favelas, onde há uma apropriação dos
espaços públicos por esses familiares, traçando uma espécie de disputa com o próprio
Estado sobre o que deve ser lembrado em relação a seus entes queridos.
As favelas da região metropolitana do Rio de Janeiro têm sido palco de disputas
quando há denúncia sobre os casos e a memória dos mortos é marcada nos territórios,
com pichações nas paredes, placas, árvores plantadas, placas alterando/nomeando ruas ou
com a colocação de faixas, e como dito anteriormente é uma prática que há muito é
realizada na favela:
44

Figura 1: A favela pede paz e lembra os mortos na parede. Campo Society. Acervo pessoal.

Figura 2: Nas paredes, a saudade. Pichação próxima à Estrada de Manguinhos. Acervo pessoal.

Figura 3: "UPP Mata inocente". Pichação em piar da linha férrea, na rua Leopoldo Bulhões. Reprodução da internet.

Eilbaum (2012) apresenta o bairro como uma categoria nativa complexa,


identificada por ela nos julgamentos de alguns casos de homicídio que acompanhou no
conurbano bonaerense, na Argentina. Categoria essa que, segundo a autora, articulava
45

sentidos e identidades em alguns momentos e em outros envolvia dimensões geográficas,


não necessariamente de proximidade, além de ter agência sobre como seguiriam os
julgamentos a partir das “provas’ trazidas por esse “ente”, o bairro. Considerando as
análises realizadas, penso que é possível identificar o bairro como um território moral,
que ora se apresenta como dinamizador das relações, ora como legitimador da dignidade
dos mortos como no caso de Dario, morto por um policial no conurbano bonaerense.
Já Muniz e Mello (2015), ao discutirem a construção da autoridade policial nas
favelas a partir da implementação das UPPs, colocam o conceito de território em relação
ao de comunidade no tocante à linguagem de gestão utilizada de acordo com cada
interesse colocado pela política de segurança pública, onde território aparece em relação
à necessidade de garantir a soberania estatal e a instrumentalidade policial (tomada do
local, e a imposição das leis e etc.) e comunidade a partir de uma perspectiva do que as
autoras chamam de soberania popular e singularidades, no sentido de garantir a tutela
policial/estatal por outras vias com ações sociais, por exemplo.
Em relação aos casos, julgamentos e situações que analisarei nesta dissertação
será possível identificar, como no caso brasileiro, mais especificamente no caso do Rio
de Janeiro, o bairro em Eilbaum (2012). Dessa forma, poderíamos tratar o território, do
ponto de vista moral, como fator criminalizante quase sempre utilizado para a legitimação
da violência policial (incluindo a violência letal), como no caso “Costa Barros”40 no qual
cinco jovens foram assassinados ao voltarem de um passeio.
O carro em que estavam Betinho, Carlinhos, Wilton, Wesley e Cleiton foi alvejado
por 111 tiros de diversos calibres disparados por policiais militares, no julgamento de
instrução do caso – assim como em outros julgamentos acompanhados por mim ou outras
pesquisadoras como Farias e Vianna (2011) – a defesa manteve entre outras estratégias a
afirmação de que “aquele lugar é uma região deflagrada” e portanto “perigosa”, ou ainda
“de que a população do local é hostil aos policiais”41. Uma estratégia recorrente em
relação às favelas que retroalimenta o estigma produzido historicamente em relação ao
local de moradia dos negros na cidade, algo que hoje aparece como a violência de grupos
armados. Outrora diziam respeito ao “tipo” de vida levada pelos negros descendentes de

40
O Eco dos 111 tiros de Costa Barros. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/28/politica/1480370686_545342.html. Acesso em: 09 Dez.2018.
41
As frases constam em um dos meus cadernos de campo. Foram frases ditas pela defesa dos policiais, ou
ainda pelos próprios policiais acusados do crime, induzidos por perguntas retóricas realizadas pela defesa.
Para mais informações ver Justiça faz audiência sobre a morte de cinco jovens em Costa Barros.
Disponível em: httpse://oglobo.globo.com/rio/justica-faz-audiencia-sobre-morte-de-cinco-jovens-em-
costa-barros-19116491. Acesso em:09 Dez.2018.
46

africanos, que por outro lado levou Chalhoub (2016) a chamar os morros cariocas do
início do século XX de cidade negra.
Essa prática discursiva de tornar as favelas lugares perigosos onde vivem pessoas
que seriam “coniventes” com o crime, esse lugar de pessoas mal afamadas – como as
cidades do colonizado citada por Fanon (1968) –utilizada para justificar a violência,
especialmente aquela exercida pelas forças militarizadas do Estado como demonstrou
Mattos (2007ª; 2007b) fez parte de uma campanha aberta de criminalização da favela
também por meio dos instrumentos de comunicação, tal qual acontece hoje, o que já foi
citado por mim em outros trabalhos:
Os noticiários, por outro lado, seguem esse “padrão” de demonização e
criminalização de territórios majoritariamente negros que não seriam, dentro
dessa lógica, dignos de direitos. Em 1909, por exemplo, o Jornal Correio da
Manhã referia-se à favela como “aldeia do mal” como forma de justificar o fim
daqueles locais “sujos, cheio de vagabundos e propagador de doenças” (o
grande mal a ser enfrentado pelo Estado e pela Polícia). Em 2010, diante do
“terrível e cruel inimigo, o tráfico de drogas”, as favelas tornaram-se o
“coração do mal” como afirmou a revista Época após a invasão por forças
militares diversas (Exército, Marinha e polícias estaduais)42 ao Complexo do
Alemão. (CRUZ, 2017, p.11)

O próprio termo “conflagrado”, utilizado pelos meios de comunicação, e como


estratégia de defesa para justificar a violência pelos advogados de defesa de policiais em
casos como de Costa Barros e outros ocorridos em Manguinhos43, e nos traz ainda uma
outra dimensão do uso da palavra território, que é a dimensão da militarização da vida.
Território também é um termo militar, utilizado para delimitar um espaço de disputa
bélica (MUNIZ; MELLO, 2015).
Importante considerar ainda que a militarização, conforme veiculada em meio de
comunicação, não pode ser compreendida apenas como uso de tecnologias bélicas
(armamento, veículos etc.), mas também como retórica da guerra na qual existe um
inimigo a ser neutralizado e aniquilado em uma troca de tiros, assim como pelo controle
territorial que gera impactos diversos na vida cotidiana44.

42
Uma noite no coração do mal carioca. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI192854-
15223,00%20UMA+NOITE+NO+CORACAO+DO+MAL+CARIOCA.html. Acesso em 25 Jul. 2017.
43
Além dos registros em cadernos de campo das audiências do Caso Costa Barros, tenho registros de
audiências de casos de Manguinhos que serão citados mais adiante, tanto nas audiências do caso Johnatha
quanto nas audiências do caso Paulo Roberto a favela de Manguinhos foi apontada pela defesa como
“território conflagrado”.
44
Militarização do Cotidiano: um legado olímpico. Disponível em:
http://www.pacs.org.br/files/2018/03/Militariza%C3%A7%C3%A3o-do-Cotidiano-Um-legado-
ol%C3%ADmpico.pdf. Acesso em: 02 Nov.2018.
47

A Anistia Internacional deu destaque a uma carta publicada pelo Jornal O Globo
em 2003, na qual vinham citados os cânticos dos soldados do Batalhão de Operações
Especiais (BOPE) da PMERJ, utilizados durante treinamento e que nos ajudam a
visualizar como a militarização aparece no cotidiano das favelas a partir da atuação
policial:
O interrogatório é muito fácil de fazer / pega o favelado e dá porrada até doer.
O interrogatório é muito fácil de acabar / pega o favelado e dá porrada até
matar.
Bandido favelado / não varre com vassoura /se varre com granada / com fuzil,
metralhadora. (Relatório “Brasil: “Eles entram atirando” – Policiamento de
comunidades socialmente excluídas. 2005).

Jorge da Silva ao discutir a relação entre a Segurança Pública e a atuação das


polícias45, vai denominar essa atuação estatal como militarização ideológica, que para ele
se trata
[...] da transposição para a área da segurança pública das concepções, valores
e crenças, da doutrina militar, acarretando no seio da sociedade (a ideologia
não atinge só aos policiais) a cristalização de uma concepção centrada na ideia
de guerra (quando se tem um inimigo declarado ou potencial a ser destruído
com a força ou neutralizado com a inteligência militar). Daí a concepção
maniqueísta – os “bons” contra os “perigosos” da sociedade –refletida nas
práticas do sistema policial-judicial, e forçada pelos gritos de combate dos
“bons” ante a violência dos bandidos: “isto é uma guerra!”. São as táticas os
cercos” das “blitzen”, das “tomadas” e “ocupações” de territórios. (Quem não
se lembra da tropa içando uma imensa bandeira do Brasil no alto do Morro do
Borel, no Rio de Janeiro para simbolizar conquista do território “do inimigo,
com aparente aprovação da imprensa e da sociedade” ...). E “perigosos” (ou
“adversos”) serão também grevistas, trabalhadores sem-terra e manifestantes
em geral. Sublinhe-se que isso nada tem a ver com a necessidade, que
considero fundamental de que as corporações com grandes efetivos de homens
e armas se organizem segundo um modelo calcado na hierarquia e na disciplina
militares. (SILVA, 1996, p. 2, grifos do autor)

Assim, compreender as favelas como esse território moral envolve discutir a


legitimidade da ação violenta do Estado, tacitamente autorizada pela sociedade em geral
e algumas vezes por atores localizados e viventes nos territórios favelados. Este fato não
é novo, é histórico e tem sido parte de uma forma colonial de denominar aquele que será
subalterno ou ainda quem seria o “outro” do qual fala Fanon (2008; 1968)

45
A militarização pode ser ainda compreendida como uma forma de governo como afirmam Leite et. al.
(2018) que mobiliza a noção de “governamentabillidade a partir de Foucault” (LEITE et. al., 2018, p.11)
que discute exercício do poder não baseado somente no governo dos outros, mas no governo de si. As
autoras compreendem a militarização como forma de governo que significa que o “poder não emana apenas
das instituições estatais [...], mas pode ser observado circulando em diversos contextos a partir de seus
diferentes agentes e funcionários (aqui Exército, a Polícia Militar, a Polícia Civil; ali, seus agentes e
funcionários e a burocracia de suas diversas instituições), das igrejas, das ONGs, dos trabalhadores dos
programas sociais, do mercado e muitas vezes do crime. Todos esses personagens também governam”.
(LEITE et. al, 2018, p.11).
48

Mbembe (2017) por exemplo, cita Fanon (op.cit.), de Pele Negra, Máscaras
Brancas, para falar o que o autor chamou de “experiência vivida do negro”, quando é o
olhar do outro que o torna objeto e esse olhar de um outro que o destrói, o fixa, o destitui
ou o repara e portanto somos aquilo que o outro faz de nós. Somos, então, seu objeto.
Afirma que somos o que o outro diz que somos, e nos faz sem humanidade, faz de nós
precariedade e inumano, faz do corpo das pessoas negras uma “maldição”, processo que
se explica na construção da ideia de favela enquanto negatividade por ter sido esse local
onde as práticas sociais estavam antes ligadas à “cultura africana” das pessoas
escravizadas e libertas e hoje à cultura ilegal e criminosa “imposta” pelo “crime
organizado”.46
Esse território ao qual me refiro é o local que é marcada pela efemeridade das
vidas que poderão ser exterminadas pela morte, ou inviabilizadas socialmente, como é o
caso de regiões como Manguinhos, Maré, Complexo do Alemão, Chapadão e outros onde
os direitos de saúde, educação e trabalho são suspensos cotidianamente sob a justificativa
de que são locais perigosos, onde a população é hostil aos policiais e outros agentes
públicos configurando o que Mbembe (2016) chama de “guerra de infraestrutura”.
Como se pode ver, desde o nascimento das favelas, inúmeras estratégias foram
implementadas para a manutenção do poder por parte das elites brasileiras, dos
investimentos em produção de conhecimento (SCHWARCZ, 1993) e das intervenções
políticas e morais que influenciaram (e influenciam) o imaginário que faz com que a
desumanização, que outrora permitiu a escravização de pessoas negras e indígenas, tenha
cumprido um papel basilar para a sociedade brasileira no tocante à naturalização da
violência contra os negros e seus modos de vida, além de seus territórios.
As favelas e periferias no Rio de Janeiro têm amargado o gosto do sangue, da
tortura, das prisões ilegais, do desrespeito a todo e qualquer direito, das violências
impetradas cotidianamente pelas forças policiais/militares. Com o avanço da
militarização a criminalização é oferecida como resposta a comunidades inteiras,
localizadas em territórios privilegiados pela violência de Estado – em suas múltiplas
dimensões: vigilância, controle, repressão, coerção, etc.

46
Utilizo aspas nas expressões para destacar o teor de senso comum delas. Não é possível, por exemplo,
falar em uma “cultura africana” considerando que – fosse durante a ocupação colonial moderna, ou na
ocupação colonial tardo-moderna (MBEMBE, 2016) – a África é um continente formado por inúmeros
países e povos, sendo impossível falar de uma cultura africana. Assim como não se pode falar em “cultura
imposta pelo crime organizado”, uma vez que os processos subjetivos e políticos que tornam determinadas
práticas criminosas ou impostas não necessariamente condizem com a realidade encontrada nas favelas,
assim como em outros espaços da cidade.
49

Este processo faz parecer que algumas das estratégias operam no tempo
imprimindo valores racistas e preconceituosos no imaginário social em relação às pessoas
que vivem em favelas e periferias e seus locais de moradia. Uma dessas questões é o que
venho chamando de “humanização jurídica”47das pessoas negras no Brasil por via da
legislação criminal: quando ainda éramos considerados bens móveis (PRUDENTE,
2011), mercadoria (e não necessariamente coisa) nós figurávamos como alvo de punição
por cometimento de “crime”, inclusive a nós foi dedicada a pena de morte prevista em
lei para o caso de homicídio ou grave ferimento cometido contra “o senhor” (DIAS;
PRUDENTE, 2016).
Prudente (2011) demonstra como os decretos assinados por regentes no tempo do
Brasil Colônia em momentos diferentes garantiram a cessão de terras a imigrantes
europeus ao passo que por via de leis como a chamada Lei de Terras (Lei n. 650 de 1850)
impediu acesso à terra por pessoas negras. A autora cita ainda outros documentos oficiais,
incluindo alguns dos governos, como o de Deodoro da Fonseca (1827-1892) – que
exaltavam e abriam os portos à chegada de imigrantes europeus vedando a entrada de
pessoas vinda de países da África ou da Ásia; ou Vargas (1882-1954) que criou leis que
limitaram a entrada de pessoas no país, colocando a raça como um quesito a ser
verificado para aceitação de estrangeiros em solo nacional.
Percebe-se como o Brasil se construiu uma nação que se desenvolveu e segue com
fortes marcas do processo de colonização, onde as figuras dos colonizadores, brancos e
europeus, se mantiveram como a imagem do poder e da beleza. A visão de mundo
preponderante nos poderes na sociedade brasileira, assim como a subjetividade e as

47
.É muito comum que se diga que as pessoas negras escravizadas eram consideradas “coisas”, contudo, no
campo do direito, há uma discussão que me foi apresentada por Dias e Prudente (2016) na qual afirma-se
que “[...] o escravo era na verdade sujeito de direito, não obstante ele fosse comercializado. Tanto assim é
que os escravos eram frequentemente julgados. Não há informações de que cavalos, galinhas ou outros
animais tivessem sido julgados pelo Poder Judiciário. A condição de se submeter a um julgamento, ainda
que eminentemente inquisitorial e de resultado previsível, é uma condição inerentemente humana [...]”
(Dias e Prudente, 2016, p. 71). Assim, importa chamar atenção para o fato de que isso pode nos dar
indicativo de que as pessoas negras, escravizadas, libertas ou seus descendentes, a despeito de serem
reconhecidas como pessoas sem acesso a direitos (em uma leitura acerca do Estado Democrático baseado
no direito liberal), poderiam – e esta é uma hipótese que esta dissertação não comporta – na verdade ser
alvo sim do direito, mas de um direito punitivo, penal, criminal, coercitivo e repressivo e nada além disso.
Enfim, não farei essa discussão a fundo porque implicaria discutir inclusive a discussão sobre o
reconhecimento ou não da humanidade nas pessoas negras nas favelas. Mas essas informações históricas
nos permitem sugerir que as pessoas negras (escravizados e seus descendentes) foram juridicamente
humanizadas a partir de uma condição que as colocava em estado civil de escravos ou libertos ou ainda,
livres: “[...] A natureza jurídica da condição de escravo era de estado civil. Na sociedade Imperial ao lado
do estado civil familiar as pessoas eram classificadas também pelo seu estado civil de liberdade. Sob esse
aspecto as pessoas eram livres ou libertas como previsto na própria constituição, as que não gozassem de
algum desses status eram escravas por sua condição de estado civil de liberdade. [...] (Ibdem. 2016, p.73).
50

formas de sociabilidade dos brasileiros, em grande medida, foi socialmente construída a


partir de relações de opressão e violência.
O poder no Brasil tem cor e essa cor não é a cor da maioria da população do país.
Não é preciso muito esforço para constatar que:
[...] Desde os primeiros tempos da vida nacional aos dias de hoje, os
privilégios têm ficado nas mãos dos propagadores e beneficiários do mito da
“democracia racial”. Uma democracia cuja artificiosidade se expõe para quem
quiser ver; só um dos elementos que a constituiriam detém todo o poder em
todos os níveis político-econômico-sociais: o branco. Os brancos controlam
os meios de disseminar informações; o aparelho educacional; eles formulam
os conceitos, as armas e os valores do país. Não está patente que neste
exclusivismo se radica o domínio quase que absoluto desfrutado por algo tão
falso quanto essa espécie de “democracia racial”? (NASCIMENTO, 2016,
p.54)

A cor da pele, atrelada à pobreza e a um histórico de privações de acesso a direitos,


são o fomento de um imaginário fortemente alimentado desde o século XIX (SCWARCZ,
1993), mantido e retroalimentado de muitas formas, que por sua vez são mantenedores
dos poderes executivo, judiciário e legislativo, os sustentáculos permanentes das lógicas
estruturais que autorizam a violência e o racismo de forma naturalizada (FLAUZINA,
2008) como uma ideologia de subjugação da alteridade racializada, estrutura a
deflagração e sustentação da matança, das violações de direitos, alterando também a
conivência de parcelas da sociedade (WERNEK, 2017, p.108).
A grande mídia nacional, por seu turno, segue fomentando ideias e subjetividades
nas quais as favelas e periferias representam a violência cometida por criminosos e todas
as mazelas de uma parcela da população que é de maioria negra, nordestina e pobre.
Assim, histórias de milhares de pessoas são reduzidas a história de violência e
desumanidade atribuída a pequenos grupos armados que atuam com o varejo de drogas.
Nesses contextos de tanta violência e morte [de uma sociedade onde o racismo
é o balizador das relações] identidades vão sendo afirmadas e reificadas contra
os sujeitos que as representam as fronteiras e os sentidos de favela e periferia
como territórios de violência, morte e exclusão são enunciados e
(re)(de)marcados. Esta operação permite também reafirmar as identidades
negras aí confinadas sob signos de descartabilidade e desvalor. Possibilitando
atribuir a elas profundas lacunas políticas, éticas e morais. A partir daí as
diferentes identidades afrodescendentes serão aprisionadas e afirmadas sob
signos de destituição e derrotas, submetidas ao poderio do Estado controlado
pela branquitude comprometida com a manutenção de privilégios raciais.
(WERNEK, 2017, p.108)

Considero essa uma das marcas mais importantes a ser trazida para as análises que
venho sistematizando neste trabalho para compreender o porquê de as pessoas que vivem
nas favelas podem ser arrastadas em via pública por agentes de Estado à luz do dia e na
frente de câmeras como foi o caso de Cláudia Ferreira (mencionada na p.30), por
51

exemplo, sem que isso mobilize as instituições do Estado Democrático de Direito em


reparação e enfrentamento a essas violações, assim como a consequente
responsabilização dos culpados. E ainda como apesar da visibilidade do caso que
apareceu em todos os canais de TV e da comoção pública, este tipo de crime cometido
por agentes de Estado parece fazer parte dos chamados ovos a serem quebrados. A grande
questão é: quem são os ovos a serem quebrados para fazer a paz?
Em 27 de junho de 2017, uma operação no Complexo do Alemão deixou pelo
menos 19 mortos com sinais explícitos de execução – e os moradores até hoje afirmam
que esse número é muito maior – mas, na visão de José Mariano Beltrame, o então
secretário de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, não é possível fazer um
omelete sem quebrar alguns ovos48. Nesse caso, não é possível “fazer a pacificação” sem
executar algumas pessoas. Isto demonstra a (des)importância da vida das pessoas nas
favelas.
Luciano Norberto dos Santos, familiar de vítima do Estado, membro da Rede de
Comunidades e Movimentos Contra a Violência (Rede)ao participar como palestrante de
um painel em um seminário sobre o tema “Quem é o “Estado? Iniciativas públicas em
diálogo” relatou a violência sofrida por sua família. Seu irmão foi executado
sumariamente em uma chacina com outras seis vítimas, e ao acionar o poder público
ouviu a famosa frase sobre os “ovos quebrados”:
Dois de abril de 2009, eram cinco horas da tarde, os PMs, policiais militares
pegaram meu irmão, levaram ele pro alto do morro – lá em cima na época, não
era essa polícia pacificadora, conforme eles falam agora, era DPO [posto
policial que existia em algumas favelas da cidade] –então, pegaram meu irmão
[...] subiram para o alto do morro, e sete da noite avisaram lá em casa – na
mente da gente "prenderam meu irmão” – agora por quê? Meu irmão não era
envolvido. Havia seis meninos no alto do morro já detidos [...] chegaram com
meu irmão, e colocaram todos juntos, executaram, todos eles. [...] Ele já estava
com 42 anos de idade [era] lanterneiro. [...] Conhecemos a Rede e começamos
uma via crucis atrás dos nossos direitos. [...] até o registro foi difícil de fazer.
[...] e só conseguimos em outra delegacia, fora da área. Continuamos com a
nossa luta para fazer a denúncia contra esses policiais, que eram quatro
agentes, que cometeram essas execuções. Fomos na Secretaria de Segurança.
O que na época ouvimos do secretário Sr. Mariano Beltrame, que ele passou
pra nós familiares, foi que aquilo ali, meu irmão, né, no caso [...] ele achou que
isso era rotina, ele falou que isso ai foi uma... que não podia fazer uma omelete

48
A frase também deu título da tese de doutorado de Trindade (2012), onde a autora discutiu a política de
participação social em Manguinhos em relação às obras do PAC. A “célebre” frase no contexto da
implementação das obras em Manguinhos teria sido dita pelo então vice-governador à época, Luís Fernando
“Pezão”: “Nesta linha argumentativa do vice-governador, o PAC Manguinhos é um sonho e sua realização
é um milagre. Diante disso, os erros que ocorreram são pequenos diante da magnitude das intervenções.
Assim, as duas expressões mais faladas em Manguinhos: “É preciso compreender, estamos trocando o pneu
com o carro andando” e “Não se faz omelete sem quebrar os ovos” dão o contorno dramático à falta de
disposição para implementar a política pública de modo diferente, levando em consideração a atuação
consciente da população imediatamente impactada pelas intervenções.”. (TRINDADE, 2012, p.229)
52

sem quebrar os ovos, meu irmão no caso eram os ovos. Achamos aquilo uma
falta de respeito com a gente, fomos no Sergio Cabral que era o governador do
Rio, o Sergio Cabral foi pior ainda, falou aquilo ali era um pacote que meu
irmão fazia parte desse pacote. [...] (Luciano Norberto dos Santos, 2018, no
Seminário Nossas Vidas Importam49)

No ano em que o irmão de Luciano foi assassinado, o Morro da Coroa, local onde
viviam e onde tudo aconteceu, ainda não contava com a Unidade de Polícia Pacificadora
(UPP) instalada e somente no ano de 2011 foram instaladas as UPPs da Zona Central da
cidade nos Morros Fallet/Fogueteiro/Coroa50.
A fala de Luciano faz rememorar outro elemento importante acerca das favelas,
esses territórios morais complexos, densamente povoados que se conformam em
categorias diversas em referência a um espaço que não é homogêneo, mas que conforma
uma maneira de viver que desde o início, ainda no século XIX, é criminalizada e tratada
com violência pelo Estado.
“Favela”, “comunidade”, “morro”, e mais recentemente “bairro periférico” são
categorias que se misturam ou não a depender de onde se fala, de quem fala e para quem
se fala. Favela, por exemplo, desde o início do Século XX é uma palavra para se referir
ao que o IBGE chama de “aglomerados subnormais”51 e pode ser utilizada para se referir
a espaços de moradia dos pobres, especialmente aqueles localizados mais próximos dos
centros urbanos, e mesmo que tenham características parecidas com outros espaços,
acabam sendo utilizados de maneira específica para os espaços favelizados de topografia
plana. Já o “morro” pode ser utilizado também em referência às favelas como um todo.
Dizem respeito às características topográficas de algumas favelas, mas para os

49
Seminário Nossas Vidas Importam: Ativismos, violência institucional, e direitos humanos. Diálogos
Brasil-Argentina. Realizado nos dias 29 e 30 de maio de 2018, pelo organizado pelo Grupo de Pesquisas
em Antropologia do Direito e Moralidades – GEPADIM/NUFEP/UFF, em parceria com a Comissão de
Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia – CDH/ABA e o INCT-InEAC e com apoio
da CAPES e visou também fortalecer os eventos do mês de Maio, emblemático para luta de mães e
familiares de vítimas da violência de Estado. Disponível em:
http://ineac.uff.br/index.php/noticias/item/229-seminario-nossas-vidas-importam-ativismos-violencia-
institucional-e-direitos-humanos-dialogos-brasil-argentina. Acesso em: 21 Nov.2019.
50
Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Parte 2: 2010-2011. Disponível em:
https://rioonwatch.org.br/?p=13577. Acesso em: 21 Nov.2019.
51
O texto consta nas tipologias do território segundo o IBGE, como sendo: [...] uma forma de ocupação
irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas
e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e
localização em áreas restritas à ocupação. No Brasil, esses assentamentos irregulares são conhecidos por
diversos nomes como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos
irregulares, mocambos, palafitas, entre outros [...]. Aglomerados Subnormais. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/tipologias-do-territorio/15788-
aglomerados-subnormais.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 21 Nov.2019.
53

desavisados que não conhecem a maioria das favelas, morro pode ser um sinônimo de
favela.
Por outro lado, “comunidade” passou a ser um termo utilizado durante um período
mais recente, a partir do final do Século XX, como forma de “fugir” às formas pejorativas
com que as favelas eram tratadas, especialmente no diálogo das lideranças comunitárias
com agentes externos como demonstrou Malanquini (2014) no caso das UPPs
Mangueira/Tuiti e Muniz e Mello (2015) sobre a avaliação da experiência das UPPs no
Rio de Janeiro. Contudo, os termos “favela” e “favelada/o” acabaram por ser
ressignificados por seus moradores especialmente como forma de retomar as
características positivas da vida nesses territórios, que historicamente são marcados por
estigmas que permitem que a vida seja gerida através da morte.
O objetivo deste item foi fazer uma breve revisão bibliográfica para delimitar o
que chamo de território. Esse lugar/espaço/local atravessado por relações de poder que
envolvem dominação, apropriação e propriedade, onde o poder dominante privilegia o
caráter funcional e mercantil dos recursos, das relações e do próprio espaço, enquanto os
dominados o valorizariam como garantia de condições materiais de sobrevivência, como
território-abrigo segundo Milton Santos (1998), que é na origem o motivo que levou as
pessoas negras a criarem as favelas e que aparece nas análises que realizo como categoria
que articula sentidos e identidades envolvendo dimensões geográficas que tem agência
sobre como as populações que ali vivem são vistas/reconhecidas socialmente,
legitimando a violência exercida pelo Estado direta ou indiretamente, de forma omissa ou
ativa, envolvendo como veremos adiante, outros atores que não necessariamente aqueles
que tem mandato de agente público.
54

CAPÍTULO 2
Estratégias de ocupação colonial tardo-moderna, segurança pública e a
necropolítica materializada nos territórios favelados

Neste capítulo discutirei de forma breve a implementação das Unidades de Polícia


Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro, articulando alguns casos emblemáticos para
demonstrar que a necropolítica de Mbembe (2016) está materializada nas favelas do Rio
de Janeiro e carrega consigo o que o autor chama de estratégias coloniais tardo-modernas
de ocupação. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a Segurança Pública é
considerada um direito e ao longo desses mais de 30 anos foi implementada a partir de
diversas perspectivas nos governos democráticos, sempre impactando de forma letal a
vida nos territórios favelados. O destaque para a política de ‘pacificação’ se deve ao fato
de que o movimento de Mães e familiares de vítimas letais do Estado em Manguinhos se
organiza especialmente casos de homicídios cometidos por agentes trazidos para os
territórios por conta desta política.
O programa que instituiu as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) começou a
ser implementado no final do ano de 2007 pela então Secretaria de Estado de Segurança
(SESEG)52, comandada por José Mariano Beltrame, no governo de Sergio Cabral Filho e
visou implementar uma política de segurança pública que implementasse a “pacificação”
das favelas, que apresentou, segundo Franco (2018) três conceitos diferentes para definir
o que seria feito com as UPPs. Segundo ela seriam a polícia pacificadora, a polícia de
proximidade e a polícia comunitária. A autora transcreveu os documentos da então
secretaria onde diz:
Polícia pacificadora: Consubstancia-se em uma estratégia de atuação policial
ampla que contempla as fases de intervenção tática, estabilização, implantação
de Unidade de Polícia de Proximidade (UPP), monitoramento, avaliação e
integração progressiva ao policiamento ordinário, realizado pela ação
simultânea ou não de outros policiamentos especializados e de proximidade,
que variam conforme a fase e as demandas do território, permitindo a
articulação entre as ações policiais especiais e ações de aproximação, a fim de
criar ambiência favorável para o desenvolvimento da cidadania. (PMERJ apud
FRANCO, 2018, p.62-63)

52
Em 2019, o governador empossado Wilson Witzel cumpriu a promessa de campanha de acabar com a
Secretaria dando autonomia às polícias Militar e Civil do estado status de secretaria a cada uma o que
envolve entre outras questões a autonomia orçamentária, e o controle das instituições colocadas sob a lógica
hierárquica dessas instituições. Para mais detalhes ver:Witzel antecipa extinção da Secretaria de
Segurança Pública para segunda-feira. Disponível em:https://oglobo.globo.com/rio/witzel-antecipa-
extincao-da-secretaria-de-seguranca-publica-para-segunda-feira-23365291. Acesso em: Dez.2019.
55

Já o policiamento de proximidade seria:


[...] uma filosofia na qual os policiais e cidadãos dos mais diversos segmentos
societais trabalham em parceria, desenvolvendo ações em regiões territoriais
específicas, promovendo o controle das questões relacionadas ao fenômeno
criminal, objetivando a melhoria da qualidade de vida das pessoas daqueles
locais. Para este objetivo, a polícia de é proativa na busca da participação da
comunidade, a fim de construir laços de confiança, estabelecendo pontes entre
as demandas reprimidas e ofertas possíveis e a consequente legitimidade das
ações policiais. Assim, a polícia de proximidade, inspiradas pelos mesmo
princípios da polícia comunitária, vai atuar sobre o fenômeno criminal,
aproximando-se do cidadão, esteja ele onde estiver, trazendo consigo uma
proposta sociológica inclusiva poderosamente transformadora, à medida que
não reproduz por meio de sua denominação a ideia de uma polícia especial
para uma determinada comunidade que reforçaria a lógica de segregação que
justamente é a que se deseja evitar, aduzindo-se que a favela enquanto
fenômeno social é a construção própria do cenário fluminense, e chama-la de
comunidade sem que nela sejam construídas e reconstruídas as mesmas
estruturas sociais que existem nas demais localidades da cidade significa
incluí-la nesta apenas pelo viés do eufemismo gramatical “comunidade” com
sua “polícia comunitária” especial para ela, porém apartada da Polícia Militar
que atua no restante do Estado. (PMERJ apud FRANCO, 2018, p. 63-64)

Por outro lado, o projeto de polícia comunitária de acordo com a SESEG:


[...] é uma filosofia e estratégia organizacional que proporciona uma parceria
entre polícia e comunidade. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como
a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver
problemas tais como crimes graves, medo do crime e, em geral, a decadência
do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida na área. Observe-se
que tanto a polícia comunitária quanto a polícia de proximidade, em essência,
estão sob um feixe de significados, sendo necessário caracterizar a maior
adequação da polícia de proximidade, face esta ser uma atuação proativa da
polícia, consoante o que já foi mencionado na conceituação da polícia de
proximidade para marcar a opção da corporação por esta denominação.
(PMERJ apud FRANCO, 2018, p.64)
No ano de produção desta dissertação, o programa está sendo desmontado ou
reformulado. Dez anos depois e ainda não há clareza sobre o que de fato acontecerá com
o chamado “programa de pacificação”. O que se sabe é que o estado do Rio de Janeiro
passou em 2018 por uma intervenção federal que durou cerca de dez meses, findando em
dezembro do citado ano – que não será tema deste item53 – e que as bases das unidades
de algumas favelas como Manguinhos, Jacarezinho, Fallet/Fogueteiro/Coroa, foram
retiradas dos territórios e os policiais que atuavam nelas teriam sido redirecionados para
as vias dos entornos.
A retirada das UPPs nesse momento, é um elemento para análises futuras,
especialmente porque acontecem em um momento de crise econômica no país, após um

53
Uma análise bastante interessante sobre a Intervenção foi feita por Thiago Joffily e Airton Gomes Braga
poucos dias depois da decretação de tal intervenção: A segurança do Rio sob inversão federal. Disponível
em: http://emporiododireito.com.br/leitura/a-seguranca-do-rio-sob-inversao-federal. Acesso em: 23
Fev.2018.
56

ciclo de dez anos de megaeventos54 na cidade do Rio de Janeiro. Lembremos ainda, todo
o incremento econômico vindo da descoberta do Pré-Sal55 e das injeções de ânimo e
desenvolvimento econômico pelos quais o país passou especialmente nos dois primeiros
governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2011). São elementos que reafirmam o que
parte dos movimentos sociais afirmavam no início da implementação da política: que não
se tratava de uma política pública, mas de uma maquiagem. A fala de Ana Paula Oliveira
das Mães de Manguinhos, que teve o filho Johnatha assassinado por um policial da UPP
local em 2014, concretiza a sensação vivida nesse momento: Foi muito duro ver aquele
caveirão aqui e a movimentação para retirada da base da UPP. Fica uma sensação sabe?
Nossos filhos foram mortos por isso, por uma maquiagem.
A reflexão de Ana Paula colabora para pensarmos sobre esse papel da ocupação
militar dos territórios favelados como o exercício de soberania, do qual falou Foucault
(2005) e do exercício do necropoder discutido por Mbembe (2016, p.135), que destaca a
soberania como “[...] a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é
“descartável” e quem não é”, permitindo que guardadas as devidas proporções referentes
a territórios bem delimitados, afirmemos que a implantação das UPPs configura uma
espécie de ocupação colonial tardo-moderna, como parte da necropolítica exercida no
Brasil contemporâneo.
A implementação das UPPs foi e ainda é alvo de muitos estudos nas áreas do
Direito e das Ciências Sociais, sendo analisada sob diversas perspectivas teóricas. Entre
as/os autoras/es que discutem o tema estão Leite (2014; 2007), Machado da Silva (2012,
2010), Cano (2012), Fleury (2012), Menezes (2014), Muniz e Mello (2015), Barros
(2016) e Franco (2018).
Desde o final de 2007, as UPPs começaram a ser implantadas em favelas cariocas
determinando uma espécie de cinturão de segurança, que delimitou espaços ligados de
alguma maneira a execução dos chamados megaeventos – Jogos Panamericanos (2007),
Rio +20 (2012), Jornada Mundial da Juventude (2013)56, Copas das Confederações e do
Mundo (2013 e 2014) e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos (2016), tendo sido colocadas

54
Para mais informações sobre esse período ver: Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS).
Megaeventos e Megaempreendimentos no Rio de Janeiro: a luta por justiça econômica, social e
ambiental. PACS, 2012.
55
O que mudou na exploração do Pré-Sal? Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/06/O-que-mudou-na-explora%C3%A7%C3%A3o-do-
pr%C3%A9-sal. Acesso em 06 Dez.2019.
56
Jornada Mundial da Juventude de 2013. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornada_Mundial_da_Juventude_de_2013. Acesso em: 06 Dez.2019.
57

inicialmente nas favelas da Zona Sul, região privilegiada pelo turismo. Depois em relação
às grandes vias da cidade de acesso ao aeroporto, nas proximidades do Estádio Mário
Filho – Maracanã – e nas favelas do Centro da cidade, como é possível identificar no
mapa abaixo:

Figura 4: Mapa do Instituto Pereira Passos mostrando a localização das UPPs em janeiro de 2017. Reprodução da
internet.

As UPPs foram instaladas inicialmente na Zona Sul no Morro Santa Marta,


localizado em Botafogo. Foi considerada uma favela modelo, ao longo do tempo elas
foram sendo instaladas em outros locais da cidade, UPP de Manguinhos, Mandela, Jacaré
e Arará, por exemplo, foram instaladas no final de 2012 conforme relatou Barros (2016),
que assim como Cavalcanti (2013) e demonstrou que em algumas dessas favelas o PAC
também foi implementado de forma concomitante. No caso de Manguinhos, durante a
minha atuação como militante do movimento social, foi possível ouvir de lideranças
locais que nas suas leituras o projeto do PAC – que continha especialmente remoção de
casas para abertura de ruas e a implementação da elevação da linha férrea – tinha por
objetivo a abertura de ruas para “facilitar a entrada da polícia”57.

57
Essa questão também apareceu na fala das mulheres que participaram da construção da Cartografia
Social urbana: impactos do desenvolvimento e da violência institucional na vida das mulheres
moradoras do Caju e Manguinhos / Rio de Janeiro (FASE, 2015, p. 23): “Porque a intervenção do
governo na comunidade só em feito mal para mim e para a minha família, desde que começaram as
remoções, eu e minha família temos sofrido muito. A gente tem sofrido muita pressão psicológica, tenho
58

A situação identificada na maioria das localidades onde o programa de


“pacificação” fora implantado foi bastante parecida com o que acompanhei em
Manguinhos, dias antes da ocupação militar (primeira etapa da “pacificação”). Uma
movimentação diferente se fez na favela, as pessoas comentavam de forma discreta que,
assim como havia acontecido em outros locais, os varejistas de drogas já sabiam que esse
dia chegaria, e aqueles que eram procurados teriam saído para outras favelas. Barros
(2016) conta ainda que durante reuniões das quais participou durante sua pesquisa de
campo, ainda no início do ano de 2012, as mulheres já falavam sobre a chegada da UPP
e a articulação dos presidentes de associações de moradores para lidar com as situações
que poderiam surgir.
No dia da invasão das forças armadas e policiais em Manguinhos, o som dos
helicópteros começara bem cedo, por volta das 5h da manhã do dia 11 de outubro de
2012. Por volta das seis houve uma explosão próxima à minha casa, o Batalhão de
Operações Especiais (BOPE) da PMERJ destruiu uma barricada de concreto58 que havia
sido erguida meses antes por pessoas ligadas ao varejo de drogas. Naquela manhã, saí
acompanhada de uma pesquisadora. Ela fazendo campo, e eu querendo ver como a
ocupação estava acontecendo. As ruas estavam cheias, as pessoas circulavam curiosas,
mas tentando “tocar a vida”, algumas sequer tinham dormido, estavam chegando em casa
bebendo cerveja provavelmente vindo da diversão noturna, outros estavam nas janelas
tentando acompanhar a movimentação dos policiais, que ao pedir para entrar nas casas,
apresentavam documentos, provavelmente algum tipo de mandado, reafirmando o
discurso político das autoridades de que nascia um momento de garantia de direitos.
A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) foi esvaziada e fechada um dia antes
da ocupação, ao chegar para um atendimento simples, fui informada que diante dos riscos
de confrontos armados pela “chagada da UPP no dia seguinte”, os pacientes internados
foram transferidos e os atendimentos suspensos. As ruas do entorno especialmente as
grandes avenidas já estavam com policiamento reforçado. Na ida à UPA presenciei um
grupo grande do BOPE dispersando pessoas em situação de rua. Naquele período

recebido ligação, não vocês têm que ir embora, vocês têm que ver um local para ficar’, e há uns três anos
que a gente vem sofrendo essa pressão psicológica. E você ver os vizinhos indo embora e não conseguindo
encontrar uma nova moradia, porque desde então os preços das casas foram aumentando absurdamente,
aquele desespero. Eu moro, morava, em Manguinhos na mesma rua, porque minha avó já vinha de uma
remoção do Caju”.
58
Policiais explodem barricada do tráfico. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/2188799/.
Acesso em: 30 Nov.2019.
59

Manguinhos/Jacaré tinham a maior cena de uso de crack da cidade como demonstra


(ARAUJO, 2018).
A despeito de os serviços públicos como hospital, escolas e a própria Fiocruz não
terem funcionado, a vida seguia quase que normalmente, pessoas nas ruas, assistindo a
um verdadeiro “desfile de Sete de setembro” como diziam algumas pessoas. Nas ruas
muitos policiais e soldados da Marinha e Exército, além de tanques de guerra que sequer
poderiam entrar na favela já que não caberiam nas ruas. Um profissional da Fiocruz em
conversa posterior contou que tinha dúvidas sobre os relatos de que em outras favelas os
serviços privados de TV a cabo e internet teriam chegado junto com a polícia, mas que
presenciou em Manguinhos, na Rua Leopoldo Bulhões um caveirão (veículo blindado da
polícia)a frente acompanhado por pessoas vestidas com uniformes das empresas Claro e
Sky preparadas para iniciarem as vendas.
O que nos leva a pensar sobre o quão articuladas são as estratégias que se
relacionam com o exercício do necropoder nas favelas. Essas políticas públicas de
transformação da cidade e das relações que se conformam nela para que se atenda a
determinados interesses privados são parte da demonstração do poder dos Estado em sua
atuação colonial ele afirma que:
[...] a colonização é uma prodigiosa máquina produtora de desejos e de
alucinações. Ela faz circular um conjunto de bens materiais e de recursos
simbólicos tanto mais cobiçados pelos colonizados quanto mais raros são,
tornando-os aliciantes e operadores de diferenciação (de prestígio, de estatuto,
de hierarquia e até de classe) Corrupção, terror, encanto e estupefação
constituem recursos que o potentado gere e administra. A administração do
terror e a corrupção passam por uma certa manipulação de verdadeiro e falso.
(Idem, p.197)

Isso nos ajuda a compreender porque as UPPs vieram acompanhadas de muitos


serviços privados que antes não acessavam os territórios favelados, o que incluiu as
populações faveladas precariamente no consumo dos serviços de internet, telefonia e TV
a cabo “oficiais” em ataque aberto aos serviços oferecidos de forma “ofíciosa” nos
territórios59, assim como colocou os comerciantes na lógica do empreendedorismo oficial
que antes existia na informalidade. Mas, esses são elementos que aparecem com bastante
força nas pesquisas citadas60.

59
Esses serviços oferecidos por empresas multinacionais passaram naquele momento a acessar mercados
que antes não acessavam mercados que até então eram organizados e mantidos por atores nos territórios. A
distribuição informal dos sinais de internet e TV a cabo, de acordo com alguns pesquisadores citados seria
um mercado muito lucrativo, afirmação com a qual não corroboro, considerando a legalidade/formalidade
dos serviços.
60
Para mais detalhes conferir as/os autoras/es citados nos parágrafos imediatamente acima.
60

Fato é que: onze anos depois da implementação da primeira UPP chegamos a ter
na cidade cerca de 40 delas. Hoje, existem aproximadamente a metade. Esse tipo de
policiamento representou muitas alterações nas relações nas favelas, em relação ao
território, em relação ao comercio local – os incluindo numa lógica formal –, assim como
interferiu nas relações de poder entre polícia e moradores. Este seria um tema para outra
pesquisa, mas são a título de ilustração, a possibilidade de pensarmos sobre como o
Estado intervém nas relações sociais nesses espaços da cidade a partir de uma lógica
colonial que visa controlar pela violência, inclusive letal, as populações vistas como “o
outro”, ou seja, aquele que pode ser subjugado.
Esta afirmação se fundamenta especialmente no pensamento de Mbembe (2016)
que relaciona a o conceito de biopolítica (FOUCAULT apud MBEMBE, 2016), estado
de exceção (AGAMBEN, 2004), como se relacionando entre si dão origem ao que chama
de necropolítica (2016).
Para o exercício da soberania, baseada no direito de o soberano (em nossa leitura
o Estado brasileiro) matar aquelas pessoas que não estariam identificadas como sujeitos
no tocante à democracia. Assim, quando o autor afirma que o necropoder é exercido por
meio da ocupação colonial tardo-moderna, nos ajuda a analisar a realidade vivida mais
de um século nas favelas, mas especialmente pós reabertura democrática nos múltiplos
programas de policiamento territorizalizados citados.
A “ocupação colonial” em si era uma questão de apreensão, demarcação e
afirmação do controle físico e geográfico – inscrever sobre o terreno um novo
conjunto de relações sociais e espaciais. Essa inscrição (territorialização) foi,
enfim, equivalente à produção de fronteiras e hierarquias, zonas e enclaves; a
subversão dos regimes de propriedade existentes; a classificação das pessoas
de acordo com diferentes categorias; extração de recursos; e, finalmente, a
produção de uma ampla reserva de imaginários culturais. Esses imaginários
deram sentido à instituição de direitos diferentes, para diferentes categorias de
pessoas, para fins diferentes no interior de um mesmo espaço; em resumo, o
exercício da soberania. O espaço era, portanto, a matéria-prima da soberania e
da violência que sustentava. Soberania significa ocupação, e ocupação
significa relegar o colonizado em uma terceira zona, entre o status de sujeito e
objeto. (MBEMBE, 2016, p.135)

Nesse sentido, importa dar destaque ainda ao uso do que ele chama de “máquinas
de guerra” para fins de controle territorial e imposição de terror que dão conta não
somente do uso de equipamentos e armamentos bélicos e de segurança, mas pelo uso das
forças estatais militares e forças outras como máquinas de guerra, mas também das forças
locais como demonstrou Barros (2016) ao analisar as ameaças sofridas pelo movimento
social em Manguinhos por parte de outros atores que não diretamente o Estado, quando
da implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
61

Para Mbembe (2016, p.139):


[...] Uma das principais características é que as operações militares e o
exercício do direito de matar já não constituem o único monopólio dos Estados,
e o “exército regular’ já não é o único meio de executar essas funções. A
afirmação de uma autoridade suprema em um determinado espaço político não
se dá facilmente. Em vez disso, emerge um mosaico do direito de direitos de
governar incompletos e sobrepostos, disfarçados e emaranhados, nos quais
sobejam diferentes instâncias jurídicas de facto geograficamente entrelaçadas,
e nas quais abundam fidelidades plurais, suseranias, assimétricas e enclaves.
Nessa organização heterônima de direitos territoriais e reivindicações, faz
pouco sentido em insistir na distinção entre os campos políticos “interno” e
“externo”, separados por limites claramente demarcados. (MBEMBE, 2016,
p.139)

A política de “pacificação” é estabelecida sob a alegação de enfrentamento ao


controle territorial de um poder armado relacionado à venda do varejo de drogas que
colocaria em risco violando os direitos das pessoas que vivem nas favelas. O Estado
assume esse discurso e impõe a sua presença armada nesses locais, impactando entre
outras questões a circulação nos territórios dos moradores e de pessoas “de fora” que
passaram a frequentar esses locais, alterando as relações econômicas.
O empreendedorismo que citei brevemente acima gerou a abertura e o
reconhecimento de bares e outros espaços gastronômicos e de lazer nas favelas 61 e
aumentaram a circulação de “pessoas de fora” no interior das favelas não somente com o
criticado turismo – vários circuitos de visitação foram organizados em favelas como Santa
Marta, Rocinha e Providência62 –, e a realização em algumas delas de festas e bailes funk,
a despeito da criminalização histórica voltada ao ritmo musical nascido das favelas.
Em favelas da Zona Sul como os Morros Santa Marta (Botafogo) e
Babilônia/Chapéu-Mangueira (Leme) por exemplo, o baile que outrora fora criminalizado
passou a ser organizado e realizado, com autorização das autoridades competentes, sem
nenhum tipo de obstáculo, ao menos para os visitantes das favelas que tinham condição
financeira de pagar pelos ingressos, que por outro lado impediam o acesso dos moradores
aos mesmos63. A cultura da favela foi altamente impactada com a implementação das
UPPs, até as festas familiares passaram a ser alvo da ação violenta da polícia baseando-

61
Desbravando a gastronomia das favelas. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/rio-gastronomia-
2014/desbravando-gastronomia-das-favelas-13428803. Acesso em: 06 Dez.2019.
62
Favelas com UPP são os pontos turísticos da vez. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/favelas-
com-upp-sao-pontos-turisticos-da-vez-3378301. Acesso em: 06 Dez.2019.
63
Em favelas com UPP, baile funk perde a vez para “festas de playboy”. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/10/12/em-favelas-com-upp-baile-funk-perde-
a-vez-para-festas-de-classe-media.htm. Acesso em: 06 Dez.2019.
62

se na Resolução nº 013 da então Secretaria de Segurança, os comandantes das UPP eram


os responsáveis por autorizar ou negar a realização de eventos nas favelas “pacificadas”64.
Essa forma de gestão do território, especialmente dos espaços públicos trouxeram
diversos impactos para a vida da juventude atingida mais diretamente em relação às
poucas opções de lazer disponíveis ou improvisadas nas favelas. Não é possível afirmar
que todas as favelas tenham áreas de lazer para crianças e jovens, mas é possível dizer
que esses segmentos nas favelas criam espaços de sociabilidade. A rua se torna o lugar
de reunião e confraternização. Assim, muitas foram as situações que circularam na
internet e nos espaços de reunião dos moradores sobre a atuação das UPPs em relação às
violências sofridas pelas juventudes locais. Para as Mães de Manguinhos, parece que há
um requalque dos policiais ao ver os jovens felizes:
Eles acham que nós não temos direito de viver. Eles têm vontade de ser como
a gente. Porque assim. Logo assim que a UPP chegou, eles tinham muita
bronca dos moleques. Por que que tinham bronca dos moleques? Porque os
moleques estavam brincando, fazendo um churrasquinho, tomando banho de
piscina, tomando banho de chuveirão. [Ana relembra: com roupinha da moda].
Tudo bem arrumadinho, cabelinho cortadinho. [Ana: cabelo pintadinho,
bonezinho pra trás]. E eles [os policiais] trabalhando. E o prazer deles era
tirar o lazer dos moleques. [Ana: roubavam até um real]. Quando os meninos
estavam jogando ronda, queriam acabar com o jogo dos moleques. Recalque!
Não podia ir para um baile... O que acontece: um sol quente miserável eles lá
com aquela farda, ai vê os moleques tomando banho de chuveiro, tomando
banho de piscina. Recalcados: “vamos destruir aquela piscina?”. Aí, ia,
destruía a piscina dos moleques. Recalque, filha. no fim não se contentou
queria acabar com as festas de meio de semana. Eles devem pensar “tremenda
segunda feira rolando festa na favela e eu aqui me fudendo? Terça feira
rolando festa, quarta rolando festa... toda semana fazendo festa?”. Somos um
povo festivo então eles não se conformavam com aquilo. Entendeu? Tendo ou
não tendo a gente estava vivendo e era feliz. Eles não se conformaram em tirar
nossa felicidade. Tanto que foram tirar a vida de nossos filhos. Tentaram tirar,
né? Porque a gente continua resistindo não ficamos derrotadas como eles
acharam que a gente ia ficar. Pensaram “Ah vamos acabar com essa porra na
favela” tanto que a favela teve uma queda enorme, mas a favela continua
resistindo: voltando o baile, voltando aos poucos, mas as coisas estão
voltando. (Fátima Pinho, cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos)

A gente fica feliz com tão pouco, né. A gente se confraterniza, tem um
churrasquinho ali, um pão com manteiga. A gente se confraterniza. tudo é
motivo pra esse povo festejar ne? E nossos filhos estão mais vivos do que
nunca. (Ana Paula, cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos)

O Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro (FJRJ) lançou em 2015 o relatório de


pesquisa Militarização das favelas: impactos na vida dos jovens negros e negras65.

64
Resolução 013: Festejar ou não festejar em Favelas controladas pela UPP. Disponível em:
https://rioonwatch.org.br/?p=5388. Acesso em: 06 Dez.2019.
65
Foi utilizada a metodologia de produção de cartografia social com a realização de oficinas que teve a
participação de jovens negros e brancos, heterossexuais e homossexuais (não havia nenhum/a jovem
transexual no grupo), de cerca de 12 favelas das Zonas Norte, Sul e Oeste da cidade de áreas com UPPs
63

Identificou-se, entre outras questões, a perseguição de jovens homens com cabelos


pintados, as “fronteiras invisíveis” existentes em relação às favelas “de facções
diferentes”, e a desconfiança em relação à atuação policial que se explicitou em relação
ao medo de uma possível “venda dos morros”:
Um dos principais impactos relatados sobre o impacto da militarização foi a
possibilidade da venda das favelas para outras facções e milícias, trazendo para
as Juventudes negras e favelas o medo e o terror de viverem em uma espécie
de campo minado, onde a qualquer hora outra força militar pode vir ocupar e
mudar toda a dinâmica da vida desses jovens. (FJRJ, 2015, p.14)

Outra questão trazida pelo relatório diz respeito às violências de gênero sofridas
pelas jovens mulheres além das cantadas situações envolvendo estupros foram relatados
verbal e imageticamente, com desenhos.
O assédio sexual e casos de estupros realizados por policiais da UPP foram
relatados e desenhados.
Esses casos apareceram no Jacarezinho, Manguinhos e Vidigal.
[...]
Jovens Jacarezinho “na troca de plantão, tem upp que sai e vai na Cracolância
ver as minas mais bonitinha para comprar uma trepada [sexo] em troca de
grana ou crack.”
Jovens da Vila Kennedy [Zona Oeste]: “quando estamos andando em nossas
Honda Bis [motocicleta de pequeno porte] pela favela somos parado toda hora,
e na averiguação aproveitam para falar gracinhas e nos apalpar, escrotos,
fdp...” (FJRJ, 2015, p.17)

As mulheres também aparecem como um grupo impactado em relação às UPPs.


De diversas formas, a presença armada do Estado se reverbera não necessariamente de
forma direta sobre as mulheres, mas que as afetam uma vez que elas são as responsáveis
pela vida comunitária de uma maneira geral. Na cartografia social urbana realizada pela
FASE (2015) com mulheres de Caju e Manguinhos – ambas favelas da Zona Norte da
cidade – aparecem as preocupações com o território, com a juventude, com os filhos vivos
e os mortos (algumas eram mães de filhos vitimados pela violência armada), com as
instituições que existiam nos territórios ou nas proximidades que envolviam outras
questões que não a violência armada, mas questões relacionadas à saúde, à educação e às
políticas públicas envolvendo intervenções urbanas e etc.
Importante notar que o programa de pacificação implementado a partir de 2007
que perdura até hoje não foi a única experiência vivida nos territórios de favelas às quais
me refiro como “ocupação colonial tardo-moderna” para usar os termos de Mbembe

que participavam de oficinas realizadas em cada uma das favelas representadas, sobre temas diversos,
incluindo a produção das cartografias.Cf.:Relatório Final do projeto Militarização das favelas: impactos
na vida dos jovens negros e negras. Disponível em:
https://www.fundobrasil.org.br/v2/uploads/files/Militarizacao_UPPs.pdf. Acesso em: 02 Dez.2019.
64

(2016). As favelas do Rio de Janeiro têm passado, ao longo dos últimos quinze anos, pelo
menos, por ocupações militares de vários tipos. Mas interessam aqui as UPPs pela forma
como foram planejadas e implementadas, como se fosse uma política de Estado e não
uma política de governo, o que não se pode afirmar ou desmentir até que saibamos o
futuro das bases militares e da atuação dos policiais. Além disso, elas surgem em um
cenário de desenvolvimento econômico importante principalmente em sua articulação
com o PAC.
A ocupação militar das favelas acontece há muito tempo a passa por ações das
policias, quando por exemplo o BOPE ocupou o Borel em 2003, com direito a
hasteamento de bandeira (Jorge da Silva, 1996), assim como aconteceu no Complexo do
Alemão em 2007, quando 19 pessoas foram sumariamente executadas durante a
preparação dos Jogos Panamericanos66, ou ainda em função das Leis de Garantia da Lei
e da Ordem (GLO) que foram decretadas nos últimos anos como a do Morro da
Providência em 2008 que teve por objetivo garantir as obras do Projeto Cimento Social
do então Senador Marcelo Crivella67, ou a GLO da Maré entre os anos de 2014 e 201568
entre outras ocupações que se deram por motivos diversos, entre elas uma grande
operação que circulou por várias favelas em 2006, quando dez fuzis foram roubados de
um quartel em São Cristóvão, na Zona Norte da cidade69.
Ao que tudo indica, as estratégias de marketing utilizadas pelo governo do Rio em
relação às UPPs não foram as únicas responsáveis pela aceitação e apoio das pessoas a
essa forma de ocupação. Elas foram implementadas e de fato, no início de usa vigência,
os piores medos dos moradores e moradoras – basta que leiamos as pesquisas realizadas
no período – os tiroteios. A “política de pacificação” teve apoio popular e não é raro que
os moradores se refiram a isso com decepção. Em Manguinhos, não é incomum nas

66
Para detalhes ver: Relatório da Sociedade Civil para o Relator Especial das Nações Unidas para
Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais. Disponível em: http://www.global.org.br/wp-
content/uploads/2007/09/Relatorio_Relator_ONU_2007.pdf. Acesso em: 05 Dez.2019.
67
Documento contradiz Exército sobre ocupação no Rio. Disponível em:
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL605223-5598,00-
DOCUMENTO+CONTRADIZ+EXERCITO+SOBRE+OCUPACAO+NO+RIO.html. Acesso em: 05
Dez.2019.
68
A ocupação do Exército no Conjunto de Favelas da Maré ocorreu entre 05 de abril de 2014 e 30 de junho
de 2015. Para mais informações Cf.: SILVA, Eliana de Souza. A ocupação na Maré pelo Exército
Brasileiro: percepção de moradores sobre a ocupação das Forças Armadas Na Maré. Rio de Janeiro: Redes
da Maré, 2017. Disponível em:
http://redesdamare.org.br/media/livros/Livro_Pesquisa_ExercitoMare_Maio2017.pdf. Acesso em: 05
Dez.2019.
69
Saiba mais sobre a operação militar no Rio. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2006/exercitonorio/saiba_mais_sobre_a_operacao_militar_
no_rio.shtml. Acesso em: 05 Dez.2019.
65

reuniões abertas dos movimentos sociais ou nos seminários e espaços de debates70


pessoas dizerem que acreditaram que a UPP melhoraria suas vidas.
Para além de todas essas questões as UPPs foram implementadas no cenário em
que o principal partido de esquerda do país estava no poder já em seu segundo mandato,
em uma economia quase que estável diante de crises econômicas que atingiam outros
países como os Estados Unidos. Ou seja, um momento favorável a implementação de
políticas que em outro momento talvez não fossem possíveis de serem implementadas.
Mas a grande questão que aparece no tocante aos temas tratados nesta dissertação dizem
respeito justamente, ao fato de que, a economia capitalista tem no sangue dos negros,
indígenas e em outras povos não-brancos o diesel de sua caldeira, como afirma o Cantor
e Compositor Eduardo Taddeo71.

2.1 Necropolítica concretizada: a violência materializada no território

[...]
Tá, tá, tá, tá o sistema vai modelar
Matéria-prima sem valor pra polícia desfigurar
Tabaco, Álcool, Crack, fuzil antiaéreo
A linha de montagem começa no berço e vai até o cemitério
Tá, tá, tá, tá o sistema vai modelar
Matéria-prima sem valor pra polícia desfigurar
De vassoura ou m2, entregam no embate
Todos sangram na fantástica fábrica de cadáver.

Fantástica Fábrica de Cadáver – Eduardo Taddeo

Este item, tem como objetivo apresentar as violências que marcaram (e marcam)
fortemente a vida nas favelas e periferias do Rio de Janeiro e que culminam no homicídio
dos jovens negros moradores das favelas. Essa violência que se materializam nos
territórios, dando corpo à necropolítica, impulsiona o movimento de mulheres-mães e
familiares de vítimas do terrorismo de Estado que resistem cotidianamente lutando por
memória, justiça, verdade e liberdade, ao passo que reivindicam a dignidade negada a
seus filhos.

70
Manguinhos é um território rico em instituições públicas. Muitas escolas da região, em especial a Fiocruz,
abrem espaço para debates sobre temas importantes realizando seminários, conferências e afins.
71
Eduardo Taddeo é Rapper, de São Paulo, compôs durante algumas décadas o grupo de rap Facção Central,
e em 2015 fez um álbum chamado “A fantástica fábrica de cadáveres”, que abordou exatamente os efeitos
da necropolítica que atingem as favelas e periferias do Brasil de maneira implacável. De acordo com o
Atlas da Violência (2019) no Brasil um jovem negro é morto a cada 23 minutos.
66

Essa categoria (terrorismo de Estado) que surge nas manifestações públicas das
mães em suas ações e atividades na luta por reconhecimento e justiça teria sido trazida
para a Rede de Mães72 pelo Movimento Mães de Maio:
Quem trouxe essa ideia foram as Mães de Maio, porque eu acho que na
bandeira delas tem, né? Acho que elas vieram nesse discurso do terrorismo,
elas sempre falavam disso. Fazendo a gente entender que isso que acontece,
essa arrancada tão violenta dos nossos filhos é um terrorismo contra nós. E não
só contra nós, contra toda a nossa família e contra todo nosso território. Porque
todo mundo conhece, todo mundo sofre, não é só a família, não é só a mãe. É
toda uma família, são os amigos, são os vizinhos, sabe? As pessoas sofrem
com isso, então assim, é um terrorismo mesmo. É assustador, essa violência é
tão grande, é uma coisa tão, tão dolorosa, e tão monstruosa, a forma como
acontece, que não tem outro nome é terrorismo mesmo. A gente vê que é uma
coisa organizada, por pessoas que estão no poder. (Ana Paula Oliveira,
cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos).

Esse terrorismo concretizado nas inúmeras violências impetradas a partir de uma


atuação direta ou indireta do Estado – no uso das máquinas de guerra citadas por Mbembe
(2016) – afetam sobremaneira o dia a dia das favelas. Como dissemos, a ocupação
colonial tardo-moderna que pode ser na minha leitura permanente ou intermitente, ou
ainda esporádica. Ela se concretiza pela presença das forças militares do Estado e a seu
serviço ou a serviço de interesses privados e que violam direitos formalmente instituídos
na CF88 de maneira cotidiana, como busquei demonstrar no capítulo anterior.
Aqui também cabe a discussão sobre as paisagens das quais falamos no início
citando Pollak (1989) e Mbembe (2016). Elas, as paisagens, com suas estruturas físicas
que permitem manter algumas memórias vivas, são fundamentais para o terror e para a
memória da morte que é imposta pelo poder que determina quem vai viver e quem vai
morrer, demonstra ainda que esse poder vai impor mecanismos de fazer os que vivem –
não todos, mas especialmente os colonizados, diria Fanon (1968) – saber que a morte é
um espectro que o ronda em todo instante.
As marcas de tiros nas paredes assim como as marcas do sangue das vítimas que
ficam pelas ruas, são importantes elementos nas paisagens que as práticas terroristas do
Estado deixaram em Manguinhos na primeira figura uma casa localizada ironicamente
em frente ao Campo do Esperança, toda crivada de balas vindas de áreas externas a
Manguinhos. Fiz a fotografia dois dias depois do assassinato de Caio Daniel de 14 anos
em março de 2016. Os moradores me apontaram a casa para reafirmar que os policiais
estavam atirando a partir do outro lado do rio, que fica próximo ao campo de futebol. Na
segunda figura o terror da morte e a parede da casa de João Batista, manchada com seu

72
Rede Nacional, de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado.
67

sangue. Ele foi morto com um tiro na cabeça logo após tirar a cadeirinha da filha de perto
da janela.

Figura 5: Casa localizada no Campo do Esperança, crivada de balas. Março/2016. Acervo pessoal.

Figura 6: Nas paredes o sangue de João Batista, assassinado em abril/2016 na janela de casa. Acervo pessoal.
68

Se se identifica que historicamente as populações das favelas se veem


desumanizadas e sem direitos, a despeito de uma igualdade jurídica formal, podemos
afirmar que essa necropolítica da qual falamos cria ambientes de medo e sofrimento
diários, para além da vida e da morte. Ambientes que para Mbembe (2016) são de
imposição de terror, ou seja, do exercício do necropoder que se configura por meio de
uma “política de verticalidade”.
Para o autor a ocupação colonial entre outras coisas visa um controle do céu, da
terra e do subterrâneo, que é possível identificar na fala das Mães de Manguinhos quando
relatam o terror que vivem coma presença do caveirão, dos tiros e do helicóptero
blindado da polícia:
Quando a gente vê um carro blindado, um carro feio daquele jeito, aquele
carro preto. Porque no início o ‘caveirão’ ele chegava soltando uma fumaça,
tinha todo um efeito. Tinha uma voz, e tinha um barulho [elas reproduzem a
sensação do som] isso é terrorismo. Isso é aterrorizante. Quando a gente vê
começam os tiros a gente tem que procurar caçar rapidamente, às vezes se
arrastando por dentro da nossa própria casa. Se arrastando buscando em
algum lugar que possa ser mais seguro às vezes com nossos filhos, pra se
abrigar. A gente começa a entender: isso é terrorismo mesmo. Você está
dormindo, você acorda com o helicóptero, é automático: você dá aquele pulo.
Eu acordo já vou no quarto da minha filha, tiro ela da cama. Gente, isso é
horrível! Como isso não pode ser denominado de terrorismo?! Isso é
terrorismo!
(Ana Paula Oliveira, cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos)

E falava! Era quase cinematográfico. Falava: Vim buscar tua alma! nosso
psicológico fica assim: Vê o caveirão pode ser na pista, tem que se esconder.
(Fátima Pinho, cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos)

A Alice [que tem três anos de idade]: vê o caveirão [e fala] mãe, vai dar tiro.
(Alejandra Fátima Pinho, filha de Fátima, membro do Movimento Mães de
Manguinhos).

Essa violência que se configura nos territórios como “a excepcionalidade


permanente”, já que o direito formal parece não existir podendo ser suspenso a qualquer
hora por qualquer motivo, especialmente pelas forças de segurança. Esses elementos que
demonstram o controle do Estado e impõem terror nas favelas não são novos. A
militarização avançou de forma bastante visível nos últimos trinta anos e as populações
faveladas e periféricas tem vivido seus efeitos de forma muito violenta com perdas
irreparáveis.
A escolha estatal pelo uso do helicóptero blindado citado por Ana Paula por
exemplo, não se faz em todas as regiões da cidade, como é de conhecimento notório, se
69

faz nas favelas e bairros periféricos, e é reconhecidamente um risco para todas as pessoas
que vivam no entorno das regiões atacadas73.
Regiões onde os equipamentos bélicos apontados pelas Mães de Manguinhos são
colocados em uso, suspendendo o fornecimento de serviços básicos de saúde, educação,
cultura (quando existe) sob o risco iminente, ao passo que impõe o pânico aos moradores.
O mesmo processo que Mbembe (2016) aponta como exercício do necropoder que quer:
[...] levar a cabo uma “guerra infraestrutural”. Enquanto o helicóptero de
combate Apache usado para patrulhar o ar e matar a partir dos céus, o trator
blindado bulldozer (Caterpillar D-9) é usado em terra como arma de guerra e
intimidação. Em contraste com a ocupação colonial moderna, essas duas armas
estabelecem a superioridade de ferramentas de alta tecnologia do terror tardo-
moderno. (Idem, p.137)

A violência nas favelas tem sido documentada com certa sistematicidade. São
situações compartilhadas por moradores, pesquisadores e veículos de imprensa que
permitem montar um quadro com situações que corroboram para a construção de um
quadro onde o estado de exceção se faz, dando forma legal daquilo que não pode ter forma
legal, como afirma Agamben (2004). Um exemplo concreto desses casos é a utilização
de helicóptero como plataforma de tiro que tem sido discutida a fundo por especialistas
em segurança pública, juristas e movimentos sociais.
O Grupo de Trabalho (GT) Defesa da Cidadania ligado à 7ª Câmara de Controle
Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional (7CCR) do Ministério Público Federal
(MPF) vê como ilegal o uso desse equipamento de guerra e fomentou a produção de uma
Nota Técnica sobre o tema que apontou [...] possível prática de infrações penais a bordo
de helicópteros em intervenções policiais (“Caveirão aéreo”).(Nota Técnica 7ª CCR Nº
12, de 11 de junho de 2019).
Outro exemplo é que ainda que a utilização mais frequente desses equipamentos
seja recente, o uso de helicópteros como plataforma de tiros em ataques a “alvos” nas
favelas data pelo menos da década de 1980. No dia 10 de janeiro de 1981, o Jornal do
Brasil, trazia a manchete Polícia mata ladrões em duas horas de tiroteio:

73
Especialistas criticam o uso de arma de guerra na caçada a Matemático. Disponível em:
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/05/especialistas-criticam-uso-de-armas-de-guerra-na-
cacada-matematico.html. Acesso em: 22 Jun.2019.
70

Figura 7: Capa do Jornal do Brasil, 1981. Notícia de uso de helicóptero como base de tiro em Manguinhos.
Reprodução da internet.

Considerando que com o passar das décadas – o que mereceria um estudo à parte
– os sujeitos a serem enfrentados deixaram de ser os “assaltantes” ou ladrões, para se
tornarem os vendedores do varejo de drogas, ou “traficantes”. Interessa citar mais uma
situação – das muitas que poderíamos trazer – envolvendo uso de helicóptero no Rio de
Janeiro, ocorrida em uma favela da Zona Oeste da cidade na Favela da Coréia. Um ano
depois do acontecido tudo foi transmitido em Rede nacional no horário nobre de domingo.
Uma perseguição abordo de um helicóptero a um suposto traficante, que seria responsável
pelo varejo de drogas no local. A aeronave tinha além de armas e câmeras, sensores de
calor também citadas por Mbembe (2016).
No dia 11 de maio de 2012, Márcio José Sabino Pereira, conhecido como
“Matemático” foi assassinado por tiros disparados de um helicóptero da Polícia Civil do
Rio de Janeiro. Os policiais perseguiram e atiraram no carro em que ele estava. No dia
seguinte jornais anunciavam que o encontram morto em um carro com tiros nas pernas e
nas costas sem apresentar como aquilo aconteceu. A grande maioria das matérias
jornalísticas afirmava que Matemático teria morrido em confronto com a polícia74, o que

74
Traficante Matemático encontrado morto no Rio. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2012/05/traficante-matematico-e-encontrado-morto-no-rio.html. Acesso em: 09 Jun.2019.
71

ficou desmentido no ano seguinte quando o vídeo feito a partir do helicóptero demonstrou
que ele foi executado sumariamente75.
Outra situação interessante que demonstra a utilização dos helicópteros como base
de tiro, e que felizmente não resultou em mortes (ao menos não documentadas pela
imprensa), ocorreu em janeiro de 2018 no Jacarezinho, favela da Zona Norte e vizinha de
Manguinhos e da Cidade da Polícia (CIDPOL). Moradores, como é de praxe na maioria
das favelas em que ocorre o uso do equipamento, colocaram vídeos na internet para expor
o medo e o desespero ao qual são expostos, mas de forma inusitada, naquele dia foram
policiais militares que o fizeram.
Esse caso remonta ao caráter colonial da ocupação exercidas nas favelas a partir
da ideia de Mbembe (2016) sobre quem vai ser tornado descartável, ou no entendimento
de Farias (2014), será tornado “matável”:
[...] como essas formas de se exercer o poder (e aqui está incluído também o
poder de matar) em níveis variados, através de caminhos capilares, compondo
o complexo dos micro-poderes que participam do processo de transformação
dos moradores de favelas em uma população ‘matável’.(FARIAS 2007, p.155)

Os policiais da UPP do Jacarezinho, naquela ocasião, fizeram um vídeo mostrando


os buracos de tiros em carros e no chão que teriam sido resultado da utilização do
helicóptero da Polícia Civil76. Segundo o que é dito no vídeo os policiais civis atiraram a
cerca de um metro do contêiner (base da UPP), ignorando que os policiais militares em
solo sinalizavam que ali existia uma base policial. E considerando a relação entre esses
“matáveis” e o território pode-se dizer que qualquer uma pessoa que esteja nesses locais
e não somente seus moradores também serão colocados em risco diante da violência que
é socialmente autorizada nesses locais.
Essa lógica colonial racista que identifica aquele local como sendo um local em
que a violência é necessária, também discutida por Fanon (2005), nos ajuda a
compreender que o racismo também reverbera na reprodução da violência entre as
pessoas negras. Esse caráter da ocupação colonial para o exercício do necropoder também
pode ser ilustrado na fala das Mães de Manguinhos, em relação à ação dos policiais nos
territórios:

75
Imagens mostram perseguição e caçada ao traficante Matemático. Disponível em:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/05/imagens-mostram-perseguicao-e-cacada-ao-traficante-
matematico.html. Acesso em: 09 Jun.2019.
76
Helicóptero da Polícia Civil atira ao lado da base da UPP Jacarezinho, dizem PMs. Disponível em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/helicoptero-da-policia-civil-atirou-ao-lado-de-base-da-upp-
jacare-dizem-pms.ghtml. Acesso em: 20 Jun. 2019.
72

Eu já fiquei me perguntando como a gente traz esse povo pobre que está
matando pobre para o nosso lado. Tipo conscientizar quem está na ponta,
sabe? Acho que a gente tinha que tentar fazer alguma coisa nessa questão.
Tipo assim: quando foi o ato do Borel. Quando eu falei pra eles [policiais
militares]: vocês estão achando que vocês estão fazendo alguma coisa por
vocês? Vocês também estão sendo usados por eles [o Estado] e vocês são tão
descartáveis quanto a gente. Sei lá. A gente teria que acordar para alguma
coisa sobre isso. O policial que está ali na UPP de alguma forma ele tem que
entender que ele também faz parte desse sistema e que ele também é
descartável. (Eliene Vieira, membro do Movimento Mães de Manguinhos).

A violência nas favelas reverbera cotidianamente nas vidas pelos motivos mais
torpes e por decisões muitas vezes executadas pelos agentes da ponta, como é o caso das
chamadas operações de vingança.
Somente em 2018, a Anistia Internacional afirmou ter recebido mais de 300
denúncias vindas de todos os estados do Brasil77 sobre operações policiais de “vingança”.
Conhecidas nas favelas do Rio de Janeiro, são operações policiais montadas para vingar
a morte de policiais em serviço ou fora dele. Esse tipo de ação policial não é incomum,
tampouco uma novidade, mas poucas são as vezes em que elas ficam explícitas a ponto
de serem reconhecidas como tal, não só no Rio de Janeiro.
São casos em que a violência extrema é implementada para que se vingue a morte
de um policial. Uma operação de vingança bastante conhecida pelas Mães no Brasil é o
caso da Chacina do Curió Fortaleza (CE), que aconteceu de madrugada, entre os dias 11
e 12 de novembro de 2015, quando 44 policiais cercaram o bairro, assassinaram 11
pessoas torturaram e feriram umas tantas outras em revide pela morte de um colega
policial assassinado durante uma tentativa de assalto nas proximidades78.
A Chacina do Curió aparece aqui como um demonstrativo de que tais práticas
estatais não são uma especificidade do Rio de Janeiro, e por outro lado, configuram uma
situação que tal qual temos identificado na cena política fluminense, suscitou o

77
Traficante Matemático encontrado morto no Rio. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2012/05/traficante-matematico-e-encontrado-morto-no-rio.html. Acesso em: 09 Jun.2019.
77
Imagens mostram perseguição e caçada ao traficante Matemático. Disponível em:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/05/imagens-mostram-perseguicao-e-cacada-ao-traficante-
matematico.html. Acesso em: 09 Jun.2019.
77
Helicóptero da Polícia Civil atira ao lado da base da UPP Jacarezinho, dizem PMs. Disponível em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/helicoptero-da-policia-civil-atirou-ao-lado-de-base-da-upp-
jacare-dizem-pms.ghtml. Acesso em: 20 Jun. 2019.
Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/07/31/moradores-de-comunidades-
denunciam-abusos-policiais-durante-operacoes-vinganca-em-varios-estados.ghtml. Acesso em: 20 Jun.
2019.
78
Chacina do Curió – um processo que não pode demorar. Disponível em:
http://blogdoeliomar.com.br/2017/11/12/chacina-curio-um-processo-que-nao-pode-demorar/. Acesso em:
20 Jun.2019.
73

“nascimento” de um coletivo de Mães, o coletivo Mães do Curió79 que compõe a Rede


Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo e Estado. Infelizmente, o caso
ainda se arrasta na justiça. As familiares e apoiadoras do movimento Mães do Curió
relatam que na noite da chacina a violência e o engajamento dos policiais foi tamanho
que eles cercaram todo o bairro impedindo inclusive o socorro das vítimas.
No caso do Rio de Janeiro, pude acompanhar de perto o resultado de algumas
operações deste tipo. Uma delas aconteceu na Cidade de Deus, favela localizada na Zona
Oeste do Rio de Janeiro após a queda de um helicóptero da PMERJ no dia 19 de novembro
de 2016. A aeronave caiu deixando os quatro tripulantes mortos80. De acordo com a
imprensa o equipamento era utilizado para realização de imagens que pudessem ajudar
nos mapeamentos para a realização de operações na Cidade de Deus. A principal hipótese
aventada naquela tarde era a de que a aeronave havia sido atingida por tiros disparados a
partir da favela, o que gerou a operação no dia seguinte e que deixou sete mortos,
encontrados somente um dia após a operação, pelos próprios moradores, todos com sinais
de execução81. Conversei com a esposa de um dos mortos, ela disse que eles estavam
todos deitados de bruços, com as mãos assim pra cima [demonstra com as mãos na cabeça
entrelaçadas na nuca], estavam enfileirados um do lado do outro. Meu marido estava ali
assim, tivemos que quebrar os braços deles para poder tirar eles de lá.82.
Os sete corpos foram encontrados em uma mata próxima à favela, segundo
informações dos moradores eles estavam enfileirados de bruços, alguns com tiros na nuca.
Conforme foi incansavelmente citado pela imprensa os mortos tinham passagens pela
polícia, uma das matérias da Rede Globo chega a chocar tamanha a frieza, ao falar das
sete execuções, antes mesmo de falar sobre as circunstâncias em que tudo aconteceu. A
repórter enumerou as “anotações criminais” dos mortos com detalhes. Os familiares por
sua vez, todos negros, falavam da execução sumária de seus entes queridos e
questionavam a forma da atuação dos agentes. Um deles diz que não é só vagabundo que

79
Mais informações na página Transformei meu luto em luta. Mães do Curió – Página do Facebook
Disponível em: https://www.facebook.com/Transformei-Meu-Luto-Em-Luta-M%C3%A3es-Do-Curio-
900636723436118/. Acesso em: 20 Jun. 2019.
80
Helicóptero da PM cai na Zona Oeste do Rio e quatro policiais morrem. Disponível em:
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/11/helicoptero-cai-na-area-da-cidade-de-deus-zona-oeste-
do-rio.html. Acesso em: 21 Jun.2019.
81
PM ocupa Cidade de Deus após queda de helicóptero; sete moradores são mortos. Disponível em:
https://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,confronto-na-cidade-de-deus-durante-operacao-
policial-tem-sete-mortos,10000089480. Acesso em: 21 Jun.2019.
82
Minha conversa com a esposa de um dos mortos e pessoas envolvidas na retirada deles da mata onde
foram encontrados, aconteceu em 24 de novembro, quando acontece uma manifestação na favela contra os
mandados de busca e apreensão coletivos, que relatarei abaixo.
74

mora na comunidade, não é só vagabundo! Tem trabalhador. Independente da vida que


eles levavam, eles não mereciam morrer do jeito que eles morreram.83
No dia da operação, os familiares tentaram retirar os corpos de um local de
mangue onde teria acontecido a execução, com a presença de jacarés e que foram
impedidos de acessar o local por policiais. Depois que a polícia deixou a favela, todos os
corpos foram levados pelos próprios moradores para uma praça, a fotografia das pessoas
em volta velando os mortos sem dignidade circulou na imprensa mundial em
representação ao absurdo número de homicídios cometidos no país84. Eles contam que
houve outras mortes em outros locais da favela, que não foram tratados na imprensa. A
maioria das pessoas com as quais conversei não sabia exatamente como tudo aconteceu,
mas afirmavam ainda que um jovem com problemas de saúde mental havia desaparecido
no mesmo dia.
A violência policial e os efeitos na vida de outros moradores para além das
famílias dos mortos motivou a realização manifestação alguns dias depois contra um
mandado de busca e apreensão genérico (todas as casas poderiam ser invadidas à revelia
com autorização judicial), destinado a todo território da Cidade de Deus
indiscriminadamente. Nas faixas dos moradores a cobrança de respeito aos direitos
formalmente garantidos e a tentativa de demonstrar que a maioria das pessoas que ali
vivem não são criminosas, a despeito da quantidade de policiais disponibilizados pela
UPP local para o controle dos moradores em protesto:

Figura 8: Forte esquema de segurança montado pela UPP local para acompanhar a manifestação organizada pelos
moradores contra o mandado coletivo deferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Acervo pessoal.

83
Parentes dos 7 mortos na Cidade de Deus falam em execução. Disponível em:
https://globoplay.globo.com/v/5464449/ Acesso em: 21 Jun.2019.
84
Homicides in Brazil remain above 59,000 yearly. Disponível em:
http://noticias.alianzanews.com/309_hispanic-world/4588890_homicides-in-brazil-remain-above-59-000-
yearly.html. Acesso em: 06 Dez.2019.
75

Figura 9: Moradores da CDD protestam contra mandado de busca e apreensão genérico destinado a toda Cidade de
Deus. Acervo pessoal.

Na realização da manifestação o texto nas faixas confeccionadas pelos moradores


da Cidade de Deus deixava explícita a reinvindicação de respeito em relação à ação
estatal, mas parecendo que queriam se desvencilhar da imagem de “criminosos” que
circulou na imprensa durante os dias que seguiram a queda do helicóptero, nas quais
foram massivamente expostas as relações dos sete mortos com a facção Comando
Vermelho.
Os policiais acompanhavam a manifestação fortemente armados, como é possível
ver nas fotografias, um importante fator gerador de tensão em relação à manifestação,
uma vez que as milícias frequentemente são apontadas como um ator importante nos
confrontos localizados na Cidade de Deus, que seria controlada territorialmente pela
facção Comando Vermelho, ao passo que as favelas Gardênia Azul e Curicica que faz
divisa com a Cidade de Deus85 seria controlada pela milícia, grupos historicamente
formados por ex-policiais, ex-bombeiros e agentes da ativa.

85 Anexo 1: Mapa da Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro. Google Maps, 2019.
76

Como afirma José Cláudio Souza Alves: A milícia é o Estado86e isso me pareceu
uma questão muito importante naquele conflito silencioso que acontecia durante a
manifestação, alguns homens que acompanhavam a manifestação eram apontados como
sendo “policiais à paisana”, quando perguntados porque, as pessoas apontavam algumas
características que eu também identificaria como tal: usavam boné, alinhadamente
vestidos de tênis, calça jeans, camisa de malha ou pólo, celular na mão, aliança de ouro e
andavam sempre como se estivessem em fila. Uma pessoa me disse: pode reparar, um
atrás do outro, e sempre perto de algum policial fardado e armado. Sendo “teoria da
conspiração” ou não, é fato que a “cena” descrita se repetiu ao longo do trajeto:

Figura 10: Os próprios moradores com quem conversei, me sugeriram fotografar os “P2” (policiais à paisana) como
forma de garantir a segurança das pessoas no protesto. Acervo pessoal.

Em março de 2018, quase dois anos depois da queda, foi confirmado que a
aeronave que caiu na Cidade de Deus desencadeando uma série de violações de direitos
dos moradores, sofreu problemas mecânicos e por isso caiu matando os policiais a
bordo87.
No dia 11 de agosto de 2017 a vingança foi realizada pela Polícia Civil na favela
do Jacarezinho, na Zona Norte da cidade. O policial civil Bruno “Xingu” Guimarães
Buhler, de 36 anos foi morto durante uma operação da Coordenadoria de Recursos e
Operações Especiais (CORE), equipe da qual fazia parte. A operação que estava sendo

86
‘No Rio de Janeiro a milícia não é um poder paralelo. É o Estado.’ Disponível em:
https://apublica.org/2019/01/no-rio-de-janeiro-a-milicia-nao-e-um-poder-paralelo-e-o-estado/. Acesso em:
21 Jun. 2019.
87
Aeronáutica conclui investigação sobre queda de helicóptero da PM na Cidade de Deus. Disponível
em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/aeronautica-conclui-investigacao-sobre-queda-de-
helicoptero-da-pm.ghtml. Acesso em: 21 Jun. 2019.
77

acompanhada por um jornalista e um câmera da Rede Record de TV88 teria sido realizada
para cumprir 23 mandados de prisão tendo sido cumpridos 15, além da apreensão de
carros e motos roubados89.
Um dos principais elementos que confirma que a operação policial se deu por
vingança à morte do policial Bruno foi a fala do Delegado de Polícia Marcus Amin, que
além de delegado é ‘especialista/comentarista’ em um programa de grande audiência na
TV. Ele avisou aos “traficantes” que deveriam se entregar ou seriam “caçados” (termo
que remonta à ideia de que essas pessoas seriam desprovidas de humanidade).
Veementemente o delegado/comentarista afirmou:
Não vamos descansar, não vamos recuar, não vai haver horário não
vai haver dia [...] atingiu a todos nós irmãos de armas [...] nós vamos
incansavelmente caçar vocês. Essa é a palavra! Não tenho medo de
usar, não tenho medo de direitos humanos. Nós vamos caçá-los!
Vocês se entreguem o quanto antes! Não vai parar, não vamos cessar
[...] sábado [dia de intenso ataque a tiros pela polícia à favela] 90foi só o
cartão de visitas, aquilo ali [o ataque a tiros] vai ser o nosso
cotidiano91.

A violência impetrada pelos agentes da CORE contra o Jacarezinho após a morte


do policial Bruno não foi o único episódio de operação vingança que causou terror –
como diriam as Mães de Manguinhos –aos moradores daquela região da Zona Norte, onde
está localizada Manguinhos. Alguns meses depois, no dia 12 de janeiro de 2018, pouco
tempo depois de o corpo do delegado de polícia Marcelo Monteiro ter sido encontrado
em uma via próxima a favela do Arará, localizada em Benfica também nas imediações92,
policiais de várias delegacias da Polícia Civil localizadas na CIDPOL atravessaram a pé
a Avenida Dom Helder Câmara em direção à favela para vingar a morte do colega.
Demonstrando que investigação não é praxe na polícia do Rio de Janeiro e que a violência

88
Policiais tentam invadir favela no RJ para apreender armas e drogas. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=JF0Ki-jwOm0. acesso em: 20 Jun.2019.
89
Policial morre baleado no pescoço em operação no Rio. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/11/policial-civil-morre-baleado-no-
pescoco-durante-tiroteio-no-rio.htm. Acesso em: 20 Jun.2019.
90
Vide imagens da noite de 12/08/2017, sábado ao qual se referiu o delegado ao afirmar que este seria o
cotidiano das ações da polícia civil na favela do Jacarezinho. Noite de guerra e troca de tiros no na favela
do Jacarezinho – BCN News. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=luiJzvXH2FI. Acesso
em 04 mai.2018.
91
O vídeo de tal pronunciamento durante comentários no programa de TV estão disponibilizados na página
pública do Delegado nas redes sociais: Delegado Marcus Amin – Página do
Facebookhttps://www.facebook.com/DelegadoMarcusAmim/videos/853477744815681/. Acesso em: 04
mai.2018.
92
Delegado é achado morto com marcas de tiros na zona norte. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/rio/delegado-achado-morto-com-marcas-de-tiros-na-zona-norte-22282478.
Acesso em: 21 Jun.2019.
78

pode ser exercida a partir de decisões tomadas de quem atua na ponta da política, sem
planejamento.
Por volta das 16h do mesmo dia, vídeos começavam a circular na internet. Os
primeiros mostrando dezenas de policiais atravessando a pé a Av. Dom Helder Câmara,
saindo da CIDPOL para o Jacarezinho, e algum tempo depois mostrando dezenas de
pessoas detidas atravessando a mesma avenida a pé, em fila indiana, no sentido contrário,
sendo arbitrariamente levadas para a delegacia93.
Os moradores de Jacarezinho e Manguinhos contam que os policiais foram
revistando as pessoas nas ruas e as colocando em fila “indiana” sob alegação de que
seriam levadas para averiguação. De acordo com notícias posteriores, apenas 12 pessoas
das 60 detidas permaneceram presas, a maioria por situações envolvendo o “não
pagamento de pensão alimentícia”.
Naquele dia, pessoas ficaram encurraladas na estação de trem, o serviço foi
suspenso e não tiveram o que fazer a não ser tentar se proteger. Além disso, o atendimento
nas delegacias localizadas na CIDPOL também foi suspenso para quaisquer outras ações
que não tivessem a ver com o caso94. Dias depois no dia 30 de janeiro, outra operação foi
montada para mais um vez tentar encontrar os responsáveis pela morte do delegado, cerca
de 300 policiais iniciaram a operação por volta das 06h30 da manhã, tendo detido 12
pessoas, incluindo um “chefe do tráfico” ao qual foi atribuída a morte do delegado. Além
disso, três “suspeitos” foram mortos.
A guerra de infraestrutura da qual fala Mbembe (2016) pode ser materializada no
tocante às favelas, em ações como as relatadas acima. Por decisões que aplicam de
maneira descoordenada, mas bastante estruturada, a ocupação de territórios favelados
impõem uma rotina na qual as escolas, creches, postos de saúde e atividades educacionais
são impedidas de acontecer, ao passo que máquinas de guerra – helicópteros, carros
blindados, fuzil e equipamentos de vigilância – são utilizados impondo o que as Mães
chamam de terrorismo à centenas de milhares de moradores, que como buscaram
demonstrar os moradores da Cidade de Deus, são conviventes e não conviventes como
dizem as fotografias abaixo:

93
Cerca de 40 pessoas detidas sem qualquer prova no Jacarezinho – 12.01.2018. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=559655927737495. Acesso em: 21 Jun.2019.
94
Delegado executado a 200 metros da Cidade da Polícia. Disponível em:
https://odia.ig.com.br/_conteudo/2018/01/rio-de-janeiro/5504627-delegado-e-executado-a-duzentos-
metros-da-cidade-da-policia.html. Acesso em: 21 Jun.2019.
79

Figura 11: Protestos de moradores da CDD contra o uso de mandados de busca e apreensão genéricos. Acervo
pessoal.

Como tem sido demonstrado pelas pesquisas ao longo das últimas décadas,
inclusive pelo aumento dos índices de homicídio no país, as polícias brasileiras não
trabalham com investigação ou inteligência. Além da operação policial que aconteceu na
sequência do episódio que teve por resultados mortes e desespero para os moradores
locais, aproximadamente um mês depois da operação vingança, um “suspeito” de ter
cometido o assassinato do policial Bruno “Xingu” foi preso no nordeste do país95 e meses
depois outro “suspeito” foi morto “em confronto” na favela do Jacarezinho 96, sem que o
caso tenha sido elucidado de fato.
Além disso, a invasão de domicílio, assim como busca e apreensão sem mandado
judicial, é uma prática cotidiana das polícias nas favelas do Rio de Janeiro. Esta é
inclusive um ponto de destaque na “matriz de violações recorrentes” identificadas pela
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em seu relatório Circuito de Favelas Por
Direitos.
Não interessa aqui uma análise detida sobre as questões jurídicas que envolvem o
uso dos mandados genéricos de busca e apreensão citados nos casos acima, mas cabe
reafirmar seu uso autoritário, uma vez que ignora direitos básicos constitucionais como o
direito à inviolabilidade do lar, à propriedade privada, à presunção de inocência, etc. É
como as pessoas nas favelas todas estivessem apartadas do ordenamento jurídico que
garante a cidadania, principalmente se pensarmos que aquele lugar é um território
militarmente ocupado pelo Estado e mais uma vez a ideia de exercício do necropoder a

95
Suspeito de matar policial da Core no Jacarezinho é preso no nordeste. Disponível em:
https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/suspeito-de-matar-policial-da-core-no-jacarezinho-e-preso-no-
nordeste-05092017. Acesso em: 21 Jun. 2019.
96
Suspeito de assassinato de policial da CORE é morto no Jacarezinho. Disponível em:
https://extra.globo.com/casos-de-policia/suspeito-de-assassinato-de-policial-da-core-morto-durante-
confronto-no-jacarezinho-22391359.html. Acesso em: 21 Jun.2019.
80

partir do terror e do desrespeito às leis, marca a existência ou a experiência no estado de


exceção.
Esse paradigma de governo (AGAMBEM, 2004), reconhecido por Mbembe
(2016) como forma de exercício do necropoder, exige que as pessoas sejam consideradas
descartáveis, como disse uma das Mães de Manguinhos citada anteriormente. O caráter
racial que marca o não reconhecimento da humanidade das pessoas na favela, que está
explícito na fala do Delegado quando afirma que a polícia vai “caçar” pessoas reverbera
não somente nos momentos da operação vingança, mas também em alguns episódios
bastante aterrorizantes vividos na localidade Coréia em Manguinhos.
No início de 2019 pelo menos três pessoas foram atingidas por tiros, que segundo
moradores de Manguinhos, foram disparados por atiradores de elite a partir de uma torre
localizada na CIDPOL, a cerca de 250m da localidade. Duas das vítimas morreram e uma
sobreviveu. O local onde tudo aconteceu é bastante conhecido por ser um local onde as
principais violências ocorrem.
Após ser eleito para governar o estado do Rio de Janeiro no pleito de 2018, Wilson
Witzel, do Partido Social Cristão (PSC), afirmou em entrevista que o correto é matar o
bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo!
Para não ter erro!97. Adepto das frases feitas do senso comum, e das frases de efeito que
visam reafirmar a necessidade de que policiais que matam não sejam responsabilizados
porque em tese, estariam no cumprimento do dever, Wilson Witzel é em última análise
alguém que trouxe a prática para as diretrizes de governo, como demonstra o alto número
de homicídios cometidos por policiais desde o início do mandato (1549 até outubro) e os
casos dos snipers em Manguinhos, que estou acompanhando como campo de pesquisa98.
No dia 25 de janeiro por volta das 18h40, a irmã e a mãe de Carlos Eduardo dos
Santos Lontra, de 27 anos, receberam a notícia de que ele foi baleado, socorrido e
encaminhado para a UPA Manguinhos, mas não resistiu aos ferimentos. Os moradores
contaram que o tiro atingiu seu abdômen na região lateral do corpo e que o tiro foi

97
‘A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo’, diz novo governador do Rio. Disponível em:
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo-diz-novo-
governador-do-rio,70002578109. Acesso em: 23 Jun.2019.
98
Até o fechamento deste trabalho, nenhuma informação nova foi disponibilizada sobre o caso. Em
novembro recebi a informação de uma fonte que acompanha o caso a partir de uma das instituições
envolvidas no processo, de que o depoimento da testemunha viva teria alterado o cenário da investigação,
pondo em dúvida de onde de fato podem ter partido os tiros. Estes casos são emblemáticos e provavelmente
serão tratados ainda na sequência desta pesquisa a ser disponibilizada no doutorado.
81

disparado da torre de dentro CIDPOL quando ele atravessava de moto a “rampinha” –


lugar por onde passam tubulações de água e esgoto daquela região da favela.
Ele [Carlos Eduardo] veio de moto derrapando aqui nas pedras [no local há
algumas casas em obras e material de construção pelas ruas]. Eu corri
perguntando o que aconteceu, ele caiu e quando a gente olhou já estava ‘tudo
saindo’ [sinaliza com as mãos de forma constrangia], dava pra ver as tripas.
(Relato de moradora colhido em 04/02/2019, em Manguinhos).

Esta não é sua primeira experiência de perda traumática na família Lontra, um dos
tios de Carlos Eduardo foi assassinado por policiais em um dos episódios das Chacinas
da Nova Brasília, que gerou uma condenação ao Brasil na Corte Interamericana de
Direitos Humanos99. O rapaz deixou um filho de cinco anos. Somente após o terceiro caso
de pessoas baleada (que trarei abaixo) é que o caso de Carlos Eduardo chegou à imprensa.
No dia 29 de janeiro, aproximadamente no mesmo horário em que Carlos Eduardo
foi morto, Rômulo de Oliveira da Silva foi baleado também quando passava de moto. De
acordo com os moradores com quem conversei, cerca de 10 minutos antes um jovem de
16 anos foi alvejado pelas costas na altura da lombar quando passava pelo local.
Segundo ele, saiu de casa para comprar água de coco para o filho de poucos meses
de idade quando sentiu o tiro. Outros moradores e comerciantes em uníssono contam que
quando Rômulo passou todos imediatamente o alertaram sobre os disparos que vinham
da torre. Assustado, ele teria tentado dar “meia volta” na moto quando foi atingido no
peito de forma certeira, morrendo pouco tempo depois. Familiares afirmam que quando
chegaram na UPA Manguinhos ele já havia falecido100.
Esses não seriam os primeiros casos de pessoas atingidas e mortas nas mesmas
circunstâncias. Os moradores afirmam que com os casos de Carlos Eduardo, Rômulo e
do sobrevivente, já seriam seis casos. Não existem informações sobre os outros mortos,
mas um jornalista teve acesso à ata de reunião do Conselho Comunitário de Segurança da
região ocorrida em setembro de 2018, na qual um representante da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) manifestava preocupação em relação a pessoas sendo alvejadas por tiros
disparados da CIDPOL101.

99
A chacina na favela Nova Brasília e a condenação do Brasil em Corte da OEA. Disponível em:
https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/462189374/a-chacina-na-favela-nova-brasilia-e-a-
condenacao-do-brasil-em-corte-da-oea. Acesso em: 23 Jun.2019
100
Parentes afirmam que morto em Manguinhos foi baleado por sniper da polícia civil. Disponível em:
https://extra.globo.com/casos-de-policia/parentes-afirmam-que-morto-em-manguinhos-foi-baleado-por-
sniper-da-policia-civil-23414399.html. Acesso em: 23 Jun.2019.
101
Fiocruz denunciou tiros da Cidade da Polícia em direção a Manguinhos em
2018.https://extra.globo.com/casos-de-policia/fiocruz-denunciou-tiros-da-cidade-da-policia-em-direcao-
manguinhos-em-2018-rv1-1-23450829.html Acesso em: 23 Jun.2019.
82

Pessoas que frequentam tais reuniões me relataram durante aquele episódio que
ao realizarem as denúncias no Conselho Comunitário de Segurança, ouviram de um
delegado da região que seria “impossível acertar um alvo em Manguinhos a partir da torre
da CIDPOL. A torre a qual se referem os moradores fica localizada próxima ao muro que
fica na Av. dos Democráticos, rua que dá acesso a várias entradas a favela de
Manguinhos, a distância é de cerca de 250m, como é possível ver nas marcações no mapa:

Figura 12: Captura de tela Google Maps com marcação a partir da localização da torre da CIDPOL até o local das
mortes.

Figura 13: Fotografia ampliada e recorde com a visão que os moradores têm a partir local onde as pessoas foram
baleadas. Acervo pessoal.
83

Ao pesquisar sobre informações acerca do armamento usado pelos atiradores de


elites das policias do Rio de Janeiro, encontrei informações no Jornal O Globo, de que
em treinamento os candidatos ao posto de atirador de elite no estado utilizam o fuzil
modelo AR10, que tem um alcance preciso até de 630m102, ou seja, caso o suposto
atirador fosse realmente da polícia do Rio seria totalmente factível acertar o alvo no local
onde os moradores foram assassinados.
As mortes de Carlos Eduardo e Rômulo geraram grande mobilização dos
moradores que exigiram atuação das Associações de Moradores da região, assim como
de organizações de direitos humanos, da Defensoria Pública e Ministério Público. Como
profissional de uma das organizações envolvidas no acompanhamento do caso, estive
próxima das ações de mobilização desde o dia da morte de Rômulo, quando estive na
localidade da Coréia e encontrei as Mães de Manguinhos mobilizadas em apoio às
familiares dos mortos e moradores impactados com a forma como tudo aconteceu.
Havia uma mobilização para a realização de um protesto na porta da CIDPOL, os
moradores demonstravam revolta e falavam da covardia com que as pessoas eram
atingidas por tiros ali como animais sendo caçados103 e junto com as Mães e outros
moradores, incluindo a presidente de uma das Associações de Moradores do entornou,
decidiu-se que mais seguro a fazer – as pessoas tinham medo de que uma operação de
vingança acontecesse caso o ato se tornasse violento – seria uma grande mobilização de
instituições locais e externas para que os moradores pudessem realizar uma manifestação
que garantisse visibilidade e segurança.
No dia aconteceu uma reunião pela manhã com a presença de representantes da
DPERJ, Mandatos parlamentares104, da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da
Alerj (CDH ALERJ) que organizou uma visita in loco da Defensoria Pública a partir do
Circuito Favelas Por Direitos onde colhi os relatos dos moradores que muito
amedrontados se recusaram a prestar depoimento sobre os casos.
Pude também acompanhar os depoimentos de familiares das vítimas que por
segurança foram realizados diretamente ao Ministério Público Estadual, assim como os
passos posteriores como a perícia realizada no local pela própria Polícia Civil –

102
Atirador usado em casos extremos tem que acertar 100% dos disparos. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/rio/atirador-usado-em-casos-extremos-tem-que-acertar-100-dos-disparos-
23203366. Acesso em: 23 Jun.2019.
103
‘Eles são os caçadores e nós somos os bichos aqui embaixo’, diz moradora que escapou de snipers.
Disponível em: https://blogdacidadania.com.br/2019/04/eles-sao-cacadores-e-nos-somos-bichos-aqui-em-
baixo-diz-moradora-que-escapou-de-snipers/. Acesso em: 23 Jun.2019.
104
Estavam presentes os Mandatos das Deputadas Estaduais Mônica Francisco e Renata Souza.
84

responsável pela CIDPOL – e o Ministério Público por meio do Grupo de Atuação


Especializada em Segurança Pública (GAESP)105 que constatou haver “ponteiras” para
colocação de armas em direção à favela, mas sem campo de visão a partir delas. Os
moradores, por outro lado afirmam que avistavam com frequência pessoas no alto da
torre. De acordo com o laudo pericial realizado no corpo de Rômulo, o tiro que o atingiu
veio de cima para baixo o que indica que pode sim ter sido um tiro disparado do alto da
torre da CIDPOL106.
Ainda que os casos relatados tenham gerado mobilização da opinião pública a
utilização de atiradores de elite na cidade não é algo novo, é um uso reconhecido pelas
favelas do Rio de Janeiro há algum tempo de forma legal e ilegal. Em 25 de setembro de
2009, uma comerciante foi feita refém na Tijuca, bairro da Zona Norte da cidade do Rio
de Janeiro. Um rapaz negro segurava uma granada, ameaçava explodi-la enquanto
segurava a mulher pelo pescoço. A cena na qual o atirador dá um tiro certeiro
“neutralizando” o sequestrador foi transmitida no dia seguinte pela TV107.
Em junho de 2010, um vídeo foi publicado na internet – e se tornou notícia, mas
as imagens datavam do dia 20 de setembro de 2009– homens gravam o momento em que
miram, escolhem a vítima, fazem uma contagem e atiram acertando o alvo na cabeça. A
situação aconteceu em um morro do Centro da cidade do Rio de Janeiro. No áudio é
possível ouvir os atiradores rindo e fazendo piadas quando decidem quem vai morrer:
Um, dois, três. Olha o outro “mané”. Que delícia, peguei, “mané”108.
Os dois casos acima são representativos em relação ao que venho afirmando ao
longo do texto, todos representam de alguma maneira a violência vivida por moradores
de favelas e bairros periféricos e em grande medida a atuação privilegiada do Estado

105
Perícia examina local onde vítimas teriam sido atingidas por snipers em Manguinhos. Disponível
em: https://oglobo.globo.com/rio/pericia-examina-local-onde-vitimas-teriam-sido-atingidas-por-snipers-
em-manguinhos-23461711. Acesso em: 23 Jun.2019.
106
Snipers em Manguinhos: laudo revela que disparo que matou porteiro veio de cima. Disponível em:
https://extra.globo.com/casos-de-policia/snipers-em-manguinhos-laudo-revela-que-disparo-que-matou-
porteiro-veio-de-cima-23599597.html. Acesso em: 23 Jun.2019.
107
Cf. Atirador de elite (sniper) mata sequestrador no Rio. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=2bUZWf5W-ms. Acesso em: 23 Jun. 2019. A título de “curiosidade”
João Jacques Busnello que naquele momento virou um herói reconhecido pela população, anos antes fora
apontado como sendo responsável pelo homicídio que deu fim à vida de Wallace de Almeida, jovem negro
de 18 anos, morador do Morro da Babilônia em 1998, caso denunciado à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) em 2007. Caso Wallace de
Almeida. Disponível em: http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2015/09/2007-caso-wallace.pdf.
Acesso em: 23 Jun.2019
108
‘Tiro certeiro em traficante (vídeo completo)/ Sniper shoots a straight shot at the smuggler. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=qaBbRy32YIw. Acesso em: 23 Jun.2019.
85

enquanto agente direto ou omisso em relação a tais casos. Além disso, os casos trazidos,
buscam também demonstrar que a despeito da exacerbação dos discursos de ódio e
fomentadores da violência estatal vindos de autoridades públicas que vimos avançar nos
últimos anos, não são nada além do que a apropriação e explicitação sem
constrangimentos do que na prática acontece há décadas já sob a égide do Estado
democrático de Direito, como busquei apontar no Capítulo 2.
Essa prática reiterada de assassinar pessoas em supostas ações legalmente
legítimas, como no caso em que a vítima teria sido morta em confronto ou socialmente
legitimas por se tratarem de mortes de supostos criminosos, perpetuou na sociedade
brasileira, pelo menos desde os anos 1970, e está baseada na ideia de bandido bom é
bandido morto109, portanto sendo criminosa, a pessoa pode ser morta por uma agente da
lei ou um cidadão de bem, mesmo que isso seja ilegal e criminoso.
Importa lembrar: cerca de 75% das pessoas mortas pelas polícias no Brasil
contemporâneo são negras, uma permanência histórica importante, se considerarmos que
em comparação, para cada pessoa não-negra110 assassinada, tem-se uma proporção de 2,7
pessoas negras (IPEA, 2019)111. Há um processo de extermínio de pessoas negras, que dá
corpo à necropolítica da qual falamos, e que por outro lado configura o que se aponta
como o genocídio negro ou antinegro (FLAUZINA 2008; SILVA, 2009; ROCHA, 2014;
NASCIMENTO, 2016; WERNEK, 2017) em curso no país. Genocídio porque não se
trata de:
[...] um fato isolado, [ou] uma aberração contabilizável e potencialmente
enquadrável dentro dos moldes acadêmicos e jurídicos como os da ONU. Ao
contrário, o genocídio [que] é fundamento de uma ordem mundial, na qual a
morte e a exclusão de grupos específicos [que] é normativa. Nesta ótica, as
lutas cotidianas e organizadas contra o abuso policial e a segregação
residencial, por exemplo, tornam-se insurreições contra essa ordem mundial
genocida. [...] (FLAUZINA; VARGAS, 2017, p.6)

Nesse tocante, no campo da Segurança Pública as mortes de pessoas que vivem


nos territórios favelados dizem respeito exatamente à toda uma construção histórica que

109
Em 2015 fora realizada uma pesquisa que afirma que 50% da população concorda com a frase em
questão. Segundo pesquisa, 50% da população concorda que bandido bom é bandido morto.
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-10/segundo-pesquisa-50-
da-populacao-concorda-que-bandido-bom-e-bandido. Acesso em: 20 Jun.2019.
110
Utilizo aqui que não concordo, neste caso, do uso feito pelo Atlas, do termo “não-negra” uma vez que é
muito complexa a composição racial no Brasil, havendo um sério risco ao se colocar na mesma categorias,
pessoas brancas e indígenas principalmente se considerarmos o genocídio que dizimou os povos originários
desde o famigerado descobrimento.
111
Atlas da Violência - 2019 Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_20
19.pdf. Acesso em: 29 Set.2019.
86

passa, entre outras coisas, ideia de que pessoas negras são natural ou patologicamente
criminosas (SHWARCZ, 1993), e que, portanto devem ser mortas pelo Estado.
Estudos históricos demonstram que a ideia de que pessoas negras são criminosas
foi também construída de forma organizada – como diria Ana Paula sobre o terrorismo
imposto nas favelas –, ou seja, com intencionalidade. Houve uma preocupação das elites
brasileiras em controlar as populações negras e mesmo antes da abolição a polícia naquele
momento já tinha um papel fundamental no processo de controle urbano de uma
população que seria liberta e não estaria mais no centro do fornecimento da força de
trabalho, mas seguiam no imaginário das elites gerando medo, como afirma Azevedo
(1987):
Os homens de elite, que desde o início do século XIX começaram a formular
uma série de propostas relativas à instituição do mercado de trabalho livre em
substituição ao escravo, não sabiam decerto em que solução resultaria o
problema que tanto os angustiava. Suas falas previdentes e planejadoras estão
presentes no primeiro capítulo deste livro, deixando entrever todo um
imaginário perpassado pelo medo, pela tensão sempre presente nas relações
entre ricos e proprietários brancos e miseráveis negros e mestiços escravos ou
livres. [...].(Idem, , p.28)

Com o passar do tempo, as polícias e as forças militares estatais de uma maneira


geral, foram tendo seus estatutos jurídico-formais alterados conforme o poder instituído
foi assumindo formas jurídicas diversas. Essas alterações tiveram implicações práticas,
como é o a instituição dos “autos de resistência”. Quando a violência de Estado passou a
atingir ainda mais duramente as populações pobres que foi a Ditadura Civil-Militar
iniciada em 1964 – essa justificativa formal para a execução de pessoas, foi instituída em
1969112.
Um longo percurso que envolveu discursos político-jurídicos, alterações
legislativas, e conjunturas diversas na economia nos levaram ao atual estágio de
militarização onde a principal bandeira se tornou a “segurança”, que ao longo das últimas
décadas impuseram a morte, como demonstra Farias (2007; 2014; 2015a; 2015b) como
uma forma de gestão para as populações faveladas.
E reverberam nos números atuais de homicídios cometidos por policiais no Rio
de Janeiro. Em 2019, 1.810 pessoas foram assassinadas pelas polícias no Rio de Janeiro,

, 112De acordo com o Relatório Final da CPI dos Autos de Resistência, esse procedimento administrativo,
o “auto de resistência”, foi institucionalizado em 1969, através da Ordem de Serviço “N”, nº 803 de 02 de
outubro, e o primeiro caso registrado em 14 de novembro de 1969. Relatório da CPI dos Autos de
Resistência.Aprovado e publicado no Diário Oficial de 23 de novembro de 2016 a partir da p.23. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/131425291/doerj-poder-legislativo-23-11-2016-pg-
26?ref=next_button. Acesso em: 29 Set.2019
87

segundo os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Dado que tem sido
desmembrado nos últimos meses, sendo o número de homicídios cometidos nessas
circunstâncias, retirado da contagem geral dos homicídios dolosos113.
As situações de homicídios cometidos por policiais em uma suposta situação de
confronto114 acabam não sendo investigadas, ou sendo mal investigadas e arquivadas
como demonstrado por Misse (2011). Contribuindo para que a impunidade em relação
aos agentes públicos envolvidos nesses casos seja um fator fundamental para a
continuidade dessas violações, como afirma o relatório do Centro de Justiça Global e do
Núcleo de Estudos Negros (2003, p.7):
O Relatório [...] aponta que episódios internacionalmente conhecidos como
Eldorado dos Carajás, Candelária, Carandiru, Corumbiara e Favela Naval são
expressões máximas de uma sistemática de expressões máximas de uma
sistemática de extermínio e opressão perpetrada diariamente, direta e
indiretamente, por agentes do Estado. [...]
[...] A impunidade gozada por aqueles que cometem esses crimes é um fator
fundamental para a continuidade das violações de direitos humanos no Brasil,
principalmente, nos casos de execuções sumárias.

Farias (2014; 2015b; 2015a) ao discutir a burocracia estatal relacionada aos


processos que envolvem autos de resistência, identifica que certas práticas de
governamentabilidade estão diretamente ligadas às instituições que são acionadas por
familiares de vítimas, sendo essa burocracia reconhecida por ela como um elemento chave
para pensar o que ela chamou de “governo de mortes” (FARIAS, 2014), o que por outro
lado é a base do que estamos chamando de necropolítica (MBEMBE, 2016) aplicada às
favelas.
As mobilizações de familiares passaram a ocorrer ainda na década de 1990. Um
caso emblemático é trazido na tatuagem na pele, com a foto do filho, nas camisetas, faixas
que José Luiz, O Pai do Maicon, carrega desde 1996 na luta para que o Estado seja
responsabilizado pela morte do filho que aos dois anos de idade foi morto com um tiro
disparado por um policial que alegou estar em confronto115, em uma época em que havia
no Rio de Janeiro a chamada “gratificação faroeste” citada por Misse (2011).

113
Para detalhes sobre os índices, ver: Homicídio doloso tem queda de 21% no acumulado do
ano.https://www.isp.rj.gov.br:4431/Noticias.asp?ident=426. Acesso em 29 Set.2019.
114
Um dado interessante é que a nomenclatura oficial para “homicídio decorrente de oposição à intervenção
policial” efetivada no estado do Rio de Janeiro por via da Resolução nº 553/2011 e recomendada
nacionalmente em 2012 pelo então chamado “Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana” através
da Resolução nº08 de 21 de dezembro, não alterou o modus operandi dos agentes envolvidos em tais caso
115Vinte anos após a morte do filho pela PM, pai diz que crime não pode ser esquecido. Disponpivel em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/trabalhador-nao-quer-que-morte-do-filho-seja-esquecida.
Acesso em: 18 Ago. 2019.
88

Outros casos aconteceram, mas em 2003 mais um caso emblemático se tornou


alvo de pesquisas, trazendo os “autos de resistência” em destaque. A Chacina do Borel,
documentada no Relatório da Justiça Global e do Núcleo de Estudos Negros (2003),
objeto das reflexões de Farias (2014) aconteceu no Morro do Borel, no bairro da Tijuca,
e teve quatro vítimas fatais que não puderam sequer se identificar e que como a maioria
das vítimas dos casos de “auto de resistência” seguem sob forte criminalização produzida
como legitimação de seu assassinato. Após 16 anos da chacina, os policiais envolvidos
no caso, mesmo com inúmeras provas documentais e periciais, foram absolvidos116 em
um julgamento marcado pela desqualificação moral das vítimas e da localidade onde o
fato aconteceu (FARIAS; VIANNA, 2011).
Como demonstram Farias (2007; 2014; 2015), Farias e Vianna (2011), esse
procedimento administrativo, que na prática ganha vultos de ação direta, instrumento
político de criminalização e de criação de sujeitos morais matáveis, tira não somente a
vida da vítima direta, mas impacta todo círculo familiar sanguíneo e afetivo que também
ficou explícito na fala das Mães de Manguinhos ao explicitarem o que entendem por
terrorismo de Estado.
E dizem respeito a práticas estatais genocidas são racial e espacialmente
determinados, destinadas aos matáveis dentro da gramática necropolítica das pessoas que
vivem nas favelas e periferias, que podem por outro lado ser chamados de territórios de
genocídio e resistência (ZIBECHI, 2015). Esse território, onde as mulheres e
especialmente Mães, ferem o território – como diria Adriana Vianna – marcando na
paisagem da favela a memória de seus filhos e outras pessoas vitimadas de forma letal
pela ação do Estado117.

2.2 Os filhos das Mães de Manguinhos:

116Em novo Júri, policiais envolvidos na Chacina do Borel (RJ) são absolvidos. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2018/11/26/em-novo-juri-policiais-envolvidos-na-chacina-do-borel-rj-sao-
absolvidos/. Acesso em: 29 Set.2019.
117
Adriana Vianna, professora do Museu Nacional, apoiadora do movimento de Mães e Familiares chamou
atenção para a importância da ação das mães nos atos realizados em seus territórios de moradia.
89

A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos foi instalada no final do


ano de 2012 e inaugurada de fato em 2013118, e já nos primeiros meses fez sua primeira
vítima, Matheus de Oliveira Casé, de 16 anos. Taioba, como era conhecido pelos amigos
foi morto em uma praça da localidade Vila Turismo, que hoje é chamada pelos moradores
de Pracinha do Matheus. O caso aconteceu em 17 de março de 2013. Segundo me
contaram os amigos de Matheus, eles estavam na praça quando policiais da UPP passaram
e diante do riso e da diversão grupo os acusarem de estar tirando onda com a cara deles,
como se os adolescentes estivessem debochando dos policiais.
Estive no local no dia seguinte a morte e fui informada de que o policial agrediu
Matheus com um soco e uma arma de eletrochoque que o desmaiou. Ele foi socorrido
pelos próprios moradores e morreu na UPA. Naquela tarde pouco antes de eu chegar a
PMERJ havia ido a praça onde tudo aconteceu gerando revolta entre os moradores
presentes119. A Rede Record de TV estava no local e filmou a chagada da polícia assim
como disparos letais em direção às pessoas que protestavam120. Naquele mesmo dia, o
comando da UPP usou em entrevista as mesmas frases que viria a usar meses depois ao
falar sobre a morte de Paulo Roberto, de que a informação recebida na UPA foi que ele
não tem qualquer marca de violência e de que possivelmente o óbito foi em virtude do
uso de drogas.
Matheus era um jovem negro, órfão de pai e mãe que vivia com a avó idosa, sua
mãe que era portadora do vírus HIV havia falecido cerca de um mês antes. Uma das tias
de Matheus, que acompanhou as denúncias acerca da morte do jovem, se mudou e os
moradores contam que ela recebeu ameaças de policiais após o caso de Matheus ter sido
levado à grande mídia. Assim, não se sabe ao certo qual o encaminhamento dado ao caso.
No dia do sepultamento de Matheus, os moradores levaram cartazes questionando a
política de segurança implementada com as UPPs e cobravam das autoridades
competentes explicações sobre tal política e traziam outras vítimas de UPPs de outros

118
Um estudo detalhado sobre a invasão militar de Manguinhos e seus impactos, assim como sua relação
com intervenções urbanas e os megaeventos citados brevemente no Capítulo 2 desta dissertação, ver Barros
(2016).
119
Reportagem do Jornal A Nova Democracia. ‘Manguinhos: Jovem é eletrocutado por PMs e população
se levanta contra UPP’. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=6QJcXjOVtas&list=PL5lu3pauGyVhegGRsL6WFNNDWvoY4gGL
b&index=2&t=0s Acesso em: 22 Jun.2019.
120
‘Após morte de jovem moradores confrontam policiais em Manguinhos RJ’. Disponível:
https://recordtv.r7.com/jornal-da-record/videos/apos-morte-de-jovem-moradores-confrontam-policiais-
em-manguinhos-rj-06102018 Acesso em: 05 Jun.2019.
90

lugares da cidade e as justificativas dadas de imediato pela PMERJ para a morte de


Matheus.

Figura 14: Cartazes produzidos pelos jovens amigos de Matheus no dia de seu sepultamento. Março/2013. O primeiro
citando a política de morte envolvida na atuação das UPPs de outros locais da cidade. Acervo pessoal

Figura 15: Na primeira foto, cartaz produzido pelos amigos de Matheus com fotografias de vítimas das UPPs de
outros lugares do Rio. Na segunda fotografia, o desejo de justiça divina. Acervo pessoal.
91

O Fórum Social de Manguinhos (FSM), em conjunto com o Fórum de Juventudes


do Rio de Janeiro (FJRJ), organizaram um ato político de ocupação da Secretaria de
Segurança do Estado do Rio de Janeiro (SESEG), localizada na Central do Brasil. Os
cartazes levados pelos ativistas de vários movimentos sociais que participaram do ato
foram produzidos em Manguinhos, na praça onde Matheus foi morto; aquele foi o
primeiro ato em memória de uma vítima da UPP em Manguinhos.

Figura 16: Cartaz convidando a comunidade a fazer parte da oficina de cartazes para a ocupação da SESEG, após a
morte de Matheus Casé. Março/2013.

Muitos atos vieram depois e infelizmente passaram a ser realizados em


Manguinhos. Vários movimentos sociais participaram. Foi um ato cultural que reuniu
muitas crianças da favela de Manguinhos e de outros locais:

Figura 17: Ato político realizado pelo FSM e FJRJ com a participação de ativistas de movimentos socais e
organizações de Direitos Humanos. Acervo pessoal.
92

O segundo homicídio cometido por policiais da UPP Manguinhos, ocorreu em 17


de outubro de 2013. Paulo Roberto Pinho de Menezes foi morto aos 18 anos por asfixia
mecânica. Nego (como é chamado pela família e pelos amigos desde pequeno) é filho de
Fátima Pinho, cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos. Por ter passagem pelo
sistema socioeducativo, ele era frequentemente abordado de forma violenta por policiais
da UPP Manguinhos. A mãe e os irmãos contam que o policial que o apreendeu meses
antes no Centro da cidade seria do quadro da UPP de Manguinhos.
Nego foi morto perto de casa, quando foi abordado de forma violenta por policiais
na localidade da Coreia. Uma das testemunhas contou em depoimento na audiência de
instrução do caso que os policiais mandaram os quatro – Paulo e outros três amigos –
encostarem na parede para serem revistados e que naquele momento um dos policiais deu
três tapinhas no ombro de Paulo dizendo tá lembrado de mim, não? Lá do campo. Tava
tu e teus amigos lá, tava zoando a polícia. No dia seguinte ainda estavam as marcas de
sangue121.
Fátima Pinho contou tanto em depoimento, quanto nas inúmeras entrevistas que
deu à imprensa, que seu filho deu seu último suspiro em seu colo, familiares inclusive
fotografaram o rosto de Paulo Roberto no velório, para demonstrar que havia muitos
hematomas em seu corpo. Em sua fala pública no protesto feito em Manguinhos, ela
contou como tudo aconteceu:
[...] Por que meu filho? Por perseguição! Meu filho não podia passar
na Coréia [localidade próxima à residência da família Pinho] que o tal
de Martelo [apelido de um dos policiais da UPP], ‘jurava’ meu filho.
Então, ele, passava pra um, passava pra outro ‘os moleque rebelde’
que tinha na comunidade, que ele chamava. Apontou um por um e falou
que eles iam morrer de madrugada. Infelizmente eles conseguiram
pegar meu filho e matar lá no beco. Agora meu filho, passa como
traficante, usuário de droga, se ele tinha ou não passagem, não
justificava o que eles fizeram com meu filho. Estando usando droga
ou não, não justificava ele levar meu filho pro beco e matar. Eles
tinham que abordar, levar para delegacia para ser preso. Isso se ele
estivesse usando mesmo, agora falar que ele estava com frasco de loló
[tipo de substância psicoativa inalável]?! Meu filho deu duas respiradas
e morreu no meu colo. E não estava com nada. Estava com nada!! Eles
falaram que chamaram a SAMU, não ligaram pra SAMU. A única coisa
que eu quero é que a polícia investigue isso direito. Se eles ligaram
mesmo, se eles não ligaram, foi omissão de socorro que fizeram com o
meu filho. Eles não socorreram meu filho, pro meu filho morrer lá no
beco. Pra ser mais um, jogado no chão, como estava lá. Encontrei meu
filho jogado no chão. Encontrei meu filho ‘que nem’ um bicho jogado
no chão. todo molhado, com sangue na boca. As meninas falaram que

121
Nas imagens da reportagem do Jornal A Nova Democracia, crianças e adolescentes que vivem no local
mostram as marcas na parede onde os policiais teriam batido com a cabeça de Paulo Roberto. Jovem é
Morto por PMs e moradores se revoltam na favela de Manguinhos (RJ). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=e3Tr5ezOcfM. Acesso em: 22 Jun.2019.
93

eles tacaram a cabeça do meu filho na parede. Cheio de sangue, a


cabeça do meu filho, ele estava lá no chão. Respingado de sangue a
parede. Eles não podiam fazer isso com meu filho, por que não
prenderam meu filho? Por que não levaram todo mundo junto pra
delegacia? Separou meu filho dos meninos e levaram meu filho pro
beco, para espancar meu filho. O menino falou, tia, o Nego levantou a
mão [e disse] sem violência, e ele já começou a espancar o meu filho.
Espancou meu filho até a morte, quando eu cheguei lá meu filho deu
dois suspiros, só, eles estavam lá de fachada com meu filho, eles
sufocaram meu filho com um pano sujo que estava lá na cabeça do meu
filho. “Não mãe, isso aqui é pra não ficar com a cabeça no chão” [disse
o policial a ela]. Ele já tinha matado meu filho sufocado lá, entendeu?
E falou que meu filho chegou vivo na UPA, meu filho não chegou vivo,
meu filho chegou morto. E a UPA foi negligente com meu filho, sabe
por quê? Falaram que estavam tentando ressuscitar meu filho há uma
hora, meu filho já chegou morto. Eles não ressuscitaram nada! E uma:
eu queria entrar com a minha nora pra ver meu filho e eles não
deixavam. Só quem entrava era o cara da UPP. Toda hora entrava um
cana[policial]. entrava um cana, saia um, comunicava com outro
entrava outro, pra ver a merda que eles fizeram lá. Porque quando eles
encurralaram meu filho no canto, falou assim pro outro [e faz um sinal
de uso de telefone] ‘fizemos merda! fizemos merda!’, porque eles
mataram meu filho no beco. E não vai ficar assim, o que eu puder
fazer pelo meu filho, eu vou fazer agora. (Depoimento de Fátima Pinho
aos presentes na manifestação realizada no dia 17/10/2013, em
Manguinhos)

Segundo os laudos do processo judicial, Nego morreu às 2h da manhã do dia


17/10/2013. Na manhã daquele mesmo dia, houve um confronto entre os policiais da UPP
(inclusive policiais à paisana) e jovens revoltados com a morte do amigo que enquanto
atiravam pedras, recebiam tiros. Eu estava em meu posto de trabalho no Museu da Vida122
quando recebi um telefonema me avisando do que estava acontecendo, uma das pessoas
da minha equipe não conseguiria chegar porque Manguinhos estava como um campo de
guerra.
Ao conversar sobre aquilo com colegas, uma delas me disse que estava havendo
uma assembleia na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), ligou pra um amigo que
lá estava e ambos foram assertivos ao dizerem que era importante que eu, como membro
do Fórum Social de Manguinhos, fosse lá e aproveitasse aquela mobilização para impedir
mais mortes.
Chegando na ENSP, encontrei uma importante liderança local que angustiada
dizia que não podia deixar que seu povo passasse por aquilo (a violência da polícia para
conter a revolta dos jovens amigos de Paulo) sem fazer nada.Eu e ela concordamos que a
Fiocruz tinha responsabilidade já que é uma instituição federal que está baseada naquele
território sobre o qualfez pesquisas em diferentes campos da saúde e da vida social dos

122
Departamento da Casa de Oswaldo Cruz, uma das unidades da Fiocruz.
94

moradores dali, e que portanto deveria ser mobilizada em prol da vida daquelas pessoas.
Nossa avaliação era de que se não fizéssemos nada, mais pessoas morreriam.
Naquele momento um emaranhado de situações se apresentava: no Parque João
Goulart (localidade onde vive a família de Nego), uma mobilização de jovens negros
contra a violência letal do Estado que assassinou Paulo Roberto de sobrenome Pinho; na
ENSP, uma mobilização de pesquisadores de maioria branca contra a prisão arbitrária, de
outro Paulo Roberto, de sobrenome Bruno, realizada durante as conhecidas Jornadas de
Junho123 pela mesma PMERJ que matou Nego.
Após uma fala emocionada na assembleia da ENSP, me dirigi para Manguinhos e
encontrei uma rebelião: os meninos com pedras, os policiais fardados e à paisana com
armas em punho disparando. Encontrei duas amigas membras do Fórum de Manguinhos,
travessei as ruas pelo campo de futebol, encontrei algumas pessoas conhecidas, fui levada
até a casa de Fátima onde havia outro grupo de policiais fardados.

Figura 18: Tenente da UPP Jacarezinho acompanha manifestação de moradores ao lado de policiais fardados e à
paisana com armas em punho. Foto: Patrick Granja, Jornal A Nova Democracia

Quando chegamos, a família Pinho automaticamente se mobilizou para falar com


os policiais. Os adolescentes amigos de Nego, reunidos, pediam proteção dizendo tia, só
queremos passar, e eles não deixam. Negociamos que não se atirariam mais pedras e

123
‘Professor da Fiocruz detido durante manifestação descreve regime de terror’. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/noticia/professor-da-fiocruz-detido-durante-manifestacao-descreve-regime-de-
terror. Acesso em: 23 Jun.2019.
95

assim poderíamos ir todos juntos até a área mais aberta onde se encontravam também os
policiais.
Nesse momento vi um policial, um homem alto, branco, com um fuzil encostado
no peito de uma das irmãs de Paulo Roberto. O policial gritava que aquela menina, de
pouco mais de um metro e meio de altura, teria atirado uma garrafa (de plástico vazia)
em sua direção (o policial apontou a garrafa no chão quando questionei o que estava
acontecendo). Ele falava como se houvesse uma “paridade” em relação às armas usadas
e o ataque sofrido.
Nos apresentamos aos policiais – um deles tenente da UPP do Jacarezinho –
tentando usar algum argumento de autoridade nos apresentamos como pesquisadoras da
Fiocruz e membras do movimento social local.
Aquela confusão durou a tarde toda até o momento em que os acionamentos que
fizemos tiveram efeito: em determinado momento chegaram também agentes de outros
órgãos como a então assessora da CCDH Alerj, Marielle Franco e alguns pesquisadores
da própria Fiocruz. Fomos informadas de que o então presidente da Fiocruz, Paulo
Gadelha, havia entrado em contato pessoalmente com a então Chefe de Polícia Civil
Delegada Marta Rocha com o então governador Sérgio Cabral Filho, informando que
iriam a Manguinhos.
Os jovens ainda reunidos sobre os dutos de água – os mesmos nos quais em 2019
pessoas foram atingidas por tiros disparados por sniper –, cantavam o Rap da
Felicidade124 enquanto mostravam os bolsos, alguns diziam que os policiais eram mortos
de fome que não tinham vergonha de tirar, moeda de um real de seus bolsos.
Os assassinatos de Matheus e Paulo Roberto em 2013 demonstravam para a
população que apesar da nova conjuntura imposta pela presença permanente de um novo
ator armado no território que alterava o cenário e as forças presentes (BARROS, 2016),
não teriam o trato recebido desde sempre pelos moradores por parte das polícias. No dia
seguinte uma grande manifestação foi organizada pelo FSM com a presença de outros
movimentos sociais, pesquisadores e estudantes da Fiocruz. Muitas faixas que pediam
Pelo Fim da UPP! e falavam contra a criminalização dos movimentos sociais nós
caminhamos pela favela, e fomos ao local onde Paulo Roberto foi morto.

124
Rap da Felicidade (1990), é um clássico do funk carioca de autoria dos MCs Cidinho e Doca que
representa o desejo de todo favelado desde sempre. Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela
em que eu nasci. 25 anos depois, ‘Rap da Felicidade’ segue atual, defendem Cidinho e Doca. Disponível
em: https://oglobo.globo.com/cultura/musica/25-anos-depois-rap-da-felicidade-segue-atual-defendem-
cidinho-doca-23872253. Acesso em: 07 Dez.2019.
96

Figura 19: Manifestação após o assassinato de Paulo Roerto realizada pelo Fórum Social de Manguinhos teve a
presença de muitos movimentos organizados, das favelas, coletivos de estudantes e moradores de Manguinhos. Foto:
Rachel Barros e Vik Bierkbeck.

Os moradores de Manguinhos ao longo do caminho falavam alto sobre as muitas


violências – agressões físicas e morais, desrespeito com as mulheres, agressões a crianças
–para que fossem ouvidos pelos “de fora”. Falavam sobre as invasões de domicílio,
prisões arbitrárias, xingamentos, violência sexual e moral contra mulheres e meninas,
muitas coisas eram ouvidas, mas quando questionadas se desejariam contar para os
jornalistas presentes, a maioria alegava sentir muito medo da polícia e não acreditar na
justiça e que isso aí [a morte de Nego] vai dar em nada!
Nos dias em que finalizo esta dissertação, recebemos no FSM a notícia de que os
policiais que assassinaram Nego foram condenados pela Justiça Militar e que o
depoimento das testemunhas foram cruciais. De acordo com a decisão judicial, a qual tive
acesso pela família, ao passo que os policiais entraram em contradição muitas vezes entre
si, e em seus próprios depoimentos (realizados ao longo do processo que levou seis anos),
os moradores, mesmo anos depois do ocorrido, mantiveram seus depoimentos
inalterados, inclusive em seus detalhes. Desde então, Fátima passou a compor o FSM.
97

Meses depois da morte de Paulo Roberto, em maio de 2014 o PM Alessandro


Marcelino de Souza, assassinou, com um tiro nas costas o jovem Johnatha de Oliveira
Lima125. O filho de Ana Paula de Oliveira tinha 19 anos quando foi atingido durante uma
confusão entre moradores e policiais da UPP Manguinhos. Ana Paula conta que Jhonatha,
como sempre fazia, lhe deu um beijo e saiu para levar a namorada em casa e para deixar
um doce preparado pela mãe na casa da avó, na mesma localidade e foi baleado na volta
durante um tumulto. Os moradores da localidade Parque João Goulart, entre eles Fátima
Pinho, que foi testemunha do caso e contou que a confusão foi iniciada pelos próprios
policiais que abordaram de forma truculenta crianças que brincavam na rua, gerando
revolta nos moradores.
Inicialmente uma policial mulher foi apontada como responsável pelo disparo que
matou Jhonatha, fato desmentido após os exames de balística que demonstraram que o
tiro partiu da arma utilizada pelo policial Alessandro, que em seu primeiro depoimento
afirmou que sequer estava com a guarnição no momento do homicídio. Ao que tudo
indica, assim como está registrado em vídeo que circulou por meio da TV Record, quando
da morte de Matheus Casé, a situação que vitimou Jhonatha aconteceu em meio à rebelião
de moradores que receberam tiros como resposta às pedras.
No dia em que Jhonatha foi morto houve uma grande comoção e aquelas pessoas
que já estavam rebeladas pela violência policial nas abordagens violentas, rebelaram-se
de forma ainda mais forte. A favela se tornou um campo de guerra e a polícia foi ainda
mais violenta. Foram horas de mais violência policial armada de um lado e, a resistência
das pedras de outro, fato que chegou a ser televisionado e acompanhado por helicópteros
de emissoras de TV126.
Quando Ana Paula Oliveira perdeu seu filho, eu estava na Praça do Matheus com
amigos. Recebi as notícias pelo celular e uma fotografia de Jhonatha na UPA de
Manguinhos que circulava indiscriminadamente nas redes sociais, afirmando que ele era
um “traficante da favela de Manguinhos morto em confronto”. A fotografia e a “notícia”
estavam na página de Facebook de uma jornalista muito famosa por se apresentar como
defensora dos policiais, mas que sempre faz postagens de cunho racista expondo pessoas

125
PM que matou jovem com tiros nas costas em favela do Rio cai em contradição. Disponível em:
https://ponte.org/pm-que-matou-jovem-com-tiro-nas-costas-na-favela-de-manguinhos-no-rio-cai-em-
contradicao/. Acesso em: 09 Jun.2019.
126
Algumas dessas imagens estão disponíveis no documentário Cada Luto, uma luta, que teve como
diretora e roteirista Ana Paula Oliveira – mãe de Johnatha – e Vitor Ribeiro, midiativista da produtora
Rio40Caos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qDyyoYgYsaY. Acesso em: 20 de Jun.
2019.
98

que ela afirma serem “criminosas” (quase sempre negras),sem mesmo ter a confirmação
de que as mesmas sejam criminosas, as expondo em redes sociais irresponsavelmente127.
Aquela postagem me deixou extremamente irritada e triste. Ao buscar saber quem
eram os familiares daquele rapaz, descobri a proximidade na vizinhança e me senti na
obrigação de prestar apoio, de dizer que já tínhamos vivido momentos difíceis e que
sabíamos a quem acionar para obter apoio jurídico. Àquela altura, já sabíamos da
criminalização que se organizava em torno do nome de Jhonatha, fato que Ana Paula e
suas familiares enfrentariam algum tempo depois nas audiências de instrução e
julgamento, onde os acusados e a defesa alegavam que Jhonatha pertencia ao tráfico da
comunidade e que era conhecido pelos policiais. E utilizavam o texto de praxe para casos
como esse: foi morto em confronto.
O caso de Johnatha é bastante emblemático no que tange à deslegitimação das
pessoas faveladas enquanto testemunhas em crimes de homicídio cometidos por policiais.
Por ser muito querido entre os moradores da favela de Manguinhos, muitas pessoas
procuraram por Ana Paula se oferecendo para depor sobre o que ocorreu naquele fim de
tarde de 14 de maio. Houve uma grande comoção para que a verdade sobre o assassinato
de Jhonatha viesse à tona. Contudo, por serem moradores da favela onde tudo aconteceu
e estarem “acusando” um policial, a fala daquelas pessoas era frequentemente
deslegitimada em relação ao acontecido pela defesa dos policiais, como demonstram
Vianna e Farias (2011) no caso da Chacina do Borel.
Pouco mais de um mês depois do assassinato de Johnatha, no dia 18 de junho de
2014 mais um homicídio foi cometido por um policial em Manguinhos, também na
localidade Parque João Goulart. Afonso Mauricio Linhares, 29 anos, arbitrava em um
jogo de futebol no Campo do Society quando foi baleado no rosto128. Ele morreu na hora.
Alguns jornais no dia disseram que o rapaz foi morto durante uma troca de tiros entre
policiais e traficantes, mas os moradores dizem que essa é mais uma mentira dos policiais
da UPP de Manguinhos em suas versões oficiais. Os moradores do entorno dizem que
Afonso foi atingido após sair do campo para pegar a bola do jogo.
A família de Afonso vive o luto longe da luta política das Mães, mas autorizaram
o uso de sua imagem na bandeira das Mães de Manguinhos e a colocação de seu nome na

127
Roberta Trindade RJ – Página do Facebook. Disponível em:
https://www.facebook.com/RobertaTrindadeRJ/. Acesso em: 07 Dez.2019.
128
‘UPP chegou para matar trabalhador’. Disponível em: https://anovademocracia.com.br/no-133/5430-
upp-chegou-para-matar-trabalhador. Acesso em: 09 Jun.2019.
99

placa instalada por elas ao lado do campo de futebol. Algum tempo depois, a família toda
se mudou e os vizinhos contam que o fizeram porque não querem se envolver com a
polícia por medo, já que sua casa ficava em frente ao campo onde ele foi morto.
No ano seguinte, em 15 setembro de 2015, mais um homicídio foi cometido por
um policial da UPP. O Soldado Flávio Magno Padilha de Lima129 matou Christian de
Andrade, de 13 anos de idade, no mesmo campo de futebol onde Afonso Maurício foi
morto meses antes. O menino jogava bola, por volta das 11h, quando os tiros começaram,
um o atingiu nas costas. Os vizinhos do campo contam que ele correu para se proteger
quando viu uma senhora idosa na rua e a chamou para entrar numa casa aberta. Em
conversa com os membros do FSM, ela contou que o menino disse vem por aqui, tia,
antes de cair sentado no seu colo, depois de um tempo sem entender o que tinha
acontecido, ela percebeu que ele estava ferido.
Em entrevista ao jornal A Nova Democracia, a avó de Christian expôs toda a dor
e revolta que sentia, expondo inclusive o efeito das violências impetradas em Manguinhos
pelas forças policiais, trazendo em seu discurso outras mortes. Ela é proprietária de uma
pensão na localidade e ouviu os tiros.
[...] a UPP estava do lado de cá e a BOPE* do lado de cá [fazendo
sinal com as mãos]. Então o que aconteceu, a BOPE dando tiro do lado
de cá e a UPP do lado de lá. Para falar que eles estavam trocando tiro.
Não tinha ninguém trocando! E a gente pedindo socorro de dentro do
bar, socorro, que era tudo trabalhador eu botando minha comida para
vender, e eles não paravam, não paravam de atirar e a gente acenando
e pedindo socorro e eles nem “tavam aí ó!”. “Que morra todo mundo
favelado!”, é isso que eles pensam: que morra! E eu pedindo socorro
para eles pararem e eles não paravam. [...] A culpa deles mesmos, eles
que mataram meu neto, pelas costas. Agora que entrou essa
desgraçada UPP para acabar com a vida do trabalhador essa maldita
UPP, não sei porque Sérgio Cabral botou essa desgraçada dessa UPP
dentro do Manguinhos, essa miserável veio para detonar todo mundo,
veio para detonar, veio para acabar com vida do ser humano. E só dá
tiro pelas costas dos outros, só pelas costas. Vocês têm que provar que
meu neto é bandido. vocês têm que provar uma criança ser bandido,
ele tava jogando bola, vocês têm que provar, bando de repórter
miserável, desgraçado, mentiroso, você tem que provar!!
*[após o corrido constatou-se que a equipe presente era a da CORE, da
Polícia Civil]

Quando Christian foi morto, eu trabalhava na Casa da Mulher de Manguinhos130


Começamos a ouvir o som de sirenes e helicópteros, pouco tempo depois recebi a notícia

129
O nome do policial está citado em matéria jornalística na qual casos de mortes de crianças são citados.
De acordo com os jornalistas, Christian foi uma das 87 crianças atingidas por tiros entre os anos de 2015 e
2017. ‘Quase metade das crianças mortas por balas perdidas no Rio desde 2015 estavam em favelas com
UPPs’. Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/quase-metade-das-criancas-mortas-por-
balas-perdidas-no-rio-desde-2015-estava-em-favelas-com-upps-20878101.html. Acesso em: 20 Jun.2019.
130
Centro Integrado de Atendimento à Mulher, uma instituição ligada a Secretaria de Assistência Social e
Direitos Humanos do governo do Estado do Rio de Janeiro.
100

pelo celular enviada por Ana Paula que também nos disse que a situação era de rebelião
e que estava ao vivo na TV. Passamos a acompanhar ao vivo. Policiais fortemente
armados, moradores revoltados, membros do FSM com armas apontadas contra seus
peitos. Foi pavoroso acompanhar aquilo tudo pela TV. Os policiais queriam retirar o
corpo de Christian do local sem perícia, mas os moradores não deixaram131.
O caso de Christian virou notícia, foi acompanhado pela imprensa. Com o suporte
do FSM, nas figuras de Ana Paula e Fátima, a família de Christian foi acolhida por outras
mães e familiares dos jovens assassinados em outros locais da cidade. Foram
encaminhadas à Defensoria para atendimento jurídico. Janaína passou a compor o FSM.
Na reprodução simulada, ficou provado que o tiro que acertou o menino partiu de
um PM da UPP Manguinhos. Como é de praxe em casos como os de Christian e Johnatha
e tantos outros relatados à exaustão em relatórios132, estudos acadêmicos, filmes133 e na
vida cotidiana nas favelas, outra versão dos fatos foi apresentada pelos policiais. Eles
disseram na delegacia, à imprensa e em juízo que Christian estava envolvido em situação
de confronto quando foi morto.
Um elemento chama atenção é que no momento dos tiros havia tanto policiais
militares da UPP quanto policiais civis, de acordo com informações que circularam na
imprensa, as duas polícias atuavam em conjunto para cumprir mandados de prisão de
supostos assassinos do policial da UPP Manguinhos, Clayton Alves Fagner Dias134, morto

131
A alteração da cena de crimes cometidos pela polícia é uma prática frequentemente denunciadas em
vídeos utilizados por moradores de favelas e periferias para demonstrar que a polícia segue alterando as
cenas de crime sob a alegação de estarem socorrendo as vítimas. No filme Auto de resistência um dos
casos acompanhados é o de Eduardo Felipe, morto aos 17 anos no Morro da Providência no Rio de Janeiro.
Uma pessoa filmou o momento em que os policiais colocam uma arma na mão do jovem e disparam para
simular um confronto como forma de justificar o homicídio. Os cinco envolvidos foram inocentados em
maio de 2019. Mais informações em PMs absolvidos após plantar arma em cena de crime: “o pior
momento do Rio. Disponível em: https://ponte.org/pms-absolvidos-apos-plantar-arma-em-cena-de-crime-
o-pior-momento-do-rio/. Acesso em: 20 Jun.2019.
132
Um exemplo é o Relatório Você matou meu filho! lançado pela Anistia Internacional. Disponível em:
https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2015/07/Voce-matou-meu-filho_Anistia-Internacional-2015.pdf.
Acesso em: 20 Jun.2019.
133
Em 2018, foi lançado o documentário Auto de Resistência, dirigido por Natasha Neri e Lula Carvalho.
No filme cinco casos foram acompanhados, incluindo os ritos jurídicos, nos quais ficam explícitos como
alguns casos de homicídios registrados como homicídio decorrente de oposição à intervenção policial na
verdade formavam um emaranhado de outros crimes além do homicídio como a produção de provas falsas,
adulteração de cenas etc.
134
Apesar da afirmação de que quatro traficantes seriam os responsáveis pela morte do policial, em 2018
ainda não havia sido elucidada. De acordo com investigações, ele teria sido seguido após o plantão na UPP
Manguinhos e morto com 20 tiros pelas costas. Clayton estava noivo quando foi morto, sua noiva uma
historiadora estadunidense havia se engajado na elucidação do caso, que de acordo com a BBC News, tinha
possibilidade de ter policiais “da banda podre” envolvidos. ‘Ninguém liga para PMs mortos, diz americana
que luta por justiça para noivo executado no Rio’. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
42629640. Acesso em: 20 Jun. 2019.
101

aos 26 anos de idade, meses antes no bairro Ilha do Governador. Como ficou explícito no
depoimento da avó do menino e no relato de outros moradores, a polícia civil teria entrado
por um lado da favela, contrário ao que estavam os policiais da UPP, que por sua vez não
tinham a informação sobre a operação, gerando tiro dos dois lados que teriam vindo dos
policiais e não de traficantes como foi ventilado pelos meios de comunicação de massa.
Eu acompanhava a família em um atendimento da Defensoria quando um dos tios
e a mãe do menino foram informados da versão da polícia, os dois ficaram extremamente
chocados e pareciam não acreditar que aquilo estava acontecendo. Janaína chegou a
receber indenização pelo processo cível em face do Estado, mas não passou disso. O
processo criminal contra o assassino ainda não terminou e no dia 06 de novembro 2018,
Janaína faleceu após ter algumas paradas cardíacas.
No domingo anterior por volta das 17h30, um caveirão chegou atirando na favela,
eu estava em casa e meu irmão que presenciou o tiroteio, ficou abrigado por algum tempo
em uma padaria. Muitas pessoas estavam nas ruas, este é o horário em que as pessoas
estão se dirigindo para as inúmeras igrejas existentes na favela, assistindo ao futebol no
Campo do Society ou curtindo o samba do final da feira quando começou o tiroteio.
Um adolescente, de 16 anos, foi morto com um tiro na cabeça em frente a base da
UPP enquanto andava de bicicleta. A fotografia do corpo e do sangue na calçada
circularam pelos grupos de WhatsApp dos moradores chegando a imprensa135. De acordo
com o que as Mães de Manguinhos me disseram no dia do sepultamento de Janaína, foi
a dor gerada por aquela foto que contribuiu para o sofrimento que levou aquela mãe à
morte, já que sofria com a depressão desde a morte do filho caçula. Ela tinha 36 anos de
idade.
Ainda que a morte física e o desaparecimento136 tenham sido o elemento que
acabaram por levar mulheres-mães à luta contra a violência do Estado no Rio de Janeiro,
esta violência é muito mais ampla e complexa sendo composta por outras práticas
institucionais voltadas às favelas e periferias como busquei demonstrar neste Capítulo.
Digo isto, para dar destaque ao caso de outro filho (vivo) das Mães de Manguinhos. O
caso que aconteceu em 2016, e sua mãe passou a compor o Movimento a partir do
encontro com um dos membros do Fórum Social de Manguinhos em uma reunião que

135
Adolescente morto em Manguinhos andava de bicicleta, segundo a polícia. Disponível em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/11/05/adolescente-morto-durante-confronto-em-
manguinhos-andava-de-bicicleta-segundo-a-policia.ghtml. Acesso em: 11 Jun.2019.
136
Cf.: ARAUJO, F. Das “técnicas” de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento
e política. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.
102

tratava de outra violência, os efeitos das intervenções do PAC. O mesmo PAC que citei
no início deste trabalho e que foi um dos alvos das análises de Barros (2016).
O jovem foi baleado por policiais civis em 2016 ao sair de casa para o trabalho
por volta das 5h da manhã em uma das localidades de Manguinhos, próximas à Rua
Leopoldo Bulhões. Desesperada, sua mãe o socorreu. Pouco tempo depois, o jovem foi
mantido sob custódia da polícia no hospital enquanto sua mãe foi detida, mantida sob
custódia em uma delegacia, humilhada. Teve de tirar as roupas, passou por revista
corporal além de ter passado por outros processos psicológicos que podem ser incluídos
no campo da tortura137. Depois de liberada ela foi informada pelo filho sobre a tortura
vivida por ele no hospital. Ainda operado, utilizando sonda e outros equipamentos o
jovem foi torturado por policiais que manipularam os tubos e acessos de seu corpo
gerando dor intensa enquanto exigiam que ele contasse sobre quem seria a pessoa que
“mandava em Manguinhos”, como se todas as pessoas que vivem nas favelas do local
fossem ligadas ou conhecessem os supostos “chefes do tráfico”. exemplo que corrobora
com o que vimos apontando sobre uma criminalização a priori das pessoas que vivem
nas favelas.
Depois de todo sofrimento vivido por mãe e filho, ele seguiu preso e foi condenado
por crimes que não cometeu como tráfico, associação para tráfico e outras tipificações
penais relacionadas à Lei de Drogas que vem sendo usada como justificativa para o
aprofundamento da militarização, para ocupação dos territórios e imposição da violência
e da morte como gestão das vidas, como buscamos demonstrar aqui.
Eliene Vieira é membro do Fórum de Manguinhos e desde então também foi
acolhida pelas Mães de Manguinhos e sua chegada ao Movimento é considerada pelas
outras Mães como um elemento fundamental para a luta. Segundo Ana Paula:
Ela foi fundamental a chegada da Eliene no nosso movimento. Eu já falei isso
pra ela. Ela chegou trazendo um gás. A gente já estava assim [faz um gesto
demonstrando desânimo], ne Fátima? Ela chegou. Ela é essa pessoa agitada.
Chegou sacudindo a gente mesmo. E fica o tempo todo ‘catucando’ a gente.
Foi fundamental ela chegar pra trazer esse suporte e essa energia acho que
pra mim, e pra Fátima também, estava faltando. [Ana se dirige à Eliene e diz]
que bom que você chegou... e a patrícia também [Tia de Luta].

Uma somando com a outra [Fátima, completa.]

137
Ela não tem certeza de quantas horas ficou detida, já que a pressão psicológica foi tamanha. Manter
pessoa em prisão arbitrária, sem direito à defesa, em condições de má iluminação, sem roupa, trata-se de
um processo bastante característico do que se identifica como tortura nas convenções internacionais das
quais o Brasil é signatário, como as Regras de Bankok.
103

O acolhimento de Eliene pelas Mães de Manguinhos e a sua entrada na luta


organizada das mulheres-mães nos traz outro elemento que surgiu nos últimos anos que
está para além das lutas pelos filhos de forma individual, como veremos que faz parte de
uma forma de luta baseada na forma da maternidade ultrajada categoria discutida por
Rocha (2014), que abordarei no próximo capítulo: uma maternidade que se contrapõe ao
genocídio de maneira firme, baseando-se no cuidado com os seus e com a comunidade.
Eliene, por ser mãe de um jovem privado de liberdade e como ela mesma diz: que
hoje está nas ruas, mas segue preso pela marca deixada pelo sistema que é a tornozeleira
de monitoração eletrônica138, se juntou às Mães de Manguinhos e no início do ano
seguinte (2017) juntou-se a outras Mães de pessoas que foram mortas ou que foram
encarceradas pela violência estatal genocida que conforma o sistema de justiça criminal
brasileiro (FLAUZINA, 2008), na fundação da Frente Estadual Pelo Desencarceramento
do RJ139.
Outros casos de Mães menos atuantes no Movimento são os casos de Caio Daniel
Faria e João Batista Soares de Souza, mortos em 2016, e Matheus Melo, morto em 2018.
O menino Caio Daniel, filho de Kelly Cristina Pereira, tinha 14 anos quando foi morto
com quatro tiros disparados por policiais. Ele e seu primo, na época com 19 anos, foram
atingidos enquanto conversavam com amigos no Campo do Esperança, na localidade Vila
Turismo. Tudo aconteceu no dia 10 de março, à noite. Os jovens foram socorridos pela
família e levados para UPA de Manguinhos.
Naquele ano, os moradores vinham contando que eram frequentes os disparos de
tiros a partir de um local em frente ao campo onde havia algumas casas em situação de
abandono em meio a entulhos deixados pelas remoções realizadas durante a
implementação do PAC. Segundo os relatos dos policiais, não se sabe de qual corporação,
costumavam parar no escuro e atirar em direção à favela. A casa da Figura nº 05 (p.66),
por exemplo, fica de frente para este local. Que está do outro lado do campo que por sua
vez fica ao lado de um rio, ou seja, do local de onde os policiais atiram, fica a alguns
metros de distância das casas e de onde os jovens foram baleados.

138
Para uma discussão sistematizada sobre o uso da monitoração eletrônica e sua relação como racismo e
a marca deixada no corpo negro. Cf.: PIRES, T. R. D. O. Do ferro quente ao monitoramento eletronico:
controle, desrespeito e expropriação de corpos negros pelo Estado brasileiro. In: FLAUZINA, A., et
al.Discursos Negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brasilia : Brado Negro , 2015. p. 44-82
139
Falei sobre o papel das mulheres na luta pelo desencarceramento no Rio de Janeiro em: CRUZ, M. A
luta pelo desencarceramento é uma luta feminista e antirracista: o protagonismo das mulheres negras na
Frente Estadual pelo Desencarceramento do RJ. In: GOSTINSKI, A.; BISPO, C.; MARTINS, F. Estudos
Feministas por um direito menos machista. Vol. IV. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2019, p.247-262.
104

O primo de Caio sobreviveu e no dia seguinte ao ocorrido fui procurada por sua
mãe que estava em desespero porque ele foi posto sob custódia assim que chegou ao
hospital onde ficou por alguns dias até ser transferido para o presídio. Pela minha atuação
profissional, fiz os devidos encaminhamentos para Defensoria Pública que acompanhou
o caso. Arbitrariamente, ele foi condenado, por tráfico e associação para o tráfico, quando
saiu da prisão passou a ser perseguido e chegou a ser torturado por policiais militares.
Caio Daniel morreu na UPA pouco tempo depois de ser socorrido e sua mãe
contou que já na unidade de saúde foi desrespeitada porque as pessoas achavam que o
jovem era bandido. Ainda sob efeito de remédios ela me disse que levarem seu filho para
dentro e ouviu um diálogo terrível entre a enfermeira que lhe deu a notícia da morte do
filho e o médico que realizou o socorro:
Eu ouvi quando a enfermeira falou assim: “isso aí é bandido, deixa morrer”.
Aí, o médico respondeu pra ela que na mão dele ninguém vai morrer por isso.
Depois essa mesma enfermeira veio me dar a notícia, mas ela chegou
perguntando o que meu filho era. Ela perguntou: “ele era o quê? Era
bandido?”. (Kelly Cristina, mãe de Caio Daniel, março/2016.)

Kelly Cristina é muito conhecida em Manguinhos pelos muitos filhos de criação.


Ela é a representação viva da mulher favelada que apoia outras mulheres no cuidado com
seus filhos, sua casa está sempre cheia de crianças e jovens filhos dos vizinhos. Sendo
assim, era conhecida também por policiais da UPP. Logo no começo, que a UPP chegou,
eles comiam lá onde eu trabalhava como cozinheira, ela conta. Depois do ocorrido ela
ainda recebeu ameaças de policiais.
No ano de 2018, ela perdeu a irmã por questões de saúde, a mãe do sobrinho que
foi baleado na mesma situação que seu filho. Após essa perda e a saída dele da cadeia,
ficou comprovado que ele era inocente, então os dois (tia e sobrinho) decidiram correr
atrás pelas sequelas que ficaram tanto do tiro que o fez perder o movimento da mão
esquerda, quanto psicológico pelo tempo na prisão. A tortura que sofreu na rua quando
foi reconhecido pelos policiais foram também um elemento importante para essa decisão.
O caso segue acompanhado pelo FSM e por apoiadoras do Movimento de Mães. O jovem
voltou a ser ameaçado e vive com medo de que sua vida esteja ainda em risco.
Pouco tempo depois da morte de Caio, no dia 04 de abril de 2016, a Polícia Militar
matou outro morador de Manguinhos. Aos 29 anos, João Batista morreu na hora ao ser
atingido na cabeça, na janela de casa. Ele era vizinho de Fátima, mãe de Paulo Roberto,
e sua casa fica na localidade onde Jhonatha foi morto dois anos antes. Naquela tarde, eu
e mais dois membros do FSM e Ana Paula fomos ao encontro de Fátima porque mais uma
105

pessoa tinha sido morta. O cenário de guerra literalmente tinha o olhar de pânico das
pessoas da família, o desespero no olhar perdido da esposa e o sangue que ficou marcado
na parede.
Enquanto permanecíamos lá, ouvindo os moradores que nos contavam sobre a
chegada de um blindado e a localização exata de cada policial do grupo que se posicionou,
recebíamos notícia de operações acontecendo em Acari e na Maré. A sensação que eu
tinha era de tanto medo, que eu pensava o quanto esse massacre nos impede, inclusive de
nos apoiar nos momentos de dor.
João morava com a família da esposa – mãe, o padrasto Seu Celso, (que ficou em
contato conosco o tempo todo) a esposa e um casal de filhos, os dois viram tudo acontecer.
Quando o caveirão chegou, a esposa lembrou que as crianças gostam de subir na
cadeirinha para olhar a rua pela janela, temendo que um dos filhos se expusesse ao risco
dos tiros propositais, João foi tirar a cadeira do local quando foi baleado. A esposa disse
que virou para pegar a filha, quando ouviu o barulho. A cena do quarto bagunçado que
vimos depois da perícia era de um lugar devastado pelo sangue.
Naquele momento, a rede de contatos das Mães de Manguinhos já havia sido
acionada, defensor público ao telefone realizando acionamento da Delegacia de
Homicídios da Capital (DH). Mesmo em sofrimento elas já haviam realizado as
orientações necessárias para a família sobre a necessidade de realização da perícia e de
que a família não devia deixar aquilo impune.
O clima era muito tenso na favela, por causa da morte tão brutal de João, mas
também porque todos já sabiam que a família exigiu que fosse feita a perícia e na favela
todo mundo sabe: a perícia vem armada até os dentes. Por volta das 19h, o telefone do
sogro de João tocou; era uma pessoa da DH e quando ele ouviu de onde falavam, pediu
pra que prestássemos atenção e colocou a ligação em viva-voz: Sr. aqui é da DH, a equipe
está a caminho o senhor pode me dizer se o blindado chega até a sua casa? Disse a voz
feminina ao telefone, que deixou a todas nós indignadas. Seu Celso também ficou
indignado com a pergunta e em tom incrédulo disse: você tá me perguntando se o
caveirão chega aqui? É claro que chega, foi ele que fez isso com a gente aqui, minha
filha. Ficamos lá até a noite aguardando a equipe da DH que chegou por volta das 21h e
não ficou mais que 15 minutos na casa.
Fortemente armados, os peritos chegaram no carro blindado, que ao estacionar
parecia que ia derrubar a casa. A tensão e o medo estavam na cara de cada uma de nós.
Os policiais entraram, um deles olhou para cada pessoa na sala – a sogra e a esposa de
106

João, os filhos, uma vizinha, o cunhado, eu, dois membros do FSM e Ana Paula. Numa
frase de praxe disse boa noite, tudo bem? A vizinha indignada disse não! não tá tudo bem
não! olha o que fizeram!
O desrespeito era tão grande que ao passar pela cozinha da casa para chegar a
escada que levava ao quarto do casal onde João foi morto, um dos nove policiais que
entraram chegou a mexer na lata de lixo, como se procurasse algo. A família de João
conversa sempre com as Mães de Manguinhos, que não participam das mobilizações,
mas, autorizaram que sua foto fosse colocada na bandeira e que seu nome fosse gravado
na placa. Não temos notícias sobre o andamento do caso.
O assassinato de Matheus Melo, de 23 anos, aconteceu em 12 de março de 2018.
Ele foi morto pouco tempo depois de sair do culto da igreja que frequentava com a
namorada. Ele foi deixá-la em casa no Jacarezinho e quando saia em direção a
Manguinhos foi morto por policiais militares. A PMERJ disse na imprensa que a base da
UPP de Manguinhos havia sido atacada e que estava acontecendo um tiroteio quando
Matheus foi morto, mas os moradores dizem que não havia tiroteio e que tiros só foram
ouvidos depois que um grupo revoltado com o assassinato colocou fogo em um ônibus.
As Mães de Manguinhos se mobilizaram no apoia à família de Matheus que hoje
participam de todas as manifestações e atos que elas organizam no território e algumas
vezes as acompanham em manifestações em outros locais da cidade O caso de Matheus,
além de ter gerado uma reação popular na favela e ter se tornado notícia por isso, foi
citado por algum tempo nas notícias por sido um dos últimos posts sobre homicídios
cometidos por policiais, publicados na página da vereadora Marielle Franco, assassinada
com quatro tiros na cabeça dois dias depois, em 14 de março.
A repetição de casos de homicídios sob alegação de que houve confronto armado
entre policiais e os suspeitos é utilizada a priori nos casos em que civis são mortos por
policiais como forma de gerar explicação pública e, de certa forma, a aceitação social.
Uma prática reiterada que é objeto de estudo há algumas décadas, alguns dos quais já
foram citados como os estudos de Cano (1997), Centro de Justiça Global e Núcleo de
Estudos Negros (2003), Misse (2011), Anistia Internacional (2015) entre outros
facilmente encontrados na internet e citados ao longo deste trabalho. São casos que
impulsionaram a luta por justiça e reconhecimento da dignidade de muitas mulheres que
tiveram seus filhos arrancados de suas vidas.
107

Essa luta que fomenta ações coletivas e a retomada de laços coletivos de atuação
política, como demonstrou Freitas (2006) ao falar sobre as Mães de Acari140 e Rocha
(2014) sobre demarcar o caráter racial dessa forma de luta que gera vida são os objetos
desta pesquisa que culmina com a discussão que realizarei no próximo capítulo, no qual
buscarei sistematizar a luta das Mães de Manguinhos, coletivo do qual sou apoiadora
desde seu nascimento em 2015 e que infelizmente se formou com a perda de jovens que
como eu são cria de Manguinhos.

Figura 20: As Mães de Acari. Foto: reprodução da internet.

140
A autora que é formada em Serviço Social, conclui sua tese com o seguinte parágrafo: “Se podemos
dizer que atualmente convivemos com a fragilização das práticas coletivas, esses tipos de movimentos
assentados em valores ético podem apontar para formas diferenciadas de inserção social que se
contraponham a esta naturalização e sinalizam para a reinvindicação do coletivo a frente. Em nome dos
filhos, elas se modificaram e ao mundo a sua volta, tornando-o talvez um pouco melhor. Se a transformação
não foi tão grande, se não atingiu a todas indistintamente, se perpassa o grupo hoje muitos discursos
divergentes, nada disso desmerece o alcance do que fizeram. Mulheres, negras e pobres que lançaram suas
vozes internacionalmente. Elas foram até onde puderam e persistem avançando seus passos na medida que
podem. (FREITAS, 2006, p.225)
108

CAPÍTULO 3
A resistência das mulheres-mães guardiãs da memória

Chapa, desde que cê sumiu


Todo dia alguém pergunta de você
Onde ele foi? Mudou? Morreu? Casou?
Tá preso, se internou, é memo? Por quê?
[...]
Chapa, dá um salve lá no povo
Te ver de novo faz eles reviver
Os pivetin' na rua diz assim:
Ei tio, e aquele zica lá que aqui ria com nóiz, cadê?
[...]
Mal posso esperar o dia de ver você
Voltando pra gente
Sua voz avisar e o portão bater
Vai ser de um riso contente
Vai ser tão bom, tipo São João
Vai ser tão bom, que nem reveillon
Vai ser tão bom, Cosme e Damião
Vai ser tão bom, bom, bom
[...]
Chapa, Emicida.

Para Vera Lucia dos Santos - Mãe de Maio141


e
Janaina Soares - Mãe de Manguinhos
Com saudades e gratidão,
pela generosidade de compartilharem vida.

A música na epígrafe, de autoria de Emicida, fala da saudade e da tristeza. Fala


sobre aqueles que não vivem mais. Com a ideia de desaparecimento do chapa do
cotidiano e o perguntar das pessoas, inclusive das crianças que querem saber daquele zica
que aqui ria com nóis, cadê. O videoclipe se conforma como uma ode à luta das mulheres-
Mães que ao ver de novo o chapa revivem. No primeiro quadro do videoclipe, a bandeira
do Movimento Mães de Maio de São Paulo com as palavras Memória, Verdade, Justiça
e Liberdade. Em seguida, Débora Maria Silva, mãe de Rogério vítima dos Crimes de

141
Verinha nos deixou no dia 03 de maio de 2018 em sua casa, na cidade de Santos (SP). Sua companheira
de luta Débora Silva foi uma das primeiras pessoas a receber a notícia. Nós estávamos reunidas no Rio de
Janeiro em uma das plenárias da Frente Estadual Pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro (Frente). A
dor era tamanha e o impacto da notícia acabou com a reunião. A reunião acabou só porque todas nós
sabíamos da longa jornada vivida por Débora, como grande amiga, todas nós sentimos. A Frente é composta
por Mães e Familiares de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema, mas também de pessoas que
foram assassinadas. Trata-se de um espaço político de luta, construído principalmente por Mulheres-Mães
e suas apoiadoras. A notícia nos abalou sobremaneira, foi impossível seguir naquela noite. Para conhecer a
história de Vera: ‘Foram viajar. Um dia eu viajo também. Vamos nos encontrar e matar a saudade’.
Disponível em: https://ponte.org/vera-lucia-maes-de-maio/. Acesso em: 07 Deze.2019.
109

maio de 2006,142 aparece e conta como o movimento surgiu: era preciso resistir. Ela conta
que no começo não resistiu, mas seu filho teria aparecido e pedido para que ela lutasse
pelos que estão vivos.
Na sequência aparecem outras Mães de Maio e as Mães de Manguinhos. Todas
estão vestidas de preto, carregam ao longo do videoclipe as fotos dos filhos assassinados,
em alguns quadros aparecem objetos, sapatos, símbolos do vazio e das lembranças. Em
dado momento, todas juntas. A música fala do quão bom é ver o chapa da alegria que se
sente e do quanto vai ser tipo São João, tipo Cosme e Damião, em referência às memórias
da infância e do tempo em que o chapa vivia fisicamente ali.
Na nota de rodapé nº 09 (p.21) informei que utilizaria em meu texto sempre o
feminino para me referir à luta coletiva, especialmente porque são mulheres nas
lideranças da luta política nas favelas. Neste capítulo, esta informação é ainda mais
importante por ganhar outros contornos no tocante a esse sagrado feminino ancestral, que
se materializa na figura da Mãe. Com “M” maiúsculo, no sentido trabalhado por Vianna
e Farias (2011, p.85, grifos meus) onde o [...] corpo-relação reconhecido (o direito) e o
corpo-relação (Mãe, com maiúscula) que não cabe nas palavras, se expressa como
unidade moral e afetiva que só pode ser entendido por seus iguais ou por ninguém, como
às vezes nos é colocado de diversos modos [...].
Por outro lado, agrego como fiz até aqui, mulheres-mães (com hífen), para
demonstrar que essa figura com M maiúsculo não é demarcada apenas pela função
reprodutiva do cuidado e do amor incondicional aos seus filhos. Ou por comportarem esse
grande ser ao qual a sociedade capitalista impõe a obrigação de uma força que deve
suportara dor do parto e a reprodução material e subjetiva de vidas alheias, assim pela
capacidade indescritível de se reinventar provendo amor por si mesmas, mantendo-se
como seres históricos que são desmistificando a imagem do martírio e sofrimento,
esperados, como a imagem de uma coadjuvante patética relegada pela sociedade racista,
patriarcal e heteronormativa da qual fala Wernek (2017).
Por outro lado, nem todas são mães, como as “Patrícias Oliveiras”. Duas mulheres
negras de perfis completamente diferentes, fundamentais para a luta das Mulheres-Mães:
uma está na luta há mais de 20 anos, irmã de uma das vítimas da Chacina da Candelária

142
No Relatório São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência institucional em
Maio de 2006. da International Human Rights Clinic da Harvard School e da Justiça Global é possível
encontrar os dados de uma pesquisa de fôlego realizada sobre os chamados Crimes de Maio de 2006.
110

(1993), cofundadora da Rede Contra a Violência. A outra, Tia de Luta, Favelada


Arquiteta143, irmã de Ana Paula, tia do Jhonatha.
De outra parte, é importante lembrar ainda que como demonstram Vianna e Farias
(2011) que essas Mulheres-Mães inscrevem no feminino esse fazer militante que
direciona as práticas da luta, os usos dos instrumentos acionados assim como a
compreensão sobre a burocracia estatal (FARIAS, 2007) e eu incluo o fazer-se sujeita do
qual fala bell hooks (2018).
A palavra “mulher”, que agrego à palavra mãe para formar uma categoria
complexa, busca explicar essa sujeita completa. Não só genitora, não só provedora, não
só sofrida, não só saudosa, não só guerreira. Essa mulher que vive experiências diversas
até se tornar mãe, durante o tornar-se Mãe, até ter seu filho arrancado, se tornando Mãe
de Vítima, a conjugar todas as vivências que busco comportar – ao menos nessas páginas
– na categoria Mulheres-Mães que lutam.
Essa compreensão que desenvolvo sobre a ideia de mulheres-mães, surgiu de uma
conversa com as Mães de Manguinhos, perguntei sobre o que elas gostariam que as
pessoas soubessem sobre elas, para além da luta pública que travam cotidianamente, elas
me responderam o seguinte:
Quero que as pessoas saibam que aqui, são mulheres com desejos, com
sonhos, com vontades físicas, psicológicas. E muitas vezes essas vontades não
são respeitadas, e eu não estou nem falando da questão sentimental não. Uma
questão de ser humano mesmo, é tanta coisa que as pessoas querem: querem
ver a gente como coitadinha [parece né? Diz outra delas]. eu não sei no caso
das meninas [referindo-se às outras Mães], mas no meu caso as pessoas
[parecem dizer] ‘ah você é a coitadinha’. (Eliene Vieira)

Tem outra coisa, a gente tem uma necessidade de renda, econômica. Então, às
vezes as pessoas pensam assim:‘está tão arrumadinha, a blusa dela nem está
furada. Ela não está com uma calça rasgada, ela não precisa’.... ‘está com a
unha feita, não precisa então não precisa’. Acham que na necessidade, a
pessoa tem que estar ali, caracterizada como se estivesse mendigando. Tem
essas coisas também que a gente percebe, e já ouviu alguns comentários. É um
absurdo. (Ana Paula Oliveira)

A gente não pode chegar bem arrumada. Tem que chegar maltrapilha! (Fátima
Pinho)

143
Patricia Gomes de Oliveira, Tia de Jhonatha. Arquiteta, ela vem trabalhando em projetos voltados para
moradias populares em Manguinhos. Irmã de Ana Paula Oliveira, chamada de Tia de Luta, ela compõe o
Movimento das Mães de Manguinhos. Para mais informações sobre a atuação dela em Manguinhos Cf.: A
Favelada Arquiteta – Conheça a história da egressa que vem mudando realidades por meio da
arquitetura. Disponível em: http://www.unisuamnews.com.br/a-favelada-arquiteta-conheca-a-historia-
da-egressa-que-vem-mudando-realidades-por-meio-da-arquitetura/. Acesso em: 09 Dez.2019. E Uma casa
para Lala. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/uma-casa-para-lala/. Acesso em: 09
Dez.2019.
111

São essas mulheres que segundo Débora Maria Silva144 vão parir um novo Brasil
que tem travado lutas, como afirma Wernek (2017) que articulando e manejando os
limites da representação hegemônica clamando por justiça, reparação e reconhecimento
dos atributos humanos, dão suporte à negritude e à vida dos seus. Mulheres-mães como
afirmou Freitas (2006) que existem em múltiplos espaços da casa, da rua, do trabalho,
da família.
Neste terceiro e último capítulo pretendo me debruçar sobre a atuação das Mães
de Manguinhos em suas intervenções, que visam a manutenção da memória de seus filhos
e o reconhecimento de dignidade, que identifico como fomento para a exigibilidade de
direitos para todas as pessoas negras e não-negras, afinal como ensina Angela Davis
(2009; 2016; 2018; 2018a) quando uma mulher negra se movimenta, ela movimenta todas
as estruturas da sociedade.
Interessa analisar como a memória pode se configurar como um instrumento de
resistência, a partir da experiência das Mães de Manguinhos, em seu território. Na busca
por manter viva a memória de seus filhos e de outras vítimas do terrorismo de Estado as
mulheres-mães vem marcando no cenário público de forma simbólica e em seu territórios
de forma material a memória de seus filhos, travando uma luta que há muito é construída
pelo Movimento de Mães e Familiares: a luta pelo reconhecimento da humanidade e da
dignidade de seus entes queridos.
O coletivo Mães de Manguinhos recebeu este nome em 2015, quando as mães dos
jovens assassinados que compunham o Fórum Social de Manguinhos foram convidadas
para uma palestra. Elas contam que são parte do FSM, mas que precisavam marcar este
lugar de Mãe por conta de suas especificidades *e pela forma como se organizam, como
mulheres, para além de um coletivo que luta pela favela. Precisavam de um espaço só
delas, onde pudessem compartilhar esse sentimento de ser mãe.
O Estado no discurso das mulheres organizadas na luta por justiça está para além
da ideia de Estado-nação. É uma ideia que parece se conformar ora na figura dos agentes
que matam, forjam, prendem e torturam jovens, ora na dos membros do sistema de justiça
criminal – seja em relação aos crimes cometidos por agentes públicos, seja no caso dos
que julgam e condenam jovens, ou ainda na atuação cotidiana de agentes públicos que
arquivam casos de homicídios cometidos por policiais. Uma frase dita com frequência
pelas Mães e familiares diz respeito às “canetadas”, que por um lado arquivam processos

144
Fundadora do Movimento Mães de Maio de SP.
112

de homicídios cometidos por agentes do Estado, ao passo que condenam seletivamente


pessoas negras. Há também o Estado que legisla, acionado na construção de políticas de
reparação145.
As articulações dos movimentos sociais em suas diversas pautas de luta política
conformam inúmeras redes de contatos, troca de informações e apoio mútuo em muitas
frentes. Assim pude acompanhar a formação de redes importantes como a Rede Nacional
de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado, que existe “nomeadamente”
há quatro anos e é formada por uma maioria de mulheres negras que tiveram filhos
assassinados em vários estados do Brasil.
Algumas das componentes146 dessa rede perderam seus filhos ainda na década de
1990, como é o caso de José Luiz, Pai do Maicon, que luta desde 1996 para que o Estado
seja responsabilizado pelo assassinato do filho aos dois anos de idade, morto com um tiro
disparado por um policial que alegou estar em confronto147. José Luiz, assim como outras
familiares de pessoas assassinadas têm por referência dois episódios emblemáticos da
história do Rio de Janeiro dos anos 90: a Chacina de Acari e a Chacina da Candelária.
A Chacina de Acari aconteceu seis anos antes de Maicon ser morto, no dia 26 de
julho de 1990, quando onze pessoas foram sequestradas por um grupo de extermínio
formado por policiais civis e militares. Quase 30 anos depois, nenhuma das vítimas foi
encontrada148. Além da chacina o caso é marcado pelo assassinato de Ediméia da Silva
Euzébio, uma das Mães de Acari, em 20 de julho de 1993, dias depois de os policiais
acusados de participarem da chacina, terem acesso ao seu depoimento149.
A Chacina da Candelária, aconteceu em 23 de julho de 1993, quando sete meninos
que dormiam na rua, próximo à famosa Igreja da Candelária no Centro da cidade, foram
assassinados a tiros por policiais durante a madrugada. Outros meninos e meninas ficaram

145
Um exemplo é o caso das leis que criaram a Semana das pessoas vítimas de violência no estado de SP
(Lei n. 15.501/14). Sancionada Lei que cria Semana das Pessoas vítimas de violência. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=358315. Acesso em: 18 Ago.2019.E do Projeto de Lei 182/2015 no
Rio de Janeiro. Projeto de lei que homenageia vítimas de violência de Estado é aprovado no RJ.
Disponível em: https://ponte.org/projeto-de-lei-que-homenageia-vitimas-de-violencia-de-estado-e-
aprovado-no-rj/. Aceso em: 18 Ago.2019.
146
O texto será escrito no feminino para todas as situações em consideração ao fato de serem movimentos
sociais e organizações fundados, organizados e coordenados por mulheres que ao longo das décadas
forjaram métodos e diretrizes para atuação na luta por Memória, Verdade e Justiça.
147
Vinte anos após a morte do filho pela PM, pai diz que crime não pode ser esquecido. Disponível
em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/trabalhador-nao-quer-que-morte-do-filho-seja-
esquecida. Acesso em: 18 Ago. 2019.
148
Cf.: ARAUJO, Fábio. Do Luto à Luta: A experiência das Mães de Acari. Dissertação. IFCS, 2007.
149
20 Anos da Chacina de Acari: “eu não acredito nessa justiça”. Disponível em:
https://anovademocracia.com.br/no-69-100111/3099-20-anos-da-chacina-de-acari. Acesso em: 18 Ago.
2018.
113

feridos e sobreviveram, pelo menos àquele episódio150. Todos os anos, o Movimento


Candelária Nunca Mais, se reúne em Ato Ecumênico realizado na praça da Candelária
como forma de lembrar os mortos e feridos daquela madrugada.
Esses episódios que marcam fortemente o período pós-reabertura democrática,
fomentaram a construção de metodologias diversas e performances exercidas pelas
Mulheres-Mães e familiares na luta por justiça e pelo reconhecimento da humanidade e
dignidade de seus filhos. Tecnologias de luta também aprendidas com outras Mulheres-
Mães e familiares que atuaram no Brasil e em outros países que viveram o horror das
ditaduras latino-americanas (FREITAS, 2006; ROCHA, 2014).
Patricia Oliveira cofundadora da Rede, já citada aqui, cofundadora da Rede é uma
das familiares de vítimas; seu irmão é um dos sobreviventes que vive fora do Brasil desde
então. Patricia é uma das mais importantes articuladoras dos movimentos de Mães. Não
à toa que a Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Estado sempre participa
ativamente dos atos em memória das vítimas da Chacina.

Figura 21: Vigília da Candelária (Centro do RJ) realizada em 20 de junho de 2017. Foto: Acervo pessoal.

As Mães de Acari aparecem no cenário como pioneiras da luta organizada no


acionamento do Estado com objetivo de encontrar seus entes queridos vítimas de
desaparecimentos forçados151, e paralelamente para que esse mesmo Estado seja
responsabilizado pelos danos irreparáveis gerados na vida de dezenas de famílias. O caso

150
Alguns dos sobreviventes acabaram morrendo em outras situações de violência, como foi o caso de
Sandro Barbosa do Nascimento, morto sete anos depois na frente de câmeras que transmitiam em rede
nacional de TV o sequestro conhecido como “o Sequestro do ônibus 174”. Para mais informações sobre o
caso, Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sandro_Barbosa_do_Nascimento. Acesso em: 18 Ago.2019.
151
Araújo (2014) ao discutir os desaparecimentos forçados também como técnica de fazer desaparecer
corpos e como um dispositivo de governo-gestão demonstra como o sofrimento e política estão
intrinsecamente relacionados e dizem respeito a elaborações que darão origem ao conhecimento venenoso,
conceito cunhado por Das (apud ARAUJO, 2014).
114

da Chacina de Acari e a atuação das Mães de Acari foram analisados por Freitas (2006)
e Araújo (2007). Existem outros casos famosos envolvendo mulheres negras na luta
contra a violência de Estado, como é o caso de Marli Pereira Soares, que ficou conhecida
como Marli Coragem: em plena Ditadura Empresarial-Civil-Militar (em 1979), ela
denunciou na Delegacia de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, o assassinato
(presenciado por ela) de seu irmão Paulo por policiais militares152.

Figura 22: Em 1979 Marli Pereira Soares foi sozinha ao Batalhão no período da Ditadura empresarial-civil-militar.
Marli ainda vivia em uma região conhecida pela atuação de grupos de extermínio. Foto: reprodução da internet.

Na análise que se faz aqui, a relação entre essas mulheres durante sua trajetória de
luta, organização política e apoio mútuo, vêm construindo metodologias e estratégias de
atuação que acaba por torná-las sujeitas em um processo dialético no qual o apoio afetivo
e político entre e para mulheres que passaram por situações traumáticas, envolvendo as
violências impetradas pelo Estado acessem outros níveis de compreensão da realidade a
partir da ação coletiva. Ao que parece, elas vêm se tornando sujeitas na perspectiva de
bell hooks153 que discute como as mulheres negras se constituem coletivamente como

152
Marli Coragem. Disponível em: https://www.comcausa.net/single-post/Marli-Coragem . Acesso em: 18
Ago.2019.
153
O nome é escrito em letras minúsculas de acordo com o desejo da própria autora. Para mais informações
ver: Mar de Histórias. bell hooks: uma grande mulher em letras minúsculas. Disponível em:
https://mardehistorias.wordpress.com/2009/03/07/bell-hooks-uma-grande-mulher-em-letras-minusculas/.
Acesso em: 09 Dez.2019.
115

sujeitos políticos a partir do compartilhamento coletivo de experiências. Em resumo, ela


afirma que:
[...] Quando mulheres negras aprendem sobre a minha vida, também aprendem
sobre os erros que cometi, as contradições. Passam a saber das minhas
limitações e das minhas forças. Elas não podem me desumanizar a ponto de
me colocar num pedestal. Ao compartilhar as contradições em nossas vidas
ajudamos umas às outras a aprender como lidar com as contradições como
parte do processo de se tornar uma pensadora crítica, uma sujeita radical.
(hooks, 2019 p.121)

Nessa trajetória onde as lutas se encontram é que esses movimentos e coletivos se


apropriam de conceitos para fazer a denúncia e o enfrentamento do genocídio negro e das
inúmeras violências conformadas no que Wernek (2017, p.110) chamou de limites
heterossexistas [...] que reserva às mulheres, em particular às mulheres negras
heterossexuais de diferentes gerações, o lugar de coadjuvantes patéticas e impotentes do
cenário de explosão e disputas do poderio masculino [...], onde as pessoas LGBT são
deixadas de fora.
As Mulheres-Mães, ao que parece, (re)constroem seu entendimento sobre a base
das violências que elas e seus filhos sofreram e desconstroem perspectivas do senso
comum que criminalizam e legitimam assassinatos de pessoas a partir de moralidades que
envolvem temas complexos como drogas, militarização, racismo e outros. Como afirma
Angela Davis (2018), à medida que amadurecem, nossas lutas produzem novas ideias
novas questões e novos campos nos quais nos engajamos na busca pela liberdade. Pelo
que identifico na luta ao lado dessas Mulheres-Mães, elas vêm contribuindo umas com as
outras nesses processos.
Durante a realização do I Levante das Mães de Manguinhos, ato realizado em
memória dos jovens assassinados, durante uma fala ao microfone uma das Mães de outra
favela, ao contar sobre a morte do filho, disse que ele não era bandido e que não merecia
ter sido morto. Imediatamente após a fala, não em embate mas com afeto e força, Ana
Paula se dirigia aos presentes, mas especialmente aos moradores de Manguinhos que
estavam no entorno – ela olhava para os bares lotados em uma tarde de sol – e dizia não
importa, se um jovem morto pela polícia era bandido! Não importa! Ele não deve ser
morto! No ano seguinte, durante um encontro realizado nos marcos da III Marcha
Internacional contra o Genocídio do Povo Negro realizada em Salvador (2015), a mesma
Mãe que havia dito que seu filho não era bandido disse aos presentes: meu filho não era
bandido, e não me importaria se ele fosse, eu lutaria da mesma forma, ninguém deve
morrer assassinado.
116

A leitura coletiva dessas mulheres sobre as violências vividas e as práticas estatais


conforme se desenvolveu nos últimos anos, tem ultrapassado a leitura sobre o
desaparecimento forçado ou sobre o projétil que atravessa os corpos de crianças e jovens.
Sua leitura diz respeito ao não acesso às políticas públicas, à precariedade imposta em
seus locais de moradia, à falta de emprego e de qualidade da educação básica. No caso
do Rio de Janeiro, é muito comum que as mulheres discutam temas relacionados à
seletividade penal por conta de seu engajamento em outros movimentos. Ou seja, essa
relação de troca de experiências e conhecimento na luta e para a luta ampliam o olhar
dessas mulheres sobre o que é o genocídio e quais os instrumentos utilizados para
concretizá-lo.
Com o passar dos anos e dos processos de organização coletiva e a troca de
experiências, acontece que novas pautas vão sendo fortalecidas sob o grande “guarda-
chuva” que é o genocídio demonstrado por Jurema Wernek:
As mortes resultantes são reais, dolorosas e traumáticas. São muitas. São
demasiadas, injustas, inaceitáveis, ainda que incapazes de ensejar a
completude do holocausto negro: a fome, o racismo ambiental, a violação do
direito humano à saúde, a usurpação das riquezas geradas pelo trabalho, a
violência simbólica e a violência estrutural produzem mais mortes ainda, de
mulheres, de homens, de pessoas trans, lésbicas, gays, adultos, jovens,
crianças, idosas e idosos, desproporcionalmente negras e negros. Antes, ao
lado e depois da morte, há sofrimento intenso, sensação de inadequação,
inconformismo, falta de perspectiva, desalento, solidão – marcas da
experiencia negra cotidiana, a cara concreta do racismo vivido na pele.
(WERNEK, 2017, p.110)

É o caso das declarações de Marcia Jacintho, da Rede, mãe de Hanry assassinado


em 2002 no bairro Lins de Vasconcelos na Zona Norte do Rio de Janeiro154. Durante
audiência pública realizada na Câmara dos Vereadores de Goiânia (GO) nas atividades
do IV Encontro Nacional de Mães realizado em 2019155, ela deu destaque à precariedade
da saúde pública que a impedia de conseguir diagnóstico sobre uma doença que poderia
ser grave.
Marcia, que tornou-se a investigadora do caso do filho por seis anos, colocou em
sua fala pública, não somente a dor pela perda do filho morto aos 16 anos, mas seu
adoecimento mental e físico, produzido por essa violência estatal atrelada à falta de acesso
às políticas públicas de saúde e ao fato de ser uma mulher negra em um país racista. Fala

154
Dezessete anos depois, ex-PM terá direitos a novo júri pela morte de Hanry, de 16 anos. Disponível
em: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/dezessete-anos-depois-ex-pm-tera-direito-novo-juri-
pela-morte-de-hanry-de-16-anos.html. Acesso em: 18 Ago.2019.
155
‘Nós lutamos por vida’: o encontro das mães de vítimas mortas pelo Estado. Disponível em:
https://ponte.org/nos-lutamos-por-vida-o-encontro-de-maes-das-vitimas-mortas-pelo-estado/. Acesso em:
18 Ago.2019.
117

muito próxima a de Débora sobre a morte de Vera Lucia, sua companheira das Mães de
Maio que morreu em 2018:A morte da Vera abre um leque para mostrar que não são só
nossos filhos que estão morrendo. As doenças oportunistas, como o câncer, estão
acabando com essas mulheres; com seus órgãos reprodutores. Ela foi vítima de um
sistema perverso156.
Nesses caminhos trilhados na luta por Justiça, importantes categorias e
entendimentos coletivos sobre violência institucional, direitos humanos,
responsabilização, reparação, entre outros têm sido apropriados e incorporados em
discursos, práticas e reivindicações das mulheres-mães, assim como nas metodologias de
luta coletiva. Além disso, há apropriação de instrumentos, fluxos institucionais,
mecanismos e estratégias narrativas que vão sendo compartilhados no fazer da luta.
Freitas (2006), Araújo (2007), Farias (2007), Vianna e Farias (2011) ao longo das
discussões que realizam vão demonstrando as inúmeras estratégias acionadas para a
composição dos repertórios, das legitimidades, das moralidades e dos formatos dos atos
assim como o acionamento estratégico da palavra “mãe” como categoria moral, citada
por mim no início deste capítulo.
Há um elemento discutido por Vianna e Farias (2011) que se deve considerar no
tocante a construção coletiva desse entendimento da luta, que trata da legitimidade que
uma Mãe assume, na qual ela transita entre o fato individual, o assassinato de seu filho e
o coletivo, que é a legitimidade de “Mãe” para atuar como representação de todas as Mães
e movimentos presentes, ao mesmo tempo que não denuncia de forma individual “esse
ou aquele policial”, como destacam as autoras que vão acionar o uso da “des-
singularização do caso” (BOLTANSKI apud VIANNA; FARIAS, 2011) como forma de
engrandecimento da denúncia.
No caso que trago para este texto, esta “des-singularização” aparece também
quando a luta não é pelo meu filho que já se foi, é também por todos que estão vivos157,
do jeito que Débora ouviu de seu filho. Ou ainda pelo reconhecimento de que a morte ou
a criminalização de seus filhos (e de si próprias) não diz respeito a casos individuais onde
os sujeitos e sujeitas são responsáveis pelas violências sofridas.

156
Em todo país mães se organizam e pedem justiça pelos filhos assassinados pelo Estado. Disponível
em: https://www.brasildefato.com.br/2018/05/12/em-todo-o-pais-maes-se-organizam-e-pedem-justica-
por-filhos-assassinados-pelo-estado/. Acesso em: 10 Dez.2019.
157
Frase reafirmada em atos públicos, conversas privadas e em espaços de atuação política, por muitas das
Mães.
118

A fala de Eliene em uma mesa do IV Julho Negro158, intitulada Genocídio: das


drogas ao cárcere, colabora para explicitar como essas mulheres vão se reconhecer como
sujeitas em um país racista e patriarcal, no qual as relações raciais mediam a aplicação da
lei e da forma como a justiça é seletiva:
Sou mãe de um rapaz negro privado de liberdade, favelado, que aos 22 anos
de idade sofreu uma perfuração de bala de fuzil [...]. Talvez, não tivesse
acontecido com o mais novo, que é branco. Eu entendi que [...] Bandido, é
quem rouba da educação, em um Estado falido, marginalizado. Entendi que
tinha que gritar pelo meu filho e todos os filhos de mães que não podem gritar
pelos seus. [...] Através do acolhimento que recebi [das Mães de Manguinhos]
entendi que não era minha culpa, nem do meu filho. [...]

A declaração e a análise compartilhada publicamente demonstram entre outros


elementos a ressignificação do que é crime, do que é culpa, do que é responsabilidade e
a importância desse tornar-se sujeita em coletivo, a partir do acolhimento de outras Mães.
A perda que conforma o questionamento de quem sou eu sem você, surge a partir
de um nós nos termos de Butler (2006), onde as mulheres (e outras minorias) se resumem
como uma comunidade, pela violência a que estão expostas.
[...] Isto significa que em parte, cada um de nós se constitui politicamente em
virtude da vulnerabilidade social de nossos corpos – como lugar de desejo e
vulnerabilidade física como lugar público de afirmação e exposição. A perda
e a vulnerabilidade parem ser a consequência de nossos corpos socialmente
constituídos, sujeitos a outros, ameaçados pela perda, exposto a outros e
suscetíveis de violência por causa dessa exposição. (Idem, p.46)

A resistência à essas violências as quais estão expostas, que as impactam de


diversas formas ao longo da vida – e que culminaram na dor que só quem passou sabe –
vão dando o caminho para um tornar-se sujeitas (hooks, 2019) no uso da memória como
instrumento de luta, no enfrentamento à necropolítica da Era das Chacinas o nome mais
apropriado para a fase atual dessa longa História de Massacres que nos conforma. [...].
(Mães de Maio, 2012, p.300)159.
A partir de Das (2008) é possível pensar sobre como as mulheres-mães
organizadas na luta e para luta pela responsabilização do Estado, convertem as formas de

158
Julho Negro é uma das importantes articulações internacionais protagonizadas pelas Mães. Em 2016,
uma Mãe estadunidense estava com passagens marcadas para o Rio de Janeiro para participar do evento
Candelária Nunca Mais!, realizado todos os anos para lembrar os mortos da Chacina da Candelária.
Aproveitando sua vinda, em companhia de membros do Black Lives Matter, organizou-se uma densa
agenda de atividades entre atos de memória dos mortos, luta contra o encarceramento seletivo em massa,
racismo religioso e outras questões que corroboram para a concretização do chamado “genocídio do povo
negro”. Naquele ano, importantes articulações foram nomeadas e tornadas sistemáticas. São elas: o
Encontro Nacional de Mães e familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado, o Julho Negro e o Encontro
Nacional pelo Desencarceramento.
159
De acordo com o Movimento Mães de Maio (SP), o termo foi cunhado pelas Mães, familiares e amigas/os
que compõe a Rede (RJ) para se referir ao período pós-promulgação da chamada Constituição Cidadã, a
Constituição Federal de 1988.
119

sua narrativa sobre a vida de seus filhos dependendo de quem as ouve e de onde as ouve.
Identifiquei que há uma forma de trazer relatos sobre seus filhos na luta política, onde se
colocam como desafiantes do poder Estatal que os vitimou160, e outra forma em
comunidade onde querem falar sobre a vida com os filhos vivos. Como se a memória que
guardam consigo fosse compartilhada em três escalas: uma mais ampla (para fora com a
denúncia sobre a violência sofrida) e outras duas para dentro. Uma que fala para os seus,
para o território, que fere e deixa marcas permanentes nos seus locais de moradia, e outra
mais íntima que funciona para si e para os círculos de proximidade e segurança, que
aparece como forma de sentir, de reviver a presença de quem partiu.
É possível identificar que, “para fora” a ação é para a denúncia com a exposição
que o Estado genocida pintou, como disse Bruna Silva, Mãe de Marcos Vinicius161, ao
olhar para o espaço organizado para as reuniões do IV Encontro Nacional de Mães e
Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado (GO):

Figura 23: Espaço preparado para as reuniões do IV Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do
Terrorismo de Estado, realizado em maio de 2019 em Hidrolândia – GO. Foto: Acervo Pessoal.

Como se vê na fotografia, as paredes estão repletas de faixas. Ainda faltam


algumas, como as das Mães de Manguinhos, que foi colocada logo em seguida. As faixas,
camisetas, bandeiras, banners representam a memória que parece buscar a denúncia
pública – e o reconhecimento – para os de fora sobre a violência sofrida. Uma das Mães
cearenses, Sandra Sales, que participou pela primeira vez do Encontro, levou um banner

160
Importante trazer aqui em seu discurso permanentemente, as mulheres relembram que seus filhos foram
vitimados pelo Estado e que elas não são vítimas, ao contrário, elas tomaram como sua voz a voz de seus
filhos mortos pelo Estado.
161
Marcos Vinícius foi morto no dia 20 de junho de 2018, aos 14 anos, em uma das localidades do Conjunto
de Favelas da Maré por um tiro disparado a partir de um carro blindado da polícia durante uma operação
policial. A mãe dele, Bruna Silva carrega como uma bandeira a camiseta da escola ainda com a mancha de
sangue que o menino usava na hora que foi atingido. Vídeo: Bruna Silva mãe do menino Marcos Vinicius
morto na Maré dá depoimento tocante. Disponível em:
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-bruna-silva-mae-do-menino-marcos-vinicius-morto-
pela-policia-na-mare-da-depoimento-tocante/. Acesso em: 09 Dez.2019.
120

de oito metros de comprimento no qual leva a foto da filha Ingrid Mayara, morta por um
policial enquanto trabalhava entregando quentinhas162.
Deize Carvalho, Mãe de Andreu Carvalho morto em 01 de janeiro de 2008 em
uma unidade do sistema socioeducativo do Rio de Janeiro após ser torturado, reproduziu
muitas vezes a frase que parece demonstrar o quanto esse grito por justiça está marcado
pela memória: nossos mortos têm voz. A frase foi escrita em branco numa faixa preta
enorme e parece reafirmar que os filhos vivem em suas memórias. Onde a Maternidade
Ultrajada (ROCHA, 2017)163 impulsiona as mulheres-mães para luta ao mesmo tempo
em que constroem resistência em seus territórios de moradia.

Figura 24: Movimentos de Mães e Familiares realizam ato na frente da Igreja da Candelária por ocasião do II
Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado no Rio de Janeiro – maio/2017. Foto:
acervo pessoal.

162
A filha de Sandra Sales, Ingrid Mayara. Sandra Sales Página do Facebook.
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=341106493054633&set=picfp.100014658554958&type=3&t
heater. Acesso em: 09 Dez.2019.
163
Maternidade Ultrajada entendida como uma expressão da indignação pela impossibilidade de exercer
a maternidade devido a violência e o descaso perante o sofrimento negro. O ultraje impulsiona as mães a
pensarem em alternativas para aquilo que leva os seus filhos e elas mesmas para a morte – física e/ou
social.(Idem, p.51)
121

As linguagens utilizadas para fora são parecidas, mas destoam das que são
utilizadas para dentro. Identifiquei inclusive a diferença no tom utilizado pelas Mulheres-
Mães quando dos atos realizados nos territórios, especialmente em Manguinhos – local
onde cresci. Talvez tenha identificado isso por conhecer as pessoas e a forma como elas
circulam no território e se relacionam entre si. Os olhares e a mobilização, assim como a
forma com que as mensagens são passadas, diferente do tom de altivo e duro com que as
falas são feitas no asfalto, até porque nesses atos a polícia costuma estar presente de
maneira ostensiva e violenta, gerando uma reação ainda mais dura, mesmo no silêncio
coo se vê na fotografia abaixo:

Figura 25: Com a bandeira das Mães de Manguinhos, Eliene Vieira, Monica Cunha e Ana Paula impedindo a
passagem do caveirão pacificador no Ato Justiça Para Ághata no Complexo do Alemão, 2019. Foto: May Donaria

As estratégias de realização dos atos para dentro tem sido uma prática recorrente
nos movimentos sociais de favelas. Durante a pesquisa que realizei sobre a história de
Manguinhos – citada no começo deste trabalho –, tive acesso a panfletos e histórias
contadas sobre as mobilizações realizadas na favela. Barros (2016) apresenta com
detalhes as ações realizadas pelo FSM desde sua fundação em 2007. No caso dos atos
realizados pela violência do Estado, entendida em seu sentido amplo, dou alguns
exemplos:
122

Figura 26: Cartazes de atividades culturais em Manguinhos em 2013. Acervo Pessoal..

Figura 27: Cartazes de atividades cultural (em memória de Paulo Roberto) e de plenária em Manguinhos para discutir
segurança pública em 2014. Acervo Pessoal

Além dos atos, alguns usos de instrumentos físicos/simbólicos são importantes e fazem
parte do repertório que se utiliza da memória como ferramenta de resistência. O primeiro
instrumento que demonstra o uso da memória como resistência pelas Mães é a camiseta com a
foto de seus filhos. Em Manguinhos cada família criou uma camiseta com uma fotografia que
marcasse a memória do filho querido: a camiseta da família Pinho trazia quatro fotos de Paulo
Roberto em momentos de alegria, vestido com a blusa do flamengo e comemorando
aniversários; A da família Oliveira trazia Jhonatha usando a farda do Exército; A da família
Soares trazia Christian com seu sorriso de criança feliz. A foto da camisa que a Mãe Janaina
carregava, circulou o mundo depois que ela faleceu em novembro de 2018.
123

Os outros instrumentos são placas em púlpitos instalados em lugares de destaque nos


territórios onde as violências ocorreram. No caso da Chacina do Morro do Borel (2003), onde
quatro jovens foram assassinados, a placa foi instalada no marco dos dez anos. Na placa, lê-se
a frase muitos falarão por nós– que denota que apesar de não terem podido se identificar, suas
vozes seguirão vivas –, assim como os nomes e idades dos mortos164. Seguindo este exemplo
em 2016, os Movimentos Mães de Maio e Mães de Manguinhos – nas atividades do I Encontro
Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado (em SP e RJ) – inauguraram
placas em SP165 e em Manguinhos em memória dos mortos dos Crimes de Maio e dos mortos
de Manguinhos.
Além das camisetas e das placas, existe a bandeira dos movimentos. No caso do
Movimento Mães de Manguinhos, em duas versões. Na primeira (figura 27) contendo as
fotografias de Matheus de Oliveira Casé e Paulo Roberto Pinho de Menezes (mortos em 2013),
seguidos de Jhonatha de Oliveira Lima e Afonso Maurício Linhares (mortos em 2014), depois
a foto de Christian Soares Andrade (morto em 2015) e depois deles Caio Daniel Faria e João
Batista Soares de Souza (mortos em 2016).

164
‘No Rio, manifestação lembra 10 anos da chacina do Borel’. Disponível em:
http://nucleopiratininga.org.br/no-rio-manifestacao-lembra-10-anos-da-chacina-do-borel/. Acesso em: 18
Ago.2019.
165
‘Mães inauguram memorial para relembrar mortos dos crimes de maio’. Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-05/maes-inauguram-memorial-para-relembrar-
mortos-nos-crimes-de-maio. Acesso em: 18 Ago. 2019.
124

Figura 28: Manifestação realizada na Praça da Piedade em Salvador durante o III Encontro Nacional das Mães. No centro a
Bandeira das Mães de Manguinhos, à direita, Janina Soares com a camiseta com a foto de Christian. Foto: acervo pessoal.

Figura 29: Fotografia da bandeira das Mães de Manguinhos produzida em 2019. Foto: reprodução da internet.

Na figura 29 novos rostos: o de Matheus Melo, morto em 2018 dois dias antes da
Vereadora Marielle Franco, e de Carlos Eduardo Santos Lontra e Rômulo Oliveira, vítimas no
125

caso dos Snipers, mortos em janeiro de 2019. Da mesma forma foram incluídas no púlpito de
mármore duas novas placas com os nomes dos mortos de Manguinhos e de Marielle, Janaína e
Vera Lucia, das Mães de Maio166.

Figura 30: As placas instaladas em Manguinhos. A primeira em maio de 2016 e a segunda em maio de 2019. Fotos:
reproduzida da internet. Foto 02: acervo pessoal.

Outra estratégia que vem sendo utilizada em Manguinhos desde a primeira morte
cometida por policiais da UPP é a ocupação cultural dos espaços onde as mortes aconteceram
com a presença de artistas/ativistas, movimentos sociais de outros locais das cidade onde
acontece a leitura de poesia, onde ouve-se música e se produz arte como forma de resistência
ás violências impostas especialmente pelo Estado. Tal estratégia é utilizada desde a morte de
Matheus Casé, em março de 2013, e segue como uma prática de resistência que envolveu muitas
das pautas que afligiam Manguinhos e outras favelas da cidade.
Em 2016, elas não marcaram o território de Manguinhos somente com a placa que
instalaram, elas utilizaram outras estratégias uma delas a de utilizar as paredes, de marcar na
paisagem através da arte visual dos grafites a memória guerreira da luta e de seus filhos,
deixando explícito que a violência exercida pelo Estado e que tombou os membros daquela

166
‘Foram viajar, um dia viajo também. Vamos nos encontrar e matar a saudade’. Disponível em:
https://ponte.org/vera-lucia-maes-de-maio/. Acesso em: 18 Ago.2019.
126

comunidade de maneira brutal, não passa e não passará em branco, e que a memória dos mortos
será semeada, como se lê no muro do Campo do Society:

Figura 31: Desenho no muro do Campo Society, maio/2016. Reprodução da internet.

Figura 32: Desenho no muro do Campo Society, maio/2016. Reprodução da internet.

As memórias cultivadas pelas mulheres-mães estão também representadas nas árvores


plantadas em Manguinhos, que resistem e dão frutos. Abaixo está Bianca, a árvore que ganhou
o nome da neta de Vera Santos das Mães de Maio. Ana Paula, sua filha, estava grávida de oitos
127

meses quando foi morta junto com o companheiro nos Crimes de Maio de 2006, em Santos
(SP).

Figura 33: O dia do plantio. Foto: Planta na Rua, maio de 2016.


128

Figura 34: Colocação de nova placa em memória de Vera Santos em maio de 2019. Na foto da esquerda para direita: Paula
Bonatto (FSM), Eliene Vieira, Patricia Oliveira (Rede) e Ana Paula. Foto: Rafael Daguerre, Mídia 1508.

Na primeira placa colocada na árvore Bianca, lia-se Bianca resiste em Manguinhos


desde 2016. A árvore foi plantada por Vera, na mesma praça que outras Mães plantaram árvores
para seus filhos naquele ano e em 2019. A palavra “resiste” foi colocada nas placas porque a
praça onde foram plantadas, assim como a maior parte de Manguinhos, é anualmente atingida
por enchentes. A beleza do plantio das árvores – ainda tenha sido uma cerimônia
completamente entranhada pela tristeza da perda e da saudade, está justamente em ser uma
marca firme na paisagem de Manguinhos. Uma marca viva.
Importante notar que a resistência materializada nas marcas que ferem o território –
como disse Adriana Vianna certa vez – pode ser reconhecida quase que como um contraponto,
em menor escala, à estratégia colonial apresentada por Mbembe (2017) de criação de estátuas
e imagens que exacerbam o poder do colonizador em detrimento do colonizado, tornando-o
menor e sem valor. Uma estratégia de resistência ao passo que marca para dentro de seu
território a dignidade dos mortos e da sua própria, como mulheres-mães e como parte da
comunidade, considerando sua identidade construída com o local.
As paisagens das favelas, com becos ou ruas, casas de alvenaria ou não, a visão que se
tem a partir de cada casa, ou ainda as pipas no céu em tempos de férias escolares, o campo de
futebol, a praça, as travessias, as escolas, os trabalhadores nas construções, limpando as ruas,
organizando o precário saneamento são elementos que compõem parte concreta dos territórios
129

favelados. As marcas nesse lugar e as relações que nele se formam, corroboram para a criação
de uma identidade “favelada”.
[...] o patrimônio arquitetônico e seu estilo, que nos acompanham por toda a nossa
vida, as paisagens, as datas e personagens históricas de cuja importância somos
incessantemente relembrados, as tradições e costumes, certas regras de interação, o
folclore e a música, e, por que não, as tradições culinárias. Na tradição metodológica
durkheimiana, que consiste em tratar fatos sociais como coisas, torna-se possível
tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória
coletiva de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e
classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o
que, o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e
as fronteiras sócio-culturais. (POLLAK, 1989, p.3)

Nesse lugar onde lembrar é viver, as marcas nas paredes, seja dos projéteis, ou das
pichações com nomes de mortos ou presos – marcas também citadas por Pollak (1989) e
Mbembe (2017) – corroboram inclusive com formas de fazer anterior como é possível
identificar nas paredes das cidades, com frases de pedido de paz e marcando a memória
daqueles que morreram, quase sempre assassinados.
A outra face dessa estratégia que faz da memória resistência, parece ser experimentada
na segurança no ambiente da luta, quando os laços que se construíram são suficientemente
fortes. Há um compartilhar de experiências, não na disputa, não nos símbolos que travam uma
batalha sobre qual narrativa vai reestabelecer a dignidade da vida que foi findada pela violência
do Estado, mas um compartilhar vida dos filhos que ainda existe em suas memórias, como na
música do Emicida vai ser tão bom.
Nesse compartilhar de memórias – faladas em conversas de bar, nos micros e megafones
ou marcadas nas paredes, na terra e na vida de seus vizinhos, nos seus territórios que aparecem
–é que o uso que essas mulheres-mães fazem da memória dizem respeito ao seu fortalecimento
próprio e das suas companheiras. Em abril de 2017, vivi uma experiência muito forte com as
Mães Vera Lúcia (Mães de Maio), Monica Cunha (Movimento Moleque)167, Rute Fiúza (Mães
de Maio do Nordeste)168 e uma companheira de uma organização de direitos humanos da Bahia,
que me fez perceber o quão importante para a resistência cotidiana a memória guardada por
essas mulheres-mães.

167
Monica fundou o movimento com outra Mães de jovens que se tornaram autores de ato infracional, como ela
mesma diz, e que tiveram experiência de internação (privação de liberdade) no sistema socioeducativo. Seu filho
Rafael da Silva Cunha foi sumariamente executado com um tiro depois de ser colocado de joelhos.
168
Rute Fiúza é mãe de um jovem desaparecido. Depois de alguns anos de luta, fundou recentemente, com apoio
de Débora Silva, o Movimento Mães de Maio do Nordeste. Seu filho, Davi Fiúza desapareceu após ser sequestrado
por policiais militares em Salvador quando tinha 16 anos.
130

Estive em Fortaleza (CE) convidada para participar, como pesquisadora da Justiça


Global, de um evento sobre encarceramento, racismo, mulheres e juventude169. Lá tive a
oportunidade de rever várias Mães da Rede Nacional e conhecer outras que se agregaram desde
então ao movimento nacional. Uma dessas Mães, era Vera Lúcia. Foram poucas as vezes em
que ela contou detalhes sobre a morte de sua filha. Ela era mulher de pouca conversa e
carregava as marcas físicas e psíquicas das perdas e do cárcere.
Ela investigou a morte da filha, Ana Paula que foi morta grávida de oito meses – a espera
de Bianca – ao lado do companheiro Eddy Joe. Depois de muito tempo buscando pistas e
checando informações, ela chegou aos nomes de quem havia destruído sua vida. Mas o sistema
é frio só sente ódio e ri como a hiena, já diriam os Racionais MCs. Vera teve sua casa forjada
com drogas, foi presa e condenada e passou alguns anos na cadeia. No dia que nos encontramos
em Fortaleza, em um momento de descontração depois de algumas horas de papos, risos e
choros, ela contou os detalhes do que houve e falou sobre quem era Ana Paula. Pude presenciar
um sorriso no rosto daquela mulher tão séria. Num rompante de presença da filha, que adorava
dançar. Monica Cunha e Rute Fiúza, por sua vez pareciam de fato reviver a presença de seus
filhos, sorriam ao fechar os olhos, lembrando de como eram em casa e de como expunham seu
amor por elas.
Nesse ritual de fortalecimento mútuo, quando as mulheres- mães contam sobre o sobre
o cotidiano dos filhos para pessoas como elas, de experiências de vidas parecidas, outras
mulheres negras, não necessariamente mães ou para jovens e companheiras/os de luta, é que a
memória se configura como experiência de vida. No sentido mesmo de fazer de reviver o toque,
a fala, o abraço do/a filho/a.
É uma experiência inexplicável para uma mulher como eu que não tem filhos e que
materializa o aviso de que nós, as apoiadoras estamos em outro lugar na luta, ou seja, de que
não somos mães. Nesses momentos, elas não gritam a vida pela dor como fazem para marcar
posição na disputa com o Estado que desconsiderou a humanidade de seus filhos e filhas, mas
compartilham os sentimentos que carregam na memória: alegria, orgulho e carinho, que vão
sendo revividos no contar sobre o abraço, sobre o sorriso, sobre a piada ‘da qual todos riam por
ser sem graça’; sobre o gostar de dançar funk e break dance.
Nesse sentido é que a memória, quando compartilhada como história da vida, se faz
vida; Quando afaga a alma nos poucos momentos em que a memória disputada, individual e

169
Seminário no Ceará discute racismo e injustiças nas prisões. Disponível em:
https://www.fundobrasil.org.br/seminario-em-fortaleza-discute-racismo-e-injusticas-nas-prisoes/. Acesso em: 10
Dez.2019.
131

coletiva busca comprovar a humanidade da vítima e descansa, e o sentido da existência política


se conforma em coletividade de forma circular, permitindo que a sujeita transforme o pessoal
em político e o luto em luta pela memória dos que foram assassinados e pelos que ainda estão
vivos, construindo assim, laços de solidariedade e reconhecimento entre os seus, aqueles com
quem compartilha a vida e a dor da morte.
A “tomada de fala” se faz de forma pública pela dor e pelo choro, na denúncia, aqui se
faz pelo desejo de reviver a presença e o afago dos filhos e filhas brutalmente retirados de suas
vidas materiais, que não vivem mais em suas memórias privadas, mas na memória coletiva, nos
territórios físicos e subjetivos e na memória de quem luta contra o genocídio. Essas guardiãs
da memória resistem à mortes geradas pelo uso ininterrupto de mecanismos e instrumentos da
necropolítica –racista, patriarcal, heterossexista – exercida nas favelas. Utilizando em
múltiplas escalas um bem valioso que guardam consigo: a memória.
132

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Papo reto, nosso


vou te passar a visão
já que a real
não se vê na televisão
Essa mídia tem um lado
ser porta voz do Estado
como muitos nos ferrando
se passando de aliado
É chegado a hora
os divergentes se juntar
partimos pro caô
não há quem possa segurar
O problema não é meu, nem seu
é nosso, não sabia?!
punhos cortando o ar
mostram não somos minoria
Hoje o Quilombo vem dizer
Favela vem dizer
A Rua vem dizer
que é NÓS por NÓS

Quilombo, Favela, Rua170 – Mano Teko

Desde o famigerado ‘descobrimento do Brasil’, seja lá a forma de governo que se tenha


tido nos vários momentos históricos dos quais se tem notícia, os pactos entre as elites se deram
como fundadores e mantenedores de uma racionalidade colonial baseada na exclusão da maior
parte da população, ao menos das decisões políticas com a consequente ocupação de seus
territórios. O que implica destacar que mesmo com os diversos rearranjos que tivemos, a morte
continua sendo o principal meio de controle utilizado contra “os de baixo”.
Histórias de milhares de pessoas têm sido há séculos reduzidas ao pequeno poder de
grupos armados que atuam com o varejo de drogas – mas que já foram chamados malfeitores,
maltrapilhos, passando por ladrões, chegando aos famigerados traficantes. Como Fanon
(1968) nos ensina, a sociedade colonial tem um caráter maniqueísta e é assim que se faz do
colonizado a quintessência do mal. Nesse sentido é que importa reconhecer e delimitar o quão
fundamental são as relações sociais instituídas no Brasil, que se forjou a partir da violência
extrema, a mesma que é autorizada tacitamente pela sociedade e que por consequência segue
em crescente assassinando pessoas negras em nome da lei.

170
A música do MC carioca foi apropriada pelas Mães e é cantada e declamada em atos públicos, palestras e mesas
de debate, como um hino.
133

A recente democracia brasileira, que nasce desses pactos, relegou aos negros e indígenas
o lugar de inimigo. Uma maioria de pessoas descendentes de escravizados que sequer foram
reparados dos danos sofridos por gerações inteiras e que amargam violências diárias vinda do
Estado Democrático.
A Constituição Federal na qual se baseia a democracia brasileira sequer conseguiu se
instituir e já sofre ataques dos mais cruéis. Todos voltados a mesma maioria da qual falamos
desde o início desta dissertação. Ainda assim, há expectativa de que a democracia não seja
considerada apenas em sua forma de governo atual, na qual o voto se configura como seu
principal baluarte.
A organização popular que criou as irmandades negras que negociaram e financiaram a
alforria de centenas de pessoas escravizadas (séculos XVIII e XIX), a imprensa negra que se
dispôs a organizar afro-brasileiros para a luta política pela reabertura democrática e a
organização popular que deu vida à Constituição Federal (século XX) ainda nos permite ter leis
frias instrumentos de defesa e garantia de direitos.
Os homicídios naturalizados e legitimados institucionalmente, que são o fim de uma
linha marcada pelo terrorismo de Estado utilizado como forma de gerir a vida das populações
na favela, legitimam o permanente estado de exceção nesses territórios confirmando o exercício
da necropolítica do Estado brasileiro.
Os discursos legitimadores da violência e desfiguradores do racismo aparecem ao longo
do tempo como um fator importante e atravessa as vidas nas favelas de forma aterradora, mas
não sem resistência. As Mulheres-Mães ao longo de sua trajetória de luta, promovem a
organização política, com apoio mútuo e construção de metodologias e estratégias de atuação
(GUARIENTO; CRUZ, 2018), ao passo que se conformam como sujeitas em um processo
dialético no qual o apoio afetivo e político entre mulheres e para mulheres que contribui para a
leitura crítica da realidade em que vivem, permitindo inclusive a apropriação dos instrumentos
jurídicos e políticos que são disponibilizados a partir da atuação violenta dos agentes de Estado
em suas múltiplas instituições.
A prática milenar da linguagem (FANON, 2008) falada, escrita por palavras ou
símbolos, trazida pelas pessoas negras em Diáspora ao longo de séculos, se conforma na
contemporaneidade como um importante instrumento de luta, por aquelas que, desde o berço
da humanidade, são as guardiãs da memória: as mulheres.
Nesta dissertação busquei sistematizar e analisar as práticas implementadas pelas
mulheres-mães organizadas em movimentos e coletivos, que fazem uso da memória como
instrumento de luta para o reconhecimento da humanidade de seus filhos, ao passo que
134

compartilham e pleiteiam os sensos de justiça acumulados ao longo de suas vidas e da luta após
a violência sofrida por seus filhos.
Também pude identificar que as mulheres-mães fazem uso, da memória compartilhada
como instrumento de luta em três escalas diferentes: uma mais ampla, para fora com a denúncia
sobre a violência sofrida e do genocídio em curso; e outras duas para dentro. Uma que fala para
os seus, para o território, que fere e deixa marcas permanentes nos seus locais de moradia, e
outra, mais íntima que funciona para si e para os círculos de proximidade e segurança, que
aparece como forma de sentir, de reviver a presença de quem partiu gerando também
fortalecimento para si, que se concretiza na seguinte frase dita pelas Mães de Manguinhos:
Enquanto eu viver serei a voz do meu filho.
Esta pesquisa, aponta para outros caminhos de investigação que indicam para o
desenvolvimento do Estado Democrático de Direito no Brasil, que sobre suas bases racistas,
patriarcais e heterossexistas parece vir implementando um ataque organizado e sistemático às
resistências femininas negras por vias diversas que não somente a execução de seus filhos.
Se acreditamos nas palavras de Angela Davis, quando afirma que quando as mulheres
negras se movimentam, movimentam toda sociedade, estamos falando não somente da base de
sustentação material da sociedade brasileira, mas das possíveis genitoras de um povo livre,
conforme as afirmações de Débora Silva: as mulheres-mães a quem devemos a continuidade de
nossa existência, que seguem gerando vida e que vão parir um novo Brasil.
135

Figura 35: Ana Paula Oliveira, Fátima Pinho (com Anthony na barriga) e Eliene Vieira, As Mães de Manguinhos <3. Foto:
Coletivo Mulheres do Vento.
136

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ocupadas-por-indigenas-em-ms.html. Acesso em: 21 Fev. 2019.

Exposição Tá na Rua em Manguinhos. https://www.anf.org.br/a-exposicao-ta-na-rua-em-


manguinhos/. Acesso em: 08 Dez.2018.

Familiares amigos e fãs se reúnem para enviar cartas a DJ Rennan da Penha. Disponível
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Favelas com UPP são os pontos turísticos da vez. Disponível em:


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Fiocruz denunciou tiros da Cidade da Polícia em direção a Manguinhos em


2018.https://extra.globo.com/casos-de-policia/fiocruz-denunciou-tiros-da-cidade-da-policia-
em-direcao-manguinhos-em-2018-rv1-1-23450829.html Acesso em: 23 Jun.2019.

Forças Armadas assumem ocupação de 15 comunidades da Maré, Rio. Disponível em:


http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/04/forcas-armadas-assumem-ocupacao-de-15-
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Helicóptero da PM cai na Zona Oeste do Rio e quatro policiais morrem. Disponível em:
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Helicóptero da Polícia Civil atira ao lado da base da UPP Jacarezinho, dizem PMs.
Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/helicoptero-da-policia-civil-
atirou-ao-lado-de-base-da-upp-jacare-dizem-pms.ghtml. Acesso em: 20 Jun. 2019.

Homicides in Brazil remain above 59,000 yearly. Disponível em:


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IBGE mostra as cores da desigualdade. Disponível em:


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Imagens mostram perseguição e caçada ao traficante Matemático. Disponível em:


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Noite de guerra e troca de tiros no na favela do Jacarezinho – BCN News. Disponível em:
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Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-NotaTecnica-
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O Eco dos 111 tiros de Costa Barros. Disponível em:


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O que mudou na exploração do Pré-Sal? Disponível em:


https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/06/O-que-mudou-na-
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O Rio não amanheceu: mortes a tiros e uma mãe que tombou. Disponível em:
https://ponte.org/artigo-o-rio-nao-amanheceu-mortes-a-tiros-e-uma-mae-que-tombou/ .
Acesso em: 27 Out.2019.

Os territórios integrados da Atenção em Saúde em Manguinhos: somos todos aprendizes.


Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2012. Disponível em:
http://andromeda.ensp.fiocruz.br/teias/sites/default/files/arquivo_nossa_producao/livro_fim.p
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Parentes afirmam que morto em Manguinhos foi baleado por sniper da polícia civil.
Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/parentes-afirmam-que-morto-em-
manguinhos-foi-baleado-por-sniper-da-policia-civil-23414399.html. Acesso em: 23 Jun.2019.

Parentes dos 7 mortos na Cidade de Deus falam em execução. Disponível em:


https://globoplay.globo.com/v/5464449/ Acesso em: 21 Jun.2019.

Perícia examina local onde vítimas teriam sido atingidas por snipers em Manguinhos.
Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/pericia-examina-local-onde-vitimas-teriam-
sido-atingidas-por-snipers-em-manguinhos-23461711. Acesso em: 23 Jun.2019.

PM ocupa Cidade de Deus após queda de helicóptero; sete moradores são mortos.
Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,confronto-na-cidade-de-
deus-durante-operacao-policial-tem-sete-mortos,10000089480. Acesso em: 21 Jun.2019.

PM que matou jovem com tiros nas costas em favela do Rio cai em contradição.
Disponível em: https://ponte.org/pm-que-matou-jovem-com-tiro-nas-costas-na-favela-de-
manguinhos-no-rio-cai-em-contradicao/. Acesso em: 09 Jun.2019.

PMs absolvidos após plantar arma em cena de crime: “o pior momento do Rio.
Disponível em: https://ponte.org/pms-absolvidos-apos-plantar-arma-em-cena-de-crime-o-
pior-momento-do-rio/. Acesso em: 20 Jun.2019.

Policiais tentam invadir favela no RJ para apreender armas e drogas. Disponível em:
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Policial morre baleado no pescoço em operação no Rio. Disponível em:


https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/11/policial-civil-morre-
baleado-no-pescoco-durante-tiroteio-no-rio.htm. Acesso em: 20 Jun.2019.
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Policial morre baleado no pescoço em operação no Rio. Disponível em:


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da-morte-e-seus-fantasmas/ Acesso em: 20 Nov. 2019.

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estado-e-aprovado-no-rj/. Aceso em: 18 Ago.2019.

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Sandra Sales Página do Facebook.


https://www.facebook.com/photo.php?fbid=341106493054633&set=picfp.100014658554958
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Sandro Barbosa do Nascimento.


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Seminário no Ceará discute racismo e injustiças nas prisões. Disponível em:


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Snipers em Manguinhos: laudo revela que disparo que matou porteiro veio de cima.
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Suspeito de assassinato de policial da CORE é morto no Jacarezinho. Disponível em:


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Suspeito de matar policial da Core no Jacarezinho é preso no nordeste. Disponível em:


https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/suspeito-de-matar-policial-da-core-no-jacarezinho-e-
preso-no-nordeste-05092017. Acesso em: 21 Jun. 2019.

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Transformei meu luto em luta. Mães do Curió – Página do Facebook Disponível em:
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900636723436118/. Acesso em: 20 Jun. 2019.

Um ano depois assassinato de Eduardo de Jesus é relembrado por moradores.


Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/um-ano-depois-assassinato-de-eduardo-de-jesus-
relembrado-em-ato-de-moradores-19008704. Acesso em: 09 Dez.2018

Uma casa para Lala. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/uma-casa-para-


lala/. Acesso em: 09 Dez.2019.

Uma noite no coração do mal carioca. Disponível em:


http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI192854-
15223,00%20UMA+NOITE+NO+CORACAO+DO+MAL+CARIOCA.html. Acesso em 25
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Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Parte 2: 2010-2011. Disponível em:


https://rioonwatch.org.br/?p=13577. Acesso em: 21 Nov.2019.

Vídeo: Bruna Silva mãe do menino Marcos Vinicius morto na Maré dá depoimento
tocante. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-bruna-silva-mae-
do-menino-marcos-vinicius-morto-pela-policia-na-mare-da-depoimento-tocante/. Acesso em:
09 Dez.2019.

Vinte anos após a morte do filho pela PM, pai diz que crime não pode ser esquecido.
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/trabalhador-nao-quer-
que-morte-do-filho-seja-esquecida. Acesso em: 18 Ago. 2019.
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Vinte anos após a morte do filho pela PM, pai diz que crime não pode ser esquecido.
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que-morte-do-filho-seja-esquecida. Acesso em: 18 Ago. 2019.

Witzel antecipa extinção da Secretaria de Segurança Pública para segunda-feira.


Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/witzel-antecipa-extincao-da-secretaria-de-
seguranca-publica-para-segunda-feira-23365291. Acesso em: Dez.2019.
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ANEXOS
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