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Eu*gerníwlo

,g{onunmií:""'Jffi ;X1HL";"",['oXl?;,0",
ativamente da Iuta pela libertação
de seu país, como militante da
Frente de Libertação
de l\y'oÇambique (Fretimo).
Devido às suas atividades
políticas, foi preso em 1964 e Íicou
encarcerado durante irês anos.
Hoje é um dos mâis conhecidos
escrjtores moçambicanos.
Sua obra vem sendo divuloada
e trâduzida em diversos países.
Além de alto funcionário do
governo, Honwana é
presidente da
OrganizaÇão
Nacional dos
Jornalistas de
Moçambique.
ornEÇÁo:

car'êÍo ê oerí'm Fúl warà


Ploi.ro GráÍld, Ary No,mânrrâ
DrÀGB^M^qrO:

r980

todos os dneitoÍ retetrd.los


eàitoto ática s-a./tua hordo de iquape, 110
teleÍone: pbx 278-9322 (50 ramnis)/caixo Postol 8656
end. têlesúÍico: "honlirto" / s1o Pdulo.
Nós lvlatâmôs
o Cão-Tinhoso
Nós Matamos
lnvêntário de o Cáo{inhoso
lmóveis e Jacêntes

O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis..

O Cão-Tinhoso tinha un§ olhos azuis que não tinham


brilho nenhum, mas eram enormes e estavam sempre cheios
de tágrimas, que the escorriam pelo focinho. Metiâm medo
aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar como uma pes-
soa a pedir qualquer coisa sem querer dizer.
Eu via todos os dias o Cão-Tinhoso a andar pela
sombra do muro em volta do pátio da Escola, a ir para
o canto das camas de poeila das galinhas do Senhor Pro-
Cobra e fessor. As galinhas nern fugiam, porque ele não se metia
com elas, sempre a andar devagar, à procura de uma
cama de poeira que não estivesse ocupâda.
O ião-Tinhoso passava o tempo todo a dormir, mas
às vezes andava. e então eu gostava de o ver, com os ossos
todos à mostra no corpo magro Eu nunca via o Cáo-
-Tinhoso a correr e nem §ei mesmo se ele era eapaz disso,
' porque andava todo a tÍemer, mesmo sem haver frio,
iazendo balanço com a câbeça, corno os bois e dando un§
passos tão malucos que parecia uma carroça velha.
Houve um dia que ele ficou o tempo todo no portão
da Escola a ver os outros cães â brincar no papim do
outro lado dâ estrada, a correr, a co(er, e a cheirar de_
baixo <lo rabo uns âos outros. Nes§e dia o Cáo-Tinhoso
tremia mais do que nunca, mas foi a única vez que o vi
com a cabeça levantada, o rabo direito e longe das pemas
e as orclhas espetadas.
Os outros cães às vezes deixavam de brincar e fica- Dorque era um cão feio. Tinha çmpre muitas moscas a
vam a olhar para o Cào-Tinhoso. Depois zangavam-se e àomerJhe as crostas das feridas e quando andava. as mos-
punham-se a ladrar, mas como ele não dissesse nada e ú cas iam com ele, a voar em Yolta. Ninguém gostava de
ficasse paÍa ali a olhar, viravam-lhe as costas e voltavam lhe passar a mão pelas costas como aos outro§ câes' Bem,
a cheirar debaixo do rabo uns aos outlos e a corler. a Isàura era a única que fazia isso.
Duma dessas vezes, o Cão-Tinhoso começou a chiar O Quim disse-me um dia que o Cão-Tinhoso era
com a boca fechada e avançou com a cabeça muito direita muito velho, mas que quando ainda era novo deúa ter
e as orelhas mais espetadas do que nunca. sido um cão com o pêlo a brilhar como o do Mike O Quim
Os outros cáes ficaram um bocado a pgnsaÍ no que disse-me também que a§ feridas do Cão-TiDhoso eram por
haviam de fazer. É que o Cão-Tinhoso queda fu meter-se causa da guerm e da bomba atômic*, mas i§§o é capaz
com eles. de seÍ peta. O Quim diz muita§ coisas que a gelte nem
Depois o cão do Senhor Sousa, o Bobi, disse qualquer pensa que podem não ser verdadeiras, porque quando ele
coisa aos ouhos e avançou devagnÍ até onde estava o às contà a gente fica tudo de boca aberta. A malta gosta
Cão-Tinhoso. O Cào-Tinhoso fingiu não ver e nem se de ouvir o ôuim a contaÍ coi§as de outras teffa§ e os fil-
mexeu quando o Bobi lhe foi cheirar o rabo: olhava sem- mes que vai ver lá em Lourenço Marques, no Scal-a, e
preem frente. O Bobi, depois de ficar uma data de tempo as coiias do El Índio Apache a jogar luta-livre e a fazeÍ
a andar em volta do Cão-Tinhoso, foi a correr e dis§e toumda, e aquito que El Indio Apache fez ao Zé Luís no
qualquer coisa aos outros * o Leáo, o Lobo, o Mike, o Continental. O Quim diz que El Indio Apache ú não
Simbi, a Mimosa e o Lulu e puseram-se todos a ladmÍ vai ao focinho ao Zé Luis porque não quer.
-
muito zangados para o Cão-Tinhoso. O Cáo-Tinho§o não O Quim disse-me isso de o CãoTinhoso ser muito
respondia, sempre muito direito, mas eles zangaram-se e
velho quando um dia o vimos a bocejar sem dente§ na
avançaram para ele a ladÍâr cada vez mais de alto. Foi
então que ele recuou com medo, e voltando-lhe§ as co§tas,
boca. Foi ne§§e dia que me contou a história da bomba
veio para a Escola, com o rabo todo enfiado. atômica com os japoneses pequeninos a morrer todo§ que
Os outros cães ainda ficaram um bocado a ladrar era uma beleza e o Cão-Thhoso d fugir depois de ela
para o portão da Escola, todos zangado§, mas voltaram rgbentaÍ e â correr uma distância mon§tm pala não mor-
para o capim do outro lado da estrada para continuar a rer. O Quim não me contou a história toda logo de uma
corÍer, a rebolaÍ, a fingir que se mordiam uns aos outros, . vez e disse que §ó a acabava se eu me portasse bem lá
a çorrer, a correr e a cheirar debaixo do rabo un§ aos dentro, na prova. Eu passeilhe qua§e toda a Prova mas
outro§. a Senhora Professora topou e deu-lhe 8 reguadas no rabo'
De vez em quando o Bobi olhava para o Portáo da Quando saímos eu não lhe Pedi pam âcabar a hi§tóÍia
Escola, e, lembrando-se do Cão-Tinhoso, punha-se a ladrar dà bomba atômica porque ele eta capaz de se lembrar
outra yez. Os outros, ao ouvi-lo, deixavam de brincar e do que a Senhora Professora lhe tinha feito lá dentro e'
punham-se tamMm a ladrar, muito zangados, para o por- zangàr-se comigo. Ele ú a acabou à tarde na loja do Sá,
tão da Escola. antel de come4armos a iogar o sele-e-meio a cigarros'
O CãGTinhoso tinha a pele velha, cheia de pêlos Todos ficaram de boca aberta a ouvir. Até, o Sá
brancos, cicatrizes e muitas teridas. Ninguém gostava dele deixou de atender os fregueses para ouür o Quim a contar'

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Ele contou tudo desde o princípio sem ninguém pe- se me havia de levantar ou não quando ela passava, por-
dir, mas era difercnte daquilo que tinha começado a contar qug era chato levantar-me todas as vezes que ela passava
na Escola, porque já não metia Cão-Tinhoso. Eu não por mim. De resto, era mesmo capaz de estaÍ a pensar
disse nada porque ele eÍa capaz de se zangar comigo. 1 I que eu não dava por ela, por estar de costas para o sítio
A Isaura era a única que gostava do Cão-Tinhoso por onde passeava, e não me pergunt{ depois, na aula,
e passava o tempo todo com ele, a dar-lhe o lanche dela
para ele corher e a fazeÍ-lhe festinhas, mas a Isaura era
I se os meus pais nâo me davam educaçào.
Eu estava a pensar nisso e a comer o lanche, quando
maluquinha, todos sabiam disso. vi que a Isaura andava à procura do Cáo-Tinhoso. Depois
A Senhora Professora já tinha dito que ela não regu- Íoi lâ para fora e espreitou a rua toda, Como não visse
lava lá muito bem e que o pai a havia de tirar da Escola .,
o Cão-Tinhoso, ficou no portão a olhar para todos os lados
pelo Natal. até que me üu. Ficou uma quantidade de tempo a olhar
A Isaura não brincava com as outras meninas e era para mim e, depois, veio até às escadas, a andar devaga-
a mais velha da segunda classe. A Senhom Professora tinho e de lado, subiu-as, e quando chegou perto de mim
zangava-se por ela não saber nada e dar erros na cópia, , voltou-se para uma coluna e pôs-se 1á a riscar qualquer
e dizia-lhe que só náo lhe dava reguadas porque sabia
coisa, muito di§traída, Perguntou-me como §e e§tivesse a
que ela não iinha tudo lá dentro da cabecinha.
falar com outra pessoâ que eu nâo via:
Quando ia parâ o estrado ler â lição não se ouvia
nada e a gente dizia Viste io méú cão? Hein? Viste?
nada' e a Senhora
"Não se ouve nada, não se ouve
- Professora dizia que os meninos
-Como eu não desse nenhuma resposta, porque era
da qua- a classe não tinham ÍIada que ouvir. Então os a primeira vez que ela falava comigo, insistiu:
meninos da segunda classe começavam a dizer: "Não se Nào pâssou lá para fora?.. .
ouve nada, não se ouve nada." A Senhora Professora
-Nisto, o Cão-Tinhoso apareceu no portâo. Parou um
zangava-se e fazia uma bronca dos diabos, Por isso, no bocado, e depois, em vez de ir pam as camas de poeira
intervalo, as outras meninas faziam uma roda com a Isau- das galinhas do Senhor Professor, veio para as escadas.
m no meio e punham-se a dançar e a cantar: "Isaura- Eu disse:
-Cão-Tinhoso, Cáo-Tinhoso, Cão-Tinhoso, Tinhoso, Isaura- Está ali.
-Cáo-Tinhoso, Cão-Tinhoso, Cão-Tinhoso, Tinhoso.". A -A Isaura voltou-se logo:
Isaum parecia que não ouvia e ficava com aquela cara .r Aonde? Ah! Meu cãozinho... Tinhas ido
de parya, a olhar para todos os lados à procura de náo -
passear?
sei quê, como dizia a Senhora Professora. A Senhora Professora parou mêsmo atrás de mim
Houve um dia em que falei com a Isaura. Foi assim: (ouvi o cóc, cóc, cóc dela a vir e um cóc mais fode mesmo
Estava sentado nas escadas da Escola, mesmo em atrás de mim. De resto, senti o perfume dela em cima
frente ao portão, a comer o lanche. Era o intervalo do de mim).
lanche. A Senhora Professora estava a ler um livro e A Isaura tinhâ corrido logo, escadas abaixo, a agar-
passeava pela varanda, indo até uma ponta,/ virândo-se e rar-se ao Cão-Tinhoso, quando a Senhom ProfessoÍa disse:
vindo para a outra. Como ela passava por mim (ouüa ó menina, que pouca vergonha é essa? Vá iá
os sapatos, cóc, cóc, cóc, no chão) eu estava pam saber -
lavar as mãos!

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I
Eu estava ainda a pensar para saber §e me havia vi.
' de levantar ou não, porque ouvia-a mesmo por sobÍe as -E ela:\
miúas costas, embora não a estivesse a ver. Êla,émâ... É má.. .
A Isaura afastou-se do Cão-Tinhoso e virou-se parâ -Eu não disse nada e ela continuou:
a Senhora Professora. O Cão-Tinhoso ficou também a Todos sáo maus para o Cão-Tinhoso. . .
olhar para ela. Foi aí que a Senhora Profe§§ota disse -Depois ela foi-se embora a correr, lá para trás, onde
para o Cão-Tinhoso; os outros sstavam a comer os lanches e a brincar.
Sucal '
-O CãoTinhoso ainda ficou um bocado a olhar para
a Senhora Professora, com os olhos grandes a olhar como
uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer. Eu ü- O SênhoÍ Administrãdor cuspiu pâÍâ nós os dols ê dlss6 aqullo
-lhe as lágrimas a brilhar em riscos no focinho. A Senhora do Cãclinhoso, àâr êra só porque ele ê o psrcêlao tlnhâm
levado uma limpa-quatro-bolas:
Professora deu um grito para o Cão-Tinhoso ouvir bem:
Suca daqui!
-O Cão-Tinhoso voltou-lhe a§ costas e de§apareceu O Cão-Tinhoso costumava âparecer no Clube aos
sábados à tarde para ver a malta a treinar futebol. Eu
Delo Dortâo'fora, sem dizer nada, com o seu andar de
não sei por que é que o Cão-Tinhoso gostava disso, mas
tarroia ,elha e com a cabeça a fazer balanço como os bois.
A Senhora Professora continuou a andar (cóc, cóç, a verdade é que ele estava lá todos os sábados à tarde.
cóc, de uma ponta da varalda para a outra) e a Isaum Houve um dia que a malta quis fazer um desafio a
ficou um bocado a olhar com aquela cara de parva para sério e não me deixou jogar. O Gulamo nem me deixou
o sítio atrás de mim onde a cara da Senhora Professora jogar à baliza. Ele disse-úe: "Agüenta um bôcado na
devia ter estado, e depois veio devagarinho e a andar de varanda do Ctube. Ficas como suplente. Daqui a pouco
lado e encostgu-§e outra Yez à coluna, muito distmída a entras, mas há-de ser quando estivermos à rasca ou a per-
íscar na cal. Daí a bocado dis§e-me baixinho: der, porque aí entras tu e â gente resolve o jogo." Eu vi
Viste?. . . . logo que eles nâo me haviam de deixar jogar porque o
-E eu disse: jogo era a dinhe[ro e quando é assim eles não me deixam
vi' jogar. Isso de eu ficar como suplente era o que eles di-
-E ela: ziam quando nào queriam que eu jogasse. mas eu náo
Corrcu com ele. . . disse i{ada e fui para a varanda do Clube, O Cào-Tinhoso
-E eu: estava lá.
Sim. O Senhor Administrador e os outlos estavam na va-
-Ficamos
um bocado sem falar. Os canto§ dos olhos Íanda do Clube, a jogar à sueca como também era hábito
dela começaram a encher-se de lágrimas e quando o§ olhos todos os sábados à tarde. Eu eslava a olhar para o Se- '
estavam cheios elas rcbentaram e caíram-lhe rpela cara nhor Administrador quando ele e o parceiro levaram um
abaixo, a fazer dois riscos grossos. Pelguntou-me: capote e ele disse ao Doutor da Veterinária, que se estava
Viste?... Viste o que ela fez?. . a dr todo satisfeito, por lheter dado o capote: "Não acho
-Eu respondi: graça nenhuma... Isso foi leiteira"... Depois olhou
10 15uà - sà
1l
para mim e viu que eu também me estava a rir. Olhou dizer-lhe que o Cão-Tinhoso ia morrer. "Larga-me." Ele
para o Cão-Tinhoso e viu-o também a dr-se. Por isso só dizia isso. "Larga-me". Mas €stava quieto.
zangou-se e perguntou aos outros: "Eh! Quem é que
-
Ficamos os dois a ver uma avançada do grupo do
disse que isto não era a Arcâ de Noé?". Quim. O Faruk, que era o ponta-direita deles, foi com a
Depois continuaram ajogar à sueca e o Senhor Admi- bola até ao caDto, depois de ter batido o Narotamo em
nistrador e o pârceiro levâram uma limpa-quatro-bolas. corrida, e de lá cçntrou. O Quim passou por nós a correr
para a ballza, ma§ o Gulamo só dizia: "Larga-me." O
Eu estava a olhar para ele quando ele disse ao Doutor
da Veterinária que se estava a rir por the ter dado a limpa- Quim meteu o golo com uma cabeçada. O Gulamo foi
logo a correr: "Este golo não valeu porque este tipo esta-
-quatro-bolas: "Mas qual é a piada, porra? Com os trun-
'fos todos na mão quem é que não fazia o que yocês fize- va a agarar-me." O Quim e o§ outros 4áo quiseram saber:
"Isso é que vale, estás. a euviÍ?".
ram? Olha filho, toma! Toma! Chupa!... Eu chamo- Depois o Gulamo vêiô ter comigo:
-lhe leiteira.. ." Depois olhou para mim e zangou-se. Ele
ó filho da mãe, suca daqui para fora e não voltes
sabia que eu sabia que ele estava a perder. Olhou para -
a chatear, estás a ouvir? Suca daqui antes que eu te re.
mim e para o Cão-Tinhoso sem sabeÍ com qual de nós bente o focinho!
os dois havia de correr primeiro. Enquanto pensava para Bem, como o Gulamo dizia aquilo müto zangado,
Íesolver isso cuspiu para nós os dois, isto é, para um sítio eu fui-me embora para fora do campo, mas fiquei chateado
entre nós os dois. Está-se mesmo a ver que o cuspo tanto porque os outros não queriam saber do Cão-Tinhoso.
era para mim como para o Cáo-Tinhoso. Quando ia já a sair do campo, o Telmo corrcu para
O Doutor da veterinária ainda se estava a riÍ por mim e pôs-se a bater-me na cabeça e a gritar:
lhe ter dado a limpa-quatro-bolas e ele acabou com aquilo Só, só, só mais um! Só, só, só mais um!. . .
de uma vez: -Agaffei-lhe os braços e disse-lhe o que ia acontecer
Ouve 1á, o que é que este cão está a fazer ainda ao Cão-Tinhoso, mas sle continuava:
vivo?- Está tão podre que é um nojo. caÍambâ: .Bolas para Só, só, só mais um. só. só, só mais um. . .
isto! Ai que eu tenho de me meter em todo\ os lados -Tive vontade de bat-er io Telmo, mas o Gulamo es-
para pôr muita coisa em ordem. . . tava ali perto a olhar para mim de braços cruzados e tive
O Senhor Chefe dos Correios, que era o parceiro do mesmo de me ir embora.
Senhor Admidstrador, já estava a dar as cartas nessa Quàndo passei pela varanda do Clube, o Senhor
altura, e poi isso ficaÉm todos a ver quantos trunfos é Administrador e os outros estavam muito entretidos a
que lhes haviam de sair. Eu fiquei um momento a olhar jogar à sueca, e o Cão-Tinhoso estava muito quieto, a dor-
para aquilo tudo até compreender o que o Senhor Admi- mir com a cabeça entre as pata§ sem ter percebido o que
nistrador queria dizer: O Cão-Tinhoso vai moffer! lhe havia de acontecer.
Olhei para ele: estava a-dormir com a cabeça entre as
patas, muito descan§ado da üda.
Fui a corer pam o campo de futebol para avisar a Na segunda-feira de manhã fui ver o Cão-Tinhoso
malta: "O Cão-Tinhoso vai morler," O Gulamo dis: logo que cheguei à Escola. A Isaura estaya ao p6 dele
se-me: "Fora daqui!" -
Aga ei-me a ele e voltei a e davaJhe o lanche dela, partindo o pão aos bocadinhos
-
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e espalhandoos perto da boca do Cão-Tinhoso, que ia Não era nada, Senhora Profe,ssora, era por causa
comendo devagar, porque levava muito tempo a dastigar. -
do Cão-Tinhoso. O Doutor da VeteÍinária vai matálo.
Quando tocou para entrar, a Isaura despediu-se dele e Vocês não têm tempo para tratar desses sigilosos
veio a correr para a chamada. - de Estadd durante a hora do intervalo?
negócios
Lá denho, enquanto fazia as contas, e mesmo du- Temoq sim, Seàhbra PÍofessora,
ralte o ditado, fui pensando no Cão-Tinhoso a ser morto - Então toca a fazer o desenho e bico calado.
pelo Doutor da Veterinária, depois de ter escapado da -Ficamos de bico calado a fazer o desenho.
bomba atômica e tudo, depois de ter corrido uma distân- Quando chegou a hora do intervalo, a IsauÍa veio teÍ
cia monstra para náo morrer por causa da bomba atômica. comigo, muito aflita : i .i
O Doutor da Veterinfuia se calhar não tiúa vontade ne- O que é que tu e o Quim estavam paÍa aIí a dizer?
nhuma de matar o CãcTinhoso, mas como é que ele -Eu iá tinha falado com 'ela uma vez, mas era como
haúa de fazer, coitado, se foi o Senhor AdministradoÍ se fosse a primeira vez, porque fiquei sem saber o que the
que mandou? havia de responder.
Perguntei ao Quim como é que o Doutor da Veteri O que é que tu e o Quim estavam paÍa ali a falar
nária hayia de matar o Cão-Tinhoso, e ele disse-me: "Um -
do Cão-Tinhoso?
cão mata-se com a[tibióticos." Eu perguntei-lhe o que Nada,..
era isso de antibióticos e ele zangou-se e disse: "ó seu - Vão matá-lo? O Doutor da Veterinária vai
burro!" E depois de se calar um bocado e continuar a -
matá-1o?
fazer o desénho, voltou a falar, mas iá sem estar zangado: Não, isso é mentira do Quim. . .
"Meu Deus, quem é que te manda ser tão besta? E quem - Então por que é que estavam a falar nisso?
é que me manda ter tanta paciência para te aturar? É - Pam passar o t9mpo. É que o desenho era
que ainda por cima não sei em que língua é que te hei de -.
chato. .
falar, porque não percebes nada de português, chiça?! vocês não sabem que não devem dizer mentiras?
Um cão mata-se com uma bala de Ponto 22. Skn, para ti (Ela -estava a armaitem §enhora Professora ou qualquer
tem de ser assim. É uma bala de Ponto 22 e pronto, aÍe!,' outra pessoa já crescida).
Calou-se mas continuou: "Ou com antibióticos . . . ,,. E O Quim é que disse mentiras, foi o Quim. . .
pouco depois: "A não ser que o Doutor da Veterinaria -A Isaur Íespirou fundo (ainda a armaÍ em pessoa
seja tão burlo como tu que só o possa matar com uma crescida) e foi a correr para o canto das camas de poeira
bala de Ponto 22." das galinhas do Senhor Professor. Antes de chegar lá pa-
ó meninos, isto não é um bazar, hein... rou e voltou-se para mim com as mãos a tapaÍ a boca,
- Era a Senhora Professora. mas como visse que eu ainda estava a olhar para e1a,
O que é que o Quim te estava a dizer? Sim, tu, voltou-me as costas.
-
Ginho, responde! o cão-Tinhoso viu-a chegar e pôs-se logo a aàanar
Eu ia a responder mas o Quim deu-me um beliscão. o rabo e a balalcear a cabeça, embora não estivesse a
Não queres dizer? Será preciso usar a régua no andar. A Isaura ajoelhou-se diante dele, agarrou-lhe a
-
teu rabinho? cabeça e pôs a dizer-lhe uma data de coisas que náo ouvi.

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Depois sentou-se sobre os calcanharcs, cruzou.os de- mandou-me dar cabo de um câo, aquele. vocês coúe-
dos no regaço e pôs-se a olhar para as mãos. Eu estava c(Un-no. aquele que anda ai todo podre que é um nojo. vG.
mesmo atrás dela quando ela disse: cêb nào o conhecem?... Ora bem.ro Doutor mandou-me
Não ligues a isso tudo porque é peta do euim, dar cabo dele. Acontece que eu renho visitas em casa e é
-
o Doutor da Vetedàária não te quer matar nem nada, bera estar agorc a pggaÍ eln armas e zuca-zuca 1 atrás de
isso é peta. Nós ainda vamos falar das nossas coisas, e .
um cão, vocês compreendem, não é, rcpazes'! .. Mas eu
eu hei-de dar-te de comer todos os dias. Também posso nem me afligi porque pensei cá para comigo que diabo,
vir à tarde depois da hora do lanche e trazer-te de comer, os rapazes estão sem fazer peva' eé para -
as lrcasiões que
a minha mãe não diz nada. Cão-Tinhoso! Não sejas mat- a gente conta com os amigos e pensei logo em vocês,
criado! O que é que estás a querer ver debaixo das minhas -
porque, já se vê, vocês até devem gostar de mandar uns
saias? E puxou a saia para tapar os joelhos, Oh! tiritos, hem? Bem, calem-se, não digam mais, eu já sabia
- -
Desculpa-me, Cão-Tinhoso! Estás a ver a barla da minha que vocês são malta fixe 3. Olhem mpazes, vocês pegam
saia nova! Desculpa-me, eu devia saber que não és como aí numa corda qualquer, procuram 1á o cão e levam-no pa-
esses meninos malcriados que andam por aí. Não tinhas ra o mato sem grandes alaridos e aí ferram-lhe uns tiútos
visto ainda a minha saia nova? Tem muita roda, queres .
Iros cornos, que tal?. . Está bem, está bem, calma, dei-
ver? Levantou-se e esticou a saia pelos lados. Estava xem-me acabar de falar". - .
-
a fazer uma voltinha quando me viu mesmo atrás dela. O Quim bateu-me na boca Deixa ouvir o Senhor
Ficou de boca aberta a olhar-me, depois virou-selara mim Duarte, caramba: -
com a boca muito fechada e de mãos nas ancas: "Ora, vocês já têm armas e por isso não tenho de
O que é que você quer daqui? vos emprestar a Ponto 22 daqui da Repartição, atiás uma
- Fingi que estava a apanhar qualqueÍ coisa com que chega, mas se vocês quisercm fazer tiro ao alvo, eu não
tivesse estado a brincar e tivesse ido parar ali sem ser de tenho nada com isso. . . Mas, pst, sem fazer um cagaçalr
propósito, e depois fui-me embora a fingir que metia a .
que se oiça na vila!. . Pronto, rapazes, ide, ide divertir-
coisa ao bolso, -vos um pedaço, mas cuidado lá com as armas, hem? Nada
Um dia, o Senhor Duarte da Vete.inária veio ter de desatu a ferrar tiros nos cornos uns aos outros..."
conosco quando estávamos no Sá a contar filmes e ane- . A malta pôs-se logo a correr, e o Senhor Duarte teve
dê se pôr de pé Éó alto do muro da Vetednária para nos
dotas e disse-nos:
chamar de novo. Depois espercu que chegássemos bem
ó rapazes, tenho uma coisa para vocês.
-Claro que fomos todos atrás dele até ao muro da
ao pé dele para nos olhar bem nâ cara antes de falar com
os olhos quase fechados por causa do fumo do cigarro:
Veterinária.
Oiçam, rapazes, isto escusa de ser propalado por
-
Oiçam, ó rapazes, tenho uma coisa para vocês -
aí aos quatro ventos, estão a ouvir? Eu só quis dar um
repetiu, depois de se sentar ao alto do muro, com prazer à malta porque sei que vocês gostam de dar uns tiri-
-
a malta em volta. É mesmo uma coisa, para a malta. tos de vez em quando e eu não levo a mal. . . . Sim, sei que
-
É coisa que eu com a vossÍl idade não deixaria de fazer, vocês gostam de dar por aí uns tidtos às rolas e aos,coe-
se mg pedissem para faz.er. Bem, vocês sabem, o Doutor lhos, mesmo sem terem licença de uso e porte de aÍma,
16 on&r spr6âââdo (ononâropéial '17
para não falaÍ na licença dQ caça, e vocês sabem que se os quadrúpedd( costumam levar as coisas? Depois
são apanhados por mim ou por um fiscal de caça, chupam vlrou-se para mlm:
-
uns meses de prisão que se lixam. Mas deixa lá. Eu só Ginho, tu trazes aquela corda que tens na tua
querc que não me façam essas coi§a§ me§mo debaixo do -
casa debaixo do canhueiro '.
nariz, porque tenho responsabitidades, vocês sabem. Eu E quem é que leva o Cão? (Eu não queria
não levo isso a mal, porque conheço bem a malta, mas -
levar o Cão-Tinhoso). -
isto não é para ser espalhado por aí, vocês náo acham? A gente depois atira uma moeda ao ar e vê quem
De resto isto nem tinha de ser dito, porque estou a falar -
é que o leva.
êntre homen§. Náo me digam que este gaio- também atira...
Fique descansado, Senhor Duarte... - ó malta, vamos fazeÍ o que o Senhor Duarte
-Foi o Quim. -
mandou ou não?
PÍoÍrto, rapazes, ide divertir-Yos, mas pouco ala- Fomos todos a coüer para ir buscar as armas.
-
ddo. . . Quando cheguei a casa, a minha mãe estava sentada
O Sá, da yaranda da loia, fazia-no§ sinais para lhe numa esteira mesmo à Porta. Escondi-me atrás de uma
irmos codtar o que o Senhor Duarte nos tinha dito, mas áryore para pensar como é que havia de levar a minha
nós nem olhamos para trá§, Fomo§ loSo Pam a escola, Ponto 22 de um tiro sem ela se zangar, mas ela viu-me
e no canto das camas de poeira das galinhas do Senhor logo e chamou-me: "Ginho! O que é que estás aí a fazer
Professor lá estava o Cão-Tinhoso a dormir. Qüando nos todo escondido?" Corri para ela e entÍei em casa sal-
úu, leyantou-se e veio por ali fora a cobrejar, todo can- -
tando-lhe por cima das pernas. "Eh! Que bÍiÍIcadeira é
sado, com as patas a tremer. Olhou para todo§ nós com essa?" Mas eu já não a ouvia. Fui buscar a arma e
os olhos azuis, sem saber que nós queríamos matá-lo e voltei -
muito devagar, seÍfl fazer barulho nenhum, até ao
veio elcostar-se às minhas pernas. Depoi§ de estar um 'corredor. Depois coÍri com força. "O que é is§o?
bocado assim encostado, deixou escorregar o traseiro e -
Para onde é que levas a espingarda? Anda cá! Olha
§entou-se. que eu faço queixa ao teu pai!"
ouve 1á, tu deixas esse cão todo podre que é um Só parei um bocado para levar o rolo de corda de-
nojo -encostar-se a ti? O Faruk estaYa semple a meter- baixo do canhueiro. Eepois não ouvi mais os beüos dela.
-
-se comigo, mas o Quim queria combiriar as coisas. Enquantô corria pam a escola, fui pensando que afinal
Deixa 1á, deixa Iá... Bem, malta, o Çáo não até era bom matar o Cão-Tinhoso Porque andaYa todo
-
sai daqui e a gente vai cada um para §ua ca§a buscar a§ cheio de feridas que era um nojo. E até era bem-feito
armasi depois levamo-lo pam a mata atr᧠do matadoulo para a Isaura que andava cheia de manias por causa dele.
e damos cabo dele, óquêi? Quando cheguei à escota, apalpei o bolso da camisa pata
Como é que o levamos? Eu é que não Q levo sentir as balas a esfrcgarem-se umas nas outras. Bem,
-
às costas. . esqueci-me de dizer que, quando fui buscar a espingarda,
ó minha besta! O Quim não go§tava daquelas também levei algumas balas. Se as não levasse, como é
-
piadinhas. -
isso seria demais? Como é que vocês, que havia de matar o Cão.Tinhoso?
-E -
18 l9
F-

NóB éramos í2 quândo fomos para a esirada do Matâdouto Bolas, assim nào! Nós tinhamos combinado ..
com o Cão-Tinhoso. -
Bem, óquêi. .. O Quim olhou para mimi Ginho,
anda tu! - -
O Quim, o Gulamo, o 'ZÉ, o Xar,gai, o Carlinhos o
ó pâ, mas eu vou a bater o mato como tu
lssufo e o Chico iain pelo meio da estmda com as espin- -
disseste...
gardas apontadas para a frente. Atrás deles ia o Faruk,
O FaÍuk fica a bater o mato!
que não tinha espingarda, a arrastar o Cão-Tinhoso pela - Ó pâ náo há o direito. .
corda. O CãG.Tinhoso não queria andar e chiava que se - Não há uma ova! Vai tu e não refile§! Dá a
danava, com a boca fechada. Nós, eu e o Telmo de um - ao Faruk!
lado, o Chichorro e o Norotamo do outro lado, íamos tua arma
também armados, meio metidos no capim, como o Quim
tinha mandado, a bater o mato. Eu não entrava muito
pelo capim, porque, quando me aparecia uma micaia' Os outrcs pararam um pouco atrá§. Eu sabia disso,
pela frente, eu contornava-a pelo lado da estrada do mata- mas náo fui c{paz de parur. O Cão-Tinhoso agora ia à
douro, por onde o resto da malta ia, e volta e meia o Quim frente de mim é eu é que andava devagar. AndaYa todo
tinha de.me perguntar se eu ia bater o mato ou o quê, esticado para a frente, com a§ pernas a fazer músculos
porque eu só queria era olhar para o Cão-Tinhoso, a chiar, com o esforço de fugir da corda que lhe apertava o pes-
que,se danava e mais aquele barulho de ossos lá dentro coço.
dele que às vezes ouvia quando o Faruk o püxava com Tínhamos entrado muito pelo mato adentro mas es-
força, e mesmo lá na escola, no canto das camas de poeira távamos num sítio onde não havia árvores e ú haüa ca-
das gatinhas do Senhor Professor, quando ele andava. pim. As árvores estaYam à nossa fÍente e o Cão-Tinhoso
Quando chegamos ao matadouro, os moleques do queÍia ir para 1á.
Costa vieram ver a malta a passar: Ei, para onde é que levas isso?
Onde vai jimininu'? Leva xipingar ", vai no ca-
-
Parei e o peso veio todo Ila corda para dentro de
-
ça? Mas aquele cáo num prréstal
mim. Virelme àevagar e-vi o Quim a meter um caÍtucho
"Fora daqui, negralhada" Era o na Calibre 12 de Dois Cano§.
- falavaQuim,
-Os moleques julgaram que o Quim na bdnca- ó Chico, o que é que dizes, SG ou 3A? Agora
-
deira e não se mexeram, mas o Quim apontou-lhes a arma.
-
falava com o Chico, ógm o cartucho meio metido num dos
canos e com o dedo a empurrá-lo devagarinho Iá para
Desaparecéram tddos num instante, a corer, que batiam
dentÍo da câmara,
com os calcanhares, no cu, como dizia o Quim,
Avançamos pam o mato, mas eu tinha a ceÍeza de
O CãoTinhoso virou-§e para mim e atirou-§e para
trás de recuo a chiar por todos os lados. Eu sabia que
que eles nos estavam a seguir.
ele me estava a olhar õom os olhos azuis, mas não pude
ó pá, vocês ajudem-me, era o Faruk venha
deixar de olhar pam a malta, que estaYa a fazer meia
- -
outro tipo puxar o sacana do cáo.. . -
roda, andando devagar e sem fazer barulho, §emPre a
ó pá, mas a gente mandou uma./ moeda ao ar e armar e a desarmar a§ espingardas. O Quim, em cima
-
ficaste tu. . . de uma pedra, olhava para mim com o cartucho meio
Então mandem outra vez. . . metido num dos canos da Calibre 12' O Faruk agaüava
-
,r|
_" rm{arâ
,liminlnu-€phhêto
' 2l'
- os môi âo!
riDlne.r coruqrêlà do êlprnsada
3
-
com força a minha Ponto 22 de tJm Tiro, e já lhe tinha Isso eÍa o teu avô, meu labreguinho ordinário!
metido uma bala expansiva na câmam. Ele era o único Nunca- te colrtaram isso tá na tua aldeia? Seu ma-
que não estava sempre a mexer na culatra para armar guerrel '...
e desarmar a espingarda. Monhél Filho de um corno!
ó Quim, niete-lhe o número 4 ou outro númeÍo -O Qüim tinha descido da pedra e aYançaYa pam o
-
qualquer, o Serlhor Dua e disse que nós também podía- Gulamo.
mos atirar. ó Ouim, mete-lhe o número 4 ou outro número
O Cão-Tinhoso já r.áo ÍaÁa forga e de repente senti - o Senhor Duarte disse que nós tamÉm podía-
qualquer,
a corda lassa, Daí a pouco o Cão-Tinhoso encostava-se às
mos atirar. . ,
minhas pernas, todo a tremer e a chiar baixinho.
Eh, malta, vamos acabar corq isto que é tarde
O Quim acabou de meter o cartucho nüm dos canos -
erestá quase escuro. Vocês não desatem aqui aos tiro§
da espingarda e endireitou-a devagar alé fechar a câmara.
os cornos um do outro , . .
A arma ficou vohada para mim. Eu não pude olhar mais 'Dara O Quim parou e virou-se para o Xangai:
para lá, mas era por causa dos olhos do Quim, que me
olhavam quase fechados, a brilhar sem ele estar a õhorar. Cornos tem o teu pai, estás a ouvir? Eu não
Eu é que tinha uma danada vontade de chorar mas
-
deixo que um monhé abuse §em levar na cam! De mim
não podia fazer isso com aqueles todos a olhar para mim. ninsuém se fica a rir,.. E se ladras muito também
Quim, a gente pode não matar o cão, eu fico co;es no foci;ho... Tu ou qualquer outÍol vocês to-
-
com ele, tratc.lhe as feridas e escondo-o para não andar dos estão a ouvir?
mais pela vila com estas feçidas que é um nojo!. . . O Quim gÍitava como um doido' ma§ o Gulamo
O Quim olhou para mim como se nunca me tivesse não tinha medo dele porque começou a aÍregaça! a§ man-
yisto em nenhum lado, mas respondeu aos outros: gas da camisâ.
Vocês que se lixem, eu atiro com o cartucho Já gstava quase escuÍo e o Cão-Tinhoso tremia con-
-
que quero e pronto! tia as minhas petnas como náo sei quê.
Atiras um raio é que atiras! Náo julgues que Eh pá, vamos deixar i§to para o outro dia, o
-
temos medo de ti! -
Faruk olhavà paÍa o brilho do carto da Ponto 22 de- Um
O Quim olhou para o Gulamo e perguntou deyagar Tiro vamos deixar isto paÍa amanhã ou outro dia.. .
e em voz baixa: - talvez fica§se por aqui, mas como o Quim dei-
Ele
ó meu filho da mãe, queres que eu te rebente xasse de berrar pata ouvir o que ele dizia, contiÍluou:
-
o focinho? É que já está quase escuro e podíamos ferir al-
Rebentas uma ova. tu aqui não armas em man. guém- sem querer, no e§culo, com tantas e§pingardas..
-
dão que eu não tenho medo de ti! O Quim gritou logq:
O Gulamo tinha-se virado para o Quim, com arÍna ó meus filhos da máe, vocês estão com medo?
e tudo. -Só eu é que respondi;
O Quim não teve medo da arma de Gulamo. Eu estou com medo custou'me dizer aquilo
Ouve 1á, queres ter alguma coisa comigo, moúé ' -
porque mais ninguém estava
-
com medo' mas foi melhor
-
de um raio? assim. Eu estou com medo. Quim.. .
-
22 1rúhó - m*nÇo d. Indi'.o @d pÍâror oomêrcrânb Indr,.o tsôddo p.joE vo). r mreu.r. - coloio lFôlÕ,a vol. '23
r
Apesar de já estar quase escuro, eu via os meus sa- O Gulamo aproximou-se também: "Eh, Ginho, de"
patos brilhar nos sítios onde o Cão-Tinhoso os lambia, sata a corda!"
O Quim e a outra malta am-se com força. o nó estava feito de tal maneira que cu§tava a de§a-
Esta é forte, malta dizia o euim, com os olhos tar, e eu não tinha força nenhuma nos dedos. Tinha von-
-
a chomr de tanto rir, - tade de chorar ou fugir com o cão e tudo.
Esta é que foi dizia o Gulamo que nem se Anda lá com isso, caramba, agora era o Farú
via -
por estar a rebolar no- capim. -
anda lá com isso! -
Parece que eu tive muita vergonha por ter dito aquilo, - No pescoço, as feridas do Cão-Tinho§o já não tinham
Eu nào me mexia para os outros náo se rirem mais. mas crosta por cau§a da corda, mas só saía delas uma agua_
as pernas tremiam-me por causa do Cão-Tinhoso, a tre- dilha vermelha que me molhava as mãos
met enco§tado a elas. Quando acabei de de§apertar o nó, agarrei a corda
Esta forte! O Quim berrava. com força para ela não cair e continuei a mexer o Pescoço
- Esta éé fofie! - O Gutamo berrava. .. do cão.
-Os outros, às vezes
- calavam-se, e só o euim Eu tenho medo, desculpa-me Cão-Tinhoso eu
é que
se ria seÍDpre, sempre e cada vez com mais força. Os ou-
-
disse -aquilo tão baixinho que só o Cáo-Tinhoso me podia
tros ouviam-no quando se calavam e voltavam a r-se ouúr.
com força como ele. E riam-se. riam-se, riam-se, Ei, o que é que est᧠paÍa ai a dizeÍ'! O qvê' iá
-
acabaste?
Quim, agente pode não matar o cão, eu fico com
O Quim estava de novo em cima da pedra mas ainda
-
ele.'trato-lhe as feridas e escondo-o para não andar mai§
se ria de vez em quando e dizia esta é forte, esta é fote. pela vila com estas fe das que é um nojo! . . .
O Gulamo estava ajoelhado, sentado sobre os calca_ O Quim não queria saber do que eu estava a dizer
nhares e com a camisa limpava a cara das lágÍimas que e, por isso, agaüou-me Pela gola da camisa e perguntou-
saltaram dos olhos de tanto se rir de mim por eu ter medo -me o que é que eu estava p4ra ali a dizer.
e também dizia esta é forte, esta é forte. Eu tinha uma danada vontade dg choÍaÍ mas não
Os outros já não se riam mas de vez em quando podia fazer isso com a malta toda a olhar para mim.
concordavam com o Quim e com o Gulamo nisso de esta
é forte, esta é forte.
eu não quero dar o pdmeiro tiro. . . (Eles
Já estava quase escuro e o Quim, do alto da pedra, - Quim,
queriam que eu desse o Pdmeiro tiro).
disse para a malta:
Anda lá, anda 1á, não tenhas medo. . .
Eh, malta, agora é que vai ser: Eh! Ginho, de- - Sabes, Quim, é que eu não quero matar o Cáo-
sata a- cordal - ...
-Tinhoso
Mas eu não era capaz de me mexer, todo enve$- Vamos, pá. Eu disse-te que só dava§ o primeiro
nhado e com o pescoço a doer como não sei o quê. -
tho, e é só isso o que yais fazgr, não §eias medro§o. . Já
O Quim aproximou-se de mimj ,,Eh, Ginho, de- viram isto, malta, um de nós a borrar-se todo por oau§a
sata a corda!" do cão. . .
'25
Eu não me estou a borrar todo, Quim, eu só não quer matar um cão que anda lá nas ruas chçio dç feridôÊ
qüero- dar o primeiro riro. . . que é uqr nojq, dá-lhe uma droga qualquer.. . Só para
Isso são desculpas, isso são desculpas... Não mostrar ao Dóutor que ele não peÍcebe nada disto a malta
-
tens vergonha? Dá lá o tiro, anda. . . devia não matar o cáo . . . Não era Por medo nem por
Merda para ti, caramba! Era o Gulamo. nada, mas era parc o gajo ver.. . Ginho, não acha§ que
- Dispara, pá, não sejas medroso...
- Até parece devia ser assim? Náo, não achas? Hein?
que é- a primeira vez que agara numa arma. . . ó Quim, pá, não podes convelsar mais tarde
eu não quero dar o primeiro tiro... com -esse tipo? Era o Gulamo.
- Quim,
Se continuas assim, a gente depois conta [á na Sabes, -
pá . . . Eu estava a dizpr aqui ao Ginho
escola - que tu tiveste medo de matar o cào. que come- -
uma coisa bestial!. . . Náo era, Ginho? É uma coisa que
çaste com cagufas'. . . A gente vai dizer que te borras- a malta devia fazer, não em Ginho?
te todo.. . A gente vai cottar isso, palawa que vai con- Está bem, está bem, contas i§so depois, agora
tar. . , - o teu lugaÍ e deixa o tipo dar o primeiro tiro
vai para
Medroso, me-dro-so! para a malta atirar também.. . Ou será que o gajo vot-
- Eu.não sou medroso!me-dro-so!
Já disse, não
- És, és, és. . . Atim se rão és! Atim!sou medroso! tou a ficar com medo de atirar?
Eu não estou com medo, já disse! E virei-me
- Atiro sim, e depois? Eu mando já um tiro no -
para o Cúamo. Eu atiro já. .. -
sacana- do cão. . . Está bem,- está bem, eu só queria saber... Va-
Isso é que falar!... O Quim abraçou-me.
-Eu tinha arma éapontada mos, -Quim, vai para o teu lugar... Ou também está§,
mas o Cáo-Tinhoso Íartava- com medo?
-se de dançar no ponto de mira. O Quim náo saía do meu
. lado:
O Quim riu-se como se aquilo fosse uma piada e
foi com a arma dele para cima da pedra. Quando lá
Não atires a matar, estás a ouvir? Mas se qui-
chegou, gritou para mim:
seres,-podes atirar. .. Sabes, é só porque tu estaxas todo
Ertáo, atiÍas ou não?
cheio do cagufa e era preciso mostrar à malta que não és -A minha Ponto 22 de Um Tiro (a que estava com
maricas. É poÍ isso que tu és o gajo que vai dar o pd-
meiro tiro. .. Eu se fosse a ti atirava a matar e despa- o Faruk) estava com um peso danado, e Por i§§o o Cão-
chava o gajo logo.. . Não há azar nenhum nisso, foi o -Tinhoso fartava-se de dançar no ponto de mira. Só os
Senhor Duarte que mandou. . . E assim poupavas o.tra- olhos dele é que Dão se mexiam nada e olhavam sempre
balho à malta, É que um tiro chega pam matar o cão, para mim. Comecei a puxar o gatilho muito devagar'
e escusávamos de encher o gajo de chumbo, que isso é Depois vi que afinal não estaYa a puxar o gatilho,
ser maldoso e se o Padreca souber disso é capaz dc andar porque tinha o dedo no guarda-mato. Comecei a puxar
para aí a dizer que nós somos ordinários. Sabes, Ginho. . . o gatilho devagar.
Eu acho que o Doutor da Veterinária devia ter liquidado A folga do gatilho acabou de Íepente e o peso da
o sacana do cão com uma droga qualquer. . . Eu li numa mola gra tal, que o Cão.Tiúoso dançava ainda mais sob
Íevista que Íra Amé ca os cães matam-se com drogasr , . o ponto de mira da minha arma. Tive de fechar os olhos
Sim, lá na América, quando um Doutor da Veterinária e em por causa dos olhos do Cão-Tinhoso, que e§tavam
26 r c.oul. modo, r.c6ro. '27
r-
parados e olhavam para mim muito quietos, mesmo quan- Os moleques do Costa estavam por detÍás da malta,
do ele dançaYa no ponto de mira, disfarçados ÍIo escuro dos troncos das árvoles, e com as
mãos aÍuzadas sobre o peito e os olhos todo§ §aídos. Todo§
Vamos, pá, atira 1á!
-A mola ia cedendo aos poucos e Çada vez estaya mais eles iam dizendo "Hi!" e "Hê!", a olhar para a malta.
pesada. I tensdo irio aumeht até o cão sahar e petiurut
-
O capataz dos moleques do Costa escondeu-§e ainda mais
a bala. Então não haveria mais resistêncio e o gatilho no tronco de uma micaia e falou com os braços a Yoar
oara todos os lados:
vi a até ao Íím, com o estoiro do cartucho na cânafa e ^ A nós náo tem curpa! Ele que veio pruguntaÍ,
o lígeirc coíce da coronhq. Tinha de falar depressa para -
acabar de dizer tudo anles do estoiro.
e sente veio com ele Dara ver iimininu cum câo! A nó§
nâã tem curpa. só veio ver matar câo: Não tem curPai.
"Não vais sofrcr nada, porque o Quim meteu na O Quini apontou-lhes a
Ah. negros cabrões:
Calibre 12 mais um ca ucho SG, e os outros também -
CalibÍe 72 de Dois Canos. -
vão atira ao mesmo tempo. Não te vai doer, tu ainda
Num mata nós, num tiÍa, patrão... Hi!
estás a pensar em qualquer coisa e já estás morto e náo -
desapaÍeceram todos com um cagaçal medonho pelas mi-
-e
sentes mais nada, nem as feddas a doer por causa da
corda nem nada. . . " caias, a gritar "Hi!" e "Hê!"'
Poria, atiras ó:u não, preto de merda? O Quim virou-se pam a I§aura, que estava meio es-
- condida no capim e com os olhos todo§ de fora, a olhar
pamamaltaeagemer:
ó tipinha, não te dissemm que nós não quelemos
A Senhora ProÍes3oÍa porguntou so os nossos pais não no6
davem educação lá em casa ê nós nunca mais Íalamos sobre fêmea- a estthora? O que é que Yieste para aqui fazer?
o Cão.Tinhoso, mesmo quando e5távamo3 no Sá. Não queremos gajas a atrapalhar o que nos mandamm
fazeÍ, ouviste?
Logo depois do estoiro ouvi um grito monstro e A Isaura não dizia nada e só gemia Para a malta.
nada mais. Ficou tudo calado por um instante e a malta a olhar
Fui afastando as mãos da cara e depois abri otolhos. un§ para os outros, §em saber o que faz9r.
A Isaura estava agatÍada ao Cão-Tinhoso e era ela quem .
Eh, malta, temos dg matar o cão. . Foi o Senhor
estava a gemert mas nâo sei se não teria sido mesmo o - .
Duarte quem mandou . . Ele dis§e que'contava conos-
Cão-Tinhoso quem gritara ainda há bocado. A malta esta- co. ..- O Quim já não e§tava rouco.
-
Estamos aqui
va toda de boca aberta a olhar para aquilo e ú se ouvia a demorar isto não sei por quê . Quem que está com
é
a Isaura a gemer muito alto e a olhar paÍa todos os cagaço? Quem é que se borla IIa§ calças?..
lados com os olhos todos saídos e muito agarrada ao Cão- Eu não!. . .
-Tinhoso.
- Eu não!. . .
O Quim foi o pÍimeiro a falar:
-
O que é que esta tipa veio para aqui fazer? -Eunão!...
Toda a malta disse eu não e ficaram a olhar Para
-
O Gulamo também tinha a voz louca: mim a ver o que eu dizia.
Se calhar foram os pretos do Costa que lhe dis- Eu não estou com cagaço, Quim. . . Eu não .me
- -
vou borrar na§ calça§r Quim. .. Eu e§tava a tremer
§eram. . . -
28
'29
todo quando disse aquilo, mas Baranto que não estava com O QulÍn estâva em cima da pedra e toda a malta
medo nem nada. Então a gente não tinha yindo para apontava a§ esPingardas para o cão.
mataÍ o cão que andava todo podre que era um nojo? Isaura. .. Eu queria dizer-lhe qualquer coisa
Foi o Senhor Duarte que disse, e por que é que não havíâ- -
mas não sabia o quê. -
mos de dar uns tiritos? Eu estava era com pena de o Ummmm... O Quim começOu a contar.
matar depois de ele correr uma distância mo;stra para - -
Todos haviam de alirar ao mesmo temPo e por isso
não morer por causa da bomba atômica e mais nada. as balas Írão haviam de §er muito custo§as para o Cão-
Ginho, tta a gaja de cima do cão! -Tinhoso. Ele estava ainda a pensar em qualquer coisa e
-
O Quim falava sem olhar para mim. já e§tava morto.
O Farú veio buscar a Ponto 22 de Um Ti!o, que ^ Isaum. .. Ninguém gosta dele.,. Eu nunca vi
me tinha caído das mãos quando disparei, e voltou para
-
ninguém passarJhe a mão pelas costa§ como se faz com
o lugar dele. os outro§ cãe§. . .
Entáo, Cinho, estás com cagaço ou quê? .
Dooooooiiiis. . (O Quim levou um tempo enor-
- Não, Quim, não estou com cagaço, nem nada. . .
-
me a dizer dois),
-
Estouúappnsar... A Isaura gemia e estava toda mole, a não querer an'
Pensas depois. Agora vai tirar a gaja do cão.
dar e com os olhos todos saídos a olhar o CáGTinhoso.
O- Quim falava sem olhar para mim. Eu também tinha pena de ver o Cão-Tinhoso a morleÍ,
- A Isaura gemia e olhava para a malta com os olhos màs !ão adiantava nada levá-lo para casa e tratar-lhe as
feridas.e fazer uma casinha para ele dormir, porque ele
todos de fora, Fui andando para onde a Isaura e o Cão-
era capaz de não gostar dis§o.
-Tinhoso estavam, e ela, quando me viu a ir paru lá, gü
riiii. . .
mia cada vez mais de alto. -O Cão-Tinhoso devia est à espera de qualquer
Isaura, sai daí. . . que os outros cãe§ costumam ter, §em-
- Tira a gaja, não vês que ela não quer sair?... coisa difereÍrte do
pre com os olhos azuis a olhar, ma§ tão grande§ que pa-
. - Isaura... A gente quer fazer o que no§. man- iecia uma pessoa a pedir quálqüer coisa §em quereÍ dizer.'
daram- fazer. . . Sai daí... E mesmo quando oihava para o§ outrcs cães, para as ár-
Mas que burro que ele é!... Arranca a tipa, vores, para os carro§ a passar, parq as Salinhas do senhor
-
não ouves? Professor a debicar no cháo por entre as patas dele, para
Agarrei-a por debaixo dos braços e ela sacudiu-se os miúdos da primeira classe a jogar berlindes'ou outra
toda para que eu a deixasse. Fiz mais força mas ela do- coisa oualquer. Dara o Senhor Administrador e paÍa os
brava as pernas e não ficava de pé. outros a jogar â sueca na varanda do Clube aos sábados
Isaura, não vês que foi o Senhor Duarte que à tarde, para o Quim a contar coisas na loja do Sá, para
-
mandou? O Xangai tamMm queria explicar aquilo a Isaura a dar-lhe o lanche e a falar com ele, sempre
à Isaum. - rquando olhava. estava a pedir qualquer coi§a. que eu não
'entendia
Ela largou o pescoço do Cão-Tinhoso, que ficou a mas que não devia ser só para lhe tÍatarem as
olhar para ela e a ganir com a boca fechada. feridas, para the darem de comer ou Pam the fazerçm
Isaura . . . uma ca§inha.
-
30 31
e a fechá-la. O mato todo estava ainda cheio do barulho
Ficou tudo paÍado e até a Isaura calou-se e ficou dos tircs a afastar-se de nós, quando do buraco escuro
do cano da Calibre 12 brilhou um fogo rápido e quase
Atirem, porra! branco e ao mesmo tempo que se ouviu o estoiro. A
- Isaura. . . Eu queria dizer-lhe qualquer coisa, Isaura deu um berro com toda a força e voltou a apertaÍ-
- dizer-lhe tudo- o que estava a pensar.
queria -se a mim. Depois, ao mesmo tempo que o estoiro ia re-
Pôça, ninguém atira? bentando pelo mato aforâ, cada vez mais longe, ouviam-se
- Hum?... A Isaura olhava para mim com outm vez os gemidos da Isaum. Eu sentia a barriga dela
- olhos todos. -
aqueles muito quente e suada, toda colada à minha.
A gente não pode dar nada ao Cáo-Tinhoso. .. ' Chega, malta, vamos embora. Quim estava
A -
gente não sabe o que ele quer. Palavra que a gente mais -.
rouco do que ainda há bocado. À-,O nossa volta o ca-
não sabe. .. pim fazia "fff-fff" quando eles andavam.
Eu vou contar outra vez até três, mas ai do gajo ó pá, quando mandei o SG, o tipo comeu em
-
que não atirar!. . . cheio-no peito... Eu vi-o levantar-se todo do chão e a
Isaura!. . . enterrar-se todo no capim... Ainda ressaltou como se
- umi.. Doi... zi... Trêsl... fosse de borracha, Yocês não viram?
-Logo ao primeiro tiro a Isaura agarrou-se-me de tal Eu acerteiJhe no olho esquerdo quando o tipo
maneira que caímos, e eu fiquei com tanto medo que lhe ainda- e§tava de pé. O focinho até lhe ficou rodo para o
gritei: "Tapa-me os ouvidos!" Ela meteu-se toda no meu lado com a força da bala . . .
peitq e prccuÍou-me as orelhas com as máos. Os tiros . . .E depois n$ti dos 3As e mandei-os quase ao
rebentavam por todos os lados e mesmo com o§ olhos
-
mesmo tempo para os colnos do gajo. O tipo deve teÍ
fechados eu úa fogo a saltar dos canos das espingardas, ficado com a cabeça toda rebenlada. . .
O corpo da Isaura estava duÍo e estremecia a cada estoiro. Ó pá, tu com o SG mataste-o 1ogo... A gente
Os tiros rebentavam sem parar, mas quando a Calibre
-
atirou para um alvo já morto. . . \
12 de Dois Canos do Quim disparava, o chão treÍia e as E depois? O que é-quà tens com isso?... Eu
árvores Íaziam "Haal..." até ao longe. o cáo já devia atiro -com o que bem me apetece...
estar morto mas eles continuavam a atirài.-SenÍia o ar A Isaura gemia para mim e chorava balxinho, sem
qÍénte como o corpo da Isaura e tinha a boca cheia de the saírem lágdmas dos olhos. O cabelo dela estava cheio
pólvom, e isso dava-me uma danada vontade de tossir, de capim mas só cheirava à pólvo.a quando se me metia
mas não consegui fazer isso porque estava cheio de medo pelo nariz adeltro.
do assobiar das balas que passavam por cima de nós; é Jsaum. . .

que esse assobiar só acabava noutro estoiÍo, que também -A barriga dela ficou dura, toda colada à minha. A
não tinha eco porque mesmo antes de a bala acabár de cara dela estava quente como a barriga.
assobiar o mato rebentava com olrtro estoiro. Eu só gostava de saber o que é que aqueles dois
Os tiros acabaram de repente e a Isaura ficou como -
estão paÍa ali a Íazer escoldidos no capim há uma data
morta, por cima de mim. Quando ia a sacudi-la, vi por de tempo. .
entre o capim o Quim a meter um cartucho na câmata Foi o Ouim.

32 13
A Isaura levantou-§e logo e pôs-se a compor o ves' Ginho. . . Tu passas-me a prova? O Quim
{ tido, toda envergonhada. Depois olhou para mim e fugiu -
abraçou-m€ pelos ombros. Deixas-me -
coPiar?,..
para as áryores. Durante algum tempo ainda - ouvimos o * Está bem. -
-barulho
do vestido dela a rasgar-se pelas micaias, mas Ginho... Tu estás zangado comigo? A gente
depois ficou tudo em §ilêncio. -
não devia ter liquidado o cão?.. . Foi o Senhor Duarte
Vamos embora!. . . que mandou. . . Tu também estavas lá. ..
- Eu não estou zangado nem nada. ..
- ÊÍrtão passas-me os problemas?. . . Passas-
O Quim veio ter comigo no ifltervalo do lanche. Eu ;me?.- .. Eu faço-te o desenho.. .

vi que era ele mesmo sem deixar de olhar Para os cãe§ a Está bem.
brincar do outro lado da estrada.
- Meninosl Para a aula! Pam aula, já disse!
Ginho. . . -E fomos para a aula.
- Diz.
- Isto é uma chatice. .
- É...
-Sentou-íe nas escadas ao pé de mim ç ficou também
a olhar para os cães.
Eles não queriam brincar com o Cão-Tinho§o
-
apontava para eles eles não queriam brincar com o ír
-Cão-Tinhoso! . . .
-
Falava com muita força e espalhava os braços Para
todos os lado§, Fostc tu que me cotrtaste isso, náo
foste? . . . -
Os sapatos da Senhora Professora faziam "cóc, cóc,
cóc", atrás de nós, mas como eu estava a conveÍsâr com
o Quim.e a olhar para oulra coisa. não precisava de me
levantar.
Sabes?.. . A Isaura foi dizer ao pai.
- O quê?
- Ela pediu ao pai para nos bater...
- Bater?. . . Por quê?
- Porque nós matamos o Cão-Tinhoso!. . .
-E ria-seiom força, todo torcido. Não é traÍíada?
- matamos o Cão-
E esta, hein?... Bater-nos porque lrós
-Tinhoso! . . .
Depois calou-se. Aí falou a Senhora Professora:
Meninos, para a aula!
-
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