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Investigação, 14(1):72-77, 2015

Clínica Cirúrgica de COLOCEFALECTOMIA E


Revisão de Literatura | Pequenos Animais
OSTEOTOMIA PÉLVICA TRIPLA
Revista NO TRATAMENTO DA DISPLASIA
INVESTIGAÇÃO COXOFEMORAL EM CÃES
Colocefalectomia and osteotomy triple pelvic in the tre-
medicina veterinária atment of hip dysplasia in dogs: Literature review

Caio Livonesi Dias de Moraes 1; 1. Graduação em Medicina Veterinária, Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca-SP, Brasil
Fernanda Gosuen Gonçalves Dias 2 ; Lucas de Freitas Pereira 2 ; 2. Docente do Curso de Graduação em Medicina Veterinária, Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca-SP, Brasil.
Cristiane dos Santos Honsho2; Maria Eduarda Bastos Andrade Moutinho da Conceição3 ; 3. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária da FCAV, UNESP, Jaboticabal, SP, Brasil.
4. Programa de Mestrado em Ciência Animal, Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca-SP, Brasil.
Adriana Torrecilhas Jorge, Luis Gustavo Gosuen Gonçalves Dias
Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Pau-
lista – UNESP, Jaboticabal, SP, Brasil.

RESUMO ABSTRACT
Diante da alta prevalência de displasia coxofemoral na espécie canina, objetivou-se discorrer sobre Faced with the high prevalence of hip dysplasia in dogs, is aimed to discuss its etiological factors and
fatores etiológicos e seus agravantes, sintomatologia clínica, diagnóstico e distintas opções terapêuticas, aggravating, clinical symptoms, diagnosis and various treatment options, emphasizing the surgical.
enfatizando-se as cirúrgicas. A displasia coxofemoral é frequentemente diagnosticada em cães de raças Hip dysplasia is often diagnosed in large breeds of dogs and rapid growth. This orthopedic disorder is
de grande porte e de crescimento rápido. Esta afecção ortopédica é caracterizada pelo desenvolvimento characterized by abnormal development of the hip joints, which can lead to secondary degenerative
anormal das articulações coxofemorais, o que pode gerar secundariamente doença articular joint disease, which is irreversible. The etiology is multifactorial and clinical signs most commonly
degenerativa, a qual é irreversível. A etiologia é multifatorial e os sinais clínicos mais encontrados nos found in affected patients are lameness and reluctance to exercise chronic and extensive. Diagnosis is
pacientes acometidos são claudicação e relutância a exercícios crônicos e extensos. O diagnóstico é feito made through rigorous orthopedic examination, followed by radiographic. The forms available for the
por exame ortopédico rigoroso, seguido do radiográfico. As formas disponíveis para o tratamento da treatment of hip dysplasia are conservative or surgical, and the choice will depend on the age, of the
displasia coxofemoral são conservadora ou cirúrgica, sendo que a escolha dependerá da idade, do grau animal’s sensitivity level and clinical and radiographic findings.
de sensibilidade do animal e dos achados clínicos e radiográficos.
Keywords: articulation, dog, lameness, veterinary orthopedics
Palavras-chave: articulação, cão, claudicação, ortopedia veterináriaABSTRAC

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INTRODUÇÃO
A displasia coxofemoral (DCF), descrita pela primeira vez por DESENVOLVIMENTO mais a instabilidade articular (SANTANA et al. 2010; MINTO et al.
Schenelle em 1935, é comumente relatada na espécie canina, 2012).
A articulação coxofemoral é formada pela cabeça femoral e
acometendo principalmente animais de grande porte (MINTO
pelo acetábulo. Essa configuração anatômica proporciona As microfraturas provocadas no osso subcondral, devido à
et al. 2012). Desenvolve-se pela incongruência entre a cabeça ao
estabilidade, congruência, concomitantemente permitindo distribuição anormal das forças, se consolidam e alteram a
se articular com acetábulo, gerando frouxidão de tecidos moles
grande amplitude de movimentos como lateralidade e torção elasticidade óssea. O estresse contínuo sobre a cartilagem
e instabilidade local, além de doença articular degenerativa
dos membros pélvicos (VEZZONI, 2007). intensifica sua degeneração e promove a exposição do osso
(ROCHA et al. 2013).
(SANTANA et al. 2010).
Neste contexto, a displasia coxofemoral, comumente relatada
Os principais fatores associados à etiologia e a gravidade da
na espécie canina, principalmente nos animais de grande A estimulação agressiva constante na articulação pode lesionar
doença são hereditariedade, nutrição, influência hormonal e
porte e com crescimento rápido (MINTO et al. 2012; ROCHA et as células da membrana sinovial causando, inicialmente,
meio ambiente (BETTINI et al. 2007; SANTANA et al. 2010).
al. 2013), é originada por alteração na cabeça, colo femoral e hipertrofia e hiperplasia e, em casos graves, necrose do
A sintomatologia apresentada está associada à dor uni ou acetábulo durante a fase de desenvolvimento, por problemas no tecido. Essas lesões fazem com que a produção de líquido
bilateral (RAWSON et al. 2005) e a gravidade desses sinais desenvolvimento muscular e ósseo. Pode ocasionar frouxidão, sinovial aumente, proporcionando dor devido ao consequente
dependerá do grau da evolução (BARROS et al. 2008). instabilidade e subluxação das estruturas articulares (VEZZONI, aumento da pressão intra-articular. A cartilagem não possui
2007; BARROS et al. 2008), progredindo para doença articular vasos sanguíneos e terminações nervosas, portanto favorece
O diagnóstico deve ser baseado nas seguintes etapas: resenha,
degenerativa. Esta, quando em estado avançado, promove surgimento de alterações irreversíveis antes do aparecimento
histórico, sinais clínicos, exame ortopédico e radiográfico. Para
espessamento da cápsula, estiramento ou ruptura do ligamento dos sinais clínicos. A reparação tecidual da cartilagem se torna
o diagnóstico definitivo são necessárias radiografias obtidas
da cabeça do fêmur, degeneração da cartilagem, proliferação muito limitada devido à ausência de vascularização (HULSEN &
com o paciente bem posicionado, de maneira que possam ser
óssea, espessamento do colo femoral e atrofia muscular. Mesmo JOHNSON, 2002; BARROS et al. 2008)
visibilizados cabeça e colo femorais, além do bordo acetabular
que não haja luxação total, o animal pode apresentar dificuldade
(BETTINI et al. 2007). Na DCF, cartilagem, membrana sinovial e cápsula articular são
de movimentação e dor, devido à artrose (SMITH, 1997; HULSEN
acometidas, comprometendo o transporte de nutrientes até
A displasia coxofemoral pode ser tratada de forma conservadora & JOHNSON, 2002; BARROS et al. 2008).
os condrócitos e capacidade de regeneração cartilaginosa. As
ou cirúrgica, dependendo da idade do paciente, da gravidade
O aumento da instabilidade articular está associado com efusão lesões dessa cartilagem podem resultar em regeneração ou
da doença e da presença de afecções concomitantes. Portanto,
articular, o estiramento da cápsula articular e a frouxidão do degeneração, dependendo da intensidade e duração da lesão e
os objetivos são diminuir a dor, melhorar a função do membro
ligamento redondo, dessa forma provoca-se subluxação da da idade do animal (BETTINI et al. 2007).
afetado e garantir qualidade de vida (SANTANA et al. 2010).
cabeça femoral ao caminhar, alterando o conjunto de forças
Dentre os fatores etiológicos, destacam-se a hereditariedade,
Perante a ocorrência frequente da displasia coxofemoral na espécie exercidas na articulação. Essas forças se concentram na região
nutrição, hormônios e meio ambiente, os quais também podem
canina, objetivou-se discorrer sobre esta afecção, enfatizando medial da cabeça femoral e borda crânio-dorsal acetabular, com
agravar o quadro dos pacientes acometidos (BETTINI et al. 2007;
alguns aspectos, tais como os protocolos terapêuticos cirúrgicos isso o processo de ossificação se retarda. O resultado dessas
SANTANA et al. 2010). Há relatos na literatura da ocorrência da
mais comumente realizados na veterinária, como a osteotomia modificações é o arredondamento da borda e arrasamento do
doença tanto em machos quanto em fêmeas de qualquer idade
pélvica tripla (OPT) e artroplastia excisional de cabeça e colo acetábulo e deformação da cabeça femoral, agravando ainda
(MINTO et al. 2012).
femorais (colocefalectomia), já que nenhuma é considerada
totalmente eficaz
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A doença pode ser identificada em qualquer raça, porém nos Durante a anamnese deve ser questionado o tipo de ambiente patelas se centralizarão nos côndilos femorais e a pelve estará
cães de grande porte a ocorrência é maior, como nas raças que o animal habita, se apresenta dificuldade de se levantar, em simetria e à partir daí obtêm as imagens radiográficas na
Border Collie (BETTINI et al. 2007), Pointer, Fila Brasileiro, intolerância ao exercício, claudicação, crepitação ao movimento, incidência ventro-dorsal (SOMMER & GRIECO, 1997)
Labrador Retriever, Boxer, Pastor Alemão, São Bernardo, Old dor, atrofia da musculatura pélvica e hipertrofia da musculatura
A interpretação radiográfica é feita avaliando-se a cobertura
English Sheepdog, Rottweiller e Golden Retriever (SANTANA et torácica (OHLERTH et al. 2001).
da cabeça femoral pelo acetábulo e a congruência entre o
al. 2010).
O exame ortopédico tem a finalidade de detectar a presença acetábulo e a cabeça do fêmur. Vários métodos de mensuração
A displasia coxofemoral não possui predisposição sexual, sendo ou ausência de frouxidão na articulação. Assim, é necessário radiográfica são utilizados; entre eles, o ângulo de Norberg é o
diagnosticada tanto em machos quanto em fêmeas (BETTINI observar o formato da pelve do animal. Num cão normal, esta mais utilizado, sendo que a articulação é considerada displásica
et al. 2007), podendo se desenvolver a partir dos cinco meses é arredondada e curva ventralmente em direção as vértebras quando a cabeça do fêmur ajusta-se inadequadamente ao
(RAWSON et al. 2005). caudais. Quando o animal possui subluxação da cabeça acetábulo e tanto luxação quanto subluxação confirmam
femoral, a pelve se torna quadrada, passando a ser denominada o diagnóstico da doença. O ângulo de Norberg pode ser
Cães jovens normalmente apresentam claudicação unilateral
de pelve em forma de caixa. Essa conformação indica que as realizado por meio da digitalização das imagens radiográficas
com aparecimento agudo e redução da atividade locomotora
articulações estão mal formadas, podendo evoluir para luxação transportadas para software específico para aferição dos
associada à dor, dorso arqueado e peso corporal deslocado para
ou degeneração articular (MORGAN, 1997). O teste ortopédico valores, avaliando condições ortopédicas tais como a frouxidão
os membros torácicos. Nesses animais é observada intolerância
de Ortolani é comumente utilizado. Para ser realizado, o articular, subluxação coxofemoral e configuração acetabular,
ao exercício e musculatura fracamente desenvolvida (HULSEN
paciente, sob contenção física ou química, deve ser posicionado tendo como principal influência para a detecção e mensuração
& JOHNSON, 2002). Nessa fase, radiograficamente, observa-
em decúbito lateral com o membro a ser avaliado para cima. do ângulo a borda craniolateral acetabular sobre a cobertura
se que a cabeça femoral está subluxada ou luxada (SOUZA &
Aplica-se uma força no fêmur no sentido ventrodorsal fazendo da cabeça femoral. Com a imagem já digitalizada são traçadas
TUDURY, 2003).
com que a cabeça do fêmur saia parcialmente ou totalmente do duas linhas. Uma une as duas cabeças femorais pelo centro, e a
Nos cães mais velhos, a claudicação geralmente é bilateral acetábulo. Em seguida é realizada a abdução do fêmur voltando outra une o centro da cabeça femoral examinada com a borda
e os sintomas são contínuos, podendo ser classificados em à cabeça femoral para a fossa acetabular, que ao sair da borda craniolateral do acetábulo do mesmo lado. Se o ângulo formado
leves a graves. Eventualmente surgem de forma aguda após do acetábulo, é produzido som de estalo que pode ser ouvido entre as linhas for inferior a 105° demonstra alteração entre a
atividade física forçada. Esses sinais são decorrentes das ou sentido pelas mãos do examinador, caracterizando o sinal cabeça femoral e o acetábulo, sendo sinal de subluxação ou
alterações articulares degenerativas crônicas. O cão senta-se de Ortolani positivo (SOUZA & TUDURY, 2003). luxação, o que pode caracterizar a DCF (OHLERTH et al. 2001).
frequentemente e levanta-se com dificuldade e, pode apresentar
O exame radiográfico necessita de nitidez, contraste adequado, A variação do ângulo de Norberg é classificada em cinco graus,
crepitação ao se movimentar-se. Pode ser observada hipertrofia
de tal forma que o bordo acetabular dorsal e a estrutura de acordo com os achados radiográficos: Grau A – articulações
da musculatura dos membros torácicos em virtude do alívio de
trabecular da cabeça e colo femorais estejam bem evidenciados. coxofemorais normais: congruência entre cabeça femoral e
peso da região pélvica que torna-se atrofiada, apresentado-se
Para isso, o cão deve estar bem posicionado, necessitando-se acetábulo. Ângulo de Norberg aproximadamente 105°; grau B –
saliência dos trocânteres e dos ossos da pelve (MORGAN, 1997).
de anestesia geral e decúbito dorsal, com os membros pélvicos articulações próximas da normalidade: incongruência leve entre
O diagnóstico deve ser baseado nas seguintes etapas: resenha, estendidos e os fêmures paralelos entre si e em relação à coluna cabeça femoral e acetábulo, com ângulo de aproximadamente
histórico e sinais clínicos, além de exames ortopédico e vertebral. Por meio da rotação interna dos membros pélvicos, as 105°; grau C – DCF leve: a cabeça femoral e o acetábulo são
radiográfico (OHLERTH et al. 2001).
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incongruentes. O ângulo acetabular é de aproximadamente rigorosas para reduzir o estresse mecânico sobre a articulação uma próxima do limite medial do forame obturador e a outra na
100°; grau D – DCF moderada: incongruência entre a cabeça para prevenir ou aliviar o processo inflamatório presente, junção do púbis com o ílio. Esta secção deve ser realizada o mais
femoral e o acetábulo é evidente, já demonstrando subluxação. fisioterapia, acupuntura e manejo (evitar deixar o animal em próximo possível do corpo ilíaco para não permanecer ponta
Ângulo de Norberg aproximadamente 95° e grau E – DCF grave: piso liso). Quando o tratamento clínico não for satisfatório, óssea protuberante quando ocorrer a rotação do conjunto. O
alterações articulares evidentes de displasia, com sinais de indica-se o cirúrgico. Este último também é de escolha inicial nervo obturador deve ser protegido, pois está muito próximo
luxação ou subluxação (OHLERTH et al. 2001). nos casos em que os sinais clínicos e radiográficos do paciente da região. Os músculos abdominais e tendão pré-púbico são
estejam acentuados (ROCHA et al. 2013). suturados no músculo grácil e os demais tecidos são suturados
Durante a avaliação radiográfica, sinais de doença articular
em camadas (PIERMATTEI et al. 2009).
degenerativa podem estar evidentes, tais como: formação de Dentre as técnicas cirúrgicas mais comumente realizadas na
osteófitos periarticulares, esclerose óssea subcondral na borda medicina veterinária, a osteotomia pélvica tripla (OPT) objetiva O decúbito é modificado para lateral e é realizada outra incisão
craniodorsal do acetábulo, presença de osteófitos nas margens reposicionamento do acetábulo sobre a cabeça femoral acima do ângulo medial da tuberosidade isquiática. Aborda-
acetabulares e remodelação óssea devido ao desgaste crônico. (ventroversão acetabular), reestabelecendo a congruência entre se a mesa isquiática pela elevação dos músculos obturador
Porém, a subluxação da articulação coxofemoral é o achado eles e possibilitando maior estabilidade articular (REGONATO et interno, semimembranoso e quadrado, sendo que o primeiro
mais comum no início da doença (OHLERTH et al. 2001). al. 2009). É indicada para cães jovens, entre quatro e oito meses de é afastado dorsalmente e os dois últimos ventralmente.
idade, os quais demonstrem sinais clínicos e subluxação, porém Dessa forma, a região do ísquio exposta é osteotomizada,
Doenças neurológicas e outras enfermidades ortopédicas
sem presença de doença articular degenerativa, acetábulo raso iniciando cranialmente a porção lateral do forame obturador.
causam sinais clínicos semelhantes à displasia coxofemoral. Em
e doença neurológica; visto que animais nessa idade ainda A osteotomia pode ser realizada com fio-serra de Gigli, serra
animais jovens com claudicação, deve ser realizado diagnóstico
permitem remodelamento ósseo. Assim, a seleção de animais manual ou elétrica, mas não deve ser utilizado o osteótomo, pois
diferencial para panosteíte, osteocondrose, separação fiseal,
para a aplicação desta técnica deve seguir três critérios: idade, pode seccionar em direção ao ramo isquiático. Uma abordagem
osteodistrofia hipertrófica e lesão completa do ligamento
conformação do acetábulo e cabeça femoral, e capacidade lateral é feita próxima à borda do ílio. Os músculos glúteos são
cruzado cranial; ao passo que em animais mais velhos devemos
de estabilização da pelve após rotação (MINTO et al. 2012). A elevados, tomando cuidado para proteger os nervos obturador,
eliminar a possibilidade de doenças neurológicas como a
cabeça femoral deve estar livre de osteófitos e deformações e a glúteo cranial e ciático. Outra osteotomia é realizada, desta vez
síndrome da cauda equina, e ortopédicas como ruptura do
capacidade de rotação da pelve é avaliada por meio do teste de no ílio, caudal ao sacro. A secção óssea é realizada em ambos
ligamento cruzado cranial, poliartrite, traumas e neoplasias
Ortolani durante o exame físico (PIERMATTEI et al. 2009). os planos numa linha entre a tuberosidade isquiática e terço
ósseas (HULSEN & JOHNSON, 2002).
ventral da crista ilíaca (PIERMATTEI et al. 2009).
A técnica de OPT requer excisão da margem púbica, do assoalho
A displasia coxofemoral pode ser tratada de forma conservadora
do ísquio e do corpo do ílio. O membro é preparado e coberto com O segmento acetabular é movido com auxílio de pinça óssea,
ou cirúrgica, dependendo da idade do paciente, da gravidade da
panos estéreis, possibilitando manipulação ampla. O animal fica no sentido craniolateral, e a extremidade pontiaguda do ílio
doença e da presença de afecções concomitantes. Os objetivos
em decúbito dorsal e o membro é mantido na vertical, expondo é removida para evitar irritação da musculatura local. A placa
de todas as formas de tratamento são diminuir a dor, melhorar
o ramo púbico através de acesso ventral. O músculo pectíneo é fixada no segmento caudal com parafusos de 3,5 mm. O
a função do membro e garantir qualidade de vida (BIRCHARD &
é incisado próximo à proeminência iliopectínea e tendão pré- conjunto acetabular é rotacionado para lateral e a placa é
SHERDING, 2003; SANTANA et al. 2010).
púbico. O ventre muscular é afastado, elevam-se o músculo fixada cranialmente na porção cranial do ílio. A articulação
O tratamento clínico baseia-se em: administração de analgésicos, grácil, os músculos abdominais e o tendão pré-púbico para coxofemoral deve permanecer estável e sem sinal de Ortolani.
anti-inflamatórios não-esteroidais ou esteroidais, sulfato expor o ramo púbico. Duas secções (osteotomias) são realizadas, Se essas alterações estiverem presentes, a placa deve ser
de condroitina e glucosamina, controle do peso com dietas substituída por outra com angulação maior para eliminar os
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sinais. Quando corrigido a angulação adequada, a placa deve Para a realização da técnica, aborda-se a região da articulação, na superfície caudal. Caso sejam encontrados, devem ser
ser fixada no segmento cranial do ílio. Em cães com idade de craniolateralmente. Ato contínuo rebate-se a cápsula articular removidos com osteótomo ou cizalha. Em alguns cães, há
quatro a oito meses podem ser utilizadas cerclagens ao redor e o tendão de origem do músculo vasto lateral para expor produção óssea excessiva devido ao acúmulo de osteófitos na
da placa para auxiliar na fixação, já que o osso é mais frágil. a porção cranial do colo femoral de maneira adequada. Com borda do acetábulo, nestes casos também deve ser realizar o
Após o procedimento, as incisões para acesso ao ísquio e ao ílio auxílio dos afastadores de Hohmann internamente na cápsula debridamento. Tração do joelho com movimentos proximais e
são fechadas (PIERMATTEI et al. 2009). articular, os músculos glúteos são afastados no sentido dorsal. distais é um método de mimetizar o movimento com suporte
Para melhor exposição do fêmur, indica-se subluxá-lo com ajuda de peso para descobrir crepitações. Para realizar o fechamento
Exame radiográfico pós-operatório é fundamental para avaliar
de pinça óssea fixada no trocânter maior. Dessa forma, a secção da incisão, reposicionam-se os músculos, vasto lateral e glúteo
a correta colocação dos implantes, ventroversão acetabular e
do ligamento redondo do fêmur com tesoura e a elevação profundo, com sutura absorvível em padrão simples separado.
grau de cobertura acetabular (REGONATO et al. 2009). Se for
da cápsula articular da cabeça femoral se tornam facilitadas Ato contínuo sutura-se a fáscia lata com fio absorvível sintético,
necessário operar o lado oposto, o procedimento deve ser
(PIERMATTEI et al. 2009). padrão simples separado, assim como o tecido subcutâneo e
realizado após duas a três semanas, pois a remodelação óssea
por final, dermorrafia com sutura inabsorvível sintético em
ocorre rapidamente em filhotes. Recomenda-se castrar o animal, O colo femoral é melhor seccionado com osteótomo e o
padrão simples separado (PIERMATTEI et al. 2009).
já que a DCF possui caráter hereditário (PIERMATTEI et al. 2009) membro rotacionado no sentido externo num ângulo de 90°.
Para cães de grande porte, o osteótomo deve ter no mínimo Após três a sete dias de pós-operatório, o membro necessita
As complicações da OPT estão relacionadas com constipação,
uma polegada (2,5 cm) de largura. Se não tiver este instrumento ser estimulado com exercícios de movimentação passiva,
estreitamento do canal pélvico, estrangúria, paralisias de
disponível, a secção deve ser realizada em etapas com uma linha realizados de vinte a trinta repetições, durante quatro vezes ao
nervos, incongruência persistente, infecção da ferida cirúrgica e
predeterminada. Esta linha parte da base do trocânter maior e dia, até o cão apoia o membro para correr. Para que o membro
falhas de implantes (ROSE et al. 2012a; ROSE et al. 2012b; TONG
se estende por todo o colo femoral, indicando onde deve ser atinja funcionalidade satisfatória é necessário em média dois a
& HAYASHI, 2012).
seccionado. Em alguns casos a linha inclui o trocânter menor. A três meses. Em alguns animais a marcha fica indistinguível da
Ainda no contexto cirúrgico, a artroplastia, também chamada partir dessa linha traçada, o cabo do osteótomo deve ser movido normal; já nos demais, a marcha sofre ligeira anormalidade.
de colocefalectomia femoral, é uma das cirurgias mais utilizadas em direção ao tronco do animal até que ele esteja orientado Pode ocorrer atrofia muscular do membro, e o fêmur pode se
em animais acometidos por DCF (BOTEGA et al. 2014). Objetiva- paralelamente ao plano sagital da coxa. Dessa forma, a porção deslocar dorsalmente à pelve (BIRCHARD & SHERDING, 2003)
se formação de pseudoartrose sem contato ósseo e deposição caudal do colo femoral é seccionada impedindo o atrito com
Dentre as complicações mais encontradas após a cirurgia
de tecido fibroso após ressecção da cabeça e do colo femoral, a borda acetabular, de modo a permitir a deposição de tecido
destaca-se a ressecção incompleta do colo femoral, causando
com posterior alívio da dor (DAVIDSON et al. 2006; OFF & MATIS, fibroso na região interóssea. Utilizando o osteótomo, realiza-se
dor e função reduzida do membro, além de envolvimento de
2010). Utilizada em pacientes acometidos por doença articular o corte a partir da região distal a proximal, evitando a separação
nervos por tecido fibroso (FITZPATRICK et al. 2012).
degenerativa, quando o tratamento clínico não obteve respostas da cortical medial do fêmur. Após a liberação da cabeça e colo
e o custo de substituição completa do quadril (prótese) é femorais, ambos podem ser pinçados com auxílio de pinça Comparando as duas técnicas descritas, a colocefalectomia
elevado para o tutor. Esta técnica é indicada para cães de todas óssea para permitir a divulsão dos tecidos remanescentes com femoral é mais utilizada, pois é menos exigente do ponto de vista
as idades, porém tem melhores resultados em animais com tesouras curvas (PIERMATTEI et al. 2009). técnico e não necessita de implantes metálicos. A recuperação
peso inferior a 20 kg. Alivia a dor, pois a cabeça e o colo femorais pós-operatória é mais rápida que na OPT, pois a movimentação
O colo femoral deve ser palpado para verificar se há
são eliminados e não existe mais nenhum contato ósseo entre o da articulação ajuda na formação de fibrose (LOPEZ et al. 2008).
irregularidades, fragmentos ou porções remanescentes
fêmur e a pelve, criando nessa “falha” um tecido cicatricial (OFF
& MATIS, 2010).
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Dentre essas técnicas, o prognóstico dependerá do Minto B.W. et al. 2012. Avaliação clínica da denervação acetabular em cães com Souza A.F.A. & Tudury E.A. 2003. Displasia coxofemoral: diagnóstico clínico e
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