Você está na página 1de 33

Poesia destinada às Crianças

Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática


Nelly Novaes Coelho
João de Deus, Portugal, Século XIX

HINO DE AMOR


Andava um dia

Em pequenino

Nos arredores

De Nazaré,

Em companhia

De São José,

O bom Jesus,

O Deus Menino.
Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
● Do passarinho,
● Sai do caminho,
● Corre apressado,
● Quebra o encanto,
● Foge a serpente,
● E de repente
● O pobrezinho,
● Salvo e contente,
● Rompe num canto
● Tão requebrado,
● Ou antes pranto
● Tão soluçado,
● Tão repassado
● De gratidão,
● De uma alegria,
● Uma expansão,
● Uma veemência,
● Uma expressão,
● Uma cadência, Que comovia
● O coração!
● Jesus caminha
● No seu passeio,
● E a avezinhaContinuando
● No seu gorjeio
● Enquanto o via;
● De vez em quando
● Lá lhe passava
● A dianteira
● E mal poisava,
● Não afroixava
● Nem repetia,
● Que redobrava

De melodia! Assim foi indo

E foi seguindo.

De tal maneira,

Que noite e dia

Numa palmeira,

Que havia perto

Donde morava

Nosso Senhor


Em pequenino

(Era já certo)

Ela lá estava

A pobre ave

Cantando o hino

Terno e suave

Do seu amor

Ao Salvador!
Olávio Bilac, Brasil, século XIX
A AVÓ


A avó, que tem oitenta anos,

Está tão fraca e velhinha!...
● Teve tantos desenganos !
● Ficou branquinha, branquinha,
● Com os desgostos humanos.

● Hoje, na sua cadeira,


● Repousa, pálida e fria,
● Depois de tanta canseira:
● E cochila todo o dia,
● E cochila a noite inteira.

Às vezes, porém, o bando

Dos netos invade a sala ...

Entram rindo e papagueiando :

Este briga, aquele fala,

Aquele dança, pulando ...


A velha acorda sorrindo.

E a alegria a transfigura;

Seu rosto fica mais lindo,

Vendo tanta travessura,

E tanto barulho ouvindo.


Chama os netos adorados,

Beija-os, e, tremulamente,

Passa os dedos engelhados,

Lentamente, lentamente,

Por seus cabelos doirados.

Fica mais moça, e palpita,

E recupera a memória,

Quando um dos netinhos grita :

"Ó vovó ! conte uma história!

Conte uma história bonita!"


Então, com frases pausadas,

Conta histórias de quimeras,

Em que há palácios de fadas,

E feiticeiras, e feras,

E princesas encantadas ...


E os netinhos estremecem,

Os contos acompanhando,

E as travessuras esquecem,

- Até que, a fronte inclinando

Sobre o seu colo, adormecem ...
Manuel Bandeira, Brasil, Século XX
● TREM DE FERRO

● Café com pão


● Café com pão
● Café com pão
● Virge Maria que foi isto maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
● Foge, bicho

Foge, povo
● Passa ponte
● Passa poste
● Passa pasto

Passa boi
● Passa boiada
● Passa galho
● De ingazeira

Debruçada
● No riacho

Que vontade

De cantar!

● Oô...

Quando me prendero
● No canaviá
● Cada pé de cana
● Era um oficiá

Oô...
● Menina bonita

Do vestido verde
● Me dá tua boca
● Pra matá minha sede
● Oô...

Vou mimbora vou mimbora
● Não gosto daqui
● Nasci no Sertão
● Sou de Ouricuri

Oô...


Vou depressa

Vou correndo

Vou na toda
● Que só levo

Pouca gente
● Pouca gente
● Pouca gente...

Cecília Meireles, Brasil, Século XX
A CANÇÃO DOS TAMANQUINHOS


Troc… troc… troc… troc…

ligeirinhos, ligeirinhos,

troc… troc… troc… troc…

vão cantando os tamanquinhos…

● Madrugada. Troc… troc…



pelas portas dos vizinhos

vão batendo, Troc… troc…

vão cantando os tamanquinhos…


Chove. Troc… troc… troc…
● no silêncio dos caminhos
● alagados, troc… troc…

vão cantando os tamanquinhos…


E até mesmo, troc… troc…

os que têm sedas e arminhos,

sonham, troc… troc… troc…
● com seu par de tamanquinhos…
CECÍLIA MEIRELES – COLAR DE
CAROLINA
● Com seu colar de coral,
● Carolina
● corre por entre as colunas
● da colina.

● O colar de Carolina
● colore o colo de cal,
● torna corada a menina.

● E o sol, vendo aquela cor


● do colar de Carolina,
● põe coroas de coral

● nas colunas da colina.


Ou Isto Ou Aquilo – Cecília
Meireles
● Ou se tem chuva e não se tem sol,
● ou se tem sol e não se tem chuva!

● Ou se calça a luva e não se põe o anel,


● ou se põe o anel e não se calça a luva!

● Quem sobe nos ares não fica no chão ,


● Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo em dois lugares!


Ou guardo dinheiro e não compro o doce,

ou compro o doce e não guardo o dinheiro.


Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...

e vivo escolhendo o dia inteiro!


Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranqüilo.


Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Vinícius de Moraes, Século XX
● Lá vem o pato
● Pata aqui, pata acolá
● Lá vem o pato
● Para ver o que é que há

● Lá vem o pato
● Pata aqui, pata acolá
● Lá vem o pato
● Para ver o que é que há

O pato pateta

Pintou o caneco

Surrou a galinha

Bateu no marreco


Pulou do poleiro

No pé do cavalo

Levou um coice

Criou um galo


Comeu um pedaço
● De genipapo

Ficou engasgado

Com dor no papo


Caiu no poço

Quebrou a tigela

Tantas fez, o moço
● Que foi pra panela
José Paulo Paes, 1990
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio,pião.

Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.
● As palavras não:
● quanto mais se brinca
● com elas
● mais novas ficam.

● como a água do rio


● que é água sempre nova.

● como cada dia


● que é sempre um novo dia.

● Vamos brincar de poesia?


Sérgio Caparelli, 1983
Guaraná com Canudinho

● Uma vaca entrou num bar


● e pediu um guaraná.
● O garçom, um gafanhoto,
● tinha cara de biscoito.
● Olhou de trás do balcão,
● pensando na confusão.
● Fala a vaca, decidida,
● pronta pra comprar briga:

- E que esteja geladinho

pra eu tomar de canudinho!

Na gravata borboleta,

gafanhoto fez careta.

Responde: vaca sem grana

Se quiser, vai comer grama.

- Ah, é?, muge a vaca matreira,

quem dá leite a vida inteira?

- Dou leite, queijo, coalhada,

reclamo, ninguém me paga.

Da gravata, a borboleta

sai voando satisfeita.

Gafanhoto leva um susto,

acreditando muito a custo.

E serve, bem rapidinho,

Guaraná com canudinho.
Wânia Amarante, 1983
● NAS NUVENS

● - Giraaafffaaa!!!
● Ô giraaafffaaa!
● Me escuta aqui!
● Tô cá na Terra.
● - Não precisa gritar
● Sou pescoçuda,
● Mas não sou surda.
Tatiana Belinky, 1987
● Ao ver uma velha coroca
● Fritando um filé de minhoca,
● O Zé Minhocão
● Falou pro irmão
● “Não achas melhor ir pra toca?”
Ulisses Tavares, 1984
● Último Acorde do Violino Solitário

● Nada sei sobre a vidinha do


● Pernilongo que mato indiferente
● Na parede.
● Mas desconfio que era a única
● Que ele tinha.
Pedro Bandeira, 1984
● Identidade


Às vezes nem eu mesmo

sei quem sou.
● às vezes sou.
● "o meu queridinho",
● às vezes sou

"moleque malcriado".

Para mim

tem vezes que eu sou rei,
● herói voador,
● caubói lutador,

jogador campeão.

às vezes sou pulga,
● sou mosca também,
● que voa e se esconde

de medo e vergonha.

Às vezes eu sou Hércules,
● Sansão vencedor,

peito de aço

goleador!

Mas o que importa
● o que pensam de mim?

Eu sou quem sou,

eu sou eu,
● sou assim,
● sou menino.
Maria Dinorah, 1986
● MAPA

● Tinha tanto remendo


● A calça do Raimundo
● Que ele estudava nela
● A geografia do mundo
Celina Ferreira, 1998

BOI


Boi de olhar tristonho, olhar perdido […]

Caminhas cada dia para a morte,

E nem sabesque amanhã precisaremos

Tua carne dourando a nossa fome

Nosso prato diário desconhece

Teu mugido tristonho, teu olhar descansado.

Você também pode gostar