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O professor e pesquisador espanhol Jaume Martinez (2013) propõe em seu estudo que a cidade é
currículo, ela seria a materialização da cultura de um povo que irradia mensagens, lugar de experiências
onde se cria narrativas que formam e transformam biografias. A partir dessa premissa, o artigo buscou
entender como a cidade de Brasília educou os primeiros estudantes da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). O currículo da cidade de Brasília na década de 1960 foi
apresentado por meio de imagens dos acervos do Arquivo Público do Distrito Federal e do da UnB no
recorte temporal da primeira turma (1962-1966). O artigo organiza-se em três partes: “Brasília como
currículo” apresenta o desenvolvimento espacial da cidade na primeira década, analisando as mensagens
e leituras transmitidas pelo espaço urbano. Na segunda parte, intitulada “Brasília e UnB: genealogia”,
explora-se o desenvolvimento da UnB e da FAU relacionando-os com a cidade, por fim “Brasília: um
conhecimento valioso para arquitetos”, onde se conclui como a cidade educou os arquitetos da escola.
ABSTRACT
Spanish professor and researcher Jaume Martinez (2013) proposes in his study that the city is a
curriculum, it would be the materialization of the culture of a people that radiates messages, a place of
experiences where narratives are created that form and transform biographies. Based on this premise,
the article sought to understand how the city of Brasilia educated the first students of the Faculty of
Architecture and Urbanism of the University of Brasilia (FAU-UnB). The curriculum of the city of Brasília in
the 1960s was presented through images from the archives of the Public Archives of the Federal District
and of the UnB in the time frame of the first class (1962-1966). The article is organized in three parts:
“Brasília as a curriculum” presents the spatial development of the city in the first decade, analyzing the
messages and readings transmitted by the urban space. In the second part, entitled “Brasília and UnB:
genealogy”, the development of UnB and FAU is explored, relating them to the city, finally “Brasília: a
valuable knowledge for architects”, which concludes how the city educated the school architects.
RESUMEN
El profesor e investigador español Jaume Martínez (2013) propone en su estudio que la ciudad es un
currículum, sería la materialización de la cultura de un pueblo que irradia mensajes, un lugar de
experiencias donde se crean narrativas que forman y transforman biografías. Basado en esta premisa, el
artículo buscaba entender cómo la ciudad de Brasilia educó a los primeros estudiantes de la Facultad de
Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Brasilia (FAU-UnB). El plan de estudios de la ciudad de
Brasilia en la década de 1960 se presentó a través de imágenes de los archivos de los Archivos Públicos del
Distrito Federal y de la UnB en el marco de tiempo de la primera clase (1962-1966). El artículo está
organizado en tres partes: "Brasilia como currículum" presenta el desarrollo espacial de la ciudad en la
primera década, analizando los mensajes y las lecturas transmitidas por el espacio urbano. En la segunda
parte, titulada "Brasilia y UnB: genealogía", se explora el desarrollo de UnB y FAU, relacionándolos con la
ciudad, finalmente "Brasilia: un conocimiento valioso para los arquitectos", que concluye cómo la ciudad
educó al arquitectos escolares.
O currículo é um documento ou prática que questiona qual conhecimento deve ser ensinado a
um indivíduo ou grupo, resultado de uma seleção de qual profissional deve ser formado e a
partir de quais visões de mundo (SILVA, T,2010; SANTOS, R, 2003). A literatura do campo
apresenta diversos tipos de currículos, existe o formal que se relaciona com as diretrizes
curriculares nacionais, o real, que acontece em sala de aula e o oculto, aquele que representa
tudo o que os alunos aprendem diariamente em meio às várias práticas, atitudes,
comportamentos, gestos, percepções, que são tangíveis pelo meio social e/ou escolar.
O professor e pesquisador espanhol Jaume Martinez propõe em seu estudo que a cidade é
currículo, ou seja, a vivência na cidade se constituiria como um currículo oculto. O autor (2013)
entende a cidade como uma materialização da cultura de um povo que irradia mensagens e
significados, lugar de experiências onde se cria narrativas que formam e transformam biografias.
Essas mensagens e significados que a cidade emana são chamados por Martinez de o “texto” da
cidade, uma linguagem, e é por meio dele que a cidade educa. Ele defende que “a rua é uma
aula, uma lousa, um lugar onde se escreve. É o melhor lugar onde se dita as mensagens, é um
texto pedagógico. É muito interessante analisá-la a partir da pedagogia que se propõe” (2014).
A comparação entre cidade e linguagem também é feita por outros autores como Aldo Rossi e
Coelho Neto, por exemplo. Rossi (2001) afirmou que a analogia entre essas duas áreas do
conhecimento está, sobretudo, na complexidade dos processos de modificação e nas
permanências. Coelho Neto (1997) estudou essa linguagem da arquitetura/cidade e definiu
como aquela que os homens formulam a partir de um estoque de conceitos e signos, que fala
um discurso que responde as necessidades da sociedade da época e o qual ela entende.
A teoria de Martinez chama ao despertar para a cidade, não a vendo somente como entorno da
escola, ou como conteúdos fragmentados dos livros didáticos, ou ainda como visitas guiadas a
partes da mesma, mas como texto e possibilidade de aprendizagem. A cidade, assim como o
currículo, é o resultado de uma seleção cultural, social, política e administrativa, expressão do
equilíbrio de interesses e forças, prática que gera aprendizado com experiência e por fim um
modo de falar, uma linguagem, um discurso relacionando práticas e poder (SACRISTÁN, 2000;
SILVA, 2010, MARTINEZ, 2013).
A cidade é o lugar onde essas operações acontecem, mas ela própria traz em seu tecido urbano
seleções, apresenta imagens de poder, apreende-se sobre riqueza/pobreza,
unidade/diversidade, público/privado, natural/artificial e na sua vivência adquire-se diversas
mensagens. Diante do explicitado, esse artigo também partirá da premissa que a cidade é
currículo.
A partir da premissa que todas as cidades educam seus fruidores, o estudo de Martinez dedica-
se a explorar esse impacto educativo nas crianças, mas qual seria a impressão delas em
estudantes de arquitetura e urbanismo? Os objetos de estudos desse artigo são a cidade de
Brasília e os primeiros estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
Brasília (1962-1966). Brasília como cidade projetada modernista já se diferenciaria das demais
no quesito experiência e conhecimento vivido, contudo para os primeiros alunos da
Universidade de Brasília ela se tornou o florescer de um projeto para uma realidade de concreto
e areia vermelha. A cidade foi inaugurada em 1960, a Universidade dois anos depois. A
Universidade de Brasília foi a oportunidade de renovar o ensino superior brasileiro e o Curso de
Arquitetura da instituição também queria esse mesmo feito. Para isso, uma organização aberta,
O currículo da cidade de Brasília na década de 1960 será apresentado por meio de imagens do
acervo do Arquivo Público do Distrito Federal e do Arquivo Central AtoM UnB focando
especificamente na experiência dos primeiros estudantes do Curso-Tronco de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília (1962-1966). Pretende-se apresentar como a cidade de
Brasília e consequentemente também a Universidade de Brasília (UnB), foram currículo na
formação dos primeiros arquitetos da cidade.
Para apresentar Brasília e a UnB como currículo, o trabalho correlacionará a obra de Martinez
(2013) com a de Coelho Neto (1997). Martinez em seu texto descreve seis tipos de currículos
que encontramos na cidade são eles: flaneur, espetáculo, medo, pobreza, encarnado e
situacionista. Como metodologia, Brasília será analisada como currículo à flaneur, termo
resgatado do personagem narrado por Baudaleire e retomado por Walter Benjamin que se
refere ao pedestre sem rumo, “o urbanita que experimenta a cidade sem qualquer intenção
além de perambular ou passear de um modo diletante” (2013, p.447). Assim, o currículo flaneur
é o captado ao andar pela cidade sem rumo, é o cidadão expectador que olha o lugar e tenta
traduzir o texto. “Andando” pela cidade, pelas fotos como flaneur, analisaremos a linguagem da
cidade de Brasília. De acordo com Coelho Neto (1997), podemos ler a fala da cidade por meio
do discurso do espaço em si mesmo (seu arranjo espacial) e pela sua estética (seu arranjo
artístico), estratégia essa utilizada nessa análise.
A realização de Brasília, pensada desde o século XIX, foi fruto de sonho, insistência, necessidade,
política e dedicação. Possuindo Lucio Costa como urbanista, resultado de seleção de projeto em
concurso nacional, e Oscar Niemeyer como arquiteto, devido a amizade/parceria com o
presidente Juscelino Kubitschek (JK), a cidade nasceu com um espírito e ideias claros. Suas
mensagens, o significado de cada lugar, função e volumes fora pensado. Mas nem tudo.
O Relatório do Plano Piloto (1957) oferece alguns conceitos importantes que o urbanista queria
que fossem percebidos pelos moradores e visitantes da cidade. Na introdução do texto, Costa
aponta que a cidade deveria ser mais que moderna, teria civitas, a qualidade de representar a
cidade-capital de um país. Para alcançar esse objetivo, ela deveria ser monumental e no projeto
isso foi expresso pela escala de suas avenidas e a relação dos prédios com a escala humana. O
desenho de Brasília garantiu a eficiência do trabalho e ordenação por meio de sua lógica
cartesiana, a cidade viva e aprazível se alcançaria nas superquadras e o devaneio intelectual e a
cultura sonhada para a capital foi justificada pela UnB.
1
Esse texto é parte de um doutorado em andamento financiado pela CAPES, a qual a autora agradece.
Antes de analisar essa relação entre ideal e real, cabe situar no tempo como foi realizada o
desenvolvimento da cidade. Baseando-se nos estudos de Leitão e Ficher nas plantas de Brasília
(2010), sabe-se que no ano de 1957, logo após a aprovação do concurso, a construção inicia-se
com obras de infraestrutura, em seguida, com o detalhamento dos projetos, advém às sedes
dos poderes e os primeiros projetos habitacionais na Asa Sul. Em 1958, 70% das plantas
cadastradas são de projetos de superquadras na Asa Sul, alguns edifícios no Setor Bancário,
Setor de Diversões, Setor Hoteleiro e o Setor de Embaixadas Sul. Em 1959, continua a construção
nas superquadras da Asa Sul e também surgem as primeiras plantas do Setor Médico-Hospitalar
e Setor de Rádio e Televisão Sul. No ano da inauguração da capital (1960), continua a ênfase na
questão habitacional, no entanto, o diferencial é que se inicia a expansão para a Asa Norte.
Figura 1- Praça dos Três Poderes na Inauguração de Brasília. Fonte: Arquivo Público do DF.
Para os novos moradores, a fim de criar uma ambiência de cidade, dedicou-se inicialmente as
construções de habitação todas na Asa Sul (figura 2). Nas superquadras encontravam-se 11
blocos de até 6 pavimentos, dispostos livremente no terreno onde deveria haver parquinhos,
escolas e prédios comunitários. As primeiras superquadras realizadas por Oscar Niemeyer e
equipe partiam de uma unidade na composição, seguiam critérios de ritmo, proporção e
simetria. Nos prédios, prismas retangulares em pilotis livres, predominavam o uso de concreto
armado e elementos como o brise-soleils, panos de vidro, esquadrias e venezianas em madeira
e cobogós. Ou seja, os volumes expressavam as técnicas, materiais e estética desenvolvidos na
escola carioca, síntese do movimento moderno brasileiro (FERREIRA, GOROVITZ, 2010).
De acordo com o jornal Correio Brasiliense (21/04/1961), em outubro de 1960 as obras param,
só retornando em março de 1961. O ano de 1961 foi crítico com a saída Kubitschek da
presidência. Jânio Quadros que assume o poder, havia se comprometido em completar Brasília,
mas pouco fez nesse sentido. É desse ano, em 15 de dezembro, a promulgação da lei nº 3.998
que instituiu a Fundação da Universidade de Brasília (FUB).
Os estudantes que aqui chegaram no ano de 1962, encontraram um canteiro de obras com
vazios urbanos onde estavam identificados um tecido, que apesar de ter sido adaptado a
realidade continha toda sua força simbólica e uma arquitetura vinculados ao Modernismo
Brasileiro. Contudo, esse não era o único conteúdo que a cidade apresentava. É importante
destacar que além dos projetos oficiais que continham plantas e eram erigidos pelos arquitetos
que conformavam a cidade, Brasília tinha em sua paisagem outras construções (figuras 3 e 4)
não previstas no Plano. Um dos muitos ensinamentos que a capital dava aos seus moradores
era que, além de cidade moderna, Brasília expunha a contradição de um país de muita pobreza.
Antes mesmo da inauguração da cidade, Gouvêa (1995) narrou que se iniciou o processo de
desativação dos acampamentos de obras e a erradicação das favelas próximas ao Plano Piloto.
Os moradores foram transferidos para cidades satélites recém-criadas (Sobradinho e Gama,
1960) e para os vilarejos existentes como Taguatinga, Brasilândia e Planaltina. No entanto,
moradores resistiram a mudança, outros não paravam de chegar e muitas ocupações ainda
ficaram no Plano.
O ano de 1964 atesta o predomínio das construções na Asa Norte, mas além disso iniciam-se os
estudos para o Setor Cultura Sul e o Setor Hospitalar Local Norte. A cidade crescia e com seu
desenvolvimento, além das construções dos edifícios funcionais, percebia-se a necessidade de
um melhor tratamento ao espaço público com calçadas, jardins, estacionamentos e mobiliário
urbano, visto que muitas superquadras contavam só com o a distribuição dos blocos (LEITÃO,
FICHER, 2010).
O morador Pedro Gordilho narrou no artigo “Reminiscências dos anos 60 em Brasília” que a
cidade era bem iluminada por postes modernos (menos nas superquadras), as lojinhas do
comércio local se consolidavam aos poucos facilitando a vida dos moradores e a vida cultural
era pobre, pois só contavam com o Cinema Brasília e o Cine Cultura. De acordo com ele, devido
ao arrojo das linhas arquitetônicas, “todos se julgavam modernos e submissos às correntes de
pensamento desatreladas de qualquer forma clássica de concepção”. Por esse relato, percebe-
se o impacto do desenho urbano e arquitetônico nos moradores da cidade.
No Registro de uma vivência (1967), Lucio Costa visita a cidade e reflete sobre sua situação sete
anos após sua inauguração. A cidade que foi concebida em escalas diferentes, segundo o
urbanista, ainda não possuía seu coração, a escala gregária. O coração corresponderia ao centro
social e de diversões, deveria ser no cruzamento dos eixos Rodoviário e Monumental com
edifícios para profissionais liberais, cafés, restaurantes, cinemas. A intenção era criar um foco
urbano de congestão em contraponto aos espaços serenos das superquadras. Diante da
situação ainda com hiatos da capital, Costa chama-a de “arquipélago urbano”, excelente
descrição para um conjunto de ilhas (setores/áreas) envoltas por cerrado.
Figura 5: Vista aérea do Núcleo Bandeirante e das invasões existentes em suas proximidades (12 dez. 1963). Fonte: Arquivo
Público do Distrito Federal.
No fim da década de 1960, a cidade tinha suas principais obras de infraestrutura urbana
realizadas, as superquadras consolidando-se com equipamentos públicos e a melhoria do
comércio local, o eixo monumental é adensado na porção oeste com a construção da praça e
Palácio do Buriti, a escala bucólica com sua vegetação vai ganhando porte e tornando a cidade
menos árida. A partir disso, podemos inferir que a pedagogia que a cidade promovia era a da
esperança e progresso. Esperança por parte de muitos que para aqui migraram e encontraram
na cidade trabalho, renda e chão para viver. Progresso por parte de todos que visualizaram nas
linhas modernas e arrojadas da cidade um novo rumo para um país em desenvolvimento. Seu
discurso responde não ao anseio da sociedade, mas a uma necessidade do país de segurança,
proteger a capital de invasões e greves, e de desenvolvimento, com a ocupação a oeste do vasto
território brasileiro.
Seu currículo deixou claro suas seleções. A seleção cultural, com o urbanismo e arquitetura
modernos, a social, definindo como moradores do Plano os que trabalhavam nas instituições
públicas advindos do Rio de Janeiro e distanciando os que aqui vieram construir a cidade e,
também, política, mostrando a vitória das forças articuladoras das ideias mudancistas,
principalmente de JK. Como flaneur, o citadino brasiliense da década de 1960 aprendeu por
meio da experiência de viver numa cidade em construção, com constante barulho de máquinas,
poeira vermelha e a presença da ossatura dos prédios aparente. O vai e vem de pessoas do Brasil
inteiro, pelas largas avenidas com arquitetura e postes modernos possuindo como contraponto
a pobreza e cerrado na paisagem. Dentro desse cenário, que pedagogicamente ensinou tanto,
estava a primeira turma de arquitetos na recém-criada Universidade de Brasília, além dessas
mensagens quais outras eles puderam aprender?
A Universidade de Brasília nascia com dupla missão: legitimar a cidade-capital e renovar o ensino
superior brasileiro. Como objetivos tinha que integrar-se com os principais centros culturais do
país e da América Latina, assegurar à Brasília a categoria intelectual necessária à capital do país
e conceder à população da cidade a perspectiva cultural que a libertasse do provincianismo,
num cenário urbanístico e arquitetônico mais moderno do mundo (RIBEIRO, D, 1962).
Para alcançar esses objetivos, Darcy Ribeiro e a equipe de planejamento organizaram uma nova
estrutura institucional com os institutos centrais e as faculdades. Os institutos teriam como
função a formação complementar do ensino médio e a base da faculdade de ciências para
formação de pesquisadores e professores secundários, e das faculdades especializadas (SILVA
et al, s/d). As faculdades ficavam responsáveis pela formação técnica e profissional dos alunos.
Foram escolhidos para dar início as atividades três cursos-tronco: Direito, Administração e
Economia, Arquitetura e Urbanismo e Letras Brasileiras. A escolha, segundo documento do INEP
(s/d), foi baseada em estudo de viabilidade em recrutar docentes com qualificação necessária e
de atender às exigências de ensino e pesquisa para cada área. Os cursos seriam ministrados em
dois anos, as disciplinas lecionadas seriam as obrigatórias do currículo mínimo e outras que
fossem importantes como “introdução ao preparo profissional e atividades destinadas a elevar
a cultura geral” (CODI-UNIPER-INEP, s/d). Ao fim, o aluno decidiria sua opção de carreira.
O curso-tronco de Arquitetura e Urbanismo estava sob a égide do Instituto Central de Artes (ICA)
e migraria para ele quando esse estivesse em funcionamento. Os alunos após cursassem o
básico no ICA, iriam para a formação profissional na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(FAU). A base do ensino dos arquitetos na UnB era a tríade ICA, FAU e o Centro de Planejamento
(CEPLAN). A coordenação do curso-tronco de AU, que estava sob a responsabilidade do Instituto
Central de Artes (ICA), organizado por Alcides de Rocha Miranda, durou até 1963, quando Darcy
Ribeiro convenceu Oscar Niemeyer a ser o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(FAU), deixando Miranda somente com o ICA.
O CEPLAN foi criado em maio de 1962 e tinha por objetivo “[...] elaborar os projetos de todos os
edifícios da Universidade, dentro das normas urbanísticas do plano de Lucio Costa. Fixar a
arquitetura da Universidade e, também, orientar e conduzir os cursos da Faculdade de
Arquitetura (MODULO, 1963, p. 26, apud CAVALCANTE, N, 2015, p. 70). O CEPLAN possuía Oscar
Niemeyer como coordenador e Lúcio Costa e Joaquim Cardoso como consultores. Segundo Joao
Figueiras Lima (CAVALCANTE, 2015, p.67): “Darcy falou para o Oscar: o escritório que você está
querendo montar, [...] monta na Universidade e faz lá todos os projetos de Brasília”. Dessa forma
percebemos mais uma vez que a Universidade e a cidade de Brasília têm sua construção e
desenvolvimento entrelaçados.
Ainda no mesmo ano, foi constituída a pós-graduação, que tinha por objetivo inicial formar
professores qualificados para a graduação, mas também havia uma formação de cunho prático.
De acordo com Graeff, a pós-graduação enfatizaria a pré-moldagem e a instalação de uma usina
de pré-moldados, focando no ensino e na prática de professores capacitados para a construção
(1983 apud ALMEIDA, J, 2015, p.138). Os pós-graduandos trabalhavam no CEPLAN e quando
iniciassem a formação técnica em Arquitetura seriam responsáveis por ensinar na graduação,
sendo orientados por professores e pesquisadores mais qualificados, todos trabalhando em
conjunto no ensino e na construção das obras do campus.
Figura 6: Visita do embaixador da França à Universidade de Brasília (UnB). Ao fundo aparece a fachada da OCA em vista
diagonal e algumas árvores (mai. 1963). Fonte: Universidade de Brasília. Arquivo Central. AtoM UnB.
Além desses, tiveram aulas nos prédios da Faculdade de Educação (FE) que foram utilizados
pelos cursos-tronco para as disciplinas do básico. O conjunto da FE (FE1, 3 e 5, figuras 7 e 8) de
autoria de Alcides da Rocha Miranda, José Kluft e Luiz Humberto é composto por três volumes
de tratamento distintos, mas com unidade pelo diálogo entre eles por meio de elementos
conectores, como o concreto, o brise-soleil e passarelas de ligação, a presença de pátios centrais
e a boa arquitetura.
Figura 7 (a esquerda): Construção da Faculdade de Educação (FE-1). Fonte: Universidade de Brasília. Arquivo Central. AtoM
UnB. Disponível em: https://atom.unb.br/index.php/00112-07. Figura 8 (a direita): Vista interna da construção do prédio do
Auditório Dois Candangos (1962). Fonte: Universidade de Brasília. Arquivo Central. AtoM UnB. Disponível em:
https://atom.unb.br/index.php/00112-17.
Outros dois prédios são importantíssimos para a formação dos primeiros arquitetos formados
pela UnB, os de Serviços Gerais 1 e 10 (SG1 e o SG10). O primeiro prédio, o SG1, abrigou as salas
de aulas dos alunos do curso-tronco em Arquitetura e Urbanismo, enquanto o segundo prédio,
Ainda faziam parte do campus no período de formação da primeira turma de arquitetos da UnB
(1962-1966), o Instituto de Teologia (Oscar Niemeyer, 1963), o conjunto da Colina (Joao
Figueiras Lima, 1963), o início da construção do Instituto Central de Ciências que até a década
de 1970 abrigava FAU (Oscar Niemeyer, Lelé, 1963) e a Faculdade de Tecnologia (Lelé, SG11 E
12, 1963-4). Como característica marcante dessas obras está o projeto arquitetônico de Oscar
Niemeyer com a estrutura em pré-moldado desenvolvida por Lelé, técnica trazida por ele para
ser usada na UnB, transformando o CEPLAN no “maior canteiro de pré-moldagem da América
Latina [...], um campo de experimentação exitosa que objetivava a pré-fabricação da construção
no país” (CASTELO, Roberto, 2010, apud SCHLEE, p.4).
A Faculdade foi reaberta em 1966, com profissionais que já trabalhavam em Brasília, a sua
maioria advindos do Exército e Aeronáutica, “mas esse grupo [que] reabriu a escola não tinha
qualquer experiência com o magistério e nem sequer experiência profissional” (CASTELO, R.,
1983 apud ALMEIDA, J, 2015, p.169). Apesar disso, foram eles os responsáveis por finalizar as
atividades e garantir a formação de 15 dos 45 alunos que entraram em 1962.
O currículo apreendido pelos primeiros arquitetos formados em Brasília tinha no seu currículo
oficial, desde sua criação, a cidade como objeto de estudo. Tanto pelo seu urbanismo e
arquitetura quanto pela sua práxis, possuindo a própria Universidade como parte dessa
experiência, conforme está descrito no texto do Plano Orientador da UnB (1962). A pedagogia
desenvolvida na universidade, mas principalmente no curso-tronco de AU era da formação de
um estudante de uma “cultura prática e teórica que o habilitasse na vida prática a criar formas
socialmente responsáveis, manejáveis e esteticamente adequadas” (PEDROSA, s/d). A
preocupação não era só formar o profissional, mas um cidadão que pudesse contribuir com
aquela cidade que estava nascendo e demandava uma dinamização cultural e artística de
qualidade.
O paradigma da cidade modernista esteve expresso no caminhar pela cidade como flaneur, por
largas avenidas e monumentos isolados. Nessa vivência o currículo era construído a partir da
nova cultura citadina, novos jeitos de se relacionar com o espaço urbano, comércios e lazer.
Percebia-se as seleções culturais, sociais e políticas expressas nas diferenças entre o Plano e as
cidades satélites. No vai e vem de uma cidade em construção, com constante barulho de
máquinas, poeira vermelha e a presença da ossatura dos prédios aparente havia o contraste
entre a modernidade e o cerrado na paisagem.
A Universidade de Brasília, assim como a cidade também emanava seu currículo. De acordo com
Antonio Frago (2001), o espaço escolar não é apenas um continente em que se situa a educação
institucional, a arquitetura não é cenário, é também um programa, uma espécie de discurso que
institui uma materialidade de um sistema de valores. A UnB como um espaço escolar ofereceu
aos estudantes uma arquitetura coerente com a nova cidade, realizada pelos mesmos arquitetos
a mensagem de unidade estava clara, do campus se projetava a universidade e a cidade
conjuntamente. Os edifícios transmitiam uma importante quantidade de estímulos, conteúdos
e valores do chamado currículo oculto, a vivência no prédio do MEC, na FE e no SIG 1 e 10
deixaram marcas nos estudantes de AU, edificações modernas realizadas com uma leitura
estética consagrada internacionalmente garantiram a formação.
A localização da escola na trama urbana também é um elemento curricular, podendo gerar uma
imagem de um “centro de um urbanismo racionalmente planificado ou como uma instituição
marginal e excrescente” (FRAGO, 2001, p.29). No caso não só da UnB, como da arquitetura
escolar no Plano Piloto, a instituição escola é percebida como parte integrante do urbanismo,
passando a mensagem ao citadino da importância da educação para essa cidade.
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