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JULIANNE DONALDSON
Blackmoore
© 2013 Julianne Clawson Donaldson
All rights reserved.
D728b
Donaldson, Julianne
Blackmoore / Julianne Donaldson ; tradução de
Monique D’Orazio. –– São Paulo : Universo dos
Livros, 2021.
384 p.
e-ISBN: 978-85-503-0158-7
Título original: Blackmoore
DIAS ATUAIS
Uma batida soou na porta, toc-toc, uma pausa, e depois mais duas
batidas. Era o código de Oliver. Olhei para cima bruscamente,
desperta do meu devaneio. Mais quatro batidas. Ainda Oliver. Abri a
porta com cuidado, apenas uma fenda, para que ele não pudesse
ver dentro do meu quarto – para que ele não pudesse ver o modelo
arruinado de Blackmoore.
Oliver estava perto da porta, seu cabelo castanho caindo sobre
seus olhos cor de avelã. Ele precisava de um corte de cabelo. Eu
teria de falar com a cozinheira.
– O que foi? – perguntei, esperando que ele não notasse a minha
inquietação. Levantei os cantos dos lábios para agradá-lo, tentando
sorrir, quando eu não teria feito isso por mais ninguém.
Ele acenou, pedindo que eu me aproximasse, curvando um dedo
mindinho sujo. Baixei a cabeça e ele sussurrou em voz alta no meu
ouvido:
– O Sr. Cooper vem para o jantar.
Recuei.
– Não.
Ele confirmou balançando a cabeça.
– Ouvi mamãe dizer para a cozinheira.
Aquele mesmo Sr. Cooper repulsivo que eu tinha recusado
pretendia voltar? Mamãe devia ter lhe dado razão para voltar. Ela
devia tê-lo induzido a supor que eu tinha mudado de ideia. Então,
era isso. Eu teria que fugir.
– Obrigada, Ollie – eu disse com um suspiro.
Ele estendeu a mão.
– Tem um centavo? Para um doce? Por favor? – Ele me desferiu
um sorriso de vencedor ao qual eu não pude resistir. Peguei duas
moedas de um centavo da minha retícula e as coloquei em sua
mão. Antes que ele pudesse puxar sua mão de volta, eu a agarrei e
virei com a palma para cima. Logo estalei a língua em sinal de
desaprovação. – Vá limpar as unhas, mocinho. Estão atrozes.
Ele riu, e seus olhos se iluminaram com um brilho travesso.
– Gosto delas atrozes. – Ele correu pelo corredor, segurando as
duas moedas, e não pude deixar de sorrir ouvindo seus passos
ruidosos estalando pelos degraus de madeira. Ele era a única
pessoa de quem eu sentiria falta quando, no dia seguinte, fosse
embora para…
Detive meus pensamentos. Não. Eu não partiria para Blackmoore
no dia seguinte. O desespero me acometeu de novo. Nada de
Blackmoore e, além disso, eu teria que suportar a companhia do Sr.
Cooper durante o jantar? Era demais.
Nesse momento, o som de um assobio se ergueu pelo ar e
encheu o quarto. Era o canto de um melro. Corri para a janela,
pousei as mãos no peitoril, inclinei-me para fora e olhei para baixo.
Abaixo da minha janela, Henry estava com as mãos unidas em
concha ao redor da boca, assobiando.
– Montei o alvo – ele gritou. – Venha atirar comigo.
Pedi silêncio com um dedo nos meus lábios e me virei para o
quarto. Corri às pressas para colocar o modelo de novo dentro do
baú e o tranquei com firmeza antes de devolver a chave ao seu
esconderijo e voltar à fenestra. Joguei uma perna sobre o parapeito
da janela.
– O que você está fazendo? – Henry gritou do chão, lá embaixo.
– Pode baixar a voz, por favor? – sussurrei ferozmente ao jogar
minha outra perna sobre o peitoril. – O que parece que estou
fazendo? Saindo de casa.
– Não, Kate. Não pela janela. Apenas use a porta, como uma
pessoa normal.
– Não posso. Mamãe vai me ver. – Eu virei, segurando a borda
interna do peitoril, para que minha barriga se apoiasse sobre a
madeira. – Só é um pouco mais difícil porque a treliça quebrou no
verão passado. – Procurei por uma fenda nas pedras com a ponta
da bota. Naquele momento, Cora decidiu explorar minha situação
desprivilegiada e pulou na minha cabeça.
– Ah, não. Agora, não – eu disse. – Desça!
Mas, depois de espreitar por cima de minha cabeça, ela começou
a andar lenta e elegantemente pelas minhas costas. Henry deu
risada.
– Isso é culpa sua – murmurei. – Ela vai ver você.
Nesse momento, Cora pareceu decidir que a inclinação era
íngreme demais para seu conforto e cravou as unhas nas minhas
pernas e nas minhas costas. Tive um sobressalto com a dor aguda,
e ela perdeu o equilíbrio. Ela deu um miado patético, agitando as
patas para conseguir se agarrar a alguma coisa, mas não teve
sucesso. Olhei por cima do ombro e a vi girar no ar enquanto caía.
Henry a pegou antes que ela atingisse o chão.
– Bom trabalho – eu disse.
Ele a colocou no chão e, em seguida, estendeu as mãos para
mim.
– É só pular que pego você – disse ele, enquanto eu continuava a
procurar meu apoio costumeiro de pés.
– Não, eu não preciso de tanta ajuda assim. Só me deixe
encontrar essa fenda e então você pode me dar uma mãozinha…
– Realmente importa o quanto de ajuda eu lhe dê aqui? Vou
ajudá-la de qualquer maneira. Só me deixe pegá-la.
– Uma mão será suficiente.
Ele murmurou alguma coisa. Eu encontrei a fenda, enfiei a ponta
da bota e deslizei as mãos para pegar a borda exterior do peitoril da
janela.
– Sobre o que você está resmungando? – perguntei.
– Teimosa. Alguma coisa sobre uma certa moça teimosa que
conheço.
O som de passos veio através da janela acima de mim. Mamãe
estava vindo falar comigo, e ela ainda estava com raiva, pelo som
de seus passos secos. Uma forte batida soou na porta do meu
quarto. Naquele instante, percebi que tinha esquecido de trancar a
porta de novo, depois de abri-la para Oliver. Eu me afastei da
parede e soltei. Não tinha dúvidas de que Henry poderia me pegar.
Pelo canto do olho, eu o vi saltar para a frente. Ele me agarrou pela
cintura a tempo de diminuir a velocidade da minha queda. Tropecei
quando pousei, mas ele me puxou e me firmou sobre os pés, então
corremos juntos para a esquina da casa. Eu me pressionei contra a
parede de pedra e tentei acalmar a respiração.
– Kitty? Kitty! – A voz de mamãe chegou até nós através da janela
aberta.
Henry olhou para mim, e sua expressão divertida de repente se
tornou afiada de preocupação.
– Você está aborrecida – ele afirmou.
Pressionei os lábios, recusando-me a confirmar ou negar sua
declaração. Seus olhos se estreitaram.
– Quem perturbou você?
– Kitty! – O grito de mamãe veio novamente, mais alto desta vez.
– Katherine Worthington! Responda-me agora mesmo! Se você
anda pulando da janela de novo…
No instante seguinte, Henry saiu do meu lado e apareceu na
esquina da casa. Em pânico, estendi a mão para segurá-lo, para de-
tê-lo, mas ele já estava fora do meu alcance. Tudo o que eu podia
fazer era ficar quieta e esperar, tensa com nervosismo. Cora se
retorcia ao redor dos meus tornozelos, miando, e eu a peguei no
colo para acalmá-la.
– Oh. Henry. – A voz de mamãe tinha uma nota de prazer. Eu
poderia imaginá-la alisando o cabelo e apoiando-se mais pela
janela. Eu podia imaginá-la sorrindo para Henry quando ele
levantasse o rosto para ela. – Eu só estava procurando pela Kitty.
Você não a viu, por acaso?
– Hoje, não. Talvez ela tenha caminhado até o vilarejo.
– Hum. Você deve estar certo. Vou mandar um dos criados atrás
dela imediatamente. Obrigada, Henry. Você é um menino querido. –
Uma pausa e então a voz dela baixou e ela riu, um som grave e
gutural. – Oh, puxa vida, mas você não é mais menino, é? E
certamente está ficando mais bonito a cada dia. – Fechei os olhos,
nauseada de vergonha. – Você deve vir para o jantar esta noite. Não
sei quantas vezes eu disse à Kitty para convidá-lo desde que sua
mãe e Sylvia partiram para Londres, mas ela falha comigo de novo e
de novo. Eu quero você aqui, querido Henry. – A voz era sensual. –
Eu quero muito você.
Cora miou contorcendo-se nos meus braços, e eu percebi que a
estava espremendo, quase estrangulando. Afrouxei os braços, mas
não a soltei e enterrei o rosto em seu pelo. Quem me dera eu
pudesse me enterrar inteira, em algum lugar longe, bem longe da
minha mãe vergonhosa.
– Obrigado pelo convite, Sra. Worthington, mas vou ter que
recusar. George convidou os Farnsworth para jantar esta noite, e
eles estão me esperando.
– Oh. – Sua voz assumiu um tom queixoso. – Tenho certeza de
que seu irmão e a esposa dele podem ficar muito bem sem você por
uma noite.
– Lamento. Talvez outra noite. Se me der licença…
– Muito bem. Mas vou cobrar. Uma dessas noites, Henry, você vai
estar ao meu lado.
Um momento depois, Henry deu a volta no canto da casa e parou
diante de mim. Cheia de pavor, lancei um olhar para ele. Suas
bochechas tinham ficado vermelhas, e os lábios estavam
pressionados, como se ele estivesse se esforçando muito para não
dizer alguma coisa. Mas seus olhos, quando me olharam, eram
apenas bondosos. A linha de sua boca suavizou, e ele me deu um
sorriso rápido, pequeno.
– O alvo, como eu dizia, está montado, e acredito que tirei sua
mãe do seu encalço. Você vem?
Eu tremia com raiva e vergonha e desejei que pudesse pedir
desculpas pela minha mãe. Mas pedir desculpas seria reconhecer o
comportamento dela, e eu não podia fazer isso. Coloquei Cora no
chão.
– É exatamente do que preciso neste momento.
Eu me certifiquei de que ninguém estava olhando pelas janelas
mais próximas quando Henry e eu corremos para o bosque. Cora
seguia nos nossos calcanhares. A clareira ficava quase
perfeitamente no meio do caminho entre as nossas casas. Quando
chegamos a ela, Henry tirou o casaco e o pendurou sobre um galho
de árvore. O alvo estava montado ao lado do bordo. Dois arcos e
duas aljavas de flechas repousavam sobre o tronco de uma árvore
grande. Tudo parecia como deveria parecer – como em todos os
dias em que tínhamos passado naquela clareira praticando nosso
arco e flecha. Mas eu estava tão zangada com mamãe que duvidei
que conseguiria acertar alguma coisa.
Peguei um arco e uma aljava de flechas. Henry ficou ao meu lado,
me olhando em silêncio. Minhas mãos tremiam de raiva. Respirei
fundo enquanto erguia o arco e olhava para o alvo. Soltei a flecha.
Voou torto. Nenhuma surpresa, mas mesmo assim lancei um olhar
fulminante para o alvo ofensivo.
Henry pegou uma flecha, puxou-a para trás encaixada no arco e
estreitou os olhos, olhando para o alvo. O sol brilhava em seu
cabelo. Ele lançou a flecha. Acertou o alvo com uma pancada
satisfatória. Ele nunca errava.
– Já está pronta para falar? – ele perguntou.
Peguei outra flecha e posicionei-a no arco enquanto considerava
a pergunta. Mirando no alvo, imaginei os olhos frios da minha mãe.
– Minha mãe – eu disse, liberando a seta. Atingiu a borda exterior
do alvo. Patético.
– É claro – disse Henry. – Mas o que a mamãe querida fez desta
vez?
Sua segunda flecha acertou com a mesma perfeição da primeira.
– Ela é a mãe mais insensível que já pisou neste mundo – eu
disse, pegando outra seta. – Não compreende meus sonhos, não
valoriza meus desejos. Ela só quer que eu me case. E você
conhece meus sentimentos a respeito disso. – Soltei a corda. Dessa
vez, a seta se enterrou na grama.
– De fato, eu sei.
– De fato! – Peguei outra seta, chateada com as flechas que não
estavam voando certo; com Henry por ficar tão calmo quando eu
estava com tanta raiva; e com mamãe, por não me compreender de
jeito nenhum. – Aliás, quantas vezes você já me ouviu jurar que
nunca vou me casar?
Ele sorriu, um pequeno sorriso.
– Quantas vezes? Eu não fico contando, Kate.
– Então, uma estimativa.
Ele suspirou.
– Muito bem. Estimo que duas dúzias de vezes, pelo menos,
desde o último Natal. Talvez mais cinquenta vezes no ano passado.
Talvez uma centena no total.
Senti satisfação.
– E você acredita que estou falando sério na minha intenção?
– Acredito, sim. – A mandíbula de Henry estava rígida quando ele
mirou a flecha no alvo.
– Viu só? Você me entende quanto a este assunto, e você é só
meu amigo. Mas gente do meu próprio sangue…!
Ele estremeceu, sua cabeça inclinando de lado para me olhar, e
sua flecha caiu do arco. Ele abaixou o arco e me lançou um olhar
penetrante. Seus olhos cinzentos cintilavam como aço. Então, ele o
levantou de novo e fixou o olhar no alvo.
– Só seu amigo? – Ele estreitou os olhos no alvo, lábios
pressionados, fazendo uma linha vincar sua bochecha. – Acho que
mereço um título melhor do que esse.
– Como qual? – perguntei, olhando para ele de soslaio.
– Ah, não sei. – Ele disparou a flecha. Outro acerto sólido, bem no
alvo. – Talvez o Realizador do Desejo do Meu Coração?
Uma risada indignada explodiu de dentro de mim.
– O Realizador do Desejo do Meu Coração? – Um sorriso rondava
os lábios dele. – Nunca vou chamar você assim – afirmei, pegando
outra flecha.
– Por que não? Eu mereço. Acho que deveria me chamar por
esse título cada vez que me vir.
– E como acredita que mereceu? – perguntei com exigência.
– Fui eu que dei sua gata, e ela é o que você mais ama neste
mundo. – Ele fez um gesto para Cora, deitada na grama ali perto. –
Portanto, realizei o desejo do seu coração.
Ri com desdém, depois puxei a corda e soltei a flecha. Acertou o
alvo. Finalmente. Sorri com satisfação.
– Não vou chamá-lo de Realizador do Desejo do Meu Coração.
Isso é ridículo.
Henry me olhou com um sorriso satisfeito.
– Pronto. Suas sobrancelhas agora voltaram ao normal.
– Não é para você zombar de mim por causa das sobrancelhas,
esqueceu? Nós fizemos esse pacto há cinco anos.
– Aquilo foi um acordo pontual, depois que tentou raspá-las com a
navalha do seu pai. – Ele puxou a corda do arco e nivelou o olhar
com o alvo. A postura de Henry era algo que eu sempre tinha
admirado, mas nunca tanto quanto agora. Aos vinte anos, suas
costas estavam mais largas e os ombros, mais fortes do que nunca.
Os músculos em seus braços saltavam, cordões de luz e sombra.
Aquela linha estava em sua bochecha novamente – aquela linha
que era mais uma fenda do que uma covinha, e eu tive que desviar
o olhar. Ouvi a flecha de Henry acertar o alvo, enquanto me
abaixava e pegava minha última flecha.
Minha última flecha voou certeira, e suspirei de alívio. Era melhor
assim. Eu tinha reencontrado minha mira. Baixei o arco e caminhei
até o alvo com Henry. Depois de soltar minhas flechas do alvo e
apanhar as setas errantes, fui até o grande bordo que ficava no
meio da clareira. Era tão alto que seus galhos mais baixos
começavam muito acima da minha cabeça. Eu me agachei contra a
casca familiar, malhada, e dei um suspiro profundo. Meu gênio
estava sob controle, mas o ressentimento e a tristeza ainda
queimavam no meu interior.
Henry se juntou a mim e também se encostou na árvore. Eu tinha
minhas flechas na mão e estudava suas penas. Não pela primeira
vez, eu desejava poder sair daquele lugar voando. Senti o olhar de
Henry no meu rosto.
– O que está realmente incomodando você, Kate? – ele perguntou
em uma voz baixa. – Esse problema com a sua mãe não é nenhuma
novidade. O que aconteceu hoje que deixou você aborrecida?
Passei as penas das flechas entre meus dedos, lutando contra
uma nova rodada de lágrimas raivosas. Respirei fundo num esforço
para controlar minhas emoções.
– Ela disse que não posso ir a Blackmoore – afirmei, por fim.
– O quê? – Descrença misturando-se com raiva. – Por que não?
Inclinei a cabeça para trás e cobri os olhos com a mão para
esconder meu enfrentamento com minhas lágrimas.
– Está zangada comigo por eu ter recusado o pedido de
casamento do Sr. Cooper.
– Do Sr. Cooper? – A voz de Henry transparecia seu choque. –
Aquele homem está doente!
Eu ri um pouco, uma lágrima vazou de um olho.
– Eu sei! – Meu estômago se revirou quando recordei sua visita
mais recente. – Na última vez em que o vi, ele estava com a orelha
enfaixada. Por que ele sempre tem uma parte do corpo enfaixada?
– Isso eu não posso responder – Henry disse em uma voz séria.
Olhei para ele, e havia tamanha expressão de repulsa em seu
rosto que comecei a rir.
– O curativo também estava manchado – constatei, ofegante de
tanto rir. – Uma cor esverdeada.
Henry abanou a cabeça.
– Pare. Não diga mais nada.
Eu estava rindo tanto que lágrimas escorriam pelo meu rosto. Mas
elas me faziam lembrar do motivo pelo qual eu realmente precisava
chorar, e o pensamento me acalmou.
– É totalmente injusto – eu disse – que, quando nós finalmente
conseguimos convencer sua mãe a me deixar visitar, a minha mãe
tenha posto um empecilho.
Alguma coisa brilhou nos olhos dele – algo que o fez desviar o
olhar por um momento.
– Você está coberta de razão. – Ele suspirou. – Então… Presumo
que isso significa que sua mãe ainda não aceite como você é
fundamentalmente teimosa. Ela acha que ainda pode convencer
você a se casar? Transformá-la em uma filha obediente e
respeitável, hein? Será que ela também vai reorganizar a ordem do
Universo nessa empreitada?
Sorri com tristeza.
– Algo assim.
– Sabe de uma coisa? Você nunca me explicou sua decisão de
nunca se casar.
Neguei com a cabeça. Não importava quantas vezes ele tivesse
me perguntado sobre isso no último ano e meio, eu me recusava a
dar uma resposta.
– Hoje não, Henry. Temos batalhas mais importantes para lutar. –
Olhei para ele, nossos olhares se sustentaram. – Preciso ir para
Blackmoore. Eu preciso – sussurrei. – Acho que vou me ressentir
dela pelo resto da vida se ela me mantiver aqui.
Ele assentiu com a cabeça, seus olhos cinzentos sérios, como se
entendesse perfeitamente a gravidade da situação. Se alguém
entendia, esse alguém era ele. Afinal de contas, Henry tinha feito
aquela maquete para mim. Enxuguei outra lágrima; dessa vez tive
certeza de que ele tinha visto.
Henry me cutucou com o cotovelo.
– Ora, vamos. Não há nenhuma necessidade de desespero.
Somos duas pessoas muito inteligentes e capazes de superar a
astúcia de uma mãe, eu acho. – Ele se afastou da árvore e começou
a andar de um lado para outro. – O que sua mãe quer, mais do que
tudo?
– Que eu me case – respondi imediatamente.
– Mas você está determinada a não se casar.
– Exato.
– Hum. – Mais passos de um lado para outro. Então, ele parou e
se virou para mim. – Você não pode fingir querer se casar? Diga que
vai haver muitos bons partidos em Blackmoore, e você pode
encontrar um pretendente lá.
Atirei um olhar de descrença para Henry.
– Não adianta vencer a batalha se isso significa comprometer a
guerra. – Bati as flechas na árvore, disposta a pensar em uma
solução. – Mas o que mais minha mãe quer na vida? – Pensei com
afinco por um longo instante, então dei de ombros. – Nada. Este é
todo o objetivo de vida da minha mãe: casar as filhas. – E flertar
com tantos homens quanto possível, acrescentei silenciosamente.
Henry me lançou um olhar brusco.
– As filhas – disse ele, devagar. – No plural.
– Sim. Somos quatro. Três se não contarmos a Eleanor.
Ele sorriu.
– Maria. – Olhei para ele de forma avaliadora. – Diga a ela que
Maria também pode vir e que ela terá uma chance de encontrar um
pretendente em Blackmoore.
Considerei sua sugestão na dúvida.
– Mas qual vai ser o incentivo dela?
– Se livrar de Maria. Dar à Maria uma chance de encontrar um
pretendente. – Ele fez uma pausa, e um brilho perverso iluminou
seus olhos. – Enfurecer minha mãe.
Dei um sorriso de canto de boca. Minha mãe e a Sra. Delafield
tinham sido inimigas educadas pelos últimos quatro anos, mesmo
que nossas famílias continuassem a se associar. Eu me perguntava
se Henry conhecia a razão por trás da antipatia que elas sentiam
uma pela outra. Eu nunca havia abordado o assunto com ele desde
minha descoberta do que tinha provocado a ruptura. E certamente
não seria eu quem lhe contaria.
– Poderia funcionar – ele insistiu.
– Não sei se posso convencê-la – eu disse. – Ela parece muito
determinada a me punir…
– E ter Maria com você já não é punição?
Eu ri.
– Você está certo. É, sim. – Eu mordia o lábio enquanto pensava
no plano de Henry e tive que admitir para mim mesma que eu não
tinha plano melhor. – Acha que sua mãe vai se opor? Ou Sylvia? –
Sylvia e a Sra. Delafield estavam em Londres fazia quatro meses,
aproveitando a primeira temporada de Sylvia na sociedade, e iriam
nos encontrar em Blackmoore.
Henry sacudiu a cabeça.
– Nem um pouco. Há espaço mais que suficiente para mais uma
pessoa.
Dei de ombros e, por fim, disse:
– Vale a tentativa, de qualquer forma. Ela não pode tirar de mim
nada mais importante do que o meu sonho mais caro. – Eu lhe
entreguei as flechas. – Vou tentar agora mesmo, para que, se o
plano não der certo, nós ainda tenhamos tempo para tentar outro.
Dei uma dúzia de passos em direção à casa, antes de parar e me
virar.
– Henry. – Ele tinha voltado para nosso lugar de tiro, mas se virou
para me olhar. – Você é um bom amigo.
Ele balançou a cabeça, encaixando uma flecha e erguendo o
arco.
– Tente de novo, Kate. Diga: “Você é o Realizador…” – Ele puxou
a corda e disparou um olhar para mim, como se quisesse que eu
continuasse.
Eu ri.
– Nunca. Nunca vou chamar você disso.
Seu sorriso brilhou, e ele se virou para disparar a flecha num voo
reto e certeiro, encontrando facilmente o centro do alvo. Ele nunca
errava.
Encontrei mamãe em seu quarto de dormir, sentada em frente à
penteadeira. Ela já estava vestida para o jantar, e seus recipientes
de maquiagem estavam espalhados por cima do tampo da
penteadeira. Ela disparou um olhar em minha direção, enquanto eu
caminhava pela porta, e começou a falar antes que eu tivesse a
chance de começar.
– Por onde andou? – ela perguntou, inclinada para a frente a fim
de observar seu reflexo. – Mandei John ao vilarejo para procurá-la.
Se anda pulando da janela de novo, não vou ter escolha a não ser
mandar fechá-la com pregos. E por que não convidou Henry
Delafield para o jantar durante a ausência da mãe dele? Era para
ele estar jantando aqui pelo menos duas vezes por semana, e agora
ele vai partir amanhã para Blackmoore. Assim não teremos mais
oportunidades para a companhia dele. Ele ficou lindo demais para
não o termos aqui, Kitty, e você deve convidá-lo por mim, se não o
faz pelas suas irmãs…
– Mamãe, é sobre as minhas irmãs que vim falar com a senhora.
Na verdade, vim fazer uma oferta que a senhora vai querer aceitar.
– Respirei fundo, esperando para ver se eu tinha obtido êxito em
conter suas reclamações. Ela ergueu uma sobrancelha, mas não
disse nada, o que tomei como um bom sinal. Continuei, escolhendo
minhas palavras com cuidado: – A senhora vai concordar, acredito,
que Maria anda insuportável desde que o Sr. Wilkes deixou a região.
Certamente, a senhora não pode se divertir com todo esse choro e,
enquanto ela continuar aqui chorando, não está fora conhecendo
bons partidos.
Parei um instante. Mamãe inclinou-se para se olhar melhor no
espelho enquanto aplicava o rouge nas bochechas. Estremeci. Ela
sempre usava rouge demais quando ia ter companhia para o jantar.
– Continue – ela murmurou.
– Bem. – Respirei fundo e, em seguida, mergulhei. – Estou me
oferecendo para tirar Maria dos seus cuidados e dar oportunidades
para minha irmã conhecer novos cavalheiros… em Blackmoore.
Mamãe parou de aplicar seu cosmético, e vi uma sobrancelha se
arquear com interesse.
– Quem lhe dá autoridade para convidar sua irmã para ir a
Blackmoore?
– Henry. Foi ideia dele.
– Humm. – Ouvi a nota de interesse na voz dela. – Então você
esteve com Henry.
– Sim – admiti em voz baixa, desejando que não tivesse notado a
expressão no rosto dela… desejando que eu não tivesse visto o
movimento em sua sobrancelha, a torção em sua boca.
Um silêncio se assentou de modo desconfortável entre nós, e eu
mudei o peso do corpo de um pé para o outro, enquanto ela
concentrava toda sua atenção na aplicação de uma única marca de
beleza no alto da maçã do rosto.
Depois de se inclinar para se olhar por um novo ângulo, ela disse:
– Agora que tocou nesse assunto, tenho certeza de que a Sra.
Delafield vai convidar muitos dos conhecidos dela para ver a nova
ala que ela redecorou. Seria uma boa oportunidade para conhecer
novos cavalheiros.
Mais rouge, batidinhas nas bochechas e, então, num tom
despreocupado:
– Imagino que eu poderia permitir que você fosse, se levasse
Maria junto.
Fiquei perfeitamente imóvel. Eu não podia acreditar que tinha
ganhado com tanta facilidade.
– A senhora está falando sério?
Ela riu.
– É claro que estou falando sério, tolinha! Por que eu deveria
privar você dessa oportunidade?
E, então, porque ela parecia estar com um humor tão calmo e
razoável, decidi abusar da sorte:
– E também posso escrever para tia Charlotte e aceitar o convite
dela para acompanhá-la à Índia?
Mamãe bateu a mão espalmada sobre a penteadeira.
– Não! Espera-se que você se case. Nem toda mulher tem uma
chance de se parecer conosco, Kitty. É um pecado contra a
natureza desperdiçar tanta beleza.
Meu rosto corou de raiva. Eu odiava quando ela comparava minha
aparência à dela. Não éramos exatamente iguais. Era verdade que
ambas tínhamos os cabelos escuros e ondulados e os olhos
escuros. Ela havia envelhecido bem. Seus cabelos ainda não tinham
ficado grisalhos. As sobrancelhas ainda eram as mesmas barras
escuras dramáticas de quando ela era jovem. As minhas
sobrancelhas, as que eu tinha tentado raspar, eram o que nos ligava
mais profundamente. Mas, de muitas maneiras, eu não era como
ela. Das mais importantes, eu não era nada como ela.
– Eu não vou me casar, mamãe. Quando a senhora vai acreditar
em mim?
Ela se virou em seu banquinho e ficou de frente para mim. Seu
sorriso não combinava com seu olhar de aço.
– Nunca vou acreditar em tamanho absurdo, Kitty. Porque, se eu
fosse acreditar, teria que admitir que tudo o que fiz por você foi um
desperdício. Um desperdício do meu tempo, da minha atenção e
dos meus recursos. Você seria um desperdício de ser humano. É
isso que você quer ser?
Meu rosto queimava. Minha raiva se posicionou como um animal
selvagem pronto para dar o bote. Apertei firmemente as mãos uma
na outra, lutando para manter o autocontrole. Depois de uma
respiração profunda, falei em voz baixa:
– Sim, mamãe. Eu quero ser um desperdício de ser humano.
Quero perder as esperanças de algum dia me casar.
Ela riu.
– Que engraçada você é, Kitty.
– Kate. Gostaria de ser chamada de Kate. – Eu queria gritar de
frustração. Minha voz se elevou, apesar do meu grande esforço
para controlá-la. – Quantas vezes eu já disse isso? E quantas vezes
já disse que não tenho vontade de ser como a senhora? Ou como a
Eleanor? De encontrar um pretendente brilhante… ou o pretendente
que for! Hein, mamãe? Quantas vezes? Porque Henry jura que foi
pelo menos uma centena, e eu me mantenho firme na minha
decisão há quase dois anos. Vou recusar todos os homens que
sejam tolos o bastante para me pedir em casamento. Então quantos
outros pedidos devo recusar antes que a senhora aceite o fato de
que nunca vou me casar?
Ela estreitou os olhos, inclinou a cabeça para um lado e me
considerou em silêncio por um longo instante, enquanto minhas
mãos tremiam com raiva, e meu rosto se inundava de calor.
Finalmente, ela disse com uma voz indiferente:
– Três. – E se voltou para seu espelho.
Joguei a cabeça para trás bruscamente com minha surpresa.
– O quê?
– Se recusar três pedidos enquanto estiver em Blackmoore, então
vou aceitar o fato de que você é uma causa perdida. – Ela pegou
uma escova e passou pelo cabelo escuro.
Tentei recuperar o fôlego.
– Está dizendo que vai me deixar ir para a Índia se eu recusar três
pedidos?
Seu sorriso reluziu.
– Ah, sim. Isso é exatamente o que estou dizendo.
Recuei, quase sem equilíbrio, sem saber por que ou como, de
repente, eu tinha ganhado essa concessão.
– Obrigada… – comecei a dizer, mas ela levantou um dedo.
– E em troca…
Meu coração afundou no peito.
Ela riu de leve diante da minha expressão.
– Sim, querida, em troca. Pois toda barganha tem dois lados.
Todas as interações com outras pessoas são uma potencial
transação, uma oportunidade de ganho. Para tudo o que se obtém,
deve-se pagar. A transação mais sábia é aquela em que você tem o
potencial de ganhar muito mais do que paga.
Eu odiava quando ela falava de transações comerciais. Odiava
como ela era fria e insensível em suas interações comigo. Odiava a
sensação de não ser nada além de um ganho potencial para ela.
– Agora, vamos discutir esta transação. Se tiver sucesso, pode ir
embora para esse país esquecido por Deus, onde você pode morrer
ou ficar perdida no mar ou outro tipo de calamidade, e eu terei
perdido uma filha que, caso contrário, poderia ter se casado bem,
dado orgulho para nossa família e me sustentado na velhice.
Minha boca se apertou com aversão.
– É um grande sacrifício que estou disposta a fazer para você,
Kitty. Por isso, deve estar disposta a fazer um sacrifício por mim. Se
não conseguir garantir os três pedidos de casamento em
Blackmoore, então deve concordar em fazer o que eu lhe pedir. –
Ela levantou uma sobrancelha escura. – O que quer que eu lhe
peça, Kitty, sem questionar, sem fugir, sem lutar.
Meus pensamentos estavam disparados, tentando equilibrar o
fascínio pela Índia com a consequência muito real de ficar em poder
da minha mãe se eu falhasse.
– Fazer o que a senhora pedir… Isso me parece um acordo
altamente vago.
– E?
Eu tentava ganhar tempo, tentava pensar em uma razão válida
para recusar seu pedido.
– E… e se a senhora fosse me pedir para fazer algo criminoso?
Eu não poderia concordar.
Ela se voltou para o espelho com um olhar de repulsa.
– Você deveria me conhecer melhor do que isso. Eu não pediria
que fizesse algo criminoso, mas se essa preocupação for impedi-la,
então talvez não queira ir para a Índia tanto quanto afirma.
– Eu quero! – Minha mão disparou para a frente, como se numa
tentativa de agarrar a esperança diante de mim. – Eu quero ir para a
Índia. Vou concordar com seus termos, mamãe. Vou concordar, sem
discussão.
Um pequeno sorriso repuxou os cantos de sua boca. Uma
profunda sensação de mau agouro me preencheu, fazendo com que
meu coração se apertasse. Que motivo ela teria para sorrir? Em que
armadilha eu tinha acabado de cair? Eu me afastei dela, desejando
acabar com o desconforto que sentia. Eu iria vencer. Venceria os
meus pedidos de casamento. Eu iria para a Índia, onde estaria longe
do alcance da minha mãe. Não havia nada a temer. Empinei o
queixo e disse numa voz confiante:
– Vou receber os três pedidos em Blackmoore e, assim que os
conseguir, vou partir. Irei diretamente para a casa de tia Charlotte.
Não vou passar em casa antes. – Eu estava quase à porta. Fiz
menção de pegar a maçaneta.
Ela ergueu um dos ombros de modo despreocupado.
– Para mim, não faz diferença quando você vai partir, filha. Até lá,
já terei lavado minhas mãos em relação a você. – Eu abri a porta. –
Ah, Kitty?
Parei no meio do caminho, enquanto cruzava a porta. Ela
continuou a escovar o cabelo, observando seu reflexo com aquele
pequeno sorriso oscilando em torno de seus lábios.
– Agora nada de mudar de ideia. Temos um acordo.
Levantei uma sobrancelha com desprezo.
– A senhora deveria me conhecer melhor do que isso, mamãe. Eu
nunca mudei de ideia.
Vendo-a escovar os cabelos, a raiva quente que eu estava
controlando deu um pulo furioso, libertou-se de suas amarras e se
pôs a galopar dentro de mim. Ela havia ganhado, de alguma forma.
Mesmo que eu tivesse vencido no que fora ali pedir a ela, eu ainda
tinha certeza de que, de alguma forma, ela havia vencido. Alguma
armadilha tinha se fechado sobre mim, e o frio que se assentava
fundo no meu coração era testemunha disso. Agora ela nem mesmo
me observava sair da sala. Eu continuei na porta, enquanto minha
raiva ficava cada vez mais quente, até que eu finalmente disse:
– A propósito, mamãe, não vou jantar com a família esta noite. A
senhora vai ter que oferecer minhas desculpas ao Sr. Cooper. – Fiz
uma pausa e, em seguida, desferi minha última fala com o queixo
levantado. – E mamãe? A senhora usa um exagero de rouge.
Fechei a porta rapidamente, a tempo de me proteger da escova
de cabelo voadora que tinha sido lançada para acertar minha
cabeça. Eu a ouvi atingir a porta de madeira com uma pancada alta.
Dei meia-volta e saí andando alegremente, com um sorriso
curvando meus lábios. Eu estava correndo antes de chegar ao
bosque.
Querida Katherine,
O chão era duro e frio sob meus joelhos, mas não deixei a vigília
que fazia na frente da gaiola. Era tanto um túmulo quanto um
santuário para mim – um símbolo do que minha vida tinha se
tornado, assim como um altar em que eu rezava por libertação. E eu
não sabia como deixar aquele lugar até ter recuperado alguma
esperança pelo meu futuro.
Não me virei quando ouvi o ranger da porta se abrindo. Não me
virei quando ouvi meu nome, com um questionamento na voz. Não
me virei quando passos se aproximaram de mim, suaves e
comedidos, e pararam bem ao meu lado. Mantive o olhar fixo no
pássaro, que estava empoleirado, mas, pelo canto do olho, vi Henry
se abaixar para se sentar no chão ao meu lado.
– O que Sylvia lhe disse? – Minha voz estava áspera, meu nariz
ainda estava entupido por causa de todo o meu choro.
– Sylvia? Nada.
Olhei para ele.
– Então por que você está aqui?
Eu não deveria ter olhado para ele. Seu olhar era gentil demais –
preocupado demais. Fez meus olhos se encherem e transbordarem
de lágrimas novas. Eu mal podia respirar do jeito que estava. Mais
lágrimas iriam me sufocar.
– Eu ouvi o que o Sr. Pritchard lhe disse. Quando você saiu e não
voltou, pensei que ele pudesse ter chateado você. Por isso saí para
procurá-la. – Ele olhou para a ave na gaiola. – Eu deveria saber que
você estaria aqui. Não sei por que não pensei em vir aqui em
primeiro lugar.
Passei um dedo por uma barra de ferro dourada, de baixo para
cima, observando o pássaro escuro ali dentro, enquanto ele me
observava, solenemente, em troca.
– Ele não canta – eu disse, quase para mim mesma.
– Eu sei. – Ouvi a tristeza, a compaixão, na voz de Henry. – Foi
por isso que sugeri ao meu avô que colocasse o pássaro aqui, onde
ele poderia pelo menos ouvir música, mesmo que não pudesse criar
a sua.
Meu olhar se voltou para o rosto de Henry. Ele estava me
observando, não ao pássaro. Seus olhos ficavam escuros na
penumbra, e seu olhar sustentava dor, preocupação e algo mais –
alguma atração ou tentação ou batalha que eu não conhecia.
– Ele não devia ter falado com você assim – disse Henry, em uma
voz entrelaçada com raiva. – Não concordo com o seu sonho de ir
para a Índia, mas ninguém jamais deveria tratá-la com tal escárnio,
tal… rejeição.
Meu rosto queimou novamente com a vergonha relembrada.
– Devo chamá-lo para um duelo? – ele perguntou.
Eu ri e pisquei as lágrimas não derramadas.
– Estou falando sério. – Ele esfregou o queixo e estreitou os
olhos. – Nós vamos lutar um duelo de manhã, nas charnecas. Há
neblina o suficiente. Vai ser bem dramático, ouso dizer. E vou matá-
lo para vingar sua honra.
Eu ri novamente e um sorriso discreto curvou seus lábios
também.
– Não? – ele perguntou ao arquear uma sobrancelha.
– Não, mas obrigada. – Suguei uma inspiração trêmula. – Além
disso, não foi o Sr. Pritchard que me deixou chateada. Não de
verdade.
Ele estreitou os olhos.
– Então quem foi?
Imediatamente desejei que pudesse recordar minha última frase.
Não estava preparada para admitir a Henry minha própria
descoberta vergonhosa sobre o que eu tinha me tornado. Também
não estava disposta a compartilhar com ele a humilhação de minha
conversa com Sylvia. Desejava que ele nunca tivesse me
descoberto ali. Meu nariz estava escorrendo, e o limpei na manga
do vestido, por falta de um lenço.
Santo Deus! Eu estava me comportando exatamente como Maria!
Sentada em um lugar estranho, chorando e deixando meu nariz
escorrendo e minhas lágrimas caindo pelo rosto. Balancei a cabeça,
enojada comigo mesma. Como eu tinha chegado a esse fundo do
poço em questão de dias?
Afastei o cabelo do rosto e disse:
– Não foi ninguém. Não foi nada.
– Kate, nunca vi você chorar assim. Certamente foi alguma coisa.
Balancei a cabeça.
– Eu não posso… Eu não posso lhe dizer, Henry. – Fiquei olhando
o passarinho escuro, mas eu estava muito ciente do peso do olhar
de Henry focado no meu rosto.
Depois de um longo momento de silêncio, ele disse, ainda com
aquela voz baixa, calma:
– Você se lembra daquele dia no bosque? No dia em que meu pai
morreu?
Meu olhar voou para o rosto dele. Prendi a respiração. Eu não
podia acreditar que ele estivesse trazendo isso à tona, depois de
todos aqueles anos de silêncio sobre o assunto. Nunca tínhamos
mencionado o fato desde aquele dia – não um com o outro. Eu
tampouco tinha falado daquilo com alguém, e seriamente duvidava
que Henry tivesse. E agora, depois de todo aquele tempo…
– É claro – sussurrei.
O olhar dele captou o meu, e algo foi construído entre nós – uma
carga de emoção que fez a distância entre nós mensurável em
movimentos: uma mudança, uma inclinação, um braço estendido,
uma cabeça curvada. Mas estávamos perfeitamente imóveis, com
apenas essa memória a nos interligar.
Até que ele se inclinou para a frente e estendeu a mão para tocar
meu punho. Sua mão se moveu até meu braço, delicadamente, e
acompanhou a curva do meu ombro. E só quando ele tinha me
ancorado ali, ele disse:
– Nunca consegui encontrar as palavras para lhe dizer o que
aquilo significou para mim. – Sua voz era suave e rouca, como uma
carícia. Algo estremeceu dentro de mim. – Mesmo agora, depois de
todos esses anos, ainda estou sem palavras. Mas, naquele dia,
prometi para mim que, se alguma vez eu encontrasse você se
afogando, se algum dia encontrasse você precisando ser salva, eu
faria qualquer coisa ao meu alcance para ajudá-la.
Sem aviso, uma lágrima rolou na minha face. Henry tirou a mão
do meu ombro e enxugou a lágrima do meu rosto. Em seguida, ele
se afastou para trás e suspirou.
– Mas você não quer se abrir para mim. – Ele levantou uma
sobrancelha. – Talvez eu não tenha feito por merecer a sua
confiança?
Meus lábios tremeram e, com um sopro trêmulo, eu disse:
– Não. Você fez.
Ele ficou ali, esperando, como se prestes a esperar durante a
noite toda se fosse preciso. E, de repente, tive que dizer a ele. Não
o que acontecera com a Sylvia, mas o que eu estava fazendo ali, na
frente daquela gaiola, chorando. Passei os dedos em torno das
barras da gaiola novamente, mas dessa vez não a sacudi. Eu não
queria assustar o pássaro outra vez. Mas a ave levantou voo
mesmo assim e, de repente, as palavras se forçavam pela minha
garganta e saíam da minha boca.
– Eu me sinto engaiolada. Sempre. Sinto que sou este pássaro,
presa, sufocada e enjaulada e fico procurando uma forma de fugir,
mas sou impedida a todo momento. – Respirei fundo e, olhando
para a confusão no semblante de Henry, eu disse: – Talvez você
não possa compreender, pois é homem. Sua vida é diferente de
muitas maneiras. Mas você já… – Inspirei fundo de novo, sentindo
meu coração doer. – Você nunca quis tanto uma coisa que
chegasse a doer? Que o querer realmente lhe causasse dor física?
Ele ficou perfeitamente imóvel, me olhando com aqueles olhos
escuros.
– Sim – ele disse em uma voz calma, solene.
– É como me sinto sobre a Índia. Quero tanto ir que o desejo dói.
Mas temo que eu jamais vá, e estou com medo que nunca possa
realizar esse sonho e, se eu não o realizar, é possível que não
realize sonho nenhum e que acabe vivendo uma vida triste, sem
sonhos, sem aventuras e sem alegrias ou escolhas ou… ou… vida.
– Perdi o fôlego. – Quando penso nisso… quando penso em como
estou presa e o que é esperado de mim, e o que me é permitido ou
não fazer, e como tenho pouco poder, e terei pouco poder para
sempre, simplesmente porque nasci mulher… Eu sinto um milhão
de asas dentro de mim, batendo tão forte que dói.
Minha voz começou a falhar por causa das novas lágrimas que se
derramavam.
– E nem posso tocar Mozart sem ter Herr Spohr me dizendo que é
errado para mim, e se não posso ter a Índia nem Mozart, então o
que me resta? Como vou viver dentro desta gaiola que é a minha
vida? – Balancei a cabeça, sentindo-me histérica e desalinhada,
com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. – E só consigo pensar
que vou acabar como este pobre pássaro. Vou me debater contra as
grades da minha gaiola até ficar exausta demais, depois vou desistir
e viver o resto da vida sem uma canção e dentro de uma sala
esquecida.
Minha voz falhou, e apertei os lábios, selando mais palavras que
queriam ser libertas. Eu não conseguia olhar Henry nos olhos no
meu esforço para controlar as emoções. Era tolo comparar minha
tristeza em perder meu sonho da Índia com a tristeza de Henry em
perder o pai. Era tolo ter sentimentos tão profundos sobre algo
assim. Henry devia estar pensando isso. Ele nunca tinha entendido
o meu desejo de ir para a Índia. E, de repente, eu estava
dolorosamente com medo de que ele fosse desprezar minhas
palavras, não conseguir entender o sentimento nelas ou desprezar
meu sonho como algo trivial.
Em vez disso, ele disse, em tom cuidadoso:
– Então você é este pássaro. Nesta gaiola.
Confirmei com a cabeça.
– E você vê apenas uma opção para si mesma: se debater contra
as barras até ficar exausta e desistir de todos os seus sonhos.
Assenti novamente e depois me atrevi a olhar para ele. Henry me
observava com uma expressão de compaixão misturada com afeto.
Depois de um longo momento me observando, ele olhou para o
pássaro escuro dentro da gaiola e fez algo com ela – um pequeno
movimento que provocou a abertura da porta. Henry colocou a mão
lá dentro, e eu prendi a respiração ao vê-lo pegar o pássaro. Henry
foi muito cuidadoso e gentil ao unir as mãos em concha ao redor da
ave e tirá-la da gaiola.
Ele virou-se para mim, estendendo as mãos.
Olhei para ele e depois para o pássaro, que tentava bater as asas
e se esforçava para se libertar.
– Aqui. Pegue. – Ele segurou o pássaro em minha direção,
aconchegado em suas mãos bondosas e delicadas.
Estendi a mão, hesitante. Deslizei as mãos dentro das de Henry,
até meus dedos se curvarem em torno do pequeno pássaro. As
penas pretas lustrosas pareciam seda sob meus dedos. Senti os
ossos frágeis por baixo e o movimento das asas que queriam voar.
– Está segurando? – Henry perguntou.
Confirmei com a cabeça, minha respiração rápida de nervosismo.
Então Henry afastou suas mãos, e eu segurei o pássaro sozinha.
Percebi sua ânsia de voar, seus movimentos rápidos, o batimento
veloz de seu coração. Abri as mãos. E ele voou.
O pássaro levantou voo com uma confusão de asas e uma
velocidade quase frenética. Ao observá-lo se movimentar acima de
nós, eu me senti repentina e acentuadamente viva. Ri por uma
razão que eu não sabia explicar. Olhei para Henry. Ele estava me
observando com um sorriso.
– Tem que haver mais de uma opção na vida, Kate – ele disse. –
Simplesmente tem que haver.
Eu me inclinei contra a parede, deitei a cabeça para trás e vi o
pássaro negro voar para o alto, ao mesmo tempo que as palavras
de Henry giravam e giravam na minha mente.
Ele se apoiou na parede, perto de mim, braços tocando os meus.
– Temos que apanhá-lo – eu disse. – E devolvê-lo à gaiola. –
Olhei para o teto alto e fiquei me perguntando como pegaria aquele
pássaro. – Não é uma tarefa fácil, eu acho.
– Não, mas vale a pena.
Depois de um longo trecho de silêncio entre nós, sussurrei:
– Obrigada. Pelo pássaro.
Eu me vi apoiada em Henry. A noite avançada foi drenando minha
energia, até que minha cabeça repousou sobre seu ombro. Nenhum
de nós se moveu, e o nosso silêncio era profundo e confortável
enquanto observávamos nosso passarinho escuro voar e voar e
voar.
Quando o relógio bateu a meia-noite, eu me forcei a me mexer.
Eu me espreguicei e bocejei.
– Como vamos pegá-lo? Presumo que seu avô se preocupe com
ele.
– Deixe-o ter uma noite de liberdade. Virei cuidar dele pela
manhã.
Sonolenta, vi Henry dar a volta na sala e apagar todas as velas,
menos uma, que ele pegou e levou conosco, quando saímos do
quarto. Ele fechou a porta com cuidado atrás de nós. A casa estava
escura e completamente silenciosa exceto pelo ranger das escadas
abaixo de nossos pés.
Caminhamos em silêncio até a ala oeste e, quando chegamos ao
meu quarto, senti uma sensação incômoda – como se houvesse
uma solução para meu problema bem diante de mim, mas que eu
não conseguia enxergar; porém, quanto mais tentava analisá-la,
mais confusa ela se tornava. Henry parou diante da minha porta e a
abriu sem fazer barulho.
– Boa noite, meu pequeno pássaro – ele murmurou, tão baixinho,
que fiquei me perguntando se eu tinha imaginado a parte do
“pequeno pássaro”, ou a nota de ternura em sua voz.
Fiquei na porta aberta do quarto e o vi andar pelo corredor. Dessa
vez, ele não se apressou. E eu não me mexi até a luz que ele
carregava consigo deslizar na esquina dos corredores e me deixar
na escuridão. Só então me virei de frente para meu quarto
silencioso e para os medos com os quais eu tinha sido deixada.
Uma coisa era libertar um pássaro. Mas como diabos eu poderia
me libertar? Fiquei acordada, ouvindo os gemidos, rangidos e o
vento soprando do oceano e percorrendo as charnecas. Pensei no
meu acordo com mamãe, e uma onda de desesperança me
dominou novamente. De novo e de novo eu vacilava entre imagens
do coelho preso na armadilha e o obscuro pássaro voando livre,
sentindo desespero e depois uma réstia de esperança, até que já
não podia mais organizar meus pensamentos ou sentimentos. E,
finalmente, exausta e desgastada, caí em um sono perturbado.
C 13
DIAS ATUAIS
DIAS ATUAIS
DIAS ATUAIS
Foi fácil encontrar a casa azul. Mas, assim que bati à porta, eu me
perguntei o que diria se as meninas não estivessem em casa. Um
jovem abriu a porta e olhou para mim.
– Boa tarde. Mary e Katherine estão em casa?
Ele confirmou, parecendo nervoso.
– O que elas fizeram?
– Oh, nada! Eu… trouxe algo para elas.
As meninas vieram correndo. Sorrisos de expectativa iluminavam
seu rosto. Eu lhes entreguei o pacote da padaria.
– Mas é para dividir com seus outros irmãos.
– Ah, sim. Obrigada, senhorita! – Katherine tentou fazer outra
reverência com o pacote abraçado ao peito.
Mary dirigiu os olhos castanhos para mim. Agora já não havia
mais sinais de lágrimas.
– Sim, muito obrigada.
Eu me virei e perguntei, por um momento, se era mesmo uma boa
ideia eu voltar para Blackmoore sozinha. Mas, nesse exato
momento, ouvi uma voz familiar me chamar:
– Srta. Worthington! O que está fazendo aqui?
Sorri com a visão da Sra. Pettigrew, minha companheira de
viagem.
– Eu só estava procurando alguém para caminhar comigo de volta
para Blackmoore. A senhora não está indo nessa direção, está, Sra.
Pettigrew?
– Diga-se de passagem, estou, sim. – Ela veio subindo a colina
comigo a passos pesados.
Eu me perguntava se tinha tomado a decisão certa em deixar
Sylvia para trás assim. Eu me perguntava quanto da nossa
separação era devida às minhas escolhas de dois anos antes. E,
enquanto subia a colina e cruzava as charnecas até a casa no
penhasco, eu me lembrei daquele dia dois anos antes, o dia em que
o Sr. Delafield faleceu, e da escolha que eu tinha feito. Será que
tudo o que estava acontecendo no presente poderia ser remetido ao
momento daquela escolha?
C 26
DIAS ATUAIS
–Não. Não, não, não, não, não – murmurei para mim mesma
enquanto corria pelos corredores e descia as escadas.
Quando cheguei ao saguão de entrada, o mordomo estava
sozinho com vários baús de viagem empilhados em torno de si.
– Minha mãe? – perguntei.
Ele fez uma reverência.
– Na sala de estar, senhorita.
Corri para a sala de estar, meus pés deslizando no chão de
mármore. Quando entrei, estava sem fôlego.
O riso dela ecoava pela sala – rouco e escandaloso. Ela se
encontrava ao lado do jovem Sr. Brandon, no canapé. Estava
sentada tão perto dele, com a perna encostada na sua, que os seios
estavam apoiados no braço dele. Meu olhar disparou por toda a sala
e encontrou a Srta. St. Claire boquiaberta de espanto e o Sr.
Pritchard com um contundente olhar de reprovação; eles, além de
Herr e Frau Spohr e aquele casal mais velho cujo nome eu
esquecia, e os primos Delafield, e muito mais. Pelo menos metade
dos convidados estava ali. Pelo menos metade da companhia
estava testemunhando minha mãe praticamente sentada no colo do
Sr. Brandon.
– Mamãe! – Corri até ela. – Eu não estava esperando a senhora.
De forma alguma.
Ela olhou para mim, mas, por um momento de surpresa, eu tive a
estranha sensação de que ela não me reconhecia. Seu olhar passou
diretamente através de mim.
– Kitty! Minha querida menina! Eu senti demais a sua falta para
ficar longe.
A mão dela envolveu o braço do Sr. Brandon e apertou. Ele não
estava olhando para mim.
Tentei acalmar meu coração acelerado.
– Oh, sentiu? Que tolice. Mas onde está Maria?
Ela acenou com a mão.
– Lá em cima se trocando. Mas não pude abrir mão de um
instante que fosse junto dessa companhia maravilhosa, e agora vejo
que meus instintos estavam certos. – Ela olhou para o Sr. Brandon,
e seu rosto estava tão perto do rosto dele que eles pareciam estar
respirando o mesmo ar. Ela lambeu os lábios.
– Mamãe. – O pânico na minha voz deixou a fala mais alta do que
eu pretendia. – Preciso falar com a senhora. Agora mesmo.
Ela direcionou o olhar a mim, lentamente e, nos olhos dela, havia
um brilho opaco de determinação que eu tinha visto inúmeras vezes
antes.
– Não seja boba, Kitty.
– Kate – eu disse, apertando meus punhos.
Ela riu de leve.
– Não seja boba, Kitty. Vou ficar aqui sentada com o Sr. Brandon.
– Ela virou o olhar para ele. – O senhor estava me contando sobre
sua propriedade. Continue.
O Sr. Brandon lançou um olhar para mim. Era cheio de pena. Meu
estômago se revirou diante da visão. Naquele momento, ele estava
provavelmente certo, agradecendo sua boa sorte de não ter se
ligado a mim.
Ele se afastou levemente, tirando seu braço de junto do braço de
mamãe e disse de maneira educada:
– A propriedade do meu pai fica em Surrey, Sra. Worthington.
– Surrey! Preciso ouvir tudo sobre isso.
Ele sorriu para ela com educação, mas olhou para mim quando
disse: – Será um prazer.
Minha mãe seguiu seu olhar e pareceu surpresa em me ver. Sua
testa se franziu.
– O que ainda está fazendo aqui, Kitty? Vá ver sua irmã.
Frustração, medo e desamparo tomaram conta de mim, e eu olhei
para a sala de estar e de volta para mamãe. Enfim, eu me virei e saí
da sala às pressas.
– O que você e a mamãe estão fazendo aqui? – gritei ao entrar no
meu quarto, onde o mordomo disse que Maria tinha sido alojada.
Suas botas, meias e chapéu estavam espalhados por toda a
minha adorável cama cor de ameixa, onde ela estava estendida.
Ela olhou para cima e fez uma careta para mim.
– Por que não deveríamos estar aqui? Foi você quem pensou em
me convidar, antes de mais nada.
– Sim, mas você estava doente! E não iria vir!
Ela apoiou o queixo na mão, e o olhar dela deslizou sobre mim
com uma vaga curiosidade.
– Eu não estava doente. O que lhe deu essa ideia?
Eu a encarei.
– Mamãe disse que você estava doente, com febre, na manhã em
que parti para Blackmoore.
Ela bufou.
– Eu não estava doente.
– Então por que mamãe disse que estava?
Ela acenou com a mão.
– Não sei! Ela me disse que fomos convidadas para vir, mas que
tínhamos que esperar alguns dias antes de podermos nos juntar a
você. – Ela riu. – Ela realmente lhe disse que eu estava doente? E
isso é tudo uma grande surpresa para você? Oh, que rico. Mamãe é
tão inteligente.
– Maria! – O pânico estava com suas garras em volta de mim.
Peguei tudo que era dela de cima da minha cama e atirei no chão. –
Isso não é engraçado! A Sra. Delafield não quer nem que eu esteja
aqui. Como acha que ela se sente com mamãe por aqui?
– Eu aposto que ela está pronta para cuspir fogo.
– Exatamente! – Agarrei o braço de Maria e puxei.
– Ai! Por que está fazendo isso?
– Você precisa ir embora. Agora. Calce os sapatos de novo.
Ela me empurrou e, quando não a soltei, ela usou o pé para me
mandar esparramada de costas para o outro lado do quarto.
– Não vou a lugar nenhum, Kitty. Por que você tem que ser a
única a ter algum divertimento?
Eu me peguei contra a parede e avancei nela novamente,
agarrando um pé desta vez e puxando-o.
– Isso. Não. É. Divertido!
Ela tateou em busca de algo para se segurar e acabou puxando
todas as roupas de cama consigo quando caiu parecendo uma
batata no chão. Ofegante, corri ao redor da cama e procurei por
seus sapatos e meias. Aonde tinha ido parar aquele outro sapato?
Eu me abaixei de quatro e estiquei a mão debaixo da cama,
dizendo:
– Só vamos mandar vocês duas de volta na carruagem onde
vieram e vai ser como se isso nunca tivesse acontecido, e eu vou
ganhar minha viagem para a Índia, e…
– Não! Eu não vou! Você pode ser mais velha que eu, Kitty, mas
não está no comando!
Eu me levantei, segurando um sapato e as meias, sentindo uma
enorme frustração tomar conta de mim. Sacudi o sapato para ela e
gritei:
– Kate! Desejo ser chamada de Kate!
Ela cruzou os braços e me lançou um olhar fulminante. E algo
dentro de mim se quebrou. Joguei tudo no chão e saí do quarto,
batendo a porta.
DIAS ATUAIS
DIAS ATUAIS
– Ele deve se casar com você. Ele deve! – Ela gargalhou com
prazer enquanto andava de um lado para outro na minha frente,
onde eu estava sentada em aguda tristeza na minha cama,
encharcando tudo, mas sem me importar.
– Não, ele não deve. Não aconteceu nada entre nós. Ele nem
sequer me beijou.
– Não importa, minha querida, se seus lábios tocaram os dele ou
não. Eu vi vocês dois. – Ela riu novamente. Meu rosto estava
pegando fogo de vergonha. – Você foi pega às escondidas com ele,
sozinha, à noite, e foi vista em um abraço. – Ela riu novamente e
bateu palmas como uma garotinha. – Ah, a mãe dele vai ter um
chilique! Mas, Kitty, essa é uma notícia maravilhosa! Maravilhosa!
Ora, você se casará melhor do que Eleanor, e eu vou poder me
colocar acima da mãe dele dizendo que você será a senhora deste
lugar.
Eu gemi.
– Não, mamãe. Não vai ser assim. Ele só estava… ele estava
apenas me provocando, dizendo que eu lhe devia um beijo por
causa do pedido, mas não aconteceu nada.
Ela parou de andar e olhou para mim bruscamente.
– Que pedido?
Eu caí para trás na cama dela e cobri os olhos com ambas as
mãos.
– Foi ele que me pediu em casamento, mamãe. Fez isso como
um favor, para que eu pudesse ir para a Índia. Não aconteceu nada
entre nós. Eu juro! Ele foi um perfeito cavalheiro, em todas as outras
vezes.
Ela estreitou os olhos para mim.
– Quer me dizer que saiu de fininho por aí sozinha com ele à noite
mais de uma vez desde que você chegou aqui?
Balancei a cabeça, odiando-me pelo que eu tinha acabado de
revelar.
– Sim – murmurei tristemente.
Ela sorriu, bateu palmas e riu com um triunfo estridente.
– Você é mais inteligente do que a Eleanor. Admito, nunca
esperava isso de você, Kitty. Ele será forçado a se casar com você.
Eu me sentei, em pânico, e lágrimas se derramavam de mim.
– Não, mamãe. Isso não pode acontecer. Eu não posso forçar
Henry a se casar comigo. Não posso fazer isso!
Ela dispensou minhas palavras com um aceno desdenhoso.
– Uma jovem tem que usar todas as vantagens à sua disposição
para garantir um bom futuro para si mesma.
– Eu não vou fazer isso! – gritei ao me levantar da cama. Ela
saltou, assustada. – Não vou aprisioná-lo, não vou permitir que ele
me odeie pelo resto da minha vida, não quero ver seu respeito por
mim morrer, e não vou destinar minha atenção para outros homens!
Eu não vou, mamãe! Não vou ficar como a senhora e ver Henry se
tornar como o papai! Não posso suportar a ideia. – Solucei e então
gritei: – Prefiro me casar com aquele nojento do Sr. Cooper a ser
forçada a me casar com Henry Delafield!
Minha voz ecoou em um silêncio repentino. Os olhos de Maria
estavam enormes. Ela olhou para algo acima do meu ombro. Virei a
cabeça e vi Henry do lado de fora da porta aberta do meu quarto.
Ele sustentou meu olhar por um longo instante antes de se virar e
ir embora.
– Minha nossa – disse Maria. – Acho que ele ouviu.
Sentei pesadamente na cama. Então era isso. Enfim tinha
acontecido. Nós tínhamos caído em um precipício, e agora não
havia como subir de volta.
– Não importa – mamãe disse, fechando a porta com firmeza. –
Mesmo assim, vamos forçá-lo a se casar com você.
Sacudi a cabeça.
– Não vai funcionar, mamãe. Ele perderá Blackmoore se casar
comigo. A Sra. Delafield escreveu isso no testamento do pai dela.
Ele vai ficar sem um tostão.
Ela não fez mais do que parar um instante diante do meu anúncio.
– Bobagem. Testamentos sempre podem ser mudados, e o avô
ainda está vivo. Nós vamos cuidar de tudo amanhã. Você vai lá
conversar com o avô dele e convencê-lo a mudar o testamento.
– Não – choraminguei, mas a luta tinha me abandonado quando
relembrei a expressão de Henry.
– Ah, mal posso esperar para visitar você aqui, depois que se
tornar a senhora de Blackmoore! Como ela vai odiar! Ter-me aqui,
na casa de infância dela e capaz de fazer o que eu quiser. E ela não
será capaz de fazer nada para me impedir! Rá, rá! Gostaria de vê-la
tentar, depois que você estiver casada. Será que ela vai ser capaz
de me esnobar quando isso acontecer? Não! Ninguém vai me
esnobar depois que você for a Sra. Henry Delafield. Rá, rá! Essa é a
vitória final, Kitty! Não acredito que você tenha provocado tudo isso!
– Ela se inclinou para mim, agarrou meu rosto em sua mão e
plantou um beijo no meu cabelo molhado. – Como eu a julguei mal!
Balancei a cabeça, mais e mais.
– Não, mamãe. Eu não vou fazer isso. Eu não vou. – Repeti a
frase várias vezes até que ela finalmente parou de rir e me olhou
com clareza.
Ela limpou a boca com as costas da mão, como se quisesse
apagar o beijo que tinha concedido.
– Você não vai?
Maria deitou-se no travesseiro.
– Não seja tola, Kitty. É claro que precisa chegar ao fim disso.
Você já foi longe demais agora para voltar atrás.
– Não. – Minha voz estava fraca. – Eu posso desfazer isso. Eu
posso…
Mamãe pegou meu rosto novamente, mas não havia nada suave
em seu toque. Ela fitou meus olhos; os seus pareciam da cor
daquela armadilha enferrujada que encontrei no bosque com o
coelho ferido preso em seus dentes.
– Responda-me isto, Kitty: você cumpriu sua parte do nosso
acordo? Recebeu três pedidos de casamento?
Eu me dei conta de que Henry não havia feito um pedido aquela
noite. A chuva tinha nos impedido de selar nosso acordo.
– Não – sussurrei.
– Então, de acordo com o trato que fizemos, tem que fazer o que
eu quiser. Você se lembra disso, querida?
Caí de costas na cama e cobri os olhos lacrimejantes com as
mãos.
– Eu não vou. Não vou fazer isso, mamãe.
– Você fez o trato, Kitty. E agora precisa aceitar as
consequências. Lembre-se, lembre-se do que combinamos.
Lembre-se do que me disse. Você me disse que nunca mudava de
ideia.
Eu me lembrava de ter dito isso. Eu tinha pensado que era
verdade na época. Mas agora estava convencida de que nunca
estivera tão errada sobre qualquer coisa, como estivera a meu
próprio respeito.
– Você vai falar com o avô dele amanhã. – Ela enterrou os punhos
na cintura e olhou para mim. Ela era poderosa e manipuladora, e eu
estava presa, presa, presa. – O que acha desse plano, Kitty?
– Kate – sussurrei. – Meu nome é Kate.
C 34
DIAS ATUAIS
–Bom dia.
Pigarreei e tentei novamente algo um pouco mais alto que o
sussurro entrecortado que eu tinha acabado de produzir.
– Bom dia, senhor. – Assim foi um pouco melhor. Mamãe me
empurrou para a frente, me fazendo tropeçar para dentro dos
aposentos do avô de Henry. Olhei feio para ela por cima do ombro.
– Eu lhe disse que vou fazer isso. Por favor, pare de me empurrar.
Ela agitou as mãos para mim.
– Apenas termine logo com isso. Vou ficar de guarda aqui fora, no
corredor. Aquele empregado vai descobrir que não estavam
precisando dele na cozinha e vai estar de volta aqui em menos de
cinco minutos, a menos que Maria o distraia. – Com outro empurrão
nas minhas costas, ela me tirou da porta, a qual fechou com firmeza
atrás de mim, e me deixou no quarto escuro.
O avô de Henry não estava sentado em sua cadeira habitual,
junto à janela. Ele estava sentado na cama com uma bandeja de
comida ao seu lado. Ao som do fechamento da porta, ele olhou para
cima, seus olhos cinzentos fixando-se em mim por um momento.
– Kate Worthington – ele disse, sua voz rouca e tranquila no
quarto imóvel.
Meu coração bateu na forma de uma mensagem de que aquilo
tudo era errado – que eu não poderia continuar com aquilo. Mas
tinha feito um acordo, e acordos tinham que ser cumpridos. Dei um
passo em direção a ele.
– Sim. Bom dia, senhor. Espero que esteja bem hoje.
Conforme me aproximei, seu olhar deslocou-se de mim para a
porta. Seus dedos se agarravam ao cobertor que cobria seu colo,
mexiam nele, e seu olhar oscilava também, de um lado para outro
entre mim e a porta. Suas pernas se moviam sem descanso e,
quando alcancei sua mesa de cabeceira, um olhar de pânico
preencheu seus olhos.
– Você pode… – Ele lambeu os lábios, os dedos ainda puxando
os fios do cobertor. – Você pode sair, fechar a porta e então entrar
de novo?
Parei, olhei para ele fixamente, e disse:
– É claro.
Meu coração batia depressa com a sensação de que algo não
estava certo. Fui até a porta, abri e passei pela soleira até o
corredor. Mamãe me viu e veio em minha direção, mas eu balancei
a cabeça para ela quando fechei a porta, esperei um momento e
então a abri novamente. Ele estava esperando que eu entrasse de
novo. Seu olhar estava alerta, desconfiado e preocupado. Quando
adentrei de novo o quarto, ele me disse:
– Agora… qual Kate é você?
Pavor e medo se acumularam no meu estômago. Olhei em volta,
como se eu pudesse encontrar uma resposta para sua loucura ali
naquele cômodo.
– Eu sou Kate, senhor. Kate Worthington.
– A Kate Worthington de quem?
Engoli em seco. Eu certamente não era a Kate de Henry. E não
era da minha mãe ou do meu pai. Eu era, na verdade…
– De ninguém. Não sou a Kate de ninguém.
Seu olhar me perfurou por um momento antes de ele fechar os
olhos e começar a mover a cabeça de um lado para outro, de um
lado para outro, enquanto murmurava:
– A Kate de ninguém. A Kate de ninguém. A Kate de ninguém.
Fez meu coração acelerar com medo. Eu me enchi de
consternação. Não deveria ter ido ali. Nunca deveria ter visto aquilo.
Recuando devagar, estendi a mão para a maçaneta da porta pesada
e a abri silenciosamente.
Mamãe estava logo do lado de fora, apoiada ansiosamente nela.
– E então? O que ele disse?
Sacudi a cabeça.
– Vamos embora daqui, mamãe. Ele não está bem hoje. Temos
de sair. – Minhas mãos tremiam.
– Que absurdo. – Ela passou por mim. – Todos os homens podem
ser persuadidos. Até mesmo os loucos.
Olhei com temor quando ela entrou no quarto dele. Assim que a
viram, seus olhos se arregalaram; medo e susto gravados em seu
rosto enrugado. Ele mergulhou sob seus cobertores, puxou-os tão
grosseiramente que a bandeja de comida caiu no chão e colocou o
cobertor por cima da cabeça. Mamãe estendeu a mão para pegá-lo,
como se fosse tirar de cima dele, como se estivesse forçando uma
tartaruga a sair de seu casco.
– Não! – gritei, de repente aterrorizada por ele. Corri para a frente
e agarrei o braço dela. Ela me encarou com olhos arregalados de
choque. – A senhora não deve fazer isso. Deixe-o em paz! – Puxei-a
ao mesmo tempo em que ela tentou me afastar, e não parei de
puxá-la até conseguir arrastá-la à força para a porta.
– O que é isso? – O mordomo apareceu na soleira da porta
aberta. – O que as senhoras estão fazendo aqui?
Mamãe puxou seu braço livre que eu estava segurando e se
apressou a arrumar os cabelos e a desferir um olhar sombrio para
mim antes de girar para o mordomo com um sorriso.
– Minha filha tola estava tentando me mostrar a casa, e ela ficou
completamente perdida, eu receio. Talvez o senhor poderia nos
dizer como chegar à escadaria principal.
O mordomo olhou de nós para a cama, onde o avô de Henry
estava escondido debaixo de seu cobertor, e para a comida
espalhada por todo o tapete. Minhas bochechas queimavam com
vergonha quando ele destinou seu olhar acusador para mim.
– Eu não devo deixar o meu senhor neste momento – ele disse,
seu tom abrupto, sua expressão beirando à hostilidade. – No
entanto, tenho certeza de que as senhoras conseguem encontrar o
caminho de volta muito bem por conta própria.
Mamãe empinou o queixo e endireitou os ombros. Seu rosto
estava vermelho, o cabelo escapava dos grampos por causa do
nosso enfrentamento instantes antes. Ela estava raivosa e feroz, e
disse num tom altivo:
– Não importa. Eu não gostaria de sua ajuda mesmo se
pretendesse oferecê-la.
– Venha, mamãe – murmurei. – Temos de ir.
Ela girou sobre os calcanhares e caminhou até a porta. Mas, na
saída, ela fez uma pausa e me disse em voz alta:
– Tome tenência, Kitty, e lembre-se desta lição: um criado mal
treinado é a marca de um senhor fraco e desleixado.
A vergonha me fazia pegar fogo. Coloquei a mão nas costas dela,
empurrei-a pela porta e não parei de empurrar até ela estar no
corredor e ter fechado a porta atrás de nós. Assim que deixei cair a
mão, ela girou de frente para mim. Seus olhos estavam ardendo de
raiva e indignação.
– Como ousa me empurrar para fora de um cômodo? – ela
sussurrou. – Como ousa encostar a mão em mim para me afastar
do que eu quero?
Eu não disse nada. Não consegui atravessar a vergonha que me
sufocava.
– Você cometeu um erro grave hoje, Kitty. – Ela apontou o dedo
para mim. Sua voz tremia. – Um erro muito grave.
Pensei no tordo-visgueiro cantando contra a tempestade. Pensei
em mim empoleirada no alto de uma torre e cantando para um
vendaval sem nunca parar. Poder e determinação cresceram dentro
de mim. Eu me virei e me afastei dela. Era o que eu deveria ter feito
na noite anterior ou naquela manhã.
– Na verdade – ela chamou –, eu já não acho que você mereça
Henry. Acho que vou cuidar para que Maria o aprisione em seu
lugar. Você deveria ficar com o Sr. Cooper.
Eu continuei andando.
– O que acha disso, Kitty? O que acha deste fim para a sua
barganha? Você não terá sua preciosa Índia, no fim das contas. Terá
o velho Sr. Cooper. Na verdade, vou escrever para ele
imediatamente e dizer que você aceitou a oferta.
Alcancei a escada e deslizei a mão na madeira lisa do corrimão.
O riso dela soou mais alto do que meus passos.
– E aí está, filha. Não vê? Eu ganhei no final. Como sempre
soube que ganharia.
C 36
UM ANO DEPOIS
Espero que goste das lembrancinhas que lhe enviei. Sei que não
valem muito – penas de pássaros, conchas e os desenhos que fiz
na minha viagem. Mas cada pequena lembrança é enviada a você
com a esperança de que não vá se esquecer da irmã que sempre o
amou. A cozinheira está cuidando das suas unhas atrozes? Você
ainda está cuidando de Cora?
Não tenho visto muitos gatos aqui, mas existem muitos outros
animais exóticos, como tigres, macacos e pássaros de todas as
cores. Tia Charlotte e eu nos mudamos para uma estação de
montanha, juntamente com muitos outros súditos britânicos, para
tentarmos encontrar algum alívio do calor do verão. Você nunca
conheceu um calor assim, Ollie. Sinto nos meus ossos.
Surpreendentemente, descobri que não me importo, embora às
vezes pense com nostalgia na brisa do mar em Blackmoore.
Você tem notícias de Sylvia? Ou de Henry? Seja bom para
mamãe e papai, e vou escrever para você de novo em breve. Talvez
alguém possa ajudá-lo a escrever para mim. Anseio por notícias de
casa. Estou com saudades de você.
Com amor,
Kate
Era minha quinta carta para Oliver. Eu ainda não tinha recebido
resposta, mas não era inteiramente surpreendente. Com o tempo
que levava para uma carta viajar de navio para a Inglaterra e depois
para uma resposta voltar, não era uma surpresa que ainda não
tivesse recebido. Isso não me impedia de ficar de vigia
ansiosamente, no entanto, cada vez que um navio chegava ao porto
e o correio era entregue.
– Já está pronta para ir, Katherine? – Tia Charlotte caminhou em
minha direção, balançando o chapéu pelas fitas, com um sorriso
largo no rosto. A Índia tinha sido boa para ela. Minha tia sempre foi
uma alma otimista, mas ali ela estava completa e abundantemente
feliz.
– Sim. Um momento. – Selei a carta, enderecei e peguei meu
chapéu antes de sair às pressas.
Henry
Caro Henry,