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ESTUDOS DE IMPACTO
Imagine um espaço no qual alunos trocam em que medida são condicionados pelo espaço
saberes como figurinhas, constroem conhe- que produzem.
cimento como cenários complexos de Mine- Em especial para a geografia, conhecer o es-
craft ou superam obstáculos como barris em paço é, antes de mais nada, um primeiro passo
Donkey Kong. Esse espaço rico de experiên- para transformá-lo; nesse sentido, cabe a per-
cias pedagógicas muitas vezes não é o espaço gunta: os games podem ser o ponto de parti-
escolar. Como ressalta Gee (2009, p. 169), da nesse processo de conhecer-transformar o
“[...] seres humanos de fato gostam de apren- espaço escolar? Neste capítulo, buscam-se li-
der, apesar de às vezes na escola a gente nem ções em alguns jogos para se repensar o espa-
desconfiar disso”. ço escolar, tendo como referência a constru-
A expansão dos games como um prática só- ção de um grupo de pesquisa em uma escola
cio-espacial1 redefiniu diversas outras práticas de educação básica.
sociais, o que possibilitou criar diálogos entre O capítulo está estruturado em duas par-
sabres diversos, com os jogos eletrônicos co- tes. A primeira traz algumas lições dos games
mo ponte importante nesse processo (ASH; para se pensar a escola e aborda temas como:
GALLACHER, 2011). Como ressalta Lefeb- a) organização do espaço; b) padronização cur-
vre (1974), a prática espacial de uma socieda- ricular; c) construção de habilidades; e d) coo-
de se descobre ao se decifrar seu espaço. En- peração em espaços de aprendizagem. A parte
tender os games implica pensar o espaço pro- final busca compreender as limitações e os ga-
duzido por eles e, ao mesmo tempo, verificar nhos dessas lições a partir do relato da cons-
trução do Núcleo de Games, Atividades e Me-
todologia de Ensino (NuGAME) no Colégio
1Ao longo do capítulo, utilizaremos o termo sócio-espacial, Pedro II, no Rio de Janeiro.
e não socioespacial, por compartilharmos da perspectiva de
Souza (2013). Para esse autor, para compreender e elucidar
o espaço, é preciso interessar-se profundamente pelas rela-
ções sociais, de forma que as relações sociais e o espaço se- LIÇÕES DOS GAMES PARA
jam inseparáveis, mesmo que não se confundam. Nas pa-
lavras do autor, é a partir dessa perspectiva que “entra em PENSARMOS A ESCOLA
cena o sócio-espacial, no qual o ‘sócio’, longe de apenas qua-
lificar o ‘espacial’, é, para além de uma redução do adjetivo
‘social’, um indicativo de que se está falando, direta e plena-
A indústria dos jogos eletrônicos tem criado
mente, também das relações sociais” (SOUZA, 2013, p. 16). um dado que as escolas, em sua maioria, têm
dificuldade para incorporar ao seu cotidiano. vo, muitas informações que recebemos sobre
A situação ilustrada no início do capítulo traz games vêm de pessoas que não jogam. Ainda
implícito um ponto importante: os jogos ele- de acordo com o autor, é importante notar
trônicos são ferramentas de aprendizagem. que games ainda são considerados pela socie-
Segundo a literatura, os jogos educam de algu- dade formas culturais ilegítimas e triviais e
ma forma: seja no sentido de reforçar práticas não são posicionados no mesmo nível de fil-
como o consumo (CABRAL, 1997) ou a vio- mes, livros, músicas, etc.
lência (AGUIAR, 2002), ou para o entendi- Outro aspecto sobre os games que de certa
mento da história (ARRUDA, 2011). De uma forma acaba afastando-os da escola pode ser
forma ou de outra, nos últimos anos, essa di- observado em autores como Zanolla (2010),
mensão pedagógica dos jogos eletrônicos vem que apontam o isolamento social como um
ganhando espaço dentro da academia e, infe- dos problemas decorrentes da utilização de
lizmente, não vem tendo eco nas salas de aula. videogames por parte dos jovens. Nas palavras
Como, então, criar pontes entre uma ativi- do autor, “[...] ao se debruçar sobre o compu-
dade que o aluno pratica intensamente em casa tador, a criança, não raro, perde a noção do
– jogar – e uma atividade que ele pratica pouco tempo, dirige suas ações a um ritual repetiti-
na escola – aprender? Simples: aprender jogan- vo que dificulta o espírito criativo e autôno-
do. A resposta parece óbvia, mas sua execução mo” (ZANOLLA, 2010, p. 162). Gee (2009)
é complexa e cheia de obstáculos. apresenta argumentos que se contrapõem a es-
Um dos grandes empecilhos para inserir os sa visão e que parecem mais de acordo com o
jogos eletrônicos como ferramentas pedagógi- que se pode observar com os alunos-pesqui-
cas no ambiente escolar é desconstruir alguns sadores no NuGAME.
mitos sobre o tema. Em sua maioria, o discur- Ao trabalhar com os princípios de apren-
so produzido em relação aos games se resume à dizagens que os jogos eletrônicos incorporam,
problemática do vício, da violência, dos trans- Gee (2009, p. 170) destaca a interação:
tornos de atenção, dentro daquilo que Triclot
(2014, documento on-line) aponta como uma Platão, no Fedro, queixava-se de que os livros
atmosfera de pânico moral: “[...] o temor, eter- eram passivos no sentido de que você não po-
namente renovado a cada geração, de uma ju- de fazer com que eles lhe respondam em um
verdadeiro diálogo, como em um encontro ca-
ventude sem referência”.
ra a cara. Os games respondem. De fato, na-
Mattar (2010) lembra que, no início, os es-
da acontece até que o jogador aja e tome deci-
tudos sobre os efeitos da televisão em crianças sões. Daí em diante, o jogo reage, oferecendo
e jovens também privilegiaram a questão da feedback e novos problemas ao jogador. Em um
violência. Entretanto, ao partir dessa premis- bom jogo, as palavras e os atos são colocados
sa, considerando as máquinas como produto- no contexto de uma relação interativa entre o
ras de comportamentos, desconsideram-se as jogador e o mundo.
outras variáveis que atuam em paralelo, seja no
sentido de reforçar esses comportamentos, se- Assim, também, na escola, os textos e li-
ja no de negá-los por completo. Esse fetichis- vros precisam ser colocados em contextos de
mo da técnica produz leituras simplistas, que interação nos quais o mundo e as outras pes-
se difundem amplamente no senso comum e, soas respondam.
em muitos casos, cria obstáculos para utilizar- Entretanto, não é apenas com essa lição
mos os games como práticas de ensino. que os videogames podem contribuir para pen-
Como observa Mattar (2010), além da re- sarmos uma escola mais plural, que permita
sistência natural da escola a lidar com o no- desenvolver autonomia nos alunos; outras li-
ções dos games podem ser pensadas nesse sen- volvidos. A organização do espaço escolar de-
tido. Vejamos quatro lições que caminham ve ser pensada no sentido de possibilitar um
nessa direção. substrato material que favoreça relações não
hierarquizadas entre saberes distintos, ou en-
Lição 1 – Organização do espaço tre games e disciplinas escolares.
A organização do espaço não se altera por
Se Freire (1996) alerta que não há quem en- si só por meio da utilização de videogames na
sine que não aprenda e não há quem apren- escola, ou mesmo de qualquer outra nova tec-
da que não ensine, o ícone dos games Super nologia. Esse tipo de reducionismo é bastante
Mario também dá uma lição no mesmo sen- habitual e costuma revelar apego àquilo que
tido. O personagem surge em 1981, no jogo muitos consideram como a “boa e velha esco-
Donkey Kong, ou seja, Mario não era o pro- la moderna” (SIBILIA, 2012).
tagonista e nem mesmo tinha seu nome no Entretanto, se os videogames não criam por
título do game. Somente em 1985 o mecâni- si sós, ajudam com alguns elementos, confor-
co aparece como protagonista no jogo que re- me será abordado mais adiante.
cebe seu nome – Super Mario Bros (Fig. 1.1).
Para mim, a diferença em relação ao protago- Lição 2 – Padronização curricular
nismo tem uma forte característica espacial:
se em Donkey Kong o espaço era verticaliza- Como pensar um projeto de escola que tenta
do, e o herói deveria subir degraus, em Super colocar com as mesmas necessidades persona-
Mario Bros o espaço se torna horizontal, e o gens como Peach, Toad, Bowser, Goombas e
caminhar é para a frente, isto é, uma prática outros do jogo Super Mario? A Figura 1.2 se as-
com videogames deve estabelecer uma relação semelha à imagem de muitas salas de aula, e os
não hierarquizada/verticalizada entre os en- semblantes dos personagens também remetem
Figura 1.1 O personagem Super Mario aparece pela primeira vez em um jogo eletrônico no título
Donkey Kong (1981), como jumpman. Em 1985, o personagem vira protagonista e passa a dar título
ao jogo – Super Mario Bros.
Fonte: Let's Party and Cathy's Action-Packed Fun Jumps (2017, documento on-line) e Emulator on-line (c1985,
documento on-line).
Figura 1.2 Personagens da série Super Mario Bros com expressões de felicidade, raiva e desatenção,
como ocorre em uma sala de aula.
Fonte: Alvanista (2015, documento on-line).
Assim como cada jogador terá um olhar so- no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, o
bre o jogo, diversas leituras sobre conteúdos re- NuGAME2, com a proposta de levar os ga-
presentados nos games serão possíveis. Aqui cabe mes para dentro da escola como ferramen-
uma ressalva importante para aqueles que pre- ta de ensino.
tendem trabalhar os jogos como ferramenta de Antes de aprofundar a metodologia de tra-
ensino: em razão de sua dinâmica e do exposto balho desenvolvida no NuGAME, é necessária
na citação, parece claro que buscar os jogos como uma explicação sobre o entendimento do que
mero atrativo para chamar a atenção dos alunos são games, utilizado como referência na cons-
para os conteúdos que seriam realmente impor- trução do núcleo. Um primeiro esforço nes-
tantes é desperdiçar o que de melhor os games se sentido é ampliar a noção dos videogames
teriam a oferecer para o ensino escolar. Como para além de seu entendimento apenas como
ressalta Gee (2009, p. 168), “[...] o desafio e a entretenimento.
aprendizagem são em grande parte aquilo que Um vídeo que se popularizou na internet
torna os videogames motivadores e divertidos”. nos ajuda nessa empreitada.3 Nele, um gru-
Cooperação é uma palavra-chave em mui- po de quatro jovens em uma periferia do Pa-
tos games e deveria ser também no espaço es- ís, apenas com os joysticks nas mãos, sem ne-
colar. Colaboração é uma maneira especial de nhum videogame, simula uma luta nos mol-
trabalhar em conjunto. Partindo desse princí- des dos jogos eletrônicos. O vídeo é bastante
pio, McGonigal (2012) destaca três habilida- ilustrativo daquilo que Santos (1999) propõe
des desenvolvidas em jogos colaborativos: co- em relação a um enfoque abrangente das téc-
operação (agir intencionalmente em prol de nicas. Para esse autor, o estudo das técnicas
uma meta comum), coordenação (sincroni- não se deve dar de forma isolada, haja vista
zar esforços e compartilhar recursos) e cocria- que os objetos técnicos operam em um espa-
ção (produzir coletivamente um novo resulta- ço e dialeticamente são produzidos por ele
do). Nas palavras da autora, “[...] a colabora- ao passo que também o redefinem. No ví-
ção não significa apenas atingir uma meta ou deo dos jovens, o objeto técnico videogame
unir forças; ela significa criar coletivamente está ausente, porém, naquele espaço onde a
algo que seria impossível criar sozinho” técnica se difunde de forma desigual e seleti-
(MCGONIAL, 2012, p. 268). va, a ausência do objeto produziu uma prá-
Mais uma vez, Freire (2005) nos traz im- tica sócio-espacial que remete à dinâmica do
portante contribuição para o diálogo. Para ele, videogame e, em certo sentido, avança sobre
ninguém educa ninguém, ninguém educa a si ela. Para Santos (1999, p. 36), “[...] o valor
mesmo, os homens se educam entre si, media- de um dado elemento do espaço, seja ele o
tizados pelo mundo. Parafraseando, os alunos- objeto técnico mais concreto ou mais perfor-
-jogadores se educam entre si, colaborando em mante, é dado pelo conjunto da sociedade e
um processo de ensino-aprendizagem que po- se exprime através da realidade do espaço em
de ser mediatizado pelo videogame. que se encaixou”.
Em outros termos, o vídeo revela que
pensar o videogame apenas como um arte-
CONSTRUINDO UM ESPAÇO fato destinado ao entretenimento é uma vi-
ESCOLAR TENDO OS GAMES
COMO REFERÊNCIA 2NuGAME. c2014. Disponível em: <www.nugame.org>.
Acesso em: 06 nov. 2018.
3WHATSAPP VIDEOS. 2014. Disponível em: <https://
Tendo como ponto de partida as lições www.youtube.com/watch?v=8ajatn4lKKA>. Acesso em: 06
apresentadas, no início de 2015, foi criado, nov. 2018.
são reducionista e encobre toda uma possi- -pesquisadores4 da educação básica (8º e 9º
bilidade de entendimento do fenômeno co- anos do ensino fundamental II) para partici-
mo uma prática sócio-espacial. As relações parem do núcleo.
sociais engendradas pelo videogame, no ca- É importante destacar que os jogos utili-
so dos jovens do vídeo, produzem um espa- zados para as pesquisas no NuGAME são os
ço de entretenimento mesmo sem o objeto chamados jogos comerciais, os quais não têm
técnico. Ou seja, os videogames são enten- uma dimensão pedagógica escolar stricto sensu
didos aqui como uma prática sócio-espacial (MENDES, 2006). Essa ressalva é importante
que, mesmo ausente da escola, está presen- tendo em vista a quantidade de trabalhos já re-
te em outras práticas e habilidades formu- alizados em diversas escolas com o uso dos cha-
ladas a partir deles, que os alunos trazem mados jogos educativos. Embora seja inegável
para as aulas. o ganho de participação por parte dos alunos
Desde o início, dois pontos eram basi- por meio de jogos desse gênero no ambiente
lares na construção de um espaço com esse escolar, eles apresentam algumas limitações re-
propósito: a) o objetivo não era criar um es- levantes: são jogos de orçamento reduzido se
paço para abrigar uma turma inteira do en- comparados aos jogos comerciais, o que acar-
sino regular (Lição 2); e b) a produção de reta perda do componente gráfico e musical,
pesquisas no interior do Núcleo seria me- que não pode ser desconsiderado em uma so-
diada pelos professores responsáveis e pelos ciedade cada vez mais imagética; são, em sua
alunos, de forma a não hierarquizar saberes maioria, monotemáticos e não despertam nos
distintos (Lição 1). alunos interesses para além da sala de aula; e,
Embora os games sejam uma prática am- por fim, e mais importante, não fazem parte
plamente difundida entre os jovens, e não do cotidiano dos alunos.
apenas entre eles, existem aqueles que não Ainda em relação aos jogos educativos, Mc-
se interessam por essa atividade. Nesse sen- Gonigal (2012) ressalta que, apesar do cresci-
tido, colocar os jogos eletrônicos como im- mento da indústria desse tipo de game, em sua
posição metodológica poderia acabar afas- grande maioria, eles não conseguem combi-
tando os alunos das habilidades que se pre- nar um bom design com um conteúdo educa-
tende desenvolver no NuGAME. Partici- tivo sólido. A escolha por abrir mão dos jogos
par do núcleo deveria ser uma opção para
os alunos interessados, e não uma imposi- 4Na perspectiva de Demo (1997), as tarefas do professor-
ção institucional. -pesquisador são bastante complexas e expõem cinco gran-
des desafios: 1) a necessidade de permanentemente recons-
O segundo ponto relaciona-se à preocupa- truir seu próprio projeto político- pedagógico, 2) a tarefa de
ção de reconhecer que os alunos, em alguns reconstruir textos científicos próprios, 3) a reconstrução de
casos, têm um domínio maior não só do acer- material didático próprio, 4) a inovação na sua prática didá-
tica e, por fim, 5) a recuperação constante de sua competên-
vo de jogos como das habilidades trabalha- cia. Conforme exposto anteriormente, o NuGAME parte da
das nos games. Reconhecer isso e dar-lhes o premissa de que não deve existir uma hierarquização dos sa-
beres; logo, os saberes desenvolvidos por meio dos jogos não
papel de mediadores na construção de uma são menos importantes do que os saberes construídos na es-
metodologia que utilize os videogames como cola. Nesse sentido, as tarefas atribuídas ao professor-pesqui-
ferramenta de ensino inverte a relação habi- sador também se aplicam aos alunos-pesquisadores, com as
devidas ressalvas. Algumas atividades desenvolvidas no nú-
tual, com o professor como mediador na sa- cleo explicitam de que forma, para professor-pesquisador e
la de aula. aluno-pesquisador, essas tarefas se colocam para ambos: pro-
dução de material didático, elaboração de textos científicos
Tendo como referência os dois pon- e construção de um processo de gamificação para repensar
tos destacados, foram selecionados alunos- as habilidades a serem desenvolvidas por meio das pesquisas.
classificados como educativos e a opção pelos cer os elementos visuais que compõem a obra
games comerciais só foram possíveis com a co- de arte; 2) iconografia, em que a relação entre
laboração da direção da escola e dos responsá- os elementos é estabelecida, obtendo-se uma
veis pelos alunos-pesquisadores, que assinaram primeira interpretação; e 3) iconologia, mo-
um termo autorizando o uso de games, inde- mento em que, com base na cultura local, por
pendentemente da faixa etária, com fins pe- meio de métodos diversos, obtêm-se os signi-
dagógicos dentro do núcleo. ficados intrínsecos à obra de arte.
Selecionados os alunos-pesquisadores, co- No trabalho desenvolvido no NuGAME,
meçou o trabalho no sentido de desenvolver boa parte das análises de imagens produzidas
uma metodologia que permitisse a constru- pelos jogos teve como referência metodoló-
ção de um espaço onde games e ensino fos- gica a iconografia de Erwin Panofsky, a qual
sem a tônica dos objetos e ações desenvolvidos. foi adotada em sessões de jogos com a parti-
Arruda (2011) traz um indicativo de caminho cipação dos pesquisadores dentro dos obje-
ao utilizar uma gama de jogos, como Age of tivos específicos de cada linha de pesquisa.
Empires, Civilization, Rome, Total War e ou- Nesse sentido, as pesquisas contemplavam
tros, para trabalhar conceitos-chave da his- quatro momentos: 1) definição dos concei-
tória: democracia, totalitarismo, monarquia. tos trabalhados em cada jogo (p. ex., após
Buscando trilhar caminho semelhante, elen- sessão com o jogo GTA, foi definido que as
camos três linhas de pesquisa para utilizarmos análises seriam feitas a partir do conceito de
os jogos eletrônicos para trabalhar habilidades território); 2) sessão com a utilização dos jo-
a partir de conceitos-chave: a) Assassins Creed gos para coleta de dados (o trabalho de cam-
e a paisagem; b) GTA e a organização interna po virtual pela cidade do jogo, Los Santos,
da cidade; e c) Street Fighter e a construção permitiu fazer o mapeamento do uso do so-
de cenários geográficos. lo); 3) sistematização dos dados e debate pa-
A partir da definição dos jogos e temas de ra partilha das observações e análises; e, por
cada linha de pesquisa, buscamos autores que fim, 4) elaboração de material de divulgação
ajudassem a construir uma metodologia que dos resultados obtidos (foram produzidos pe-
possibilitasse a análise das imagens nos games, quenos textos associados a imagens captura-
a fim de encontrar respostas para as questões das do jogo para divulgar na fanpage5 do nú-
levantadas. Dois autores da história da arte cleo as análises feitas pelo grupo).
nortearam essa etapa. De particular interesse Além das linhas de pesquisa, outras possi-
para essa parte está a assertiva de Gombrich bilidades de trabalho foram sendo delineadas
(1994) de que os símbolos, as formas simbó- dentro do núcleo. Nesse sentido, a utilização
licas, podem ser vistos como metáforas, isto de games na escola é uma estrada com vários
é, representações sujeitas a diferentes signifi- caminhos e fluxos, e pode-se dizer que as li-
cados. Ao adotar a expressão “metáfora visual” nhas de pesquisa representam a relação mais
para as obras de arte, o autor ajudou no en- íntima dentro dos objetivos propostos; porém,
tendimento dos games como metáforas. Por em paralelo, outras atividades com menor inte-
sua vez, Panofsky (1976), ao buscar as fases ração entre games e ensino estão sendo desen-
que compõem o decifrar de uma obra de ar- volvidas no NuGAME. Uma delas merece ser
te, indicou uma das possibilidades para deci- destacada por permitir que mesmo professores
frar as imagens e metáforas produzidas pelos
games. Para esse autor, decifrar uma imagem
5NuGAME - Núcleo de Games, Atividades e Metodologia
é um processo que ocorre em três momentos: de Ensino. Facebook. 2015. Disponível em: <www.facebook.
1) pré-iconografia, que consiste em reconhe- com/nugame.cp2>. Acesso em: 06 nov. 2018.
que não joguem videogame possam desenvol- sa repensar seu sentido de pertencimento pa-
ver com seus alunos essa atividade. ra esses jovens. Identidade é um conceito im-
Imagine você chegar a uma festa em que portante nesse processo, e os jogos eletrônicos
não conhece ninguém. Provavelmente você vai trazem algumas lições. Nenhuma aprendiza-
se sentir desconfortável e um pouco desloca- gem profunda ocorre se os aprendizes não ti-
do. Ver um rosto conhecido vai ajudar a “ali- verem um compromisso de longo prazo com
viar a tensão”. Imagine sentar para fazer uma ela. Aprender alguma coisa em um novo cam-
prova, o que geralmente é um momento ten- po, seja geografia, seja matemática, requer que
so, e deparar-se com uma prova que traga re- o aprendiz adote uma nova identidade: assuma
ferências a jogos de videogames. Isso não tra- o compromisso de ver e de valorizar o trabalho
ria certo alívio? Pensando nisso, foi desenvol- e o mundo da forma como o fazem os bons
vida uma dinâmica com os pesquisadores do geógrafos e matemáticos. Os bons videogames
NuGAME na qual eles deveriam formular cativam os jogadores por meio da multiplici-
questões de diversas disciplinas para as ava- dade de identidades que podem ser construí-
liações formais, tradicionalmente elabora- das e reconstruídas. Os jogadores se compro-
das pelos professores, utilizando os jogos de metem com o novo mundo virtual no qual vi-
videogame como contextualização nas ques- vem, aprendem e agem por meio de seu com-
tões. Embora não envolva um processo de ga- promisso com sua nova identidade. Por que
mificação, essa atividade revelou a importância deveria a identidade de um pesquisador ser
de transferir a mediação para os alunos dentro menos atraente (GEE, 2009)?
dos objetivos de criar um diálogo entre game Um dos desafios de criar um núcleo de pes-
e ensino (lições 3 e 4). quisa com alunos da educação básica é pensar
em elementos que permitam, de forma ma-
terial e simbólica, a criação da identidade de
CONSIDERAÇÕES FINAIS pesquisador nos alunos. Não hierarquizar os
pesquisadores, no caso professores e alunos,
As atividades desenvolvidas no NuGAME até adotar o termo “pesquisador” de forma irres-
o momento permitem concluir que os chama- trita para os participantes do núcleo e cons-
dos jogos comerciais carregam uma gama de truir a noção de que os games são o objeto de
habilidades que dialogam com o espaço esco- pesquisa do NuGAME são ações que ajudam
lar e que negligenciá-los é mais do que descon- a reforçar essa identidade – de pesquisador – e,
siderá-los como uma ferramenta de ensino – consequentemente, a reconstruir outras iden-
é desconsiderar a escola e sua diversidade. tidades importantes no espaço escolar.
Conforme Gee (2009), os bons videogames in- Um núcleo de pesquisa na única escola ci-
corporam bons princípios de aprendizagem. tada nominalmente na Constituição Federal,
Como alerta, “[...] se ninguém conseguis- o Colégio Pedro II, tem a possibilidade de tra-
se aprender esses jogos, ninguém os compra- zer para o centro da sala de aula um debate que
ria – e os jogadores não aceitam jogos fáceis, vem sendo travado na academia, deixando de
bobos, pequenos” (GEE, 2009, p. 168). considerar os videogames como meros coadju-
A construção de um núcleo de pesquisa em vantes. Nesse sentido, as lições trabalhadas na
uma escola de educação básica como o NuGA- primeira parte deste capítulo vêm sendo apli-
ME parte de duas constatações: de um lado, cadas desde a organização do espaço, com uma
muitos jovens têm nos espaços digitais habi- disposição que contribua para uma não hierar-
tados um sentido de lugar mais forte do que quização de saberes (como o Mario de 1985, e
na própria escola, e, de outro, a escola preci- não o de 1981 em Donkey Kong); passando pe-