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MINISTÉRIO DÂ EDUCAÇÃO E SAÚDE

MUSEU:;NACIONAL

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OS ESTUDOS LINGUISTICOS
NOS

ESTADOS UNIDOS DA AMÉNICN DO NORTE

Professor das Egcolas Secuudárias da Prefeitura do Distrito Federal

1945
IMPRENSA NACIONAL
8lo DE - BRASIL
'ANEIRO
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-
rttntsrÉRio D.d EDUCAÇÃo E sAÚDE
MUSEU NACIONAL

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OS ESTUDOS LINCUISTICOS
NOS

ESTADOS UNIDOS DA AMERICA DO NORTE

JOAQUIM MAT'loso CAMARA JR'


ProÍessor<lasEscolasSecundáriasdaPrefeituradoDistritoFederal

1 945
IMPRENSA NÀCIONAL
RIO DE TANEIRO - BRASIL
no
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MUSEU NACIONAL I "a


PUBLICÀÇÔES AVULSAS N. I
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O autor desta palestra esteue nos Estados Unidos da América do Norte
no peúodo comprcendido entre 9 de setembro de 1943 e 14 de abril de 1914,
em uirtude dà uma bolsa de estudos que lhe foi concedida pela Diuisão de
Huntanidades da Fundação Rockefeller paru aperfeiçoar seus estudos de
Itngüística. Dessa bôlsa foram "sponsors" dona Heloisa Albeúo Tôrres,
dirretora do Museu Nacional, e o doutot Santiago Dantas, Dbetor da Facul-
dade Nactonal de Filosofia da Uniuersidade do Brasil, e pata a concessâo
cancoffeu Mr. William Berúen, diretor-assistente da Fundação Rockefeller,

t'l Como ressalta do texto da palestta, o autor ttabalhou nas Uniuersidades


de Colúmbia e Chícago. e oisitou as Uniuersidades de Yale e Pensiluânia,
estabelecendo contacto com figuras eminentes da lingüística norte-americana,
cujos nomes cita no texto, Para realízar êsse ptograma de estudos, na época
anormal do período bélico, contou com a boa uontade e interêsse dos direto-
rcs da Fundação Rockefeller desde {ult R. M. Taglor e Mt, J, A. Kerc,
no Rio de laneiro, até Mr. David H. Steuens, Mr. lohn Marsall, Mr. Williàm
Bercien e Mr. A. Maíeinskg em Na:.,a York"
A todos deixa aqui rcgistrados os seus agradecimentos,
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OS ESTUDOS LINGüÍSTICOS NOS ESTÀDOS UNIDOS
DA AMÉRICÀ DO NORTE 1

Ào começar esta palestra, gue será (desde !â vos previno) a mais desam-
biciosa possível em seu teor e em suas finalidades, ocorrem-me as sensatas
palavras de )osé Veríssimo, hoje mais do que nunca oportunas: "Muito é o
que havemos de aprender e mesmo de imitar dos Estados Unidos, mas que
isto não nos induza a pormo-nos, simplesmente, a copiá-los."
Condenada assim com êle a idéia de uma cópia Dura e simples, não há
como não reconhecer que, em matéria de estudos lingüísticos, o Brasil tem na
grande república irmã do Norte muito que aprender, e mesmo (digamo-lo sem
arabages ) muito que imitar.

Quisera eu justamente de início deter-me nos aspectos que iogo se nos


apresentam como casos' de necessária e desassonbrada imitaçáo.

ENSINO ESCOLAR DÀ LINGUÀ MÀTERNÀ

Há, em primeiro lugar, o próprio clima cultural em gue lá se desenvolve


c ensino da linguagem.
Nós, no Brasil, debatemo-nos ainda, infelizmente, no âmbito da mais
estreita e míope gramática normativa, que é a própria negação de um con.
ceito de ciência da linguagem, deduzido do de uma técnica de observação
objetiva, sôbre a qual assente o de uma objetiva especulação filosófica. A fi-
lologia histórica, inaugurada em Portugal por Adolfo Coelho e logo frutifi-
cada no Brasil, agravou o nosso mal em vez de corrigí-lo. É que, com efeito,
as elucubrações históricas se puseram ao serviço dos ditames de correção
lingüística para dar ares de conclusões científicas às regras dos praxistas da
linguagem.
Quão diverso é o ambiente norte-amêricalo!

1 Palestra realizada em 24-E-19**, na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio dc


)aaeiro, a cooüte da Sociedade Basileira de Estudos Lagtos.
-4-
É claro gue no grau secundário de ensino oão se pode prescindi! do
conceito de norma, pois aí a finaüdade do estudo é precipuamente habilitar o
individuo no manejo e uma língua culta, como veículo indispensável; Çue
ela é, das atividades sociais superiores.
Não obstante, o substrato de uma sOlida ciência ,da linguagem, plena-
rnente desenvolvida na comunidade norte-americana, deu ao ensino da língua
materna a orientaçâo compreensiva, gue vamos encontrar, por exemplo, tra-
çada pelo professor Groncr Knepp, da Universidade de Colúmbia, desde
"Em princípio"
- O Conhecímento do Inglês.
1927, no seu livro estúe-
-
Iece preliminarmente êle "o inglês correto não é necessàriamente o bom inglês;
pode ser até um inglês muito mau". O reconheciinento dos direitos da lingua
Íalada, em contraste embora com as praxes literárias, e a justa descrença ern
relaçâo aos resultados de uma regulamentação lingüistica rígida animam tôdas
as páginas da obra do professor Knapp. Não sáo outras, igualmente, as dire-
trizes de um gramático como o professor Crlanres Fntes, que é atualmente
uma das autoridades normativas do inglês norte-americano.

. InÍelizmente, náo tive ocasião de conhecer pessoalmente o professor Fnrcs,


pois não cheguei a ir à Universidade de Michlgan, oude êle leciona. Do seu
perÍil de pedagogo'e da sua atuação didatica tenho apenas a noção gue rne
forneceram a leitura da sua excelente gramática e as palestras com dois pa-
trícios nossos, entusiásticos ex-alunos dêle: o professor fosÉ FanraDÀs, hoie
instructor na flniversidade de Colúmbia, e a proÍessôra lolaNoe Letrr, que
leciona português na New ScÍrool of Socíal Research de Nova York.
Privei, entretanto, com bastantes figuras do magistério norte-amedcano
para sentir que o exemplo do professor FnIes não é o da e,xceção esporádica
(como é entre nós o'de âlguns nomes que eu me abstenho de enumerar), mas
o da regra salutar e geral.
Entre os docentes norte-americanos da língua iaglêsa, com quem tive
intercurso apreciável, cito agui, com a mais grata recordação, o professor
'WIr,rnna Gnrer, da Universidade de Colúmbia, diretor da revista Amedcan
Speech, cujo subtitulo é bastánte expressivs
- publicação trimestral do uso
lingüístico, e o professor Rosent Ftrr, também da Colúmbia e presidente da
Associação de Línguas Mdernas da América.
As minhas relações mais estreitas como professor Ftnr decorreram ern
circunstâncias, gue não considero ocioso aqui referir. Foi o caso que o con^
I
ceituado mestre, guiado por informação de amigos comuns, me julgou capaz
de the dar uma idêiá precisa sôbre a situação das regras de ortografia entre
nós, visto gue a Associação cujo presidente é, tem para publicâr-sÊ um vocâ-
bulário do português do Brasil, organizado pelo método estatístico da Íre-
güência das palavras no uso literário contemporâneo. Êsse vocabulário já foi
datilografado três vêzes, a fim de pautar-se de cada vez pelos preceitos de
ortografia que se vêm mudando periôdicamente entre nós. É óbvio gue as
uiúas inÍormações foram dadas a título precário, pois nesta matéria os ho-
mens põem e as Academias dispõem,
5

O TRABALHO DOS PROFESSÔRES


Tive assim a oportunidade de agradabilíssimas palestras com o proÍessor
Frre no seu escritório do Philosophg tlall da Universidade de Coltmbia.
Eis aí mais uma coisa para literalmente imitar: os confortáveis escritó-
rios gue têm à sua disposição os professôres, nas universidades norte-ameri-
cana5.
Imagiaai uma sala de dimensões e mobiliário modestos, mas com a guie-
tude e os recuÍsos necessários para o estudo e o intercâmbio cultural. Ali, em
meio de abundantes livros,.em regra requisitados da própria biblioteca univer-
sitária, quando não constituem uraa biblioteca especializada privativa do usu-
frutuário, permanece o professor váriag horas do dia, com uma ou mais dacti-
lógrafas à sua disposição. AIi, procuram-no alunos e ex-alunos para expor
dúvidas, solicitar sugestões doutrinárias e atê ouvir conselhos, de ordem prá-
tica, sóre problemas particulares de uma vida proÍissional próxima futura ou
já incipiente.
Nada mais louvável em verdade do que essa maneira de compreender o
trabalho do proÍessor. A atividade nas aulas consid€râ-s€ apenas uma par-
cela das funções didáticas; há complementarmente o contacto particular diu-
1iu.*o com os alunos, e o estudo e a meditação no isolamento de um escritório.
À estada no lar pode ser, portanto, monopolizada pelos interêsses familiares,
apenas alternados com certas leituras menos absorventes e mais ligeiras, em
vez da situação brasileira de um conÍlito permanente, para o estudioso, eatre
as necessidades de aperfeiçoamento cultural e de atividade literária técnica e
as injuuções de um repouso sedativo e "humano" na intimidade do lar, fora
das preocupações profissionais.

ÀS CIÊNCIAS DESII"iTERESSADAS DO ESPÍRITO

Não é de admirar gue num arnbiente dagueles se tenham magniíicamente


desenvolvido as ciências desinteressadas do espirito.
É proÍundamente errado o conceiÍo que às vêzes se f.az entre nós, nesse
particular, sôbre a vida culturai norte-arnericana.
Os Estados Unidos têm * é certo - acentuada tendência para favo-
recer as pesquisas sôbre as apiicações práticas das verdades cientificas. Daí
não resulta, porém, gualquer desprêzo pela ciência pura.
Os nossos irmãos do Norte bem sabem gue tôda especulação científica
desinteressada é prenhe de aplicações práticas, mas não raro só por desdobra-
!€rtr-se em remoto futuro; pois não está nas tristes limitações do espirito hu-
mano entrever, seguer, as possibilidades de uülização daquelas noçóes cientí-
Íicas gue, no úomento, êle procura deduzir e estabelecer.
*6-

À LINGüÍSTICA
Àssim é que a lingüística, aparentemente uma das ciências mais eruditas
e estranhas às coisas práticas, se cultiva com intensidade e carinho na Amé-
rica do Norte.
Conheceis, por certo, de nome ao menos, a tradicional Soàiedade Lin-
güística da América e o seu jornal técnico Language. É ela gue, cada vez
mais prestigiada e pujante, o*ganiza anualmente o Instituto Lingüístico. como
atividade de verão, ora num campus universitário, ora noutro. Mestres emi-
[entes recebern gratificações de várias centenas de dólares para durante dois
meses e meio desenvolver cursos cle exposição doutrinária e de seminário
sôbre a ciência da linguagem.
O Instituto Lingüístico, do ano passado, por exemplo, instalado na Uni-
versidade de Wisconsin, abrangeu cursos de lingüística geral, de métodos
lingüísticos cle campo, de geografia lingüística, de fonética geral, de latim
vulgar, de lingüística histórica germânica, de hitita, de velho irlandês, de velho
nórdico, de galês medieval, de velho espanhol, além de uma introdução às
línguas semíticas e de um seminário semítico. Do Boletim dêsse Instituto des-
taco os seguintes períod.os: "Quatro anos depois de sua organizaião, a So-
ciedade Lingüística da América fundou o Instituto Lingüístico, como meil
adicional para animar. as pesquisas e os estudos na ciência lingüística. Os
M
scholars iingüísticos têm sentido incessantemente a necessidade de se familia-
rizarem com uma ampla variedade de línguas. Poucas instituições têm um
número suficiente de estuCantes que justifique o funcionan,ento de cursos
I
regulares capazes de cobrir partes remotas do território da lingüística. O Ins-
tituto Lingüístico, mantido durante o período de verão, quando aguêles, que
ocupam posições acadêmicas em instituiçóes dispersas por todo o país, poden
compaÍecer, torna possível uma apresentação econômica dessas áreas remo-
tas da ciência da linguagem. de uma maneira em que elas podem ser satisfa-
tôriamente utilizadas. Acresce que a ciência lingüística ainda é relativamente
jovem e dela brotam problemas novos".
Ao lado da sua revista Language, a Sociedade edita Monografias e Dis-
sertações, além de Publicações especiais, como as da série lingüística I4l/-
liam Dwíght Whitney, onde figuram trúalhos de erudição complexa, para
um público muito reduzido de especialistas, e, portanto, sem ensanchas de
encontrar um editor no comércio.
A Sociedade Lingüística da América não é a única em sua especialidade
nos Estados Unidos. Eu próprio tive passoalmente a experiência de mais
duas: o Ctube Lingüísticô, que funciona na Llniversidade de Yale, e o Cít-
culo Lingüístico de Nova Yorlc, criado o ano passado, como uma contraparte
do antigo Círculo Lingüístico de Ptaga, por rnestres norte-americanos e um
escol de mestres europeus emigrados.
-7
À TRADIÇÃO DE WHITNEY

Em relação aos estudos lingüísticos é preciso não esquecer gue se trata


de uma tradição da cultura norte-americana, quase coeva com o-advento da
ciência da linguagem na Europa.
Desde os meados do século passado, os Estados Unidos têm para apre-
-
sentar ao mundo a obra de
'Wtntana 'WuItNev e, com Wulrrqev, em meio
de concepções, hoje-obsoletas, que êle partilhou com seus contemporâneos, a
noção já muito nítida de que uma língua é, antes de tudo, uma instituição
social.
A lingüística norte-americana teve, assim, a vantagem de encetar a sua
carreira do justo ponto de partida, para o qual a ciência europêia, depois de
divagar no naturismo e no mecanicismo, veio orientar-se mais tarde com Gl-
BELENTZ, com SeussuRE, com Mr,trrer.
Não é temerário ligar a 'WntrNey um dos traços mais fecundos € €x-
pressivos do pensamento lingüístico nos Estados Unidos, qual é a convicção,
sempre nêle imanente, das relações íntimas da ciência da linguagem con as
ciências sociais.

À ETNOLOGIA LINGüÍSTICA
À essa convicção deve-se gue um antropólogo e etnólogo como FnaNz
Boas tenha insensivelmente enveredado pela lingüística, criando neste âmbito
uma obra tão fecunda guanto original.
Nos estudos da etnologia ameríndia, Boas defrontou-se com o problema
das línguas primitivas norte-americanas, e procurou resolvê-lo dentro de um
prolongamento da técnica etnológica. "Se os fenômenos da linguagem hu-
mana"
- comenta êle - "parecem constituir um tema próprio e autônomo,
ê. talvez em grande parte porque as leis da língua se mantêm inteiramente
desconhecidas aos homens que a falam e os fenômenos lingüísticos nunca vêm
à flor da consciência do homem primitivo, ao passo que todos os outros fenô-
menos etnológicos são, mais ou menos claramente, submetidos a um pensa-
mento consciente". E, partindo dêsse princípio, em gue se estabelece a um
tempo a ligação e a oposição entre a lingüística e a etnologia, consubstan-
ciou-se a obra admirável gue é o Manual das Línguas Índias Norte-america-
nas, cujo método Boes de início assim resumiu: "Nenhuma tentativa se fêz
agui para comparar as formas das gramáticas indígenas com a do inglês ou
a do latim, ou sequer com elas mesmas umas com as outras; mas em cada caso
os agrupamentos psicológicos dados dependem inteiramente da forma Íntima
de cada língua. Em outros têrmos, tratou-se a gramática à maneira do gue
faria um índio inteligente, que se propusesse a desenvolver as formas dos
próprios pensamentos pela análise da própria forma da sua linguagem."
-8-
O que não haveria para imitar de tal objetivo e de tal método, não já no
Brasil, mas em tô{a a Àmérica do Sul!
A crítica às condições presentes do estudo das línguas índias sul-ameri-
canas está irretorquivelmente feita nas seguintes palavras do professor fran-
cês Arrnro Mr,rnaux, as quais eu tive ocasião de ouvir, no Círculo LingüÍs-
tico de Nova York, e peço permissão para vos repetir: "Os lingüistas sul-
-americanos, de modo geral, só estão interessados em curiosidades e etimolo-
gias e pouca atenção prestam às línguas gue ainda se falam em tôrno dêles.
É, portanto, urgente" - insiste o professor MerRaux - "gue um lingüista
exercitado nos métodos modernos se encarregue da análise de uma,língua
sul-americana pelo menos". E conclui: "O balanço das Iínguas sul-americanas
subsistentes não é custoso nem difícil, desde que s€ compteendam a impor-
tância e a urgência da tarefa".
Com FneNz Boes instituiu-se nos estudos universitários a chamada lin-
güistica científica, como um ramo da antropologia cultural. Aí a ciência da
Iinguagem se nos apresenta com aspecto de atividade prática, que algo a dis-
tancia do clima, reconstrutivo e histórico, em que ela se afirrnou nos princí-
pios do século passado.

jI
I
A FILOLOGIA CLÁSSICA
Entretanto, o interêsse pela filologia clássica, o gual data de WnrrNey,
não se deixou abafar pelo desenvolvimento da etnologia lingüística.
Wnlrnry, cono sabeis, foi um abalisado sanscritista, e rur apresentaçáo
descritiva da língua sânscrita a sua gramática ficou até hoje insuperável. Em
Yale, com o proÍessor EocenroN, e em tôdas as outras grandes universidades
norte-americanas, o ensino do sânscrito é uma tradição radicada, e a filologia
indo-europêia lato sensu se cultiva com intensidade e entusiasmo.
Conheci pessoalmente algumas respeitáveis Íiguras dêsse âmbito mais
prôpriamente da lingüística comparativa.
Uma foi o professor Louts Gnay, cujo livro recente * Os Fundantentos
da Linguagem
- já ê {amiliar entre nós. Trata-se, acima de tudo, como já
frisei na recensão que em tempos lhe fiz, de uma obra de indo-europeista só-
lido, atual e probo. Nos Esta<{os Unidos pude tomar conhecimento de outro
não menos notável trabalho, anterior, do professor Gney
- a Introdução à
Lingüística Comparatiua do Semítico
- e tive oportunidade de ouvir, no
Círculo Lingüístico de Nova York, uma comunicação sua sôbre a probabili-
dade de ter havido em gaulês, como um possível fenômeno proto-céltico, o
abrandamento consonântico que transparece no velho irlandês e no cínrico.
Em virtude da sua situação de professor catedrático da Universidade de
Colúmbia e, embora aposentado, prirrcipal orientador dos estudos lingüísticos
ali, não me faltaram ocasiões de contactos pessoais com o professor Gnev,
*9*
intensificados depois nas reuniões do Círculo Lingüístico de Nova York, gue
o tem como vice-presidente. Quaisquer palavras minhas náo poderiam Íazet
jusüça à afabilidade chã e sincera do ilustre mestre, gue da sua solidão de
viúvo sem filhos acompanha a tudo e a todos com um interêsse humano e
compreensivo.
O professor Gnav orgulha-se de uma amizade estreita e continuada com
ANtowe Metrrer, a quem chama carinhosamente, numa fórmula francesa,
mon quasi maítre. Metugr foi durante dois anos professor visitante da Uni-
versidade de Columbia, e das suas aulas ali me falou mais de uma vez, com
entusiasmo, o professor ÀurnoNv Peuna, que eficientemente substitui o pro-
fessor Gnav na cátedra de sânscrito.
Outra notável figura norte-americana em filologia comparada é o pro-
fessor Encen SrunrnvaNT, que ora leciona na Universidade de Yale. Ainda
há pouco saiu a 2,' ediçáo do seu tratado sôbre A Pronuncia do Grego e do
Latim, na série William Dwight Whitney, à qual já aqui me re[eri..
À sua grande e mais relevante atividade é no domínio das pesquisas
sôbre a língua hitita. À Gtamática Compacatiua da Língua Hitita, de Srun-,
TEvÀNT, ainda da série William Dwight Whitney, ê uma prova de como ê
falso supor que à cultura norte-americana repugne a especulaçáo teórica pura.
Citam-se-lhe ainda Um Glossario Hitita,2." ediçâa em 1936, com um Suple-
mento, três anos depois, e Uma Crestomatia Hitita.
Ainda recentement e em 1942, o professor SrunlnvnNr púlicou mais
um estudo de pesquisas pré-indo-européias, modificando em parte certas con-
cepções expostas anteriormente na gramática hitita. Refiro-me ao pequeno
-t
tratado sôbre .As Laringeais Indo-Hititas, no qual formula a hipótese de uma
língua tronco indo-hitita de que se tivessem derivado, de uln lado, o hitita e,
de outro, o proto-indo-europeu; f.az êle assim do hitita, em vez de língua indo-
-européia prôpriamente dita, uma língua anatoliana, cognata de uma fase do
indo-europeu anterior. àquela cuja reconstituição a gramâtica comparativa tem
procurado esboçar pelo cotejo das línguas indo-européias clássicas. A espi-
nha dorsal dêste último trabalho do professor StunteveNt é, entretanto, a
tese da existência de certos elementos consonânticos em proto-indo-europeu,
responsáveis pela rica oposição de quantidade e de timbre do vocalismo indo-
-europeu, prrôpriamente dito, em virtude de se terem êles contraído com a
vogal fundamental e/o. É a hipótese das chamadas laringeais, porque entre-
vistas como sons de natureza laríngea, em cujo debate entra o professor
StunreveNT com idéias às vêzes muito pessoais.
No grupo dos mestres norte-americanos de filologia clássica de que tive
uma impressão pessoal direta, quero ainda citar o professor Canr. Bucx, da
Universidade de Chicago, por certo já conhecido vosso como auior de três
úras capitais: a Gramática Comparatiua do Grcgo e do Lativn, a Introdução
ao Estudo dos Dialetos Gregos e a Grctnática do Osco e do Umbro. Aposen-
tado em suas funções, o professor Bucx passa os dias num recanto reservado
da biblioteca do Departamento de LÍnguas Clássicas da Universidade de
_10_
Chicago, interessado na organização de um léxico comparado das línguas
iado-européias.

A FILOLOGIA ROMÂNICA
Se tal é a vida cultural nos estudos indo-europeus e de filologia clássica,
já imaginais que deve ser igualmente intensa a atividade no âmbito da filolo-
gia românica, pois esta ê uma facêta do mundo latino, o qual a América do
Norte precura sinceramente sentir e compreender.
O latim vulgar e o estudo histórico das línguas neo-latinas tem, com
efeito, grande relêvo nos currículos universitários norte-americanos,
Em referência ao português, sob êsse aspecto, todos nós conhecemos a
atuação do professor EowtN Wlrrnus da Universidade de Pensilvânia.
À sua própria contribuição pessoal deve acrescentar-se a dos moços gue
elê tem formado e orientado nas pesguisas, como HeNny Canren, Rrcneno
ÀsnaseM e NonnaRN Snc«s. O critério de Íazer edições paleográficas de
textos medievais, com uma religiosa fidelidade à apresentação ortográfica do
manuscrito, ê uma lição e urna advertência à fiiologia do Brasil e de Portugal.
De quão forte é a incompreensão do problema no mundo luso-brasiieiro dão
uma idéia as seguintes palavras de um editor crítico lusitano, que é, entretanto,
uma das mais justamente conceituadas figuras da filologia contemporânea de
Portugal: "A simplificaçáo ortográfica" - diz-nos o professor Roonrcues
Lepe numa seleção de textos de FenxÃo LopBs
- "foi rigorosa quanto pos-
sÍvel; todos os sinais escusados, essa vegetação gráflca que da à linguagem
do tempo um aspecto tão rebarbativo" êsses julgamentos de
- atentai para "foram
*
valor em substituição da objetividade científica - banidos sem pie-
dade".
Floje, a pequena famiiia de filólogos da língua portuguêsa na Universi-
dade de Pensilvânia está dispersa pelas injunções do serviço bélico, e os seus
estudos um tanto paralizados; mas o professor E»wtu Wtruatts, do seu ga-
binete de deão da Faculdade de Estudos Graduaclos, continua aten8o à filo-
Iogia portuguêsa e à maneira de se lhe preencherem as grandes e numerosas
lacunas. Uma das sugestões que êle me f.ê2, eu quero agui repetir e transmitir
a guem de direito. "Por quê" - disse-me êle - "não manda a Faculdade
de Filosofia do Rio, como prêmio pós-escolar, alunos seus a Portugal, a fim
de prepararenn edições diplomáticas brasileiras dos antigos manuscritog por-
tuguêses?"
Creio gue bastam essas minhas considerações para dar uma idéia de
como florescem nos Estados Unidos os estudos histórico-comparativos de ex-
clusiva especulação teórica. Nem têm êles qualguer conflito com a chamada
Iingüística científica dos trabalhos de campo, disciplinada e orientada por
Boas.
Há entretanto, aqui, mais e melhor para dizer-vos.
11
- -

EDWARD SAPIR

Às duas correntes não se limiúaram a se desenvolver paralelas: conflui-


ram em muitos lingüistas.
Tal foi o caso, acima de todos, de Epweno Septn.
Dêste grande mestre, falecido em 1939, aos 55 anos apenas, temos es-
tudos e pesquisas num e noutro âmbito.
Colaborou, por exemplo, no Manual organizado por Boas, com a descri-
çáo da língua taguelma do baixo Oregon, e deixou alhures, .nos Prxeedings
da Academia Americana de Artes e Ciências, um minucioso trabalho sôbre a
lingua paiúte meridional, pouco antes de ela extinguir-se com a morte de dois
ou três velhos índios que ainda a falavam.
Preocupava-se intensamente, por outro lado, com os problemas histórico-
comparativos da lingüística indo-europêia, e nos últimos tempos estava em-
penhado na hipótese das laringeais em indo-europeu, discutindo-a em artigos,
em aulas e em conversas íntlmas.
O professor StunreveNT, no tratado que já vos citei, declara sôbre o
assunto, de início, dever a debates íntimos com Slptn muito do gue formula e
expõe, a começar pela convicção na existência de um sistema quadripartido
de laringeais, em dois pares de surda e sonora, com caráter articulatório de
glotÍal sfops, respectivamente palatal e velar,

& A LINGüÍSTICA GERAL

É, porém, fazer injustiça a Eowleo Septn o apresentá-lo assim ô rtro-


vêr-se em dois campos paralelos, ora trabalhando num, ora noutro.
Com êle, f.êz-se na realidade a síntese de tôdas as atividades da lingüística
norte-americana, dentro do conceito da lingüÍstica geral, gue ninguém melhor
do gue êle compreendeu, Desenvolveu-o - êsse conceito - na sua cátedra de
Yale, a propósito da qual me disse uma vez um professor da Universidade de
Chicago esta Írase típica do que é a sadia emulação das universidades norte-
americanas: "Será a nossa eterna vergonha, em Chicago, têrmos deixado
SepIn se nos escapar em proveito de Yale".
Com Epweno Seprn começa um terceiro grupo interessantíssimo na ciên-
cia norte-americana aguêle gue eu chamaria dos lingüistas gerais.
-
Aí, na fase atual, conviria colocar logo de início a figura de LBoNano
BroorrartBrp, professor da Universidade de Yale, o teorista do livro Lan-
guage, que é, ao lado da obra do mesmo nome de Septn, a grande contribuição
norte-americana para a lingüística geral.
]á da geração dos "novos" eu poderia acrescentar entre outros o pro-
Íessor Zetuç Hanrus, da Universidade de Pensilvânia, e o professor MonRrs
Swaorsu, com quem tive contacto no Círculo Lingüistico de Nova York.
*12*
Trouxe êste grupo para a ciência da linguagem a teoria da análise fo-
nêmica com o conceito de fonema, já nitidamente firmada por SaeIn. Swaonsn
tem a respeito um artigo fundamental na reyista Language, intitulado O
Princípio Fonêmico.
-
As idéias, assim consolicladas na ciência norte-americana, roborêEl-sê
com a doutrinação do professor Ronaeu Jexoosolt, o antigo vice-presidente do
Circulo Lingüístico de Praga, a guem as contingências da guerÍa levaram
para os Estados Unidos.
Nao e êle o único mestre europeu de que ora se beneficiam os estudos
lingüÍsticos na América do Norte: o próprio Circulo Lingüístico de Nova
York engloba no pensamento norte-americano o francês, ou nais latamente o
europeu, com figuras como as dos professôres HeNru MürI"en, JurreN Box-
BANTE, Worr Lesrau, Navep,no TonrÁs. Alhures, em Yale, leciona o pro-
fessor EnNsr CessInen, que dedicou tão lumindsas consideraçóes à linguagem
oâ sua Filosofia das Formas Sínbólicas,
Ao professor ]exorsoN coube, enlxetanto, o papel, gue eu considero ca-
pital, de trazer para a teoria fonêmica nos Estados Unidos a contribuição das
idéias do Círculo Lingüístico de Praga. Realizou-se assim a intimidade eatre
as duas escolas, a qual o prÍncipe Tnuselz«ov já procurare promover, guando
em 1930 convidou Sepln a participar dos debates em Praga sôbre o conceito
de fonema.
A mútua compreensão entre o professor fexoesoN e lingüistas norte- I

, americanos,
como o professor Eroonarrero e Monrus Swaorsn, está dando
à interpretação dos sons da üngua como unidades de um sisteua e de uma es-
trutura {
- o que é em última análise a noção diretriz da fonologia de Praga e
da fonêmica sapiriana
- a profundidade e a nitidez gue sempre resultam de
um balanço de doutrinas, quando feito com honesto e obietivo espírito cien-
tífico.
Os lingüistas, que eu estou tentando muito imperÍeitamente caracterizar,
desenvolvem particular predileção pelos problemas da lingüística estática, des-
prendida das preocupaçóes históricas, a qual é, por exemplo, a parte mais
intensa e lücidamente tratada na obra Language do professor Br,oomHeLD.
MoRrus Swaoesn ilustra impressionantemente esta tendência no seu
recente livro, escrito em espanhol
- A Nova Filologia "Se
- gue é o resumo de
um curso dado no Instituto Politêcnico do México. me permito especular
um pouco sôbre o processo lingüístico nos tempos remotos"
- diz-nos êle -
"ê para focalizar mais concretamente o passado da nossa espécie, a respeito
do qual todos sentimos alguma curiosidade. Em geral, porém"
- acrescenta
"limito-me ao concreto. e trato de focalizar os fatos na forma que nos dá a
-úave para entendêJos e poder aplicar nosso entendimento aos problemas
práticos, gue têm de ser ütais, visto gue a linguagem é um dos instrumeaúos
bá§cos da vida social."
-13-
Sentimos ai aqueia propensão para as aplicações práticas das verdades
cientificas, qr-:e, há pouco, reconhecemos como um dos traços típicos da cuL
tura norte-americana.

NOVÀ FÀSE DÀ ETNOLOGIA I,INGüÍSTICÀ


Uma das aplicações mais sistemáticas do princípio fonêmico foi na etno-
logia lingüística, partida de Fnauz Boas.
Assim é que o Manual das linguas Índias Norte-ameticanas está sendo
continuado por discípulos inteügentes, para guem a veneração a um anügo
mestre não é a repetição mouótona e estática das idéias dêle. Cabe citar como
ilustração disso, entre os estudos que Íormarão a IV parte daguele lv1anual,
o que em 1940 a professôra Manv Haas dedicou à língua tunica, faiada já
ern situação obsolescente numa peguer.a zofia da Luisiana. Outro exemplo
será a análise da língua maia pelo professor HarpenN, cujas fichas êle pôs à
disposição da minha curiosidade na tlniversidade de Chicago. IJm terceiro
rnodêlo da aplicação fonêmica à etnoiogia lingüistica deu-me o proÍessor
Gr,oncr, Henzoc, no seu curso de linguas da África, na l-lniversidade de
Colúmbia. Pude ver, com o professor Henzoc, como se depreende uma ordem
estrutural, imanente, das apresentações complexas, caprichosas e profusas
que dá ao observador a atividade da fala no nativo. Os fatos de entoaçáo,
ondogants et divers, como diria talvez ainda aqui o velho MoNrarcwr, se
enguadram na língua júo, por exemplo, num esguema de guatro tons siste.
máticos, os quais entram, como elementos diretores, na classificação, mórfica
* e semântica, gue é espontânea no sujeito falante.

O ENSINO DÀS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

A consubstanciação da lingüística geral nos Estados Unidos como ins-


trumento de análise estrutural de uma língua dada, já inÍlui na gramática
descritiva e no ensino das línguas estrangeiras, até agora em tôdâ parte prà-
ticamente afastados da lingüística, apesar dos protestos e esforços de um
JrsrnnsrN na Dinamarca, de um Belry e de um BnuNot em Suíça e França.
O professor Broonarlern publicou recentemente um pegueno Guia para
se estudarem pràticamente as línguas estrangeiras. Faz de inÍcio esta obser-
vação radical: "Às nossas escolas e colégios ensinam-nos muito pouco sôbre
a linguagem, e o pouco que ensinaal, está ern grande parte erÍado. Quem es-
tuda uma nova língua" - adverte-nos portanto êle - "deve desvencilhar-se
de tôdas as suas noções anteriores e começar com uma tábula rasa".
Partindo do conceito irrefutável da inconsciência dos fatos lingüísticos e
da estruturação dêles na mentalidade do sujeito falante, o plano do professor
Brbousrln é em última análise to(nar automática a atividade lingüística do
i,í.-
-
estudante no novo idioma, e, em seguida, consolidá-la cqn a compreensão
íntima e exata do sistema estrangeiro de sons e de formas.
Daí, girar a aprendizagem em tôrno de um informante, " gue não é um
professor e não deve ser tratado como tal", e de um lingüista profissional,
"que trabalhe com o estudante, mostrando-lhe como questionar o informante
e como estudar as formas assim obtidas". "Se tiverdes a sorte de um ensino
"lembrai-vos que o progresso do lin-
nestes moldes"
- adverte-nos êle -
güista no manejar a língua, o qual taivez vos intrigue, é devido ünicamente a
uma técnica simples, e que as instruções que êle vos dá (especialmente a ,-
assim não! e a insistência na repetição e na prática ) são precisamente o gue
permitiu a êle e permitirá a vos lazer um progresso rápido".
I

ÀS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NO EXÉRCITO


O oprisculo do professor Bloourtr,to veio como contribuição ao anrpl<r
e intenso movimento para ensinar línguas nativas estrangeiras ao soldado
norte-americano que vai combater no exterior. As tropas dos Estados Unidos
gue libertaram a Áfiica do Norte, por exemplo, levavam, como equipamento
bélico, soldados cuidadosamente exercitados na compreensão e na prática dos
variados falares marroquinos.
O Departamento da Guerra mobilizou para êsse fim os lingüistas das uni-
versidades norte-americanas, e criou uma Secção de Línguas, dirigida por
Monrus Sw.qoesH com o pôsto de coronel.
Em interessante palestra no Círculo Lingüístico de Nova York, o capi- J
tão Lre Snrtru fê.2 um impressionante relatório da atuação dos lingüistas no
exército norte-americano. São suas as seguintes palavras: "Pusemos a lin-
güistica à prova, e o nosso programa está servindo à ciência, pois the fornece
um laboratório, onde pôr por sua vez à prova a validez das suas teorias".
Independentemente dêsses cursos sistemáticos intensivos, o Departamento
da Guerra procura facilitar a aprendizagem de linguas estrangeiras por parte
dos soldados. Ha laboratórios, isto é, salas com fonógrafos, discos e folhe-
tos organizados pela Secção de Línguas. Basta a solicitação de um grupo de
guinze soldados, para se franquear o uso de um dêsses laboratórios. Àí esco-
Ihe o grupo um diretor de estudos entre os seus componentes, e o diretor rege
o estudo por meio das instruções dos folhetos. A sessão, de 30 a 40 minutos,
consta de três partes: em primeiro lugar, sentenças básicas em diálogo dra-
matizado, ouvidas no fonógrafo, lidas concomitantemente num folheto e re-
petidas em côro; em seguida, audição de discos sôbre pontos árduos de pro-
núncia, com a repetição cuidadosa dos sons; finalmente, uma audição passiva
de discos para pôr à prova a compreensão.
O capitão LrB SnaIrn ilustrou uma sessão de turco, e eu, que a respeito
dessa lingua nenhuma frase até então ouvira, pude acompanhar razoàvelmente
os discos, tal é a maestria de dosagem e informaçóes indiretas com gue foi
composto cada diálogo.
-15-
No mundo pedagógico civil, a experiência do Departamento da Guerra está
despertando estímulo e interêsse. Tal é a atitude que transparece, por €xêm-
plo, num artigo do professor'WIrr.nu BennlnN, da Fundação Rockefeller, a
propósito das deÍiciencias do ensino escolar apontadas, incisivamente, pelo
oajor FneNcts Rocens.
"Embora" "o recente trabalho de experi-
- comenta Mr. BenrueN -
mentação e progresso no ensino das línguas estrangeiras não se tenha criado
com a guerra, é fora de dúvida que a guerra teve aí um efeito de incalculável
valor, pois congregou professôres de línguas, lingüistas e especialistas das
ciências sociais que usam línguas estrangeiras em suas atividades, compe-
lindo a associação dêsses diversos serviços culturais na solução de um pro-
blema emergente: o desenvoivimento de um programa de línguas que dâ
resultado. Esta colaboração de homens com um interêsse comum, repres€E-
tantes de disciplinas diferentes" insiste o articulista "estabelece uro Ítro-
«iêlo, gue deveria servir de norma
- aos nossos coÍ.leges
-
no período pós-bélico".

O ESTUDO DO PORTUGUÊS

É óbvio que o português está incluído nas trinta e poucas línguas para
cujo ensino assim se mobilizaram os lingüistas.
Na Universidade de Pensilvânia, assisti a uma aula de português nos
moldes delineados pelo professor BroonaFrELD,. e tenho, por gentileza dos
professôres EnwN Wlruanrs e Hennrs, as Íôlhas mimeografadas por gue
tem de pautar-se o informante, a respeito dos seguintes temas: Where arc
â gou from? e Let's talk about the Weather.
O português do Brasil Íoi também, durante a minha estada na Àmérica
do Norte, submetido a uma interpretação fonêmica em dois artigos do pro-
fessor Rosent Herr |n., publicados na revista Sfudies in Linguistics, que se
edita em Yale sob a responsabilidade do professor GnoncE Tnacp,n.
Êsses artigos foram, por sua vez, comentados e apreciados em três aulas
do professor faxorsoN, gue os tomou como ponto de partida, a fim de Í.azer a
exposição sôbre a maneira mais orgânica e compreensiva de se fo4mular um
sistema fonológico. Em verdade, a apresentação das consoantes em grupos
triangulares k-p-t, g-b-d, x-f-s, i-u-z-, nh-m-n, lhJ-r (e R), pela qual optou
o professor ]exoosoN, me pareceu excelente.
O nosso par de consoantes R: r é, aliás, um belo tema para a doutrina
fonêmica, não só porque apenas há aí uma posição diferencial
lica
- a intervocá-
mas ainda porgue a articulação alveolar ou velar do R forte não al-
-
tera a realidade una do fonema.
Apaixona também aos Íonemistas norte-americanos o problema das nos-
sas vogais nasais. É que em português a vogal nasal puramente vocálica,
aates de pausa, não contrasta com o tipo de vogal nasalizada com consoante
nasal seguinte na mesma sílaba, desde gue êste último tipo só aparece etn
_ 16-
meio de vocábulo. Hen e |axonsoN opõem ao {ato português o do indostano,
em que, ao contrário, ã se pode comparar cam ãn, na mesma posição, e a di-
ferença fonética condiciona diferença mórfica ou semântica.

AINDÀ O PRINCIPIO FONÊMICO

O contraste fonético gue cria oposição mórÍica ou semântica, é, com


efeito, hoje, a principal pedra de toque para depreender os fonemas.
Está-se já muito distante do tateamento de BauoourN DE Counrexay,
para guem o fonema era a realidade psíquica em confronto com as variantes
de sons físicos da voz,
A lingüistica hodierna vê no fonema um elemento estrutural, independente
da psique dos sujeitos falantes. )a nao é êle o som elementar que, na sua
consciência lingüistica, os sujeitos falantes julgam pronunciar e ouvir; não é,
também, a síntese das cambiantes sônicas que variam, na fala, conforme o
indivíduo e o momento. A fonêmica e a fonologia ultrapassaram essas suas
noções preiiminares, para chegar ao conceito objetivo e extramental de ele-
mento de substituição. Assim, o nosso / velar, ünicamente pós-vocálico, não é
um fonema, apesar da sua realidade psíquica, porque não contrasta com o /
alveolar numa mesma posiçáo dada.
Chega-se destarte a úma simplificação esquemática, em que o som só
interessa pelo seu valor funcional, e não essencialmente pelas suas gualidades
articulatórias e acústicas. Entre essas só interferem na caracterizaçáo do fo-
nema aquelas em que se apoia o valor funcional dêle; são, na fórmula do pro-
fessor |exonsoN, concatenada com uma noção do professor Broourlrlo, o
J
feixe de distinctioe-features, isto é, de traços diÍerenciais.
O perigo de u{na tal "cristalcgraÍia [ônica", como gosta de chamar à
Íonêmica o professor Hrnzoc, é reduzir-se ela a uma rotina rígida e passiva
diante da íida ondulante da linguagem. Se fôsse Iícito citar-me a mim mesmo,
eu repetiria o que já disse a êsse respeito, alhures, em 1941: "Seria insensato
à lingüística desprezar a minuciosa observação da articulação de cada Ío-
neme e as variantes ocorrentes individuais. que não têm vaior lingüístico no
estado atual da língua, porque, náo raro, condicionam elas, no âmbito diacrô-
nico, modificações em elaboração no sistema fonético com o aparecimento de
novas idéias fônicas diferenciais".

À oBSERVAÇÃO FONÉTrCÀ
Há, porém, muita elasticidade no pensamento lingüistico norte-anneri-
cano, para gue o perigo venha a concretizar-se.
Ainda recentemente o proÍessor KrNumrr Plxr publicou com a visão
mais minuciosa possível Uma Anáhke Críüca da Teocia Fonétíca, em gue se
-17-
propõe a Íazer, a respeito "dos sons marginais na fala e dos sons bucais gue
não pertencem à fala" "uma classificaçáo noais universal" do que as até agora
realizadas.
Continua concomitantemente o interêsse pela fonética experimental, bri-
lhantemente instituída nos Estados Unidos com os trabalhos de WHBeren
Scnrptung, como .sabeis.

Ora, na fonêtica experimental, ha, não raro, a tendência para o gue


MeIrrBr chamou cetta vez a atomização. E a propensão para considerar como
realidade lingüística os ááomos Íonéticos, os quais, nos aparelhos, se obtêm
em virtude da possibilidade de registrar parceladamente os movimentos arti-
culatórios, cuja sintese, ünicamente, é que constitui. ao contrário, o som lin-
güístico. As diferenças articulatórias secundárias, precisamente registradas,
concorrem, por outro lado, para gue se possa considerar traço primacial muita
coisa lingüisticamente irrelevante.
Num país como os Estados Unidos, em que a física prática e as suas apli-
cações industriais têm um vulto'excepcional, as pesquisas dos fisicos e dos
técnicos da acústica, que trabalham em indústrias como a do rádio e a dos
telefones, seriam, até, contraproducentes para a ciência da linguagem, se esta
não estivesse plenamente desenvolvida e consciente de si própria.
No âmbito cultural da América do Norte, trabalhos como os de Brl-r, de
Flrrcgen, de G. Russr,Lt, interessados essencialmente na fisica dos sons,
têm sido, ao contrário, estímulo e contribuição para os estudos da linguagem.
"Diante dêsses trabalhos"
- como frisou no seu curso da Universidade de
Colrimbia o professor |axonsoN * "o problema lingüístico ê saber gual o
r-- princípio organizador da matêria Íônica."
À fonética experimental, que existe em várias universidades norte-ame-
ricanas, está, em regra, a cargo de professôres de formação lingüística. Se-
jam-me o exemplo o professor PlnpreNren, que dirige o laboratório Íonético
da Universidade de Chicago, e o seu auxiliar o professor Tnevrfio.
A lucidez e o senso lingüístico do professor PanueNrEn ressaltam nas
suas pesquisas e conseqüente artigo, publicado no Zeitschrift fb Expedmen-
tal-Phonetik, em julho de 1931, sôbre a radiografia dos órgãos da fala du-
rante a articulação. Foi o caso que Russur, ao estudar
- A Vogal, seu me-
I canismo fisiológico mostrado pelo rcio X, chega à conclusão de que a posição
da língua na bôca pode variar apreciàvelmente na pronúncia de dada vogal e
não deve ser considerada, portanto, um traço definidor.
O professor PaRnasNrgn demonstrou, ao contrário, que tal teoria revo-
lucionária decorrera apenas de erros de técnica. E assim nos esclarecer "A fim
de que se torne possível comparar as diferentes posições dos órgãos ativos
da fala para diferentes sons num dado indivíduo, a cabeça e o pescoço dêle
devem estar em posiçáo fixa, de sorte que as radiografias se superponham
depois exatamente, Não se fazendo assim" "os órgãos ativos
- conclui êle -
modificarão a sua posição para compensar a mudança de posição do paciente.
-18-
Por exemplo, as posições da língua de urna pessoa que diz u cotr o queixo
para baixo e em seguida coÍn o queixo para cima, são rnuito diversas".

À SEMÂNTICÀ
À lingüística não teve ainda uma intervençáo iguaimente clarificadora e
organizadora no domínio da semântica, que está apaixonando a filosofia norte-
americana, mas à margem da ciência da linguagem.
Iniciou-se uma crítica da razão loqüente, se ê lícita a expressão, com o
objetivo de estabelecer, para os hornens, novos padrões de comportamento e
julgamento dentro da sociedade. É êste, em linhas gerais, o escopo de obras,
como Ciência e.Sanídade de Arrneo Konzynsxr, 2.'ediqão em 1941 , e Intro-
dução à Semântica de Ruoorr CenNep, em 1942.
Ora, ao passo que, para entrar neste âmbito, se impóe o conhecimento
cientiÍico da lingua, os lingüistas profissionais ainda náo se dedicaram sària-
mente ao problema, e estão desprevenidos para Íazer a critica dessa crltica
da linguagem.
À semântica surgiu com BnÉel. como estudo ünicamente evolutivo, e
mesmo sob êste aspecto limitado ainda não tomou pleno conhecimento de si
mesma. A obra do lingüista belga ArnrRT CÀRNoy, intitulada A Ciência d.a
Palaora, ensaio de semântica, não trouxe ainda, como pretendera o autor, um
ponto de partida definitivo para o estudo das mudanças de sentido, e, na sua
nomenclatura profusa, satisfaz-se às vêzes com um nome novo para preencher
a falta de uma noção exata.
Em relação ao estudo das signiÍicações como sistema de eposições atuais,
a lingüística pràticamente ainda nada Iê2. Talvez a atividade dos semanticis-
J
tas que operam na América do Norte à margem da ciêrrcia da linguagep,
venha definitivamente estimular a esta, e fazer com gue a lingüística norte-
americana crie no domínio da semântica uma contraparte do gue é a fonêmica
no dominio dos sons. No Círculo Lingüístico de Nova York assisti a um vago,
mas promissor, esbôço de atividade neste sentido coln a comunicação gue
sôbre as obras de Konzvssxl e Cenxep fêz a professôra Mencennr
Scurlucn, da Universidade de Nova York.

CONCLUSÃO I
E com êste voto termino a minha palestra, a mais desambiciosa possível
(como vos preveni de início) em seu teqr e em suas finalidades.
Ouso crer, não obstante, gue ela vale ao menos, como um depoimento
desapaixonado, e que, das suas linhas informes e incompletas, algo se esbo-
çou, que permitirá a outros mais competentes um ponto de partida, provisó-
rio embora, para o exame crítico dos estudos lingüísticos na América do
Norte.
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a
a

í9 46
TMPFIET{SA NACIONAL
RI€' E,E JANEIRO - E'FIA*

--{

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