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Sabrina Noivas 97 - A Match

For Morgan
O cowboy da casa ao lado... Morgan Cutler
costumava ter dores de cabeça por causa de Wyatt
McCall, mas dores de cotovelo? Impossível! Então, por
que o sensual vizinho fazia sua pulsação acelerar e as
faces se tingirem de púrpura? Será que aquela mágica
festa havia sido suficiente para mudar o
relacionamento desses antigos rivais? E qual a
desculpa para ela ter correspondido ao beijo de Wyatt
com tanta paixão? Bem, Morgan procuraria garantir
que isso não voltaria a se repetir. O único problema era
que Wyatt parecia igualmente determinado... em
conseguir o oposto!
A respeito de ontem à noite... (por Morgan
Cutler) Admito ter cometido um dos maiores erros da
minha vida, na noite passada, quando deixei que o
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melhor amigo de meu irmão me beijasse.
Especialmente porque Wyatt McCall tem sido um fardo
para mim há vinte anos! Devem ter sido as duas (ou
três?) taças de vinho que tomei... pouco após ter
ingerido remédio para curar um resfriado. É claro,
também pode ter sido uma reação diante do
casamento de meu irmão, mas nada admitirei. E
embora ainda haja mais três casamentos por
acontecer, isto nunca mais irá se repetir! Apesar de
aquele beijo ter superado meus sonhos mais
ardentes..."

Digitalização e correção: Nina


Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1999
Publicação original: 1999. Estado da Obra: Corrigida

Gênero: Romance contemporâneo

Série Cutlers Of The Shady Lady


Ranch
Ord
Título Ebook Date
em
1 Fiona And the Jul-
1998
2
Ord
Título Ebook Date
em

Sexy Stranger
2 Cowboys Are Sep-
1998
for Loving
3 Will and the Nov-
1998
Headstrong
Female
4 The Law and Jan-
1999
Ginny Marlow
5 A Match for Sabrina Noivas 97 - Mar-
1999
Morgan Prelúdio De Sedução

CAPITULO I

Você não pode estar falando a serio! Morgan Cutler virou-se para encarar o irmão, Hank, que acabara
de lhe estender a lista de convidados para seu casamento.
Estava atónita e aborrecida. Imaginou que Wyatt McCall estivesse a uma distância segura e não ali,
esperando para suspirar em seus ouvidos.
Talvez houvesse alguma explicação. Mentalmente cruzou os dedos ao repetir:
—Diga-me que não está falando a sério.
Hank acomodou-se melhor na cadeira, equilibrando-a nos dois pés traseiros. Estavam na cozinha do
rancho de seus pais. O enorme ambiente, decorado com madeira epedra, tinha praticamente sido o centro de
suas vidas quando crianças e adolescentes.
Sempre havia algo de reconfortante na cozinha. Todas decisões principais que os afetaram foram tomadas
naquele ambiente.
Parecia certo que eles discutissem assuntos referentes ao casamento ali. Seria o primeiro dos quatro
casamentos que os Cutler fariam no que prometia ser um setembro muito festivo.
Hank entrelaçou os dedos atrás da cabeça, remexendo a boca levemente ao tentar, em vão, esconder o
sorriso. Seu jeito provocador da infância não havia sido banido após todos aqueles anos. Fingiu ignorância.
—No tocante a Fiona, definitivamente, falo a sério. — O sorriso se expandiu. — Quanto ao
casamento, sim, também.
Morgan estreitou os olhos azuis, advertindo o mais jovem de seus quatro irmãos de que não estava
com bom humor para brincadeiras.
—Não banque o espertinho comigo, Henry Alan Cutler. Eu me referia a Wyatt comparecer à festa de
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casamento. Pensei que ele ainda estivesse no Havaí, impressionando a todos com seu tão elogiado
talento para negócios.
— Ele voltou. A empresa em que trabalha o transferiu para cá. Ficará com os pais até encontrar um
lugar onde morar sozinho. Mesmo se não tivesse sido transferido, disse-me que de modo algum perderia
meu casamento.
Morgan suspirou. Não havia erro, nem esperanças em que se agarrar. Wyatt estava de volta.
— Sorte sua.
Hank inclinou-se para a frente, plantando a cadeira em chão firme novamente. A guerra entre Morgan e
Wyatt era muito antiga.
— Morgan, Wyatt é meu melhor amigo.
Morgan balançou a cabeça. Por que Wyatt não perdera con-tato com seus irmãos do modo como tantos
amigos faziam quando se mudavam para outra cidade? Por que retornara justamente agora?
— Eu sempre lhe disse para manter a vista mais no alto do que no chão, Hank. Tudo que encontrará ali
serão cobras esgueirando-se, aguardando por mordê-lo quando você menos esperar.
Hank pegou de volta a lista dos convidados para a festa de casamento, dobrou-a e a guardou no bolso
da camisa.
— Você já devia ter superado isto...
Morgan levantou o queixo, jogando os cabelos longos e louros por sobre o ombro.
— Guerras não dependem de idade, sabe disto — murmurou entredentes. — Além do mais, seu melhor
amigo é mais culpado do que eu por isto. Mal consegue me dirigir uma palavra civilizada.
— Porque você não o deixa falar — lembrou-a. — Ataca-o assim que o vê aproximar-se.
Era mais seguro assim. Não permitiria que Wyatt McCall a deixasse em posição vulnerável como
naquela noite, havia cinco anos. Jamais.
Procurava não estar no rancho quando Wyatt aparecia. A mudança dele para o Havaí tornara muito
mais tranquilas suas visitas aos pais.
Mas não havia como dividir seus sentimentos com Hank. Seus irmãos e pais achavam que aquilo tudo
era mera continuidade de uma guerra que começara em um dia nevoso, havia duas décadas. Por isso ela
meramente deu de ombros em um gesto displicente.
—Papai sempre disse que a melhor defesa é o ataque.
Hank se levantou e gargalhou.
— E você é capaz de atacar melhor do que ninguém que eu conheça.
Ele havia tomado um vôo muito cedo em Bedford, Califórnia, para retornar ao rancho de seus
pais em Montana e não almoçara. Abriu a geladeira procurando por algo que o mantivesse
alimentado até que o jantar estivesse pronto.
Tudo em que seus olhos pousaram parecia tão saudável. Ele estava com vontade de algo
suculento e rico em calorias. Suspirando, pegou uma maçã.
Morgan ficou na ponta dos pés e assanhou os cabelos do irmão, sabendo como detestava que
fizesse isso.
— Comporte-se, ou eu não lhe darei seu presente de casamento.
— Serei bonzinho.
— Será um dia e tanto.
Morgan presumia que não seria tão ruim assim. Afinal de contas, não era como se ela e Wyatt
fossem ficar lado a lado exatamente. Muitas pessoas compareceriam. Metade da cidade, se seu pai
fizesse as coisas a sua maneira. Poderia com facilidade evitá-lo.
—E por falar em dia, será o dia de 'seu casamento, e deve organizá-lo do modo como preferir.
—Está realmente dizendo que não se importará com a presença de Wyatt na festa de
casamento?
—Oh, eu me importarei muito. Mas farei o melhor que puder para não demonstrá-lo.
Obviamente surpreso, Hank se recuperou rapidamente e premiu um beijo fraternal na face de
Morgan antes de dar uma mordida na maçã.
—Sabia que podia contar com você, Morg.
— Claro que sim. É com Wyatt McCall que precisa se preo cupar e não comigo.
Tirou a maçã da mão de Hank e deu uma boa mordida antes de devolvê-la.
—Vou me comportar — disse ela.
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—E tudo que lhe peço, Morgan.
Ela pensou em Wyatt e ficou imaginando se ele traria alguém para o casamento. Então afastou
o pensamento. Aquilo não fazia a menor diferença. Ele podia trazer a mais recente líder de
torcida do Dálias Cowboys, que ela nem se importaria. Tirou a lista do bolso de Hank e deu
mais uma olhada.
—Bem, pelo menos foi sensato o bastante para não convidá-lo para ser padrinho.
— Esta vaga pertence a Will.
Hank era chegado a todos os irmãos, mas era sabido e compreendido haver um laço especial
entre ele e o mais velho. Morgan assentiu.
—Então vejamos, Will será seu padrinho e Quint, Kent e Peter... — enumerou seus irmãos e
o irmão de Fiona — serão os acompanhantes das damas de honra. Acho que Wyatt se encaixa
no perfil de um bobo da corte.
Hank puxou a lista da mão da irmã, e colocou-a no bolso da calça comprida.
—Não comece, Morg.
—Começar? — Fitou-o com toda inocência e sorriu.
Se não conseguia evitar a situação, que ao menos se divertisse com ela.
—Nunca comecei nada.
—Sim, está certo. E pássaros tomam táxi para ir para o sul no inverno. — O sorriso dele
desapareceu. — Só um aviso, Morgan. Se arruinar o dia de Fiona, eu vou caçá-la e lhe dar um tiro.
Morgan riu, dando-lhe um tapinha no ombro. Ambos sabiam que ela preferiria morrer a
arruinar algo tão importante para o irmão.
—Você não conseguiria seguir os passos de um elefante em meio a um caminho enlameado, mas
contanto que você não me coloque ao lado de Wyatt, não terá com que se preocupar.
Hank fechou os olhos e suspirou.
Morgan sentiu-se ansiosa. Mas antes que pudesse colocar suas suspeitas na forma de uma
pergunta, a mãe entrou na cozinha.
Zoe Cutler parecia uma versão mais velha e levemente mais baixa da filha. Tinha a mesma aura
de determinação que Morgan possuía.
A única diferença a um rápido primeiro olhar eram os cabelos. Um dia haviam sido longos como os
de Morgan, mas Zoe atual-mente os tinha curtos, pois requeria mínimos cuidados cotidianos.
Deu à única filha um olhar perscrutador no instante em que o marido entrava na cozinha
também. Ela ouvira bastante da conversa dos filhos para saber qual era o assunto.
E conhecia Morgan o bastante para entender que havia algo mais na raiz do problema, alguma
coisa que se avolumara com o passar dos anos.
Um dia viria à tona. Mas de uma maneira ou de outra, Zoe não deixaria que isso estragasse o
primeiro casamento que ocorreria no Rancho Cutler em trinta e cinco anos.
— Morgan, não aborreça seu irmão.
Foi até o balcão, pegou duas grandes panelas de debaixo da pia e colocou-as sobre o fogão.
—Já é difícil para um homem planejar um casamento, principalmente quando a cerimónia
acontecerá bem distante do lugar onde ele mora. Não lhe acrescente mais problemas.
—Nem sonharia em fazer isto — Morgan sorriu para o pai. — Entretanto, não posso falar
por Wyatt.
Beijou o rosto da mãe, então o do pai e acomodou-se novamente à mesa. Morgan era a própria
imagem da serenidade.
Mas sob aquela máscara, tudo estava borbulhando. Pensara, tivera esperanças realmente, de
que Wyatt fosse ficar no Havaí e a deixasse apreciar aquela ocasião especial sem ser perturbada.
Tê-lo por perto definitivamente a aborrecia.
Um aroma delicioso e especial de temperos começou a vir do balcão adjacente ao fogão
enquanto Zoe começava a preparar a refeição noturna.
— Por falar em Wyatt... — disse a senhora com descaso — ...ele telefonou ontem e disse
algo sobre convidar a todos nós para um jantar na noite anterior ao casamento.
Parou de mexer na comida e deu uma olhada por sobre o ombro, as palavras direcionadas a
Hank mas os olhos pousados nos de Morgan para testemunhar a reação da filha.
— Foi muita gentileza de Wyatt, não acha?
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—Legal — disse Morgan e então praguejou baixinho.
Um jantar. Maravilhoso. O homem a ficaria encarando durante toda a refeição.
— Sempre gostei daquele garoto — interveio Jake.
Fácil para ele dizer aquilo, pensou Morgan. Nunca fez papel de tolo defronte a Wyatt.
— O senhor sempre gostou de todo mundo, papai — lembrou-o a filha.
Um brilho de bom humor cintilou nos olhos do senhor.
— Mas eu a deixei dar muitas escorregadelas, não é mesmo, senhorita?
Morgan gargalhou, lançando a cabeça para trás e fazendo os cabelos louros caírem em cascata pelas
costas.
Aproximou-se do pai e o abraçou, pousando a cabeça em seu ombro como fazia quando pequenina.
Na infância costumava agir assim para obter um mimo do pai depois de a mãe ter lhe negado algo.
Bateu os cílios, faceira, quando Jake a encarou.
— Apenas porque eu era sua garotinha e o tinha na palma da mão.
— Você fez por merecer este direito. — Jake deu à filha um afago.
Era incrível como ela o fazia recordar-se de Zoe na ocasião em que se conheceram.
— Mas você não devia saber disto.
Morgan ergueu o queixo, os lábios curvando-se no que era muito conhecido como o sorriso dos Cutler.
Adorava o pai. Amava a todos com uma determinação que beirava o impossível.
— Eu era sua garotinha esperta. — Morgan fez um gesto na direção do irmão. — Hank era o bobo.
Zoe parou de mexer na comida. Normalmente não pressionava seus filhos, mas a curiosidade chegara ao
limite. Aquela famosa guerra havia ido muito adiante para ser uma simples tolice infantil.
— O que exatamente tem contra Wyatt?
Durante anos, Zoe pensou que Wyatt McCall era o homem ideal para sua filha. Morgan tinha um
coração de ouro como o pai, mas uma teimosia férrea que suplantava a de todos seus irmãos, até
mesmo Kent.
Precisava ter uma mão bem forte sobre a dela, alguém que a respeitasse e não tentasse dominá-la.
Houve vezes em que Zoe se desesperou, achando que a filha nunca encontraria um homem que a fizesse
soltar um pouco as rédeas do autocontrole para poder partilhar sua vida com alguém.
Sabia como era importante para um casamento a partilha e não apenas a questão de ser controlado
ou controlar.
O único homem que parecia ideal para tal tarefa era Wyatt. Se ao menos Morgan parasse de esbofeteá-
lo verbalmente a cada vez que se encontravam...
Morgan fingiu pensar. Suas razões eram pessoais demais para serem compartilhadas, até
mesmo com pessoas que se importavam com seu bem-estar.
— Devo enumerar em ordem alfabética ou por grau de importância?
A mãe meramente balançou a cabeça.
— Como preferir.
Morgan começou a apontar as falhas indicando cada um dos dedos.
— Ele é egoísta, teimoso, aborrecedor...
—Sally Gibson parece não achar isto — ponderou Zoe e então notou com interesse um brilho
especial nos olhos da filha.
Ficou mais esperançosa.
— Estava pendurada no braço de Wyatt outro dia. Pendurada toda sobre ele, na verdade.
Parecia muito feliz em vê-lo de volta.
Morgan afastou a informação com um dar de ombros.
—Sally Gibson tem o quociente de inteligência de um pote de picles. Mesmo que Wyatt a note,
ela fará parte do passado em breve. Sabe-se que ele nunca fica com uma pessoa por muito tempo.
Ficou casado com Judith por quanto tempo? Seis minutos?
—Foi por cerca de dois anos e meio, quase três — corrigiu-a Zoe, embora soubesse não ser
necessário.
Morgan sabia exatamente quanto tempo durara o casamento de Wyatt. E que o rompimento
fora uma das razões que o levaram a mudar-se para o Havaí.
— Ele apenas está procurando se divertir — ponderou Jake.
Zoe arqueou as sobrancelhas na direção do marido.
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— Não que eu saiba qualquer coisa sobre o assunto — apressou-se Jake em acrescentar,
pressionando um lábio contra o outro para evitar rir.
Morgan observou o olhar trocado por seus pais. Juntos desde sempre, ainda se comportavam
como se namorassem e estivessem experimentando um amor selvagem.
Puxa, daria qualquer coisa para ter alguém que a amasse daquela maneira... E para amar uma
pessoa do modo como sua mãe amava seu pai.
Mesmo assim, não pôde resistir em fazer uma provocação.
— Então não se divertiu quando jovem, papai?
— Estou com sua mãe desde os dezoito anos —- Jake começou a explicar antes de perceber a
interpretação equivocada que suas palavras poderiam gerar. — Sabe o que eu quis dizer. — Assanhou
uma mecha de cabelos de Morgan conforme no passado fazia com seu rabo-de-cavalo. — Por que está
tentando me meter em problemas, garota? Ela o abraçou.
— Porque é a única diversão que tenho disponível estes dias.
— Difícil acreditar.
A porta dos fundos foi fechada pouco depois da resposta que Wyatt acabara de proferir.
Entrou na cozinha, ficando à vontade do modo como vinha fazendo havia vinte anos. A casa de seus
próprios pais era maior, mais elegante, mas a residência dos vizinhos Cutler era mais acolhedora.
Sempre gostou mais de ir até lá do que de retornar a seu próprio lar. Sabia que seu irmão Casey tinha a
mesma opinião. Havia calor humano ali.
Sua família era civilizada, educada, mas os Cutler realmente se importavam um com o outro. Era
evidente em tudo que faziam, até mesmo quando palavras voavam acaloradas e rápidas em discussões
que logo eram resolvidas.
Tirou o chapéu e, com familiaridade, pendurou-o no encosto da cadeira mais próxima. Agradou-o ter
surpreendido Morgan. Fez um aceno para Hank e cumprimentou o casal Cutler antes de olhar para ela.
Cumprimentou-a com um sorriso com ar de superioridade, sabendo que aquilo a provocava.
— Olá, Morgan, não sabia que estaria aqui.
Ela se orgulhava de sua capacidade de manter-se aprumada em qualquer situação e de recuperar seu
autocontrole com bastante rapidez. Seu sorriso era rígido ao fitar o homem que era uma pedra em seu
sapato desde a primeira vez em que pousara os olhos nele.
Não, desde a segunda vez, emendou em pensamento, procurando ser honesta consigo mesma. No
primeiro instante em que o viu, em pé, tão alto, e com um monte de neve atrás de si, na verdade
experimentou o que apenas podia ser definido como loucura, paixão adolescente.
Mas era tímida demais na ocasião e não podia ser culpada pelo lapso de julgamento. As bolas de neve
que se seguiram, atingindo-a no rosto enquanto Wyatt ria ao pegá-la desprevenida, rapidamente
derreteram aqueles sentimentos ternos e equivocados.
Sentimentos ternos destinados a tornar-se ainda mais equivocados uma década e meia depois.
Tentara superá-lo naquele inverno, mas sem sucesso. Ele tinha braços mais fortes do que os seus.
Morgan então praticou durante todo ano seguinte, usando pedras em lugar de neve e latas como alvo.
Dera o troco em Wyatt no inverno seguinte, com louvor.
Mas ele a atingira em cheio naquele verão, cinco anos depois, uma voz pareceu sussurrar a seus
ouvidos. O pensamento a irritou sobremaneira.
— Olá, Wyatt, eu poderia dizer o mesmo. — Forçou um sorriso. — Qual o problema, o
Havaí decidiu limpar artigos indesejáveis de suas praias?
—Morgan! — Zoe exclamou de modo áspero.
— Desculpe-me, apenas estava sendo curiosa — murmurou.
Wyatt sorriu de modo indulgente para Morgan, fazendo-a sentir-se subitamente felina.
— Está tudo bem, sra. Cutler, Deixe-a divertir-se. Como ela disse, isto tem lhe acontecido com
raridade. — Inclinou-se para frente e falou em um sussurro: — Talvez se polisse suas maneiras,
isto aconteceria com maior frequência.
Morgan lutou contra o arrepio que tomou seu corpo ao receber aquela respiração quente na
pele. Algo pulsou de modo diferente dentro dela.
Observou irada Wyatt abrir a geladeira e pegar uma lata de soda, como se morasse ali. E não
pertencia àquele lugar. Pertencia sim a um local muito distante. Um lugar onde a visão dele
não a fizesse lembrar-se da tola que um dia fora.
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Fitou-o, desejando que tivesse se tornado feio. Ou pelo menos desleixado. Por que ficava mais
bonito com o passar do tempo? Que tal ter desenvolvido dobras de gordura na barriga ou co-
meçado a ficar calvo? Por que tinha de se parecer tanto com... com Wyatt?
Inquieta, pegou um guardanapo do recipiente postado no centro da mesa e começou a brincar
com o papel.
— Soube que Hank decidiu se vingar por todas minhas trans gressões no passado ao colocar-
nos na mesma cerimónia de casamento — disse ela.
Wyatt se virou da geladeira, os olhos escuros observando-a. Fazia pouco mais de dois anos desde que a
vira pela última vez. Seria sua imaginação ou Morgan estava mais sensual? Não parecia justo que uma
embalagem tão desejável quanto um doce escondesse uma pessoa tão insensível.
Olhou para Hank antes de voltar a fitar Morgan.
— Ouvi a mesma coisa. Pessoalmente, estou enxergando isto como uma penalidade. — Tomou um
gole da bebida, fitando-a por sobre a lata. — Fez algo diferente com seus cabelos?
Morgan ergueu o queixo, pronta para a batalha.
— Não.
Ele deu de ombros.
— Uma pena.
Morgan sabia que ele apenas estava tentando provocá-la.
— Uma palavra que se aplica totalmente a você. Mas por falar em casamento, espero que não
pretenda deixar Hank constrangido.
Levantou-se, aproximando-se também da geladeira. Com o cotovelo empurrou Wyatt para tirá-lo de seu
caminho. Seria nova a colónia que ele usava? Pegou uma lata de soda para si.
— Lembre-se de não arrastar os pés pelo chão ao caminhar pela nave até o altar, acompanhado da
desafortunada dama que lhe designarem.
Wyatt arqueou as sobrancelhas de modo inquisitivo ao captar o olhar de Hank.
Tinha de contar a ela, pensou Hank. Era melhor. Além do mais, se esperasse até tornar-se evidente no
ensaio para o casamento, Morgan provavelmente o mataria, com ou sem testemunhas. Aspirou
profundamente e criou coragem.
— Morg...
Morgan sentou-se novamente e ficou imóvel. Conhecia aquele tom de voz. Era usado por Hank quando
estava prestes a lhe dizer algo que, sabia, ela não gostaria de ouvir.
"Oh, por favor, não pode ser o que estou pensando", rezou em pensamento.
Morgan deu a Hank o olhar mais intimidador que pôde produzir.
— Hank, é melhor pensar bem antes de falar.
Zoe veio em resgate do filho. Aquilo iria requerer mais etiqueta do que Hank tinha a sua disposição.
—Morgan, Fiona foi muito gentil em incluir as noivas de seus irmãos na cerimónia de casamento.
Morgan olhou para a mãe. Então ela já sabia! Em seguida viria a informação que não gostaria de
ouvir.
— Quint estará com Ginny, Kent com Brianne, que estará vindo de Nova York. E como a irmã de
Fiona é madrinha, Denise fará par com o marido de Bridgette, Peter.
O que fazia restar apenas ela e...
Morgan olhou da mãe para Hank e percebeu a expressão de culpa. Oh, aquilo realmente seria uma
penalidade.
Pegou Hank pelo braço, fazendo-o permanecer onde estava caso pensasse em fugir.
—E por que não poderei fazer par com o marido de Bridgette?
O motivo era básico.
—Porque com salto alto, ficará mais alta do que ele, que é muito sensível quanto à própria altura.
E quanto à sensibilidade dela?, quis gritar. Mas sabia que Wyatt teria uma convulsão à mera sugestão
de que ela era sensível. Não iria acrescentar isso no entretenimento que estava proporcionando a ele.
—Irei descalça — ofertou, sabendo ser fútil.
—Você irá com Wyatt — Jake falou com firmeza, e então seu tom de voz suavizou-se. — Será
apenas uma noite — lembrou-a.
Não havia como fugir. Caso dissesse não, estaria causando um rompimento na família. Precisava
concordar.
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—Será. a mais longa noite de minha vida — falou a Hank entredentes.
Wyatt não pôde resistir. Com as mãos no encosto da cadeira dela, inclinou-se para a frente e sussurrou:
—Apenas se você tiver sorte.
Com tanta suavidade quanto um gato, ela se levantou. Ainda se inclinando na cadeira, Wyatt quase caiu
quando a ausência de peso fez a cadeira balançar. Rapidamente recobrou o equilíbrio no último instante.
Hank fechou os olhos e resmungou:
—Começo a achar que devia ter fugido para casar.
—Nem mesmo brinque com isto — advertiu-o Zoe.
Morgan se virou para encarar o irmão. Agarrou seu braço, fingindo empurrá-lo na direção da porta
frontal.
—Vou levá-lo até o aeroporto.
—Morgan! — As feições suaves de Zoe haviam virado uma carranca de advertência.
Morgan largou o braço de Hank.
—Será o dia dele, devia lutar para que ocorresse exatamente do modo como deseja — disse de modo
inocente, imitando o tom de voz da mãe.
—Exatamente.
O olhar de Zoe se intensificou.
Morgan suspirou. Fazer par com Wyatt realmente ia azedar as festividades.
—Não se preocupe, sra. Cutler — interferiu Wyatt com tranquilidade, encarando Morgan. — Eu a
manterei na linha.
Wyatt sabia que estava dando a si mesmo crédito demais provavelmente teria mais facilidade em
domesticar um gato selvagem, mas gostava das chispas de fogo que via naquele olhar quando Morgan
estava brava. Uma pena sempre estarem de lados opostos. Caso contrário...
Mas não havia qualquer caso contrário e talvez fosse melhor assim. Para todos.
Morgan se virou, as mãos nos quadris. Mantê-la na linha?
—Você e quantas armas?
Que Deus o ajudasse, mas havia algo realmente atraente em Morgan quando ficava brava daquele
jeito, considerou Wyatt. Imaginou existir um quê de insanidade nele para sentir isso por alguém que
gostaria de vê-lo esquartejado.
— Isto será decidido quando chegar a hora — ele lhe disse.
Zoe mudou de assunto.
— Fique para o jantar, Wyatt.
O sorriso dele foi genial. A mãe de Morgan cozinhava melhor do que qualquer outra pessoa que conhecia,
até mesmo a cozinheira contratada por seus pais.
— Não se importaria se eu ficasse, sra. Cutler?
Quando Morgan foi até a porta com o capacete de motociclista na mão, Zoe olhou para a filha de
modo acusador.
— Para onde vai?
— Para casa.
Em seu presente estado de espírito, Morgan sabia ser melhor para todos deixar a casa naquele instante
antes de dizer algo de que pudesse se arrepender. Não que fosse realmente se arrepender, emendou,
mas Hank e seus pais poderiam. Nunca dissera nada a Wyatt que fosse injustificado ou
desmedido.
—É um longo trajeto de volta.
— Você falou que ficaria para o jantar — disse Jake.
A expressão no rosto do pai lhe pedia para ficar.
Ela realmente não queria partir, sair de um lugar que sempre considerara seu lar não
importasse para onde fosse, mas sabia que se ficasse, estaria arriscada a perder a paciência.
—Mudei os planos — disse ela. Em seguida olhou diretamente para Wyatt. — Além do
mais, eu realmente tenho muita papelada para despachar se pretendo tirar a sexta- feira de
folga.
Wyatt a surpreendeu ao bloquear-lhe a saída. Morgan ergueu o queixo.
— Eu vou derrubá-lo se não sair de meu caminho — avisou.
Certamente faria mesmo aquilo, pensou ele.
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— Não quero afastá-la da mesa da casa de sua mãe, Morgan.
Eu poderei comer aqui um outro dia.
Ela estreitou o olhar. Oh, não, não iria bancar o bom rapaz ali. Sua família já gostava demais
dele.
— Não banque o gentil, Wyatt. Se eu quisesse comer aqui, comeria. Você não afeta em
nada. — Era mentira, mas uma mentira necessária. — Acontece que é um longo trajeto até
Butte e é melhor que eu ponha o pé na estrada logo.
Virou-se e deu um beijo no rosto do pai.
—Eu providenciaria novas fechaduras para as portas se fosse você, papai. Não gostaria que
nosso lar ficasse à disposição de pessoas indesejáveis vindas do Havaí.
—Pelo menos deixe-me preparar alguma coisa para você levar para casa.
Zoe ia abrir a porta da geladeira, mas Morgan a deteve.
— Já estou levando alguma coisa para casa, mamãe. Chama-se indigestão.
Então Morgan viu a expressão no rosto de Hank. A despeito de suas palavras provocadoras,
estava preocupado. A mãe tinha razão, ele já tinha inquietações suficientes para que Morgan
acrescentasse algumas.
Já era ruim ela estar aborrecida com o rumo dos eventos. Seu irmão devia ser poupado.
Não, não havia motivos para aumentar a ansiedade de Hank.
Ele queria Wyatt em seu casamento, e tudo devia ser do modo como gostaria. Mesmo se aquilo
a matasse por dentro.
Morgan deu um tapinha no rosto de Hank com afeto ao sair.
—Não se preocupe, irmãozão. Eu não estragarei seu dia.
Deu uma olhada por sobre o ombro, seu último alvo sendo Wyattj já distante de seu caminho.
—E melhor pensar em um jeito de se comportar bem. Tem até o próximo domingo para
treinar. Seria a primeira coisa honrada que faria.
Seu sorriso complacente foi dirigido às três outras pessoas da cozinha.
—Tchau, pessoal.
Wyatt limitou-se a sorrir ao ouvir a porta frontal ser aberta e fechada.
—É bom saber que algumas coisas continuam iguais — murmurou.
Zoe ouviu suas palavras e sorriu para si mesma. Talvez fosse apenas questão de tempo.
Afinal de contas, haveria mais três casamentos após o de Hank.

CAPITULO II

Acho que não será um ensaio com a roupa do dia da cerimónia, será? Ou é isto que planeja usar no
casamento?
Os olhos verdes de Wyatt avaliavam Morgan enquanto ela se apressava em subir os degraus da
igreja.
Mas que golpe de sorte, pensou com ironia. Ele estivera em pé no topo da escadaria vendo-a irromper
no estacionamento com a motocicleta.
Um breve olhar ao redor a fez constatar, pela quantidade de carros, que todos já haviam chegado.
Mas que maravilha!
Morgan mal tivera tempo de tirar.o capacete nem esperara por recuperar o fôlego. Começara a subir
os degraus dois a dois rumo à porta principal da igreja.
Conforme estava acontecendo cada vez com mais frequência em sua vida, a manhã não fora longa o
bastante. Estava longe de terminar o trabalho quando finalmente voara do escritório situado no terceiro
piso do edifício para participar do ensaio.
Apesar da programação atribulada do dia e de estar preocupada com seu atraso, ainda pensara em um
caso durante todo o trajeto de Butte até Serendipity. Por mais que tentasse, não conseguia tirar da
mente o rosto do garotinho banhado em lágrimas.
Josh Miller, no alto de seus quatro anos, ficara subitamente sozinho no mundo. Ela e Josh haviam
erigido um relacionamento desde que fora designada como assistente social para aquele caso.
Trabalhou incansavelmente no decorrer dos últimos seis meses e finalmente encontrou para o garoto
uma família adotiva.
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Ann e Ray Johnson eram pessoas de bom coração nas quais ela pessoalmente confiava.
Mas ao deixá-lo aos cuidados do casal naquela manhã, o menino a abraçara fortemente. Estava com
medo de que tudo começasse mais uma vez.
— Fique comigo, Morgan — ele lhe implorara.
Morgan sentira seu coração partir-se ao abraçá-lo.
Não estava, portanto, com estado de espírito adequado para enfrentar a tão famosa leviandade de
Wyatt. Mas provavelmente teria de passar por aquilo.
— Não que não fique bem com essas peças em couro...
Morgan o encarou de modo glacial ao passar a seu lado e espiar dentro da igreja.
Tentou disfarçadamente ajeitar os cabelos. Uma motocicleta se adequava as suas necessidades muito
mais do que um carro, mas, como todas as outras coisas na vida, havia um preço a se pagar por isso.
Nesse caso, eram cabelos em desalinho.
Subitamente ela interrompeu um movimento, o capacete preso a um braço e virou-se para fitá-lo. Teria
Wyatt acabado de dizer o que achava ter ouvido?
— Algo aconteceu com minha capacidade auditiva, ou você me fez um elogio?
— Interprete como quiser, Cutler. Uma senhorita tão doce como você deve receber poucos elogios.
Tarde ou não, ela fez uma pausa breve o bastante para fitá-lo e bater os cílios.
— Pois saiba que sou muito doce quando estou ao lado de seres humanos.
— Bem, já basta. Final do segundo round — anunciou Will ao surgir ao lado deles. — Partida
encerrada devido à chuva muito forte.
Rindo, Morgan se virou para o irmão mais velho. O eternamente plácido Will parecia levemente
nervoso. Seria por que o casamento dele ocorreria em breve? Provavelmente, concluiu.
—Não se cancelam partidas de boxe por causa de chuva, Will.
A correção de Morgan nem abalou o irmão. Há muito tempo aprendera a tornar seus ouvidos moucos ao
que a irmã falava. Morgan sentia-se conversando com uma pedra.
—Acontece no caso a que estou me referindo. — A expressão de Will era soberba ao olhar de Wyatt para
a irmã. — Hank já está nervoso suficiente sem ter de ouvir vocês dois discutirem.
Wyatt pensou em sua própria união, tão distante da perfeição. Sob qualquer ângulo que avaliasse, seu
casamento fora um total fiasco, até mesmo no início. Era difícil admitir isso, mas ele secretamente
acalentara tantas esperanças...
—Ora, isto poderá lhe dar uma visão de como a vida marital é — disse Wyatt filosoficamente.
Morgan tomou as dores de Fiona diante do comentário ultrajante. Não havia comparação entre Judith e
sua futura cunhada.
—Você se refere ao que seu casamento foi —- disse ela enfaticamente. — Fiona em nada se parece
com aquela garota pomposa. É perfeita para meu irmão.
Se lhe indagassem naquele momento, Wyatt não seria capaz de dizer exatamente por que se sentira
atraído por Judith. Admitia que a garota era sensual como poucas, mas ele sempre se julgara inteligente
demais para ater-se a atributos físicos.
Algo o cegara naquele verão havia cinco anos, fazendo-o render-se temporariamente à insanidade. E
então, quando as consequências se materializaram, colocara a responsabilidade sobre os ombros e tentara
viver a situação da melhor maneira possível. Mas o que era melhor nem se aproximara do bom.
Embora jamais fosse admitir isso, Morgan fora exata ao afirmar que ele estava se casando com uma
bonequinha da moda. Uma mulher que esperaria que ele lhe comprasse toda sorte de acessórios.
Judith gastava dinheiro com rapidez surpreendente e sem um segundo pensamento. Ela quase o
levara à falência antes de Wyatt ter chance de acabar aquele casamento. O prejuízo que causara a suas
finanças fora fenomenal.
—Hank não está bem? — Morgan indagou a Will, parecendo preocupada.
—Um observador casual não notaria problema algum — respondeu o irmão.
Mas Will não era um observador qualquer. Conhecia seus irmãos e irmã profundamente.
—Caso se olhe com atenção, ficará óbvio que o sorriso dele parece congelado, quase automático.
Morgan mordeu o lábio inferior.
— Talvez apenas esteja muito feliz.
Wyatt tinha opinião diferente.
— Ou, quem sabe, esteja anestesiado.
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Que espécie de melhor amigo ele era, afinal?, imaginou Morgan. Não devia estar ao lado de Hank,
encorajando-o em vez de parado na escadaria da igreja, esperando-a chegar para que a pudesse
espezinhar?
Wyatt sentiu um soco no ombro, algo muito leve. Não teria percebido não estivesse olhando diretamente
para Morgan ao recebê-lo. Rindo, foi rápido em cobrir o punho dela com a mão, impedindo-a de repetir o
gesto. Não tinham tempo para aquilo.
—Teremos mais alguns rounds após o ensaio, lutadora — prometeu Wyatt.
Com as mãos nas costas dela, empurrou-a levemente adiante.
—Agora não, estamos atrasados.
Morgan não gostava que ele ficasse apontando-lhe suas falhas, embora tivesse sido inconsequente.
Qualquer coisa que vinha de Wyatt era interpretada como uma crítica.
Após conviver vinte e cinco anos com Morgan, Will podia ler os pensamentos de sua irmã como se
fosse um livro. Movendo-se com rapidez, postou-se entre os dois.
—Todos já entraram, Morgan. Estão apenas esperando sua chegada.
Não precisou acrescentar "como sempre", mas ela as ouviu.
—Foi o trânsito — murmurou, seguindo-o para dentro da igreja e adiante de Wyatt.
Não havia motivos para lhe relatar seu dia e o caso de Josh. E nada iria explicar diante de Wyatt.
Wyatt contemplou o capacete que ela carregava debaixo do braço. Perambulava com aquela motocicleta
desde os dezoito anos.
Ainda se lembrava da primeira vez em que a vira pilotando. Estivera tão orgulhosa, quase explodindo de
alegria. Comprara-a com o próprio dinheiro, economia de anos. De segunda mão, a motocicleta era seu
orgulho. Tratava-a mais como um animal de estimação do que meio de transporte. Wyatt quase sentia
inveja da máquina.
—Um dia — disse ele, falando próximo demais de Morgan —, ainda vai cair daquela coisa e quebrar
o pescoço.
Ela se aproximou do final da audiência. Seus outros irmãos estavam todos ali, fazendo par com as
noivas. Uma sensação de vazio a invadiu, e Morgan imediatamente a bloqueou.
Em vez disso, concentrou-se em ficar brava com Wyatt. Cerrou os dentes e falou, quase sussurrando a
seu ouvido:
—- Isto é algo com o qual não precisa se preocupar, McCall.
Wyatt ficou em pé ao lado dela, o braço roçando no de Morgan quando ela tirou a jaqueta. Observou-a
acomodar a roupa e o capacete no banco sem pressa alguma. Embora não admitisse, Wyatt detestaria
ver algo acontecendo com ela.
Inclinou-se para frente e respondeu:
—Não, mas você é irmã de meu melhor amigo, e não gostaria de vê-lo infeliz.
Morgan o encarou para ver se falava sério. Nunca imaginou existir um só sentimento decente naquele
homem.
—Estou tocada.
—Sim — disse com vagar, ignorando o tom sarcástico. — Percebo.
Morgan engoliu uma resposta. Com dificuldade manteve-a presa na garganta. Poderia proferi-la e
causar uma cena ali, bem no meio do ensaio da cerimónia de casamento de Hank ou manter a paz e
deixar aquilo de lado.
Escolheu a segunda alternativa porque amava Hank e na verdade não tinha opção. Seu relógio lhe dizia
que todo o grupo já havia atrasado o ensaio em quinze minutos por sua causa.
Mas nada a impediria de dizer o que pensava sobre ele. Prometeu a si mesma que faria aquilo, na
primeira oportunidade.
—Gentileza sua juntar-se a nós, Morgan — Quint comentou quando a irmã e Wyatt tomaram seus
lugares ao final da fila.
Antes que a irmã pudesse lhe dizer qualquer coisa, virou-se para o homem com vestes escuras que
estava no altar.
—Acho que estamos prontos para começar agora, padre.
—Está fazendo sua imitação de Clint Eastwood? — Ginny Marlow indagou ao homem com o qual
se casaria em três semanas, fazendo alusão ao ator.
Quint sorriu quando o irmão lhe deu um tapinha nas costas.
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—Aproveito todas oportunidades que tenho.
—Ela certamente o conhece bem — observou Hank.
—Certamente sim.
A troca de olhares entre Quint e Ginny fez o coração de Morgan enternecer-se e doer ao mesmo
tempo. Estava feliz pelo irmão, verdadeiramente feliz por todos eles terem encontrado mulheres que
pareciam tão perfeitas para cada um, naquele verão fenomenal.
Mas simultaneamente estava triste porque a vida de seus quatro irmãos mudaria para sempre com o
casamento. A despeito da fachada de indiferença que deliberadamente mostrava ao mundo, Morgan não
lidava bem com mudanças. E tudo estava prestes a mudar.
Estava triste também porque em seu coração sabia que aquilo jamais aconteceria com ela. Nunca haveria
uma pessoa especial capaz de lhe despertar vontade de acordar todo dia a seu lado, cada manhã.
Nunca existiria a pessoa especial que a faria desejar ficar de mãos dadas noite, após noite. Jamais
entregara seu coração daquele modo para alguém, nem mesmo uma vez.
Porque seu coração nunca ficara em linha de batalha por tempo suficiente. Ficava atraída e logo
desinteressada com uma rapidez maior do que um pão crescia no forno.
Supunha que sua falta de relacionamentos rivalizasse com a de Wyatt.
Isso sim era um pensamento apavorante, pensou Morgan, sentindo um arrepio. A única diferença entre
ela e Wyatt era não haver casamento em seu passado.
Ou em seu futuro.
— Parece perdida em pensamentos — o sussurro de Wyatt, bem a seu ouvido, invadiu seus
pensamentos.
Morgan sentiu cada músculo de seu corpo se contrair em resposta. Seus lábios mal se moveram ao
responder:
— Estou apenas contando os minutos que terei de passar a seu lado.
— Eu também — mentiu.
Wyatt não se importava em ficar ao lado dela. Morgan o divertia. Sempre fora assim, desde que ele se
acostumara à ideia de que ela se inclinava a fazer tudo o que os irmãos mais velhos faziam.
E era inegavelmente muito agradável aos olhos. Mais nos dias atuais do que anteriormente.
Talvez, considerou Wyatt enquanto o padre terminava de dar as instruções aos noivos, ele apenas
estivesse prestando mais atenção nela nos dias atuais do que no passado.
Com o casamento fracassado em sua memória para lembrá-lo exatamente do que não queria em uma
mulher, admitia que apreciava as discussões com Morgan. Sempre gostou de mentes ágeis e de mulheres
determinadas.
Deu uma olhada para Morgan. Uma pena aquela mulher ter uma couraça cheia de espinhos além de
agilidade de raciocínio.
Morgan pôde sentir o olhar perscrutador. O olhar e a crítica. O que Wyatt estaria imaginando?
Abraçou o próprio corpo, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, ele faria algum comentário, algo
que a aborreceria. Seriam três longas semanas, pensou, suspirando resignada.
Um casamento prestes a ocorrer, mais três por acontecer, pensou Morgan, ajeitando a longa
saia de seu vestido de dama de honra. Arrumou os cabelos, contemplando-se de modo crítico em
um espelho gigantesco para ter certeza de tê-lo abotoado corretamente.
Nada mal, decidiu, virando-se de um lado para outro.
Suportara o ensaio da noite anterior e o jantar que se seguira, oferecido por Wyatt a todos,
com certa tranquilidade. Estava orgulhosa do modo como conseguira se comportar.
Ajudou o fato de concentrar-se na felicidade reinante e não na percepção de que Wyatt
sempre estava a seu lado, como um sonho ruim que se recusava a ir embora.
Morgan franziu a testa, ainda contemplando o espelho. Recordou-se de uma noite de verão
havia cinco anos. Uma noite em que o mundo todo parecera cair sobre seus ombros de vinte anos
de idade. Seu pai acabara de ter um ataque do coração e, por doze cruciais e longas horas,
esteve à beira da morte.
Toda sua família, assim como Wyatt e Casey, tinha se reunido no hospital para esperar e rezar.
Ela fora a mais ativa, procurando animar a todos e elevar o moral do grupo.
Mas sob tal fortaleza sentira-se incapaz de lidar com a ameaçadora possibilidade que pairava
sobre todos como uma nuvem negra. A probabilidade de que aquele homem forte e grandalhão
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com quem ela sempre pudera contar não mais estivesse ali pela manhã.
Em vez de deixar seus familiares testemunharem suas lágrimas, Morgan caminhar pelos
jardins do hospital até aliviar toda amargura através das lágrimas.
Wyatt fora procurar por ela naquela noite. O motivo, ignorava. Mas ele a tinha encontrado.
Encontrado também uma garota vulnerável que precisava desesperadamente apoiar-se em
alguém. Devido à insanidade do momento, fora ele essa pessoa.
A princípio Morgan resistira, porque ele era Wyatt e por estar envergonhada. Mas ele fora tão
gentil e compreensivo que finalmente rompera as defesas dela.
Ela abrira seu coração naquela noite. Nunca sentiu uma ligação tão forte com alguém. Nunca antes e
nem depois.
Wyatt a ouvira com tanta paciência e gentileza que ela tentara abrandar o momento desafiador com um
comentário tolo. Ele rira, um som caloroso e aveludado que a deixara comple-tamente exposta e
fragilizada.
Nunca o vira daquele jeito. Doce, paciente, caloroso e sim, teria dito naquela ocasião, amoroso.
Wyatt colocara o braço sobre seus ombros e a abraçara quando subitamente lágrimas ameaçaram voltar.
E então, ao olhar para cima, ela sentira como se nunca o tivesse visto verdadeiramente antes. Achou até
ter decifrado o brilho de seu próprio futuro naquele olhar.
Isto, pouco antes de Wyatt beijá-la.
Pouco antes de ela corresponder ao beijo.
Pouco antes de Morgan fazer papel de tola, pensou com raiva, enrubescendo-se ao recordar.
Beijara-o não como se ele fosse Wyatt McCall, mas como se fosse... Uma pessoa especial. Sua pessoa
especial.
Morgan fechou os olhos por um momento, desejando que a sensação de humilhação retrocedesse.
Depois de tanto tempo ainda estava ali, adormecida mas pulsante.
E então Wyatt arruinara o único momento que partilharam ao afastá-la de si e lhe dizer que estava
noivo. Noivo de Judith Montgomery, dentre todas as mulheres. Uma bonequinha desprovida de cérebro e
que somente sabia rebolar e tagarelar.
A favor dele, isso se merecesse tal pensamento, admitia que Wyatt não tentara aumentar a humilhação
que ela já sentia. Ao recordar-se, percebia que ele quase lamentara ter de lhe contar aquilo.
Certo. Arrependera-se. Mordeu o lábio ao ajeitar o enfeite de flores brancas em seus cabelos.
Arrependera-se apenas porque não poderia colocar as mãos nela assim que a verdade fosse declarada.
E os motivos que fizeram Wyatt contar aquela verdade não haviam sido tão cândidos assim.
Morgan tinha certeza de que apenas lhe dissera porque sabia que ela o enforcaria se descobrisse sobre o
noivado de alguma outra maneira, mais tarde, depois que ela...
As possibilidades do que poderia ter acontecido naquela noite se avivaram para zombar de sua
inocência.
Bem, não fizera amor com Wyatt, e isso era o que importava. O fato de tè-lo desejado, de subitamente ter
se sentido consumida por um fogo avassalador e de querer entregar-se apaixonadamente a um homem
devia ser esquecido.
Sentia-se eternamente grata por Wyatt não ter tido tempo e coragem de tirar vantagem plena de seu
estado de fragilidade.
Antes que ela tivesse oportunidade de lhe dar todo o sermão que merecia ouvir, Quint os encontrara
para lhes contar que Jake Cutler estava fora de risco.
Então lá estava ela, cinco anos mais tarde, fazendo par com aquele homem e tentando parecer feliz
com a situação. Seu franzir de testa aprofundou-se. Feliz? Dificilmente.
Aprumou-se e saiu da pequena sala destinada às damas de companhia. Bridgette e as futuras cunhadas de
Morgan estavam reunidas perto da porta da igreja. Como sempre, era a última a chegar, embora dessa vez
realmente tentara evitar o atraso.
Previra tudo perfeitamente, mas então seu coração a dominou, e ela resolveu passar no novo lar de Josh
Miller conforme prometera ao garoto.
Não havia como romper a palavra dada ao menino. Não quando tantas outras pessoas já haviam feito
isso.
Morgan tentava duramente manter uma distância profissional entre ela e os casos com os quais lidava
como assistente social. Tentava, mas normalmente falhava em algum aspecto.
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Mesmo assim, Josh era diferente. Órfão havia pouco mais de seis meses, era um bravo soldadinho
que, a despeito de sua tenra idade, tentava não ser engolido pelo mundo cruel a rodeá-lo. Ela o teria
adotado se isso lhe fosse permitido.
Mas sua programação de trabalho era irregular, e ela apenas poderia oferecer um lar de mãe solteira
para uma criança que desesperadamente esperava ter uma vida equilibrada.
O órgão encarregado de adoções não costumava dar crédito a sugestões provenientes de pais adotivos
solteiros.
Esperava de todo coração que Josh fosse feliz no lar que lhe fora destinado. Precisava apenas de
alguém para amar e que o amasse também. Mentalmente cruzou os dedos em prol do menino de quatro
anos ao migrar a atenção para o casamento que iria acontecer.
—Você passou por uma transformação e tanto, Cutler.
A voz masculina em tom de provocação a deixou arrepiada. Virou-se e olhou para Wyatt, pronta para
a luta.
Mas as palavras se dissolveram em seus lábios, assim como seu corpo se derreteu ao vê-lo.
Homem algum tinha o direito de ficar com tão boa aparência em um smoking, pensou, especialmente se
ele tinha um coração negro.
Morgan não comparecera ao casamento de Wyatt, dando uma desculpa da qual nem mais se
recordava. Quando, no passado, vira-o bem vestido trajava apenas um terno. E como ficava bonito com o
traje. Mas o smoking lhe dava uma aparência avassaladora.
— Digo o mesmo em relação a você — murmurou ela com todo descaso que pôde reunir.
O elogio surpreendeu Wyatt. Estreitou o olhar, imaginando se Morgan estaria doente.
— Obrigado, Morgan.
Os acordes da Marcha Nupcial começaram a ser tocados, e as portas vagarosamente se abriram.
— Pronta para lançar seu primeiro irmão no mar do matrimónio?
Ela expirou profundamente.
— Tão pronta quanto sempre estive, presumo eu.
Foi então que ela percebeu que Wyatt estava segurando flores. Flores... para ela. Um buque simples
de cravos vermelhos entremeados com minúsculas flores brancas.
Wyatt a presenteou com o buque, elaborando uma mesura que a fez sorrir, embora contra sua
vontade.
— O rapaz da floricultura não conseguiu encontrá-la.
Morgan aceitou o buque, esperando que ele falasse algo sobre sua entrada esbaforida à ante-sala. Mas
nada foi dito.
— Obrigada.
Wyatt lhe ofereceu o braço. Ela o fitou por um momento como se estivesse pesando nas opções que
tinha. Não havia outra. Emplacou sua melhor expressão e enlaçou o braço que lhe era oferecido.
—Vou tentar não tropeçar — sussurrou ele suavemente a seu ouvido, sorrindo.
Wyatt se recordaria do comentário. Morgan aceitou, como se acalentando a promessa.
—Se acontecer isto, lembre-se de que serei forçada a pisar em cima de você.
O riso dele continuou ecoando nos ouvidos de Morgan enquanto caminhavam para dentro da igreja.
No instante em que entraram, ela sentiu seus olhos se umedecerem. Piscou duas vezes, determinada
a manter as lágrimas contidas.
Indesejosa de fazer uma cena, concentrou-se no homem caminhando a seu lado. Esperava conter as
sensações que teimavam em dominá-la.
Mas não estava sendo nada fácil.
CAPITULO III

— Estarei feliz se conseguir ficar tão bela assim quando for minha vez de subir ao altar! — Brianne se
inclinou e sussurrou para Morgan.
Seu comentário animado foi em parte abafado pelos acordes da Marcha Nupcial que vibrava por
toda a pequenina igreja.
Morgan olhou brevemente para uma das futuras sras. Cutler. Pela expressão no olhar de Brianne, a moça
não estava apenas admirando-a, também queria a câmara fotográfica.
Morgan sorriu. Fora uma câmara a responsável por trazer Brianne à família, mais especificamente à
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vida de Kent.
Ela fora fotografar a vida de um cowboy no rancho para uma revista e se apaixonara pelo assunto. Por
um momento, Morgan se esqueceu das próprias emoções, ao ouvir os votos de eterna fidelidade serem
proferidos.
Qualquer um que olhasse para Brianne saberia que a moça não tinha de se preocupar com a aparência.
Havia anjos mais feios do que ela.
—Você deixará todos de queixo caído e sabe disto — Morgan sussurrou em resposta.
Olhou para Denise e Ginny.
— Vocês três ficarão maravilhosas — emendou com sinceridade.
E ela, pensou Morgan, seria dama de honra de todas. Estaria presente em cada uma das cerimónias. A eterna
dama de honra, marchando vagarosamente pela mesma nave da igreja vezes e vezes, segurando
diferentes buques, usando vestidos diversos, mas com o mesmo sorriso no rosto. Sempre uma dama de
honra, jamais uma noiva.
Era uma sensação estranha que ganhava um novo significado para Morgan e a aborrecia mais do
que gostaria de admitir, até mesmo para si.
Embora quisesse estar olhando para o irmão naquele momento tão precioso, Morgan viu seu
olhar de alguma maneira migrar para Wyatt, a sua inteira revelia.
Sentiu um arrepio pela espinha quando viu que ele também a fitava.
Como uma criança apanhada com a mão no pote de biscoitos, aprumou os ombros e olhou
firmemente adiante. Bem a tempo de ouvir o padre pedir as alianças.
Morgan observou Will pôr a mão no bolso e tirar dali o eterno símbolo de união. A mão de
Hank estava levemente trémula, ao estender o braço e aguardar.
De seu ponto de vista privilegiado, Morgan seria pressionada a dizer de quem fora a culpa
quando a aliança caiu dos dedos de Will ou escorregou da mão de Hank.
O objeto foi ao chão, fazendo um barulho suave. Conforme Morgan e todos os demais
observavam em estado de fascinação, a aliança rolava, passando entre Will e Hank em sua
odisseia pelo altar.
Wyatt observou de olhos arregalados o anel passar por ele. Com rapidez interceptou o trajeto
errante com o pé, fazendo a aliança girar no próprio eixo.
Triunfante, abaixou-se e a pegou, .estendendo-a para o alto como se fosse um trofeu. Sorriu para
Hank e lhe estendeu a jóia.
— Não vai se livrar disto assim facilmente, Hank.
Os convidados voltaram a respirar novamente, depois de um longo suspiro. Seguiram-se
risos e aplausos.
Pelo menos ele era rápido com os pés, pensou Morgan.
— Vamos novamente, repitam o que eu disser — o padre falou quando todos se acomodaram
novamente. — Com esta aliança...
Conforme ouvia, as palavras pareceram ecoar na cabeça de Morgan. Pressionou um lábio de
encontro ao outro, aconselhando-se pela vigésima vez a não chorar.
Justamente naquele dia encontrava-se tão entristecida. Não iria estragar tudo ficando com o
nariz vermelho de tanto soluçar, do modo como sua mãe em silêncio fazia.
Mães podiam chorar. Até pareciam radiantes fazendo isso. Irmãs, por outro lado, deviam se
alegrar por um irmão final-f mente encontrar seu caminho.
Mas Morgan não se sentia entusiasmada. Jamais, entretanto, deixaria que alguém percebesse.
Estava fazendo um trabalho e tanto para mascarar como se sentia, congratulou-se Morgan mais tarde.
Exteriormente, parecia prestes a explodir de alegria por finalmente ver Hank abandonar a vida errante e
acomodar-se com alguém doce como Fiona.
Pelo que podia dizer, todos pareciam acreditar nela. Em alguns momentos Morgan chegou a se convencer
de que estava bem.
Mas até mesmo na recepção ocorrida no Rancho Shady Lady, onde reinava música, dança e barulho, a
tristeza parecia arraigada a seu coração e insistia em crescer. Estava se tornando maior e mais forte a
cada minuto.
Precisou partilhar a primeira dança com Wyatt. Permaneceu estática até o restante dos casais irem para
a pista de dança. Então já não havia como evitar.
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Aspirou profundamente, envolvida por emoções novas. Permitiu, enfim, que Wyatt tomasse sua mão e
a conduzisse para junto dos padrinhos para que a dança principiasse.
Ele a segurava perto demais para deixá-la à vontade. Quando ele encostou a cabeça nos seus cabelos,
Morgan precisou se controlar para não dar um pulo e afastar-se.
Wyatt sentia em seus braços uma mulher dura como pedra e muito tensa. Afastou um pouco a cabeça
para fitá-la enquanto dançavam. Um traço de diversão cintilou em seu olhar.
—Relaxe, Morgan. Isto é uma celebração. Espero que esteja se divertindo.
Ela ergueu o queixo.
—Assim que esta dança terminar, poderei me divertir.
Wyatt riu. Morgan lutou para seus ouvidos ignorassem aque le som e o impedisse de chegar a seu
coração. Em vão.
—Ora, Morgan, estou apaixonado.
Detestava quando Wyatt ria dela. E se abominava por reagir a sua presença daquele jeito após todos os
conselhos que dera a si mesma. Balançou a cabeça e sentiu um ramo de flores cair levemente sobre o
olho.
—Ótimo!
Com a ponta do dedo ele colocou o enfeite no lugar. Morgan prendeu a respiração. O gesto a irritou.
Wyatt parecia saber exatamente como ela se sentia e divertia-se com a situação.
— Você sabe — comentou ele suavemente contra seus cabelos — para alguém que não gosta de dançar,
você tem pés muito leves.
Wyatt notou como a fragrância dela inebriava seus sentidos. Como poderia não ser assim? Era um perfume
sensual e excitante.
Morgan se sentia como se houvesse acabado de correr todo o trajeto de Butte a Serendipity. Por que
seu coração batia tão aceleradamente?
— Eu não disse que não gostava de dançar, Wyatt. Apenas não gosto de dançar com você.
A sentença teria soado bem mais convincente para Wyatt se a voz de Morgan não tivesse vacilado
um pouco no final.
— O que me diz de deixarmos, pelo bem de Hank e por apenas uma noite, nossas diferenças de
lado?
Para um ouvido destreinado, ele parecia sincero, cheio de consideração. Mas Morgan sabia muito bem
quais eram suas intenções.
Wyatt era capaz de roubar o coração de uma mulher e despedaçá-lo sem um segundo pensamento. Faria
isso com a mesma facilidade com que se quebra a casca de um ovo e então o deixaria de lado sem nem
mesmo dar-se conta do que lhe fora oferecido.
Devia saber.
Morgan ergueu e baixou os ombros em um gesto de descaso.
— Por mim tudo bem.
Para sua surpresa, Wyatt colocou um dedo debaixo de seu queixo e o ergueu até que seus olhares se
encontrassem.
— Diga com sinceridade, Morgan.
Ela afastou a cabeça, temendo que, caso não fizesse isso, perdesse o controle de suas emoções e ações.
Precisava evitar ser publicamente humilhada.
— E o que quer que eu diga? Quer que eu jure? Ou que façamos um pacto de sangue?
Por que ele tinha a sensação de estar subitamente envolvido em um duelo? Deu de ombros.
Talvez fosse o lusco-fusco, pensou Wyatt, com a suave promessa de um céu estrelado. Ou podia ser o
fato de seu melhor amigo estar se casando e a ocasião avivar toda sorte de lembranças de tudo o que
ele um dia desejara para si. Desejos que não se realizaram.
Ou talvez estivesse apenas farto de discutir com Morgan. Não sabia. Apenas não queria mais trocar
palavras inflamadas, não naquela noite.
— O que tem contra mim, Morgan?
Wyatt buscou seu olhar e não decifrou qualquer resposta a essa pergunta.
Morgan sabia que deixara o casamento de Hank envolvê-la em sua magia. Por que outro motivo se sentia
tão terrivelmente vulnerável? Como se estivesse prestes a derreter por estar perto de Wyatt?
Por que não conseguia se ater ao pensamento de como se sentira humilhada ao se oferecer para ele em
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uma bandeja de prata apenas para descobrir que estava noivo de Judith?
— A noite não é longa o bastante para eu lhe contar.
Levantou a cabeça, atenta. O alívio veio de mãos dadas com
arrependimento. Aquele não seria um dia do qual fosse se esquecer em breve.
— Oh, veja, a dança acabou — suspirou ela. — Estou livre.
Desenlaçou seus dedos da mão de Wyatt, deu um passo para trás e espirrou. Parecia que sua cabeça
ia explodir.
Wyatt pôs a mão no bolso e tirou um lenço. Ofereceu-o a Morgan. Ela ficou olhando para o pano. Estava
impecavelmente branco. Existiria alguém especial fazendo serviços de lavanderia para ele? E quem se
importava, afinal?
— Você está propondo uma trégua?
Wyatt procurou se controlar.
— Apenas estou sendo educado.
Morgan engoliu uma resposta que nada combinava com a festa de casamento de seu irmão. Aceitou a
oferta, assim que espirrou novamente.
— Obrigada — murmurou.
Não sabia se Wyatt estava se tornando um homem atencioso ou se a gentileza lhe ocorrera por
acidente. Mas não teria chance de descobrir. Míriam Lake aparecera atrás dele e já lhe roubava o
braço e a atenção.
Movendo-se como uma agente em uma missão, a intrusa colocou-se entre Morgan e Wyatt e o
empurrou para a pista de dança quando outra música começou a tocar.
Se a memória não lhe falhava, Míriam pertencera a mesma torcida comandada por Judith. Por que aquilo
não a surpreendia?
—Quer dançar, Morgan?
Ela se virou e viu-se olhando para o rosto de Jared Adams. Jared tinha boa aparência, era bem-
sucedido e não acalentava o hábito aborrecedor de contradizer tudo o que ela dizia.
Não fazia ideia, entretanto, do motivo de a proposta de dança a deixar tão indiferente. E por que
dançar com Wyatt lhe causara efeito justamente oposto.
O remédio que tomara pouco antes da cerimónia para curar o resfriado devia estar afetando seu
raciocínio. Era a única explicação plausível para tamanha insensatez.
—Eu adoraria.
Morgan ergueu o tom de voz afim de fazer-se ouvir por Wyatt e Míriam. Olhando na direção
dos dois, viu que seus esforços tinham sido desperdiçados. Eles pareciam positivamente perdidos
nos braços um do outro.
Jared a abraçou, e Morgan tentou imbuir-se de um pouco de excitação. Mas falhou. Jared era
baixo em comparação a Wyatt. A observação, embora involuntária, aborreceu-a como nunca.
—Dance comigo, magrela. Ainda não paguei por meus pecados desta noite.
Morgan nem teve de se virar para saber que a provocação vinha de Quint.
— Então somos dois. — Estendeu" as mãos, em um claro sinal de convite e amizade. —
Ainda nem pisaram em meus pés hoje.
Ela estava com uma aparência ótima naquela noite, pensou Quint. Ainda melhor do que a
usual. E havia um rubor em suas faces que apenas podia significar uma coisa, excetuando-se
febre. Testemunhara com quem a irmã estivera dançando.
— Eu a vi dançando com Wyatt.
Morgan ergueu o olhar para Quint. Não era habitual o irmão provocá-la. Não no tocante a Wyatt.
Ele e Will não a aborreciam quando o assunto era aquele. Era Hank e algumas vezes Kent quem a
provocavam.
— Eu tive de dançar — respondeu. — Tradição, lembra-se?
O sorriso de Quint começou no olhar antes de se apossar dos lábios. Após ter encontrado sua
alma gémea em Ginny, gostaria que acontecesse o mesmo com sua irmã. Todos deviam se sentir
tão bem quanto ele naquela noite.
—Eu me lembro de muitas coisas.
Morgan sentia a cabeça girar devido à medicação que tomara contra o resfriado. Não estava com humor
para tentar compreender sentenças com vários possíveis sentidos.
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—O que isto quer dizer?
Havia impaciência na voz dela. Quint não queria começar uma discussão. Não ali. Mas sabia que
Morgan tinha consciência exata do assunto ao qual se referia.
— Nada, apenas estava pensando que não me lembro de tê-los visto dançando juntos antes.
Havia uma razão para isso.
—Porque nunca dançamos antes.
Quint estudou sua expressão por um momento com tamanha intensidade que a enervou.
— Praticando sua visão de raio X? — finalmente indagou.
— Deixe-me lhe perguntar algo sobre o qual sempre divaguei, Morgan. Por que você é sempre uma
moça completamente sensata e centrada até trombar com Wyatt?
Oh, não! Quint também? Suspirou.
— Usou a palavra certa.
— O que há entre vocês dois?
Estreitou o olhar, como se tentasse ler a alma da irmã. Acreditava que, agindo assim, impediria que
ela mentisse.
— Algo aconteceu entre você que deixou de nos contar?
Havia raiva nos olhos de Morgan à mera sugestão de enumerar os delitos de Wyatt. No momento seguinte a
irritação foi embora.
Aquele era Quint, procurando cuidar dela do modo como sempre fez. Mas não havia como às vezes
essa tarefa deixar de ser aborrecedora.
Morgan forçou-se a ficar mais calma.
—Não.
Mas Quint sabia haver algo mais do que ela lhe dizia. Pessoas não reagiam do modo como Morgan
fazia, a menos que algo houvesse acontecido para gerar esse comportamento.
Continuou a estudá-la. A vida de todos se tornara mais atribulada no decorrer dos últimos anos.
Teria ele perdido algo crucial?
—Ele a magoou de alguma maneira?
Agia como irmão mais velho e estava próximo demais da verdade para Morgan sentir-se tranquila.
—Nenhum homem jamais me magoou, Quint.
Ele sabia que Morgan não era dada a se esquecer de fatos importantes.
—Houve Blake.
Morgan mordeu o lábio. Sim, houve Blake. Alto, moreno e, infelizmente, veio a descobrir mais adiante,
completamente inútil. Mas nada que pudesse ser notado à primeira vista, considerou.
Lançara-se para os braços de Blake movida pela paixão. O relacionamento, o mais longo que já tivera,
durara três meses, tempo suficiente para ela recobrar o bom senso.
Deu de ombros e suspirou.
—Sim. Houve Blake — repetiu.
Todos da família a haviam advertido do engano de envolver-se com aquele homem. Quint chegara a lhe
falar em particular sobre o assunto. E seu conselho não fora bem acolhido.
— Pelo que me recordo, envolveu-se com ele logo após o casamento de Wyatt.
Morgan não se importava com o rumo que a conversa tomava. Queria o passado no passado. Tudo,
incluindo Wyatt. Buscando uma saída, avistou Ginny perto de uma das três mesas postas com o
banquete.
— Vejo que sua adorável noiva parece solitária. Que tal tomá-la nos braços para dançar ou...
Quint pretendera dançar todas as músicas com Ginny, mas naquele momento conversava com a irmã. Ou
tentava fazer isso.
— Cuidarei de Ginny sim, obrigado. Você está sendo evasiva.
Ela deixou escapar um suspiro de impaciência.
— Está me pressionando muito. Deixe para lá, Wyatt — falou e então franziu a testa. — O que foi?
— Você acabou de me chamar de Wyatt. Há algum motivo especial para isto?
Quint tinha suas próprias teorias a esse respeito. Algumas vezes seus irmãos eram muito obstinados em
busca do bem dela, resignou-se Morgan.
— Sim. Quando estou em uma situação aborrecedora, é natural que eu pense em Wyatt.
— Eu ouvi meu nome sendo falado em vão?
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Morgan enrijeceu o corpo ao som da voz de Wyatt atrás dela e lançou um olhar cheio de acusação
para Quint. Ele a devia ter advertido. Virou-se, encarando o intruso.
—Tudo o que se refere a você é vão, McCall.
E então, para seu desalento, observou Wyatt dar uma cotovelada em Quint para tirá-lo do caminho.
Ele pareceu mais do que feliz em afastar-se.
—O que está fazendo? — perguntou a Wyatt, aborrecida.
Ele pegou-lhe a mão e arqueou as sobrancelhas diante da estupidez daquela pergunta.
— O que parece que estou fazendo?
Ela cerrou os dentes.
— Procurando tornar-se um eunuco.
Wyatt não sabia exatamente o que havia de tão fascinante em Morgan naquela noite. Alguma coisa o
atraía para junto dela quando poderia ficar em outro lugar, conversando ou dançando com alguma garota
simpática.
Mesmo assim, com tantas opções, preferia estar ali, sendo açoitado por suas palavras.
—Não — contradisse-a. — Estou tentando me entrosar.
Entrosamento fazia parte do passado. E ela podia observar
Quint com aparência muito feliz diante do evento. Morgan pensou em simplesmente afastar-se, mas algo a
impediu de fazer isso. Gostava de pensar que eram laços sanguíneos, compromissos familiares.
—Eu não sei como ajudá-lo.
Wyatt de modo galante assentiu.
— Você deve aceitar dançar comigo, já que seu parceiro foi embora.
Como estavam com os dedos entrelaçados, ele usou a mão de Morgan como uma extensão da sua e
indicou Quint mais adiante. Seu irmão estava muito ocupado em pousar um beijo nos lábios de Ginny.
— A menos que queira ficar na pista de dança sozinha, sugiro que dance comigo. O sorriso é
opcional.
Ele estava fazendo aquilo novamente, apertando-a de encontro ao peito como se estivesse no meio de
uma lição de anatomia sobre as diferenças entre homens e mulheres.
Precisava afastá-lo.
— Respirar será opcional para você em um minuto se continuar me apertando assim.
Mas Wyatt não retrocedeu. Se possível, apertou-a ainda mais. Morgan não se lembrava de quando se
sentiu tão viva. Nem tão brava.
—Assim como?
Seus olhares se encontraram.
— Como se fosse um alfaiate míope e sem óculos que estivesse tirando minhas medidas para fazer
um vestido.
A comparação o fez rir. Wyatt afrouxou um pouco o abraço.
— Desculpe, foi apenas reflexo.
Ele sabia exatamente bem o que estava fazendo e como fazê-lo. Mesmo assim, Morgan não o deixaria
notar como reagia àquele contato. Ou ele jamais a deixaria esquecer-se disso.
— É assim que mantém cativas todas suas mulheres? Não as deixando sair de suas garras?
Wyatt manteve a mão de Morgan firmemente na sua e contra seu peito, para o caso de ela sentir
vontade de lhe dar um tapa no rosto.
— Não, apenas aquelas que, suspeito, estejam tentando furar meus dois olhos.
Morgan riu.
— Uma turma bem grande, não é mesmo?
Wyatt não estava com vontade de conversar sobre as mulheres de seu passado. Viera ao casamento
sozinho, talvez por razões que não admitira para si mesmo até o momento.
— E quanto a nossa trégua?
— Eu não o matei, matei?
Será que ela fazia ideia do quão tentadora estava? Era claro que sim, ela era Morgan, a favorita,* a
esperta. Morgan, a mulher que podia partir o coração de qualquer um e simplesmente ir embora sem
nem mesmo perceber o que havia feito. Era tão fugaz quanto a luz do sol e tão linda quanto.
— E por que — indagou suavemente — você gostaria de fazer isto?
Seria imaginação ou seus joelhos estavam trémulos?, pensou Morgan. Talvez não devesse ter tomado
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aquela segunda taça de vinho, não após o remédio contra resfriado.
— Princípios gerais. Erros do passado. Infrações futuras. Por que esperar até o último minuto?
Wyatt pressentia que ela gostava mais de sua presença do que admitia. E a recíproca era verdadeira.
Talvez fosse hora de explorarem o assunto.
— Isto é pura retórica, Morgan, sabia disto? Você fica mexendo estes seus lindos lábios, esperando
me nocautear com o efeito que eles criam.
Lindos? Teria ele acabado de chamá-la de bonita? Ou apenas a preparava para o próximo golpe?
Não seria a primeira vez, procurou lembrar-se.
—Vejo que ainda tem a língua ágil.
Ágil ou não, Wyatt sentia uma urgência incrível em passear a língua por aqueles lábios suaves.
O mero pensamento o excitou.
Mas ao inclinar-se na direção de Morgan, a boca a centímetros de seu alvo, ela virou o rosto.
E espirrou.
Rompido o clima romântico, ele lutou por não rir de si mesmo. Quase beijara Morgan.
Provavelmente estivera bem perto de ter os lábios mordidos.
Passou a mão pelo pescoço. Era melhor pensar em algo para dizer.
—Está tomando alguma coisa contra gripe?
—Agora estamos no campo da farmacologia?
Talvez fosse pertinente, mas ela não estava com vontade de entrar em detalhes. Não com
Wyatt. Já se metera em problemas uma vez por ter lhe contado coisas demais. Não tinha
intenção de deixar aquilo se repetir.
Wyatt deu de ombros.
—Estava apenas conversando.
A indiferença em sua voz serviu para lembrá-la da tola que um dia fora.
—Bem, não se incomode em ser gentil.
Afastou-se e caminhou diretamente em direção aos garçons. Pegou uma taça de vinho da
bandeja quase vazia. Era a segunda que tomava.
Ou talvez terceira, emendou. Não tinha certeza. Sabia apenas que precisava da bebida naquele
momento para afastar o gosto amargo em sua boca.
—Vou aceitar uma.
—É sua terceira taça. Acha que deveria?
Então ele a estava controlando? Não tinha nada melhor para fazer do que ficar perseguindo-
a? Ficou insultada com o comentário.
—Está me controlando?
Wyatt sabia muito bem o que aquele tom de voz significava.
—Sim, para que não se meta em problemas.
Ela pôde sentir o rubor colorir suas faces.
— McCall, você significa problemas. É a última pessoa capaz de me manter distante disto.
Um homem inteligente teria retrocedido naquele momento, deixando-a sofrer as consequências de sua
atitude rude, mas ele não estava com vontade de ser inteligente naquela noite.
— A bebida não reagirá bem com os remédios para resfriado que eu a vi tomar há pouco.
Então, muito deliberadamente, tirou a taça da mão de Morgan.
Ela o encarou, atónita.
—Então por que acabou de me perguntar...
— Para ouvir o que diria. E vejo que há lágrimas brilhando em seus olhos.
Não queria que Wyatt houvesse notado. Piscou diversas vezes, desejando que seus olhos ficassem
secos.
— Não eram lágrimas e sim uma alergia.
Wyatt balançou a cabeça. A desculpa caía bem, exceto por uma razão.
— Você não é alérgica.
Morgan franziu a testa. O que era aquilo, uma batalha verbal? Ou ele apenas estava tentando fazê-la
perder a compostura?
— E como poderia saber disto?
— Eu sei. Sei muito a seu respeito.
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A música recomeçou, e ele pegou a mão de Morgan. Surpreendentemente ela o acompanhou no ritmo
da canção.
— Eu não pude deixar de reunir informações ao longo dos anos, Morgan.
O tom provocador sumiu da voz de Wyatt.
— O que a está aborrecendo?
— Além de sua presença?
Ele inclinou a cabeça e a estudou. Supunha gostar dela, assim como todos os outros homens de
Serendipity. E provavelmente de Butte também. Mas em desacordo com todos os outros, não a deixaria
escapar.
— Sim, além de meu assédio.
Morgan suspirou. Talvez estivesse sentindo o efeito do álcool ou fosse apenas o momento. Mesmo
enquanto escolhia as palavras, uma frágil voz em sua consciência lhe implorava para não dizer,
advertindo-a das consequências.
Por um segundo ela fez uma pausa para ouvi-la, então esqueceu-se disso e foi adiante.
—Eu não queria que nada mudasse.

CAPITULO IV

No instante em que as palavras saíram de sua boca, Morgan soube ter cometido um erro.
Estava partilhando um sentimento com Wyatt, algo que jurara a si mesma nunca voltar a fazer. Mas
por mais que lhe custasse admitir, havia vezes em que era fácil demais conversar com alguém como ele.
Imaginou ter aprendido a lição, mas...
Abruptamente voltou a sair da pista de dança em busca da taça que Wyatt tirara de sua mão. Pegou-a
e tomou um gole. Mas isso não a ajudou a esquecer o que acabara de fazer.
Morgan mordeu o lábio inferior. Supunha ser assim que Wyatt conseguira ter sempre muitas
mulheres apaixonadas atrás de si. Não era somente maravilhoso, mas alguém que sabia fazer as pessoas
abrirem o coração em um momento de inesperada fraqueza.
Agentes federais usavam esse talento em benefício próprio. Assim como aranhas, pensou em
desalento. As mortais.
Wyatt a seguiu, assim como ela sabia que faria. Morgan apertou com força a taça, evitando encará-lo,
mas contemplando o sorriso forçado que estava naqueles lábios.
Com a mão livre passou a ponta dos dedos pelos lábios de Wyatt para conter qualquer crítica que
pudesse estar formulando. Pediu a si mesma que ignorasse o arrepio que sentira passar pela espinha.
— Antes que diga qualquer coisa, sei que minha atitude parece infantil. Mas saiba que não estou tentando
bancar a heroína.
Finalmente ergueu o olhar, desafiando-o a dizer alguma coisa em contrário. Surpreendeu-se em ver que
Wyatt não ria. Diante da inesperada gentileza, ficou sem palavras.
—É... E... Talvez a constatação de que nada será como antes me entristeça.
Por que dissera aquilo? Era óbvio que ele a ridicularizaria.
Mas em vez de comprovar o pressentimento de Morgan, Wyatt apenas balançou a cabeça. E
com muita delicadeza afastou os dedos dela ainda pousados em seus lábios.
—Não.
Morgan o encarou, completamente confusa com a palavra.
—Não?
Wyatt sorriu mais para si mesmo. Ao contemplá-la com as sobrancelhas franzidas e quase
unidas daquele jeito, lembrava-se de como ela um dia fora. Uma garotinha rebelde que tentara
duramente ser como os garotos grandes. Se ela soubesse que um dia aqueles garotos estariam se
debatendo para chamar sua atenção...
— Não, não soou infantil — comentou ele. — É claro que as coisas nunca serão as mesmas
novamente, mas isto não significa que algo tenha sido perdido.
Ela olhou para o teto. Um sermão. Otimo. Exatamente o que não queria ou gostaria de
ouvir. Servia-lhe de lição por baixar sua guarda. Em um gesto brusco, tomou o restante da
bebida e colocou a taça na mesa.
No instante seguinte sentiu uma forte tontura, provavelmente fruto da junção de álcool,
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remédio e o confronto hostil. Precisou de mais algum tempo para conseguir focar novamente a
atenção na conversa.
— Certo, eu sei, eu ganhei uma irmã.
Não queria que isso tivesse soado tão rude. Amava Fiona e as outras futuras cunhadas
verdadeiramente. Mas estava velando o encerramento da infância e sendo imensamente sincera.
— Sim, ganhou uma irmã. Mas eu ia dizer que muitas possibilidades novas surgirão para
você.
Morgan estreitou o olhar, tentando descobrir algum aspecto que o fizesse ficar com aparência
ruim. Tinha de haver algo ali de esquisito para torná-lo tão bom a seus olhos.
Afinal de contas, ainda era Wyatt. Nada mudara nele. Morgan postou uma mão no quadril.
—Quais?
Wyatt imaginou que aquilo fosse evidente para uma mulher tão inteligente quanto Morgan.
—Sobrinhas e sobrinhos nos quais poderá mandar.
Ela abriu a boca, então voltou a fechá-la. O que estava prestes a dizer não soava certo, não à luz da
simpatia que Wyatt estava lhe oferecendo. Suspirando, estudou-o, tentando se concentrar. Desejou que
parasse de ficar mais bonito e atraente a cada instante.
Sua cabeça girava quando pousou a mão no colarinho dele.
—Se não parar de se mostrar tão simpático, farei com que Quint o tire daqui como um impostor.
Wyatt capturou-lhe a mão, fazendo-a perder o fôlego.
—Então terá de expulsar nós dois. Você não está exatamente em seu estado normal ao mostrar-se
sentimental assim.
Morgan deu de ombros em resposta. Ele demorara, mas obviamente estava compreendendo a atitude
dela.
Wyatt continuou a perscrutar o belo rosto, tentando ler as emoções corretamente.
—A menos, é claro, que não aceite a ideia de ter outra mulher na família Cutler.
Morgan ergueu a cabeça, seu modo brusco retornando de imediato.
— Alguém para roubar seu lugar — acrescentou ele.
Como se isso fosse possível, pensou Wyatt. Mas se o dissesse em voz alta, soaria estranho. Sem mencionar
que Morgan provavelmente iria gargalhar.
A situação voltava a ser como de costume, pensou amargurada. Ele estava sendo o impertinente de
sempre. Como ousava sugerir que ela estava com ciúme das noivas de seus irmãos?
—Não há posição alguma a ser mantida.
Wyatt limitou-se a sorrir diante da negativa. Ambos sabiam que ela nunca fora acusada de ser uma
frágil violeta.
—Assim diz você.
Morgan espalmou a mão contra o peito dele e o tirou de seu caminho.
— Está ficando um tanto abafado aqui dentro para mim. Se não se importa, preciso de um pouco de
ar.
Dizendo isso, caminhou para fora da casa em direção ao gramado. Não parou até chegar à clareira e à
fileira de árvores que a ladeavam. O local era chamado por seus pais de "o quintal". Teve de se mover
rapidamente para evitar que os saltos altos não mergulhassem no chão fofo.
Parou ao lado de uma árvore e respirou profundamente, exalando com vagar.
Não precisava de um pouco de ar... Necessitava de muito. Aos poucos sua pulsação foi
retornando ao normal. Precisava também ficar longe dele...
Morgan sentiu um calor intenso. Passou os dedos pela pele, como para fazer com que a cor
púrpura que provavelmente invadira seu rosto fosse embora. O que havia de errado com ela
naquela noite?
Apenas em ter Wyatt em pé a seu lado, encarando-a profundamente, o ar lhe fora roubado dos
pulmões a uma velocidade excepcionalmente rápida.
A noite de verão, cheia de promessas, enrolou seus dedos úmidos ao redor dela. A umidade
chegara como hóspede não convidada ao casamento de Hank e Fiona e parecia determinada a
permanecer até que o último conviva fosse embora.
Ergueu os cabelos na altura da nuca mas não houve alívio, brisa alguma tornou a temperatura
suportável. Detestava umidade com calor. Sentia-se melhor no inverno, embora o vento trouxesse
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temperaturas capazes de fazer uma pessoa congelar. Noites quentes não a agradavam de modo
algum.
Nem a Wyatt, aparentemente.
Tinha de ser a medicação que tomara, considerou, buscando uma desculpa para sua pulsação
simplesmente se recusar a permanecer no estado normal. Era o remédio que a deixava zonza..
Estava acalorada, atordoada e com pensamentos que absolutamente não tinham qualquer razão
para existir. Pelo menos não os referentes a Wyatt. Suspirou.
— Você está bem?
Morgan mordeu o lábio. Droga, ele conseguia seguir uma pessoa com passos mais leves do que
uma sombra.
Wyatt a seguira, preocupado com a súbita palidez que testemunhara no rosto de Morgan. Ela
não lhe pedira ajuda e não o faria mesmo se estivesse morrendo, bem o sabia.
Mas também não fora típico compartilhar sentimentos com ele. A última vez em que fizera
aquilo, lembrou-se, fora pouco antes de ele anunciar o casamento publicamente.
Antes de ter sido forçado a anunciar o casamento, emendou em silêncio.
Judith não apontara uma arma para sua cabeça para forçá-lo a casar-se. Meramente lhe dissera
sua condição, e o senso de honradez e responsabilidade cuidou do restante.
Naquela época pensou ser a coisa certa a ser feita. Mas que se tornou terrivelmente errada.
Para ambos.
E talvez, pensou ao olhar para Morgan, para mais do que apenas os dois.
Mas tudo fazia parte do passado. E ele e Morgan estavam no presente.
Ela assentiu em resposta à pergunta e instantaneamente se arrependeu. Sua cabeça pareceu
girar, deixando o corpo para trás.
Não teve plena consciência de estar zonza até sentir os braços de Wyatt ao redor de seu corpo.
Fortes e firmes. Quase caiu até finalmente seu cérebro vir em seu socorro.
O corpo de Morgan ficou rígido como a lâmina de uma faca recém-afiada. Empurrou Wyatt mas
ele não a soltou de imediato.
—O que está fazendo? — indagou, irada.
Estavam distantes da casa, mas ela poderia gritar mais alto do que qualquer outra pessoa nas
redondezas se precisasse. Encarou Wyatt, esperando por uma explicação. Ou por um motivo
para gritar.
—Estou procurando evitar que suje de grama seu vestido de dama de honra. Disseram-me
que é muito difícil lavar um vestido assim. — Wyatt a soltou. -— Azul lhe cai bem — o
comentário foi dito com sincero sentimento.
—Obrigada — murmurou, mais perturbada pela observação do que pela momentânea tontura.
Morgan precisou de um segundo para se recuperar antes de fitá-lo.
— O que está fazendo aqui? Por que segue meus passos?
A mulher desafiaria um anjo em uma missão de misericórdia.
Não que alguém já o tivesse acusado de ser um anjo, pensou Wyatt, divertido com a hipótese.
—É um trabalho sujo, mas alguém precisa fazê-lo.
Tomou o queixo de Morgan na mão e a fez virar o rosto na direção das luminárias que ladeavam
a casa. Examinou-o. Parecia que a cor retornava a sua face. Não devia ter se preocupado tanto.
Passaram-se alguns segundos, e ele continuou a segurá-la.
—Se está com vontade de bancar o médico...
Seus olhares se ataram. Wyatt sentiu a pulsação acelérar-se. Isso sim era uma surpresa para ele.
—Sim?
A noite quente parecia envolver a ambos. Morgan sentiu algo girar a seu redor.
—Você achou um momento bem oportuno. E é bom nisto.
A resposta o surpreendeu mais do que Morgan teria esperado
se tivesse elaborado muito a frase. Ele esperara uma resposta irada e não algo assim.
Parecia uma mulher subitamente consciente de um desejo profundamente arraigado. Antes
fosse assim, pensou Wyatt. Antes fosse.
As palavras ecoavam em sua mente, zombando dele. Provocando-o.
Sim, gostava do jeito dela, constatou mais uma vez. Gostava de Morgan. Mas esse caminho
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levava a uma mina de problemas.
Wyatt, entretanto, nunca fugira de um problema, e aquela não era a noite certa para começar
a fazê-lo.
Sentindo-se tomado por uma emoção ímpar, baixou a boca até cobrir os lábios de Morgan
levemente. Durante todo o tempo permaneceu aguardando. Esperando que ela reagisse, lhe desse
um tapa, explodisse em impropérios e risse.
Mas ela o espantou ao não fazer nada disso.
Com um gemido baixo, enlaçou seu pescoço e correspondeu ao beijo. Beijou-o como se
houvesse uma combustão interna em seu corpo, e ela estivesse dominada por aquele fogo.
A analogia mostrou-se mais verdadeira do que inicialmente Wyatt pensara. Sentia-se
atropelado por um trem. Um trem muito pesado carregando milhares de carros em seus vagões.
E ele sempre tivera fraqueza por trens...
Com o sangue fervendo, apertou os braços ao redor de Morgan, permitindo-se, apenas por um
momento, mergulhar naquela reação antes de começar a entreter um pensamento sensato sobre
as consequências e a retaliação de Morgan.
Mas naquele instante, tudo o que queria fazer era sentir. E apreciar.
Aprofundou o beijo. A loucura aumentou, roubando-lhe a sensação de realidade e qualquer
âncora que um dia o havia mantido seguro.
Aquela era Morgan? Morgan Cutler? Wyatt achava impossível acreditar que a mulher em seus
braços, aquela que o levava à beira de um abismo, era a mulher de língua ferina que conhecia havia
tantos anos.
O último e único beijo que haviam partilhado, tanto tempo atrás, era pálido em comparação àquele.
Para uma mulher cujas palavras com frequência eram amarguradas, ela tinha um gosto incrivelmente
doce. Tanto que Wyatt com prazer ficaria saboreando sua boca para sempre.
Rumo a sua completa ruína.
Não poderia lidar com aquilo atualmente, quando cada poro de seu corpo lhe implorava para continuar
a tê-la nos braços. Pára fazer amor com Morgan.
Com vagar, Wyatt deslizou as mãos pelas costas dela e braços. Migrou para a região da cintura e, aos
poucos, seus dedos foram subindo para as curvas tentadoras dos seios. Quanto mais a tocava, mais se
sentia enlouquecido e mais queria.
Só podia estar maluco.
Naquele momento em particular, Wyatt não teria discutido se o acusassem de louco. Também sabia que
pagaria caro por aquela ousadia. Mas nem se importava.
Morgan sentia-se em meio a um furacão de emoções desde o instante em que olhou para Wyatt e soube
que ele iria beijá-la. Houve um momento em que o medo se materializara, dizendo-lhe que talvez ele não
a beijasse...
Como era Morgan, tomara a iniciativa, como sempre. Não seria Morgan se não fizesse isso. Sempre
fora aquela a dar o primeiro passo, a apertar o primeiro botão, a meter a cabeça dentro da sala escura
para dar uma olhada. Fizera tudo isso e mais havia poucos segundos.
E obtivera muito mais do que se permitia imaginar.
Das outras vezes, a antecipação, brilhando um momento antes do toque, sempre suplantara a realidade.
Passara a esperar por isso. Um beijo de verdade nunca era tão bom quanto o imaginado. Realidade nunca era
tão maravilhosa quanto fantasia.
Mas dessa vez era.
A realidade daquele momento a fizera conhecer a liberdade das asas de uma águia voando contra o
vento. Sua respiração estava trôpega, não a deixando mover-se para adiante nem retroceder, levando-a ao
ponto da explosão.
E tudo porque sentia Wyatt a tocando. Sim, queria que ele fizesse isso. Não apenas a tocasse mas sim a
tivesse plenamente.
Mais do que tudo, Morgan desesperadamente gostaria de tê-lo. Fazer amor selvagem e passionalmente
com Wyatt. Ali, no chão onde nascera. Na terra que amava de todo seu coração.
Nunca fora uma pessoa cautelosa. Mas daquela vez se sentia despreocupada ao limite.
E adorava a sensação.
Tinha de ser o remédio. Ou o vinho. O vinho, era isso! Era o vinho. Não, ambos. Por que outro motivo
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estaria se comportando assim? Por que não o detivera?
E por que gostaria que Wyatt fosse adiante?
A parte minúscula de sua mente que ainda conseguia pensar buscava um motivo em que se agarrar
quando a loucura passasse, e seu sangue esfriasse. Sabia que ia se arrepender daquilo, realmente iria,
mas lidaria com tudjo mais tarde.
Por enquanto, queria que Wyatt aliviasse aquela fome que a consumia.
Queria ter algo de que se arrepender mais tarde.
Morgan se arrependeria daquilo.
As palavras pulsavam na cabeça de Wyatt mesmo enquanto a beijava, embora estivesse se perdendo
naquele sabor, na sensação e perfume dela.
Sua consciência o acusava com a persistência de uma pe-drinha dentro de um sapato de corrida. Sabia
que Morgan não devia ter tomado vinho, não em conjunto com o remédio para o resfriado. E
certamente não três taças.
Por que tinha de se sentir tão responsável por ela? Por que não podia apenas apreciar sua presença, as
mãos que passavam por seu corpo? Apreciar o contato com a tigresa que emergira de debaixo da máscara
de irmã de seu melhor amigo?
Wyatt resignou-se. Era um tolo. Não havia outro nome para ele. Mas tolo ou não, não poderia aceitar o
que Morgan lhe oferecia. E o que desesperadamente queria aceitar. Ela não estava consciente de seus atos
e sóbria para fazer uma escolha tão importante.
Com um esforço que deixaria um super-herói orgulhoso, Wyatt se afastou e segurou as mãos de
Morgan. Se ela ao menos soubesse quanto isso lhe custava...
Havia confusão nos belos olhos dela, fazendo-o quase partir-se em dois. Será que Morgan riria se
soubesse que naquele momento provavelmente teria arriscado a alma para fazer amor com ela?
Teria vendido sua alma ao diabo...
Sabia que ela não deixaria isso acontecer se estivesse no pleno domínio de suas faculdades
mentais.
Demorou-lhe um momento para encontrar a voz e não fazê-la soar descompassada.
—Eu não acho que queira fazer isto, Morgan.
Morgan sentiu-se enregelar. Wyatt não a queria. Julgava-a muito aborrecedora para sentir
atração genuína por ela. Talvez não achasse que fosse capaz de contorcer o corpo para ficar nas
excitantes posições conforme a ex-esposa fizera.
A constatação de que a estava rejeitando, embora tivesse acolhido Judith com braços abertos,
fez lágrimas de raiva se formarem em seus olhos. Prendeu a respiração como um mergulhador
antes de se jogar na água gelada.
Reuniu toda porção de dignidade que encontrou e livrou as mãos do toque de Wyatt. Não
sabia como conseguiu sorrir, mas nada mais importava. Orgulho ferido era poderoso.
—Você tem razão, eu não quero.
Morgan o observou, durante todo o tempo ouvindo as batidas de seu próprio coração. Como
podia ter esperado algo diferente?
—Eu apenas quis ver quão longe eu poderia levá-lo, Wyatt. Longe demais, aparentemente.
Virou a cabeça para longe dele e mordeu o lábio inferior, temendo que, se não fizesse isso, as
malditas lágrimas caíssem livremente por seu rosto.
Lágrimas de uma mulher que sabia que estava sendo rejeitada.
Levantou o queixo.
—Bem, agora que já me diverti bastante, vamos voltar para a festa.
Wyatt não queria que terminasse assim. Ela o havia atingido. Que Deus o ajudasse, de alguma
maneira Morgan o havia atingido mesmo depois de Wyatt ter acreditado que não havia mais
sentimento dentro de seu peito para ser machucado. Não depois de Judith com seu modo
desagradável de ser. Pousou a mão no ombro dela para fazê-la retroceder.
—Morgan, eu...
Morgan afastou sua mão como se tivesse lhe causado uma queimadura. O sorriso, quando veio,
foi forçado e contrastava com o brilho gélido em seu olhar.
— Você pode ficar aqui fora e conversar consigo mesmo se quiser, mas eu vou entrar.
Deu um passos para trás, aumentando a distância entre os dois.
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— Hank e Fiona vão partir para a lua-de-mel a qualquer minuto, e não quero perder a
saída deles.
Não seria, na verdade, uma lua-de-mel tradicional, apenas três dias em um hotel simples em
Monterey. Tinham pouco tempo. Na semana seguinte teriam de retornar para o casamento de
Kent e Brianne.
Mas Morgan sabia que o importante era estar ao lado de quem se amava e que o jovem casal
não lamentaria ter de interromper a viagem para participar do casamento do irmão.
Bastava que o amor fosse verdadeiro, algo que, imaginava, jamais encontraria para si. Parecia
uma peça cruel do destino.
Sem esperar por um comentário, Morgan girou nos calcanhares, qual uma princesa real
retornando para o castelo.
Teria Wyatt apenas imaginado tudo aquilo? Em um segundo ela estava quente o bastante para
irromper em chamas e no seguinte podia ter sido o maior iceberg do mundo. Exatamente o que
tinha acontecido ali? Não tinha certeza de mais nada.
Com um suspiro, também começou- a caminhar para a casa, mantendo boa distância entre os
dois. Era mais seguro assim.
Até então sempre se orgulhara de ser capaz de compreender as mulheres, mas não tinha nem
uma pista sequer de como entender a atitude de Morgan. Nunca conseguira. Gostasse ele ou não,
aquela mulher tinha características absolutamente peculiares.
E parecia gostar de ser assim.
Quanto a ele, sabia apenas que, para preservar sua sanidade, precisava deixar a mente
distante de Morgan doravante.
Imaginava que não seria tão difícil fazer isso, não quando ela agia como se uma praga fosse
mais desejável do que estar a seu lado.
Talvez, a longo prazo, fosse melhor assim. Não se sentia seguro o bastante para lidar com uma
mulher como Morgan Cutler.
CAPITULO V

Wyatt não sabia por que não ouvira o próprio conselho.


Certamente era simples. Precisava e pretendia ficar distante de Morgan. Parecia-lhe a única coisa
sensata a ser feita.
Afinal de contas, ela despedaçara seu raciocínio, fizera evaporar sua resolução de não se envolver com
mulher alguma e então agira como se ele tivesse feito algo terrível.
Distanciar-se dela era realmente sua única opção.
Seguir seu conselho de domingo à quinta-feira fora fácil. Entretanto, aquela sexta-feira apresentava como
um sério desafio.
Mesmo assim, ponderou Wyatt, enquanto caminhava até a Igreja de Santa Anne para o ensaio do
casamento de Kent e Brianne, se realmente queria manter sua sanidade e não fazer papel de tolo, teria
de ser assim.
Ao menos na teoria.
Seu corpo podia estar cativo àquela indescritível combinação de sensações e desejos, mas a mente
poderia ficar acima de tudo até mesmo nos momentos mais tentadores.
Seus olhos pousaram em Morgan.
Ela entrara um minuto e meio após Wyatt. Como se tivesse feito a si mesma as mesmas promessas dele,
esperou até todos estarem na igreja para poder se perder em meio ao grupo.
Wyatt observou Morgan se mover pela nave como um jaguar sentindo o cheiro da presa.
Era a primeira vez que pensava em si mesmo em tais termos, notou. Presa era igual a vítima. Maldito
fosse, caso se deixasse ser vítima daquela mulher.
Pior, se fosse um dos descartados por Morgan. Embora tivesse se ausentado por quase dois anos, sabia
de tudo sobre quem a tinha assediado.
Homens com os quais ela havia namorado e então descartado como se fossem pilhas usadas com
vida útil incrivelmente curta. Pois não seria mais um número em meio àqueles.
Acenou para ela ao vê-la acomodar-se em um banco. Notou que se sentara em uma
extremidade, o que era desnecessário já que eram as duas únicas pessoas naquela fila. Os
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outros haviam se acomodado adiante, ocupando os bancos entre aquele e o altar.
Parecia não haver lugar alternativo para onde ir.
Ele poderia ter toda a expansão de uma enorme catedral para se alojar e mesmo assim
sentiria a presença de Morgan. Era como estar infectado por uma febre. Acompanhava-o não
importando para onde fosse.
Morgan mal tomou conhecimento de sua existência. Normalmente isso não o incomodava.
Não fazia ideia do motivo de, naquela noite, sentir-se tão aborrecido com o fato.
Talvez porque ela estivera em sua mente durante toda a semana, apesar de seus incansáveis
esforços para bloquear tais pensamentos.
Wyatt voltou o rosto para a frente da igreja. Não queria pensar em Morgan e sim ensaiar para
mais um casamento. Estavam todos novamente ali, os mesmos rostos, mas a atenção focava-se
em Kent e Brianne. Hank e Fiona haviam se tornado os mais velhos casados do grupo.
E ele, o que se tornara?
Um homem frustrado, só isso.
E como poderia ser diferente quando estava a centímetros de distância de Morgan? Tinha
uma sensação horrível de que algo havia lhe escapado por entre os dedos no último sábado.
Isso lhe servia de lição por ter tentado ser nobre. E justamente com alguém como Morgan.
Will se virou para olhar a irmã e Wyatt enquanto o padre Gannon procurava fazer suas
palavras soarem originais e cheias de significado ao falar para Kent e Brianne.
Will teria de estar morto para não notar o que estava acontecendo. A tensão vinda daquele
banco era densa o suficiente para estrangular qualquer pessoa que tivesse um mínimo problema
respiratório.
A qualquer momento, esperava Will, alguém começaria a cantar uma música para um duelo.
Começou a se levantar, e Audra, a filha de seis anos de idade de Denise, agarrou sua manga e o fitou de
modo questionador:
— Está indo embora?
— Eu apenas gostaria de ver se está tudo bem com tia Morgan — sussurrou para a menina.
Seu próprio casamento aconteceria apenas na semana seguinte, mas Will já havia aderido ao hábito
de se referir a seus irmãos como tios e tia de Audra. Ansiava muito por ser o padrasto da menina.
Quase tanto quanto ansiava por ser marido de Denise.
—Oh! — Audra soltou sua camisa. — Está bem.
Ele deu um beijo na mão da garotinha.
—Adoro mulheres compreensivas.
Audra cobriu a boca com as mãos e riu.
Will aproximou-se do banco onde Morgan estava e fez um sinal para que ela escorregasse para o lado.
Mas sua irmã permaneceu rígida no mesmo local.
Mover-se dali significaria sentar-se mais perto de Wyatt, e ela já estava mais próxima do que pretendia
estar. O homem a havia insultado, realmente insultado, não uma mas duas vezes.
De nada adiantava considerar que ela não estava em seu juízo perfeito no último sábado.
Havia se jogado nos braços de Wyatt, e ele simplesmente a afastara, dando um passo para o lado e
permitindo que caísse de rosto no chão. Deixara-a plenamente humilhada. E uma mulher não esquecia
ou perdoava algo assim.
Ao menos Morgan não.
—Você pode se sentar entre nós dois ou conversar em pé mesmo. Não tenho intenção de me mover
daqui.
Morgan olhou para Will, seus lábios mal se movendo ao falar. O que quer que fosse, era algo ruim, pensou
ele.
—Há algo de errado entre vocês dois? — Will tentou manter a voz tranquila. Não queria acrescentar
nada ao drama. — Quero dizer, além do usual?
Ela não ia abrir seu coração para ninguém. Seus irmãos provavelmente ririam de toda a história. E
partilhariam a boa piada com Wyatt. Isso não era algo novo. Apenas a mágoa era recente.
—Estamos bem — disse Morgan.
— Bem — repetiu Wyatt após dar um olhar de soslaio para Morgan.
Estava longe de sentir-se bem, mas ele não confessaria nada. Não admitiria e nem lhe daria a
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satisfação de saber que permanecera nos pensamentos dele durante toda a semana, por mais
que suas resoluções tivessem sido em contrário.
Will deu de ombros. Era inútil tentar convencer um dos dois a conversar quando estavam
com aquele estado de espírito. Mesmo se pudesse, sabia que seria mais fácil lidar com Wyatt do
que com Morgan, e para isso precisaria de privacidade. Talvez durante a festa de despedida de
solteiro naquela noite...
Para uma mulher que era excepcionalmente franca quanto aos sentimentos, Morgan mal
suportava ficar de boca fechada quando algo a aborrecia. Por isso era o próprio quadro da
frustração, pensou Will.
Sorriu. A convivência com a irmã o preparara para Denise, por isso supunha que não podia
exatamente sentir-se aborrecido com a irmã. Se não fosse por Morgan, teria julgado Denise a
mulher mais cabeça-dura do mundo.
Fora necessário uma boa conversa de sua parte para fazê-la não apenas vender os brinquedos
do parque de diversões para o Conselho Municipal de Serendipity como também ficar para
ajudá-los a administrar o parque para o qual ele fizera o projeto arquitetônico.
Levantou as mãos em sinal de rendição e começou a voltar para seu banco. Acharia um jeito de
ajudá-los no tempo devido, prometeu a si mesmo.
Wyatt esperou até que Will os deixasse antes de se virar para Morgan. Talvez fosse mais
inteligente manter a boca fechada e apenas participar do ensaio e do casamento. Mas não era de
se deixar submeter. Sempre enfrentara desafios e naquele momento não seria diferente.
Inclinou a cabeça e sussurrou:
— Morgan, precisamos conversar.
Arrepios, quentes e deliciosos, passaram pela espinha dela. Procurou manter os ombros em
posição rígida.
— Não, não precisamos — respondeu secamente.
O que fazia ali, ao lado de Wyatt?, condenou-se Morgan. Apenas buscava problemas.
Levantou-se e instantaneamente sentiu uma mão forte fechar-se ao redor de seu pulso. Ele já a
havia tocado milhares de vezes antes, mas dessa vez era diferente. Morgan se sentia diferente.
Lutou para não deixar óbvia sua inquietação e lhe lançou um olhar de advertência.
—Molestar a irmã do noivo, particularmente dentro da igreja, é proibido. Você poderá ser
destinado a passar um século a mais no inferno por isso.
Wyatt não se deixaria vencer por uma língua afiada.
—Eu correria o risco se achasse que melhoraria a situação.
Quanto ao último sábado...
Oh, não, não ia falar sobre aquilo. Não após ele ter deixado seu desinteresse tão evidente.
—Foi um casamento adorável, não foi?
Era impossível não ter se sentido tão afetada quanto Wyatt ficara.
— Sabe o que eu quis dizer...
— Por mais que seja simples, McCall, eu às vezes tenho
dificuldade em compreendê-lo. Esta é uma das ocasiões.
Com um gesto rápido, livrou a mão e caminhou para a nave no momento em que, por sorte,
seus irmãos e demais se levantavam para começar o ensaio.
Morgan contava com a memória para fazer tudo correta-mente porque não ouvira uma só
palavra do que padre Gannon dissera havia poucos momentos.
Até mesmo se Will e Wyatt não tivessem conversado com ela, as batidas aceleradas de seu
coração teriam bloqueado as palavras do padre.
Kent colocou a caneca de cerveja sobre a mesa defronte a Wyatt.
—Está bem. O que está acontecendo entre você e Morgan?
Perdido em pensamentos, Wyatt moveu o olhar da cerveja para o amigo. Por um momento
esquecera-se até de onde estava.
O único bar de Serendipity fechara suas portas à clientela mais cedo naquela noite de sexta-
feira para proporcionar a Kent uma despedida de solteiro.
O local estava lotado de cowboys do Rancho Shady Lady, pessoal que Kent conhecia desde a
infância.
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Normalmente a penumbra e a fumaça, mesclados à música alta acalmavam Wyatt.
Mas não naquela noite.
Nada parecia capaz de tranquilizá-lo, pensou tomando mais um gole da cerveja quente. Nada,
desde que beijara Morgan.
A pequena bruxa colocara seu mundo de cabeça para baixo e atualmente nem lhe dirigia duas
palavras.
Aconselhar-se de que era melhor assim em nada melhorava sua disposição. Apenas o deixava
mais agitado.
Não estava, entretanto, com vontade de conversar sobre aquilo, por isso buscou uma resposta
vaga.
—A mesma coisa de sempre, nada mudou.
Kent achou a resposta de Wyatt pouco satisfatória. Mesmo se Will não lhe tivesse falado, teria
notado sozinho que havia algo acontecendo entre sua irmã e o amigo, alguma coisa de diferente
muito mais séria do que o usual.
Como regra, Kent não se intrometia na vida afetiva de outras pessoas, também não gostava que
fizessem isso com ele.
Mas o amor a Brianne lhe ensinara que quando se amava alguém, obtinha-se permissão
velada para invadir a privacidade dessa pessoa. Mesmo que não gostasse.
E especialmente quando se percebia que, no caso Wyatt e Morgan, estavam prestes a cometer
mais um engano. Se Quint não tivesse dado palpites na vida de Kent, por exemplo, ele podia ter feito
a coisa mais tola de sua vida e deixado Brianne ir embora.
Sem esperar por um convite, Kent acomodou-se à mesa.
— Se este fosse o caso, você não estaria com a aparência de quem acabou de comer uma
caixa de maçãs estragadas.
—O que meu irmão pouco articulado está tentando dizer é que você não está em seu estado
normal, à vontade — Quint falou ao acomodar-se defronte a Wyatt.
Ele sentiu, mais do que viu, Kent fazer um gesto de assentimento com a cabeça.
—A propósito — disse Will, acrescentando seu toque à conversa e seu corpo à mesa também
—, você está com a mesma aparência de quando nos contou que ia se casar com Judith.
Will e seus irmãos tiveram a mesma opinião, naquela época distante. Todos acharam que seria
uma má escolha para o amigo, embora o tivessem apoiado em sua decisão. Will sempre suspeitou de
que havia mais naquela união do que Wyatt lhes contara.
—Como assim?
A pergunta escapara dos lábios de Wyatt de modo ríspido. Não queria que soasse rude. Talvez
eles tivessem razão, considerou. Era possível que seus nervos estivessem à flor da pele. Secou
o copo e serviu-se de mais bebida.
—Como se tivesse acabado de tomar parte em sua própria execução — elaborou Hank.
Como a mesa já estava cheia, pegou uma cadeira e colocou na lateral. Sentou-se ali, encarando Wyatt.
Alguma coisa aborrecia seu melhor amigo e gostaria de saber o que era.
—Então nos diga, o que está acontecendo?
Confrontado pelos quatro irmãos Cutler, Wyatt se sentiu muito pressionado. E ter tomado quatro cervejas
também não ajudava.
—O que é isto, um interrogatório?
—Não! — Quint ajeitou o chapéu com a ponta do polegar, estudando o rosto de Wyatt.
A luz batia em seu distintivo de delegado e o fazia cintilar.
—Se fosse um interrogatório, você saberia, garoto. Trata-se apenas de interesse fraternal por parte de seus
amigos. Está acontecendo alguma coisa entre você e Morgan que deveríamos saber?
Quint pressentia já saber qual a resposta, mas gostaria de ouvi-la de uma das duas partes envolvidas.
Era mais fácil tentar obtê-la de Wyatt do que Morgan. Uma sombra pareceu cair sobre a mesa.
—Algum de vocês já considerou o fato de Morgan ser uma garota crescida atualmente, com direito à
própria privacidade? E que ela não precisa que seus irmãos mais velhos metam seus grandes narizes
em assuntos que não lhes dizem respeito?
—Isto não me soa nada bem. — Quint não precisou se virar para saber que Morgan invadira a
festa e estava em pé atrás deles.
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—Quem a deixou entrar, magrela? Esta é uma festa particular.
Morgan precisou se esforçar para não torcer o nariz ante o apelido que o irmão costumava usar para ela
quando pequenina.
Sabia haver apenas afeto na palavra, bem como por detrás da atitude de seus irmãos em pressionarem
Wyatt. Mas estando ou não imbuída de afeto, a reunião improvisada referia-se a sua vida, que não estava
disponível para o público. Seu olhar acusador pousou em cada um dos homens sentados àquela mesa.
—Não que isto importe, mas eu subornei o porteiro. E não mude de assunto.
Mudar de assunto era exatamente o que Quint pretendia fazer. Não estava com vontade de presenciar
mais um acesso de destempero de sua irmã.
—Esta é uma despedida de solteiro, Morgan. — Deliberadamente passou o polegar pelo distintivo
para fazer com que ela se lembrasse de que Quint era o delegado tanto quanto seu irmão. —
Mulheres não podem entrar.
Morgan detestava quando Quint resolvia ser mandão. Sabia que ele apenas tentava provocá-la, mas sua
tolerância se esgotara no decorrer da última semana.
Aborrecida, indicou a mulher que havia aparecido de dentro de um gigantesco bolo, usando minúsculas
roupas de banho havia menos de uma hora.
— Ela foi contratada para nos entreter — justificou Quint.
— Sim, entretê-los.— O olhar de Kent cintilava.
— Fique quieto ou vou contar tudo para Brianne — avisou Morgan, e voltou a atenção a Quint.
— Eu também posso entretê-los — disse, sorrindo. — Que rem que eu cante?
Kent fez uma careta enquanto Hank cobria os ouvidos. Morgan era muito agradável aos olhos, mas
todos concordavam que quando cantava fazia gatos fugirem em busca de abrigo.
— Oh, Deus, tudo menos isto!
Quint já estava em pé, gesticulando em direção ao bar.
— Subitamente sinto vontade de beber algo mais forte do que cerveja. — Olhou de um irmão para
outro. — Por que vocês todos não se juntam a mim?
Mas quando Wyatt começou a segui-los, pronto para acompanhar os outros até o balcão do bar, Quint
colocou uma mão em seu ombro, impedindo que fizesse isso.
—Você não, Wyatt.
Nem se importou em esconder o divertimento ao olhar para Morgan e então para Wyatt novamente.
—Vocês têm coisas a passar a limpo.
Morgan já estava ficando cansada de seu irmão pensar que podia administrar sua vida apenas porque em
algumas ocasiões fora mais sensato do que ela.
—Não, nós não...
Quint fixou em Morgan um olhar determinado.
—Você quer ficar aqui? Passe a limpo.
O assunto não estava mais em debate.
Morgan soltou a respiração em um longo suspiro enquanto todos seus irmãos iam para o bar. Amava-
os, mas algumas vezes realmente tinha vontade de esbofeteá-los. Uma pena já não ter mais dez anos de
idade. A vida adulta tinha seus dissabores.
Pensou no último sábado e em como Wyatt a fizera sentir-se bem durante preciosos momentos. E então
na dor e frustração que vieram imediatamente depois. Sim, a vida adulta certamente tinha seus
dissabores.
Wyatt não se lembrava de já ter ficado desconfortável na presença de Morgan. Inseguro talvez, mas
nunca daquele jeito. Como chegara a esse estado?
Ela ainda era a irmã mais nova de Hank. Mas havia mais do que isso, e ele sabia que correria sérios
riscos se insistisse em caminhar por aquele terreno íngreme.
Talvez não houvesse qualquer lugar seguro por onde andar. Ergueu o copo com cerveja.
— Quer tomar cerveja? Está um pouco quente.
Gostava que fosse assim, mas sabia que a maioria das pessoas não.
Resignada, Morgan sentou-se. Deu de ombros de modo indiferente à pergunta. Já que estava ali, talvez
devesse mesmo tomar cerveja. Qualquer coisa para livrá-la da secura em sua garganta.
Pegou um copo vazio que um de seus irmãos deixara para trás e o estendeu para Wyatt.
— Eu não me importo. Não sou difícil de ser satisfeita.
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— Sim, certo.
Serviu-lhe a bebida com cuidado. Quando Morgan começou a puxar para si o copo, antes de estar
completamente cheio, Wyatt segurou-lhe a mão e a manteve no lugar anterior até terminar de servi-la.
Encarava-a tão profundamente que a espuma subiu com rapidez e escorreu pela lateral do copo,
molhando os dedos dela. Sem pensar, Morgan os levou à boca. Wyatt a observou e algo dentro dele o
deixou inquieto.
A dor no antebraço o fez lembrar-se de que ainda segurava o jarro com cerveja. Colocou-o na mesa.
—O que faz aqui, afinal?
Morgan segurou com firmeza o copo. O que fazia ali? A pergunta ecoava em sua cabeça. Honestamente
não sabia. Talvez fosse a sensação estranha que a acometia nessa fase de casamento de seus irmãos.
Tentou mostrar descaso ao falar:
—Eu queria ver como era uma festa de despedida de solteiro. Nunca tive oportunidade antes.
Tamborilou os dedos no copo. A cerveja escura era agradável de beber, mas não conseguia aplacar sua
sede.
Wyatt riu e ergueu seu copo para ela. Havia apenas uma Morgan Cutler no mundo, felizmente.
—Admito que é corajosa, Morgan. Nenhuma outra mulher desafiaria um porteiro para entrar em uma
festa de despedida de solteiro.
Ela interpretou o comentário como uma crítica mas sabia que não deveria. Curioso como, quando ele
dizia que a lua era amarela, Morgan tinha vontade de falar que era verde.
Deu uma olhada para a outra mulher que estava no bar, sussurrando algo ao ouvido de Carly. Pôde ver
as faces coradas do moço. Embora estivesse na casa dos vinte anos, Carly ainda tinha uma doce inocência.
—Quer dizer que não se acertou com ela? — indagou Morgan.
Wyatt acomodou-se melhor no assento e ergueu inocentemente o olhar para o rosto de Morgan.
—Quem?
—Não me venha com este olhar cândido, McCall. Você deixou de ser inocente dois minutos após seu
nascimento, logo depois de ter feito uma proposta indecente para a enfermeira.
— Tomou mais um gole da bebida. — Estou me referindo àquela pequena ali, vestindo uma roupa ainda-
menor.
Morgan não saiba que estava franzindo a testa, mas Wyatt percebeu.
— Aquela que está olhando para você.
Wyatt nem se incomodou em virar-se para olhar para a outra mulher. Como Will já avisara, ela estava
ali para entreter a todos, mas ele não estava disposto a se divertir naquela noite.
Comparecera à festa em homenagem a Kent, e seu senso de união à família Cutler o proibia de
partir muito cedo.
Além do mais, imaginara que, ao participar daquela festa, poderia esquecer os eventos do último final
de semana. Isso certamente não se mostrou verdadeiro. Terminou de tomar a cerveja e colocou o copo
vazio sobre a mesa.
— Nunca a vi antes em minha vida.
Morgan não fazia ideia do motivo de estar pressionando-o. Não se importava com o que ele fazia em seu
tempo livre. Mas mesmo assim lhe ocorreu uma pergunta.
— É isto que fala sobre toda mulher depois que se cansa dela?
Wyatt a encarou.
— Morgan, o que quer de mim?
Não podia responder, porque não sabia. Frustrada, brava e sentindo-se impotente, levantou-se.
— É simples. Quero que morra. Só não faça isto durante o casamento de um de meus
irmãos.
Parecia a Wyatt que ele constantemente estava vendo Morgan afastar-se. Isso não ajudava a
melhorar seu estado de humor.
—Está sorrindo por quê, meu velho?
Zoe, em um gesto carinhoso, ajeitou os cabelos do marido. Era suspeita para falar, mas
julgava-o o homem mais atraente da recepção. Todos aqueles anos e Jake ainda conseguia fazer
seu coração disparar.
Sempre uma anfitriã graciosa, ela estivera cumprimentando e acenando para os convidados
quando olhara e flagrara a expressão de satisfação no rosto do marido através da sala.
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Fora algo breve e cintilante. Sentira-se compelida a fazer a pergunta para saber qual fora a
fonte de tão belo sorriso. Havia mais coisas envolvidas ali do que apenas o sorriso orgulhoso do
pai do noivo. Ela conhecia seu homem.
Lia-o como se fosse um livro, pensou Jake, grato por nunca ter precisado esconder coisas da
esposa. Sabia que teria sido uma batalha perdida.
— Oh, eu apenas decidi dar à natureza um empurrãozinho.
O comentário não fez sentido algum para Zoe.
—Esteve bebendo?
Para provocá-lo, fingiu cheirar sua boca, mas sabia que Jake não era dado a bebida. Seu marido
vinha se cuidando melhor desde o ataque do coração que amedrontara a todos.
Aborrecia-o ser tão cuidadoso, mas ela sabia como Jake valorizava aqueles a quem amava para
fazê-los passar pelo medo da perda novamente.
Inadvertidamente sua mulher se debatia em busca de uma conexão, notou Jake.
—Não, mas acabei de mandar duas pessoas para a adega buscar mais vinho. Separadas, é
claro.
Piscou para Zoe. Ela olhou ao redor da sala, mas nem precisava ter feito isso. Tinha um
palpite bem forte.
— Morgan e Wyatt?
Jake sorriu.
— Exatamente.
Zoe ficou imaginando que talvez a ação bem-intencionada pudesse gerar efeito oposto ao esperado.
— Talvez você não devesse ter interferido. Eles encontrariam
o próprio caminho.
O sorriso de Jake se ampliou ao pousar o braço nos ombros da esposa. Pensou na adega. E na lâmpada
que de propósito removera de um dos três bocais instalados no ambiente. Devia estar bem romântico por
ali. Ele e Zoe haviam tido aquela experiência havia alguns anos.
— É com isto que estou contando, Zoe. É com isto que estou contando.
Zoe riu, balançando levemente a cabeça. Seu marido gostava de dizer-se um durão, mas na verdade
era um romântico inveterado.
— Você simplesmente adora comparecer a casamentos.
Ele gargalhou.
—Sim, sim. Assim começarão a chegar os netos.
Olhou ao redor, observando os filhos antes de voltar a contemplar a esposa.
—Nós temos crianças maravilhosas, não é mesmo, Zoe?
Ela pousou a mão no peito do marido e suspirou. A vida era
muito boa. Estivera a vida toda economizando cada centavo para sustentar tantas bocas naquela casa, mas
mesmo assim, por suas contas, era muito mais rica do que a maioria das mulheres.
—Tem toda razão, Jake.
Zoe olhou para onde Kent e Brianne estavam em pé à mesa do banquete. Resplandecentes em seus
trajes de noivos, formavam um casal maravilhoso. Seu coração de mãe se enterneceu assim como seu
olhar.
— Com toda certeza — sussurrou ela.
Jake a encarou.
— Você não vai chorar novamente, vai?
— Não — murmurou baixinho.
Jake lhe estendeu o lenço, apertando levemente seus ombros.
—Ah, bom. Não achei mesmo que fosse chorar.

CAPITULO VI

A escuridão a envolveu no instante em que Morgan sntrou na adega. Era como se um monstro nascido do
desconhecido a estivesse abraçando. Instintivamente apertou com mais força o corrimão e alcançou o
interruptor de luz.
As lâmpadas mostraram-se bem fracas e oscilantes, avisando da iminente perspectiva de apagar-se.
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Morgan nunca gostara da adega.
Parecia um pensamento tolo, mas a sensação estranha a acompanhava desde os tempos de infância.
Tinha seis ou sete anos quando fora até lá sozinha após o desafio feito por Quint, Hank e Kent.
Ainda se lembrava do modo como seu coração disparara, chegando a ecoar em seus ouvidos. Mas
mesmo naquela idade, recusara-se a deixar qualquer dos irmãos saberem que a mera menção da palavra
adega a fazia suar frio.
Sua imaginação jovem criara histórias repletas de criaturas escondidas na escuridão.
Exatamente conforme seus irmãos encenaram. Vestiram um enorme lençol branco e pularam sobre ela
no instante em que Morgan chegou ao piso da adega.
Ela tropeçou em um pneu, e o lençol que cobria o falso fantasma caíra sobre seu corpo, fazendo-a
correr até seus pulmões quase explodirem.
Quint, Kent e Hank haviam caído para o lado, trémulos de tanto rir. Mas não riram tanto quando ela se
lançou sobre os três, esmurrando-os.
Fora Will quem finalmente a tirara dali, após lhe dar um minuto ou dois de vitória. Disse-lhe mais
tarde que ela merecera aquilo.
Desejava que Will estivesse ali atualmente, para pegar a garrafa de vinho que seu pai lhe pedira para
buscar. A pontada de medo que nascera tanto tempo atrás, naquele dia, ainda existia.
A adega tinha toda a extensão da casa, mas por razões estruturais que Will explicara, tinha formato em
"L". As prateleiras com vinho ficavam nos fundos da sala, após a curva.
Ela precisaria cruzar todo o ambiente para ir buscar a garrafa.
A luz da única lâmpada a iluminar aquele final de cómodo acrescentou, em vez de subtrair, alguns
graus ao nervosismo que sentia.
Era uma estupidez uma mulher na casa dos vinte anos sentir-se assim, condenou-se.
Mas a sensação se recusava a deixá-la, era teimosa assim como outros sentimentos que lhe iam na
alma e no coração.
Um som vindo dos fundos da adega a fez estacar. Sentiu-se gelar imediatamente. Aprumou-se para
ouvir, acurou a visão para ver. Mas a luz no final da adega era tão ténue quanto aquela a iluminar a
entrada.
Mais barulho.
O som de garrafas de vinho sendo movidas ecoou por toda a adega. Era fantasmagórico.
No instante seguinte ela viu uma figura emergir das sombras. Sua respiração ficou presa na garganta,
ameaçando estrangulá-la.
Por instinto, Morgan escondeu-se atrás de uma torre de caixas velhas que abrigavam lembranças
ainda mais antigas. Por um momento voltou a ter seis anos de idade e só conseguia ouvir as batidas
descompassadas de seu próprio coração.
E então ouviu algo mais. O som de garrafas sendo pousadas em algum lugar. O ruído de passos leves no
piso de cimento, aproximando-se.
No instante em que Morgan sentiu a mão em seu ombro, virou-se e jogou todo seu peso contra a
pessoa que estivesse ali na adega com ela.
Mas ficar deitada em cima do assaltante era algo que definitivamente não estava em seus planos.
Morgan lutava por respirar. O perfume daquela colónia lhe disse qual o final da história bem antes de
conseguir focar os olhos na escuridão.
O assaltante que a atacara, aquele sobre o qual estava deitada, era Wyatt.
No minuto seguinte, a indignação tomou o lugar do medo, e Morgan sentiu braços fortes se fecharem
ao redor de seu corpo. Debater-se não ajudaria a melhorar sua situação. Por isso respirou
profundamente para tentar conter a raiva.
— O que está fazendo? Está me seguindo?
Ocorreu a Wyatt que aquela era uma maneira esquisita de iniciar uma conversa ou interrogatório. Mas
nada comentou.
O que demonstrou, para crescente aborrecimento de Morgan, foi divertimento. Ela detestava aquela
expressão em seus olhos, fazendo-o parecer superior a ela.
— Seguindo-a? Como eu á poderia estar seguindo se estava aqui antes de sua chegada?
Morgan não estava em condições de pensar logicamente. Destinava todas suas energias para conter a
raiva, mas tudo se rompia como um lenço de papel úmido em uma piscina.
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— Não tente inverter os fatos — avisou-o, lutando por afastar-se. — E deixe-me ficar em pé.
Wyatt não deu indicação de estar prestes a atender o pedido dela. Ainda não. Estava se divertindo ali, e
apreciando aquela proximidade.
— Calma, você pulou sobre mim e não o contrário, lembra-se?
— Seu olhar a provocava assim como seu corpo. — Não vou deixá-la levantar-se até que se explique.
Era calor que ela sentia por todo o corpo e certamente não desejo. De jeito nenhum! Morgan viu-se
perdendo a discussão interna que travava consigo mesma.
—Explicar o quê? Eu vim para cá, ouvi um barulho e então você colocou sua pata em meu ombro. —
Percebeu que as palavras soavam arfantes. Procurou recompor-se. — Eu tive de me defender —
complementou.
—Ei, eu toco piano com isto! — Indicou as próprias mãos. Logo capturou novamente as mãos de
Morgan e então retornou a sua tarefa e apertá-la de encontro a seu corpo. — Não são patas.
E eu gostaria de saber o motivo de você ter me seguido até aqui.
As faces de Morgan estavam rosadas.
— Eu não o segui para cá. Não fazia a menor ideia de que estivesse aqui... — Seus olhos se estreitaram
diante da mentira que ele acabara de proferir. — E você não toca piano.
Tocar piano parecia algo sensível demais para um homem irritante como Wyatt.
Ele não fazia ideia do motivo de aquela expressão no rosto de Morgan provocá-lo tanto. Por
que tudo nela o atraía como se fosse um pobre peixe vendo uma isca e incapaz de dizer não a
seu destino?
Mesmo assim...
Como era bom tê-la daquele jeito. Estremeceu levemente e viu um brilho nos olhos de
Morgan.
— Cinco anos de aulas e longas sessões de prática bastam para provar que está enganada.
— Se toca piano, então por que Hank nunca falou nada a respeito?
Havia um bom motivo para isso, pensou Wyatt.
—Não era algo do qual eu me gabava. — Viu que Morgan ainda não acreditava nele. E não
importava. Mesmo assim acrescentou: — Algumas coisas um homem gosta de manter para
si.
O que não conseguia manter apenas pára si, constatou, era sua reação ao tê-la deitada por
toda a extensão de seu corpo.
Por que tinha de ser Morgan? De todas as mulheres que conhecia, por que ela o fazia sentir-
se assim?
Morgan arregalou os olhos ao subitamente dar-se conta de que ainda estava deitada sobre
Wyatt. E que parara de fazer esforços para se levantar. Bem, isso poderia ser remediado
rapidamente.
Mas quando começou a se erguer, Wyatt moveu as mãos da cintura para o rosto dela,
imobilizando-a. Emoldurou-lhe a face com as palmas. O toque era leve, mal provocava um re-
gistro e mesmo assim a fez ficar estática com a rapidez com que o ferro era atraído por um
imã.
—Que outras coisas você guarda para si? — Morgan ouviu-se sussurrar.
Em vez de responder, Wyatt mergulhou as mãos nos cabelos sedosos e trouxe a boca macia de
encontro a sua.
— Você fala demais, Morgan.
O protesto que ela estava prestes a oferecer morreu antes de alcançar seus lábios. Envolvida por
uma onda de sensações muito fortes que varria tudo de seu caminho, nada conseguiu proferir.
Sensações indeléveis passavam por seu corpo conforme um beijo seguia outro e então mais
um, cada qual mais longo, profundo e passional do que o anterior. Até que, finalmente, todas
as diferenças entre os dois desabaram, e suas almas pareceram se fundir.
Era como uma revelação. Em um repente Morgan já não conseguia obter o suficiente dele,
experimentar o bastante da sensação avassaladora. Como um eco, migrava de um canto a outro
de seu corpo, em busca dos fundamentos de sua vida.
Longe de desafiar isso, estava desesperada por agarrar-se àquelas sensações.
Morgan sentiu as mãos enormes passarem por seu corpo e percebeu que seus próprios dedos
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estavam trémulos ao fazer o mesmo.
Banindo todos pensamentos e bom senso, alcançou os botões da camisa de Wyatt, em um
frenesi tirando primeiro a jaqueta, depois a camisa.
Incapaz de reconhecer a si mesma, tocou no cinto da calça comprida, completamente
consciente de que o havia despido, e Wyatt fazia o mesmo com ela.
O fogo aumentou e agora crepitava cheio de promessas.
Não importava que estivessem no chão da adega de seus pais ou que centenas de pessoas
ocupassem o piso acima. Nem que alguém pudesse vir à procura dos dois a qualquer segundo.
Em nada contava que ela tivesse feito a si mesma promessas, que tivesse jurado morrer antes
de rompê-las.
Nada tinha importância.
A única coisa que valia naquele momento era perseguir o auge do prazer que lhe acenava,
cintilante, brilhante mais adiante. Apenas a um respirar de distância.
Nunca sentira aquela sensação antes nem conhecera tal desejo. Era como se estivesse
completamente convencida de que iria morrer se não fizesse amor com Wyatt. Naquele
momento. Imediatamente. Dessa vez não o deixaria retroceder.
Em algum lugar nos recessos de sua mente, Wyatt sabia que devia parar. Cabia a ele dizer
não. A responsabilidade era sua. Não era mais certo naquela noite do que há uma semana.
Embora já não houvesse remédios para resfriado nem taças de vinho para levarem a culpa por
tudo, os acontecimentos não eram correios.
Ela era irmã de seu melhor amigo, não uma garota que se pudesse amar no banco traseiro de um
carro. Coisas que fizera quando era jovem demais e muito tolo para saber das consequências.
Atualmente sabia que, por mais que dissesse o contrário, não gostaria de magoar Morgan. Nem de ser
magoado por ela.
Mas a pele era tão quente e sedosa a seu toque, e a boca, o mais tentador dos pecados. Sentiu
fraqueza e desejo. Nem mesmo sermões o poderiam forçar a parar, a abandonar o patamar em que se
encontrava.
Não tinha escolha.
Não quando aquela loucura vagava por suas veias, seu corpo pulsava e soluçava, exigindo ser satisfeito.
Não quando ela tinha gosto mais doce do que qualquer outra substância conhecida na Terra.
Sempre orgulhoso de saber para onde ia a qualquer momento, Wyatt percebeu que perdera o rumo.
Perdera-se em Morgan.
Tudo acontecia em uma névoa, embora de alguma maneira cada movimento fosse cristalino para
Morgan. Cada beijo, cada toque era uma tocha que continuamente a inflamava, fazendo-a galgar patamares
cada vez mais altos.
Quando seus corpos finalmente se uniram, quando alívio e excitação explodiram, a felicidade
vagarosamente a abraçou como uma chuva suave.
Sentia-se tão exausta que respirar era um esforço gigantesco. Seu coração batia mais rapidamente que a
velocidade da luz e duvidava de que um dia fosse voltar ao normal.
E também sabia, sem qualquer sombra de dúvida, de que jamais voltaria a ser a mesma.
Mas, embora seu corpo estivesse mergulhado no torpor do prazer, a realidade começou aos poucos a
tomar forma. Virou a cabeça na direção de Wyatt. Seus olhares se encontraram e ficaram atados. Morgan
respirou profundamente.
O que ela acabara de fazer? Como se deixara fazer parte da legião de mulheres de Wyatt? Onde
estava seu orgulho? Sua honra? Seu raciocínio, pelo amor de Deus?
Perguntas se digladiavam em sua cabeça quase com tanta insistência quanto o desejo que parecia ter
existido havia uma eternidade.
Morgan queria se encolher e se esconder como fizera quando os irmãos a haviam assustado, vestidos de
fantasma. Encolher-se e depois correr tão rapidamente quanto pudesse.
Em vez disso, entretanto, procurou se recompor como uma rainha depois de ser atacada pelo inimigo.
Levantou a cabeça, os olhos pousados em Wyatt.
—Se você, algum dia, sussurrar uma palavra sobre isto a alguém — ela o advertiu, falando cada
palavra bem vagarosamente —, cortarei seu pescoço.
—Ameaça registrada — foi a resposta.
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Wyatt se levantou e estendeu a mão para Morgan. Para sua surpresa, ela aceitou a oferta.
Gentilmente puxou-a até ficar em pé.
Com rapidez, de costas um para o outro, vestiram-se em um silêncio tenso.
Wyatt terminou e se virou novamente para ela. Simplesmente não podia deixar a situação ficar assim.
Algo devia ser dito, compreendido, embora não soubesse o quê, porque nem mesma sabia como se sentia
naquele momento.
Mesmo assim, nunca fizera amor com uma mulher e então se afastara rapidamente. Não era assim que
as coisas tinham de ser.
— Morgan...
A última coisa que ela queria ouvir naquele momento era a voz de Wyatt. Caso ele risse, pedisse
desculpas ou até mesmo respirasse, podia não se responsabilizar por sua reação.
— Não quero conversar sobre o assunto — pediu, tensa.
Não havia desculpas para o que acabara de acontecer. Mesmo assim Morgan elaborou uma, de
qualquer maneira, mais para si mesma.
— Não tenho sido eu mesma ultimamente.
Ele não poderia aceitar aquilo. Havia fogo e paixão no modo como fizeram amor.
— Isto explicaria o prazer então.
Iria zombar dela?
— De quem?
Wyatt não estava com vontade de brigar. Provocar, talvez, mas não brigar.
— Meu — concedeu. — Talvez o seu.
Morgan deu de ombros, tentando mostrar descaso.
— Está tudo bem.
Wyatt não era de se gabar, mas o modo como ela se portara durante o ato amoroso lhe relatara
muito do que Morgan sentia.
— Tentarei não ter minha cabeça decepada.
— Está bem.
Nunca iria admitir que a Terra se movera rapidamente demais e a deixara simplesmente sem
ter onde pisar.
— O que quer que eu diga? — perguntou ela.
—Diga que tudo ficará bem. — Inclinou-se e pegou uma flor que caíra do enfeite de
cabelos de Morgan. Em vez de devolvê-la, ajeitou-a entre as demais. — Mas o que eu gostaria
era que você dissesse o motivo — acrescentou.
Morgan tocou o enfeite, como para garantir-se de que ele havia ajeitado a flor corretamente.
Seu coração voltava a disparar. Desejava que Wyatt não a fitasse daquele jeito. E nem a tivesse
tocado.
— Que motivo?
O olhar dele pousou nos lábios de Morgan.
— Por que fez amor comigo?
Por mais insano que parecesse, fora algo mútuo. Uma atitude com a qual ela teria de conviver
para sempre.
Só podia estar perdendo o juízo.
Morgan cobriu o rosto com as mãos. O que ia fazer? Sentira algo verdadeiramente maravilhoso
e logo com o único homem no mundo por quem não gostaria de sentir nada. O único que tinha
grande prazer em seduzi-la e então afastar-se.
— Bem? — indagou ele, ainda esperando por uma resposta.
—Porque fiz amor com você? — repetiu Morgan, procurando ganhar tempo e tentar parecer
divertida com a situação. — Você me surpreendeu — finalmente disse.
Era uma desculpa e ambos sabiam.
— É assim que reage quando está em posição frágil?
Morgan sabia! Ele riria dela. Provavelmente de toda a situação, assim que tivesse chance.
Como provavelmente rira após o beijo no estacionamento do hospital, debaixo de chuva, havia
cinco anos.
—Você pulou sobre mim antes que eu tivesse chance de afastá-lo.
37
— Quem pulou em cima de quem?
Morgan arregalou os olhos. Será que ele seria capaz de inverter a situação para que parecesse
que ela o havia assediado?
— Eu não pulei sobre você, estava me defendendo.
Wyatt riu.
— Como? Amando-me até a morte? Esta é realmente uma nova regra a ser acrescentada no manual
de autodefesa.
Ela o encarou. Por que apreciava humilhá-la?
— Você é impossível.
Incapaz de resistir, Wyatt passou a costa da mão pelo rosto de Morgan. Essa tinha de ser uma das piadas
celestiais, fazê-lo desejar uma mulher tão difícil.
— Não, acho que acabou de aprender que não sou. Posso ser domado.
Tudo o que ela queria era sair dali. E só conseguia pensar no modo como aquela boca fora agradável
em cpntato com a sua. Só podia estar louca.
— Aconteceu, certo? Não fantasie as coisas.
— Está bem. — Wyatt inclinou a cabeça, fazendo uma me sura. — E você faça o mesmo.
Morgan pegou a primeira garrafa que pôde encontrar. Seu pai, afinal, a esperava.
— Eu não vou tirar conclusões sobre isto, absolutamente. Não será nem mesmo uma nota de rodapé
em minha vida.
Ele sorriu. Morgan certamente era mais do que um capítulo inteiro na vida dele.
— Então algum dia, Morgan, eu adoraria colocar minhas mãos em sua bibliografia.
Ela girou nos calcanhares, lançando-lhe chispas através do olhar.
— Deixe minha bibliografia fora disto, McCall. E deixe-me em paz também.
Isso seria, pensou Wyatt, o melhor para os dois.
— Como quiser, Morgan.
Mas de alguma maneira, ele pressentia que sua consciência não o deixaria cumprir aquela promessa.
O que ela queria, pensou Morgan, ao apressar-se para fora da adega e subir as escadas de madeira, era
conseguir apagar os últimos quarenta e cinco minutos.
Mais do que isso, desejava muito que Wyatt McCall nunca tivesse retornado a sua vida.
No instante em que ela alcançou o topo da escadaria, sentia-se razoavelmente recomposta. Pelo
menos suas roupas, se não sua alma, estavam em ordem. O restante talvez nunca mais pudesse estar.
Percorreu a enorme sala onde ocorria a recepção e aproximou-se do pai.
— Acredito que tenha me pedido vinho.
Estendeu a garrafa que pegara do chão.
Endireitou o corpo ao ver Wyatt passar a seu lado, também com uma oferta. Estendeu a garrafa para
Jake.
— Aqui está.
Uma expressão de diversão brincava no rosto de Wyatt ao estudar o homem mais velho. Se não o
conhecesse bem, teria dito que Jake orquestrara aquilo. Mas por quê?
—Por que pediu que nós dois fôssemos lá? — indagou Morgan, sentindo cheiro de conspiração.
—E sempre bom se precaver. Assim, um de vocês me atenderia. — Jake aceitou ambas as garrafas e
sorriu. — Estas bastarão. — Olhou de um para outro. — Tiveram dificuldade em encontrá-las?
Morgan olhou para algum ponto ao lado da cabeça do pai, bem adiante.
— Não.
A expressão de Wyatt era completamente inocente.
— Também não.
Satisfeito, Jake assentiu.
— Otimo. Agora vão e divirtam-se.
Zoe tinha razão. Ele realmente adorava casamentos. Quase tanto quanto amava seus filhos.

CAPÍTULO VII

Morgan estendeu a mão para pegar a xícara .de café da escrivaninha enquanto anotava alguns dados na
prancheta amarela. E então, percebendo o que fazia, afastou a xícara. Bastava de café. Já estava com os
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nervos à flor da pele.
Como se a base de tudo fosse aquela xícara de café!, silenciosamente zombou de si mesma.
Suspirou e largou o trabalho, sentia-se exausta. No decorrer dos últimos cinco dias dormira muito mal.
Felizmente seu trabalho não estava sofrendo com o desgaste, pensou, passando a mão pela nuca.
Mas o mesmo não podia ser dito de sua sanidade.
Supunha ser sua culpa ter deixado Wyatt tomá-la daquele jeito. Suas emoções e mente pareciam um
queijo suíço. Poderia acusá-lo e xingá-lo mas, ali, na privacidade de seus pensamentos, sabia não haver
desculpa pelo que acontecera.
Ela sozinha era responsável por seus próprios atos e reações. Não um homem atraente, alto e moreno
com sorriso fácil e lábios ágeis. Uma boca que a reduzira a uma massa palpitante de desejo.
Morgan silenciosamente praguejou. Devia ter reunido forças para afastá-lo.
A parte mais profunda de sua alma soubera, um momento antes de acontecer, que assim que fizesse
amor com Wyatt seria amaldiçoada pelo infindável desejo de repetir tudo, embora soubesse que não
poderia. Não deveria.
E não iria, emendou com determinação.
Olhou para as mãos. Segurava a caneta com tanta força que suas unhas se fincaram na palma.
Desgostosa com Wyatt e principalmente consigo mesma, jogou a caneta para o lado. 0 objeto rolou pela
superfície polida da escrivaninha e caiu no chão.
Assim como ela, pensou.
Naquele momento havia pessoas cujos destinos seriam decididos naqueles papéis sobre sua escrivaninha.
Mas suas vidas estavam menos bagunçadas do que a dela.
Acusou-se mais uma vez. Mas saber disso não tornava a situação melhor. Nem aliviava o peso em sua
consciência.
Parecia apenas capaz de intensificar a dor que sentia, aumentando o pesos em seus ombros. Moveu-os,
tentando se livrar do mal-estar que começava na base do pescoço e ombros e ia até a cabeça. Mas nada
parecia aliviar o desconforto.
Quando sentiu mãos em seus ombros, apertando os nós que ali haviam, Morgan suspirou como um
gatinho que encontrara um abrigo em meio a uma tempestade.
— Oh, que bom, Myra, está maravilhoso.
Referira-se a sua assistente, a moça que partilhava a pequena sala com ela e que saíra para almoçar.
Mas obviamente se enganara. Morgan podia sentir uma certa tensão no ar.
— Não pare.
— Não vou parar — a voz masculina dé seu massagista respondeu, rindo —, mas devo lhe avisar de que
cobro por hora.
Morgan deu um grito e virou-se. Seu cotovelo bateu na xícara, derrubando-a e fazendo o líquido escuro
tingir os papéis espalhados pela escrivaninha.
— Você! — Encarou-o de modo acusador. — O que faz aqui?
Wyatt pegou dois lenços de papel da caixa colocada ao lado e rapidamente secou o café.
— Até um segundo atrás estava massageando ombros muito rígidos. — Pegou mais dois lenços,
lançando os primeiros no lixo. — Agora estou secando a bagunça que você fez.
Morgan pegou a xícara vazia e rapidamente tirou os papéis da sujeira.
— Nada disso teria acontecido se não tivesse se aproximado sorrateiramente.
Ele jogou os lenços ensopados no lixo.
— Eu estava massageando seus ombros — ponderou. — Como isto pode ser descrito como
sorrateiro?
— Em seu caso pode.
Morgan empurrou a pilha de papéis da escrivaninha para a mesa lateral.
— Por quê? Por quê?
Com um suspiro de ansiedade, parou para se recuperar. Detestava agir como uma imbecil, mas
após pensar nele com tanta constância, vê-lo materializado em sua sala era comple-tamente
enervante. Aspirou profundamente e deixou o ar sair aos poucos, antes de falar.
— O que está fazendo aqui, Wyatt?
Ele deu de ombros, encontrando um pequeno canto da escrivaninha que não estava sujo de
café onde apoiar os quadris.
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—Eu estava passando por aqui e pensei que talvez pudéssemos almoçar juntos.
Morgan não precisava saber que ele se afastara vinte milhas de seu caminho para estar ali.
Precisava vê-la. Esse era exa-tamente o problema. Causado por Morgan, era verdade, mas ainda
assim problema seu.
Tudo soou muito suspeito para Morgan. Wyatt tinha de ter um motivo escuso para estar ali.
Precisava ter. Isso a deixava nervosa ao especular qual seria.
Detestava o modo como ele a fazia sentir-se insegura. Franziu a testa.
— Eu costumo almoçar no escritório mesmo.
Wyatt olhou para as marcas escuras na escrivaninha.
— Eu devia ter percebido.
Então forçou no rosto aquele sorriso que um dia fizera o coração de Morgan, aos cinco anos
de idade, derreter-se. O mesmo sorriso que vinha colocando sua vida de cabeça para baixo nas
duas últimas semanas.
— Por que não faz uma exceção apenas hoje?
O olhar dela se estreitou ao recordar-se do que não conseguia forçar-se a esquecer.
— Eu já fiz.
O sorriso se ampliou ainda mais.
— Estou falando sobre almoço, Morgan, não sobremesa.
Já que não podia fazê-lo ir embora, deu-lhe as costas e olhou para a tela do computador. O texto
parecia referir-se a uma lição de chinês, tal o sentido que as palavras lhe faziam naquele
momento.
Não bastava ele ter lhe arruinado não um, mas dois dos casamentos de seus irmãos? Tinha de
aparecer onde trabalhava para assombrá-la também?
Procurando descarregar a raiva, apertou diversas teclas antes de indagar:
—Por que quer almoçar comigo?
— Para conversarmos — disse com seriedade.
Ela fingiu ler o documento.
—E se eu não quiser?
Will não podia continuar conversando com uma nuca. Virou a cadeira de Morgan para que ela
o encarasse.
— Morgan — disse com paciência —, não se passou um só dia em sua vida em que você não
quisesse conversar.
— Se veio até aqui para me insultar, podia ter economizado as palavras e guardado para o
casamento de sábado.
Ele sorriu.
— Ora, tenho muitas no estoque.
Wyatt olhou ao redor da pequena área. Tornara-se menor devido a centenas de caixas
empilhadas ao longo das paredes. Nunca estivera ali antes, mas aquilo o fez pensar em Morgan.
Era um caos organizado, por mais absurda que pudesse ser aquela ideia.
Havia dois porta-retratos na lateral da escrivaninha, distantes da bagunça. Uma fotografia,
ampliada, fora tirada no ano anterior, se não lhe falhava a memória. Hank lhe enviara uma
cópia. Ao lado havia uma pequenina de um garoto de cabelos louros. Intrigado, Wyatt pegou o
porta-retrato.
— Deixe-o aí — disse Morgan.
Sem esperar para ser atendida, tirou de sua mão a fotografia.
—Sua mãe nunca lhe ensinou a não tocar em coisas que não lhe pertencem?
Ele a encarou. A palavra "tocar" lhe trouxe à mente o último sábado. O último sábado, a adega e
a mulher de pele aveludada que tocara sua alma.
— Não.
A palavra pairou entre os dois, mais como uma promessa atada à lembrança do que resposta.
Ele fez um gesto em direção à fotografia e voltou a tomá-la, colocando o corpo entre Morgan e o
porta-retrato.
— Quem é o menino?
Morgan sorriu.
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— E Josh.
Ele percebeu o sorriso no tom de voz e se virou para fitá-la. Havia afeto em seu olhar. Será que Morgan
sabia como ficava linda assim?
— E filho de alguma amiga sua?
Se ao menos fosse, pensou ela.
— Josh não é de ninguém. — As palavras soaram tão rudes
que doeram no coração de Morgan. — Pelo menos ainda não.
Lembrou-se de sua última visita ainda na semana anterior. Ficara tão esperançosa. Mesmo assim parte
dela sentira-se triste. Triste porque quanto mais feliz o menino ficasse, menos precisaria dela. E como
sentia falta de Josh.
— Se tudo der certo, entretanto, ele será adotado.
Olhou com carinho para a fotografia, recordando-se do dia em que fora tirada. Ele tentara duramente ser
corajoso e parecer feliz. Dissera saber que sua mamãe e seu papai gostariam que fosse assim.
— Ele perdeu os pais em um acidente de carro há pouco mais de seis meses. — Um arrepio passou por seu
corpo sem ela nem mesmo notar. — Fui a primeira a chegar ao local. Telefonei para o resgate e fui verificar
se havia algo que pudesse fazer. Mas ambos os adultos no carro estavam mortos. Encontrei Josh no
banco traseiro, soluçando e segurando a mão de sua mãe.
Wyatt deixou-se envolver por aquela narrativa.
Sua voz faltou e ela enrubesceu. Doía-lhe até mesmo falar sobre aquilo. Lembrou-se de como Josh
estivera amedrontado. E no quanto chorara.
— Ele não estava ferido, apenas apavorado. Eu fiquei com ele, abraçando-o até os paramédicos
chegarem.
Wyatt decifrou a emoção na voz dela. Não sabia se Morgan tinha consciência de que aquilo era evidente.
Mas fazia-o vê-la sob uma ótica completamente diferente. Admirava-a por sua atitude.
— Onde Josh está agora?
— Em um lar adotivo.
Trabalhara duro para selecionar casais e encontrar pais que pudessem lhe oferecer o amor que Josh
merecia receber. Não fora fácil.
— Eles estão vendo se se entendem.
Seu olhar se estreitou ao olhar para Wyatt, percebendo o que dissera e no quão rápido ele era
normalmente em tirar conclusões.
— Deixe a fotografia ali — ordenou.
Wyatt sorriu amigavelmente, erguendo as duas mãos em sinal de submissão.
— Não vou tocar nisto.
Estava mais interessado em ouvir a história do que em provocá-la, e ela percebeu isso.
—Por que não o adotou?
—Eu? — encarou-o, surpresa.
Teria percebido como se sentia em relação a Josh? Não, isso era algo intuitivo demais para Wyatt. Mas
então por que fizera tal sugestão?
— Você.
Olhou novamente para a fotografia antes de encará-la. Tentou pensar como Morgan seria como mãe e
descobriu que a imagem se encaixava muito melhor do que previra. O garotinho até se parecia um pouco
com ela.
— Você obviamente se importa com Josh.
Sim, importava-se. E muito. Mas as circunstâncias não eram as ideais.
— Ele é um caso.
Sua voz era ríspida. Procurava descartar o assunto. Mas Wyatt não. Por que era tão difícil para ela
admitir que se importava com alguém?
— Não vejo fotografias dos outros garotos. Ele não pode ser o único caso que você tem.
Morgan suspirou.
— Não posso adotá-lo porque, caso não tenha percebido, detetive, não sou casada. Além disto, passo
pouco tempo em casa.
Não poderia proporcionar a uma criança o tipo de vida familiar que Josh necessitava ter.
Independentemente de quanto se importasse com o garoto.
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—Sai muito para ir a festas?
—Trabalho. Trabalho duramente, Wyatt. Diferentemente de algumas pessoas.
Wyatt trabalhava muito também. Não teria chegado ao cargo de vice-presidente da Divisão de
Programação de Computadores na Tech Corporation se não fosse muito dedicado.
Mas não via motivos para discutir sobre o assunto. Pareceria apenas estar na defensiva. Voltou a pegar
a fotografia.
— É um lindo menino. Quantos anos tem? — Olhou para Morgan. — Quatro?
Ficou surpresa por ele estar certo. A maior parte dos homens tinha problemas em palpitar sobre idades
corretamente.
— Bem no alvo.
O filho de Wyatt teria quatro anos, considerou ele. Se tivesse sobrevivido. Retornou o porta-retrato à
mesa.
Havia algo estranho na expressão de Wyatt, notou Morgan. Como se estivesse em algum outro lugar. E
isso não lhe era peculiar.
— O que foi? — indagou, pensando que talvez se arrependesse de perguntar.
Wyatt a fitou com inocência. Sua expressão era indecifrável.
— Alguma coisa na fotografia de Josh avivou recordações suas — insistiu Morgan. — O que foi?
Ninguém sabia do filho que ele quase tivera ou dos motivos de ter se casado com Judith. Não era hora
de elucidar isso. Deu de ombros, sorrindo.
— Eu apenas nunca presenciei um lado tão suave em você, só isto.
Seria um elogio? Duvidava.
— Há muito a meu respeito que não sabe.
— Aparentemente.
Wyatt olhou para o relógio de pulso. Teria de retornar em uma hora se pretendia participar da reunião das
três horas. Aquilo lhe dava mais algum tempo para ficar com Morgan, portanto.
— E então, aceita sair?
— Para quê?
Obviamente a mulher era surda.
— Para almoçar.
Ela olhou para a escrivaninha. Trabalho, sabia, podia esperar. Sempre podia. E ela admitia estar
curiosa sobre os motivos de Wyatt a ter procurado. Os dois nunca haviam se dado bem, exceto nos
últimos casamentos, pensou com tristeza.
— E vai pagar?
Wyatt era antiquado a esse ponto, mas não sabia que Morgan também era. Ela tinha razão, havia muitas
coisas a seu respeito que desconhecia.
— Contanto que isto não ofenda seu senso de independência.
Morgan pegou a bolsa da última gaveta e se levantou. Ajeitou a alça no ombro.
— Minha independência irá sobreviver a qualquer coisa que possa me oferecer.
Então o encontro estava a caminho, pensou ele. Admitia que às vezes gostava de discutir com Morgan.
Abriu a porta para ela.
— É bom saber.
— E então, para que tudo isto, Wyatt?
Morgan brincava com a lata de refrigerante dietético, comendo migalhas de pão e esperando, mas ele
não disse uma só palavra sobre o que estava realmente fazendo ali.
— Você nunca apareceu do nada para almoçar comigo antes.
— Isto é verdade — concordou.
A breve conversa durara cinco minutos, e ele precisava admitir que a estava apreciando. Morgan sabia
ser muito agradável quando queria.
— Eu apenas queria saber em que situação estamos.
Na mente dela já estava tudo estabelecido do único jeito que podia ser.
— Estamos pisando em terra firme e bem distantes um do outro.
Aborrecia-o um pouco notar tanto descaso.
— Então o sábado passado...
Ela arqueou as sobrancelhas e o encarou.
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— Foi sábado passado. Nada tem- a ver com o restante de nossas vidas.
Olhou-a com mais atenção e percebeu que não era tão implacável quanto gostaria de aparentar.
— Tem tanta certeza assim?
— Sim, tenho.
Por que precisava pressioná-la? Gostaria de despir sua alma para poder espezinhá-la novamente?
— Wyatt, eu nem mesmo gosto de você.
— Então por que está aqui, almoçando comigo?
Por que ela estava ali?, questionou-se. Por que continuava a seu lado se sabia que se arrependeria?
De onde vinha esse instinto autodestrutivo? Seria por que se sentia sozinha ao observar os irmãos
seguirem a própria vida, um a um? Ou estaria apenas sendo masoquista?
—Porque temia que fizesse uma cena no escritório caso eu me negasse a vir.
— Você, Morgan Cutler, nunca teve medo de nada em sua vida.
Isto era mentira, pensou ela. Tinha medo daqueles sentimentos que estavam nascendo em seu
coração. Sentimentos sempre centrados em Wyatt.
— Eu, por outro lado — prosseguiu ele —, estou com medo.
— Seu olhar encontrou o de Morgan, fazendo-o sentir algo apertar-se em seu peito. — Com
muito medo.
As palavras pairaram entre os dois, minando a resolução de Morgan de manter-se
impassível.
Conhecia-o. Wyatt estava tentando enganá-la. Prepará-la para alguma espécie de peça. Mesmo
assim, mesmo acreditando nisto, não podia deixar de sentir-se envolvida.
— Medo? De quê?
— Disto, o que quer que "isto" seja.
A expressão no rosto dela era de absoluta confusão.
— Tenho medo do que está acontecendo entre nós — elaborou melhor. — Não importa o que
pense a meu respeito, não busco conquistas para formar uma grande lista e...
— Isto descreve muito bem a situação — concordou ela.
Wyatt ignorou o comentário. Não buscava uma briga e sim trégua.
— E eu certamente não estava atrás de você.
Ela colocou o último pedaço de pão na boca.
—Sinto-me lisonjeada.
A conversa não estava transcorrendo do modo como Wyatt previra. Nada acontecia conforme
seus planos quando estava ao lado de Morgan. Procurou tentar novamente.
—Você continua sendo a irmã de meu melhor amigo. Acha que considero Hank e seus outros
irmãos tão pouco a ponto de querer simplesmente ter prazer com você e depois dar-lhe as costas?
Morgan ficou furiosa.
— Considerar Hank e os outros? — repetiu incrédula.
E onde ela se encaixava na história?
— E o que eu sou?
Ele sorriu.
—A questão é... — Começava a se sentir frustrado. — A questão é... eu não sei qual é a
questão ou o motivo de eu ter feito aquilo...
Morgan nunca o vira abrir seu coração antes. Poderia até apreciar a ocasião se não estivesse
tão envolvida nos fatos.
— Você estava apenas acariciando seu ego, não é mesmo? — Morgan pegou a bolsa e se
levantou. — O almoço terminou.
Preciso voltar ao trabalho.
Wyatt colocou a mão sobre a dela.
— O almoço apenas começou, e eu a levarei de volta ao trabalho depois. Eu ainda não
terminei a conversa.
Ela não estava com humor para ser paciente. Ficar perto de Wyatt a fazia lembrar-se do que
haviam feito. E do que gostaria de voltar a fazer. Isto era o pior de tudo. Queria repetir!
Por quê, dentre de todos os homens que conhecia, apenas Wyatt parecia ficar por mais do que
um momento em sua vida e pensamento? Apenas ele a fazia sonhar e desejar mais.
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Não gostava de ver-se presa das próprias emoções nem à mercê de um homem que, sabia,
não a considerava.
— Problema seu. Não tenho tempo para ficar sentada ouvindo-o gabar-se.
A mão dele apertou com mais força o pulso dela ao vê-la fazer menção de afastar-se.
— Deixe-me ir, Wyatt.
— Então saia de meu pensamento.
Ela o encarou. Sobre o que falava?
—O quê?
— Você ouviu. Saia de mim. Eu não consigo tirá-la da cabeça. Você está aqui o tempo todo,
banindo para o lado todos os outros assuntos. Parece bem típico seu, não é mesmo?
Era uma mentira tudo aquilo, dito apenas para convencê-la a ficar. Gostaria que admitisse
que sentia algo por ele. Bem, estava muito enganado se a julgava dominada. Teria de sentar-se
e esperar por toda eternidade.
— Eu não sei por que suas garotas o julgam tão charmoso. Você definitivamente precisava
de algumas aulas.
Wyatt estava cansado de jogos.
— Talvez eu não esteja tentando ser charmoso.
— Bem, meus parabéns, você se deu brilhantemente bem.
Ele sentiu a raiva aumentar. Algo que acontecia muito raramente. Morgan tinha talento especial
para fazê-lo enfurecer-se.
— Você poderia deixar de ser atriz por um minuto e apenas ser honesta comigo?
Morgan ficou irada. Usou todo seu esforço para manter a voz em um tom pacífico.
— Como assim, atriz?
—Está bancando a durona. Eu já presenciei seu lado suave, Morgan. Não precisa fingir para mim.
—Não tenho ideia do assunto sobre o qual está falando. E agora se me der licença, eu...
Mas Wyatt não soltava sua mão.
—Não, eu não lhe dou licença. — Observou-a fitá-lo, atónita.
— Você bagunçou minha mente e, para ser sincero, Morgan, não faço a menor ideia de como agir a
este respeito.
Morgan não ia cair na armadilha. De modo algum. Wyatt McCall tinha mulheres demais em sua vida,
competindo por atenção.
Isso tinha de ser uma encenação e embora ela não fizesse ideia das intenções de Wyatt ou dos motivos
de estar agindo assirrij sabia ser melhor afastar-se.
— É febre. Tome dois analgésicos e não me telefone pela manhã.
Dizendo isso, deixou a mesa tão rapidamente quanto pôde.
Morgan já quase alcançava a porta quando Wyatt segurou seu braço e a fez virar-se para encará-lo. Ela
abriu a boca para lhe perguntar quem pensava que era, mas não teve chance.
Wyatt a beijou no meio do caminho entre a recepção e a mesa de saladas.
Beijou-a defronte a todos que haviam ido almoçar no O'Shay naquela tarde.
Beijou-a longa e intensamente, até Morgan ter certeza de que seus pés, tão inflamados como o
restante de seu corpo, não queimavam a madeira do piso.
O coração de Wyatt disparava no instante em que se afastou.
— Você me acusou de estar com febre. Pensei que seria bom partilhá-la com você.
Dessa vez, Morgan viu-o afastar-se. Deixou-a ali, completamente anestesiada, ao retornar até a mesa
sem nem mesmo dar uma olhada para trás.
Ela sentiu que o fogo queimava suas faces e apressou-se em deixar o restaurante.

CAPITULO VIII

Wyatt a estava enlouquecendo. Morgan sabia que era aquela a intenção dele durante o tempo todo e
detestava admitir, ainda que para si mesma, que estava conseguindo!
E o pior de tudo isso é que todos haviam percebido que os hábitos dela se modificaram nas duas
últimas semanas.
Só Deus sabia quem ela era. Certamente Morgan mesmo se desconhecia, já que perdera a cabeça.
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Sabia apenas o que queria e o que não deveria querer.
Wyatt provavelmente estava se divertindo muito com tudo aquilo. Provavelmente? Tinha certeza disso.
Tentou se concentrar no momento e não no homem que estava a sua frente.
A música do órgão centenário, que estava na região havia mais tempo do que a igreja, preenchia todos
os recantos da construção com seus acordes da marcha nupcial.
Audra tentava não tropeçar ao caminhar pela nave, usando vestido longo. As damas de honra usavam
vestido verde, mas Audra vestia um maravilhoso vestido branco, igual ao de sua mãe. Fora especialmente
escolhido para significar que Will não estava apenas trazendo Denise para fazer parte de sua vida, mas
Audra também.
A garotinha se movia vagarosamente, lançando pétalas de rosa pela longa passarela e cuidando para
distribuí-las de modo uniforme.
E então foi a vez de Morgan. A vez de Morgan caminhar pela nave de braço dado com Wyatt. Podia
sentir seu estômago se contraindo quando se aproximaram um do outro.
Era o terceiro casamento, restando apenas um a ocorrer após aquele dia, pensou ao tomar o braço de
Wyatt e fazer o melhor para ignorar o calor que se espalhava por seu corpo.
Já sabia que novamente faria par com ele no sábado seguinte. Parecia-lhe uma peça e tanto que sua
família lhe pregava a cada cerimónia.
O sorriso em seus lábios era forçado.
Poderia superar aqueles traumas, aconselhou-se. Após a cerimónia e as fotografias, apenas teria de
estar perto de Wyatt mais uma vez. Durante a primeira dança. Uma dança e então estaria livre para se
misturar aos outros convidados e ficar bem longe dele, fisicamente ao menos.
Era um plano que pretendia seguir. A sensação de relutância que a tomava deveria ser ignorada.
— Está adorável! — sussurrou Wyatt assim que se aproximaram do altar.
Atónita, Morgan arregalou os olhos e o encarou.
—O que pretende, agindo assim? — perguntou suavemente.
O olhar dele foi lânguido antes de se separarem.
—Você me dirá... — respondeu.
Por que ele insistia em fazer elogios se não eram sinceros?
Confusa, Morgan tomou seu lugar entre Fiona e Brianne, tentando compreender o que Wyatt acabara
de lhe dizer. Mas não conseguiu.
Não precisava estar passando por tudo aquilo, pensou contrariada.
Esplêndido. Essa era a palavra apropriada pára definir o vestido de Denise, pensou Morgan. Sem
mangas, era todo bordado e de tirar o fôlego.
Bem vagarosamente, de braço dado com o pai, Denise caminhou pela nave em direção ao homem a quem
deu seu coração. Quando entrelaçaram as mãos, ela resplandecia de alegria.
Era essa espécie de noiva que gostaria de ser, pensou Morgan. Uma noiva feliz. Não importava o que
vestiria ou quem compareceria à cerimónia, contanto que soubesse que seus familiares estavam presentes.
Quanto ao restante do mundo, não importava. A cerimónia podia acontecer em um celeiro contanto
que o homem com quem trocasse alianças fizesse seu coração cantar de felicidade.
Nunca houvera um homem assim em sua vida, pensou com pesar, enquanto o padre começou a conduzir
a cerimónia.
Pelo menos não até...
Parecia que a luz de um raio havia passado defronte a ela. Morgan arregalou os olhos e olhou para
Wyatt, descobrindo que também a fitava.
Oh, Deus, estava destinada a viver sozinha pelo restante de sua vida!
Mordeu o lábio inferior e olhou adiante, focando a atenção em Will e Denise. Aquele dia era dos dois, dos
amantes, dos casados... Mais tarde, após a recepção, pensaria em seu destino solitário.
Quando os votos sagrados foram proferidos, Morgan deixou escapulir uma lágrima. Correu por sua face
antes que a pudesse deter.
Ela estava chorando, viu Wyatt. Começava a perceber que não importava quanto protestasse em contrário
nem o quão afiada fosse sua língua, aquela mulher tinha um coração de manteiga.
Isso o fez sorrir.
Lembrou-se da fotografia sobre a mesa de trabalho. Aquela que o fizera telefonar para Hank e lhe fazer
perguntas que subitamente precisavam de respostas.
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De todos os irmãos, Hank era o mais próximo de Morgan em idade, e Wyatt achou que isto lhe dava uma
vantagem nas confidências da irmã. Além do mais, era seu melhor amigo e ele confiava que não nada
contaria a Morgan sobre suas indagações.
Se ela descobrisse, a situação poderia ficar mais desconfortável entre os dois.
Wyatt estava muito interessado nela. Havia prometido a si mesmo não se envolver emocionalmente de
novo. Mas em vão.
Sabia que Morgan de modo algum lhe prepararia uma armadilha conforme Judith fizera. Morgan
certamente viria para libertá-lo se o visse encarcerado.
Wyatt estava convencido de que ela não se importava com seus sentimentos. Provavelmente riria se
descobrisse o que existia dentro de seu coração.
Amaldiçoou sua sorte. Quando finalmente se apaixonara por alguém, a moça detestava até mesmo vê-
lo.
Bem, não durante o tempo todo, emendou em silêncio, pensando nos encontros nos dois últimos
casamentos. E Morgan havia definitivamente correspondido ao beijo no restaurante.
Talvez o futuro não fosse tão cinzento para os dois como Wyatt pensava.
— Você tem me evitado.
Morgan sentiu um frio na espinha de antecipação e alarme. Colocou o prato ainda com meio pedaço de
bolo sobre a mesa.
— Você notou?
Como ela não se virou para fitá-lo, Wyatt deu a volta para postar-se a sua frente. Havia diversas
mulheres na festa que desejavam fazê-lo esquecer-se de Morgan, mas ele não queria se esquecer dela.
— Por quê?
Por que o homem não deixava simplesmente as coisas como estavam e permitia que ela o evitasse?
Por quê?
Porque era Wyatt, apenas isso. Wyatt, o pesar de sua existência!
— Pensei que seria óbvio. Não quero me envolver em outra situação comprometedora, em que você
possa tomar vantagem...
— Quem tirou vantagem de quê?
— Quem — corrigiu-o, dando um passo para o lado. — Sua gramática precisa ser revista.
Sem deixar de fitá-la, Wyatt brincou com o pingente em sua orelha. Mais um arrepio passou pelo
corpo de Morgan.
— Esta não é a única coisa que precisa ser revista.
Precisava livrar-se dele antes que o restante de sua resistência fosse embora. Avistou Kent e deu um
passo em sua direção. Andou determinada, tendo Wyatt a seus calcanhares.
— Isto tudo é muito fascinante, mas...
A voz dela era baixa ao dirigir-se a Wyatt por sobre o ombro.
— Mas caso me perdoe, prometi esta dança a Kent.
Kent rapidamente deu-se conta da situação.
— Não, não prometeu. — Abraçou Brianne. — Tenho uma esposa muito ciumenta.
Deu um beijo nos lábios da mulher.
— Você está sozinha, criança — falou para Morgan, acrescentando em seguida: — A propósito,
sabia que ele estava fazendo a todos perguntas a seu respeito?
Assentindo para Wyatt, Kent afastou-se com Brianne, deixando Morgan estatelada.
Wyatt mordeu o lábio inferior. Essa era a única coisa capaz de fazer para evitar que seu queixo caísse.
Obviamente não podia confiar nos irmãos Cutler para manter segredos. Pelo menos não quando a irmã
mais nova deles estava envolvida na história.
Ela o encarou de um modo intenso, determinada a obter a verdade.
— E exatamente o que esteve perguntando?
—Dance comigo, pareceremos menos agressivos — instruiu amigavelmente.
E então, sem esperar por sua concordância, tomou-a nos braços, os quadris já se mexendo ao
sabor da música. Morgan ficou sem opção a não ser aceitar.
Parecia estar fazendo isso com muita frequência ultimamente. Ficava sem opção e
simplesmente se deixava envolver pela situação.
Fora um casamento de final de manhã. A recepção que se seguia dava-se no rancho dos
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Cutler, sob uma cobertura espalhada pelo gramado para aqueles que queriam se abrigar do
sol. Havia mesas espalhadas na sombra.
Will e Quint haviam construído uma pista de dança temporária e era para lá que Wyatt a
conduzia.
Morgan não queria chamar atenção desnecessariamente, por isso esperou até que estivessem
dançando.
— Por que está cansando meus irmãos com perguntas a meu respeito?
Wyatt riu.
— Algumas perguntas dificilmente podem ser descritas como cansativas.
Morgan seria a juíza daquilo. Por que indagava coisas a seu respeito? Os dois se conheciam
durante toda a vida. Ele sabia tudo a seu respeito, tudo o que precisava saber.
— Que espécie de perguntas?
Ele fingiu pensar. Podia ver as faces de Morgan tingindo-se de púrpura novamente.
Nunca imaginara que um dia a veria enrubescer. Isso servia para lhe mostrar como era
possível aprender algo todos os dias. Deu uma volta pela pista, levando-a consigo, depois a
fez girar e a trouxe de volta a seus braços.
— Você gosta de mim, Morgan.
Não era uma indagação. Era uma afirmação.
— Eu, o quê?
— Você gosta de mim — repetiu.
Observou os olhos de Morgan mudarem para um tom muito escuro de azul. Nuvens avisando
uma tempestade próxima, disse a si mesmo.
— Não se preocupe, não é algo unilateral. Eu também gosto de você.
Como se isso lhe importasse. Morgan ignorou o leve descompasso em seu coração e franziu a testa.
—Muito grandioso de sua parte.
—Também acho.
Wyatt mergulhou naquele olhar, e o sorriso provocador sumiu e transformou-se em expressão séria.
—Eu realmente quis dizer isto, você sabe. Não tenho certeza se foi no casamento de Hank ou de Kent,
mas você subitamente se tornou muito real, uma mulher vibrante para mim. E eu gostei do que
descobri.
Fez uma pausa enquanto Morgan lutava por encontrar palavras. Sua falta de resposta era
absolutamente inesperada.
—Ou talvez tenha sido no hospital.
A referência a trouxe de volta à realidade.
—Hospital?
Wyatt assentiu, guiando-os conscientemente para perto de um casal.
—Naquele dia em que seu pai teve um ataque do coração.
Morgan jamais se esqueceria de nem um segundo sequer daquele dia horrível mesmo se vivesse para
sempre. Retesou-se, tentando evitar a sensação boa de ter a mão de Wyatt em suas costas.
Lembrou-se de como tivera medo e do que ele lhe dissera para abalar seu mundo e fazê-la sentir-se tão
tola. Como ousava tentar tornar tudo aquilo especial atualmente?
—Lembro-me apenas de que abri meu coração para você, que me beijou e então me disse que ia se casar. É
disto que me lembro.
Wyatt lhe dissera a verdade na ocasião porque, no lampejo do momento, sentira algo por ela.
Imaginara que talvez fosse possível existir um romance entre os dois se houvesse oportunidade, mas que
já era tarde demais.
—Uma coisa em nada se relaciona a outra. Você estava me falando do medo que sentia diante da
possibilidade da morte de seu pai. Meu casamento não afetou isto.
Afetou, sim. O casamento partira seu coração justamente no instante em que Morgan quisera oferecê-lo a
ele. Wyatt fora gentil, e o antagonismo com o comportamento de sua infância ameaçou transformar-se em
algo mais. Até ele lhe contar sobre Judith.
Morgan afastou um pouco o corpo e estudou sua expressão.
— Você não faz a menor ideia, não é mesmo?
Perdido. Novamente Wyatt se sentia perdido. Sempre acontecia quando estava perto de Morgan. Aquela
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mulher deveria ter vindo ao mundo com um mapa rodoviário e manual de instruções.
— Em relação a você?
Morgan não estava disposta a brincadeiras quando seu coração estava tão envolvido e fragilizado. Em
vez disso, em vez de dizer mais qualquer coisa, tirou suas mãos das de Wyatt e se afastou.
Ele a ficou contemplando enquanto partia. Não estava consciente das pessoas a observá-los. Percebia
apenas que Morgan afastava-se dele. Novamente.
Alcançou-a em três grandes passos e segurou seu braço. Viu a indignação brilhar em seus olhos claros,
mas não lhe daria oportunidade de usar seu veneno contra ele.
— Parece-me que, nas últimas três semanas, tenho visto demais suas costas, Morgan. O suficiente
para a vida toda — declarou em um tom de voz ríspido em seus ouvidos.
Morgan afastou a cabeça.
— Não sei sobre o que está falando.
— Você sempre se afasta de mim.
— Quero ficar bem distante de você.
Dessa vez Wyatt não ia desistir nem deixá-la partir. Queria de uma vez por todas desatar os mal-
entendidos existentes entre os dois.
— Eu não a forcei a me aceitar.
Morgan não queria ouvir Wyatt dizer que ela o tinha desejado. Não importava que fosse verdade. Não
ia alimentar aquele ego já tão inflado.
— Você me apanhou desprevenida, lembra-se?
— Ora, essa foi a primeira desculpa. Qual é a atual? — Percebeu que havia erguido o tom de voz,
por isso voltou a baixá-lo. — E então?
Morgan mordeu o lábio. Sua expressão era triste.
— Ainda estou pensando nisto.
Ela podia trabalhar no assunto até o alvorecer e nada mudaria os fatos.
— A verdade é, Cutler, que você quis fazer amor comigo.
E, naquele momento, Wyatt se gabava disso! O que ela esperava daquele homem? Olhou ao redor para ver se
alguém os tinha escutado. Parecia que não. Pelo menos havia isso a seu favor.
—Então tenho tendências autodestrutivas. — Ergueu o queixo, desafiando Wyatt a dizer algo a
respeito. — E daí?
—Por que autodestrutivas?
Ora, o que mais poderia ser? Ele certamente não gostaria de um relacionamento sério e longo.
—Bem, o que houve entre nós não conduzirá a lugar algum, não é mesmo? — Então sua voz suavizou-se
apenas um pouco.
— Não é? — repetiu ela.
—Não sei.
A expressão de mágoa nos olhos de Morgan o desconcertou. Pegou em seu pulso no instante em que ela
começava a andar novamente. Não havia terminado.
—O que eu sei é que mesmo quando está longe de mim, ainda assim continua muito perto.
Morgan suspirou.
— Eu não estou com humor para brincadeiras.
Por que ela continuava interpretando tudo errado?
—Não é brincadeira, mas sim um fato. Você sempre está em meus pensamentos, Morgan.
Ela mostrou-se fria e distante.
Subitamente tinha de fazê-la compreender. Talvez se conseguisse isso, ele também pudesse entender a
situação.
— Como a fumaça que fica depois que o fogo é apagado.
A analogia foi interpretada de modo errado por Morgan.
— Está dizendo que sou uma floresta queimada?
Ele riu. Servia-lhe de lição por ter se envolvido com Morgan. Mas agora não havia como fugir e não
queria perdê-la.
— Eu não sei como defini-la, Morgan — disse-lhe com honestidade —, mas povoa minha mente noite
e dia.
Não gostaria que ela fosse embora novamente. Nada mais queria no mundo a não ser tê-la a seu lado.
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Oh, meu Deus, só podia estar perdendo o juízo! Tudo não fazia o menor sentido. Nada fazia o menor
sentido para ele.
— Faça amor comigo, Morgan.
Wyatt parecia estar falando a sério. Morgan olhou ao redor. A área de recepção estava cheia de familiares
e amigos. A maior parte dos habitantes da cidade estava ali, pelo amor de Deus!
Os pais dele estavam a poucos passos de distância, conversando com seu outro filho, Casey. Wyatt só podia
estar brincando.
— Onde? Bem aqui, onde todos possam ver?
Morgan tentava desesperadamente esconder o tremor em sua voz.
— Não — falou suavemente, olhando para atrás dela em direção à porta dos fundos. — Em seu
quarto.
— Meu quarto? Eu...
Wyatt pousou um dedo em seus lábios, selando seu protesto.
Morgan suspirou, rendendo-se mesmo antes de dizer qualquer palavra. Sua respiração estava
afogueada contra o dedo dele, aumentando a velocidade dos batimentos cardíacos de Wyatt e sua
antecipação.
— Eu devo estar louca — murmurou.
Wyatt sorriu.
— Então somos dois.
De alguma maneira havia algo reconfortante naquilo. Sem dizer uma palavra, Morgan pegou-lhe a
mão e o conduziu até a porta dos fundos. Abriu-a e entrou.
Wyatt a seguiu. Não tinha escolha. Ela ainda o segurava pela mão.

Jake colocou uma grossa fatia do bolo de casamento em seu prato, mas tinha a atenção em outro local.
Cutucou de leve a esposa e apontou para a porta dos fundos, orgulhoso.
— Acho que fiz com que algo se iniciasse...
Parecia que seu peito ia explodir de alegria. Zoe sorriu de modo indulgente, dando-lhe um tapinha no braço.
Por que os homens sempre achavam que eram os responsáveis pelas mudanças?
—Você não começou nada, meu velho. — Para suavizar as palavras, Zoe beijou-o no rosto.
Mas Jake via os fatos sob ótica diferente.
— Oh, então quem fez isto?
Zoe não hesitou.
—A natureza. — Ela fez um pequeno cálculo mental. — Ao estender uma armadilha que ficou
vinte anos preparada, suspeito eu.
—Não venha me dizer que não ajudei a armar a armadilha, ao menos um pouquinho. E o que me
diz? Depois de tê-los encaminhado, você e eu poderíamos tirar uma pequena folga e resgatar boas
lembranças, repetindo nossa noite de núpcias.
—Você quer dizer ficarmos no escuro, apalpando-nos como se fosse a primeira vez?
— Nunca fiquei apalpando-a — protestou, sorrindo generosamente.
O sorriso de Zoe combinava com o do marido ao pousar a cabeça em seu ombro. Amava aquele homem
com todo seu coração e esperava que seus filhos tivessem igual sorte no encontro de suas almas gémeas.
—Não — murmurou ela —, você nunca fez isto — ironizou.

CAPITULO IX

Adolescente. Wyatt fazia Morgan sentir-se com Luma jovem adolescente.


Parecia ter dezesseis anos novamente, esgueirando-se para dentro de seu quarto para namorar enquanto
seus pais estavam ausentes em vez de agir como a mulher crescida e adulta, profissional séria e
responsável que era.
Mas havia mais em questão do que isso, considerou Morgan, subindo a escadaria. Wyatt não a fazia
apenas sentir-se como se tivesse dezesseis anos, causava-lhe também sensações muito mais profundas.
Coisas que ela já desistira de um dia vir a sentir. A perspectiva era avassaladora e amedrontadora ao
mesmo tempo.
Esperou por toda sua vida para experimentar um sentimento que se sustentasse por mais de alguns
49
minutos.
Nunca lhe faltaram pretendentes. Mas todos falharam em manter a atração viva. Morgan sempre
perdia o interesse com rapidez tão grande que começara secretamente a acreditar que havia algo errado
com ela.
Jamais conhecera um homem que pudesse ser comparado a seus irmãos, nunca conhecera alguém a
quem tivesse vontade de rever.
Ao chegar no piso superior, olhou para Wyatt. Fitou-o e sentiu a excitação borbulhar por suas veias.
Embora tivesse tentado fugir dele para evitar muitas complicações, secretamente, no íntimo de seu ser,
quisera voltar a vê-lo.
Não havia benefício em mentir para si mesma. Queria fazer amor com ele novamente.
Mas por quê, dentre todos os homens do mundo, tinha de ser aquele a inflamá-la? Sabia que nada
significava para Wyatt além de um desafio. Então por que não conseguia simplesmente sé afastar e se
preservar?
Porque não poderia. Era simples assim.
A parada de casamentos estaria encerrada na próxima semana e então sua vida retornaria a uma
rotina que já não sabia se seria capaz de suportar.
A perspectiva não a alegrava.
Morgan com suavidade fechou a porta de seu quarto. O som da trava ecoou em sua cabeça.
Prelúdio de uma sedução, pensou. Mas quem seduzia quem?
Wyatt olhou ao redor do pequeno quarto. Espiara incontáveis vezes pela janela ao longo de anos,
eventualmente colocando a cabeça pela porta entreaberta para provocar a irmã mais nova de seu
amigo.
Tudo aquilo parecia ter acontecido havia cem anos, a outra pessoa e em outra vida. Certamente não
com ele.
Morgan estava nervosa, percebeu. Algo que ele dificilmente teria previsto. Havia uma expressão de
incerteza em seu olhar, como se repentinamente tivesse pensado melhor no que estava prestes a fazer.
Pelos céus, ele esperava que não!
Abraçou-a e a puxou para bem perto. Uma deliciosa tensão começou a perturbá-lo.
— Mudou de ideia?
Dúzias de vezes desde que ela tomara sua mão. Durante todo o caminho, escadaria acima, estivera
travando um debate interno.
Morgan ergueu a cabeça, encarando-o e buscando ali respostas a perguntas que não elaborara.
— E se eu disser que sim?
Com muita sensualidade, Wyatt deu um beijo em seu pescoço. A pulsação de Morgan acelerou-se,
dizendo-lhe que ela era tão prisioneira daqueles sentimentos quanto Wyatt. Isso ajudou um pouco a superar
o nervosismo. Era bom saber que ele não era o único a povoar aquele paraíso mesclado com inferno.
— Eu seria forçado a tomar um banho frio enquanto você
retornava à festa.
Morgan estudou sua feição, tentando discernir se dizia aquilo apenas porque era o que ela gostaria de
ouvir.
—É mesmo?
— Exatamente, a menos que prefira ficar por perto para me secar. — Ele beijou-a novamente no
pescoço, dessa vez do lado oposto. — Neste caso acho que teríamos de tomar banho juntos. Era
difícil formular palavras, pensar, quando o desejo a deixava tão ensandecida, mas precisava pelo
menos aclarar algumas coisas. Wyatt estava se mostrando um homem terrivelmente nobre.
Tinha de ser uma fraude.
— Então você não me provocaria nem...
Parou de beijá-la e a encarou. Será que Morgan estava lhe perguntando o que julgava ter
indagado?
— E então o quê? Iria obrigá-la a me aceitar?
Seu sorriso sumiu. Ela não podia estar falando a sério. Aquilo em nada condizia com seu
comportamento.
— Morgan, até mesmo quando alegou não gostar de mim, já me conhecia muito bem.
Sim, pensou, conhecia-o. A única coisa que realmente sabia sobre Wyatt McCall era que ele
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não era o tipo de homem a obrigar uma mulher a aceitá-lo. Nem precisava.
Pelo que sabia, ninguém jamais o tinha recusado. E ela não podia clamar para si tal honra
também. Aborrecia-a muito fazer parte de tal grupo.
Mas o que esperava? Ser colocada em um pedestal? Soubera muito bem seu lugar na vida de
Wyatt antes daquilo tudo começar. Sensual, de fala mansa e charmoso, o homem era dado a
jogos.
— O que quis dizer quando falou que aleguei não gostar de você? Está dizendo que eu
gosto?
Wyatt conhecia aquele tom de voz. Ela estava se preparando para uma briga. Talvez para
aliviar a culpa que sentia, não sabia ao certo. Nem estava com vontade de analisar.
Não quando suas mãos imploravam por tocá-la, e os lábios ardiam por beijar aquela boca
macia.
— Morgan — murmurou, os dedos passando suavemente pela pele sedosa de seu rosto,
seduzindo-lhe os sentidos. — Eu não quero discutir com você. Não estamos competindo. Va-
mos dizer então que você ganhou, está bem?
— Ganhei? Agora você é um prémio?
Não fora isso que ele quisera dizer... Wyatt sorriu.
— Se você diz. Mas eu estava falando que me rendia e que você tinha vencido o confronto
que julgou estar travando.
Beijou praticamente todo o rosto dela. Morgan sentiu-se trémula e viu seu desejo ser
assanhando de maneira quase incontrolável.
— Eu realmente não quero brigar — complementou Wyatt.
O coração de Morgan batia tão fortemente que ela mal conseguia ouvir as próprias palavras.
— Faça amor, não faça guerra?
Ele sorriu.
—Esta é a ideia geral.
Morgan queria submeter-se, render-se, mas precisava saber. — Por que eu?
Mais uma vez ele parou, mas apenas por um momento antes de voltar a beijar o pescoço
macio.
— Querendo elogios? Está bem, eu lhe darei um. Porque de todas as mulheres que
conheço, você é a única que permanece em minha mente.
Morgan fez um esforço por se concentrar. Não ia se comportar como as demais. Queria ser
diferente. Seria diferente.
— Não está dando muito crédito a Judith — falou, desafiando-o a mentir.
Dessa vez foi Wyatt quem retrocedeu. Ao ouvir o nome da ex-esposa, sentiu como se um balde
de água fria tivesse sido jogado em seu rosto.
— Judith é um capítulo encerrado em minha vida. Esqueça-a, Morgan.
Mas como queria que ela fizesse isso, Morgan decidiu ser diferente.
— Por quê? Porque eu descobriria que você disse a mesma coisa para ela?
Wyatt jamais falara coisas assim a Judith porque nunca as sentira. E não mentia sobre seus
sentimentos. Mentir era algo repreensível, desonroso, e honra significava muito para ele.
Morgan provavelmente riria se lhe contasse, pensou. Por isso não protestou. Em vez disso,
respondeu a pergunta com outra.
— Isto a aborreceria?
Morgan tentou aparentar indiferença.
— Não. — Mas então, hesitando, acabou admitindo a verdade: — Sim. — Achou que estava
se expondo demais. Suspirou, indefesa. — Não sei.
Então eram dois a se sentirem assim. Embora, no caso de Wyatt, ele se julgasse cada vez
mais próximo da verdade.
— Sempre gostei de múltipla escolha. Dá-me mais chances de optar pela resposta correta.
E então o sorriso provocador desapareceu. Ele tomou o rosto de Morgan com ambas as mãos
e a encarou profundamente.
Aqueles olhos ainda eram tão lindos quando da primeira vez que os fitara, havia cinco anos,
em um dia chuvoso quando estiveram em pé no estacionamento do hospital.
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— Se isto importa, saiba que nunca senti por Judith o que estou sentindo por você.
— Então por que se casou com ela? — Como não houve resposta, Morgan tirou as próprias
conclusões. — Eu sabia...
Ele ficou completamente confuso.
— Sabia o quê?
Ela se aproximou da janela e avistou a frente da casa. Não havia convidados do casamento
ali, nada para fazê-la recordar-se de que deveria estar se divertindo em uma festa e não
trancada com um homem dentro de seu quarto. Nada a não ser seu senso de honradez.
— Que está mentindo para mim.
Subitamente ela odiou Judith. E qualquer mulher que estivera tão próxima a Wyatt quanto
ela estivera. E detestou-o por deixá-las aproximar-se.
O que estava acontecendo com ela? Estaria perdendo a razão?
— Por você provavelmente ter dito a ela que a Terra se movia e as estrelas brilhavam
mais intensamente porque...
Furioso, Wyatt vociferou a verdade, contando a verdade sobre seu casamento, sem conseguir
deter as palavras.
-— Eu me casei com Judith porque ela estava grávida e disse que o bebé era meu. E
provavelmente era mesmo.
Não tivera motivos para duvidar dela.
Por um segundo Morgan ficou completamente sem fala.
—Mas você não...
—...tive filhos? Não, não tive.
Talvez ela pudesse compreendê-lo melhor, pensou Wyatt. Mas como já havia dito metade da
história, devia-lhe o direito de saber do restante.
— Ela abortou no sexto mês. Era um menino.
Wyatt teria um filho, um filho que nunca chegou a abraçar, uma criança que passara a amar
desde o instante em que soube de sua existência.
Morgan ficou extremamente confusa. Aquilo não fazia o menor sentido. Seus irmãos teriam dito algo
para ela. Era um segredo grande demais para guardarem.
— Mas ela nunca demonstrou...
Wyatt tinha plena consciência disso. Fora a base das primeiras discussões que travara com Judith.
— Por causa de vaidade. Judith quase morreu de fome, tentando não engordar, usando suas roupas
pelo máximo tempo possível.
A flagrante desnutrição dela contribuíra diretamente para o aborto.
Aquilo não fazia o menor sentido para Morgan. Aquela idade, havia opções.
— Por que ela não...
Sabia o que Morgan ia indagar. Era algo que ele recusara a até mesmo considerar.
— A religião é uma força poderosa às vezes. Envolve nossas vidas quando menos esperamos. Ela
não pôde puxar para si a responsabilidade de pôr fim a uma vida.
Judith recorrera a ele para isso, mas Wyatt a surpreendera. Não quisera tomar parte na morte de seu
filho. De modo algum o mataria. Em vez disso, fizera-lhe a proposta de casamento.
— Mesmo assim ela passou fome, atingindo-o com sua desnutrição — acrescentou ele.
Aquela era a verdade. Estava lhe contando a verdade. Mais do que isso, ainda estava pesaroso pela
vida perdida. O coração de Morgan se enterneceu por ele. Pousou a mão em seu ombro.
— Wyatt, eu sinto muito.
Encarou-a e viu simpatia em seu olhar. Isso o atingiu como um murro, e ele se virou, dando de ombros.
Simpatia simplesmente o desarmava.
— Sim, eu também.
Ela fez uma pausa, mas sabia que jamais teria paz até descobrir.
— Isto ainda não responde a minha pergunta, entretanto.
Wyatt perdera o rumo da conversa. Meteu as mãos nos bolsos e a olhou com olhar inquisitivo.
— Por que se casou com Judith?
Morgan deu alguns passos de forma a ficar bem de frente para ele e poder ver a expressão de seus
olhos ao responder:
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— Muitas pessoas têm filhos atualmente e não se casam. Mas apenas porque isso acontece com
outros não significava que era o jeito de ele encarar as coisas.
— Eu não sou como "muitas pessoas", Morgan. Tinha convicção de que meu filho merecia nascer e
ser criado pelo pai e pela mãe. Pensei que talvez eu pudesse dar a ele um lar como o que você teve.
A ansiedade que Morgan decifrou em sua voz a surpreendeu.
— Eu tive?
Wyatt deu de ombros.
— Você, Hank, Quint e os outros.
Isso realmente â espantava.
— Por que acha que Casey e eu ficávamos tanto no rancho de seus pais?
Ela nunca dedicou muito tempo a pensar naquilo. Era algo que simplesmente acontecia.
— Pensei que gostassem de meus irmãos e de me atormentar também.
Wyatt riu, indo para trás de Morgan e abraçando sua cintura. Gostava de abraçá-la assim. Havia algo
de reconfortante no gesto.
— Adoro o clima reinante aqui. Há amor e calor humano. É possível perceber isto no instante em
que se pisa na varanda.
Em todos aqueles anos, nada havia mudado. Ele ainda preferia estar naquele rancho a ficar na casa
de seus pais.
— Mesmo quando havia discussões, ninguém se sentia fazendo papel de tolo. Ou pior, como se
fosse um intruso.
Morgan se virou para encará-lo. Nunca imaginou que ele tivesse vivido um só momento de
insegurança em sua vida.
— Foi assim que se sentiu?
Wyatt não queria prosseguir com a conversa, não enquanto pudesse ter a sensação tão maravilhosa de
Morgan em seus braços.
— Você ainda não acabou com seu estoque de perguntas? Quando será minha vez?
Morgan virou-se e enlaçou seu pescoço, emocionada. Wyatt deixara que ela desse uma espiada em sua
alma e descobrisse sentimentos que nem sequer suspeitara que existissem.
Sentia-se muito próxima a ele. Sabia que até poderia vir a se arrepender, mas já havia tantos
arrependimentos envolvidos na situação. O que era um a mais?
— Acho que sua vez está chegando exatamente agora.
Ficando na ponta dos pés, beijou-o na boca. A urgência aconteceu um segundo após o contato físico e
permaneceu adiante, fazendo-os galgar patamares mais e mais altos até se envolverem em um frenesi.
Roupas foram descartadas, desejos encarados e quase saciados. Quase. Um pouco permaneceu para
que se lembrassem de que sempre havia outro passo a ser dado. Mais tarde.
Por ora ficariam deitados na cama, felizes e confusos.
Wyatt passou um braço ao redor de Morgan, puxando-a de encontro ao corpo. Mesmo naquele
instante sentia-se responsável por ela. Queria mais. Gostaria de fazer amor novamente, quase que no
mesmo instante. Que espécie de domínio aquela mulher tinha sobre seus sentidos e sua alma?
Morgan virou seu corpo para o dele.
— Temos de parar de nos encontrar assim.
Wyatt riu diante da frase melodramática e beijou seus cabelos.
— Por quê?
Isso era afeto, pensou ela. Não desejo ou paixão. Apenas puro afeto. Seu coração parecia
resplandecer.
—Porque alguém pode entrar subitamente e nos flagrar aqui.
—Oh, duvido. Sempre fui um rapaz de sorte. — Passou a mão bem levemente pela curva dos
quadris de Morgan, deixando-a arrepiada, e arrepiando-se também. — Descobri que minha sorte é
mesmo fenomenal.
Morgan estava tentando duramente não sucumbir ao desejo que ele lhe despertara. Precisavam
voltar à festa.
—Oh, eu me esqueci de com quem estava lidando, sr. Conquistador.
—E para não correr o risco de macular minha imagem, saiba que não tenho estado com muitas
mulheres como você insiste em pensar. — Riu diante do pensamento. — Na verdade, não acho que seja
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fisicamente possível para homem algum ter muitos encontros como este que acabamos de ter.
Morgan adoraria acreditar que não houve uma legião de mulheres na vida dele, pensou enquanto
ambos se levantavam e se vestiam.
— Você não é exatamente um noviço.
Wyatt mentiria se fingisse ser.
—Não, não sou. Isto a incomoda?
— Eu não poderia me importar menos. Ele ergueu o queixo de Morgan, impedindo-a de olhar
para o lado.
—E mesmo?
—Sim.
Morgan estava achando difícil manter-se indiferente. Se continuasse ali, acabaria revelando que
Wyatt roubara seu coração.
— Parece que eu saboreei algo além de indiferença em seu beijo.
Para provar isso, ele voltou a beijá-la nos lábios. Morgan gemeu. Ficou na ponta dos pés e
voltou a enlaçar-lhe o pescoço, correspondendo ao beijo com ardor.
— Morgan, você está aí?
Uma breve batida à porta, que logo foi aberta. Quint ficou de queixo caído ao olhar para
dentro do quarto.
Morgan ficou estática por um segundo. Gritando, deu um passo para trás, o coração
disparado.
Quint coçou a nuca e olhou para o nada. Não sabia se estava indignado ou satisfeito com o
rumo dos acontecimentos. Mas que situação!
— Desculpem, eu não sabia que estavam... ocupados.
Morgan pôde ouvir o sorriso permeando as palavras do irmão.
—Se você disser uma palavra disto a alguém...
Quint não precisou olhar para ela para saber que a expressão de Morgan era de ameaça.
— Não há o menor perigo de isto acontecer. — Balançou a cabeça e riu. — Ninguém vai
acreditar em mim — acrescentou Quint. — Eu os vi e ainda não consigo acreditar em meus olhos.
Morgan e Wyatt. Os outros que esperassem até saber.
—Há quanto tempo isto vem acontecendo?
—Não está acontecendo — corrigiu Morgan. — Eu apenas estava com um cisco no olho. Só
isto.
— E ele fazia o quê? — indagou Quint, sem saber ao certo se queria ouvir a resposta.
Pensando a respeito, Quint descobriu que a situação não estava exatamente resolvida.
Lamentava ter entrado e estragado o clima. Quem sabia até que ponto teriam chegado se ele
não tivesse aparecido, procurando pela irmã?
— Quint...
—O quê?
—Fique de boca calada — ordenou-lhe.
— Fique sossegada. — Começou a virar-se em direção à porta. — Mesmo porque é melhor
eu sair da linha de fogo antes que o tiroteio comece.
— Não, eu estou saindo — anunciou Morgan, ao apressar-se para fora do quarto. — Nem uma
palavra — disse por sobre o ombro —, ou Ginny será viúva mesmo antes de se casar.
— Ameaçar o delegado é contra a lei! — Quint gritou atrás da irmã.
Riu enquanto falava. Mas quando Wyatt passou a seu lado a caminho da porta, Quint colocou
a mão no ombro do homem mais novo. Wyatt parou, uma expressão estranha no olhar.
— Sempre gostei de você, Wyatt, mas magoe Morgan, e eu o matarei. Não me faça
desperdiçar munição. Detesto ter de preencher formulários.
—Quint...
— Não sei o que está acontecendo entre você e Morgan além do óbvio, mas não quero
mágoas quando terminar, compreendeu?
Wyatt pressentia que (teria de ouvir a mesma palestra de todos os outros irmãos de Morgan.
Gostava de pensar que se sentiria da mesma maneira se tivesse uma irmã. De qualquer modo,
Quint não tinha motivos para se preocupar.
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— Não tenho intenção de magoá-la, Quint.
Quint imaginou que aquela era uma escolha acertada de palavras.
— Quais são suas intenções, então?
E ele sabia?
—Ainda estou pensando nisto. Toda esta situação é uma grande surpresa tanto para mim
quanto para você. — Percebeu que Quint acreditava nele.
—Oh, eu não concordo Wyatt. — Fez uma pausa, refletindo. — Você a ama?
Ele a amava? Sim, supunha que essa palavra pudesse descrever seus sentimentos. Tudo lhe
era tão novo, não tinha muita certeza de nada.
—Não importa como me sinto, Morgan não vai querer nada comigo.
— Não foi o que pareceu.
Mas Wyatt não estivera se referindo ao óbvio.
— Falo além de atração física...
Quint nunca gostou de ver um animal sofrer. Nem um homem adulto. Estendeu ao amigo uma
corda para salvar-lhe a vida.
— Estamos falando sobre a mesma mulher? Minha irmã pode ser intempestiva e emotiva,
mas lida muito bem com qualquer situação. Se isto está acontecendo entre vocês dois, é
porque ela quer que ocorra. Meu palpite é que os dois querem. E meu conselho é que não
desperdice mais tempo além do que já desperdiçou. Esclareça a situação de uma vez por todas
e diga a ela como se sente.
Olhou-o com intensidade, a expressão então se suavizando.
— Diga como se sente — repetiu e acrescentou: — Ficará muito contente em fazer isto.
Wyatt sinceramente tinha suas dúvidas a esse respeito. Assim que se confrontasse com os
próprios sentimentos, de verdade, não haveria como se esconder. E ele não estava muito
ansioso por ter seu amor-próprio chutado mais uma vez.

CAPITULO X

Gentileza sua vir me ajudar, Morgan. Zoe tirava do armário os enfeites da festa de casamento que
ocorrera na última manhã de domingo. Ignorara a sugestão prática dada por Jake de deixarem a de-
coração posta por quatro semanas seguidas. Ele não via motivos em ter tanto trabalho.
Homens e suas mentes simplistas, pensou com carinho.
Zoe estendeu a primeira caixa para Morgan. A filha a surpreendera ao acordar bem cedo e aparecer ali
naquela manhã, dizendo que tirara um dia de folga do trabalho e que gostaria de ajudá-la.
Zoe pegou outra caixa de papelão.
— Mãos extras são de grande valia. Três de seus irmãos estão ausentes, cuidando da vida
doméstica e só Deus sabe o que aconteceu com Quint.
Quando ouvira a porta se abrir naquela manhã, esperara ver Quint entrando e não Morgan.
— Provavelmente está ocupado. Ele é o delegado, mamãe — comentou Morgan.
Zoe com cuidado dobrou uma toalha branca.
— Em uma cidade em que os crimes mais notórios são roubo de tortas.
Morgan sabia que fora assim que Quint conhecera Ginny. Ela viera voando para Serendipity depois de
Quint ter prendido sua irmã mais nova, Jennifer. Não apenas por ter roubado tortas do mercado mas
também por sua atitude agressiva.
O que, dissera ele a Morgan, fizera-o lembrar-se muito dela naquela idade. A diferença é que Morgan
tivera uma família inteira para apoiá-la.
Atualmente Jennifer e Ginny moravam na cidade, e Ginny era a primeira advogada de
Serendipity.
O que tornaria Quint e Ginny o casal da lei e da ordem, pensou Morgan divertida e sorrindo.
Ergueu a caixa com artigos de decoração e a levou para a varanda dos fundos.
E o que eram ela e Wyatt?, divagou, voltando a entrar na casa.
Caos e desastre, provavelmente.
— Onde você está?
Morgan piscou diversas vezes e olhou para cima. A mãe parara de trabalhar e a fitava com
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expressão enigmática.
— Bem aqui, mamãe. Ajudando-a.
Zoe via a cena sob outra perspectiva. Empilhou três toalhas de mesa dobradas e as estendeu
para a filha.
— Seu corpo pode estar ocupando espaço aqui, mas definitivamente sua mente e seu espírito
estão distantes.
Analisou o rosto de Morgan. Ela estava com problemas.
— Alguma coisa sobre a qual queira conversar?
Morgan girou nos calcanhares e saiu andando para colocar as toalhas ao lado da caixa. Sua resposta
chegou aos ouvidos de Zoe.
— Não.
A mãe esperou até que retornasse.
.— Algo sobre o qual não gostaria de conversar, mas eu deveria ouvir?
Morgan sorriu, lembrando-se. Essa sempre fora a frase de sua mãe para ocasiões específicas
de sua infância. Usara-a para extrair a verdade sobre suas travessuras. Fazia muito tempo que
não conversavam tão confidencialmente.
— Não, mamãe. Não é nada, de verdade.
Mas Zoe sabia. Seguindo Morgan para o lado de fora com o restante dos materiais de
decoração, falou:
— Wyatt McCall dificilmente poderia ser descrito como nada. A caixa que Morgan carregava
quase escorregou de suas mãos.
— Quem lhe contou?
E quanto teriam lhe falado? Se Quint inadvertidamente dissera alguma coisa para a mãe,
delegado ou não, iria matá-lo. Zoe curvou a boca em um sorriso de criança.
— Ninguém. Eu apenas suspeitei.
Com cuidado continuou o trabalho. Olhou para Morgan.
— Eu presumi por causa de sua reação veemente. Sempre achei que vocês pertenciam um ao
outro.
Morgan suspirou. Olhou para o céu. Não havia qualquer nuvem e estava plenamente azul, prometendo
um belo cenário para o casamento do dia seguinte.
— Então é a única a pensar assim. Ele não está interessado em comprometer-se seriamente.
Então sua filha estava pensando em compromisso sério? Todos seus pássaros estavam partindo de uma
só vez. Isso a deixava sem fôlego.
Zoe abandonou os enfeites de crepom e pousou o braço nos ombros de Morgan, dando-lhe um abraço
encorajador.
— E como sabe? Apenas porque ele se frustou no primeiro casamento não significa que abomine a
instituição.
Isso não seria típico de Wyatt, e Zoe orgulhava-se de ser boa em julgamentos.
— Venho observando aquele garoto ao longo dos anos, Morgan. Sempre rodeou nossa casa, parecendo
faminto por participar do que temos aqui. Os pais dele são muito simpáticos e educados, mas não dados
a demonstrar afeto.
Zoe nunca pôde compreender pessoas que não sentiam necessidade de abraçar os filhos, expressar com
um carinho ou afago o que sentiam. Mergulhou no olhar da filha.
— Acho que ele gosta de fogo e de calor humano, Morgan, e Deus sabe como você tem bastante disto.
Aqueça-o um pouco.
— Quando ela sorria de uma certa maneira, parecia jovem o bastante para ser irmã da filha. — Não
que eu ache que ele precise de aulas neste departamento.
— Manterei isto em mente.
— Otimo! — Zoe retornou ao trabalho. — Começarei a pendurar os enfeites.
Morgan sempre soubera que sua mãe era otimista. Atual-mente, mais do que nunca. Por mais que
quisesse abraçar-se à fantasia, Morgan sabia que a realidade metia-lhe muito medo.
— Depois do casamento, é bom guardarmos os enfeites em caixas resistentes para que durem bastante
— avisou Morgan ao afastar-se para buscar a escada.
Zoe a observou caminhar.
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— Ora, não vai demorar tanto assim — murmurou para si mesma.
— Se sua careta ficar pior, provavelmente partirá o piso da varanda em milhares de pedaços.
Assustada com o tom daquela voz, Morgan olhou para cima. Estivera tão perdida em pensamentos sentada
ali na varanda que nem ouvira Wyatt aproximar-se. Nem sequer vira-o estacionar o carro.
O telefonema que acabara de receber havia dez minutos pesava sobre ela. Sentia-se tão anestesiada
que nem teria ouvido uma bomba estourando na calçada. Por que coisas assim aconteciam a crianças
indefesas?
Mordeu o lábio e franziu a testa.
— Você veio até aqui apenas para me insultar?
— Não, eu nem mesmo sabia que estaria aqui. Vim trazer o álbum com as fotografias do casamento
de Hank e Fiona — murmurou, indicando a caixa que trazia debaixo do braço.
Era difícil pensar em seu melhor amigo como um homem casado. Estudou a expressão de Morgan.
Parecia aborrecida.
— O que há de errado?
— Você não quer ouvir.
Ela não se sentia tentada a falar naquele momento. Temia chorar se fizesse isso. Choraria porque
sabia que Josh mais uma vez se magoaria, e Morgan lhe prometera que isso nunca voltaria a acontecer.
O garoto acharia que tinha mentido para ele.
Wyatt se apoiou na amurada da varanda. Não iria a lugar algum até conversarem.
— Eu perguntei, não é mesmo?
Morgan engoliu a resposta que lhe ocorreu. Ele estava apenas sendo civilizado, e o mínimo que podia
fazer era agir do mesmo modo.
— O casal que ia adotar Josh não poderá mais ficar com ele. — Podia imaginar a expressão de pesar
do menino quando lhe contasse a novidade. — Nem mesmo poderão ficar com ele durante o final de
semana. Josh terá de retornar para o Lar.
O Lar. O termo tinha todo o calor de uma noite de verão. Em vez disso, era na verdade o inverno.
Referia-se ao orfanato ou abrigo, como alguns preferiam chamar. O lugar onde Josh teria uma cama e
comida, mas onde não se sentiria parte da vida de outras pessoas.
— O que aconteceu?
Seria sua imaginação, ou a voz de Wyatt ficara mais suave ao perguntar?
—A mãe de Ann ficou doente. Ela e Ray querem dedicar sua atenção em preservar a qualidade de
vida da senhora.
Morgan sabia quais os fardos financeiros envolvidos naquilo. Não havia como guardarem dinheiro para
cuidar de um garo-tinho que em breve teria de frequentar escola e seria responsável por muitos gastos.
— Estão indo para o Novo México buscá-la para morar com
eles. Isto deixa Josh completamente fora do cenário.
Wyatt pensou na fotografia que ficava na escrivaninha de Morgan. E em como se sentiria se fosse seu
filho a criança prestes a ser adotada.
— Não há outra pessoa que possa adotá-lo?
Ela já havia exaurido todas possibilidades antes de finalmente encontrar os Jackson.
— A grande maioria quer bebés e não meninos crescidos.
Quatro anos não o tornavam um adolescente, embora ele
soubesse que Morgan tinha razão. Procurou absorver a informação. Pensar.
— Por que não o traz para o casamento?
A sugestão a espantou. Ela acabara de decidir fazer aquilo. Esperava que o passeio do dia seguinte o
ajudasse a se sentir menos desolado.
— Você aprendeu a ler mentes?
Ele riu.
— Não precisa me elogiar, Morgan. Eu precisaria mais do que oito anos de estudo e de títulos de
doutor antes de ter o dom divino de saber o que se passa em sua cabeça.
Aprumou-se, apertando com mais força a caixa retangular que trazia consigo.
— Seus pais estão em casa?
Ela se virou para olhar para a porta.
— Vamos, eu o levarei até eles. Quero ver as fotografias também. E por que está com isto, afinal?
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— Sua mãe me pediu para pegá-las no fotógrafo se eu tivesse tempo — disse, abrindo a porta
para Morgan passar.
— Você vem?
— Eu disse que sim, não é?
— É famosa por mudar de ideia.
Parecia que Wyatt tinha sussurrado as palavras contra seus cabelos quando Morgan passou a seu lado.
Tentou não estremecer.
— Não tao rapidamente assim.
— E muito ágil — contradisse-a. — Você muda de ideia o tempo todo quando está perto de mim.
Fitou-o de modo significativo.
— E porque, para minha sorte, eu sempre recobro meu bom senso logo após perdê-lo.
Wyatt não tinha esperado nada menos ambíguo dela.
— E como você definiria bom senso?
Morgan achava mais seguro não elaborar uma resposta para isso.
Morgan se apressou a colocar o vestido rosa tão rapidamente quanto possível. O último dos quatro
vestidos de dama de honra, pensou divertida, retorcendo-se para subir o zíper.
Sempre uma dama de honra, jamais uma noiva. A velha frase ecoou em sua mente mais uma vez.
Mas não tinha tempo para divagações, considerou, pegando o enfeite de cabelos. Um garotinho
esperava por ela.
Não queria deixar Josh do lado de fora por muito tempo, embora o menino estivesse com seu pai. Sabia
que o pequenino se sentia melhor quando ela estava por perto.
Ele aceitara de modo admirável o fato de sua adoção ter fracassado. Algumas vezes Morgan achava
que ele era mais velho do que os quatro anos permitiam. A adversidade da vida tinha a capacidade de
envelhecer crianças.
Se dependesse dela, Josh jamais passaria por outro momento de dor ou pesar. Mas infelizmente ela não
poderia fazer as coisas a sua maneira, lembrou-se. Por enquanto, tudo o que poderia fazer seria oferecer
um dia agradável para ele.
Tinha-o levado à única loja de aluguel de roupas formais de Serendipity e alugado um pequeno
smoking para o menino. Ficara um tanto grande, mas alguns ajustes aqui e acolá e a roupa ficara
aceitável.
Gostaria que ele tomasse parte nos eventos. Poderia não ser apta a adotá-lo legalmente, mas lhe
daria a sensação de uma vida em família.
Colocou os sapatos e abriu a porta da minúscula sala adjacente ao altar, caminhando pelo hall. Seu
pai já estava a postos e conversava com o padre Gannon, mas Josh já não estava a seu lado. Também
não se encontrava em nenhum lugar à vista.
Mas que maravilha!, pensou com ironia. O menino havia sumido.
Morgan olhou para o relógio de pulso. O casamento começaria em menos de quinze minutos. Precisava
encontrar Josh rapidamente.
Segurou no braço do pai.
— Pai, onde está Josh?
A preocupação em sua voz agradou Jake. Houve ocasiões em que achou que, de todos seus filhos,
Morgan era aquela com menos sentimento no coração.
— Wyatt. o levou.
— Wyatt?
Por que Wyatt levaria Josh a algum lugar? Jake assentiu.
— Disse que queria conhecer melhor o menino. Tente procurar no estacionamento — sugeriu ao vê-la
estática e confusa.
Um bom lugar para principiar a busca, supunha. Levantou a barra da saia e saiu com rapidez. Não
percebeu o sorriso de satisfação no rosto do pai ao observá-la.
Passou ao redor da igreja e encontrou Josh nos fundos do prédio. Com Wyatt, conforme seu pai dissera.
Eles brincavam.
Por um segundo Morgan ficou observando o menino e o homem, atónita e tocada. Pareciam tão
naturais juntos. Teria sido assim que Wyatt trataria seu próprio filho se o menino tivesse sobrevivido?
Sentiu uma dor no peito.
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Isso sim era surpreendente. Ela sentindo pesar por causa das dores de Wyatt. Esse tinha de ser um
dia de milagres.
— Vocês vão se sujar — gritou para os dois ao aproximar-se.
Olhou mais uma vez para o relógio de pulso. O tempo corria.
Wyatt pegou a bola. Jogou-a para Josh.
— Vamos, é melhor entrarmos. A cerimónia começará em breve.
O garoto apressou-se a ficar a seu lado, e Wyatt pousou o braço em seus ombros pequeninos. Mas sua
atenção estava em Morgan.
— Pois eu me lembro de uma garota que não se importava se estivesse coberta de lama da cabeça aos
pés — comentou.
Ao pensar no assunto, Wyatt concluiu que provavelmente fora naquela ocasião que ela começara a
ganhar seu coração. Determinada e teimosa, era diferente de todas as outras mulheres que ele conhecia.
—Bem, aquela garota não tinha de caminhar pela nave até o altar no dia do casamento de seu irmão —
ponderou Morgan.
Fez uma pausa para tirar uma sujeira de seu colarinho.
— Nem você.
Wyatt aguardou até que ela terminasse.
— E então, estou apresentável?
Ela fingiu tirar uma sujeira de seu ombro.
— Ficará.
Seus olhares se encontraram.
— Ficarei, Morgan?
Indagava-lhe algo cuja resposta ainda não estava preparada para dar. Ou talvez tivesse imaginado
tudo.
— Estão procurando por nós.
— Wyatt falou que vai me adotar — Josh lhe disse quando Morgan pegou sua mão.
Aquilo a fez estacar. Mas que brincadeira era aquela?
— O quê?
Quando Josh repetiu a frase, Morgan pôde apenas olhar com incredulidade para Wyatt.
— Quando isto foi decidido?
Parecia aborrecida. Aborrecida demais para ser capaz de captar os sinais. Mas Wyatt permaneceu
firme.
— Provavelmente quando vi a fotografia dele em sua escrivaninha. Faço julgamentos rápidos, então
deixo que esfriem antes de eu agir. Quando você contou que os pais adotivos do menino foram forçados
a voltar atrás em sua decisão, soube que este era um sinal.
— Um sinal de quê? — quis saber. — De sua insanidade?
Como ele ousava brincar com as emoções de Josh?
— Você nem mesmo é casado.
— Não é preciso ser nos dias atuais... — disse-lhe simplesmente. — Não se puder demonstrar que é
capaz de criar apropriadamente uma criança. Além do mais, Josh e eu temos um vínculo — sorriu para o
garotinho. — Certo, Josh?
Vínculo? Mas ficaram juntos por apenas dez minutos!
— E este laço de afeto foi criado durante o jogo de bola?
— Conversamos.
Wyatt tinha todas as provas de que necessitava para saber que estava certo. Bastava olhar o brilho
nos olhos de Josh. Talvez fosse disso que ele tivesse precisado durante o tempo todo, ser responsável por
outra pessoa.
—O jogo não teve nada a ver com isto.
Então era o cérebro dele, pensou Morgan. Não gostaria que Wyatt desse a Josh falsas esperanças. O
menino já fora desapontado muitas vezes na vida.
—Conversaremos sobre esse assunto — prometeu ela, tensa.
Segurou a mão de Josh e apressou-se até a igreja adiante de Wyatt.
Ele a observou caminhar, do modo como fizera tantas vezes no decorrer das últimas quatro semanas.
— Estou contando com isto — disse para as belas costas de Morgan.
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Era difícil manter a concentração no casamento, embora fosse mais esplêndido do que os anteriores.
Era como se seus pais sentissem que aquele era o último, e a impressão a ser deixada devesse durar
mais.
A irmã de Ginny, Jennifer, era a madrinha de honra dela, e Quint incluíra o primo Carly para
acompanhá-la. Mais uma vez Audra era a menina a jogar as flores, distribuindo pétalas de rosa ao longo
do caminho em alegre abandono.
Morgan aguardava por entrar. Pouco antes de ela e Wyatt começarem a caminhar pela nave, ele
segurou seu braço e a impediu de andar. Confusa, fitou-o. Antes que pudesse perguntar o que acontecia,
viu Josh sendo empurrado adiante pelo pai de Denise.
O menino parecia nervoso, mas cintilante de alegria.
Com um travesseiro na mão e duas alianças no centro da almofada, Josh olhou para Wyatt e não para
ela, em busca de orientação.
—Exatamente como treinamos — sussurrou Wyatt, sorrindo para o menino.
Treinaram? Mas quando isso aconteceu? Apenas durante o tempo em que ela esteve se arrumando?
Morgan se inclinou na direção de Wyatt.
—Quem decidiu fazê-lo levar as alianças? — sussurrou.
—Eu.
Usara uma velha almofada de padre Gannon, deixada ali de um casamento anterior.
—Achei que era um toque especial. Nâo podíamos deixar este smoking em miniatura ser
desperdiçado, não é mesmo?
Sentiu que ela o contemplava de modo especial.
—O que foi?
Um calor agradável passou pelo corpo de Morgan. Uma sensação acolhedora que ela jamais teria
ousado associar a Wyatt.
— Você pode ser bom quando quer, não é mesmo?
—Continue dizendo isto a si mesma — murmurou enquanto Josh começava a seguir seu
destino.
Era a vez de eles caminharem.
—Hora do espetáculo.
Morgan viu-se ansiosa pela primeira dança. Era uma desculpa para estar perto de Wyatt. Sim,
aquele certamente era um dia para milagres, considerou.
Quando entregou-se aos braços dele, Morgan sentiu como se houvesse chegado ao lar.
Precisou concentrar-se para não mergulhar completamente na sensação que a envolvia com tanta
ternura.
— Gostaria de lhe agradecer.
Ele a encarou, surpreso.
—Por algo em particular?
—Sim.
Não o deixaria provocá-la.
— Por ser tão bom para Josh. — Hesitou um momento antes de prosseguir. Não queria
criticá-lo. — Mas não devia brincar com as emoções dele daquela maneira.
Morgan perderia Wyatt, mas isso não era novidade.
—Como eu fiz isto?
—Quando falou que iria adotá-lo.
—Mas eu falei sério!
A despeito de tudo que presenciara naquelas últimas semanas, achava difícil acreditar nele. Ele
era um homem dado a conhecer muitas mulheres, muito charmoso. Onde uma criança se
encaixaria em seus planos?
—Mas Wyatt, você é solteiro.
Ele riu.
—Mas esta é uma condição que pode perfeitamente se alterar.
Algo gelou dentro do peito de Morgan.
— Então... você tem alguém em mente?
Surpresa! Exatamente como da última vez, uma voz ecoou na consciência de Morgan.
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Mas dessa vez a situação era diferente. Morgan fizera amor com ele, e Wyatt ia lhe contar que se casaria
com outra pessoa.
Magoada e desejando estar em qualquer lugar menos ali, parou de dançar e começou a se afastar. Mas
Wyatt foi mais ágil em segurá-la.
—- A dança ainda não acabou.
Não se importava com uma dança estúpida. Como ele pudera fazer aquilo, brincar com seus
sentimentos como se fosse uma tola?
Talvez porque ela fosse mesmo.
Lutou para evitar que lágrimas de raiva corressem por seu rosto.
— Deixe-me ir embora ou juro que vou machucá-lo.
— É assim que aceita uma proposta? Pudera ninguém ter feito uma para você antes.
Demorou um minuto até as palavras serem absorvidas no cérebro dela. E mesmo quando isso
aconteceu, julgou não ter ouvido corretamente.
— Que proposta? Sobre o que está falando?
— Se me deixar dizer algumas palavras, talvez compreenda.
Wyatt respirou profundamente. Aquilo estava sendo mais difícil do que imaginara. É que dessa vez seu
coração estava plenamente envolvido, e ele tinha medo de ser rejeitado.
— Estou tentando lhe pedir para se casar comigo.
Tinha de ser uma piada. Morgan queria tanto aquilo que não era possível que estivesse acontecendo.
— E por que faria isto?
— Para que quando eu levá-la até a igreja para o casamento, você não seja apanhada completamente de
surpresa.
Aquele era o casamento de Quint. Ela não podia começar uma discussão no meio da festa, lembrou-
se. E não queria assustar Josh. Mas realmente ficou com vontade de dar um soco em Wyatt por brincar
com ela daquela maneira.
—Que espécie de piada é esta?
—Morgan, você se casará comigo?
A raiva, a mágoa, tudo desapareceu e cedeu lugar ao choque e a descrença.
— Você está falando a sério!
Ele ergueu a mão direita, em silêncio, fazendo o juramento e depois falando:
— Nunca falei mais a sério.
— Você está me pedindo em casamento. Simplesmente assim?
— Gostaria que eu pegasse o microfone?
— Não, gostaria apenas que falasse coisas que fizessem sentido.
— Por quê, pedi-la em casamento não faz sentido? Faz perfeitamente. Nós já sabemos como
brigar — o sorriso sensual pousou nos seus lábios e olhar — e certamente sabemos como fazer
amor. E ambos somos loucos por sua família. — Ele olhou para o local onde Josh brincava com
Audra. — E temos Josh — complementou Wyatt. — O que mais precisaria acontecer?
Ele estava falando sério. Mas se esquecera de algo. Uma coisa muito importante.
— Ainda há o pequeno assunto referente a amor.
— Não é um pequeno assunto — contradisse-a. — É, ao contrário, muito importante.
E como era! Ela merecia saber a verdade. Mesmo que isso a deixasse inquieta.
— Morgan, acho que provavelmente a amo há muito tempo.
Ela arregalou os olhos.
— Então por que nunca falou nada? — perguntou, quase sem ar.
Havia um motivo muito simples para isso.
— Porque no começo não percebi que o que sentia era paixão.
E porque a senhorita riria de mim. Ou bateria em meu rosto e arrancaria minha cabeça.
Ela abriu a boca para protestar, então se calou. Wyatt tinha razão.
— Você está provavelmente certo sobre a segunda parte. Mas por que agora? Por que
subitamente percebeu que me ama?
Precisava saber, queria ouvir a explicação. E então talvez, apenas talvez, viesse a acreditar em
suas palavras. Ele já pensara longamente sobre o assunto.
— Porque vi o modo como você se portava quando falava sobre Josh. E em como ficava
61
aborrecida por não ser capaz de acolhê-lo e lhe dar seu amor. Percebi que você seria uma boa
mãe. Que não era apenas muito sensual mas, carinhosa também.
Mergulhou no olhar de Morgan. Olhou com atenção e viu ali seu destino.
— Quero uma família grande, Morgan. A espécie de família na qual você cresceu. E quero que
você seja a mãe de todas minhas crianças.
— E assim que me vê, como uma mãe?
O sorriso era brincalhão, fazendo-a lembrar-se dos momentos roubados que partilharam na adega e em
seu quarto.
— Acho que já sabe a resposta para isto.
Morgan considerou a proposta por um breve espaço de tempo e respirou profundamente.
—Acho que me casar com você não é de todo ruim.
—Você podia ter dado uma resposta melhor do que esta.
—Como "acho que me casar com você será bom", por exemplo? — provocou-o, sorrindo.
—Melhor.
Morgan sabia o que ele queria ouvir.
— Tente novamente — pediu Wyatt.
Havia diversão nos olhos dela.
— Eu o amo?
— Soaria melhor se tirasse a interrogação.
— Você é exigente, não é mesmo?
— Às vezes.
— Está bem. Eu o amo — falou, após uma pausa. — Talvez eu sempre o tenha amado.
— Muito melhor!
Ela ficou na ponta dos pés para beijá-lo. Wyatt a abraçou, o sorriso envolvendo-a por completo.
— Acha que alguém devia lhes contar que a música acabou? — Jake perguntou a Zoe.
Ela se virou para olhar para a filha e para o homem que, secretamente, sempre soube que se tornaria
seu genro.
— Não, deixe que se divirtam. — Sorriu. — Parece que teremos mais um casamento, meu velho.
Explodindo de satisfação, Jake também sorriu.
— Parece que sim.
EPÍLOGO

Como nenhuma de vocês me contou? '— Morgan olhou de uma cunhada para outra.
Havia quatro sras. Cutler a rodeá-la na minúscula sala, todas resplandecentes em vestidos cor de
turquesa com tiaras prateadas.
— O quê? — Fiona, a mais preocupada de todas, ajeitava o véu de Morgan.
A despeito do salto alto, tinha de ficar na ponta dos pés para arrumar o enfeite de cabeça da noiva.
Morgan levou a mão ao estômago, tomando cuidado para que o anel de noivado que Wyatt lhe dera
não se enroscasse nos bordados do vestido.
A pedra brilhou, fazendo-a lembrar-se da expressão nos olhos dele ao colocá-lo em seu dedo.
— Que eu me sentiria menos nervosa caminhando nua pela rua principal do que me sinto neste
momento.
Brianne sorriu.
— Nós quisemos lhe reservar esta surpresa. Sorria!
Incapaz de conter-se, pegou uma pequena câmara fotográfica e apontou-a para Morgan. Antes que a noiva
tivesse chance de protestar, uma fotografia foi tirada.
—Oh, ótimo, agora eu não serei capaz de ver toda a confusão quando desmaiar no altar.
Sentia dores no estômago de nervosismo. Denise passou o braço sobre o ombro da noiva e lhe deu um
afago carinhoso.
—Você vai se sair muito bem, Morgan. Não vai desmaiar e sua vista voltará ao normal antes que
pise na nave.
Os primeiros passos rumo ao restante de sua vida. Morgan respirou profundamente, mas ainda estava
em pânico.
— Oh, Deus, e se eu estiver cometendo um erro?
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— Você realmente acredita nisto? — Ginny fixou em Morgan seu olhar de preocupação, aquele que
usava na corte quando pretendia obter a verdade de uma testemunha hostil.
Funcionou. Morgan com vagar balançou a cabeça.
— Não. Não acredito.
Uma estranha calmaria começou a tomar conta dela. Não era um engano. Já cometera muitos em sua
vida, mas certamente não estava prestes a cometer mais um. Seria a melhor coisa que já fizera em toda
sua vida, comparável apenas à adoção de Josh.
Houve uma rápida batida à porta que em seguida se abriu.
—Aqui ficará apertado — Denise falou, rindo ao abrir um pouco mais a porta e sair.
Quando passou a seu lado, deu um beijo no rosto do sogro.
— Olá, papai.
— Não deixe que ela o afugente, papai — falou Brianne em tom de brincadeira, imitando Denise e
dando um beijo em seu rosto também.
— Vejo-os daqui a pouco. — Ginny seguiu as demais e beijou Jake também.
— Tchau, papai — murmurou Fiona antes de beijá-lo e desaparecer.
— Bem, estamos apenas você e eu, garota.
Jake confortou a filha, sentindo-se quase explodir de orgulho. Ela estava linda. Exatamente como a mãe
no dia do casamento.
— Já está pronta?
Morgan mordeu o lábio.
— Como sempre estive.
Os acordes da Marcha Nupcial começaram a tocar.
—Acho que estão tocando sua música. — Jake lhe ofereceu o braço.
Ela se apoiou no braço paterno, o coração disparando de antecipação.
—Eu tenho apenas um pedido. — Os lábios de Jake mal se moveram quando ele começou a
caminhar pela nave em companhia da filha.
— Qual é? — Morgan sussurrou de volta.
— Que dê a seu primeiro filho meu nome.
Ela sorriu.
— E se for uma menina?
— Ei, sou um rapaz de mente aberta. Não poderia ter sobrevivido a todos vocês se não fosse.
Morgan tentou não rir. Não ficaria bem a uma noiva.
— Conversarei com Wyatt.
Jake também suprimiu o riso.
— É melhor fazer algo mais do que conversar se quiser me tornar avô.
— Sempre ouvi conselhos de meu pai.
Pousou o olhar em Wyatt. Observou-o virar-se em sua di-reção quando ela estava a meio caminho do
altar. Virar-se e sorrir. As batidas de seu coração se intensificaram, mas ela já não se sentia prestes a
desmaiar.
Não queria estar em lugar algum a não ser ali. Caminhando para seu destino.
Parando ao altar, Jake colocou a mão de Morgan no braço de Wyatt e deu um passo para trás.
—O que a fez demorar? — Wyatt sussurrou para ela, sorrindo.
Morgan sentiu o sorriso dele aquecer seu coração.
—Não importa.
O principal, pensou ela, era que finalmente estava ao lado de Wyatt. O lugar ao qual pertencia.

FIM

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