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75 ANOS DO CAAML

O TREINAMENTO
FÍSICO MILITAR
PARA OS MILITARES COMPONENTES
DAS EQUIPES DE ABORDAGEM

Capitão de Corveta DIMITRI CONSUL MOTTA DO CARMO


Ajudante da Divisão de Patrulha Naval – CAAML
Aperfeiçoado em Armamento

INTRODUÇÃO

P
ara ter uma Marinha moder- ções e responsabilidades no combate Físico Militar (TFM), no mínimo três vezes
na e à altura de operar com a crimes transfronteiriços e ambien- por semana, a aprovação no Teste de
excelência em diversos am- tais, em águas interiores e no mar ter- Aptidão Física (TAF) anual, com média
bientes de guerra, é inegável ritorial. Essas mudanças consistiram maior ou superior a 8,0 e a aprovação
a necessidade de investimento em no- na elaboração de documentos nor- em um TAF específico, que inclui as
vas tecnologias, elaboração de novas mativos, revisão de publicações exis- atividades de flexão no solo, flexão na
doutrinas e adaptação de táticas e tentes, adequação de pessoal e ma- barra e abdominal.
procedimentos. Em todos esses pro- terial no âmbito de cada Distrito Naval, Quanto à prática de TFM, o Cen-
cessos, há um fator que não pode ser incremento das andainas individuais tro de Adestramento Marques de Leão
relegado a um segundo plano, que é a de inspetores dos Grupo de Visita e (CAAML) conduziu estudos, em conjun-
capacitação e preparação do pessoal Inspeção (GVI) e Guarnição de Presa to com o Centro de Educação Física Al-
envolvido em operações no mar. (GP) e uma maior preocupação com a mirante Adalberto Nunes (CEFAN), em
No âmbito da atividade de Pa- pré-seleção e manutenção da qualifi- 2018, visando aprimorar o treinamento
trulha Naval, desde 2010, uma série cação dos candidatos para as equipes e alcançar um padrão de qualidade de
de transformações vêm acontecen- de abordagem. Assim, foram incluídos condicionamento físico para as equi-
do, quando, a partir da promulgação requisitos para a manutenção da qua- pes de abordagem (GVI e GP) dos na-
da Lei Complementar nº 136 (BRASIL, lificação dos componentes do GVI/GP, vios da Marinha do Brasil (MB).
2010), a Marinha passou a ter obriga- como a prática regular de Treinamento

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A ATIVIDADE DE ABORDAGEM ser uma prancha de 1 m de altura, ou incluindo o TFM, depende, diretamente,
demandar a escalada de um costado da prioridade e do período específico
Para que se entenda a motivação de mais de 10 metros, empregando-se disponibilizado pelo navio.
dos esforços de aprimoramento da uma escada de quebra peito. Muitos navios possuem espaços
prática do TFM, faz-se necessária uma Chegando ao convés da embarca- para academias e investem em equi-
análise descritiva do que, fisicamente, o ção abordada, a próxima preocupação pamentos para o aprimoramento do
inspetor de GVI enfrenta durante uma é o estabelecimento de um perímetro treinamento físico de suas tripulações,
abordagem e as razões da importân- inicial de segurança em um ambiente porém isso não é suficiente para se al-
cia do condicionamento físico para desconhecido e uma nova análise do cançar padrões mais elevados de su-
conduzir a atividade com segurança, grau de cooperação do CI. Com todos ficiência física para as atividades das
para si próprio e sua equipe. esses obstáculos sendo ultrapassados, equipes de abordagem. A preparação
A Ação de Visita e Inspeção (AVI) será procedida a divisão de tarefas individual, sem uma orientação técnica
possui cinco fases: interrogação e (controle da tripulação, inspeção inicial que a respalde, faz com que se perce-
aproximação; guarnecimento; abor- em documentos, passadiço e estação ba uma disparidade na capacitação
dagem; inspeção; e desembarque ou rádio, inspeção de compartimentos e física e, consequentemente, no desem-
apresamento. Dessas cinco fases, a praça de máquinas). Essas tarefas, de- penho das equipes de diferentes navios
participação efetiva do GVI é iniciada pendendo das dimensões do CI, núme- ou dos militares componentes de uma
no guarnecimento, quando seus inte- ro de conveses e compartimentos inter- mesma equipe.
grantes começam a se equipar e parti- nos e do número de tripulantes a bordo, A primeira providência visando à
cipar de briefings até o efetivo embar- podem ser relativamente simples e de padronização, embora pareça óbvia,
que na lancha, que os conduzirá para curta duração ou complexas, esten- é criar uma mentalidade nos navios
a abordagem. A partir do momento dendo-se por um longo tempo. e suas equipes de GVI/GP. Esta cons-
que a embarcação orgânica do Navio Durante a inspeção, há outros fa- cientização permite atribuir a devida
de Abordagem (NA) larga em direção tores que atuarão, diretamente, na ca- importância ao TFM, contribuindo, dire-
ao Contato de Interesse (CI), inicia-se pacidade de resistência dos inspetores tamente, para a elevação dos padrões
a terceira fase que estará concluída de GVI, levando-os à fadiga: ruídos ex- de condicionamento físico. Mas, essa
com o desembarque ou apresamento. cessivos, cheiros fortes, insetos e ratos, medida isolada não é suficiente.
Em cada fase mencionada, os compo- resistência da tripulação (ainda que
nentes do GVI executam uma série de passiva), necessidade de revista pes-
tarefas, suplantam obstáculos e, até soal, falta de iluminação em compar-
mesmo, a hostilidade dos tripulantes timentos, subida e descida constante
do CI, cujas reações são imprevisíveis, em escadas, temperaturas excessivas
a despeito da disponibilidade de ele- dentro da embarcação, situações de
mentos essenciais de inteligência, uma insalubridade e o próprio tempo que
correta interrogação ou avaliação de cada uma dessas condições poderá
risco cautelosa e detalhada, por parte perdurar.
do Comandante do NA.
O componente do GVI estará sem- O TFM E O TREINAMENTO
pre sujeito ao peso do seu corpo e FUNCIONAL PARA A PATNAV
equipamento (colete e capacete balís-
tico, armamento, rádio e mochila). Ou- Em complemento à capacitação
trossim, outras variáveis não podem ser obtida durante o Curso Especial de Pa-
negligenciadas, cujos efeitos são senti- trulha Naval (C-ESP-PATNAV), o militar
dos à medida que a AVI é conduzida, do GVI/GP necessita de adestramento
como condições meteorológicas ad- regular e requalificação periódica, de
versas (vento, chuva e estado do mar) acordo com o Manual de Grupo de
e temperaturas extremas (calor ou frio). Visita e Inspeção e Guarnição de Pre-
Somado a isso, o GVI, invariavelmente, sa (CAAML-1142, Rev.2, MOD1, 2018).
conduzirá a abordagem a partir de um Fazer parte das equipes de abordagem
ponto mais baixo que o local de abor- é um encargo colateral, portanto os
dagem no CI, o que confere à ação militares dessas equipes cumprem, na-
uma vulnerabilidade natural. Este local turalmente, a rotina administrativa de
de abordagem, mais elevado, cons- bordo. Dessa forma, o adestramento
titui, também, uma variável, podendo das equipes de abordagem dos navios,

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Até abril de 2018, uma pergunta domínios amplos: um de tempo e um Como resultado deste trabalho
não tinha resposta adequada: como modal”. No domínio do tempo, a Po- conjunto, foi elaborado o Manual de
conduzir o TFM para as equipes de GVI/ tência é a intensidade com que o Tra- Treinamento Funcional Específico para
GP? A partir desse questionamento, ou- balho é desempenhado, e o Trabalho é PATNAV. De fácil compreensão, o Ma-
tros subsequentes surgiram. O TFM pa- o resultado do produto da Força pelo nual apresenta os exercícios de forma
drão é aplicável à atividade de abor- deslocamento. Com isso, chegamos à ilustrativa, divididos por grupos muscu-
dagem? O TFM, atualmente conduzido seguinte fórmula P = (F x d)/t, onde P lares a serem trabalhados, explican-
nos navios, garante que o militar esta- é a Potência, F é a Força (na prática, a do os benefícios do treinamento. Os
rá preparado para subir uma escada causa do movimento), d é o desloca- exercícios requerem pouco material
de quebra peito, armado e equipado, mento, ou seja a distância na qual um ou apenas o peso corporal, pouco es-
enfrentar longos períodos de pé, en- “peso” se desloca e t é o tempo que se paço e é composto, basicamente, por
quanto estiver realizando inspeções leva para mover este “peso”, através atividades de puxar, empurrar, correr e
em compartimentos insalubres? Como dessa distância. saltar, compondo um treinamento de
manter o condicionamento físico do No domínio modal, Glassmann di- duração média de 30 minutos diários.
militar com o navio no mar? vide em 10 características diferentes:
Com todas essas demandas e a “resistência cardiovascular, resistência, A EXPERIMENTAÇÃO A BORDO DO
necessidade de produzir um progra- força, flexibilidade, potência, velocida- NPAOC “AMAZONAS”
ma de treinamento físico específico, o de, coordenação, agilidade, equilíbrio e
CAAML estabeleceu um convênio com precisão”. Em fevereiro de 2018, a equipe móvel
o CEFAN para tratar a questão em uma Portanto, pode-se dizer que um mi- da Divisão de Patrulha Naval do CAAML,
abordagem técnico-científica, através litar encontra-se em boa condição físi- fez-se ao mar, destacada no Navio de
do Programa de Orientação e Apoio ca desde que consiga produzir potên- Patrulha Oceânico “Amazonas”, tendo
ao TFM nas Organizações Militares cia em diferentes intervalos de tempo e como tarefa principal prestar assessoria
(PROA-TFM). Os especialistas do CE- em diferentes modalidades. técnica, coordenar e observar os exer-
FAN tiveram a oprtunidade de analisar Na prática, a meta do treinamento cícios de abordagem, conduzidos du-
a dinâmica da atividade de Patrulha funcional é treinar o militar do GVI/GP a rante a Operação OBANGAME EXPRESS
Naval e criar um Treinamento Funcional produzir potência suficiente para mover 2018, na região do Golfo da Guiné.
adequado aos militares componentes o seu peso corporal, somado ao peso Durante os exercícios, com equipes
do GVI/GP. de seus equipamentos, por determina- táticas de navios de Marinhas ami-
Por que optar pelo Treinamento da distância, durante um determinado gas, análogas ao GVI, em muitos ca-
Funcional? tempo, isto é, condicioná-lo a exercer sos, pouco tempo após a abordagem,
Greg Glassman, fundador do Cros- pouca força ou deslocamento por um foi percebida a fadiga no semblante
sFit™ (programa de treino de força e grande período de tempo, alternando dos militares, que vieram a bordo para
condicionamento, que se tornou muito com explosões ou picos de força e des- proceder abordagens. Com um mar
popular entre soldados e atletas), defi- locamento numa quantidade de tempo calmo e uma temperatura que variava
ne aptidão física como “a capacidade limitada, e mantendo níveis mínimos de moderada a quente (não maior do
de produzir potência por meio de dois de flexibilidade, resistência, agilidade, que 32°C), alguns militares transpira-
equilíbrio e de desempenho nos demais vam muito. Em uma das abordagens,
domínios modais. um militar de uma equipe de Marinha
Após reuniões entre a equipe de ins- amiga desfaleceu no convés, com pou-
trutores da Divisão de Patrulha Naval do co menos de duas horas de exercício,
CAAML e a Divisão de Educação Física apresentando um quadro de desidra-
do CEFAN, foram apresentadas as po- tação, sendo diagnosticado e socor-
tencialidades do PROA-TFM, a dinâmi- rido pela equipe de saúde do NPaOc
ca do C-ESP-PATNAV e as necessida- “Amazonas”. Esses fatos corroboraram,
des de desempenho físico dos militares na prática, a real necessidade do pre-
que atuam nas equipes de abordagem, paro físico das equipes de abordagem
para que o treinamento funcional fosse e os rigores da atividade.
customizado à atividade. Decidiu-se, Com os estudos de elaboração do
então, destacar uma equipe móvel do Treinamento Funcional em andamento,
CEFAN para acompanhar a parte prá- e de posse de uma minuta do manual,
tica do C-ESP-PATNAV, na Base Naval em elaboração pelo CEFAN, os instru-
do Rio de Janeiro, no mês de janeiro de tores da Divisão de Patrulha Naval do
2018. CAAML aplicaram a nova sistemática

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de TFM equipe de GVI/GP do NPaOc muito bem à rotina e aos espaços do Visita e Inspeção são uma realidade
“Amazonas”. O navio dispunha de uma navio, podendo ser executado em con- cada vez mais presente para os Grupos
rotina de TFM a bordo, de 3 a 6 vezes dições de mar com balanço e caturro de Visita e Inspeção, que, na prática,
por semana, dependendo das de- moderados. são “militares de pronto emprego”. A
mandas operativas, adestramento ou padronização e o estabelecimento de
períodos atracados nos portos. Cabe CONCLUSÃO doutrinas atualizadas e a capacitação
ressaltar que, no navio, era atribuído desses militares são ferramentas para
um elevado grau de importância ao Após a elaboração final do conferir uma maior segurança ao indi-
TFM da tripulação, além de contar com programa de treinamento funcional víduo, à equipe e aos Comandantes e
condutores de TFM, habilitados pelo pelo CEFAN, ele foi disseminado pelo decisores.
CEFAN e PROA-TFM, por meio do Curso CAAML a todos os Comandos de
Expedito de Treinamento Físico Militar Força. O próximo passo é difundir este
REFERÊNCIAS:
(C-EXP-TFM). Adicionalmente, o Navio treinamento e torná-lo atrativo ao
possuía material adequado à prática seu público-alvo, alocando o tempo BOYLE, Michael. Avanços no treinamento funcio-
nal. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014.
do Treinamento Funcional, como bolas adequado para a capacitação e o BRASIL. Lei complementar nº 136 de 25 de agosto
medicinais, kettelbell, colchonetes, ani- adestramento. Além disso, é importante de 2010. Presidência da República Federativa do
Brasil, Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos,
lhas, cordas e halteres. que todos os militares tenham a exata Brasília, DF, ago. 2010. Disponível em: <http://www.
Diante deste cenário positivo, o compreensão de como executar os planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp136.htm>.
Acesso em: 01maio. 2018.
convoo do NpaOc “Amazonas” foi exercícios e os seus benefícios. O militar
_____. CENTRO DE ADESTRAMENTO ALMIRANTE
transformado no primeiro laboratório que está acostumado à musculação MARQUES DE LEÃO. CAAML-1142: Manual de Gru-
de Treinamento Funcional para o GVI/ convencional com pesos, ou à prática po de Visita e Inspeção e Guarnição de Presa. Rev.
2, MOD1. Niterói, RJ: 2018.
GP, antes mesmo de entrar em vigor de esportes de contato, pode atribuir _____. COMANDO DE OPERAÇÕES NAVAIS. Carta
oficialmente. O Comandante do Navio, à dinâmica do treinamento funcional de Instrução PATNAV: ComOpNav nº 003. Brasília:
ComOpNav. 2014.
quando perguntado sobre a importân- uma “fragilização” na atividade física, CONNOLY, Lana M. Visit, board, searchandseizu-
cia conferida ao TFM na rotina de bor- quando na verdade esses movimentos re. Proceedings Magazine, U.S. Naval Institute,
Maryland, jul., p.16. 2016.
do, mesmo durante uma comissão tão funcionais são de grande importância
SHOWMAN, Nathan; HENSON, Phillip. As regras do
importante e em meio a tantos exercí- para um condicionamento físico treinamento físico militar do Exército dos Estados
cios e adestramentos e tarefas admi- adequado. Unidos. MilitaryReview, ArmyUniversitary Press,
Fort Leansworth, Kansas, mar./abr., p. 77-80. 2015.
nistrativas, foi categórico em afirmar Com as demandas, tanto nas Ope- Disponível em: <http://www.armyupress.army.mil/
que: rações Navais, quanto no setor de se- Portals/7/militaryreview/Archives/Portuguese/Mi-
“A manutenção da higidez física é litaryReview_20150430_art012POR.pdf>.Acesso
gurança e fiscalização, as Ações de em: 01maio.2018.
muito importante para nós. Um Navio
de Guerra, devido as suas caracterís-
ticas peculiares é, naturalmente, um
ambiente insalubre. Dormimos sobre
paióis de munição, tanques de óleo
combustível com milhares de litros,
conduzimos armamentos, máquinas e
equipamentos que operam com tem-
peraturas extremas. Os riscos, apesar
de controlados, sempre estão presen-
tes. E quanto melhor estiverem con-
dicionados fisicamente os tripulantes
de um Navio, maiores são as chances
de se contrapor, com sucesso, aos si-
nistros e incidentes que por ventura
ocorram.”

Após 70 dias de comissão, sendo 55


dias de mar e 32 de prática TFM, foram
colhidos depoimentos de alguns dos
militares que mais tiveram regularida-
de nos treinamentos funcionais a bordo
do navio, sendo os resultados positivos
mais citados: melhor alongamento ou
flexibilidade, perda de peso e maior
resistência. O treinamento se adaptou

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