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Comentário Crítico Sobre os Textos de Desigualdade e Diferença

* Maria Côrtes do Nascimento

Os artigos comentados neste texto falam sobre desigualdade/ diferença no


contexto das relações internacionais. Os textos comentados são: Globalization, Market
Civilization and Disciplinary Neo-liberalism de Stephen (2008), IR and the Inner Life of
Modernization Theory de Naeem Inayatullah e David Blaney (2004), Lines of
Insecurity: International, Imperial, Exceptional de Robert Walker (2006) e Power in
Postcolonial World: Race, Gender, and Class in International Relations de Geeta
Chowdhry e Sheila Nair (2002). Cada trabalho possui premissas diferentes para discutir
desigualdade e são construídos por estruturas teóricas ora semelhantes, ora divergentes.
Essas semelhanças e diferenças serão vistas a seguir bem como a maneira como cada
autor trabalha a desigualdade/diferença no contexto internacional.

Em Power in Postcolonial World : Race, Gender, and Class in International


relations, Geeta Chowdhry e Sheila Nair trazem a existência das desigualdades através
do desenvolvimento da abordagem pós-colonial. Em outras palavras, as autoras
reconhecem as desigualdades de classe, gênero e raça ao longo da história marcada pela
colonização. Nesse sentido, a construção dos discursos que mantiveram a hegemonia
racial europeia e branca em detrimento das outras raças nos países periféricos é uma
característica importante do texto, por que as autoras priorizam a importância da
formação do discurso para a materialização das inequidades. Além disso, o uso da
abordagem pós-colonial não surge para afirmar o fim das políticas coloniais no mundo,
e sim como uma ruptura das exclusivas abordagens eurocêntricas, através do discurso,
mantem essa condição desigual. O surgimento do termo pós-colonial tem relação com a
resistência por parte das minorias e do reconhecimento de uma abordagem identitária ao
trazer o lugar de fala como o outro gume de uma mesma história.

Naeem Inayatullah e David Blaney trazem elementos em IR and the Inner Life of
Modernization Theory que são próximos à abordagem teórica pós-colonial, pois partem
da premissa de que o desenvolvimento da teoria da modernização, ou seja, a formação
de um discurso, e a agregação dessa teoria/discurso nas relações internacionais é
mantenedora das desigualdades entre os países. Além disso, os autores evidenciam
como a teoria da modernização nega ou evita a história e as diferenças culturais, de
modo a definir o que é tradicional ou moderno, civilizado ou bárbaro. Nesse sentido,
Naeem Inayatullah e David Blaney trazem o termo “neomodernização” para explicar
como a teoria da modernização vem se reinventando ao longo do tempo nas teorias de
RI em forma de paz liberal, sociedade civil global ou governança global. Essas teorias
universalizantes estão em prol de uma homogeneização mundial para conquistar a paz,
mas camuflam um ordenamento – hierárquico intencional.

Robert Walker, por sua vez, traz uma estrutura de pensamento teórico diferente
dos outros autores em Lines of Insecurity: International, Imperial, Exceptional, com
uma estrutura teórica voltada para o pós-estruturalismo. Walker trabalha a ideia de
soberania dos Estados como autodeterminação jurídica dos países e a partir daí aborda
uma linha tênue de força vertical que é a imperial. A força horizontal seria a segunda
linha tênue que é o Internacional. Ambas as linhas normalmente se confundem, a força
internacional inclusive desaparece quando Walker se utiliza da modernização para
mostrar como a ideia universalizante, traz uma perspectiva europeizada de convergência
para uma sociedade global padronizada. A terceira linha de insegurança é o
excepcionalismo. Walker estrutura seu texto com base nos conceitos de “estado de
emergência” ou “estado de exceção” de Carl Schmitt. Enquanto, as duas primeiras
linhas tendem a se confundir, a exceção tende a predominar no ambiente que transcende
dos Estados soberanos para o sistema de Estados soberanos. É através da exceção, que o
sistema global limita os direitos soberanos das nações em prol do desenvolvimento da
civilização, da ruptura do que é “bárbaro”. A relação dos países nesse sistema se dá pela
noção de amigos e inimigos, ou seja, a exceção é permitida entre estados amigos,
enquanto a ameaça inimiga é uma situação continuamente latente de defesa, relacionada
ao propósito das intervenções do que é hegemônico e de quem está no topo da
hierarquia. Nesse sentido, o autor infere que apesar das tentativas de uma política global
modernizadora, o contexto parece criar mais exclusões e fronteiras que o idealizado.

Por fim, Stephen Gill, em Globalization, Market Civilization and Disciplinary


Neo-liberalism traz uma perspectiva neo-gramisciana para falar de
desigualdades/diferença. A ideia central de Gill é que a globalização, o neoliberalismo e
os mercados civilizatórios produzem ideologias e políticas culturais através de forças
sociais e abertura das fronteiras que acirram as contradições do sistema liberal
capitalista. Os mercados civilizatórios são a materialização através do modo de
produção, do consumo global e da ideia neoliberal comprada pelas nações que cumpre o
papel de esgarçar o hiato entre o primeiro e o terceiro mundo. Nesse contexto, Gill traz
um conceito importante para o desenvolvimento do seu trabalho que o da supremacia. A
ideia da supremacia traz algo de novo nas abordagens, pois isso implica em trazer outras
forças que não apenas os Estados para as relações internacionais. Indica trazer o poder
de um bloco histórico que não necessariamente é hegemônico e que muito tem haver
com o poder do capital financeiro. Nesse sentido, que o autor ainda traz outro termo
importante, que é a do novo constitucionalismo, ou seja, há uma institucionalização de
formas legais de políticas públicas no âmbito da governança econômica global cujas
instituições mantenedoras dessa ordem seriam as organizações derivadas de Bretton
Woods. Ademais, Gill traz outro termo interessante para tratar da forma neoliberal de
vigilância de coerção do sistema: O Panopticism, que traz a ideia daquilo que tudo vê e
assim controla. Além das próprias organizações de Bretton Woods, os mecanismos
tecnológicos, sobretudo de controle de dados, são fundamentais para a coerção do bloco
histórico.

Cada autor trouxe premissas distintas para falar sobre como as diferenças estão
sendo utilizadas para a manutenção da hegemonia e das desigualdades. Apesar da
abordagem mais rebuscada de Walker em trazer uma ideia jurídica da desigualdade e de
considerar que o excepcionalismo de Carl Schmitt anula o espaço e o tempo, o autor não
se preocupa em desenvolver mais sobre a história. Naeem Inayatullah, David Blaney,
Geeta Chowdhry e Sheila Nair, ao contrário, priorizam a análise do discurso que forma
diferenças de raça, gênero e classe como inferiores e me parece ser uma análise
fundamental para a compreensão das desigualdades, pois rompe com as abordagens
eurocêntricas e se coloca como símbolo de resistência e reconhecimento. A abordagem
de Gill, também é interessante, pois traz o aspecto cultural de dominação tão
negligenciado ou intencionalmente evitado pelas abordagens econômicas clássicas.

Dessa maneira, é possível no mínimo compreender que ainda há muitos desafios


para vencer as desigualdades, dado que é historicamente enraizada a ideia do civilizado
e do moderno. Além disso, forças sociais são tecnologicamente eficientes para controlar
coercitivamente o que se prefere chamar de sociedade civil global.

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