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Ao menos desde o ano 2000 dedico-me a estudar aspectos jurídicos afetos à questão da
privacidade. E tanto é assim que, ao concluir minha pós-graduação "lato sensu" junto à
Escola Paulista de Magistratura, em 2002, o tema escolhido foi "O Direito à Privacidade
das Pessoas Notórias".
Exatos dez anos se passaram até que eu conseguisse juntar meus saldos de férias não
gozadas para, finalmente, poder ir aos Estados Unidos cursar meu Mestrado em Direito
Comparado, que incluiu dois períodos na renomada Universidade de Cambridge, no
Reino Unido.
Você não precisa ser um expert no assunto para inferir que, nos Estados Unidos, as
chamadas liberdades individuais são acentuadamente priorizadas, ao passo que, na
Europa, a temática relativa à privacidade recebe ampla primazia. E não é por acaso, aliás,
que, diante da evolução tecnológica, e, depois de intensos debates cujo detalhamento não
cabe nesse breve texto, foi finalmente aprovado o Regulamento Geral sobre a Proteção
de Dados 2016/679 (GDPR)1, que é aplicável na União Europeia a partir de 25/05/2018
e que conta também com efeitos extraterritoriais sob algumas circunstâncias.
O Capítulo III trata especificamente dos "Direitos do Titular de Dados", os quais se acham
dispostos e elencados em cinco Seções. A Seção 3, denominada "Retificação e
Apagamento", abarca os artigos 16 a 20, sendo certo que o art. 17 foi denominado de
"Direito ao apagamento dos dados («direito a ser esquecido»)".
1http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN-
PT/TXT/?uri=CELEX:32016R0679&from=EN
2
http://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf?doclang=EN&docid=15206
5#Footnote*
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Pedi a ele, pois, a gentileza de externar sua opinião acerca desse específico ponto: o que
mudou, afinal, desde o julgamento do caso Costeja em matéria de Direito ao
Esquecimento?
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Estou curiosa para conhecer as suas percepções e saber se coincidem com as minhas. E
se, ao final, avaliarmos que estamos definitivamente de acordo, poderemos trazer aos
leitores as nossas conclusões conjuntamente.
Agradeço imensamente ao Dr. João Ferreira Pinto por ter aceitado meu convite e, desde
logo, passo-lhe a palavra.
É uma honra o convite a prestar o meu contributo - que aceito com imenso prazer - que
me foi dirigido pela Dra. Viviane Nóbrega Maldonado, especialista de referência no
Brasil (também) em proteção de dados e uma autoridade no chamado “Direito ao
Esquecimento” com incontornável obra publicada.
Para se alcançar bem a dimensão jurídica do que hoje se designa por “Direito ao
Esquecimento”, importa revisitar o longo caminho doutrinário e jurisprudencial de
evolução do conceito antes do Acórdão Google Spain (13/05/2014) até aos dias de hoje.
De origem norte-americana este conceito de “Right to be let alone” parte de uma premissa
baseada na propriedade, isto é, o direito à privacidade existe porque decorre do direito de
propriedade e do “espaço privado” de cada um, que deve ser respeitado.
Logo surgem casos célebres nos tribunais norte-americanos de defesa da imagem e defesa
deste “right to be let alone”.
Mais tarde, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial surgem os grandes textos jurídicos
de referência sobre Direitos Humanos, como a Declaração Universal dos Direitos do
Homem (Nações Unidas, 19484) e na Europa a chamada Convenção Europeia dos
Direitos do Homem (Conselho da Europa, 19505), com um cariz ligado à dignidade do
ser humano.
3 The Right to Privacy, Samuel D. Warren; Louis D. Brandeis, in Harvard Law Review,
Vol. 4, No. 5. (Dec. 15, 1890), pp. 193-220:
.http://www.cs.cornell.edu/~shmat/courses/cs5436/warren-brandeis.pdf
4 Nações Unidas, http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por
5 Conselho da Europa, https://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf
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E no reforço dos direitos dos titulares dos dados pessoais – preocupação logo vincada na
proposta inicial do RGPD -, a par dos direitos de acesso, de retificação, de cancelamento
e de oposição (direitos “ARCO”), nasce, entre outros, um assumido “direito a ser
esquecido e ao apagamento” (cfr. artigo 17.º).
Na sua versão inicial, o extenso preceito delimita este “direito a ser esquecido e ao
apagamento” aos casos em que: os dados deixaram de ser necessários em relação à
finalidade que motivou a sua recolha; o titular dos dados retira o consentimento sobre o
qual é baseado o tratamento; o titular dos dados se opõe ao tratamento; ou o tratamento
não respeita o regulamento.
Direito este que o responsável pelo tratamento deve respeitar sem demora, salvo quando
a conservação dos dados seja necessária: ao exercício do direito de liberdade de
expressão; por motivos de interesse público no domínio da saúde pública; para fins de
investigação histórica, estatística ou científica; ou para o cumprimento de uma obrigação
jurídica de conservação de dados.
Como limite a este “direito à supressão”, o TJUE estabelece “razões especiais como, por
exemplo, o papel desempenhado por essa pessoa na vida pública, a ingerência nos seus
direitos fundamentais é justificada pelo interesse preponderante do referido público em
ter acesso à informação em questão, em virtude dessa inclusão.”.
Ora, neste “justo equilíbrio” entre outros direitos fundamentais e o referido direito de
supressão (“delisting”), agora apelidado “Direito ao apagamento dos dados («direito a ser
esquecido»10)” na versão final do RGPD de 2016 (que mantém no essencial os contornos
da versão inicial), será necessário atender de forma casuística a múltiplos fatores, entre
os quais:
2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de
dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE
(Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados): http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32016R0679&from=pt
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1. O papel do titular dos dados na vida pública (papel claro na vida pública, por ex.
Políticos, celebridades, artistas, desportistas; sem qualquer papel na vida pública; um
papel limitado na vida pública ou num contexto específico, tais como diretores de
escolas);
4. Tempo (por ex. informação relevante em determinando momento mas que deixou de
ser relevante, critério que pode ser determinante nos casos de titulares que tiveram um
papel público ativo e deixaram de ter, e particularmente relevante nos antecedentes
criminais).
decorre do contexto das cartas e tratados atinentes aos direitos fundamentais, reconhecido
que a proteção aos dados pessoais é um deles.
No que pertine, porém, à ratio que reconheceu o direito a aquele específico cidadão, tem-
se que não houve profunda alteração dos critérios que inspiraram o texto final do GDPR
nas consideranda 65 e 66, bem como no próprio art. 17, haja vista que a Corte já houvera
estabelecido a necessidade de proceder-se à ponderação de interesses para aferir-se a
existência do invocado direito ao esquecimento no caso concreto.
O que releva, entretanto, como novidade em termos formais é que agora, pela força
imperativa da lei, a tarefa de ponderação acha-se definitivamente cometida aos próprios
responsáveis pelo tratamento de dados, em operação de validação muito próxima do
cotidiano exercício da atividade jurisdicional, ao menos na compreensão que se tem aqui
no Brasil.
Aguardemos, pois, para observar como essa importante e inalienável missão virá a ser
exercida a partir de 25/05/18.
12 https://transparencyreport.google.com/
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